Cogumelos_Mágicos_Dissertação_UFPE_2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA COGNITIVA
JOS ARTURO COSTA ESCOBAR
Observao e explorao da percepo visual e do tempo em indivduos sob o
estado ampliado de conscincia aps o consumo de cogumelos mgicos
(Psilocybe cubensis)
Recife
2008
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JOS ARTURO COSTA ESCOBAR
Observao e explorao da percepo visual e do tempo em indivduos sob o
estado ampliado de conscincia aps o consumo de cogumelos mgicos(Psilocybe cubensis)
Recife
2008
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Psicologia Cognitiva da Universidade
Federal de Pernambuco como requisito para aobteno do ttulo de Mestre em Psicologia Cognitiva.
rea de Concentrao: Cultura e CognioOrientador: Prof. Dr. Antonio Roazzi
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Escobar, Jos Arturo CostaObservao e explorao da percepo visual e do tempo em indivduos
sob o estado ampliado de conscincia aps o consumo de cogumelosmgicos ( Psilocybe cubensis) / Jos Arturo Costa Escobar. Recife: OAutor, 2008.
158 folhas : il., fig., tab.
Dissertao (mestrado) Universidade Federal de Pernambuco. CFCH.Psicologia, 2008.
Inclui: bibliografia e anexos.
1. Psicologia cognitiva. 2. Estados de conscincia. 3. Psilocybe cogumelo.4. percepo visual. 5. percepo de tempo. I. Ttulo.
159.9150
CDU (2. ed.)CDD (22. ed.)
UFPEBCFCH2008/79
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Dedico esta Dissertao
minha filha Hannah Vishnu, meus pais
e a todos os amigos que cativei nessa vida.
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente gostaria de agradecer aos meus pais, pela fora que sempre deram, por todo
carinho e compreenso, pelo apoio, mesmo distantes, posso sentir as vibraes positivas e toda a
torcida por mim. Minhas buscas por conhecimento e entendimento pelos mistrios da vida vem
de todo estmulo que me concederam.
minha esposa, que me deu uma linda filha, vocs iluminam meu viver e so meu ponto de
partida para tudo o que planejo.
Aos meus queridos irmos, que assim como eu so vidos por conhecimento. Cada um
trilhando seus prprios caminhos, mas na certeza de nossa inseparabilidade, mesmo na morte.
Aos meus sogros, por todo o apoio, e a toda minha famlia, vocs so e foram imprescindveis
para minha existncia at ento. De todo corao, amo todos vocs.
Ao amigo, professor, orientador e conselheiro Antonio Roazzi, sem o qual eu no teria como
desenvolver tal estudo. Sei que nossos caminhos se cruzaram por que assim era pra ser nessa
nossa experincia singular da vida.
Ao Alexsandro Nascimento por toda a orientao e apoio cientfico, importante para que eu
iniciasse o caminho a ser trilhado na psicologia.
Aos amigos da Psicologia Cognitiva Lysia, Leonardo, Natlia, Karine, Cludia, Tarciana,
Rafaela, Carol e Daniela, fui muito feliz em poder compartilhar esses momentos com vocs. Aocasal Justi & Justi e ao Beto, pela troca de idias e debates animadssimos.
s Veras, Elaine, Joo Paulo e ao Alexandre pela ajuda e pelo apoio.
Aos queridos professores da Psicologia Cognitiva, Luciano, Selma, Alina, Sntria, Bruno,
Jorge, Graa, Glria e Maninha, aprendi muito com vocs e sei que h muito o que aprender.
Muito obrigado pela confiana e pela oportunidade.
Aos amigos todos que fiz na Biologia e que me deram muita fora e luz. minha ex-
orientadora e amiga Mriam Guarnieri e aos amigos do Laboratrio de Animais Peonhentos e
Toxinas, Juliana, Lidiane, Jnior, Milena (e Spinelli), Lucas, Ilca e Marliete, meu interesse pela
cincia parte de toda nossa convivncia como grupo.
Ao Wagner Lira, vulgo Mago, meu compadre querido. Nosso interesse cientfico pelas plantas
de poder parte de nossas tantas questes metafsicas, biolgicas, antropolgicas e conceituais
levantadas em nossas diversas experincias conjuntas.
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A todos os participantes do estudo pelo empenho e motivao. Sem a doao de vocs seria
impossvel o desenvolvimento desse projeto.
Ao professor Rick Strassman pelo apoio e fora no desenvolvimento desse projeto.
Ayahuasca e ao Santo Daime, que muitas vezes me iluminaram, mesmo que na base da
pia, para que eu refletisse sobre os caminhos de minha vida.
Ao cogumelo divino do estrume,Di-shi-tjo-le-rra-ja, ponto principal da presente pesquisa, lhe
agradeo os conselhos e os ensinamentos.
Universidade Federal de Pernambuco pela oportunidade e ao CNPq pela concesso da bolsa
de Mestrado.
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H um mundo alm de ns, um mundo que muito remoto,
prximo e invisvel. E l onde Deus vive, onde os mortos vivem,
os espritos e os santos, um mundo onde tudo j aconteceu e tudo sabido.
Esse mundo fala. E ele tem uma linguagem que sua.
Eu relato o que ele diz.
O cogumelo sagrado me pega pela mo e me leva ao mundo onde tudo sabido.
E ele, o cogumelo sagrado, que me fala de uma maneira que eu possa entender.
Eu pergunto a ele e ele me responde.
Quando eu retorno da viagem que tive com ele, eu falo o que ele me disse
e o que ele me mostrou.
Mara Sabina, Xam Mazateca do sculo XX
L, o olho no alcana,
Nem a fala, nem a mente.
No sabemos ou sequer entendemos
Como poderia ser ensinado.
Kena Upanishad, 3.
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RESUMO
Escobar, J. A. C. Observao e explorao da percepo visual e do tempo em indivduossob o estado ampliado de conscincia aps o consumo de cogumelos mgicos
(Psilocybe cubensis). 2008. 158 f. Dissertao (Mestrado) Programa de Ps-Graduao emPsicologia Cognitiva, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008.
Os cogumelos do gnero Psilocybe so utilizados por culturas tradicionais indgenas hmilnios em rituais mgicos devido aos seus efeitos psicoativos e, seu uso ainda perduraentre os descendentes, principalmente na Amrica Central; na Amrica do Sul a utilizaotradicional mais recente desses cogumelos data de 300 anos a.C. No Brasil registrada aocorrncia de diversas espcies desses cogumelos capazes de produzir os compostossecundrios psilocina e psilocibina, potentes psicoativos em pequenas quantidades. Emborano haja registros do uso tradicional de cogumelos em nosso pas, sua utilizao no-
ritualstica ou recreacional compartilhada por uma grande teia de usurios de diversaslocalidades, passando despercebido pelos censos epidemiolgicos, sendo a prtica de uso daespcie Psilocybe cubensis observada em Recife-Pernambuco. A ingesto de pequenasquantidades desses cogumelos proporciona uma experincia psicodlico-mstica, ondediversas funes mentais encontram-se alteradas e emergentes, percepo visual (de olhosabertos), sonora, tato, linguagem, imaginao criativa (percepo visual de olhos fechados),lgica, etc. O presente estudo visou explorar experimentalmente aspectos bsicos dapercepo visual e a percepo subjetiva de durao do tempo atravs de tarefas simples eobjetivas. Os aspectos gerais da experincia foram acessados atravs de testes psicomtricosem voluntrios humanos saudveis que j haviam ou no feito o uso de substncias
psicodlicas. Vinte e oito pessoas participaram do estudo mediante a aceitao do Termo deConsentimento Livre e Esclarecido. A pesquisa foi conduzida em ambiente no-laboratorial eno formato grupo-pesquisador. A percepo visual motora dos participantes no apresentoudiferenas significativas quando comparados o estado comum com o ampliado de conscinciae quando comparados com o grupo controle. Entretanto, observou-se um dficit significativoda memria de trabalho visual dos participantes aps consumo dos cogumelos. Osparticipantes, sob o efeito dos cogumelos, apresentaram diferenas significativas da perceposubjetiva do tempo em relao aos pr-testes. O tempo subjetivo se tornara mais lento, dessaforma houve uma tendncia ao atraso na contagem correta dos segundos. Os resultados sodiscutidos em termos qualitativos do funcionamento da cognio perceptiva entre os estados
comum e ampliado de conscincia e quanto s caractersticas psicotomimtica e psicodlicada substncia.
Palavras-chave: estados de conscincia, Psilocybe, percepo visual, percepo de tempo,
cognio.
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ABSTRACT
Escobar, J. A. C. Observation and exploration of visual and time perception on humansunder amplified states of consciousness by the consumption of magic mushrooms
(Psilocybe cubensis). 2008. 158 f. Dissertao (Mestrado) Programa de Ps-Graduao emPsicologia Cognitiva, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008.
The mushrooms of genus Psilocybe were used in Indians traditional culture for thousandyears in magic rituals due its psychoactive effects and its use continue between Indiandescendants, principally on Central America; on South America its more recent use date for300 years b.C. In Brazil occurs some species of these mushrooms that produces the secondarycomponents psilocin and psilocybin, high psychoactives in little quantities. Although there isno register of traditional use of magic mushrooms in our country, its not-ritualistic or
hedonistic use is shared for many users in some localities, ignored by the epidemiologicalcensus and its use practices were observed in Recife-Pernambuco with the specie Psilocybecubensis. The ingestion of little quantities of these mushrooms causes a mystic-psychedelicexperience which some mental functions are altered like visual perception (with opened eyes),auditory, touch, language, creative imagination (visual perception with closed eyes), logic,etc. The way of the present study was to explore experimentally basic aspects of visualperception and subjective perception of time duration through the application of simple andobjective tasks, and general aspects of the experience through the application of psychometrictests in healthy humans volunteers that makes or not the use of psychedelic substances.Twenty and eight people participate of the research by the acceptance of the informed
consent. The study was conducted in non-laboratorial set and in the format group-researcher.The motor visual perception of the participants did not presented significant differences whencompared the ordinary and amplified states of consciousness and compared to group control.Nevertheless, were observed a significant deficit on visual working memory of theparticipants after the consumption of the mushrooms. The participants under the mushroomseffects presented significant differences of the time subjective perception in relation to pre-tests. The subjective time became slower, showed by the retard in the correct counting ofthe seconds. The results are discussed in qualitative terms of the cognitive perception betweenordinary and amplified states of consciousness as by psychotomimetic and psychedeliccharacteristics of this substance.
