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CLÁUDIA ELIZABETH VOLPE CHAVES
SURTO PELO COMPLEXO Burkholderia cepacia EM UM HOSPITAL TERCIÁRIO DE CAMPO GRANDE, MATO GROSSO DO SUL
CAMPO GRANDE 2010
CLÁUDIA ELIZABETH VOLPE CHAVES
SURTO PELO COMPLEXO Burkholderia cepacia EM UM HOSPITAL TERCIÁRIO DE CAMPO GRANDE, MATO GROSSO DO SUL
Dissertação apresentada como exigência para obtenção do grau de mestre em doenças infecciosas e parasitárias, do Programa de Pós- Graduação em Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de medicina “Dr. Hélio Mandetta” da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sob a orientação da professora Dra. Anamaria Mello Miranda Paniago.
CAMPO GRANDE 2010
Aos meus pais, exemplos de honra e honestidade, que me
deram condições de estar aqui e acreditaram sempre nas
minhas conquistas.
Às minhas filhas, Bruna e Luísa, amores da minha vida,
que me ensinaram a me tornar uma pessoa melhor.
Ao meu marido que, com sua paciência e tranqüilidade,
soube absorver meus momentos difíceis e me deu em troca
seu carinho e sua sabedoria.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por me fazer um ser humano cheio de esperança e capaz.
À professora doutora Anamaria Melo Miranda Paniago que acreditou na
minha capacidade orientando-me nessa pesquisa e esteve presente em todos os
meus momentos acadêmicos como exemplo de profissional.
Às professoras Sônia Andrade e Marilene Chang que com grande carinho e
conhecimento colaboraram com a construção dessa pesquisa.
À Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Regional de Mato
Grosso do Sul (HRMS), em especial Dr. Rodrigo Nascimento Coêlho, Drª Cláudia
Gislaine Kruki de Souza Nogueira, Ana Cláudia Rodrigues (Farmacêutica
Bioquímica) e Fábio Mioto (Farmacêutico) que vivenciaram junto comigo a
investigação do surto em 2006, proporcionando-me experiência profissional e
tornando este trabalho possível.
À Drª Priscilla Alexandrino de Oliveira que me incentivou nos momentos mais
difíceis a realizar este sonho.
À Drª Mara Luci Gonçalves Galiz Lacerda, que dedicou seu tempo na
cobertura da enfermaria de Infectologia do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul,
permitindo que eu pudesse cumprir os créditos necessários para a conclusão deste
trabalho.
À farmacêutica bioquímica Ana Cláudia Rodrigues, que participou diretamente
na investigação do surto e que através de seu conhecimento e iniciativa vem
promovendo a melhoria de qualidade em nossos laboratórios de microbiologia em
Campo Grande.
Aos funcionários e professores do programa de Pós-graduação em Doenças
Infecciosas e Parasitárias que possibilitaram a realização desta pesquisa.
RESUMO
O Complexo Burkholderia cepacia, grupo de bactérias gram-negativas, ambiental, oportunista em pacientes imunossuprimidos e emergente como patógeno nosocomial tem sido associado a surtos hospitalares por contaminação de insumos farmacêuticos, desinfetantes, detergentes e soluções. O objetivo do estudo foi descrever a investigação de um surto de infecção hospitalar pelo Complexo Burkholderia cepacia, envolvendo 18 pacientes, no período de 18/03/2006 a 30/04/2006 no Hospital Regional de Mato Grosso do Sul. As amostras com cultivo positivo para Burkholderia cepacia foram obtidas de hemocultivos (17) e de urocultivo (1). Dos 18 pacientes, 66,7% eram do sexo masculino e a idade variou de 5 dias a 83 anos. Os pacientes estavam internados em diversos setores do hospital. Em relação aos fatores de risco, 22,2% haviam sido submetidos à cirurgia durante a internação, 11,1% à hemodiálise, 66,7% a acesso venoso central, 72,2% à ventilação mecânica. Receberam nutrição por sonda nasoenteral 77,8% dos pacientes, 27,8% nutrição parenteral e 72% receberam transfusão sanguínea. A análise molecular das cepas isoladas revelou diferenças caracterizando o surto como policlonal. Em relação ao tratamento da infecção, 6 (33,3%) pacientes receberam tratamento com sulfametoxazol-trimetoprim, sendo que 61,1% das cepas foram sensíveis a esse antibiótico e 83,3% ao meropenem. Na investigação de fonte comum de infecção foram realizados cultivos de frascos de dipirona, bromoprida, cloreto de sódio (NaCl), cloreto de potássio (KCl), gluconato de cálcio, água destilada, solução glicosada a 5%, solução de NaCl a 0,9%, hemoderivados, antissépticos e da água do reservatório, todos com resultado negativo. Em 08 de junho de 2006 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária divulgou a suspensão de um lote de bromoprida injetável com Burkholderia cepacia, sendo o mesmo lote encontrado no Hospital Regional. Palavras-chave : Burkholderia cepacia, infecção hospitalar, surto hospitalar
ABSTRACT
The Burkholderia cepacia Complex, a group of gram-negative bacteria, environmental, opportunistic in immunosuppressed patients as emerging nosocomial pathogen has been associated with nosocomial outbreaks due to contamination of pharmaceutical agents, disinfectants, detergents and solutions. The aim of this study was to investigate an outbreak of nosocomial infection by Burkholderia cepacia Complex, involving 18 patients in the period 18/03/2006 to 30/04/2006 in Regional Hospital of Mato Grosso do Sul. Samples with cultivation positive for Burkholderia cepacia were obtained from blood culture (17) and urine culture (1). Of the 18 patients 66.7% were male and ages ranged from 5 days to 83 years. Patients were hospitalized in various sectors of the hospital. Regarding risk factors, 22,2% had undergone surgery during hospitalization, 11,1% on hemodialysis, 66,7% central venous access, 72,2% with mechanical ventilation. Received nutrition by nasogastric tube 77.8% of patients, 27.8% parenteral nutrition and 72% received blood transfusion. Molecular analysis of isolates showed differences characterizing the outbreak as polyclonal. Regarding treatment of the infection, six (33.3%) patients received treatment with trimethoprim-sulfamethoxazole, and 61.1% of strains were sensitive to this antibiotic and 83.3% to meropenem. In the investigation of common source of infection was grown in flasks of dipyrone, bromopride, sodium chloride (NaCl), potassium chloride (KCl), calcium gluconate, distilled water, glucose solution 5%, solution at 0,9% (NaCl), blood products, antiseptics and reservoir water, all with negative results. On June 8, 2006 the National Agency for Sanitary Vigilance announced the suspension of a batch of injectable bromopride with Burkholderia cepacia, and the same batch found in the Regional Hospital. Key words : Burkholderia cepacia, nosocomial infection, nosocomial outbreak
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AHL N-acylhomoserine lactones
ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária
BCESM Burkholderia cepacia epidemic strain marker
CBC Complexo Burkholderia cepacia
CCIH Comissão de controle de infecção hospitalar
CDC Centers for Diseases Control and Prevention
DCG Doença crônica granulomatosa
CLSI Clinical and Laboratory of Standard Institute
DNA Deoxyribonucleic acid
ET12 Eletroforetic type 12
HRMS Hospital Regional de Mato Grosso do Sul
IH Infecção hospitalar
ISC Infecção de sítio cirúrgico
ITU Infecção do trato urinário
LACEN-MS Laboratório Central do Estado de Mato Grosso do
Sul
MS Ministério da Saúde
OMS Organização Mundial da Saúde
PACM Pneumonia associada a cuidados médicos
PAH Pneumonia adquirida hospitalar
PAV Pneumonia associada à ventilação mecânica
PCR Polymerase chain reaction
PFGE Pulsed-field gel eletrophoresis
PHDC Philadelphia-DC
RFLP Restriction fragment length polymorphism
SARA Síndrome da angústia respiratória aguda
UTI Unidade de terapia intensiva
SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 11
2 REVISÃO DA LITERATURA ....................................................................... 13
2.1 Infecção hospitalar ............................................................................... 13
2.2 Principais infecções hospitalares ....................................................... 15
2.2.1 Infecção de sítio cirúrgico ................................................................. 15
2.2.2 Infecção do trato urinário .................................................................. 15
2.2.3 Infecção do trato respiratório ............................................................ 16
2.2.4 Infecção de corrente sanguínea ....................................................... 17
2.3 Surto hospitalar ..................................................................................... 18
2.4 Surtos hospitalares por Burkholderia cepacia ................................... 19
2.4.1 Complexo Burkholderia cepacia ....................................................... 19
2.4.2 Infecção pulmonar em pacientes com fibrose cística: síndrome cepacia ...................................................................................................... 20
2.4.3 Surtos de infecção de corrente sanguínea ....................................... 22
2.5 Virulência ............................................................................................... 26
2.6 Transmissão .......................................................................................... 28
2.7 Diagnóstico laboratorial ....................................................................... 29
2.8 Tratamento............................................................................................. 31
2.9 Resistência a antimicrobianos ............................................................ 33
2.10 Evolução .............................................................................................. 34
2.11 Prevenção ............................................................................................ 36
3 OBJETIVO .................................................................................................... 41
4 MATERIAL E MÉTODOS ............................................................................. 42
4.1 Tipo de Estudo ...................................................................................... 42
4.2 Local e período ..................................................................................... 42
4.3 Identificação do surto ........................................................................... 42
4.4 Definição de caso .................................................................................. 43
4.5 Microbiologia ......................................................................................... 43
4.5.1 Identificação ..................................................................................... 43
4.5.2 Antibiograma .................................................................................... 43
4.5.3 Análise genética ............................................................................... 43
4.5.4 Cultivo de soluções, medicamentos e hemoderivados ..................... 44
4.6 Coleta de dados .................................................................................... 44
4.7 Aspectos éticos ..................................................................................... 44
5 RESULTADOS .............................................................................................. 45
6 DISCUSSÃO ................................................................................................. 50
7 CONCLUSÕES ............................................................................................. 63
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 64
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 65
APÊNDICE A - FORMULÁRIO DE INVESTIGAÇÃO PARA PACIENTES COM HEMOCULTURA POSITIVA PARA Burkholderia cepacia ........................... 77
APÊNDICE B - CARACTERÍSTICAS DE 18 PACIENTES ENVOLVIDOS EM UM SURTO HOSPITALAR POR Burkholderia cepacia ................................ 79
11
1 INTRODUÇÃO
Infecções hospitalares (IH) são infecções adquiridas após a internação
do paciente e que se manifestam durante a permanência hospitalar ou após a
alta, quando puderem ser relacionadas com a internação ou procedimentos
hospitalares (BRASIL, 1998).
As principais infecções hospitalares são: infecção do trato urinário,
infecção do trato respiratório, infecção de sítio cirúrgico e infecção de corrente
sanguínea.
Embora a maioria das infecções de corrente sanguínea relacionada a
cateter seja causada por Staphylococcus (tanto Staphylococcus coagulase-
negativa como Staphylococcus aureus), bacilos gram-negativos também são
causa importante dessas infecções nos Estados Unidos e em outros países
desenvolvidos (RAAD, 2004).
Infusões contaminadas são uma importante fonte de bacteriemias por
bacilos gram-negativos, pois uma vez introduzidos, esses microrganismos
podem proliferar em tais fluidos (RAAD, 2004).
A razão mais importante para a investigação de um surto é a
identificação e eliminação da fonte de infecção, prevenindo-se novos casos
(REINGOLD, 1998).
Burkholderia cepacia, anteriormente chamada de Pseudomonas
cepacia, tem emergido como um importante patógeno em pacientes com
fibrose cística submetidos a transplante pulmonar (HUSAIN; SINGH, 2002). É
associada com doença pulmonar avançada e uma síndrome clínica referida
como uma “síndrome cepacia”, caracterizada por uma pneumonia necrotizante
e sepse (DE SOYZA; CORRIS, 2003).
É facilmente transmissível e intrinsecamente resistente aos antibióticos
antipseudomonas, colistina e polimixina (DE SOYZA; CORRIS, 2003).
A bactéria tem um potencial para disseminação de paciente para
paciente, dentro e fora do ambiente hospitalar, levantando questões sobre
medidas ideais para o controle de infecção (SPEERT et al., 2002).
É um bacilo emergente como patógeno nosocomial (GIL, 2001). Na
década de 80, o número de infecções hospitalares pelo Complexo Burkholderia
cepacia (CBC) aumentou consideravelmente, com mortes particularmente
12
associadas com infecções pulmonares. Surtos hospitalares de pequenos focos
envolvendo pacientes sem fibrose cística têm sido devido à contaminação de
fonte comum, tais como preparações desinfetantes ou soluções intravenosas
(HOLMES, GOVAN, GOLDESTEIN, 1998).
Devido à importância e gravidade da ocorrência de uma epidemia
nosocomial, tem-se por objetivo relatar a investigação de um surto de infecção
de corrente sanguínea pelo Complexo Burkholderia cepacia em um hospital de
referência em Campo Grande, o que poderá contribuir com a intensificação de
medidas de prevenção e controle de infecção hospitalar.
13
2 REVISÃO DA LITERATURA
2.1 Infecção hospitalar
Infecções nosocomiais são uma grande ameaça para os pacientes. Em
todo o mundo, 5% a 10% dos indivíduos internados adquirem infecções
hospitalares, com taxas de prevalência de 20% a 30% em unidade de terapia
intensiva (UTI). O Centers for Diseases Control of Prevention (CDC) estima
que as infecções relacionadas à assistência à saúde respondam por 1,7
milhões de infecções e 99.000 mortes por ano nos Estados Unidos (HOLMES
et al., 2010). No Brasil, cerca de 5.000 mortes por ano são relacionadas a estas
infecções (ERASMUS et al., 2010).
De acordo com a portaria 2616/98, que define as diretrizes e normas
para a prevenção e o controle das infecções relacionadas à assistência à
saúde, infecções hospitalares (IH) são: “infecções adquiridas após a internação
do paciente e que se manifestam durante a permanência hospitalar ou após a
alta, quando puderem ser relacionadas com a internação ou procedimentos
hospitalares” (BRASIL, 1998).
Em sua tese de mestrado Fernandes (2008) refere que a Organização
Mundial de Saúde (OMS) promoveu no período de 1983 a 1985 um estudo de
prevalência de infecção hospitalar em 14 países (MAYON-WHITE, 1988), onde
encontraram uma média de 8,7%, variando de 3% a 21%. No Brasil, foi
elaborada uma pesquisa (PRADE et al., 1995), na qual foram avaliados 99
hospitais com mais de 25 leitos ocupados; foram levantados 8.624 pacientes
com mais de 24 horas de internação, cujo tempo médio de permanência foi de
11,8 dias. A taxa de pacientes com infecção hospitalar foi de 13% e a taxa de
infecção hospitalar foi de 15,5%. Em outro estudo brasileiro realizado em 1987,
Fernandes (2008) refere que a taxa de letalidade oscilou entre 10 e 20%,
colocando a infecção hospitalar como possível segunda causa de mortalidade
no país.