Key-words: states of consciousness, Psilocybe, visual perception, time perception, cognition.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Cogumelo coprfilo da espcie Psilocybe cubensis (Earle) Singer... 5
Figura 2.Loops de retro-alimentao do modelo CSTC... 13
Figura 3. Viso de Amaringo (n 42, Luna & Amaringo, 1993)... 17
Figura 4. Deuses cogumelos de pedra... 23
Figura 5. Cogumelos da espcie Psilocybe cubensis... 66
Figura 6. Tarefa de bi-seco manual de linhas... 69
Figura 7. Carto de memorizao... 70
Figura 8. Exemplos da tarefa de percepo visual motora (MVPT-V)... 71
Figura 9. Mdias dos escores nas sub-escalas do HRS-test obtidas pelos... 76
Figura 10. Mdias de sentimentos afetivos subjetivos durante a experincia... 77
Figura 11. Percepo subjetiva do tempo mensurado antes e aps o consumo... 78
Figura 12. Evoluo das mdias (mm) dos participantes na tarefa de bi-seco... 80
Figura 13. Desempenho dos participantes na tarefa de memria de trabalho visual... 83
Figura 14. a-d,Psilocybe cubensis. a. Basidioma; b. Basdio; c. Basidisporos... 131
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Efeitos fisiolgicos da psilocibina em humanos saudveis... 26
Tabela 2. Eficcias relatadas dos principais tratamentos para ataques de enxaqueca... 28
Tabela 3. Percentuais de uso de substncias psicodlicas pelos participantes... 64
Tabela 4. Categorizao do hbito de consumo de substncias psicodlicas... 64
Tabela 5. Mdias ordenadas nas seis sub-escalas do HRS-test... 75
Tabela 6. Mdias e desvios padro obtidas na tarefa de percepo do tempo... 78
Tabela 7. Mdias e desvios padro obtidos pelos participantes na tarefa de bi-seco... 80
Tabela 8. Diferenas e significncias encontradas entre a varivel Tipo de Dica... 81
Tabela 9. Relaes de igualdade entre as mdias na tarefa de bi-seco... 82
Tabela 10. Mdias de erros apresentadas nos diferentes tipos de funes visuais... 84
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SUMRIO
Resumo i
Abstract ii
Lista de Figuras iii
Lista de Tabelas iv
1. Prefcio 12. Introduo 4
2.1.Histrico das Substncias Psicodlicas 62.2.Estudos Atuais com Substncias Psicodlicas 10
2.2.1. Bases Neuroqumicas 102.2.2. Bases Psicolgicas e Psicoteraputicas 14
2.3.Os Cogumelos Mgicos e a Psilocibina 212.3.1. Breve Histrico 212.3.2. Estudos Clnicos 242.3.3. Estudos Psicolgicos, Neuropsicolgicos e Psiquitricos 28
2.4.O Fenmeno da Mente e da Conscincia Humana 382.5.Percepo Sensorial 47
2.5.1. A Percepo Visual 472.5.2. A Percepo do Tempo 52
3. Objetivos 593.1.Geral 603.2.Especficos 60
4. Mtodo 614.1.Participantes 624.2.Material 654.3.Testes e Tarefas Experimentais 67
4.3.1.
Escala de Avaliao Alucinognica (HRS-test) 674.3.2. Tarefa de Percepo Subjetiva do Tempo 684.3.3. Tarefa de Bi-seco Manual de Linhas 684.3.4. Tarefa de Memria de Trabalho Visual 694.3.5. Tarefa de Percepo Visual Motora 70
4.4.Delineamento Experimental 72
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5. Resultados 745.1.Efeitos Subjetivos Agudos 755.2.Tarefa de Percepo Subjetiva do Tempo 775.3.Tarefa de Bi-seco Manual de Linhas 795.4.Tarefa de Memria de Trabalho Visual 825.5.Tarefa de Percepo Visual Motora 84
6. Discusso 867. Concluso 106
7.1.Perspectivas de Pesquisas Futuras 1098. Referncias 1109. Anexos 126
Anexo 1 127
Anexo 2 128Anexo 3 130
Anexo 4 131
Anexo 5 132
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1. Prefcio
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As substncias psicodlicas tm sido estudadas h pouco mais de um sculo, desde que a
cincia ocidental descobriu os seus usos entre as culturas tradicionais. A partir desse perodo at
nossos tempos de cincia contempornea, diversos estudos foram realizados em campos
diferentes de acordo com as dcadas e com os interesses envolvidos no estudo dessas substncias.
Aps um perodo de quase extino como linha de pesquisa, o retorno ao interesse envolvido
com o intrigante fenmeno proporcionado pelos psicodlicos ocorre no final do sculo XX
(dcada de 90) e continua seu reflorescimento em pleno sculo XXI.
Apesar dos milhares de estudos desenvolvidos at ento, pouco se sabe e menos ainda
desenvolvido no Brasil, pas que possui grande biodiversidade dessas substncias e variabilidades
em suas formas de uso social. A cultura de uso de psicodlicos no Brasil e na Amrica em geral
atrai os interesses de diversos grupos de pesquisas interessados nesse fenmeno, que tm gerado
debates amplos nos campos da neurocincia, da cincia cognitiva e das cincias sociais,
principalmente da antropologia e etnologia.
As linhas de pesquisas que envolvem os estudos dessas substncias no Brasil so praticamente
inexistentes, e muitas vezes encontram-se limitadas s cincias sociais e s cincias mdicas.
Assim, devido s limitaes desses estudos nacionalmente foi buscado apresentar ao leitor o que
houve de mais importante nos estudos desenvolvidos com psicodlicos na literatura e os modos
de investigao contemporneos com essas substncias.
A presente dissertao buscou apresentar primeiramente uma reviso condizente aos estudos
gerais j realizados com as diversas substncias psicodlicas, onde foram includas as atuais
linhas de pesquisa mais importantes, desenvolvida a partir do ltimo grande momento do estudo
com tais substncias ainda no sculo XX (dcadas de 50 e 60).
Apresentam-se tambm os diversos estudos desenvolvidos com os cogumelos do gnero
Psilocybe e de seu princpio ativo mais importante, a psilocibina. Essa parte da reviso buscou
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posicionar historicamente o interesse cientfico pelos cogumelos mgicos, bem como
apresentar os diversos estudos acerca de seus efeitos clnicos e investigaes dos diversos
fenmenos mentais envolvidos com o uso desse psicodlico.
Embora o presente estudo no tenha se focado para a conscincia propriamente dita, buscou-se
explorar aspectos bsicos da cognio humana, como a percepo visual e a percepo subjetiva
do tempo, que so de qualquer maneira mediadas pelo processo consciente.
Sendo o efeito mais importante dos cogumelos mgicos e dos psicodlicos em geral sua
ao sobre a conscincia e em seus diversos processos e funes, apresenta-se uma breve reviso
dos conceitos envolvidos no estudo da conscincia e em seguida acerca do atual conhecimento da
percepo sensorial humana, em particular a viso e a percepo de tempo.
Procurou-se explicitar de melhor maneira e o mais simples possvel os objetivos do estudo, o
mtodo e os resultados, bem como a discusso dos achados, de acordo com as atuais teorias
envolvidas no tema. As figuras e tabelas, juntamente com os anexos, devem facilitar a
compreenso do que foi esboado e discutido na presente dissertao. Tambm foram tomados
maiores cuidados de modo a tornar a leitura fcil e o mais didtica possvel.
A importncia do desenvolvimento do presente estudo, juntamente com a reviso
bibliogrfica, reside no crescente interesse cientfico que se apresenta no pas com a investigao
das mais diversas substncias psicodlicas nos mais diferentes mbitos. Tambm se apresenta
como um modo de divulgao do referido campo e de sua heterogeneidade, bem como uma
forma de contribuir para um maior entendimento no estudo dessas substncias pela cincia
contempornea.
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2. Introduo
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Figura 1. Cogumelo coprfilo da espcie Psilocybe cubensis (Earle) Singer(Agaricomycetideae), Recife-PE, 2007. (Foto: Jos Arturo C. Escobar).
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2.1. Histrico do Estudo das Substncias Psicodlicas
A prtica humana de promover estados alterados, incomuns ou ampliados de conscincia
induzidos por substncias psicoativas bastante antiga, pr-data a histria escrita e atualmente
empregada em vrias culturas em diversos contextos socioculturais e ritualsticos (Labate, 2004;
Nichols, 2004; Schultes, Hofmann & Rtsch,2001; Schultes, 1998).
Diversas substncias psicoativas conhecidas como alucingenas verdadeiras, tais como
psilocibina, ergotamina, DMT (dimetiltriptamina), mescalina, LSD (dietilamida do cido
lisrgico), entre outras de mesma natureza qumica podem, de acordo com as diferentesdescries dos seus efeitos serem denominadas de: (i) substncias psicotomimticas (mimetizam
a psicose), no caso de estudos com o vis psiquitrico e neuropsicofarmacolgico, focados
principalmente aos aspectos emergentes na experincia semelhantes s psicoses naturais e
esquizofrenia; (ii) substncias psicodlicas (manifestantes mentais ou aquele que manifesta o
esprito), no caso de estudos centrados na fenomenologia da experincia com nfase nos
aspectos positivos; (iii) entegenos (experincias de significado espiritual), no caso de estudos
centrados na utilizao ritual e religiosa dessas substncias (Nichols, 2004; Gordon-Wasson,
Hofmann & Puck, 1980; Osmond, 1972; Watts, 1968; Gordon-Wasson, 1963; Metzner, 1963).
De acordo com a denominao mais utilizada nos artigos e do que ser proposto investigao
no presente estudo, essa classe de substncias ser tratada como psicodlicos, entretanto, os
termos psicodlico e alucingeno sero usados de modo indistinto.
O conhecimento moderno das substncias psicodlicas pela cincia se deu principalmente
pelas excurses realizadas por Richard Spruce Amrica do Sul ainda no sculo XIX. A partir
das observaes de Spruce acerca do uso ritual de plantas inebriantes, um interesse crescente
acerca do fenmeno atrairia diversos antroplogos, mdicos, farmacuticos, bilogos e
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aventureiros em busca de maiores informaes e contato com tais substncias. O trabalho de
Spruce no diretamente relacionado ao uso de plantas psicoativas, mas um levantamento
botnico acerca das espcies vegetais existentes na Amrica do Sul. O modo como o estudo
expe algumas relaes dos povos locais com as diversas espcies de plantas que foi
interessante e deu origem disciplina etnobotnica. Foi tambm a partir desse estudo que se
fundaram as primeiras pesquisas com os alucingenos Ayahuasca (Banisteriopsis caapi) e Yopo
(Anadenanthera peregrina), que se encontram ainda em progresso (Schultes et al., 2001).
Diversos relatos pelos exploradores europeus acerca do uso de substncias foram realizados
nos sculos XV, XVI e XVII, no qual eram condenados por se tratarem de plantas usadas para se
comunicar com o Diabo. A igreja e sua Inquisio perseguiram a realizao dos cultos e
condenou morte diversos praticantes e seguidores, o que provavelmente originou as mais
diversas formas de sincretismos como estratgias de burlar os mecanismos que proibiam tais
prticas condenadas. Assim, praticamente todos os cultos atuais que se utilizam de substncias
modificadoras da conscincia apresentam aculturaes que envolvem a prtica do consumo das
substncias mescladas com os aspectos da cultura crist (Schultes et al., 2001; Schultes, 1963).
Ao final do sculo XIX, com a crescente tecnologia da qumica e bioqumica e do avano da
cincia farmacutica, as substncias psicodlicas tiveram sua abertura com as exploraes da
substncia psicodlica mais utilizada no mundo, o Peyote. Os estudos com a Lophophora
williamsii foram realizados aps subseqentes estudos de auto-experimentao realizados e
publicados em peridicos. Entre os principais pesquisadores envolvidos na pesquisa de
purificao dos alcalides e reviso taxonmica do vegetal estavam Arthur Heffter e Louis
Lewin, este ltimo publicou uma das mais importantes literaturas sobre substncias psicoativas,
Phantastica em 1927 (Perrine, 2001; Schultes et al., 2001; Brand, 1967; Schultes, 1963).
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parte dos estudos com o Peyote, utilizado nos cultos da centenriaNative American Church,
e com a intensificao das excurses Amrica, outras substncias ganharam interesse por serem
usadas em cultos mgicos como os cogumelos do gnero Psilocybe e o Ololiuqui (Turbina ex-
Rivea corimbosa eIpomea violaceae). Este ltimo foi bastante estudado pela qumica do sculo
XX, e foi a partir dessas pesquisas que se sintetizou o LSD-25, a mais potente das substncias
psicodlicas (Schultes et al., 2001). A partir da descoberta acidental do LSD-25 em 1943, pelo
Dr. Albert Hofmann, que trabalhava na empresa farmacutica Sandoz (Sua), uma nova gerao
de estudos com tais substncias se iniciou nos mais diversos campos da medicina (Adaime, no
prelo; Nichols, 2004; Schultes et al., 2001; Aghajanian & Marek, 1999; Grob, 1998; Gordon-
Wasson, 1964; Hofmann, 1964).
Os estudos com os cogumelos Psilocybe tm origem nas dcadas de 30 e 40, principalmente
devido aos trabalhos exploradores de Roger Heim, Richard Schultes e Gordon-Wasson ao
Mxico. Logo foram descobertas dezenas de espcies de cogumelos utilizados em rituais mgicos
por xams, variveis de acordo com a regio e com as etnias indgenas. Atualmente, o Mxico o
pas com maior diversidade desses cogumelos tanto biolgica quanto de uso enteognico ou
mgico (Schultes et al., 2001; Folange, 1972; Heim, 1972; Heim & Gordon-Wasson, 1972;
Gordon-Wasson, 1963; Schultes, 1963; Singer, 1958; Singer & Smith, 1958).
O conhecimento botnico acerca das plantas alucingenas se expandiu bastante at meados do
sculo XX, onde milhares de espcies foram catalogadas e algumas estudadas quimicamente com
o isolamento de seus alcalides (Nichols, 2004; Schultes et al., 2001). Nesse perodo tambm se
iniciaram os estudos psiquitricos com tais substncias, com nfase nos seus aspectos
psicotomimticos (Osmond, 1972; Hoffer & Osmond, 1966).
Com a descoberta do LSD, rapidamente as pesquisas com os alcalides naturais cederam
espao a essa substncia sinttica, a mais potente dentre todas as outras. E ento, aps o grande
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problema epidemiolgico do abuso do LSD na dcada de 60 e os diversos fatores polticos
envolvidos, foram proibidas e finalizadas praticamente todas as pesquisas at o final dos anos 70
com quaisquer dessas substncias (Nichols, 2004; Grob, 1998; Fort & Metzner, 1969; Metzner,
1967; Stern, 1966; Unger, 1964; Ling & Buckman, 1964; Metzner, 1963). Somente na dcada de
90 se reiniciaram seriamente as pesquisas com psicodlicos em humanos, principalmente devido
aos esforos do Dr. Rick Strassman (University of New Mxico, EUA) e do Dr. Franz
Vollenweider (Psychiatric University Hospital Zrich, Sua) (Vollenweider, Leenders,
Scharfetter, Antonini, Maguire, Missimer & Angst, 1997a; Vollenweider, Leenders, Scharfetter,
Maguire, Stadelman & Angst, 1997b; Vollenweider, 1994; Strassman, Qualls, Uhlenhuth &
Kellner,1994; Strassman & Qualls, 1994).
Atualmente as substncias psicodlicas constituem-se de elevado interesse farmacolgico e
teraputico no tratamento de drogas de abuso, alcoolismo e certas desordens psiquitricas e ainda
como ferramenta de investigao dos processos mentais. Essa grande importncia reflete-se no
aumento de estudos presentes na literatura (Carter, Hasler, Pettigrew, Wallis, Guang, Liu &
Vollenweider, 2007; Santos, Landeira-Fernandez, Strassman, Motta & Cruz, 2007; Anderson,
2006; Griffiths, Richards, McCann & Jess, 2006; Moreno, Wiegand, Taitano & Delgado, 2006;
Sewell, Halpern & Pope, 2006; Wittmann, Carter, Harsler, Cahn, Grimberg, Spring, Hell, Flohr
& Vollenweider, 2007; Carter, Burr, Pettigrew, Wallis, Harsler & Vollenweider, 2005a; Halpern,
Sherwood, Hudson, Yurgelun-Todd & Pope, 2005; Carter, Pettigrew, Burr, Alais, Harsler &
Vollenweider, 2004; Harsler, Grimberg, Benz, Huber & Vollenweider, 2004; Labate, 2004;
McKenna, 2004; Nichols, 2004; Benzon, 2003; Shanon, 2003a; Wiegand, 2003; Riba, 2003;
Shanon, 2002; Krupitsky, Burakov, Romanov, Grinenko & Strassman, 2001; Callaway,
McKenna, Grob, Brito, Raymon, Poland, Andrade, Andrade & Mash, 1999; Gouzoulis-
Mayfrank, Thelen, Habermeyer, Kunert, Kovar, Lindenblatt, Hermle, Spitzer & Sass, 1999;
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Pomilio, Vitale, Ciprian-Ollivier, Cetkovich-Bakmas, Gmez & Vzquez, 1999; Labigalini,
1998; Ciprian-Ollivier & Cetkovich-Bakmas, 1997; Vollenweider et al., 1997a, 1997b; Grob,
McKenna, Callaway, Brito, Neves & Oberlaender, 1996; Spitzer, Thimm, Hermle, Holzmann,
Kovar, Heimann, Gouzoulys-Mayfrank, Kischka & Schneider, 1996; Strassman, Qualls & Berg,
1996; Strassman, 1996; Strassman, 1995; Callaway, Airaksinen, McKenna, Brito & Grob,1994;
Strassman e Qualls, 1994; Strassman et al., 1994; Vollenweider, 1994; Grof, 1987; Grof, 1980).
2.2. Estudos Atuais com Substncias Psicodlicas
2.2.1. Bases Neuroqumicas
A importncia dos estudos dos psicodlicos em humanos reside na sua caracterstica de afetar
funes cerebrais que constituem a mente humana (cognio, volio, ego e autoconscincia). As
vrias formas de ego-desordem so caractersticas proeminentes dos psicodlicos e em psicoses
naturais. Dessa maneira, estudos dos mecanismos neuronais da ao dessas substncias podem
ser teis na patofisiologia de desordens psiquitricas e seus tratamentos, na biologia da
conscincia como um todo, na biologia dos processos de estruturao do ego e na compreenso
das teorias da depresso e esquizofrenia (Vollenweider & Geyer, 2001; Pomilio et al., 1999;
Vollenweider, 1998; Ciprian-Ollivier & Cetkovich-Bakmas, 1997). A busca de correlatos neurais
no suficiente para o entendimento das questes envolvidas nas patologias mentais, mas
representa um espectro importante para o seu entendimento, no devendo ser ignorado e sim
associado a outros campos de conhecimento (Wilber, 2000; Grof, 1987, 1980).
As substncias psicodlicas so ainda uma poderosa base experimental para a investigao de
correlaes biolgicas dos estados alterados de conscincia (Harsler et al., 2004; Dietrich, 2003;
Shanon, 2002; Vollenweider & Geyer, 2001; Vollenweider, 1998; Vollenweider, 1994), cujo
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estado psicolgico experienciado profundo e referido popularmente como experincia
intensa, transcendental ou mstica (Anderson, 2006; Griffiths et al., 2006; Nichols, 2004;
Shanon, 2001; Doblin, 1991; Richards, Rhead, DiLeo, Yensen & Kurkland, 1977; Watts, 1972;
Pahnke, 1971; Watts, 1968; Prince & Savage, 1966; Unger, 1964; Leary, 1964; Barnard, 1963).
Os princpios psicoativos psicodlicos no determinam os seus efeitos per si, mas sim a
localizao dos receptores de ao dessas substncias, que agem principalmente nos receptores
serotonrgicos (da serotonina, 5-HT) nos quais as estruturas neurais tm a sua funo alterada
mediante o desbalanceamento qumico dos neurotransmissores. O crebro humano possui duas
principais importantes vias de neurotransmissores: a serotonrgica e a dopaminrgica,
distribudas diferentemente em diversos substratos neuroanatmicos envolvidos na cognio.
Essas vias servem de base para as hipteses de hipo e hiperfrontalidade dos estados alterados de
conscincia, relacionadas com a diminuio ou aumento da atividade neural no crtex frontal,
respectivamente (Nichols, 2004; Vollenweider, 1998).
A hiptese da hipofrontalidade prope que os estados alterados de conscincia induzidos por
substncias psicoativas e por outros mtodos (hipnose, meditao, etc.) promovem um
decrscimo temporal da viabilidade do crtex pr-frontal (CPF), ocorrendo a diminuio da
atividade neural como consequncia direta da ao primria da substncia ou como consequncia
secundria (Dietrich, 2003). Essa hiptese relacionada ao de diversas substncias sobre a
via dopaminrgica como opiceos, nicotina, canabinides, cocana, fenciclidina (PCP),
anfetaminas, lcool, benzodiazepnicos e barbitricos, mas nunca relatada aos psicodlicos (LSD,
psilocibina, ketamina, mescalina, bufotenina, DMT, etc.) (Nichols, 2004).
Dietrich (2003) sugere que os estados alterados de conscincia induzidos por psicoativos
diminuem a expanso da mente, pois limitam a capacidade mxima da conscincia, evidenciada
por diminuio da atividade neural.
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sintomas psicticos se caracterizam por falhas na inibio de atividade mental intrusiva,
sugerindo que uma deficincia nas funes do filtro talmico leva a uma sobrecarga do crtex
cerebral, resultando em fragmentao da cognio e elevada absoro de informao sensorial,
resultando em psicose (Vollenweider & Geyer, 2001; Vollenweider 1998; Vollenweider et al.,
1997a, 1997b; Vollenweider, 1994).