No Brasil, a Lei nº 9.431, de 6 de janeiro de 1997 (BRASIL, 1997) foi
sancionada e estabelece a obrigatoriedade para os hospitais brasileiros, da
manutenção do programa de controle de infecção hospitalar.
14
Este programa é definido como um conjunto de ações com objetivo de
redução máxima possível da incidência e da gravidade das infecções
nosocomiais.
A Portaria do Ministério da Saúde (MS) 54/96, refere que todo hospital
deve possuir uma comissão para controle de antimicrobianos, correlacionado
com o perfil de sensibilidade dos microrganismos isolados em casos de
infecção hospitalar. Deve ser feito para isso, um levantamento e divulgação do
padrão microbiológico das infecções hospitalares e o perfil de sensibilidade
desses microrganismos isolados. A farmácia deve participar ativamente,
realizando o estudo do perfil de consumo de antimicrobianos e suas
repercussões na microbiota hospitalar, consolidando informações obtidas na
vigilância epidemiológica e os dados fornecidos pelos serviços de farmácia e
microbiologia clínica.
Segundo Fernandes (2008), de acordo com levantamento realizado pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) em parceria com a
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, 4.118 hospitais
brasileiros (61,3% do total), possuem comissão de controle de infecção
hospitalar 76,1% dos hospitais avaliados e 72,6% investigam casos de infecção
e dentre estes 81,3% utilizam a busca ativa de casos, processo recomendado
pelo Ministério da Saúde (ANVISA, 2004a).
Até 2/3 das infecções relacionadas à assistência à saúde têm origem
autógena, isto é, a partir da microbiota do paciente. O hospedeiro alberga os
principais microrganismos que na maioria dos casos desencadeiam processos
infecciosos. Não há desenvolvimento de imunidade adquirida a esses agentes
e a patologia de base favorece a ocorrência de uma infecção hospitalar por
afetar os mecanismos de defesa antiinfecciosos. Os procedimentos invasivos
atuam como uma abertura ou um canal de comunicação que podem veicular
microrganismos no momento de sua realização ou durante a sua permanência.
As infecções hospitalares quando bem controladas significam um risco
assumido para beneficiar o tratamento do paciente (FERNANDES; RIBEIRO-
FILHO; BARROSO, 2000).
Lavar as mãos com água e sabão e desinfecção de mãos utilizando
álcool são consideradas as mais importantes medidas destinadas a evitar a
15
disseminação de patógenos resistentes a antimicrobianos e infecções
hospitalares (ERASMUS et al., 2010).
2.2 Principais infecções hospitalares
2.2.1 Infecção de sítio cirúrgico
Infecções de sítio cirúrgico (ISC) estão entre as complicações mais
frequentes e graves em pacientes que são submetidos a procedimentos
operatórios. ISC representam 14% a 17% de todas as infecções adquiridas em
hospitais e 38% das infecções hospitalares em pacientes cirúrgicos e estão
associados com perdas substanciais clínicas e econômicas. Pacientes com ISC
permanecem no hospital duas vezes mais do que pacientes que não as
apresentam e é mais provável que necessitem de uma unidade de cuidados
intensivos; além disso apresentam seis vezes maior taxa de reinternação.
Pacientes com ISC têm duas vezes mais probabilidade de morrer durante a
internação do que pacientes sem ISC (WEIGELT et al., 2010).
2.2.2 Infecção do trato urinário
Infecções do trato urinário (ITU) são as infecções mais frequentemente
encontradas em pacientes hospitalizados e representam cerca de 30% a 40%
de todas as infecções nosocomiais. Em um programa de vigilância em
unidades de terapia intensiva (UTI), na Europa, ITU foi a terceira mais comum
infecção adquirida e representou 18% de todas as infecções hospitalares.
Estão associadas com considerável morbidade, hospitalização prolongada e
com aumento de custos acrescidos para a saúde. Cada episódio de ITU no
hospital aumenta a permanência em média de cinco a seis dias de internação.
A inserção do cateter urinário é o mais importante fator de risco para a
aquisição de ITU hospitalar, e aproximadamente 15% dos pacientes
cateterizados em hospitais desenvolvem ITU (TALAAT et al., 2010).
16
2.2.3 Infecção do trato respiratório
Pneumonia adquirida no hospital (PAH), pneumonia associada à
ventilação mecânica (PAV) e pneumonia associada a cuidados médicos
(PACM) continuam a ser importantes causas de morbidade e mortalidade,
apesar dos avanços na terapia antimicrobiana, melhor suporte de modalidades
assistenciais, bem como a utilização de uma vasta gama de medidas
preventivas. PAH é definida como pneumonia que ocorre 48 horas ou mais
após a admissão e que não estava em período de incubação no momento da
admissão. PAH pode ser tratada em uma enfermaria de hospital ou na unidade
de terapia intensiva (UTI) quando a doença é mais grave. PAV refere-se à
pneumonia que surge mais de 48-72 horas após a intubação traqueal. Embora
não esteja incluído nesta definição, alguns pacientes podem necessitar de
intubação após o desenvolvimento de PAH grave e deve ser conduzido de
forma similar aos pacientes com PAV. PACM inclui todo o paciente que estava
internado em um hospital de cuidados agudos por dois ou mais dias no prazo
de 90 dias após a infecção, residia em uma casa de repouso ou de unidade de
cuidado de longo prazo; receberam terapia antibiótica intravenosa recente,
quimioterapia ou tratamento de feridas nos últimos 30 dias após a infecção em
curso, atendidos em um hospital ou clínica de hemodiálise (AMERICAN
THORACIC SOCIETY DOCUMENTS, 2005).
A pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV) é a segunda
infecção mais frequente em UTI americanas e a mais frequente em UTI
européias (SÃO PAULO, 2006).
A PAV é comum na unidade de terapia intensiva (UTI), afetando 8-20%
dos pacientes de UTI e até 27% dos pacientes em ventilação mecânica. Vários
fatores de risco foram relatados para serem associados à PAV, incluindo o
tempo de ventilação mecânica e a presença de doença pulmonar crônica,
sepse, síndrome da angústia respiratória aguda celular (SARA), doença
neurológica, trauma, uso prévio de antibióticos e transfusões sanguíneas. As
taxas de mortalidade nos pacientes com PAV variam de 20-50% e podem
chegar a mais de 70% quando a infecção é causada por microrganismos
multirresistentes e invasivos. A taxa de mortalidade atribuível à PAV é difícil de
quantificar, devido à possível influência de condições associadas, mas
17
acredita-se que PAV aumenta a mortalidade da doença subjacente em cerca
de 30%. PAV também está associada com considerável morbidade, incluindo
permanência prolongada na UTI, ventilação mecânica prolongada e aumento
dos custos de internação (REA-NETO et al., 2008).
2.2.4 Infecção de corrente sanguínea
Infecção de corrente sanguínea (ICS) é definida como toda infecção que
não pode ser rastreada para uma fonte específica em um paciente enquanto
um cateter venoso central esteja em uso (MACIAS et al., 2010).
Em ICS, 90% estão associadas a um cateter vascular (SIEGMAN-IGRA
et al., 1997) e representa um terço de todas as infecções associadas à
assistência à saúde e com altas taxas de morbidade e mortalidade
(CHRISTOFF et al., 2010). A taxa de letalidade tem sido estimada em 10 a
20% dos casos de ICS (SIEGMAN-IGRA et al., 1997)
A cada ano, nos Estados Unidos, hospitais e clínicas adquirem acima de
150 milhões de dispositivos intravasculares para fluidos endovenosos,
medicamentos, derivados de sangue e fluidos de nutrição parenteral. A maioria
desses dispositivos são cateteres periféricos, mas acima de 5 milhões de
cateteres venosos centrais são inseridos a cada ano. Os fatores de risco para
infecção de corrente sanguínea relacionada a cateter variam de acordo com o
tipo de cateter, tamanho do hospital, unidade ou serviço, localização do sítio
de inserção e duração de permanência do cateter (MERMEL et al., 2001).
Os cateteres venosos podem ser tunelizados ou não. A patogênese da
infecção de cateteres venosos centrais não tunelizados é frequentemente
relacionada com: (1) colonização extraluminal do cateter que se origina da pele
e menos comumente, da ponta do cateter com disseminação hematogênica ou
(2) colonização intraluminal do hub e do lúmen do cateter. Em comparação a
cateteres venosos tunelizados ou dispositivos implantáveis, a contaminação do
cateter não tunelizado ocorre mais comumente pela infecção intraluminal
(MERMEL et al., 2001).
Infecções de corrente sanguínea (ICS) são as infecções hospitalares
mais comuns em pacientes em unidade de terapia intensiva neonatal. Devido
ao avanço da tecnologia há grande possibilidade de sobrevivência mesmo com
18
baixo peso ao nascer, aumentando o número de prematuros hospitalizados em
unidades de terapia neonatais, assim como, aumentando o número de ICS
nessa população vulnerável (ATIF et al., 2008).
Embora a maioria das infecções de corrente sanguínea relacionada a
cateter sejam causadas por Staphylococcus (tanto Staphylococcus coagulase-
negativa como Staphylococcus aureus), bacilos gram-negativos também são
causa importante dessas infecções nos Estados Unidos e em outros países
desenvolvidos. Vários estudos de cateteres venosos centrais não tunelizados
de curta permanência tiveram bacilos gram-negativos como causa de 22 a 54%
das infecções de corrente sanguínea associadas. Outros estudos
demonstraram que bacilos gram-negativos causaram 26 a 55% de infecções de
corrente sanguínea relacionada a cateter de longa permanência, com
Enterobacter e Klebsiella spp como principais microrganismos. Infusões
contaminadas são uma importante fonte de bacteriemias de bacilos gram-
negativos, pois uma vez introduzidos, esses microrganismos podem proliferar
em tais fluidos (RAAD, 2004).
2.3 Surto hospitalar
Define-se como surto hospitalar, a ocorrência de um número de casos de
infecção relacionada à assistência à saúde por um determinado agente, numa
população específica, num dado período de tempo, acima de seus limites
endêmicos (WALDMAN, 2000).
Os inquéritos epidemiológicos são necessários para identificar a fonte e
a via de infecção (DOIT et al., 2004).
Segundo Fernandes (2008), considera-se vigilância epidemiológica a
obtenção de informação para a ação. O diagnóstico e a notificação das
infecções hospitalares devem ser relacionados aos fatores predisponentes,
para orientação das medidas de prevenção e controle. A investigação
epidemiológica deve ser acionada imediatamente sempre que for identificado
um surto ou outro agravo inusitado à saúde dos pacientes relacionado às
infecções hospitalares. Estas atividades implicam no diagnóstico das infecções
e da identificação dos possíveis fatores de risco, muitos relacionados às
condutas e práticas profissionais.
19
A razão mais importante para a investigação de um surto é a
identificação e eliminação da fonte de infecção, prevenindo-se novos casos.
Significa também uma oportunidade de descrever e aprender sobre novas
doenças, avaliar estratégias de prevenção conhecidas, aprender e ensinar
epidemiologia e publicar os resultados da investigação para a comunidade
científica e o público geral (REINGOLD, 1998).
A investigação do surto de infecção hospitalar é de responsabilidade do
programa de controle de infecção hospitalar, definido pela portaria 2616/98 do
Ministério da Saúde. Esta é importante para o próprio desenvolvimento do
serviço de controle de infecção, descrevendo o agente etiológico, hospedeiro
ou fatores ambientais, melhorando as medidas de prevenção e determinando a
qualidade da vigilância epidemiológica na instituição de saúde (FREITAS,
2008).
Investigações laboratoriais e epidemiológicas combinadas têm-se
mostrado eficazes na identificação de novos patógenos e de fontes de
infecção, estratégia útil para a prevenção e controle de surtos (JARVIS, 1991).
2.4 Surtos hospitalares por Burkholderia cepacia
2.4.1 Complexo Burkholderia cepacia
Burkholderia cepacia (anteriormente Pseudomonas cepacia) (NASSER
et al., 2004) é uma bactéria ubíqua, universal (HAMILL, 1995), classificada
como bacilo gram-negativo (ROMERO-GOMEZ et al., 2008), não-fermentador
(GIL, 2001), não esporulada (BERRIATUA et al., 2001), móvel, da família
Pseudomonadaceae (NASSER et al., 2004). Seus habitats primários incluem
sedimentos dos rios, solo e plantas (BERRIATUA et al., 2001).
Em 1950, William Burkholder descreveu Pseudomonas cepacia como um
patógeno de plantas (GIL, 2001). Ainda em 1950, foi relatado primeiramente
como um patógeno humano causando endocardite bacteriana. Em 1971, foi
identificada como um organismo do “pé podre” em tropas em formação no
pântano dos Estados Unidos, em exercício na Flórida (DAVIES; RUBIN, 2007).
Mais tarde, essa bactéria se mostrou muito versátil, com capacidade
para várias interações complexas, como degradação de complexos aromáticos
20
e interação com humanos e animais. Surgiram como patógenos humanos
oportunistas, particularmente nos indivíduos com fibrose cística, pacientes com
doença granulomatosa crônica e pacientes que necessitam de cuidados
intensivos (BERRIATUA et al., 2001).
Com a análise taxonômica molecular de isolados dessa espécie de
Pseudomonas, muitos foram transferidos para um novo gênero, Burkholderia
(YABUUCHI et al., 1992; MAHENTHIRALINGAM; BALDWIN; DOWSON, 2008).
A espécie Burkholderia é, na verdade, composta por bactérias que,
apesar de intimamente relacionadas e fenotipicamente muito similares,
possuem múltiplas diferenças genéticas, suficientes para permitir subdivisões
em espécies ou variantes genômicas, que formam o complexo; atualmente, o
complexo compreende 9 variantes genômicas formalmente nomeadas e 1
variante aguardando publicação de um estudo polifásico formal, totalizando 10
variantes, sendo elas: Burkholderia cepacia (variante genômica I), Burkholderia
multivorans (variante genômica II), Burkholderia cenocepacia (variante
genômica III), Burkholderia stabilis (variante genômica IV), Burkholderia
vietnamiensis (variante genômica V), Burkholderia dolosa (variante genômica
VI), Burkholderia ambifaria (variante genômica VII), Burkholderia anthina
(variante genômica VIII), Burkholderia pyrrocinia (variante genômica IX) e
Burkholderia ubonensis (variante genômica X) (MAHENTHIRALINGAM;
BALDWIN; DOWSON, 2008).
2.4.2 Infecção pulmonar em pacientes com fibrose cística: síndrome cepacia
São completamente desconhecidos quais os pacientes predispostos à
aquisição do CBC. Fatores pulmonares do hospedeiro tais como presença de
cable pili, produção de enzimas extracelulares e habilidade de algumas cepas
do CBC de replicar intracelularmente, parecem contribuir para a propensão de
persistência de infecção em pacientes com fibrose cística (SAJJAN et al.,
2001).
O primeiro momento da infecção por CBC envolve a colonização do trato
respiratório superior, que evolui para o trato inferior. A habilidade da bactéria
para formar biofilmes tem sido associada com sua capacidade para causar
doença no hospedeiro humano (CUNHA et al., 2004).