Figura 2.Loops de retro-alimentao do modelo CSTC. O loop lmbico cortico-estriado-talmico(CST) est envolvido na memria, aprendizagem e na descriminao do prprio e no prpriopela ligao categorizada cortical da percepo exteroceptiva com estmulos internos do sistemade valores. A funo do filtro do tlamo, sob o controle dos loops de re-entrada/retro-alimentaodo CSTC, postulado para proteo do crtex da sobrecarga de informao sensorialexteroceptiva, bem como da informao interna. O modelo prediz que a sobrecarga sensorial docrtex e a psicose podem resultar de deficincias na entrada talmica, que podem ser causadaspela ketamina atravs do bloqueio da via NMDA-mediada corticoestriada glutamatrgica (Glu)e/ou pelo aumento da neurotransmisso dopaminrgica mesolmbica (DA). A estimulaoexcessiva dos receptores 5-HT2 pela psilocibina pode levar a um desbalano similar deneurotransmisso nos loops CSTC, resultando novamente em uma abertura do filtro talmico,sobrecarga sensorial do crtex e psicose. (Legenda: ventr.str., striatum ventral; ventr.pall.,pallidum ventral; VTA, rea tegmental ventral; SNc, substantia nigra pars compacta; corp.ma,corpus mamillaria; 5-HT, serotonina; Ach, acetilcolina; DR, ncleo da rafe). (figura reproduzidade Vollenweider & Geyer, 2001).
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H, entretanto, uma outra linha de pesquisadores que consideram os sintomas psicticos e
outros estados conscientes (por exemplo, devaneios, dj e jamaisv, estados extticos)como
partes do funcionamento normal e potencial da mente e da conscincia, isto , estados alterados
de conscincia seriam constitutivos da mente, estados incomuns de conscincia e no estranhos,
acessados ou habilitados por diferentes vias e motivos, e que permitem uma evoluo no
estabelecimento e manuteno da conscincia e da personalidade dos indivduos (Labate, 2004;
Wilber, 2000; Grof, 2000; Grof, 1987; Jung, 1985).
2.2.2. Bases Psicolgicas e Psicoteraputicas
O grande divisor de guas dos estudos de substncias psicodlicas que toda a pesquisa
cientfica est dividida em duas categorias: a das cincias naturais (botnica, etnobotnica,
farmacologia, bioqumica e fisiologia do crebro) e a das cincias sociais, em particular a
antropologia. Como notado pelo psiclogo cognitivo Benny Shanon (The Hebrew University),
nenhuma destas vai ao cerne da questo. Os efeitos promovidos pelos psicodlicos envolvem as
experincias subjetivas das pessoas, portanto esto mais relacionadas com o funcionamento da
mente humana do que com o crebro ou a cultura, no entanto, sem desmerecer a importncia
desses estudos (Shanon, 2003a; Wilber, 2000; Grof, 2000, 1987, 1980, 1970).
Shanon analisou as vises de usurios da ayahuasca em diversos contextos culturais, religiosos
ou no, encontrando vises que refletem papis, funes ou padres psicolgicos gerais, mas
antes de tudo contedos semnticos especficos. A base metodolgica do autor consistiu em
categorizar os contedos visuais de acordo com os seus sentidos semnticos, construindo uma
srie de corpora em que se realizou a frequncia de aparies de cada contedo quando
comparados. Shanon acredita que os contedos experienciados pela Ayahuasca no podem ser
reduzidos a um fundo comum da experincia humana e s inquietaes da existncia. O autor
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levanta as seguintes questes: seriam as recorrncias visuais reflexo de repositrios de
informaes inconscientes distintos daqueles postulados pela literatura psicolgica padro? Ou
sugerem, talvez, a existncia de outras dimenses da realidade, do tipo platnico, e que no
dependem da psicologia pessoal do indivduo (Benzon, 2003; Shanon, 2003a, Shanon, 2002)?
Tais questionamentos foram tambm elaborados por Carl Jung em seus estudos sobre o
inconsciente na construo de sua teoria psicolgica dos fenmenos mentais para o espiritismo,
reconheceu 30 anos depois da criao de sua teoria (em 1919) que esta se mostrava ser
insuficiente para abarcar e explicar todos os fenmenos vivenciados pelos seus pacientes (Jung,
1986).
Dentre todos os estudos psicolgicos conduzidos at ento com essas substncias, os nicos de
cunho cognitivo associados diretamente conscincia so os conduzidos por B. Shanon (2004,
2003a, 2003b, 2002, 2000, 1998, 1997) e A. Nascimento (em preparao, comunicao pessoal)
com a substncia Ayahuasca.
Segundo Shanon, sua perspectiva fenomenolgica-estrutural parte do entendimento da
conscincia enquanto totalidade da perspectiva humana direta e subjetiva, culminando em uma
abordagem de se interrogar o fenmeno da conscincia em relao s caractersticas estruturais
da mesma. O autor tem esboado uma abordagem questo da conscincia promovendo um
incremento de conhecimento no que tange a tpicos cognitivos como imagens mentais, sonhos,
atividades mentais dependentes da linguagem, sinestesia, entre outros, no mbito da conscincia
de viglia (Shanon, 2004, 2003a, 2003b, 2002, 2000, 1998, 1997).
A perspectiva fenomenolgica-estrutural da conscincia assenta-se em um conjunto definido
de parmetros e de valores assumidos variadamente, descobertos pela pesquisa com a substncia
indutora de estados alterados da conscincia a Ayahuasca (cujo princpio ativo a
dimetiltriptamina - DMT). Os parmetros da conscincia so descritos em dois trabalhos
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fundamentais de Shanon, o mais antigo propondo uma tipologia mais condensada dos ditos
parmetros com descrio de apenas 4 deles e o trabalho mais recente com um detalhamento da
estrutura da experincia consciente a partir da atuao de 8 parmetros fundamentais (Shanon,
2004, 2003a, 2002).
A tipologia breve descrevendo a maneira como os seres humanos experienciam seus mundos
interno e externo repousa no trabalho cognitivo dos parmetros nomeados de (1) Agncia, (2)
Self, (3) Identidade, e (4) Tempo (Shanon, 2002). Sem negar a tipologia anterior, Shanon (2004,
2003a) a assume inteiramente em teorizao mais recente e a expande em uma mais detalhada
descrio, compondo um arcabouo criterioso da estrutura da conscincia com os organizadores
(1) Mediao, (2) Identidade Pessoal, (3) Unidade, (4) Limites e diferenciaes de estados, (5)
Individuao do self, (6) Calibrao, (7)Lcus da conscincia e (8) Tempo (maiores detalhes ver
Shanon 2004, 2003a). Tais categorizaes do estudo de Shanon colocam a cognio em um plano
muito prprio de investigao, necessitando assim de explicaes inerentes ao campo psicolgico
e evitando reducionismos normalmente realizados nas neurocincias.
Os estudos de Shanon apresentam elevado interesse para a psicologia devido aos intrigantes
achados entre semelhanas de contedos encontrados em suas investigaes com um nmero
bastante diverso de participantes entrevistados. Entre seus dados encontram-se os corpora
produzidos a partir de suas prprias experincias em diversos contextos (140 ao total, religiosos
ou no), de dados coligidos de outras pessoas (178 pessoas) e de dados coligidos da literatura,
contidos no Livro das Miraes de Alex Polari, na literatura antropolgica e a partir das pinturas
do xam e artista plstico Pablo Amaringo (Shanon, 2003a; Luna & Amaringo, 1993; Polari,
1984).
As pinturas de Amaringo apresentam texturas e coloraes e representam vises
proporcionadas pela Ayahuasca. Interessantemente, o corpus de vises internas de Amaringo sob
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o efeito da ayahuasca se assemelhou com o corpus construdo a partir de diversos usurios da
bebida de diferentes culturas nos mais diferentes contextos (mestios, tradicionais, urbanos no-
mestios, uso religioso ou hednico) (Figura 3) (Shanon, 2003a; Luna & Amaringo, 1993).
Figura 3. Viso de Amaringo (n 42, Luna & Amaringo, 1993). As pinturas de Amaringoapresentam contedos que parecem ser compartilhados com bebedores de ayahuasca de diversoscontextos, segundo Shanon.
O psiquiatra e psicoteraputa Stanislav Grof apresenta a construo de um novo entendimento
das questes envolvidas no uso das substncias psicodlicas e/ou na habilitao de estados
incomuns da conscincia. A origem das teorias de Grof se encontra em seus estudos
investigativos e psicoteraputicos com o uso de LSD em pacientes terminais de cncer nos anos
70, na Iugoslvia. Suas teorias so ainda pouco aceitas no meio acadmico, mas foram
responsveis pelo avano da Psicologia Transpessoal. Atravs de uma srie de estudos
posteriores, suas teorias do nfase a uma viso da mente englobando aspectos pr-pessoais,
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pessoais e transpessoais, resgatando os conceitos de mente-corpo sob as perspectivas oriental e
das sociedades tradicionais, no-dualista, contrariando os conceitos de nossa sociedade e cincia
ocidentais (Grof, 2000; Grof, 1987).
O modelo proposto por Grof para o entendimento das experincias causadas pelo consumo de
substncias psicodlicas em muito se assemelha e est baseado nas concepes de conscincia
apresentados por Ken Wilber. Para Wilber (2000) a conscincia apresenta um amplo espectro
multifacetado, estudados separadamente e compreendidos de maneira no-integral. Para ele a
conscincia humana estaria conformacionada em: (i) funes (percepo, desejo, vontade e ao);
(ii) estruturas (corpo, mente, alma e esprito); (iii) estados, normal (viglia, sonho e sono) e
alterado (incomum e meditativo); (iv) modos (esttico, moral e cientfico); (v) desenvolvimento
(abrangendo os espectros que vo do pr-pessoal ao pessoal e ao transpessoal, do subconsciente
ao consciente e ao superconsciente, do id ao ego e ao esprito) e (vi) aspectos relacional e
comportamental, que referem-se sua interao mtua com o mundo objetivo, exterior, e com o
mundo sociocultural dos valores e das percepes compartilhados.
Tais conformaes da conscincia acima apresentadas derivam dos estudos realizados em
pocas pr-modernas, modernas e ps-modernas. Consiste em uma integrao de dados e teorias
desenvolvidas para o estudo e entendimento do humano. A questo central que estes foram
desenvolvidos em nveis e limites diferentes do espectro da conscincia humana, necessitando de
integrao e ordenao quanto a especificidade e alcance de cada estudo (Wilber, 2000).
O sistema de Grof se mostra como uma alternativa aos modelos tradicionais da psiquiatria e
psicanlise, estritamente personalsticos e biogrficos, fixando novos nveis, mbitos e
dimenses, que segundo o autor devem ser essencialmente proporcionais totalidade da vida e do
universo. Didaticamente divide a psique humana em quatro nveis ou dimenses: (i) a barreira
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sensorial; (ii) o inconsciente individual; (iii) o nvel de nascimento e de morte e (iv) o domnio
transpessoal (Grof, 1987).