21
Infecção por Burkholderia cepacia está associada com doença pulmonar
avançada e uma síndrome clínica referida como uma “síndrome cepacia”,
caracterizada por uma pneumonia necrotizante e sepse (DE SOYZA; CORRIS,
2003). É uma doença hematogênica fatal, invasiva e rapidamente progressiva
(SPEERT et al., 2002). Caracteriza-se por uma falência aguda da função
pulmonar, apresentando uma pneumonia fulminante em aproximadamente 20%
dos pacientes com fibrose cística. Nessa condição, organismos invadem
sistemicamente o indivíduo, causando choque endotóxico, insuficiência de
múltiplos órgãos e em muitos casos, morte (DAVIES; RUBIN, 2007).
Burkholderia cenocepacia também é considerada a variante genômica
responsável pela “síndrome cepacia” e está associada a uma maior
mortalidade dos pacientes infectados quando comparada às outras variantes
(COURTNEY et al., 2004). Entretanto, alguns autores, baseados em relatos de
casos, consideram que Burkholderia multivorans também pode ser responsável
por um quadro de bacteriemia muito semelhante a essa síndrome (JONES et
al., 2004).
No início de 1980, este organismo levou a severos surtos em pacientes
com fibrose cística mundialmente, com morbidade e mortalidade significante
(DAVIES; RUBIN, 2007). Embora Burkholderia cepacia não seja um organismo
comensal comum, pacientes hospitalizados sem fibrose cística podem abrigá-lo
e ser uma ameaça de infecção para pacientes vulneráveis com fibrose cística
(HOLMES; GOVAN; GOLDESTEIN, 1998).
Estudos epidemiológicos demonstram que a transmissão do Complexo
Burkholderia cepacia ocorre por contato social (MAHENTHIRALINGAM;
BALDWIN; VANDAMME, 2002); também foi demonstrado que cepas virulentas
e muito transmissivas de Burkholderia cenocepacia podem substituir outras
variantes genômicas durante a infecção, como a Burkholderia multivorans,
sugerindo a importância da segregação dos pacientes infectados (COURTNEY
et al., 2004). Além do isolamento dos pacientes colonizados, ainda existe um
risco mínimo de infecção cruzada nos centros de tratamento de fibrose cística e
a ênfase na higiene deve ser priorizada para reduzi-lo (CAMPANA et al., 2005).
O risco de doença para infecção com o Complexo Burkholderia cepacia
em pacientes com fibrose cística é substancialmente maior do que pacientes
22
com Pseudomonas aeruginosa somente ou com outras bactérias além de
Burkholderia cepacia ou Pseudomonas aeruginosa (SPEERT et al., 2002).
2.4.3 Surtos de infecção de corrente sanguínea
Burkholderia cepacia é uma causa rara de infecções de corrente
sanguínea (DOUCE et al., 2008), no entanto, surtos hospitalares de pequenos
focos envolvendo pacientes sem fibrose cística têm sido devido à
contaminação de fonte comum, tais como: reservatórios de água,
desinfetantes, soluções antissépticas como iodo-povidona, cloreto de
benzalcônio e clorexidina-cetrimida, anestésicos e ou soluções e
medicamentos intravenosos (HOLMES; GOVAN; GOLDESTEIN, 1998;
ÁLVAREZ-LERMA et al., 2008). A contaminação pode ocorrer durante o
processo de preparo (intrínseco) ou pode ser extrínseco, ocorrendo, por
exemplo, durante a manipulação de vias multidoses (DIAS et al., 2008).
Foram descritas bacteriemias secundárias à contaminação de solução
de dextrose durante a preparação de heparina para cateterização (FRANK
VAN LAR et al., 1998).
Em 1991, foi relatado um surto de 11 casos de bacteriemia por
Burkholderia cepacia em pacientes oncológicos em um hospital do Alabama;
não houve óbito, porém permaneceram hospitalizados durante 17 dias. O fator
comum, que contribuiu para a infecção, foi a instalação de um cateter venoso
central, cujo lúmen tinha sido lavado com uma solução de heparina que se
comprovou contaminada posteriormente. O quadro clínico nesse surto se
caracterizou por início dos sintomas no terceiro dia de exposição e febre alta
sem ter sinais de sepse. Não houve diferença com um grupo controle
relacionada ao sexo, idade, tipo de tumor, tipo de cateter venoso central,
quimioterapia, corticoterapia e número absoluto de neutrófilos. A condição
comum foi ser paciente oncológico e estar exposto a uma contaminação
extrínseca (PEGUES et al., 1993).
Um surto foi relatado em um centro cardiológico em 1995, onde 42
pacientes apresentaram bacteriemia por Burkholderia cepacia; houve uma
relação estatisticamente significativa com as seguintes variáveis: cateterização
e uso de heparina, verificando-se posteriormente sua contaminação (FRANK
23
VAN LAR et al., 1998). Na literatura médica foram descritas também
pseudobacteriemias relacionadas à exposição com anestésicos como fentanil
ou nebulizações com albuterol (REBOLI et al., 1996).
Há relato de seis pacientes com sérias infecções causadas por um gel
de ultra-sonografia contaminado com Burkholderia cepacia, sendo isoladas do
sangue e idênticas às isoladas no gel de ultra-som, demonstrando habilidade
da bactéria em degradar Parabens (conservantes utilizados em cosméticos e
produtos industriais e farmacêuticos, encontrados em cremes, pastas, produtos
de beleza, cola, gorduras e óleos) in vitro, através de enzimas específicas
(CASHMAN; WARSHAW, 2005).
Em um surto nosocomial de bacteriemia por Burkholderia cepacia no
centro de hemodiálise em Madrid, Espanha, de 1 de dezembro de 2005 a 30 de
abril de 2006, cinco pacientes desenvolveram sintomas de bacteriemia. Quatro
dos pacientes-casos tiveram um longo período de cateter venoso central e
desenvolveram altas temperaturas sem sinais de infecção relacionada a
cateteres. Culturas ambientais de potenciais fontes de contaminação de
Burkholderia cepacia foram realizadas: a água deionizada usada para diluir o
concentrado dialisado, a água pós-osmose, a água da torneira das quatorze
estações de hemodiálise, solução de clorexidina diluída a 5%, solução de
clorexidina diluída a 2,5% e a solução de iodo-povidona. Durante o surto,
Burkholderia cepacia foi isolada a partir do sangue de cinco pacientes
atendidos na unidade de hemodiálise e de duas amostras ambientais. Este
organismo foi detectado na solução de clorexidina a 2,5% e na água utilizada
para diluir a clorexidina em uma das estações. Outras fontes potenciais de
contaminação resultaram negativas. Todos os isolados clínicos e ambientais
foram de Burkholderia stabilis SP. Nov. (anteriormente genomovar Burkholderia
IV) e tiveram padrão de bandas de DNA idêntico, como determinado pelo
pulsed-field gel eletrophoresis (PFGE), sugerindo sua relação e uma fonte
comum de infecção. Os resultados sugerem que o surto de bacteriemia por
Burkholderia cepacia foi causado pelo uso de álcool e solução de clorexidina a
2,5% contaminados, para a desinfecção da pele antes da inserção do cateter e
durante os cuidados (ROMERO-GÓMEZ et al., 2008).
24
Dias et al. (2008) relatou um surto de bacteriemia por CBC durante o
preparo de seringas contendo solução de heparina cateter-lock em uma
farmácia de manipulação.
Burkholderia cepacia não é um organismo que tipicamente infecta
cateteres venosos centrais e Douce et al. (2008), relataram investigação de um
surto em setembro de 2006, após 4 pacientes com cateter venoso central
terem sido identificados com bacteriemia pelo CBC. No início do surto poucos
isolados foram recuperados. A investigação completa foi iniciada após vários
pacientes apresentarem o mesmo organismo recuperado no sangue no mesmo
mês. Este surto foi causado por ampolas comerciais de água estéril
intrinsecamente contaminadas por duas bactérias diferentes. Injeção de água
estéril tem sido implicada em surtos de bacteriemia por Burkholderia cepacia
em outros países. Isolados de Burkholderia cepacia ou Myroides odoratus de
sangue de pacientes deveriam estimular investigação que inclui culturas de
alguns produtos comerciais que contêm água envolvida no tratamento desses
pacientes.
Lima et al. (2005), realizaram um estudo para determinar as
características físico-químicas e bacteriológicas da água utilizada por serviços
de hemodiálise em hospitais da cidade de São Luís. Microrganismos foram
detectados na água utilizada para hemodiálise em duas unidades, sendo a
Burkholderia cepacia isolada de amostras de pré e pós-tratamento de uma
unidade e de amostras de pós-tratamento da outra unidade, além de outros
agentes.
Há relato de um surto de infecção severa causada pelo Complexo
Burkholderia cepacia em uma unidade de terapia intensiva multidisciplinar da
Espanha em que um leite para hidratação corporal contaminado serviu como
reservatório e origem da infecção. A eliminação do reservatório foi associado
com erradicação da Burkholderia cepacia do hospital (ÁLVAREZ-LERMA et al.,
2008).
Berriatua et al. (2001) descreveram um surto epidêmico de mastite
subclínica associada com a infecção pelo Complexo Burkholderia cepacia em
um grande rebanho de ovelhas leiteiras. A importância médica da mastite ovina
pelo Complexo Burkholderia cepacia merece comentário, pois confirma relatos
anteriores da detecção de CBC no leite cru e queijo, indicando a possibilidade
25
de disseminação para seres humanos suscetíveis através de origem alimentar.
A participação de Burkholderia cepacia genomovar III, em sete das oito
amostras analisadas, é particularmente interessante.
Gravel et al. (2002), relataram um surto de Burkholderia cepacia que
ocorreu na unidade de terapia intensiva do Hospital de Ottawa, General
Campus, durante um período de 3 meses, tendo como fonte um corante índigo-
carmim contaminado, usado para tingir a alimentação por sonda, para
identificar macroaspiração.
Burkholderia cepacia foi associada a surtos nosocomiais causadas por
contaminação de dispositivos médicos, nebulização e medicação parenteral,
soluções antissépticas e outras fontes ambientais. Também tem sido implicada
em surtos hospitalares causados por contaminação de álcool para lavagem de
mãos. Entre julho de 2004 e julho de 2005 no hospital de ensino em Las
Palmas (Ilhas Canárias, Espanha), 37 pacientes adultos apresentaram culturas
positivas para Burkholderia cepacia. A solução para lavagem da boca, livre de
álcool, contaminada foi fortemente sugerido como a fonte de infecção
(MOLINA-CABRILLANA et al., 2006).
Em março de 2004, vários lotes de um descongestionante nasal foram
recolhidos pelo fabricante pela contaminação intrínseca com o Complexo
Burkholderia cepacia. Demonstraram que a contaminação extrínseca da
medicação albuterol utilizada para nebulização terapêutica em múltiplos
pacientes combinado com práticas subótimas de controle de infecção, foram os
mais prováveis mecanismos de transmissão do Complexo Burkholderia cepacia
(ESTIVARIZ et al., 2006).
Souza et al. (2004), descreveram uma extensa caracterização molecular
de isolados de Burkholderia cepacia recuperados de sangue e amostras
ambientais em um centro de hemodiálise. Os dados, inequivocadamente,
implicaram o abastecimento de água como fonte de infecção. Nesse mesmo
estudo, os autores citam um surto entre os pacientes renais crônicos na
Tailândia, devido à diluição de solução de cetrimida-clorexidina contaminados
com as mesmas cepas que foram isoladas do sangue. Membranas de osmose
reversa contaminadas foram também responsáveis por uma bacteriemia pelo
complexo Burkholderia cepacia em pacientes renais crônicos em outro surto no
Brasil. A provável fonte de contaminação está relacionada à limpeza
26
inadequada de procedimentos que deixou vazar as conexões da tubulação da
osmose reversa.
Doit et al. (2004), relataram um surto nosocomial de bacteriemia por
Burkholderia cepacia ocorridos entre outubro de 2001 e abril de 2002 em três
setores de um hospital pediátrico, onde sete pacientes tiveram sinais clínicos
de sepse e seis pacientes apresentavam sinais clínicos de choque séptico.
Este estudo confirmou que o surto foi devido a uma contaminação externa da
borracha de uma emulsão lipídica intravenosa, na unidade de fabricação.
Nasser et al. (2004) relataram uma epidemia nosocomial de infecção de
corrente sanguínea relacionada a cateter por Burkholderia cepacia em
pacientes internados em um hospital universitário de 250 leitos em Beirute, no
Líbano, que durou pelo menos 7 anos. Foram 411 episódios de infecção de
corrente sanguínea (ICS) por Burkholderia cepacia em 361 pacientes no
Hospital Saint George. A fonte da epidemia foi identificada como sendo a
torneira de água contaminada com Burkholderia cepacia utilizada para diluir o
álcool usado para antissepsia no local de inserção do cateter venoso.
2.5 Virulência
A persistência de cepas infectantes de Burkholderia cepacia por meses a
anos em pacientes com fibrose cística tem sido documentada. Em uma série
de 17 pacientes com fibrose cística acompanhados por um período de 9 anos,
PFGE demonstrou que infecção por CBC foi devido à persistência de cepa
única em cada paciente e não por transmissão entre pacientes (GUIDE et al.,
2003).
A história natural da infecção pelo CBC permanece ainda desconhecida.
Parece que a maioria dos pacientes permanecem com cultura positiva após
infecção inicial. Em alguns pacientes, entretanto, infecção precoce pode ser
transitória ou microbiologicamente inaparente. Embora alguns pacientes
permaneçam infectados e relativamente saudáveis por períodos prolongados,
outros experimentam um rápido e frequente declínio fatal, logo após a infecção
inicial (BERNHARDT et al., 2003).
Sokol et al. (2000), referiram que embora Burkholderia cepacia e
Pseudomonas aeruginosa produzam um número de fatores de virulência
27
potenciais, evidência considerável sugere que metaloproteases de zinco
extracelulares desempenham um papel importante na doença pulmonar.
Análises de amostras de escarro de pacientes com fibrose cística
infectados com Pseudomonas aeruginosa e Burkholderia cepacia indicaram a
presença de N-acylhomoserine lactones (AHL). As AHL não somente controlam
a expressão dos genes de virulência bacteriana, mas estão também envolvidas
em estimular a maturação de biofilmes resistentes a antibióticos e liberando
citocinas do hospedeiro. Foi feita a hipótese de que as AHL possam ser
detectadas mesmo em receptores de transplante pulmonar estáveis
clinicamente, livres de infecção clínica ou rejeição (WARD et al., 2003).
Não é conhecido se certos genomovars ou certas cepas são mais
virulentas do que outras (SPEERT et al., 2002). O CBC é considerado um dos
mais versáteis grupos de bactérias gram-negativas pela sua habilidade de
adaptar-se aos ambientes mais diversos. Todas as espécies de Burkholderia
possuem um genoma muito grande e separam seu DNA em dois ou mais
replicons, o que proporciona grande flexibilidade na aquisição, perda e
expressão de genes (MAHENTHIRALINGAM; BALDWIN; DOWSON, 2008).
Organismos pertencentes ao Complexo, apresentam uma variedade de
mecanismos clássicos de virulência, o que inclui a produção de proteases,
hemolisinas, lipases e endotoxinas. Pacientes infectados por uma mesma cepa
também podem apresentar uma variação na evolução clínica, o que indica que
a resposta imune do paciente também é importante no combate à infecção
(COURTNEY et al., 2004).
A motilidade bacteriana, aderência, dano tecidual e formação de biofilme
abundante “in vivo” são fatores determinantes para o estabelecimento da
infecção (CUNHA et al., 2004).
Algumas linhagens do complexo possuem grande capacidade de
transmissão. Em particular a Burkholderia cenocepacia cepa ET12
(eletrophoretic type 12), que predomina em pacientes com fibrose cística no
Canadá e Reino Unido. Essa cepa carrega o gene cblA, que codifica uma
subunidade do “cable pili”, estrutura chave que é responsável pela aderência
da bactéria na célula epitelial. Esse organismo também possui o BCESM
(Burkholderia cepacia epidemic strain marker), que codifica um regulador
transcripcional de função ainda desconhecida. Somente as cepas de
28
Burkholderia cenocepacia demonstraram a expressão desses marcadores de
transmissão (DAVIES; RUBIN, 2007). A cepa PHDC (Philadelphia-DC) de
Burkholderia cenocepacia, epidêmica na América do Norte, não possui “cable-
pili” nem BCESM. O mecanismo preciso envolvido na sua transmissão ainda é
desconhecido, mas as consequências de infecção cruzada são devastadoras
(LiPUMA, 2003).
2.6 Transmissão
O Complexo Burkholderia cepacia tem um potencial para disseminação
de paciente para paciente, dentro e fora do ambiente hospitalar, levantando
questões importantes sobre medidas ideais para o controle de infecção
(SPEERT et al., 2002).
Apesar das evidências de disseminação entre pacientes serem claras,
fatores microbiológicos facilitadores são pouco entendidos (SPEERT et al.,
2002).
A transmissibilidade varia marcadamente entre cepas e observa-se que
a maioria delas não estão envolvidas em epidemias, mas parecem ser
independentemente adquiridas e não demonstram evidência de transmissão. A
transmissão entre pacientes com fibrose cística e não fibrose cística tem sido
associada com doenças severas e óbito e apresenta uma maior ameaça
nosocomial do que previamente reconhecida. Este microrganismo tem ampla
capacidade metabólica, o que permite sobreviver e proliferar em ambientes à
base de água (DAVIES; RUBIN, 2007).
Burkholderia cepacia é altamente transmissível (DE SOYZA; CORRIS,
2003) e mudanças genéticas dessas cepas conferem alta transmissibilidade
(HOLMES; GOVAN; GOLDESTEIN, 1998). Estudos demonstraram que cepas
do Complexo Burkholderia cepacia genomovar III são as mais potencialmente
transmissíveis e que o marcador de cepa epidêmica Burkholderia cepacia é um
forte marcador para transmissibilidade (SPEERT et al., 2002).
Antes da aprovação de rigorosas políticas de controle de infecção,
Burkholderia cenocepacia, representando 80% dos isolados clínicos do
Complexo em pacientes com fibrose cística no Canadá, foi associada a uma
maior taxa de mortalidade do que a menos prevalente Burkholderia multivorans
29
e ao contrário da maioria das cepas de Burkholderia multivorans, pode ser
facilmente transmitida entre pacientes (MACDONALD; SPEERT, 2008).
Haussler et al. (2003), referem que esforços diagnósticos deveriam ser
empreendidos para ajudar a identificar pequenas colônias variantes do
Complexo Burkholderia cepacia, desde que possam ser um indicador de pior
prognóstico no pós-transplante em pacientes com fibrose cística.
Estudos realizados por Heath et al. (2002), sugerem que pacientes com
fibrose cística infectados com o Complexo Burkholderia cepacia e
referenciados para realização de transplante pulmonar não foram as maiores
fontes de cepas do CBC infectando a população residente de fibrose cística.
O reconhecimento precoce de que vários membros do Complexo são
altamente transmissíveis e que foram a causa de surtos entre comunidades de
fibrose cística, levou ao fechamento de todos os acampamentos de verão de
pacientes com fibrose cística nos Estados Unidos e Canadá e recomendações
para coorte desses pacientes foram baseadas em seus patógenos bacterianos
(DAVIES; RUBIN, 2007).
A transmissão de pessoa a pessoa de cepas altamente transmissíveis
através de contato nosocomial ou contatos sociais tem levado ao uso de
rigorosas medidas de controle de infecção, incluindo a segregação de
indivíduos colonizados (BERRIATUA et al., 2001).
Isolados de Burkholderia cepacia estão intimamente relacionadas e
epidemias isoladas estão espalhadas por todo o mundo. Essa filogenia indica
que as mudanças genéticas estão ocorrendo de forma aleatória. A ampla
distribuição geográfica da epidemia de diferentes cepas de Burkholderia
cepacia também sugerem que as cepas altamente transmissíveis estão
surgindo de forma independente e aleatoriamente (HOLMES; GOVAN;
GOLDESTEIN, 1998).
2.7 Diagnóstico laboratorial
A identificação de bactérias pertencentes ao CBC é muito problemática à
medida que essa espécie é facilmente confundida com outros organismos
gram-negativos não fermentadores. A identificação desse grupo de bactérias
também é dificultada pela sua complexa taxonomia (DAVIES; RUBIN, 2007) .
30
Para identificação do CBC, um teste disponível pode ser o crescimento
em meio seletivo, que separa o Complexo de outras bactérias gram-negativas
presentes nas secreções respiratórias. A sensibilidade desse método é
excelente, estando em torno de 96 e 100%; entretanto, a especificidade não é
de 100%, o que permite o crescimento de outras bactérias, que não as do
CBC. Esse método laboratorial não deve ser utilizado como definitivo na
identificação do CBC, mas é útil quando usado como um teste de triagem para
esse grupo de bactérias (VAN PELT et al., 1999).
Burkholderia cepacia pode ser subidentificada devido o meio seletivo ser
raramente utilizado, exceto em amostras de pacientes com fibrose cística
(HOLMES; GOVAN; GOLDESTEIN, 1998).
Em adição ao programa de controle de infecção hospitalar, diagnósticos
rápidos e confiáveis de isolados clínicos relacionados geneticamente no
laboratório de microbiologia são essenciais (GRISOLD et al., 2010).
A identificação precisa do Complexo e variantes genômicas é crítica,
com consequências médicas e sociais para os pacientes com fibrose cística.
As técnicas baseadas na identificação fenotípica são geralmente consideradas
insuficientemente confiáveis para a identificação do complexo e não são
capazes de identificar suas variantes genômicas (SEGONDS et al., 1999; VAN
PELT et al., 1999). As técnicas moleculares têm-se mostrado bastante úteis na
identificação do Complexo, além de possibilitarem também a identificação das
variantes genômicas envolvidas. A análise do gene recA por PCR-RFLP
(“polymerase chain reaction – restriction fragment length polymorphism”)
consiste em uma técnica rápida e confiável para essa finalidade
(MAHENTHIRALINGAM et al., 2000).
Utilizada como uma ferramenta para tipagem, pulsed-field gel
eletrophoresis (PFGE) é um método amplamente indicado na determinação de
parentesco genético. PFGE tem sido usado para descrever a maioria das
espécies bacterianas e os resultados revelaram-se precisos e reproduzíveis
(GRISOLD et al., 2010).
A variante genômica envolvida na colonização de um determinado
paciente influencia diretamente na progressão da sua doença e sobrevida
(JONES et al., 2004). A identificação das variantes é extremamente importante
do ponto de vista clínico. Burkholderia cenocepacia IIIA está associada a um
31
declínio da função pulmonar muito mais acelerado do que o observado em
pacientes infectados por Burkholderia multivorans ou Pseudomonas aeruginosa
(COURTNEY et al., 2004). A infecção por Burkholderia cenocepacia é tão
devastadora ao ponto de contra-indicar o transplante pulmonar em alguns
centros, mesmo sendo considerado um tratamento de sucesso nos estágios
finais da fibrose cística associada à falência pulmonar (DE SOYZA et al., 2004).
Apesar de todos os membros do Complexo terem sido isolados de
culturas de escarro de pacientes com fibrose cística, Burkholderia cenocepacia
(genomovar III), Burkholderia multivorans (genomovar II) e Burkholderia
vietnamiensis (genomovar V) conta com a maioria dos isolados, 50%, 35% e
5% respectivamente. No Canadá e em alguns países da Europa, a proporção
de pacientes infectados com Burkholderia cenocepacia é ainda maior. De fato,
a única espécie a manter o nome Burkholderia cepacia, genomovar I, é
relativamente infrequente em fibrose cística. Essas espécies são facilmente
confundidas com outras bactérias gram-negativas não-fermentadoras, tais
como Stenotrophomonas, Alcaligenes, Pandoraea e Ralstonia. Em alguns
estudos, ao redor de 10% de isolados em escarro de pacientes com fibrose
cística inicialmente identificados como Burkholderia cepacia têm sido
equivocadamente identificados (DAVIES; RUBIN, 2007).
A maioria dos surtos epidêmicos estão associados a Burkholderia
cepacia genomovar III ou Burlkholderia multivorans (BERRIATUA et al., 2001).
O aparecimento de novas estirpes a cada ano, em pacientes com fibrose
cística sugere a aquisição em curso das cepas do ambiente (RAMETTE;
LiPUMA; TIEDJEL, 2005).
2.8 Tratamento
O tratamento do Complexo Burkholderia cepacia é difícil devido a sua
alta resistência à maioria dos antibióticos disponíveis clinicamente. Este
problema é complicado pelo desenvolvimento de resistência durante terapia e o
desenvolvimento de resistência cruzada a outros antimicrobianos (WIGFIELD
et al., 2002).
Uma vez que o paciente adquiriu um organismo do Complexo
Burkholderia cepacia, o tratamento se apresenta como um desafio por várias
32
razões. Em adição ao amplo espectro de resistência antimicrobiana, essas
espécies exibem fenótipos que podem contribuir para o impedimento da defesa
do hospedeiro. Tal como a infecção por Pseudomonas aeruginosa, é
frequentemente impossível erradicá-la e a terapia em pacientes com fibrose
cística pode ser destinada a diminuir a carga bacteriana pulmonar e reduzir a
resposta inflamatória do hospedeiro (DAVIES; RUBIN, 2007).
A resistência inerente ao Complexo Burkholderia cepacia para os
principais grupos de antibióticos priva os pacientes infectados de terapêutica
antimicrobiana eficaz (BERRIATUA et al., 2001).
Riedel et al. (2001), citados por Erwin e Vandervanter (2002), relataram
que, em biofilmes mistos, Burkholderia cepacia pode responder ao tratamento
para Pseudomonas aeruginosa, mas que o contrário não é verdadeiro.
Burkholderia cepacia é frequentemente resistente aos antimicrobianos e
não responde ao tratamento com aminoglicosídeos, ureidopenicilinas ou
ceftazidima apesar de poder ser sensível in vitro (GOLD; JIN; LEVINSON,
1983). A resistência antimicrobiana é um fator crítico na infecção por
Burkholderia cepacia. Todas as cepas são intrinsecamente resistentes aos
aminoglicosídeos; a taxa de resistência aos betalactâmicos é geralmente alta,
com exceção de meropenem que tem boa atividade in vitro (90% das cepas
são inibidas com uma concentração inibitória mínima de 8mcg/ml). A
sensibilidade às quinolonas, especificamente à ciprofloxacina, é variável,
porém a resistência a ela é induzível. Burkholderia cepacia é sensível in vitro a
cloranfenicol e sulfametoxazol-trimetoprim (BURNS; SAIMAN, 1999).
A terapia antibiótica, ambas profilática e terapêutica, é o esteio de
tratamento. Sulfametoxazol-trimetoprim profilático deveria ser iniciado logo
após o diagnóstico de pacientes com doença crônica granulomatosa (DCG) e
reduz a taxa de infecções severas em pelo menos 50% de pacientes com DCG
devido ter atividade contra Staphylococcus aureus, Serratia marcescens,
Burkholderia spp e Nocardia spp (KOSUT; KAMANI; JANTAUSCH, 2006).
Existe pouca informação sobre o tratamento adequado, porém se postula
que para exacerbações agudas, ceftazidima pode ser útil e como tratamento de
manutenção poderia ser introduzido sulfametoxazol-trimetoprim, cloranfenicol
ou tetraciclina. Quando é possível, a terapia com dois antibióticos sinérgicos é
ideal (HODSON, 1995).
33
2.9 Resistência a antimicrobianos
Patógenos resistentes a antimicrobianos que causam infecções
associadas a serviços de saúde representam um contínuo e crescente desafio
para os hospitais, tanto no tratamento clínico de pacientes e na prevenção da
transmissão cruzada (HIDRON, 2008).
O número de infecções causadas por germes multirresistentes
tem aumentado significativamente na última década. Maior tempo de
internação, aumento dos custos, aumento da mortalidade e diminuição das
opções terapêuticas
fazem da prevenção e controle de germes multirresistentes uma prioridade
(WEINTROB et al., 2010).
Mecanismos de resistência de Burkholderia cepacia incluem
permeabilidade seletiva na parede celular, alteração de alvos intracelulares das
drogas , degradação enzimática ou inativação de drogas ou o efluxo ativo de
antibióticos (WIGFIELD et al., 2002).
Burkholderia cepacia é intrinsecamente resistente aos antibióticos
antipseudomonas, colistina e polimixina (DE SOYZA; CORRIS, 2003).
O CBC é muito resistente a antibioticoterapia por possuir um genoma
muito maleável que é capaz de sofrer várias mutações, adaptando-se às mais
diversas condições. A resistência intrínseca às polimixinas é considerada uma
característica do CBC (MOORE; BANCOCK, 1986).
Esses organismos são resistentes a aminoglicosídeos e polimixina
devido ao incomum componente lipopolissacáride de suas membranas
celulares. Em adição à resistência intrínseca, essas espécies podem também
adquirir resistência durante a terapia devido à produção de betalactamases,
auto-regulação de antibióticos em bombas de efluxo e alteração de alvos de
antibióticos. A resistência induzida é um problema particular em pacientes com
fibrose cística, que frequentemente recebem cursos múltiplos e prolongados de
antibióticos (DAVIES; RUBIN, 2007).
Em um estudo publicado em 1996 (LEDSON; GALLAGHER; CORKHILL,
1998), a maioria de 366 cepas estudadas foram resistentes à ciprofloxacina,
amicacina, gentamicina, tobramicina, cefuroxima, cefotaxima, imipenem,
cloranfenicol, tetraciclina e sulfas e mais de 77% foram sensíveis à ceftazidima,
34
piperacilina/tazobactam e meropenem. A migração de sequências de inserção
dentro do cromossoma de Burkholderia cepacia pode afetar a expressão de
genes que modulam a resistência antimicrobiana; isso poderia explicar porque
cepas com o mesmo ribotipo, porém com diferentes antibiogramas, podem ser
isolados do mesmo paciente.