Segundo Grof, a explorao da psique humana se mostra como uma alternativa promissora no
tratamento das psicopatologias, e a partir da que reside a importncia psicoteraputica das
substncias psicodlicas e de outras tcnicas auto-exploradoras, permitindo que o prprio
paciente mergulhe mais alm em suas memrias e solucione adequadamente os problemas
atravs da compreenso da existncia do mesmo. Para isso o paciente deve ultrapassar a barreira
sensorial, que deve ocorrer atravs da estimulao dos rgos sensoriais, e segue-se ativao de
memrias carregadas de contedo emocional (Grof, 2000, 1987).
A estimulao da explorao dessas memrias o cerne da questo central do sistema de Grof,
e a partir desse ponto o paciente pode atingir as memrias perinatais (da vida intra-uterina) e
experienciar os traumas fsicos sofridos durante esse perodo. Nesse sistema, a importncia do
nvel perinatal crucial para toda a gama de comportamentos a serem desenvolvidos pelos
organismos aps o nascimento. Os traumas fsicos sofridos geram emoes residuais e as
sensaes fsicas, provindas de ameaas sobrevivncia ou integridade fsica do organismo,
parecem ter um papel significativo no desenvolvimento de vrias formas de psicopatologia, mas
no ainda reconhecidas pela cincia acadmica (Grof, 1987).
Segundo o autor, o trabalho experiencial demonstra que traumas envolvendo ameaas vitais
deixam marcas permanentes no sistema e contribuem significativamente para o desenvolvimento
de desordens emocionais e psicossomticas. As experincias de traumatismos fsicos srios
representam ento uma transio natural entre o nvel biogrfico e o setor cujos principais
constituintes so os fenmenos gmeos de nascimento e morte. Tais fenmenos abrangem a vida
do indivduo e so, portanto, biogrficos por natureza. medida que se aprofunda o processo de
auto-explorao experiencial, o elemento da dor emocional e fsica pode alcanar intensidades
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extraordinrias que normalmente interpretado como o ato de morrer. Nesse nvel as
experincias so geralmente acompanhadas por dramticas manifestaes fisiolgicas como
vrios graus de sufocao, pulsao acelerada, palpitaes, nusea, vmitos, oscilao da
temperatura corporal, erupes espontneas, machucaduras na pele, tremores, contores e outros
fenmenos impressionantes (Grof, 1987, 1980).
A profundidade de auto-explorao, a confrontao experiencial com a morte tende a
entrelaar-se intimamente com vrios fenmenos relacionados ao processo de nascimento. Os
indivduos que se envolvem em experincias desse tipo no tm apenas a sensao de luta para
nascer ou dar luz, mas tambm sentem muitas mudanas fisiolgicas associadas, concomitantes
ao nascimento. Mostra-se bastante profunda e especfica a conexo entre o nascimento biolgico
e as experincias de morrer e estar nascendo. As experincias de morte-renascimento ocorrem em
grupos temticos tpicos, suas caractersticas bsicas podem ser logicamente derivadas de certos
aspectos anatmicos, fisiolgicos e bioqumicos, correspondentes aos estgios de nascimento
com que se associam. Apesar de sua estrita conexo com o nascimento, o processo perinatal
creditado por transcender a biologia e apresentar importantes dimenses filosficas e espirituais
(Grof, 2000, 1987, 1980).
O pensamento de Grof, atualmente aplicado no campo da Psicologia Transpessoal como
mtodo psicoteraputico, mostra-se bastante interessante e promissor quanto a um entendimento
global dos fatores envolvidos na experincia psicodlica e na experincia humana. As questes
envolvidas mostram-se bastante metafsicas, de difceis discusses no arcabouo da cincia
contempornea ocidental, como os fatos anedticos de habilidades paranormais observados em
estudos clnicos conduzidos ao longo dos anos (Grof, 1980; Osmond, 1972; Paul, 1966; Drake,
1965).
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O estudo das substncias psicodlicas retorna, aps 20 anos de estagnao, principalmente nas
disciplinas relacionadas s cincias naturais e psiquiatria. Quanto aos estudos no campo da
psicologia, ainda se encontram adormecidos e o retorno ao interesse ainda bastante sutil. A
psicologia cognitiva apresenta uma perspectiva nova e muito apropriada para a investigao do
fenmeno psicodlico, uma vez que o direcionamento cognitivo da pesquisa oferece um
mapeamento sistemtico dos efeitos e conceitualizao em termos do conhecimento emprico e
terico corrente sobre o funcionamento da mente humana.
Os efeitos mpares produzidos pelos psicodlicos fornecem panoramas para o estudo da mente
em geral e da conscincia humana em particular. Permitem a explorao de diversos parmetros e
mecanismos atrelados ao processo consciente, como a percepo sensorial e a autoconscincia,
enquanto a abordagem cognitiva sob estes fenmenos pode lanar luz sobre questes
pertencentes a outras disciplinas, como a filosofia e o estudo da cultura.
2.3. Os Cogumelos Mgicos e a Psilocibina
2.3.1. Breve Histrico
Di-shi-tjo-le-rra-ja o nome Mazateca dado ao cogumelo mgico da espcie Psilocybe
cubensis, que significa o cogumelo divino do estrume, provavelmente o mais cosmopolita dos
fungos neurotrpicos, isto , com efeitos psicodlicos. Em geral, os cogumelos popularmente
chamados de mgicos so aqueles cujos princpios ativos so a psilocibina e a psilocina,
presente nos fungos em todo o mundo nos gneros Psilocybe (116 espcies), Gimnopilus (14
espcies), Panaeolus (13 espcies), Copelandia (12 espcies), Hypholoma (6 espcies), Pluteus
(6 espcies), Inocybe (6 espcies), Conocybe (4 espcies), Panaeolina (4 espcies), Gerronema
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(2 espcies) e Agrocybe, Mycena e Galerina (1 espcie cada) (Wartchow, Carvalho, Sousa &
Cortez, 2007; Schultes et al., 2001; Guzmn, Allen & Gartz, 2000).
No Brasil, a psilocibina foi encontrada nos cogumelos do gnero Psilocybe, Inocybe,
Panaeolus e Pluteus (Guzmn et al., 2000; Stijve & Meijer, 1993), sendo reportado a ocorrncia
de pelo menos 21 espcies neurotrpicas pertencentes ao gnero Psilocybe em nosso pas
(Wartchow et al., 2007; Guzmn & Cortez, 2004). O Mxico o pas que apresenta a maior
diversidade de usos rituais envolvendo diversas espcies, sendo a principal espcie utilizada o
Teonancatl ou carne de Deus (Psilocybe mexicana) (Wartchow et al., 2007; Castaeda, 2006;
Schultes et al., 2001; Guzmn et al., 2000; Grob, 1998; Folange, 1972a, 1972b; Heim, 1972;
Gordon-Wasson, 1963; Schultes, 1963; Singer, 1958).
No existe qualquer evidncia do emprego cerimonial dos cogumelos mgicos por culturas
tradicionais na Amrica do Sul, exceto achados arqueolgicos no norte da Colmbia datando de
300-100 anos a.C., conquanto seu uso ritualstico ainda observado em outras partes do
continente americano, principalmente Mxico e pases vizinhos. Acredita-se que o ritual com
cogumelos por povos indgenas no Mxico exista h pelo menos 2.200 a 3000 anos, como
demonstra a datao de achados arqueolgicos de esculturas de pedra em forma de cogumelos
(Adaime, no prelo; Berlant, 2005; Schultes et al., 2001; Schultes, 1998; Folange, 1972a, 1972b;
Heim, 1972). Um estudo recente sugere que o uso de cogumelos mgicos, provavelmente
Psilocybe cubensis, tambm tenha ocorrido na histria do Egito antigo, utilizado ritualmente e
descrito no Livro Egpcio dos Mortos (Berlant, 2005).
Embora haja registros de apreenso policial para o LSD, proibido desde 1965 nos EUA, no
h dados epidemiolgicos na literatura acerca do uso de cogumelos ou outros psicodlicos no
Brasil (Galdurz, Noto, Nappo & Carlini, 2004; Noto, 1999; Galdurz, Figlie & Carlini, 1994). A
utilizao contempornea de cogumelos, na Amrica do Sul e em diversas localidades do mundo,
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ocorre em sua maioria de maneira recreacional ou hedonstica, devido facilidade de comrcio
pela internet, inexistncia de legislao reguladora (no caso do Brasil) e pela facilidade de serem
encontrados em condies naturais.
O interesse dos cogumelos pela cincia aconteceu no incio do sculo XX, quando o gegrafo
alemo Carl Sapper descreveu em 1898 esculturas de pedra com formas de cogumelos (Figura 4),
por ele interpretadas como representaes flicas, mais tarde evidenciadas por se tratarem dos
cogumelos que h muito eram utilizados em rituais mgicos. O nico conhecimento acerca do
uso ritual de cogumelos consistia nas descries de um guia de missionrios de 1656 contra as
idolatrias indgenas, incluindo a ingesto de cogumelos e recomendando sua extirpao (Schultes
et al., 2001; Schultes, 1998). Outros documentos antigos que parecem citar o uso de cogumelos
na antiguidade so o Rig Veda (ndia) e o The Westcar Papyrus (Egito), tambm havendo
possibilidade de os gregos terem utilizado (Berlant, 2005; Gordon-Wasson et al., 1980; Gordon-
Wasson, 1968).
Figura 4. Deuses cogumelos de pedra. (A) Cogumelo de pedra Maya de El Salvador, perodoformativo em anos de 300 a.C. 200 d.C. Altura de 33,5 cm. (Retirada de Schultes et al., 2001).(B) Cogumelos de pedra encontrados na Guatemala, datao em anos de 1000 a.C. 500 d.C.(Retirada de www.botany.hawaii.edu).
A B
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Apesar das evidncias de que cogumelos psicoativos pudessem ter sido usados em rituais
religiosos indgenas, somente a partir da dcada de 40 em diante do sc. XX que se
intensificaram a realizao de estudos taxonmicos, qumicos, etnobotnicos e etnomicolgicos
(Schultes et al., 2001; Guzmn et al., 2000; Schultes, 1998; Gordon-Wasson et al., 1980;
Folange, 1972a, 1972b; Heim, 1972; Gordon-Wasson, 1968; Gordon-Wasson, 1963; Schultes,
1963; Singer, 1958; Singer, Stein, Ames, & Smith, 1958; Singer & Smith, 1958).