Resistência a múltiplos antibióticos tem sido frequentemente
documentada; em um estudo foi encontrada multirresistência em 48% (27/56)
dos isolados. Um total de 57% (17/30) de bacteriemias por gram-negativos
foram devidas às bactérias resistentes a múltiplos antibióticos; estavam
incluídos 50% de Pseudomonas aeruginosa, 100% de Burkholderia cepacia e
50% de Klebsiella pneumoniae isoladas. Infecção pulmonar foi a fonte de
infecção mais comum de bacteriemias por gram-negativos resistentes (71%,
12/17). Apresentaram bacteriemia por gram-negativo 35% (6/17) dos pacientes
com fibrose cística comparados com 8% (1/13) com outras doenças
pulmonares subjacentes. Quando pacientes com Burkholderia cepacia foram
excluídos, a proporção de pacientes com fibrose cística que tinham bacteriemia
por bactérias gram-negativas resistentes a múltiplos antibióticos foi similar a
pacientes com fibrose não-cística (HUSAIN et al., 2006).
2.10 Evolução
Infecções com bactérias do Complexo Burkholderia cepacia têm um
profundo efeito sobre o prognóstico de pacientes com fibrose cística (SPEERT
et al., 2002).
Pacientes que são submetidos a transplante pulmonar por fibrose cística
e que são infectados com o Complexo Burkholderia cepacia têm baixas taxas
de sobrevida quando comparados com pacientes transplantados por fibrose
cística que não estão infectados com esse organismo (DE SOYZA; CORRIS,
2003).
A marcante diferença no prognóstico entre pacientes infectados não tem
sido adequadamente explicada, mas acredita-se resultar em parte de
diferenças entre cepas infectantes do Complexo Burkholderia cepacia
(SPEERT et al., 2002).
35
Uma análise multivariada identificou que infecções pelo Complexo
Burkholderia cepacia pode ser um indicador independente de prognóstico
negativo em pacientes com fibrose cística (DAVIES; RUBIN, 2007).
Dada a atual tendência de maior gravidade da doença em pacientes
hospitalizados, pode-se esperar que as infecções devido a estirpes bacterianas
resistentes a antibióticos estejam associadas com maior morbidade e as taxas
de mortalidade, particularmente quando inadequados tratamentos
antimicrobianos empíricos são administrados. Há relato que a taxa de
mortalidade hospitalar foi significativamente menor para os pacientes com
infecções da corrente sanguínea que receberam tratamento antimicrobiano
adequado do que para aqueles que receberam tratamento inadequado (20% vs
34%, respectivamente). Há outro estudo que demonstrou que a taxa de
mortalidade foi mais baixa entre os pacientes que receberam adequado
tratamento antimicrobiano durante todo o curso da infecção de corrente
sanguínea (KOLLEF, 2000).
Ao contrário de infecções por Pseudomonas aeruginosa, infecção por
Burkholderia cepacia significativamente aumenta taxa de óbito entre pacientes
com fibrose cística (HOLMES; GOVAN; GOLDESTEIN, 1998).
Pacientes com fibrose cística que evoluíam com falência respiratória
progressiva, bacteriemia, choque e falência de múltiplos órgãos, culminavam
com a morte em torno de 62 a 100% dos pacientes (DAVIES; RUBIN, 2007;
SAIMAN; SIEGEL, 2004).
Evidências recentes demonstram que em vários centros mundiais
apresentam uma associação entre infecção por Burkholderia cenocepacia e
maiores taxas de mortalidade a curto prazo em receptores de transplante
pulmonar, quando comparado com outras espécies do Complexo Burkholderia
cepacia. Outros estudos confirmam a relativa natureza benigna da infecção por
Burkholderia multivorans (similar à Pseudomonas aeruginosa), mas relatam
uma taxa aumentada de declínio e risco de morte com a recentemente descrita
Burkholderia dolosa (genomovar VI) (DAVIES; RUBIN, 2007).
Husain et al., (2006) relatam que a taxa de mortalidade geral em
pacientes com fibrose cística transplantados em 28 dias com bacteriemia foi de
25% (14/56). A taxa de mortalidade foi de 33% para pacientes com
Pseudomonas aeruginosa, 20% para Burkholderia cepacia, 17% para
36
Staphylococcus aureus resistente à meticilina e 25% para aqueles com
bacteriemia por Enterococcus spp.
Pacientes com doença pulmonar em estágio final e uma sobrevida
preditiva de 5 anos menor do que 30% podem ter doenças severas por
Burkholderia cepacia. O benefício do transplante pulmonar permanece
desconhecido nesses pacientes devido incerteza sobre o efeito de sobrevida
de diferentes genomovares de Burkholderia e múltiplas análises têm observado
que a sobrevida no pós-transplante é reduzido devido infecção por
Burkholderia cepacia em relação a não infectados. Recentes publicações
sugerem que a sobrevida no pós-transplante é reduzida em relação à
sobrevida de não transplantados com infecção por Burkholderia cepacia. Há
evidência de que são resultados heterogêneos entre indivíduos após infecção
com um simples genomovar e então alguns pacientes com Burkholderia
cepacia podem ter benefício com o transplante (LIOU; WOO; CAHILL, 2006).
Egan et al., (2002) refere que pacientes com fibrose cística colonizados
com Burkholderia cepacia tiveram um transplante com pior resultado.
Um estudo retrospectivo, com 70 episódios de bacteriemia pelo
Complexo Burkholderia cepacia em um hospital de Taiwan, descreveu uma
letalidade de 11% (LU et al., 1997).
Embora raras, infecções pelo Complexo Burkholderia cepacia podem ser
graves, com taxas de mortalidade relatada tão elevadas quanto 83% entre os
pacientes com infecções do trato respiratório inferior (ESTIVARIZ et al., 2006).
2.11 Prevenção
Em um surto relatado por Souza et al. (2004), em um centro de
hemodiálise no Brasil, o complexo Burkholderia cepacia foi o microrganismo
mais frequentemente isolado e recA-RFLP apontou para uma natureza
policlonal do surto, sendo os resultados consistentes com a diversidade de
bactérias encontradas em amostras ambientais. Os dados sobre a distribuição
de genomovars do Complexo Burkholderia cepacia têm sido quase sempre
restrito aos isolados de pacientes com fibrose cística, onde genomovar III é
consistentemente mais comum, seguido por genomovar II (37,8%) e I (26%).
37
Araque et al. (2007), relataram que a Burkholderia cepacia é capaz de
produzir compostos com atividade antimicrobiana. No presente estudo
avaliaram o antagonismo de nove isolados nosocomiais de Burkholderia
cepacia contra fungos filamentosos, leveduras e bactérias em ambientes
hospitalares, que incluem atividade antibiótica, a produção de sideróforos e
competição por nutrientes. A atividade antagonista foi encontrada, incluindo
alguns dos isolados nosocomiais de Burkholderia cepacia contra bactérias e
fungos do ambiente hospitalar, atribuídos à produção de substâncias
extracelulares ou substâncias do tipo antibiótico. Mostrou a capacidade
competitiva desta bactéria no ambiente hospitalar, para inibir uma variedade de
gêneros bacterianos, sendo que este último representa um fator importante
para a colonização de áreas críticas do hospital, o que poderia facilitar o
aparecimento de tipos infecciosos em pacientes internados.
A higiene das mãos é a principal medida de prevenção de infecção
hospitalar. Os profissionais de saúde praticam a higiene das mãos menos da
metade das vezes que eles deveriam (DIERSSEN-SOTOS et al., 2010).
Em uma revisão sistemática, Erasmus et al. (2010), confirmaram que as
taxas de conformidade para lavagens de mãos é universalmente baixa e que
as taxas de conformidade mediana foram 16% menor entre os médicos do que
entre os enfermeiros e que foram menores nas UTI do que em outras unidades.
A prevenção é claramente preferível ao tratamento para patógenos
multirresistentes e é para este fim que muitas clínicas atualmente segregam
pacientes com base nos organismos isolados. Isso tem sido particularmente
efetivo em reduzir a incidência de transmissão de cepas do Complexo
Burkholderia cepacia, apesar de sua eficácia em prevenir disseminação entre
pacientes de organismos menos transmissíveis tais como Pseudomonas
aeruginosa ser menos clara. Superinfecção de pacientes infectados pelo
Complexo Burkholderia cepacia por um segundo organismo desse Complexo
tem sido relatada. Apesar de alguns estudos demonstrarem que algumas
cepas podem usualmente conferir um curso mais benigno ou mais severo,
atualmente não é possível prever a evolução de um indivíduo, e, portanto
deveria ser rotina o isolamento de pacientes com fibrose cística, incluindo
aqueles com microrganismos do Complexo Burkholderia cepacia (DAVIES;
RUBIN, 2007).
38
Estudos demonstraram que o contato social entre pacientes com fibrose
cística foi um importante fator em transmissão de Burkholderia cepacia. A
ameaça de infecção por Burkholderia cepacia conduziu a medidas de controle
severas, afetando não somente o tratamento, mas também a vida familiar e
social de pacientes com fibrose cística. No entanto, tornou-se claro que a
transmissibilidade varia consideravelmente de cepa para cepa e que a maioria
das cepas não estão envolvidas em epidemias, mas parecem ser adquiridas de
forma independente e não mostram nenhuma evidência de transmissão
(HOLMES; GOVAN; GOLDESTEIN, 1998).
Desde que microrganismos do Complexo Burkholderia cepacia podem
ser transmitidos de um paciente com fibrose cística para outro, medidas têm
sido introduzidas em hospitais para limitar o contato entre esses pacientes.
Pacientes infectados são proibidos em alguns países de frequentarem
encontros sociais onde outros pacientes com fibrose cística podem estar
presentes. Além disso, desde que a virulência parece diferir entre cepas e uma
cepa pode substituir outra, as políticas têm sido introduzidas em alguns centros
para limitar contato entre pacientes que são infectados com algumas cepas do
Complexo Burkholderia cepacia. A falta de um claro entendimento sobre a
epidemiologia do Complexo Burkholderia cepacia e o risco relativo de infecção
com cada um dos diferentes genomovars têm gerado ansiedade e confusão
entre pacientes com fibrose cística, seus cuidadores e familiares. Políticas de
controle de infecção têm sido desenvolvidas em um esforço para dar equilíbrio
entre os direitos de pacientes com fibrose cística com cuidados considerando
sua saúde mental e física (SPEERT et al., 2002).
Estratégias têm sido introduzidas no Canadá, nos Estados Unidos, no
Reino Unido e em outros locais para limitar disseminação dentro e fora dos
hospitais. Essas estratégias parecem limitar a disseminação epidêmica de
certos clones do Complexo Burkholderia cepacia, mas a prevalência da
infecção tem permanecido praticamente inalterada. Precauções de controle de
infecção são baseadas nas lições aprendidas do controle de disseminação de
outros patógenos do trato respiratório; eles podem ou não ser relevantes para
fibrose cística; como é ímpar, é comumente encontrado no meio ambiente em
locais como o solo e raízes de plantas. O modo de aquisição do Complexo
39
Burkholderia cepacia em pacientes com fibrose cística parece ser através de
outros pacientes e do meio ambiente (SPEERT et al., 2002).
As medidas básicas para o controle nosocomial das infecções por
Burkholderia cepacia incluem o isolamento de contato para o paciente
colonizado e a realização de técnica asséptica na prática clínica. Como
recomendação, deveria ser evitado o uso de dextrose em flashes de heparina
para cateter venoso central, em pacientes de muito alto risco; idealmente,
deveriam ser utilizadas doses unitárias em sua preparação. Finalmente, deve
ser mantida uma vigilância das bacteriemias por Burkholderia cepacia para
evitar possíveis surtos nosocomiais (GIL, 2001).
No surto que ocorreu na Espanha relatado por Álvarez-Lerma et al.
(2008), implantaram-se medidas de acordo com o protocolo do hospital, que
incluíram isolamento de contato, com quarto privativo, lavagem das mãos ao
entrar e sair do quarto (com água e sabão e após desinfecção com álcool), uso
de capotes e luvas, uso de materiais exclusivos para o paciente (estetoscópio e
oximetria de pulso) e restrição de visitas. Medidas de limpeza dos quartos
foram intensificadas, incluindo uso de materiais de uso único ou materiais
exclusivos para cada paciente. Pacientes com sinais de infecção e ou resposta
sistêmica inflamatória foram submetidos a um ou mais antibióticos,
dependendo do resultado do teste de sensibilidade.
Uma epidemia relatada por Nasser et al. (2004), em Beirute, que durou 7
anos, resultou em substancial morbidade e custos. Isso ocorreu devido à falha
do processo de controle de infecção. Embora inicialmente reconhecido como
um possível surto, a infecção de corrente sanguínea por Burkholderia cepacia
tornou-se endêmica no hospital após as investigações iniciais terem sido
incapazes de identificar a fonte. A escassez de recursos decorrentes dos anos
de guerra no Líbano impediu a investigação bem sucedida da epidemia. A falta
de profissionais em controle de infecção, fiscalização inadequada, falta de
recursos laboratoriais que permitam métodos especiais para cultura e
insuficiente apoio da administração do hospital foram fatores contribuintes.
Uma investigação complementar para a versatilidade de organismos
hidrofílicos como Burkholderia cepacia, a sua capacidade de aderir e
contaminar a superfície de reservatório de antissépticos e sua capacidade de
40
sobreviver às transferências de soluções antissépticas são necessárias para
ajudar a evitar epidemias de infecção como essa.
Hamill (1995) relatou que frascos de medicamentos de multidoses
podem oferecer algumas vantagens em relação aos frascos de dose única,
incluindo a maior comodidade e custo reduzido, no entanto, podem representar
um risco substancial de infecções nosocomiais. Durante a fabricação de sulfato
de salbutamol, duas ações são tomadas para inibir a viabilidade de bactérias,
incluindo a adição de ácido sulfúrico para manter um pH na faixa de 3 a 5 e
adição de cloreto de benzalcônio como conservante. No entanto, o cloreto
funciona bem como um agente bacteriostático em um pH neutro ou alcalino.
Foi constatado que o pH dos frascos de albuterol que estavam sendo utilizados
tinha flutuado a níveis que permitiam a sobrevivência bacteriana. Além disso,
as cepas de Burkholderia cepacia podem realmente sobreviver em soluções
concentradas de cloreto de benzalcônio.
41
3 OBJETIVO
O objetivo geral desse estudo foi descrever a investigação de um surto
pelo Complexo Burkholderia cepacia em um hospital terciário de Campo
Grande, Mato Grosso do Sul.
42
4 MATERIAL E MÉTODOS
4.1 Tipo de Estudo
Trata-se de estudo quantitativo, descritivo, de investigação de um surto
hospitalar pelo Complexo Burkholderia cepacia.
4.2 Local e período
O surto ocorreu no Hospital Regional de Mato Grosso do Sul (HRMS)
entre 18 de março a 30 de abril de 2006.
O hospital de 307 leitos, é referência para pacientes de todo o Estado,
contando com quatro unidades de terapia intensiva (duas adultas, uma
pediátrica e uma neonatal), uma unidade intermediária neonatal, enfermaria de
ginecologia e obstetrícia referência em gestação de alto risco, enfermaria de
infectologia, enfermaria de clínica médica, enfermarias de oncologia e
hematologia adulto e pediátrica, enfermaria de clínica cirúrgica, enfermaria de
cardiologia, enfermaria de ortopedia e cirurgia vascular; enfermaria de
pediatria, centro cirúrgico e centro obstétrico e pronto atendimento médico
adulto e pediátrico, com atendimento exclusivo aos pacientes do Sistema Único
de Saúde.
4.3 Identificação do surto
Em março de 2006, o serviço de controle de infecção hospitalar do
HRMS começou a observar casos de infecção de corrente sanguínea causada
pelo Complexo Burkholderia cepacia.
O reconhecimento do surto foi imediato, já que infecções por esse
agente eram raras no hospital.
O laboratório de microbiologia foi comunicado para que estocassem os
isolados para estudo.
43
4.4 Definição de caso
Paciente admitido no HRMS há pelo menos 48h, com cultura positiva
para o Complexo Burkholderia cepacia
4.5 Microbiologia
4.5.1 Identificação
A identificação dos microrganismos foi inicialmente realizada por método
semi-automatizado Auto Scan (Dade Bering®). Como as bactérias em questão
não tinham a coloração típica amarelada e sim avermelhada em ágar
chocolate, nem o cheiro característico de terra molhada, foi realizada
identificação manual, mesmo por que a automação não é confiável para
identificação de não fermentadores (OPLUSTIL; ZOCCOLI, 2004).
A identificação manual (ANVISA, 2004b) foi realizada com base na não
fermentação de açúcares, oxidase negativa, motilidade positiva, Dnase
negativa, lisina positiva e resistência a disco de polimixina.
4.5.2 Antibiograma
O antibiograma foi feito conforme padronização do Clinical and
Laboratory of Standart Institute, com os discos de meropenem e
sulfametoxazol-trimetoprim (CLINICAL AND LABORATORY OF STANDARD
INSTITUTE, 2005). No momento do surto não havia discos de ceftazidime
disponíveis.
4.5.3 Análise genética
As amostras isoladas foram encaminhadas ao Laboratório de
Especialidade em Microbiologia Clínica da Universidade Federal de São Paulo,
sendo realizada a identidade genética por meio de técnica de pulsed-field gel
eletrophoresis (PFGE). PFGE é a sigla usada para indicar qualquer técnica de
eletroforese apropriada para separar grandes fragmentos de DNA, por meio da
44
reorientação do DNA em gel pela ação de campos elétricos alternados. Esta
técnica é reconhecida como padrão ouro para identificação de linhagens
bacterianas, fúngicas e protozoários (MAGALHÃES et al., 2005).
4.5.4 Cultivo de soluções, medicamentos e hemoderivados
As soluções, medicamentos e hemoderivados foram semeados em ágar
chocolate, caldo de enriquecimento BHI e ágar sangue. Incubou-se a 37ºC por
48 horas. Algumas amostras líquidas foram inoculadas em frasco de
hemocultura e incubadas a 37ºC por até 5 dias em aparelho automatizado
Bactec (Becton Dickinson®). A água das torneiras e da caixa d’água foram
enviadas ao laboratório de referência – LACEN – MS (Laboratório Central do
Estado de Mato grosso do Sul), para realização de culturas.
4.6 Coleta de dados
Foram coletados dados obtidos dos prontuários, tais como: idade, sexo,
diagnóstico de internação, setor de internação, data de internação, fatores de
risco associados, medicações utilizadas, transferência entre unidades,
tratamento e destino do paciente. Para isso foi elaborado o formulário que
compõe o apêndice A.
4.7 Aspectos éticos
Esta pesquisa foi aprovada pela direção do Hospital Regional de Mato
Grosso do Sul e pelo Comitê de Ética em Pesquisa, da Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul. Considerando tratar-se de pesquisa com dados
secundários, foi aprovada a dispensa do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE) e assumiu-se o compromisso de atender os requisitos
éticos necessários.
Número de protocolo: 1352
Data de aprovação: 26 de março de 2009.
45
5 RESULTADOS
A investigação do surto hospitalar foi iniciada a partir do isolamento das
primeiras amostras de hemoculturas positivas. Relatórios microbiológicos foram
revisados para identificar todos os isolados do Complexo Burkholderia cepacia
durante o período pré-epidêmico e o período epidêmico, demonstrando que a
ocorrência da referida bactéria no hospital era rara.
Ao todo, 18 pacientes foram identificados com culturas positivas para o
Complexo Burkholderia cepacia, 17 (94,4%) com hemocultura positiva e 1
(5,6%) com urocultura positiva, no período de 18/03 a 30/04 de 2006,
caracterizando um surto epidêmico hospitalar (figura 1).
Figura 1. Número de culturas positivas para o Complexo Burkholderia cepacia. Hospital Regional de Mato Grosso do Sul, janeiro de 2005 a novembro de 2006.
As principais características dos 18 pacientes envolvidos no surto são
mostradas na tabela 1 e apêndice B. Em relação ao sexo, 12 (66,7%) eram do
sexo masculino e 6 (33,3%) do sexo feminino.
0
2
4
6
8
10
12
14
jan
/05
mar
/05
mai
/05
jul/
05
set/
05
no
v/0
5
jan
/06
mar
/06
mai
/06
jul/
06
set/
06
no
v/0
6
NÚMERO DE CULTURAS COM BURKHOLDERIA CEPACIA
46
Tabela 1. Características dos pacientes envolvidos em um surto hospitalar por Burkholderia cepacia. Hospital Regional de Mato Grosso do Sul. 2006. Variável Nº %
Sexo
Masculino 12 66,7
Feminino 6 33,3
Grupo etário
Menos de 1 ano 5 28
1-20 anos 2 11
21-60 anos 6 33
Maior de 61 anos 5 28
Espécime positivo
Sangue 17 94,4
Urina 1 5,6
Tratamento
Sulfametoxazol-trimetoprim 6 33,3
Meropenem 4 22,2
Ceftazidima 2 11
Sulfametoxazol-trimetoprim e ceftazidima 1 5,5
Meropenem e sulfametoxazol-trimetoprim 1 5,5
Meropenem e ceftazidima 1 5,5
Não receberam antibiótico 3 17
Evolução
Alta 8 44,4
Óbito 8 44,4
Transferência 2 11,2
47
A idade variou de 5 dias a 83 anos, com média de idade de 36 anos,
sendo 5 (28%) com menos de 1 ano, 1 paciente entre 1 e 10 anos (5,5%), 1
paciente entre 11 e 20 anos (5,5%), 4 pacientes entre 41 e 50 anos (22,2%), 2
pacientes entre 51 e 60 anos (11,1%), 1 paciente entre 61 e 70 anos (5,5%) e 4
pacientes acima de 71 anos (22,2%).
Os pacientes estavam dispostos em vários setores do hospital: clínica
cirúrgica (3 pacientes), pediatria (2 pacientes), unidade coronariana (2
pacientes), urologia (1 paciente), unidade de terapia intensiva adulta (6
pacientes), unidade de terapia intensiva neonatal (2 pacientes) e unidade de
terapia intensiva pediátrica (2 pacientes).
Em relação a procedimentos invasivos hospitalares observou-se que 4
(22,2%) tinham realizado cirurgia na internação atual; doze pacientes (66,7%)
foram submetidos a cateter venoso central; dois pacientes (11,1%) foram
submetidos à hemodiálise; treze (72,2%) foram submetidos à intubação
orotraqueal e à ventilação mecânica.
Dos 18 pacientes, 5 (27,8%) estavam em uso de nutrição parenteral e 14
(77,8%) receberam nutrição por sonda nasoenteral. Treze pacientes (72%)
foram submetidos à transfusão sanguínea.
O levantamento do diagnóstico de internação foi bastante variado, sendo
que das 18 admissões, foram encontradas 13 doenças diferentes. São elas:
pneumonia bacteriana em 4 pacientes, prematuridade em 2 pacientes, infarto
agudo do miocárdio em 2 pacientes; como patologias únicas encontramos:
câncer de cólon, câncer de pâncreas, gastroenterocolite, hidronefrose bilateral,
insuficiência renal aguda, isquemia mesentérica, leishmaniose visceral,
onfalocele, pancreatite aguda e schwanoma.
No total, 94,4% das amostras foram identificadas em corrente
sanguínea. Um paciente (5,6%) apresentou somente urina positiva para
Burkholderia cepacia com hemocultura negativa. Dezesseis pacientes (89%)
apresentaram infecção de corrente sanguínea; um paciente (5,6%) apresentou
bacteriemia transitória, recebendo alta hospitalar sem tratamento.
O paciente com cultura de urina positiva para Burkholderia cepacia
apresentava 70.000 UFC/ml e não apresentou hemocultura positivo; este
paciente apresentava insuficiência renal aguda grave, foi submetido à
hemodiálise e evoluiu com choque séptico e óbito.
48
O perfil de susceptibilidade “in vitro” revelou que 61,1% das cepas do
Complexo Burkholderia cepacia foram sensíveis ao sulfametoxazol-trimetoprim
e 83,3% ao meropenem; não foi testada sensibilidade a ceftazidima.
Em relação ao antibiótico utilizado para tratamento da infecção de
corrente sanguínea por Burkholderia cepacia, foi observada a utilização de
sulfametoxazol- trimetoprim em 6 pacientes (33%); em 1 paciente (5,5%) foi
introduzida inicialmente sulfametoxazol-trimetoprim e após troca por
ceftazidima; em 2 pacientes (11%) ceftazidima foi o antibiótico de escolha;
meropenem foi utilizado em 4 pacientes (22%); em 1 paciente (5,5%) foi
utilizado meropenem inicialmente e depois introduzido sulfametoxazol-
trimetoprim; em 1 paciente (5,5%) foi utilizado meropenem e em seguida troca
por ceftazidima; 3 pacientes (16,5%) não utilizaram antibiótico para tratamento,
isto é, 1 paciente recebeu alta sem sintomas de infecção e 2 pacientes tiveram
o resultado de hemocultura positiva após o óbito.
Dos 18 pacientes, 8 (44,4%) tiveram alta hospitalar e 2 (11,1%) foram
transferidos para outros hospitais por necessidade de procedimentos de alta
complexidade não realizados no hospital em estudo. Oito (44,4%) pacientes
evoluíram para óbito, sendo que em 3 desses, o óbito foi diretamente
relacionado ao choque séptico por Burkholderia cepacia.
Dos 6 pacientes que utilizaram somente sulfametoxazol-trimetoprim para
tratamento, 3 (50%) evoluíram para óbito. Dos 4 pacientes que utilizaram
somente meropenem, 1 (25%) evoluiu para óbito. Não houve óbitos em
pacientes que utilizaram somente ceftazidima para tratamento.
Em 1 paciente da unidade coronariana, observou-se a persistência de
hemocultura positiva em outras 2 amostras, apesar do tratamento com
sulfametoxazol-trimetoprim, sendo realizada troca para ceftazidima.
As soluções infundidas em todos os 18 pacientes foram: dipirona,
bromoprida, cloreto de potássio (KCl) 19,1%, cloreto de sódio (NaCl) 20%,
gluconato de cálcio, água destilada, soro glicosado 5% e soro fisiológico 0,9%.
Foram encaminhadas amostras para cultura com resultados negativos.
Frascos de clorexidina a 0,5%, sabonete de clorexidina, frascos de álcool
a 70%, frascos de iodo-povidona tópico e degermantes de vários setores,
abertos e fechados, também foram encaminhados para cultura e os resultados
foram negativos.
49
Culturas da água do reservatório e de vários pontos do hospital foram
realizadas para investigação do Complexo Burkholderia cepacia, porém os
resultados foram negativos.
Visitas técnicas foram realizadas em todos os setores com presença de
pacientes com cultura positiva para o complexo Burkholderia cepacia, com
revisão de todos os processos que poderiam estar relacionados com o surto.
Todos os pacientes identificados com cultura positiva para Burkholderia
cepacia foram colocados em precauções de contato. Foram revisadas e
intensificadas práticas de controle de infecção.
Das 18 amostras identificadas, 10 cepas do CBC isoladas foram
enviadas para o Laboratório Especializado de Microbiologia Clínica da
Universidade Federal de São Paulo (LEMC-UNIFESP) para confirmação da
espécie e análise molecular por meio da técnica de pulsed-field gel
eletrophoresis (PFGE). Foram observados quatro diferentes padrões: 1
amostra com padrão PFGE A, 5 amostras com padrão B (3 B1 e 2 amostras
com padrão B2), 1 com padrão C e 3 amostras com padrão D.
50
6 DISCUSSÃO
Burkholderia cepacia é um organismo de ambiente, ubíquo, sendo uma
causa incomum de infecção em humanos (HAMILL et al., 1995) e uma causa
rara de infecção de corrente sanguínea (DOUCE et al., 2008).
Infecções epidêmicas de corrente sanguínea por Burkholderia cepacia
têm sido associadas com insumos farmacêuticos contaminados, desinfetantes
e soluções detergentes. Doit et al. (2004), referem que fluidos contaminados
são uma rara fonte de bacteriemia relacionada a cateter, mas essa
possibilidade deve ser lembrada especialmente quando a bacteriemia for
devido a um microrganismo de ambiente.
O Complexo Burkholderia cepacia tem sido reconhecido como um
emergente patógeno oportunista, mais usualmente relatado em pacientes com
infecção respiratória portadores de fibrose cística (SOUZA et al., 2004).
Segundo Douce et al. (2008), o isolamento de Burkholderia cepacia de
sangue de pacientes deveria estimular a investigação que inclui a realização de
cultura de algum componente comercial que contém água, que esteja envolvido
no tratamento desses pacientes.
Apesar do estudo descrever um surto de infecção de corrente sanguínea
pelo Complexo Burkholderia cepacia, um dos pacientes apresentou cultura de
urina positiva para o CBC sem hemocultura positiva. É possível que esse
paciente também tenha apresentado infecção de corrente sanguínea por CBC,
já que também é rara a presença do referido agente em urina.
Infecções urinárias epidêmicas por Burkholderia cepacia têm sido
causadas por clorexidina ou detergentes contaminados usados para realização
de desinfecção de aparelhos urológicos (HAMILL et al., 1995).
No surto investigado, houve predomínio do sexo masculino (66,7%) e a
idade dos pacientes apresentou grande variação, sem predomínio significativo
em nenhuma faixa etária. Provavelmente esses achados estão relacionados
com as características dos pacientes internados no Hospital Regional de Mato
Grosso do Sul (HRMS) e não especificamente à infecção por Burkholderia
cepacia.
51
Na Espanha, em um surto pelo CBC, a idade dos pacientes variou de 16
a 77 anos com média de 49,9 anos e 57% foram masculinos (MOLINA-
CABRILLANA et al., 2006).