A maioria dos estudos com esses tipos de cogumelos aprofundou o entendimento de suas
relaes etnomicolgicas e taxonmicas, enquanto estudos exploratrios em relao aos efeitos
psquicos e orgnicos foram escassamente desenvolvidos, devido provavelmente ao interesse da
cincia s investigaes nessa rea com o LSD, descoberto em 1943 (Nichols, 2004; Grof, 1987,
1980; Hollister, 1961; Isbell, 1959; Singer et al., 1958). Somente a partir da dcada de 90 que
foram reiniciadas as investigaes com a psilocibina nas reas da Sade.
2.3.2. Estudos Clnicos
Os efeitos induzidos pelo consumo de cogumelos do gnero Psilocybe devem-se presena
dos princpios ativos psilocibina e psilocina, de naturezas qumicas semelhantes ao
neurotransmissor serotonina (5-HT, 5-hidroxitriptamina), que exerce considerada influncia
sobre o ato de despertar, percepo sensorial, emoo e importantes funes cognitivas
(Shepherd, 1994a). A ao fisiolgica da psilocibina em humanos deve-se sua ligao primria
aos receptores serotonrgicos cerebrais de maneira agonista, promovendo maior absoro de
serotonina na fenda sinptica, sendo o receptor 5-HT2A o de maior afinidade. Esses efeitos se
caracterizam por alterao dos processos cognitivos, sendo considerados fisiologicamente
seguros e no produzindo dependncia ou vcio (Nichols, 2004; Schreiber, Brocco, Audinot,
Gobert, Veiga & Millan, 1995; Peroutka, 1994; McKenna & Peroutka, 1989; Osmond, 1972).
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Diversos estudos recentes com a psilocibina, princpio ativo isolado dos cogumelos mgicos
do gnero Psilocybe, foram realizados at o momento. Os mais importantes provm do grupo de
pesquisas coordenado pelo Dr. Franz Vollenweider, no qual j se realizaram estudos clnicos e
neuropsicolgicos, com interesses de encontrar bases neurobiolgicas associados aos efeitos
proporcionados pela substncia (Carter et al., 2007; Wittmann et al., 2007; Carter et al., 2005a,
2004; Harsler et al., 2004; Vollenweider & Geyer, 2001; Vollenweider, 1998; Vollenweider et
al., 1997a; Vollenweider, 1994).
Estudos clnicos conduzidos com a psilocibina demonstraram a ocorrncia de uma pequena
elevao da presso sangunea e da temperatura do corpo (Gouzoulis-Mayfrank et al., 1999;
Isbell, 1959). Esses dados se assemelham com aqueles encontrados com a substncia psicodlica
Ayahuasca ou a DMT (Callaway et al., 1999; Strassman et al., 1996; Strassman & Qualls, 1994;
Strassman et al., 1994). Entretanto, diferentemente com o que acontece com essas ltimas
substncias, a psilocibina no causou alteraes significativas nos nveis plasmticos de
hormnios como cortisol, prolactina e ACTH (adrenocorticotrofina) (Gouzoulis-Mayfrank et al.,
1999), nem foram observadas alteraes significantes em parmetros do hemograma como
colesterol, fosfatase alcalina, colinesterase e aspartatamino-transferase (Hollister, 1961).
Em estudos mais recentes, Harsler et al. (2004) mensuraram efeitos agudos psicolgicos e
fisiolgicos aps a administrao de psilocibina em humanos, utilizando-se de quatro dosagens
(muito baixa, baixa, mdia e forte) (Tabela 1). Os objetivos eram explorar as relaes potenciais
dose-dependente da administrao de psilocibina em humanos, cruzando diversos parmetros
neuropsicolgicos e fisiolgicos, bem como estimar a segurana e possveis riscos associados
com o uso dessa substncia. Foi observado que a psilocibina no promoveu, independentemente
da dose, quaisquer alteraes significantes no eletrocardiograma. Alteraes da presso
sangunea so significantes somente na dosagem forte, onde atingem um mximo de 150/90
mmHg
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mmHg, semelhantemente ao que acontece com a DMT presente na Ayahuasca (Callaway et al.,
1999; Strassman et al., 1996; Strassman & Qualls, 1994; Strassman et al., 1994).
Acessos a diversos nveis plasmticos de hormnios (ACTH, prolactina, cortisol e TSH hormnio estimulante da tireide) demonstraram alteraes significantes em todos aps 105 min
da administrao da psilocibina, que retornam aos seus nveis normais aps 300 min (Harsler et
al., 2004). Esses resultados se mostraram significantes, ao contrrio do que foi encontrado no
estudo de Gouzoulis-Mayfrank et al. (1999), mas esto de acordo com os encontrados com a
Ayahuasca e DMT (Callaway et al., 1999; Strassman et al., 1996; Strassman & Qualls, 1994;
Strassman et al., 1994).
Anlises de parmetros do hemograma (sdio, potssio, cloro, uria, creatinina, lactato
desidrogenase, -glutamiltransferase, alaninamino-transferase, aspartatamino-transferase e
fosfatase alcalina) no apresentaram alteraes significantes, exceto para as duas enzimas do
fgado, -glutamiltransferase e aspartatamino-transferase, significantes somente na dosagem
forte, o que est parcialmente de acordo com os achados de Hollister (Harsler et al., 2004;
Hollister, 1961).
Um outro estudo clnico-epidemiolgico curioso envolvendo a psilocibina foi conduzido na
Universidade de Harvard. Neste a psilocibina no foi administrada, mas iniciou-se uma larga
pesquisa de localizao de indivduos enxaquecosos que utilizaram psilocibina ou LSD, em doses
sub-alucinognicas ou no, para o tratamento de enxaquecas. Dados importantes foram
encontrados quando se observou que a eficcia dessas substncias psicodlicas era maior do que
as atuais formas de tratamento de enxaquecas (Tabela 2). Esse estudo est sendo aprofundado
pelos autores, que no momento esto a selecionar voluntrios para o desenvolvimento de um
estudo sistemtico (Sewell et al., 2006).
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No encontramos outros trabalhos envolvendo pesquisas clnicas em seres humanos com a
psilocibina, no entanto, os que at ento foram desenvolvidos demonstram a segurana orgnica
dos sujeitos humanos expostos ao da psilocibina, bem como da segurana da administrao
de outras substncias anlogas, alm de suas potencialidades biomdicas (Harsler et al., 2004;
McKeena, 2004; Nichols, 2004; Gouzoulis-Mayfrank et al., 1999; Vollenweider, 1998; Hollister,
1961; Isbell, 1959).
Tabela 2. Eficcias relatadas dos principais tratamentos para ataques de enxaqueca, perodos deenxaqueca e extenso de remisso*, de acordo com Sewell et al. (2006).
Medicao Totaln
Efetivon (%)
Parcialmente
efetivon (%)
Inefetivon (%)
Tratamento AgudoOxignio 47 24 (52) 19 (40) 4 (9)Triptanos 45 33 (73) 8 (18) 4 (9)Psilocibina 26 22 (85) 0 (0) 4 (15)LSD 2 1 (50) 0 (0) 1 (50)
ProfilticoPropanolol 22 0 (0) 2 (9) 20 (91)Ltio 20 1 (5) 8 (40) 11 (55)Amitriptilina 25 0 (0) 4 (16) 21 (84)Verapamil 38 2 (5) 22 (58) 14 (37)Predinisona 36 15 (45) 5 (14) 15 (42)Psilocibina 48 25 (52) 18 (37) 3 (6)LSD 8 7 (88) 0 (0) 1 (12)
Extenso de remissoPsilocibina 22 (31)** 20 (91) NA 2 (9)LSD 5 (7)** 4 (80) NA 1 (20)
* Extenso de remisso referente ao prolongamento dos perodos entre um ataque de enxaqueca e outro, naquelesque portam enxaqueca episdica. Tais intervalos no so aplicveis aos enxaquecosos crnicos.** Nove indivduos adicionais tomaram psilocibina e dois adicionais tomaram LSD propositalmente para a extensoda remisso, mas no devido a outro perodo de enxaqueca no momento da avaliao; assim, para estes, a eficciano pde ser calculada.
2.3.3. Estudos Psicolgicos, Neuropsicolgicos e Psiquitricos
A maioria dos estudos conduzidos com substncias psicodlicas, em qualquer linha de
pesquisa no sculo passado, so mais referenciais para o LSD. Isso se deve s caractersticas de
ao dessa substncia, a mais potente de todas, com uma experincia de cerca de 10-14 h de
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durao. No entanto, pode-se dizer que a psilocibina a segunda mais estudada, em termos de
pesquisa psicofarmacolgica (Nichols, 2004).
Os primeiros interesses pelos efeitos psquicos causados pelos cogumelos partiram de
etnomicologistas, taxonomistas, etnobotnicos, antroplogos e psiquiatras. Diversos desses
pesquisadores realizaram auto-experimentaes e entrevistas com xams com o intuito de
descrever o fenmeno mental provocado atravs da ingesto dos cogumelos (Castaeda, 2006;
Schultes et al., 2001; McKenna, 1992; Folange, 1972a, 1972b; Heim, 1972; Osmond, 1972;
Gordon-Wasson, 1968; Watts, 1968; Paul, 1966; Swain, 1963; Watts, 1963; Singer et al., 1958).
Os debates gerados pela importncia e compreenso dos efeitos mentais dos cogumelos
mgicos (Schultes et al., 2001; Osmond, 1972; Watts, 1968; Hoffer & Osmond, 1966; Huxley,
1954) levaram cincia contempornea a busca de correlatos neurais, com o intuito de
desenvolvimento de uma teoria neuroqumica de compreenso dos estados de conscincia
(Vollenweider & Geyer, 2001; Vollenweider, 1998).
Estudos recentes com Tomografia por Emisso de Psitrons (PET Positron Emission
Tomography) demonstraram que a psilocibina promove uma hiperfrontalidade, ou seja, h
aumento de ativao neuronal no crtex pr-frontal e diversas mudanas metablicas em regies
especficas do crebro, principalmente aquelas ligadas neurotransmisso de serotonina. Desse
grupo de estudos parte um novo modelo de funcionamento cerebral de modo a lidar com os
diversos estados alterados de conscincia (psicoses, depresses, esquizofrenia e a experincia
psicodlica). Esse modelo prev que os estados psicodlicos se devem ao de psilocibina nos
sistemas responsveis pelo processamento e filtragem de informao sensorial, causando uma
maior intruso de informaes no sistema e consequente hiperativao do CPF (crtex pr-
frontal). O modelo ainda incorpora teorias cujos estados de conscincia sejam causados por
desbalanceamento em outras vias de neurotransmissores. Estudos dos mecanismos neurais com
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psicodlicos podem prover no somente novos insights sob a patofisiologia de transtornos
psiquitricos e seus tratamentos, mas tambm na biologia da conscincia como um todo, por
exemplo, na biologia dos processos de estruturao do ego (Vollenweider & Geyer, 2001;
Vollenweider, 1998; Vollenweider et al., 1997a, 1997b).
Outros estudos neuropsicofarmacolgicos foram conduzidos recentemente, atravs do
emprego de metodologias neuropsicolgicas, psicofsicas e psicomtricas, demonstrando
correlaes de desenvolvimento de tarefas cognitivas (memria, percepo visual, ateno e
percepo de tempo) com regies cerebrais especficas, principalmente envolvidas com os
receptores serotonrgicos 1A e 2A (Carter et al., 2007; Wittmann et al., 2007; Carter et al.,
2005a, 2004).
Carter et al. (2004) analisaram o efeito da psilocibina sobre a percepo de deslocamento,
isto , a habilidade de ao do psicodlico de induzir iluses de deslocamento em objetos
estticos ou superfcies texturizadas. Foiobservado que a psilocibina seletivamente via receptor
5-HT1A/2A promove disfunes do deslocamento global, mas no o processamento do
deslocamento local. A experincia visual subjetiva com o uso dessa substncia psicodlica se
estabeleceu como uma percepo das superfcies de modo pulsante em profundidade e/ou
adquirindo uma textura constituda de padres dinmicos intricados, mas a organizao espacial
dos objetos e arredores permaneceu relativamente estvel.
Carter et al. (2004) tambm analisaram os efeitos da psilocibina em relao sensitividade
do olho ao contraste no encontrando diferenas significativas, indicando que a experincia
visual sob efeito dessa substncia no est relacionada mudana de reflexos ao nvel da retina
ou na transferncia de informao da retina atravs do ncleo geniculado lateral ao crtex visual
primrio. Esses achados levam a concluso de que a percepo de deslocamento experienciada
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pelo consumo da psilocibina regulada de algum modo pelos receptores 5-HT1A/2A presentes em
reas visuais do crebro humano.
A regulao fisiolgica da ateno pelos receptores 5-HT1A/2A e pela atividade do crtex
frontal tem sido demonstrada em estudos com fMRI (ressonncia magntica funcional) (Culham,
Cavanagh & Kanwisher, 2001). Estudos de Carter et al. (2005a) com a psilocibina demonstraram
a reduo de ateno na habilidade de rastreamento de objetos, no entanto no alterou a memria
de trabalho espacial. Assim, sugerida a existncia de independncia entre a ateno e a memria
de trabalho, normalmente atribudas por se tratarem de mecanismos funcionalmente dependentes,
ou mesmo que a co-dependncia desses processos seja mais limitada do que sugere a literatura
atual (Carter et al., 2005a). Tal independncia desses dois processos sugerida e discutida na
reviso da literatura neurocognitiva de Tassi &Muzet (2001).
Resultados semelhantes aos de Carter et al. (2005a) sobre os mecanismos da memria de
trabalho espacial foram encontrados por Wittmann et al. (2007). Recentemente, Carter et al.
(2007) demonstrou a influncia do receptor 5-HT2A e a ligao dos mecanismos de ateno e os
nveis subjetivos de despertar na taxa de interrupo da rivalidade binocular com o uso da
psilocibina. Foram observados a diminuio nas taxa de interrupo da rivalidade binocular e um
aumento na transio e confuso da experincia perceptual. Interessantemente, tambm se
observa mudanas significativas na rivalidade perceptual em monges tibetanos budistas aps
sesses de meditao (Carter, Presti, Callistemon, Ungerer, Liu & Pettigrew, 2005b), sugerindo
certa aproximao qualitativa dos estados psicodlicos com estados meditativos, j apontada por
outros autores (Griffiths et al., 2006;Grof, 2000, 1980, 1987; Leary, 1964).
Acessos das alteraes da psilocibina nos mecanismos perceptuais subjetivos do tempo
tambm foram realizados. Foi encontrado que a psilocibina promove decrscimos na habilidade
dos participantes em reproduzir corretamente a durao de intervalos sonoros mais longos que
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2,5 segundos, em sincronizar intervalos entre batidas mais longos que 2 segundos, alm de
demonstrar uma preferncia individual dos participantes em criar intervalos sonoros mais lentos
aps o consumo da substncia. Tais distrbios no senso de tempo foram acompanhados por
deficincias na memria de trabalho e mudanas subjetivas nos estados de conscincia como os
fenmenos de despersonalizao e desrealizao. Os achados sugerem que o sistema
serotonrgico est seletivamente envolvido na durao do processamento de informaes de
intervalos mais longos que 2 a 3 segundos e no controle involuntrio da velocidade de
movimento(Wittmann et al., 2007).
Tambm foram conduzidos estudos com relao aos efeitos da psilocibina sobre a linguagem de
sujeitos normais. Spitzer et al. (1996) administraram a tarefa de reconhecimento de palavras em
sujeitos sob o estado de conscincia alterado pela psilocibina. Essa tarefa busca encontrar
relaes no priming semntico, que consiste em relacionar pares de palavras em relao ao
lxico, por exemplo, preto e branco (diretamente relacionadas), doce e limo (indiretamente
relacionadas) ou nuvem e queijo (no relacionadas). Foi encontrado um aumento da realizao de
priming semntico com palavras direta e indiretamente relacionadas nos participantes em relao
ao placebo. Tambm se verificou um aumento no tempo de reao, isto , no tempo de associao
dos pares de palavras, que pode ser explicado pela ao da psilocibina em promover o atraso na
durao subjetiva do tempo, como mostram os resultados do estudo de Wittmann et al. (2007).
Elevados ndices do priming semntico indireto tambm so observados em pacientes
esquizofrnicos, contudo a diferena do estado psicodlico com este ltimo o aumento em
ambas as condies depriming (direto e indireto) (Salom, Boyer & Fayol, 2001; Spitzer et al.,
1996).
Segundo Spitzer et al. (1996), o aumento no priming semntico indireto acontece, pois a
psilocibina via modificao do funcionamento mental, leva a um aumento da avaliabilidade de
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associaes remotas que podem trazer tona contedos cognitivos normalmente desativados sob
condies normais. O decrscimo geral do desempenho (tempo de reao) sugere que o aumento
dopriming semntico indireto ocorre devido a um decrscimo da capacidade em usar informao
contextual para o foco do processamento semntico. Dessa forma, a experincia subjetiva pode
refletir-se como um aumento da criatividade bem como de ampliao do funcionamento da
conscincia, no entanto, ocorrendo um decrscimo paralelo no desempenho em medidas
objetivas. sugerido pelos pesquisadores que as substncias psicodlicas podem de fato ampliar
a conscincia tornando associaes mentais remotas mais acessveis (Salom et al., 2001;
Baggot, 1996-97; Spitzer et al., 1996).
Podemos sugerir com os resultados de Spitzer et al. (1996) a possibilidade de abertura
cognitiva a contedos inconscientes, como sugere o estudo de Hoffmann, Hesselink, Barbosa &
Yatra-W. (2001) realizados com o psicodlico Ayahuasca. Neste foram realizadas leituras
eletroencefalogrficas (EEG) de sujeitos sob o estado ampliado de conscincia pela Ayahuasca,
encontrando aumentos significantes das ondas cerebrais Alpha [relacionada com a conscincia
desperta (awareness)] e ondas Theta (relacionadas com estados inconscientes sonhos,
sentimentos, transe). Segundo os autores os resultados evidenciam a particularidade da ayahuasca
em permitir aos indivduos a conscientizao de contedos que agem sob a esfera do
inconsciente. A possibilidade de resultados parecidos para a psilocibina e substncias anlogas
podem ser sugeridos visto a semelhana de efeitos subjetivos e ao neuroqumica dos diversos
psicodlicos (Nichols, 2004).
Os estudos em busca de correlaes neurais da experincia psicodlica so conduzidos de
forma a estabelecer relaes comuns entre todos os estados de conscincia possveis. Quando se
buscam correlaes e comparaes dos estados psicodlicos com os estados psicticos ou
esquizofrnicos, a substncia est sendo empregada sob o ponto de vista psicotomimtico (que
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de induzirem tal experincia (Doblin, 1991; Osmond, 1972; Pahnke, 1971; Pahnke, 1969; Leary,
1964; Leary et al., 1963). O estudo de Griffiths et al. (2006) busca solucionar problemas
metodolgicos dos achados do mais relevante estudo nessa rea conduzido na dcada de 60 pelo
Dr. Walter Pahnke, sob orientao do Dr. Timothy Leary, que apresenta resultados positivos
mesmo acessados 25 anos aps o experimento (Doblin, 1991; Pahnke, 1963).
A importncia do aspecto das substncias psicodlicas como a psilocibina (ou cogumelos
mgicos) em induzirem estados meditativos, msticos e de elevada significncia pessoal e
espiritual apontam perspectivas muito nicas para o tratamento de desordens mentais e
dependncias psquicas (Griffiths et al., 2006; Moreno et al., 2006; Labigalini, 1998; Doblin,
1991; Grof, 1987, 1980; Pahnke, 1963).
O estudo recentemente publicado de Moreno et al. (2006) buscou observar a segurana,
tolerabilidade e eficcia da psilocibina no tratamento de pacientes com TOC (Transtorno
Obsessivo Compulsivo). A administrao de psilocibina se mostrou segura e bem tolerada nos
voluntrios, sendo observada uma reduo significante dos sintomas agudos do TOC
demonstrado pela Escala Obsessiva Compulsiva de Yale-Brown (YBOCS). Os autores sugerem
que a ingesto de psilocibina e substncias similares podem facilitar os sujeitos a experienciar um
estado de conscincia que podem lev-los ao desenvolvimento de poderosos insights e
resoluo de profundas questes existenciais e espirituais (Moreno et al., 2006; Wiegand, 2003).
Mais uma vez se apresenta a importncia de substncias psicodlicas como a psilocibina e a
Ayahuasca em promover associaes mentais remotas e/ou acessos ao inconsciente, que
permitem os sujeitos a resolverem/refletirem questes pessoais podendo levar s suas resolues
ou maior conscientizao do problema suscitando em cura ou menores prejuzos, como sugerem
abordagens psicoteraputicas com tais substncias (Anderson, 2006; Moreno et al., 2006;Grof,
1987, 1980).
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Embora os psicodlicos no causem dependncia qumica ou psicolgica, a literatura
apresenta casos clnicos do que so chamados flashbacks (ou seja, o retorno repentino de
sintomas da experincia psicodlica, normalmente perceptuais, sem uso da substncia),
atualmente denominado Distrbio Persistente de Percepo Alucinognica (HPPD;Hallucinogen
Persisting Perception Disorder) de acordo com a Associao Americana de Psiquiatria (DSM-
IV) (Nichols, 2004).