Em um surto por Burkholderia cepacia em uma unidade de hemodiálise,
todos os pacientes da unidade foram expostos a uma solução contaminada,
mas apenas 5 mulheres, com idade mediana de 79 anos (variando de 77 a 81
anos), desenvolveram infecção. O uso prolongado do cateter venoso central e
idade avançada foram os fatores de risco significativos nesse estudo
(ROMERO-GÓMEZ et al., 2008).
A distribuição de pacientes com cultura positiva para Burkholderia
cepacia no Hospital Regional de Mato Grosso do Sul, no período estudado, não
foi restrita a um setor, apesar de haver um predomínio entre pacientes
internados em unidades de terapia intensiva, havia também pacientes
internados em enfermarias clínicas e cirúrgicas, o que dificultou a realização de
um estudo caso-controle e levou à suspeita de uma fonte comum, como uma
solução contaminada. Esse raciocínio foi confirmado com o levantamento da
literatura e relatos de vários surtos relacionados à solução de infusão
contaminada por esse agente.
A detecção de vários isolados de Burkholderia cepacia em um mesmo
serviço levanta a suspeita da ocorrência de um surto associado com um
reservatório (ÁLVAREZ-LERMA et al., 2008).
Esse microrganismo tem sido a causa de surtos hospitalares devido uma
fonte comum contaminada como medicações multidoses (BALKHY et al.,
2005).
Quando ocorrem bacteriemias por gram-negativos, o epidemiologista
hospitalar deve considerar várias fontes e práticas subótimas de terapia
intravenosa e pacientes colonizados de alto risco poderiam ser a força motriz
para a contaminação dos conjuntos de administração intravenosa. Além disso,
água contaminada, antissépticos ou ambos poderiam ser uma fonte comum de
surtos de bacteriemias de bacilos gram-negativos causados por organismos
aquáticos, como Burkholderia cepacia e deve levar a uma investigação
adequada (RAAD, 2004).
No estudo retrospectivo de 70 episódios de bacteriemia por Burkholderia
cepacia em um hospital de Taiwan, as condições predisponentes mais comums
52
foram a permanência em uma unidade de cuidados intensivos (61%) e os
procedimentos invasivos, incluindo cateter urinário (54%), cateter intravascular
(70%) e intubação orotraqueal (57%) (LU et al., 1997).
Apesar de poucos pacientes terem sido submetidos a um procedimento
cirúrgico, foi realizada inspeção nesse local devido relatos na literatura
informarem sobre a possibilidade de fonte do Complexo Burkholderia cepacia
no centro cirúrgico.
Segundo Freitas et al. (2007), no Hospital do Coração de Natal, foram
identificados 11 casos de infecção do sítio cirúrgico por Burkholderia cepacia e
outros 12 casos foram identificados em pacientes não-cirúrgicos. Desses
pacientes não-cirúrgicos, 73% realizaram algum procedimento no centro
cirúrgico. A bactéria foi isolada na água do reservatório da máquina de
circulação extracorpórea e no lavabo do centro cirúrgico. O surto foi controlado
com a suspensão da manipulação de antissépticos no hospital e aquisição de
soluções industrializadas.
A presença do cateter venoso central é um fator de risco importante para
infecção de corrente sanguínea e em nosso estudo houve um predomínio de
pacientes com cultura positiva para o Complexo Burkholderia cepacia e uso de
cateter venoso central.
Infecções relacionadas a dispositivos intravenosos resultam em aumento
significativo em custos hospitalares, duração de hospitalização e morbidade
(MERMEL et al., 2001).
Bacteriemias nosocomiais são quase que inteiramente atribuídas à
infecção do cateter central (MACIAS et al., 2010). Segundo Douce et al. (2008),
Burkholderia cepacia não é uma bactéria que frequentemente infecta cateteres
venosos centrais, porém segundo Nasser et al., em 2004, doenças subjacentes
graves e cateteres intravenosos são suspeitos de serem fatores de risco para
infecções de corrente sanguínea por Burkholderia cepacia.
Apesar de poucos pacientes terem sido submetidos à hemodiálise, é
importante descrever que existem vários relatos de surtos por Burkholderia
cepacia na literatura, associados com unidades de hemodiálise. Há relato de
surto por Burkholderia cepacia em uma unidade de hemodiálise com 65
episódios de bacteriemia no Hospital Beneficência Portuguesa em São Paulo,
por Souza et al. (2004), que descrevem a investigação de infecção de
53
corrente sanguínea de pacientes submetidos a longo tempo de
diálise. A investigação epidemiológica relacionou os episódios de
bacteriemia com a contaminação da água. A provável fonte de
contaminação foi relatada pela inadequada limpeza das conecções do
tubo de osmose reversa. Bactérias do meio ambiente formadoras de biofilme
ou microrganismos presentes em soluções de limpeza poderiam ter entrado na
água do sistema.
Kaitwatcharachai et al. (2000), relataram um surto entre pacientes renais
crônicos na Tailândia causado pela diluição de solução de clorexidina-cetrimide
contaminada com a mesma cepa que foi isolada da corrente sanguínea.
Descreveram um surto de bacteriemia por Burkholderia cepacia relacionada a
cateter em nove pacientes submetidos à hemodiálise. Essa solução era
utilizada para desinfecção de pinças usadas para pegar bolas de algodão e
gaze para curativo do cateter em subclávia.
Magalhães et al. (2003), relataram um surto policlonal de bacteriemia
envolvendo 24 pacientes em uma unidade de hemodiálise em Recife, no Brasil;
membranas de osmose reversa contaminadas foram responsáveis por essa
bacteriemia.
No presente estudo houve predomínio de pacientes submetidos à
intubação orotraqueal e à ventilação mecânica. Segundo Hamill et al. (1995),
infecções do trato respiratório epidêmicas por Burkholderia cepacia têm sido
associadas com anestésicos tópicos contaminados, água destilada e
nebulização por albuterol. Segundo Molina-Cabrillana et al. (2006), na
Espanha, durante um surto de Burkholderia cepacia, todos os pacientes foram
submetidos à intubação orotraqueal e ventilação mecânica durante a
permanência na UTI. Como parte da rotina, eles tinham suas bocas
higienizadas com solução para bochechos sem álcool, que foi positiva para
Burkholderia cepacia.
Apesar do predomínio de pacientes submetidos à intubação orotraqueal
e ventilação mecânica e de não ter sido realizada cultura de vigilância para
investigar outros sítios com presença de Burkholderia cepacia, não foram
encontradas amostras de aspirado traqueal positivas para esse agente no
referido hospital.
54
Apesar de poucos casos terem sido associados com nutrição parenteral
no presente estudo, em um levantamento realizado por Geffers et al. (2010),
em pelo menos 7 de 14 estudos, a infecção de corrente sanguínea nosocomial
foi associada com nutrição parenteral, o que indicou a realização de visita
técnica no serviço terceirizado de nutrição parenteral.
Em relação ao predomínio de pacientes com sonda nasoenteral, Gravel
et al. (2002), relataram um surto por Burkholderia cepacia devido ao uso de
uma tintura índigo-carmine contaminada utilizada para investigar
macroaspiração em pacientes utilizando sonda nasoenteral. Essa rotina não
era utilizada no Hospital Regional de Mato Grosso do Sul.
Nenhum paciente admitido no Hospital Regional que apresentou cultura
positiva tinha condição prévia associada com infecção por Burkholderia cepacia
(por exemplo, fibrose cística ou doença crônica granulomatosa). Segundo
Estivariz et al. (2006), no seu relato de surto devido contaminação do albuterol
e spray nasal com Burkholderia cepacia, nenhum paciente que usou o produto
era imunossuprimido ou portador de fibrose cística. Nesse surto a bactéria foi
isolada do aspirado traqueal de 18 pacientes.
O antibiótico mais utilizado para tratamento de infecção de corrente
sanguínea por Burkholderia cepacia no presente estudo foi sulfametoxazol-
trimetoprim.
O tratamento para Burkholderia cepacia é muito difícil devido sua alta
resistência à maioria dos antibióticos disponíveis clinicamente. Esse problema
é complicado pelo desenvolvimento de resistência durante terapia e o
desenvolvimento de resistência cruzada a outros antimicrobianos (WIGFIELD
et al., 2002).
A terapia destinada ao Complexo Burkholderia cepacia inclui
carbapenêmicos (meropenem), quinolonas (ciprofloxacina), piperacilina,
ceftazidima, sulfametoxazol-trimetoprim e minociclina. Apesar de algumas
cepas exibirem resistência a todos os antibióticos testados, combinações
desses agentes podem ter atividade “in vivo”. Seleção de combinação de
antibióticos, entretanto, deveria ser direcionada por testes específicos, porque,
paradoxalmente, algumas combinações podem ser antagônicas em vez de
sinérgicas. Testes de antibióticos com múltiplas combinações bactericidas, em
que dezenas de combinações antibióticas duplas e triplas são avaliadas para
55
atividade bactericida in vitro, são somente disponíveis em laboratórios
especializados. Em um estudo de mais de 100 isolados do Complexo
Burkholderia cepacia multirresistentes, as mais ativas de triplas combinações
consistiram de altas doses de tobramicina (como pode ser obtido usando
administração por aerossol) mais meropenem e um segundo agente
intravenoso (ceftazidima, cloranfenicol, sulfametoxazol-trimetoprim ou
aztreonam). Um recente estudo usou uma combinação de bloqueador de canal
de sódio, amiloride, e tobramicina, ambos administrados por inalação (DAVIES;
RUBIN, 2007).
Sulfametoxazol-trimetoprim tem sido historicamente relatada como a
droga de escolha para tratamento de Burkholderia cepacia (QUINN, 1998), na
dose de 3-5mg/kg a cada 8h ou um carbapenem (imipenem, 500mg a cada 6h
ou meropenem) (MERMEL et al., 2001).
Burkholderia cepacia é intrinsecamente resistente a aminoglicosídeos
devido à falta de captação da membrana externa. O CBC demonstra
sensibilidade a um subconjunto de betalactâmicos, mas muitos isolados são
resistentes a todos os conhecidos betalactâmicos e provavelmente é devido à
desrepressão de betalactamase cromossômica (HANCOCK, 1998).
Em relação ao perfil de sensibilidade, houve um predomínio em relação
ao meropenem (83,3%) sobre a sulfametoxazol-trimetoprim (61,1%).
Uma mesma cepa pertencente ao CBC pode assumir diferentes perfis de
sensibilidade aos antibióticos durante a infecção crônica e exacerbações.
Durante o período de exacerbação pulmonar, as cepas mostraram-se menos
sensíveis ao meropenem, ciprofloxacina, cloranfenicol, piperacilina e
tobramicina (ST DENIS et al., 2007).
Segundo Ghazal et al. (2006), Burkholderia cepacia é um organismo
multirresistente; em um surto de bacteriemia por esse agente devido uma
solução de salbutamol para nebulização contaminada, todos os isolados foram
sensíveis ao cotrimoxazol e ciprofloxacina; todos os pacientes receberam essa
combinação terapêutica com melhora clínica.
Em um estudo realizado em pacientes com doença crônica
granulomatosa com pneumonia por Burkholderia cepacia, 80% das cepas
foram suscetíveis a sulfametoxazol-trimetoprim e demonstraram
susceptibilidade variável ao aztreonam, ceftazidima, imipenem, piperacilina e
56
cefepima. Embora resistentes à sulfametoxazol-trimetoprim, os dois episódios
de infecção foram tratados com este antibiótico fazendo parte do esquema
(GUIDE et al., 2003).
No presente estudo, 44,5% dos pacientes evoluíram para óbito e 3
(16,6%) desses foram diretamente relacionados à infecção pelo Complexo
Burkholderia cepacia; 2 desses pacientes tiveram a identificação do agente
após o óbito, não recebendo tratamento específico para o Complexo. Esses
dados corroboram com altas taxas de letalidade descritas na literatura.
Em uma meta-análise de 2573 infecções de corrente sanguínea, a taxa
de letalidade foi de 14% e 19% dessas mortes foram atribuídas à infecção
relacionada a cateter (MERMEL et al., 2001).
Infecções pulmonares crônicas pelo Complexo Burkholderia cepacia, em
pacientes com fibrose cística, são associadas com taxas elevadas de
morbidade e mortalidade e em alguns pacientes são responsáveis por uma
dramática e fatal deterioração da função pulmonar conhecida como síndrome
cepacia (CAMPANA et al., 2005).
Whiteford et al. (1995) relataram um surto por Burkholderia cepacia entre
pacientes pediátricos com fibrose cística, atendidos em uma clínica em
Glasgow, que foi associado com alguns óbitos.
Em um surto de infecção do trato respiratório referido previamente na
Espanha pelo CBC, de 37 pacientes, 11 foram a óbito, mas a mortalidade
atribuída não foi calculada (MOLINA-CABRILLANA et al., 2006).
Um estudo retrospectivo com 70 episódios de bacteriemia pelo
Complexo Burkholderia cepacia em um hospital de Taiwan, descreveu uma
letalidade de 11% (LU et al., 1997).
Woods et al. (2004) referem que em contraste à alta mortalidade relatada
entre pacientes colonizados pelo Complexo Burkholderia cepacia, taxas de
casos fatais em surtos de infecção de corrente sanguínea de fontes pontuais
são extremamente baixas.
Apesar do predomínio de óbitos em pacientes que utilizaram somente
sulfametoxazol-trimetoprim para tratamento, não há como concluir essa relação
devido ao número reduzido de casos, porém o uso combinado de antibióticos
poderia ter sido a melhor estratégia, conforme descrito em literatura.
57
No caso do paciente com persistência de hemocultura positiva, foi
realizada investigação de foco infeccioso para manutenção da bacteriemia com
troca do cateter e investigação de endocardite, sendo descartada; a primeira
amostra positiva foi colhida em 18 de março e o paciente recebeu
sulfametoxazol-trimetoprim endovenoso; após 3 dias de tratamento houve falta
da medicação endovenosa, sendo prescrita medicação via oral; em 24 de
março e 31 de março apresentou novas hemoculturas positivas sendo então
realizada a troca de antibiótico para ceftazidima; em 20 de abril foi suspenso o
antibiótico com melhora clínica e hemocultura negativa; uma das hipóteses foi
a manutenção de utilização da fonte de infecção que ainda era desconhecida e
outra hipótese foi o descalonamento para o tratamento com sulfametoxazol-
trimetoprim por via oral.
As culturas realizadas das soluções mais utilizadas pelos pacientes
foram negativas incluindo as amostras de bromoprida do estoque da farmácia.
Surtos de infecção de corrente sanguínea causados por vários agentes
ligados a soluções e medicamentos contaminados, têm sido descritos. A
contaminação pode ocorrer durante o processo de preparo ou pode ser
extrínseco, ocorrendo, por exemplo, durante a manipulação de vias multidoses
(DIAS et al., 2008). Segundo Douce et al. (2008), água estéril para injeções
tem sido implicada em surtos de bacteriemia por Burkholderia cepacia em
outros países.
A maioria dos pacientes foi submetida à transfusão sanguínea e devido
relato na literatura de bacteriemia por gram-negativo associada à transfusão
sanguínea, foram encaminhadas amostras para realização de cultura, com
resultados negativos. Foi realizada visita de inspeção no banco de sangue do
referido hospital.