A reviso de literatura apresenta casos muito anedticos que podem no estar relacionados
com o uso do alucingeno em si, mas em questes referentes aos estados emocionais,
personalidade e antecedentes psiquitricos do usurio. A importncia dos fatores
extrafarmacolgicos crucial para o melhor entendimento dos efeitos dessas substncias. Na
maioria dos artigos se apresentam dados clnicos da ocorrncia de flashbacks sobre o abuso de
LSD, mas tanto usurios da substncia quanto no usurios apresentaram tambm o referido
distrbio (Halpern & Pope, 2003; Strassman, 2001; Halpern & Pope, 1999; Myers, Watkins &
Carter, 1998; Del Porto & Masur, 1984; Strassman, 1984; Grof, 1980).
De fato, so catalogados distrbios perceptuais em pessoais normais no usurias de drogas,
bastante semelhantes aos observados no HPPD. Os sintomas que se apresentam parecem estar
correlacionados com outros diagnsticos tais como epilepsia, pnico, esquizofrenia e distrbios
de humor. Sugere-se muitas vezes que os psicodlicos poderiam funcionar como uma chave
para a emergncia desses distrbios. No entanto, no so normalmente observados tais distrbios
em usurios de mescalina (Peyote) nem entre os usurios de Ayahuasca (Halpern et al., 2005;
Nichols, 2004; Halpern & Pope, 2003; Halpern & Pope, 1999; Myers et al., 1998; Grob, 1998;
Grob et al., 1996; Strassman, 1984).
Desde a descoberta do LSD em 1943 at a atualidade h centenas de casos de indivduos que
buscaram auxlio psiquitrico para o tratamento de reaes adversas do uso de LSD, entretanto,
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aps subseqentes cuidadosas revises dos casos descritos na literatura, foi concludo que quase
todos os estudos apresentam srios problemas metodolgicos, impedindo uma relao direta do
uso da substncia e a ocorrncia de HPPD. Alm do mais, os estudos desenvolvidos com sujeitos
em ambos os aspectos experimentais e psicoteraputicos apresentaram uma incidncia de reaes
adversas prolongadas muito remota, no havendo tambm relatos de HPPD entre os recentes
estudos desenvolvidos com essas substncias em seres humanos (Halpern & Pope, 2003; Halpern
& Pope, 1999; Myers et al., 1998; Strassman, 1984).
Recentemente foi relatado em um case report(Frana) a ocorrncia de HPPD aps o consumo
de cogumelos, onde o paciente sozinho consumiu uma quantidade de 40 cogumelos em infuso
(Psilocybe semilanceata, cerca de 3 vezes mais rica em psilocibina que a espcie Psilocybe
cubensis). Entretanto, o mesmo apresentava um histrico psiquitrico de ansiedade, sendo o
histrico familiar constitudo de depresso, tentativas de suicdio e alcoolismo, por parte da me,
e anorexia por parte da irm. O tratamento realizado com amisulpride e olanzapine foi eficiente
para o paciente (Espiard, Lecardeur, Abadie, Halbecq & Dollfus, 2005).
medida que se busca entender certos aspectos negativos do uso dos psicodlicos,
apresentam-se dados importantes que vm gerar o valor teraputico presente nessas substncias.
Por exemplo, o uso ritualizado da ayahuasca tem sido considerado como uma alternativa
teraputica do tratamento do alcoolismo (Labigalini, 1998). Grob et al. (1996) observou efeitos
benficos indiretos no tratamento de drogas de abuso (alcoolismo e tabagismo) sem evidenciar
qualquerdeteriorao dos traos da personalidade ou da cognio, em usurios brasileiros. Os
dados psiquitricos demonstraram que os sujeitos usurios de ayahuasca se apresentam sob o
ponto de vista psiquitrico como indivduos reflexivos, rgidos, esticos, leais, frugais,
disciplinados e persistentes, de comportamentos consistentes e elevada sociabilidade e
maturidade emocional. As escalas utilizadas no estudo classificaram os sujeitos como
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confidentes, relaxados, otimistas, desinibidos, despreocupados, ativos, enrgicos, com
caractersticas de alegria, hipertimia, obstinao e elevada confidncia (McKeena et al., 1998;
Grob et al., 1996).
Outros estudos teraputicos com psicodlicos foram ou esto sendo desenvolvidos ou
apresentam um elevado potencial mdico e biomdico (McKenna, 2004; Nichols, 2004;
Wiegand, 2003; Halpern & Pope, 2003; Kruptsky et al., 2001; Mithoefer, 2001; Perrine, 2001;
Grof, 1980; Halpern & Pope, 1999; Myers et al., 1998; Nichols, 1998; Grof, 1987). Maiores
detalhes de estudos sendo atualmente desenvolvidos com psicodlicos em www.heffter.org,
www.maps.org e www.cottonwoodresearch.org.
Como revisado, a psilocibina e outras substncias psicodlicas apresentam elevado interesse
para a medicina atual, no entanto, preciso rever importantes conceitos envolvendo a prtica da
medicina tradicional ocidental, para um uso seguro e aceitvel dessa substncia e o alcance dos
resultados desejveis.
2.4. O Fenmeno da Mente e da Conscincia Humana
Diversas noes podemos ter acerca do termo conscincia. Esse termo pode se referir
percepo pela qual podemos ter noo de nossa prpria existncia e julgar a prpria realidade;
uma faculdade que tem razo de julgar os prprios atos; conhecimento; senso ntimo que leva-nos
a preferir o certo ao errado (Rios, 1999; Sacconi, 1996).O termo em si, a palavra, gera bastante confuso, pois no traz consigo uma significao nica
atrelada. Podemos observar a distino que a lngua inglesa faz entre awareness e
consciousness, cujas lnguas latinas (francs, espanhol, portugus) no o fazem. No primeiro h
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uma idia de conscincia que experienciamos quando despertos, o segundo, mais global, abarca
os demais fenmenos associados conscincia (Tassi & Muzet, 2001).
Bosinelli distingue trs tipos da conscincia desperta (awareness): 1) conscincia como um
fenmeno de experincia dos objetos (conscincia de); 2) conscincia como meta-conscincia
(conscincia de ter a conscincia de) e 3) conscincia como autoconscincia (sentimento de si
prprio a conscincia de ser a si mesmo) (Bosinelli, 1995).
Damsio distingue dois tipos de conscincia (consciousness): mago da conscincia e
conscincia expandida. O mago da conscincia corresponde ao processo transitrio que
incessantemente gerado relativo a qualquer objeto que um organismo interage, onde um senso de
saber e de propriedade transitrios so automaticamente gerados. O mago da conscincia no
necessitaria de linguagem ou da memria de trabalho, mas de apenas memria de curto prazo. A
conscincia expandida seria um processo mais complexo que dependeria da construo gradual
do self autobiogrfico, de um escopo de memrias conceituais pertencentes ao passado e
experincias prvias de um indivduo, requerendo tambm a memria convencional. A
conscincia expandida seria intensificada pela linguagem. Nesse sentido, a conscincia poderia
ser considerada como um sentimento de conhecimento. Essa distino pode tambm nos levar a
conceber a conscincia como um fenmeno existente nos animais, sendo o segundo tipo de
conscincia exclusivamente humano (Damsio, 1998).
Searle define conscincia como um aspecto primrio daquilo que denominamos mente,
caracterizada por processos internos qualitativos e subjetivos, fruto de processos cerebrais
complexos, sendo assim considerada um fenmeno biolgico. Sendo a conscincia um aspecto da
mente, ela primria e ocupa a noo mental central, pois outras atribuies mentais
(intencionalidade, subjetividade, causao mental, inteligncia, etc.) estariam necessariamente
intermediadas e relacionadas pelo processo consciente (Searle, 2000; Searle, 1997). Damsio,
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assim como Searle, concorda em atribuir um sentido biolgico ao fenmeno da conscincia, isto
, deve ser vista como um processo selecionado no decorrer da evoluo das espcies (Damsio,
1998).
De um ponto de vista neurobiolgico a conscincia humana poderia ser definida como uma
expresso de diversos atributos das atividades cerebrais como a auto-reflexo, ateno, memria,
percepo, humor, etc., organizada em camadas de conscincia e associada organizao
funcional hierrquica do crebro. considerada uma funo global do funcionamento
operacional do crebro como um todo, entretanto, as diferentes reas cerebrais no contribuem
igualmente para a sua formao; ainda parte de um processo gradual relatado ao continuum
sono-viglia, sendo alta durante a viglia e reduzindo-se no estado de sono (Dietrich, 2003;
Coenen, 1998).
Tassi & Muzet (2001) discordam de que os diversos processos mentais estejam primariamente
atrelados conscincia trazendo definies mais cuidadosas e dando um carter biolgico mais
independente a determinados fenmenos classificados como funes da conscincia. A
conscincia (awareness) e seus diferentes nveis referem-se essencialmente construo de
representaes mentais com ou sem a possibilidade de exposio verbal. O estado de vigilncia
(vigilance) e seus diferentes nveis refletem a capacidade atencional a cada momento, em outras
palavras, a avaliabilidade das fontes atencionais depende dos nveis do despertar e conscincia. O
despertar (arousal/arouse) seria o estado imediatamente dependente do status eletrofisiolgico,
mas sem qualquer pr-requisito concernente ao potencial de vigilncia ou conscincia.
Finalmente, o estado de alerta (alertness) refletiria o sentimento subjetivo de ser, relatado aos
nveis de despertar e vigilncia. Se Searle (2000, 1997) e Damsio (1998) concordam entre si em
caracterizar a conscincia como um fenmeno biolgico, Tassi & Muzet (2001) vo alm
diferenciando a conscincia de outras qualidades tambm consideradas como conscincia,
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tornando-as entidades fsicas distintas e identificveis, passveis de estudos mais objetivos
concernentes s cincias do crebro.
A formao da mente humana considerada um processo de construo gradual desde a
infncia at o estado adulto, bastante dependente do processo maturacional e da experincia e,
estritamente dependente das interaes sociais (Piaget, 1983; Vygotsky, 1998). Na concepo de
Yunes (2005) a mente humana foi estruturada para a aquisio das estruturas lgico-matemticas
inerentes formao e organizao do universo e consequente representao interna do mundo
externo e de si prprio. Presses evolucionrias forariam as estruturas neurais continuamente de
maneira a aumentar a integrao entre si e a complexidade do processamento da informao
(Dietrich, 2003).
A informao considerada como um guia para a organizao, que na conotao fsica uma
medida de ordem uma medida aplicvel para qualquer estrutura, qualquer sistema. A evoluo
da mente humana seria baseada em como os organismos vivos e o ambiente trocam matria,
energia e informao, e na interpretao ontolgica da realidade onde as estruturas lgico-
matemticas so consideradas partes constitutivas. Assim, os organismos vivos so sistemas
dinmicos complexos auto-organizados pela informao, que possuem em si-mesmo uma
representao matemtica (em termos de estruturas lgico-matemticas) do funcionamento
universal (Yunes, 2005; Piaget, 1983).
Consequentemente, podemos com base nessa idia atribuir a possibilidade de percepo de
outros modos ou caractersticas da realidade quando em outras formas de funcionamento da
conscincia, tal como afirmam gran