Richards et al. (2004), descreveram um surto de bacteriemia por
Klebsiella pneumoniae entre neonatos na Colômbia. Esse surto foi associado
com transfusão sanguínea e injeções intravenosas, segundo as análises
multivariadas. Não foi possível caracterizar a fonte do surto, porém os autores
concluíram que provavelmente foi uma alta taxa de transmissão paciente-
paciente associada com práticas subótimas de controle de infecção para
cateteres intravenosos.
58
Após levantamento da literatura, soluções antissépticas foram também
encaminhadas para cultura com resultado negativo.
Bacteriemias nosocomiais e pseudobacteriemias têm sido atribuídas a
soluções antissépticas contaminadas, tais como iodo-povidona, cloreto de
benzalcônio e clorexidina-cetrimida, bem como para infusão de soluções de
uso único, anestésicos e diversos dispositivos. Soluções antissépticas
cutâneas têm sido implicadas como fontes de bacteriemias nosocomiais. Há
relato de um surto em que a Burkholderia cepacia foi resistente ao álcool
benzílico a 0,1% em soluções para lentes de contato. A água utilizada no
processo de fabricação pode servir como uma fonte de contaminação. A
questão mais intrigante apresentada por este surto é a capacidade da
Burkholderia cepacia em propagar-se através de recipientes contendo uma
solução de álcool a 70%. Bactérias formadoras de esporos podem sobreviver
em álcool a 70 a 90%. Burkholderia cepacia não é uma bactéria formadora de
esporos e normalmente sucumbe ao álcool a 70% usado como antisséptico.
Burkholderia cepacia pode metabolizar o álcool, pois possui uma lipase que é
capaz de hidrolisar o álcool. Se este mecanismo pode ter contribuído para a
sobrevivência do organismo no surto relatado ainda permanece como
especulação (NASSER et al., 2004).
Em um surto por Burkholderia cepacia, relatado por Molina-Cabrillana et
al. (2006), dos 37 isolados, 35 foram do trato respiratório de pacientes em
terapia intensiva e 2 foram isolados de pacientes em outras áreas do hospital
que não tinham sido internados em UTI durante o período de estudo.
Foram encaminhadas para cultura amostras da água de vários pontos do
hospital com resultado negativo.
Em hospedeiros normais, a exposição de bactérias a partir de fontes de
água do ambiente é tipicamente eliminada pelas defesas inatas, no entanto,
doentes crônicos e imunodeprimidos são mais vulneráveis à infecção por estes
organismos (HOLMES et al., 2010).
Em todos os setores com pacientes identificados com culturas positivas
para o Complexo Burkholderia cepacia, foram realizadas visitas de inspeção
pelo serviço de controle de infecção hospitalar, com revisão de todos os
processos possivelmente relacionados com o surto.
59
Conforme levantamento de literatura para surtos hospitalares, os
pacientes identificados com o Complexo Burkholderia cepacia foram
submetidos às precauções de contato e também foram reforçadas medidas de
controle de infecção.
Molina-Cabrillana et al. (2006), relataram que no surto por Burkholderia
cepacia que ocorreu na Espanha, medidas de limpeza e desinfecção ambiental
foram reforçadas. Como parte da investigação epidemiológica, foram coletadas
amostras ambientais e revisados os trabalhos de profissionais da saúde,
principalmente com relação às técnicas usadas em terapia respiratória.
O isolamento de contato, ou seja, a exigência de que os capotes e luvas
sejam usados por todos que entram no quarto de um paciente colonizado ou
infectado com organismos resistentes a antibióticos, destina-se para controlar a
disseminação de organismos resistentes (GASINK et al., 2008).
Devido à falta de recursos financeiros, foram encaminhadas somente 10
amostras de hemocultura para análise molecular. Na análise realizada por
pulsed- field gel eletrophoresis (PFGE) dos microrganismos isolados, foram
observados 4 padrões genéticos distintos com predomínio do perfil B. Os
isolados pertencentes ao perfil B1 e B2 foram considerados geneticamente
relacionados. No apêndice B observa-se também que o perfil D isolado de 2
pacientes da UTI adulta certamente era genética e epidemiologicamente
relacionado. Dessa maneira, constatou-se um surto policlonal, corroborando
com o surto relatado por Souza et al. (2004), em um centro de hemodiálise no
Brasil pelo Complexo Burkholderia cepacia, que também foi de natureza
policlonal, assim como o surto de bacteriemia também em uma unidade de
hemodiálise relatado por Magalhães et al. (2003).
O Complexo Burkholderia cepacia possui um genoma complexo e
incomum que consiste em aumentar a frequência de mutações genéticas e
recombinações. Isso pode favorecer sua adaptação a diferentes ambientes e
não é surpresa que cepas do Complexo sejam encontradas em habitats
diversos como solo, plantas, superfícies animais e água (RAMETTE; LiPUMA;
TIEDJE, 2005).
Após o levantamento dos principais fatores de risco apresentados pelos
pacientes acometidos e resultados negativos de culturas de amostras
encaminhadas ao laboratório de microbiologia, apesar de não ter sido
60
identificada a fonte, optou-se por experimentar a retirada do lote atual das
principais soluções utilizadas pelos pacientes.
Em 8 de junho de 2006, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
publicou a suspensão, em caráter cautelar, do comércio e uso, em todo país,
do lote 512609 do medicamento Digestina 30mg (Bromoprida) injetável, com
validade até 31/12/2007. O produto, fabricado pelo laboratório União Química
Farmacêutica Nacional apresentou amostras da bactéria Burkholderia cepacia
no lote examinado. O mesmo tipo de bactéria também foi encontrado em 15
pacientes que fizeram uso do produto e tiveram reações adversas (ANVISA,
2006).
O mesmo lote foi encontrado na farmácia do Hospital Regional de Mato
Grosso do Sul e imediatamente suspenso o seu fornecimento.
Apesar de não ter sido identificada a bactéria nos frascos de bromoprida
em culturas realizadas no hospital, houve associação de causa pelo mesmo
lote ter sido encontrado no estoque da farmácia e após suspensão de seu uso
não terem sido registrados novos casos. Além disso, durante o levantamento,
constatou-se a utilização de frascos de bromoprida por todos os pacientes que
apresentaram cultura positiva para o Complexo Burkholderia cepacia.
Como não foi possível encaminhar as soluções para um laboratório de
referência no Estado de Mato Grosso do Sul, foram utilizadas técnicas de
cultura para espécime clínico, podendo ter contribuído para a não identificação
das bactérias nas soluções estudadas.
Apesar das dificuldades encontradas, o laboratório de microbiologia do
hospital em estudo, foi hábil na identificação manual das cepas e posterior
confirmação com método automatizado, devido às cepas não apresentarem as
características típicas.
Infecção da corrente sanguínea relacionada à infusão é rara (MERMEL
et al., 2001). Segundo Macias et al. (2010), alguns fluidos e medicamentos
formulados para infusão intravenosa podem sustentar o crescimento de
bactérias gram-negativas que causam graves complicações infecciosas.
Apesar da contaminação da solução de infusão ser rara, isto é, contaminação
intrínseca do fabricante, altas taxas de contaminação extrínseca, isto é,
relacionada à manipulação estão presentes em hospitais com frágeis rotinas de
enfermagem. Bacteriemias relacionadas à solução de infusão podem ser
61
subestimadas, pois podem ocorrer em pacientes sem um cateter venoso
central.
O início repentino de sintomas de infecção da corrente sanguínea
após o início de uma infusão, resultantes da administração de fluidos
endovenosos contaminados, muitas vezes é diagnóstico. Quando esse
diagnóstico é sugerido, as culturas de líquidos de infusão endovenosa devem
ser parte de uma investigação de potenciais fontes de infecção (MERMEL et
al., 2001).
No preparo de soluções para infusão, o profissional pode realizar a
higiene das mãos, mas pode não usar luvas esterilizadas e uma máscara ou
gorro para conter seu cabelo durante a preparação. Uma vez que a
contaminação microbiana ocorre, a replicação do organismo pode começar
dentro de 1 a 4 horas com o crescimento exponencial ocorrendo rapidamente
depois. A técnica apropriada é fundamental para a prevenção da contaminação
acidental durante o processo. Permitir apenas o pessoal treinado para preparar
medicamentos parenterais pode diminuir o risco de erro ou contaminação. A
preparação da medicação parenteral deve ser realizada em um ambiente
limpo; soluções parenterais devem ser armazenadas em um ambiente
controlado para limitar o risco de adulteração (DOLAN et al., 2010).
Os resultados desse estudo enfatizam a importância da aderência
absoluta entre práticas de controle de infecção e procedimentos de cuidados
de pacientes.
O laboratório de microbiologia é um setor de extrema importância dentro
de um hospital e deveria receber investimento contínuo, assim como
treinamento sistemático, já que tem condições de monitorizar
microbiologicamente a existência de surtos hospitalares.
A participação ativa do serviço de controle de infecção hospitalar do
Hospital Regional de Mato Grosso do Sul foi fundamental na investigação e
mesmo não chegando à fonte do surto, o objetivo foi atingido. O controle de
qualidade de medicamentos faz parte da ação do serviço executivo da
comissão de controle de infecção hospitalar do HRMS e levou à intensificação
na padronização de medicamentos dentro do hospital.
A contaminação intrínseca de produtos médicos permanece uma
importante causa de surtos relacionados à assistência à saúde.
62
Este é o primeiro relato de surto por Burkholderia cepacia na região
centro-oeste e está entre os poucos casos relatados na literatura nacional.
Na literatura, há relato do Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras no
Rio de Janeiro com a descrição de 12 casos de bacteriemias primárias no
período de 22 de março a 29 de maio de 2006, causadas por frascos de
bromoprida, no mesmo período desse estudo (SANTOS et al., 2006).
Acredita-se que o surto tenha chegado a atingir maiores proporções,
porém a falta de um serviço de controle hospitalar atuante em outras
instituições de saúde, a falta de estrutura em laboratórios de microbiologia e a
dificuldade de identificação da referida bactéria tenham contribuído para sua
subnotificação.
63
7 CONCLUSÕES
O aumento da frequência de cultivos positivos para um agente incomum
no âmbito hospitalar indica a ocorrência de um surto que deve ser investigado.
O Complexo Burkholderia cepacia pode ser um agente de surto de
infecção de corrente sanguínea hospitalar.
Em surtos de ICS por CBC é importante, entre outras, a busca por fonte
comum como soluções e medicamentos contaminados.
Surtos de ICS por CBC podem ter característica policlonal, devido ao
seu complexo genoma que permite mutações genéticas frequentes e
recombinações.
A infecção de corrente sanguínea pelo Complexo Burkholderia cepacia
mostrou-se extremamente grave, possivelmente devido às condições clínicas
dos pacientes.
A técnica de PFGE permitiu a diferenciação genética das bactérias do
Complexo Burkholderia cepacia isoladas em surto de infecção hospitalar
observados em hospital terciário de Campo Grande.
Os esforços da equipe multidisciplinar foram decisivos no controle da
disseminação deste surto.
64
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O relato de uma investigação de surto hospitalar e a revisão de literatura
contribuem de forma importante para a prevenção e controle de infecção
relacionada à assistência à saúde, já que se constitui em um estudo
epidemiológico. Houve limitações e uma das principais foi a dificuldade em se
realizar um estudo caso-controle.
Observou-se que mesmo com o controle de técnicas assépticas dentro
de um hospital, existe o risco de contaminação intrínseca de soluções
endovenosas, exigindo medidas rigorosas na qualidade de padronização de
medicamentos e seus fornecedores.
A ocorrência de um surto em uma instituição exige todo o arsenal de
conhecimento e investigação em busca de sua fonte. Na maioria das vezes, a
implementação de medidas básicas como higiene das mãos, instituição de
precauções de contato e revisão das técnicas e desinfecção e esterilização de
material, já podem ser suficientes para conter um surto.
A presença de um serviço de controle de infecção hospitalar com uma
vigilância ativa, profissionais da área de saúde capacitados em epidemiologia,
a participação ativa do corpo clínico e a presença de um laboratório de
microbiologia em constante atualização, são capazes de detectar e controlar
surtos hospitalares.
65
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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APÊNDICE A - FORMULÁRIO DE INVESTIGAÇÃO PARA PACIENTES COM
HEMOCULTURA POSITIVA PARA Burkholderia cepacia
78
PRONTUÁRIO:..................................................................................................................
IDADE:.........................SETOR DE ADMISSÃO: ...........................................................
PROCEDÊNCIA:................................................................................................................
DATA DE INTERNAÇÃO:.................... SEXO.................................
DIAGNÓSTICO DE INTERNAÇÃO:..............................................................................
DATA DE INFECÇÃO: ....................................................................................................
SETOR DE INFECÇÃO:....................................................................................................
USO DE ANTIMICROBIANO ( )SIM ( ) NÃO QUAIS:............................................
USO DE NUTRIÇÃO PARENTERAL: ( ) SIM ( ) NÃO DATA:................................
USO DE CATETER CENTRAL ( ) SIM ( ) NÃO QUANTOS.......... DATA..................
USO DE CATETER UMBILICAL ( ) SIM ( ) NÃO DATA............................................
FOI SUBMETIDO À CIRURGIA ABDOMINAL: ( ) SIM ( ) NÃO QUAL.................
FOI SUBMETIDO À OUTRA CIRURGIA ( ) SIM ( ) NÃO QUAL............................
FOI SUBMETIDO À VENTILAÇÃO MECÂNICA ( ) SIM ( ) NÃO DATA:..............
QUAL A TERAPÊUTICA UTILIZADA APÓS HEMOCULTURA POSITIVA............
QUAL A EVOLUÇÃO ( ) ALTA ( ) ÓBITO OUTRO...................................................
TEMPO TOTAL DE TRATAMENTO ..............................................................................
DATA DE ALTA/ÓBITO:..................................................................................................
COMORBIDADES: ( )SIM ( )NÃO QUAL:.....................................................................
HOUVE INTERNAÇÃO PRÉVIA ( ) SIM ( ) NÃO LOCAL:........................................
SEPSE PRIMÁRIA ( ) SIM ( )NÃO SE SECUNDÁRIA, QUAL:..................................
HOUVE TRANSFUSÃO SANGUÍNEA: ( )SIM ( ) NÃO..............................................
HEMODIÁLISE ( ) SIM ( ) NÂO QUAL: ..................................................................
BLOQUEADOR H2 ( ) SIM ( ) NÃO.............................................................................
CORTICOSTERÓIDES ( )SIM ( ) NÃO..........................................................................
QUIMIOTERAPIA ( ) SIM ( ) NÃO................................................................................
NEUTROPENIA ( ) SIM ( ) NÃO....................................................................................
IMUNOSSUPRESSOR ( ) SIM ( ) NÃO..........................................................................
HOUVE COMPLICAÇÕES DURANTE O TRATAMENTO: ( ) SIM ( ) NÃO...............
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APÊNDICE B - CARACTERÍSTICAS DE 18 PACIENTES ENVOLVIDOS EM UM SURTO HOSPITALAR POR Burkholderia cepacia
Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )
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