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LEITURAS AMAZÔNICAS

PARA QUE SERVE A BIODIVERSIDADEm 1977, devido à crise de car-burante que o mundo desen-

volvido experimentou, um quími-co estado-unidense chamadoMelvin Calvin se internou na selva,seguindo a alguns índios brasileiros,para buscar um óleo muito peculiar.Diante de uma enorme árvore daabóbada vegetal, Calvin, cientistadestacado com o prêmio Nobel,observou com curiosidade quando osíndios retiravam um tampão da baseda árvore, onde meses antes tinhamfeito uma pequena perfuração. Re-pentinamente uma seiva oleosacomeçou a brotar, litro após litro, atécompletar 24. Os índios contaram aCalvin que utilizavam o óleo comosuavizante para a pele. Não obstan-te, depois de análises químicas,Calvin descobriu, assombrado, queaquela seiva continha quase somentehidrocarburos. Por mais estranhoque parecesse, o óleo podia ser usado

diretamente num motor diesel emovimentar um caminhão. Feitosalguns cálculos, Calvin chegou àconclusão de que uma plantação de1,2 hectares com 300 árvores decopaiba (Copaifera Landsdorfii),poderia produzir 18 mil litros degasóleo por ano. E, a diferença do pe-tróleo extraído do solo, a árvore car-burante poderia se renovarinterminavelmente, alimentada pelasua interação com o sol, o solo e achuva.

Após de alguns anos dadescoberta de Calvin, a crise doscarburantes amainou e os preços dopetróleo voltaram a cair nos merca-dos mundiais. A investigação sobrea milagrosa natureza da copaiba sedeteve. Mesmo assim, essa históriaserve para remarcar dois fatos bási-cos a respeito da floresta pluvial: emprimeiro lugar, as florestas pluviaiscontém muitos recursos potenciais,

a maioria dos quais aindainexplorados devido à assombrosavariedade de espécies; em segundolugar, os povos indígenas dessasregiões possuem um acervo deconhecimentos que precisarammilênios para acumular e que estãose perdendo rapidamente.

A árvore do carburante é um dosmilhares de produtos valiosos oupotencialmente valiosos, geradosnos bosques pluviais do mundointeiro, onde todos os anos sedescobrem novos recursos. Nessaregião, a mais diversa dos sistemasbiológicos do planeta, as florestaspluviais auto-sustentáveis da Terraconvertem, dia após dia, os detritosdo solo, literalmente, em milhõesde animais e de plantas com seusrespectivos frutos. Essa enormidadede espécies está disponível, sendotambém a mais variada e abundan-te do planeta, como frutas,

sementes, favas, nozes, ervas, talvezcheguem a 80 mil plantascomestíveis, carburantes, látex, bo-rracha, óleos, especiarias, colassaborizantes e essências perfumadas,remédios, bambus, cortiça,inseticidas, cosméticos, tecidos,isolantes para tetos, materiais deembalagem, flores, saponáceos,produtos de curtume, peixes, pelesde animais, carne, mel, plantas de-corativas, penso, madeira, polpa,papel, juta e outros inumeráveisprodutos, cuja lista cresce na mesmamedida que vai sendo descoberta. Ovalor potencial de mercado dessesprodutos já equivale a vários bilhõesde dólares, anualmente.

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A crescente produção bibliográfica dedicada a Amazônia é muito atraente considerando a espetacularbiodiversidade, riqueza cultural, potencial socio-econômico e extensão da região: 736 mil km2 no

caso do Peru, quase 60% de seu território. Diante da recente aliança estratégica entre o Perue o Brasil, o interesse se multiplica para que os desafios de desenvolvimento e proteção desse espaço vital

do planeta sejam abordados.

e uma simples lista mereceser destacada a monografia

enciclopédica do espanhol, daordem de Santo Agostinho,Avencio Villarejo (1910-2000),Así es la selva, cuja quinta edição,corrigida e aumentada, acaba deeditar o Centro de EstudosTeológicos da Amazônia,encarregado também da notávelMonumenta Amazónica(principais fontes históricas dessabacia hidrográfica, do século XVIao século XX, de próximapublicação). Mas, se Villarejooferece uma visão geral, oimpecável volume sobre as reser-vas de Bahuaja-Sonene e Madidido norte-americano KimMacQuarrie estuda com esmeroessa região sulina, à que protegeum esforço bilateral compartidopor nosso país e Bolívia.

Um recente estudo de BeatrizHuertas (1) segue o rastro dosisolados povos nativos e propõeuma série de recomendações paraprotegêlos. Também é imprescin-dível o trabalho de Fernando San-tos Granero e Federico Barclaysobre a economia de Loreto noperíodo do último século e meio,desde a abertura do Amazonas à

navegação internacional até aassinatura do Acordo de Paz como Equador. Pode ser mencionadoainda um valioso livro sobre oreino dos Chachapoyas ou umoriginal estudo sobre os HuniKuin (2). Caberia também indi-car os escritores amazônicos ouda região como tema literário.Resta assinalar pelo momentoque essa copiosa produçãocompreende outrasmanifestações, entre as quais sedestaca La serpiente de agua (3),amostra sobre as culturas nativasque se leva a cabo em Lima, naEstação dos Desamparados(A.R.R).

(1) Los pueblos indígenas en aislamiento.Grupo internacional sobre Assuntos Indí-genas. Lima, 2002. [email protected](2) Chachapoyas. El reino perdido. ElenaGonzales e Rafo León. AFP Integra, Lima,2002. Ver também Pensar el otro entre losHuni Kuin da Amazonía Peruana. P.Deshayes e B. Keifenheim. Instituto Francêsde Estudos Andinos/ Centro Amazônicode Antropologia e Aplicação Prática. Lima,2003. www.ifeanet.org e www.caaap.org.pe(3) Ver www.ojoverde.perucultural.org.pe

Kim MacQuarrie. Donde los Andes encuen-tran al Amazonas: Bahua-Sonene y Madidi, Par-ques Nacionales de Perú e Bolivia. Fotos deAndré Bärtschi. Francis O Pathey & Sons/Jordi Blassi, Barcelona, 2001. 366pp. Traduçãode Alberto Magnet. [email protected]

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o final do século XIX VenâncioAmaringo Campa, um pode-

roso líder asháninka, presidia umagrande aldeia indígena conhecidapelo exótico nome de Washington, lo-calizada na desembocadura do rioUnini, afluente do alto Ucayali. Em1893 Venâncio tinha acompanhadoCarlos Fermin Fitzcarrald, um barãoda borracha que passou a controlar aextração do látex no rio Manu, na pro-cura e encontro do embarcadouro deMishagua. Quando o padre GabrielSala o conheceu em 1897, elecontinuava trabalhando paraFitzcarrald. Sala conta comoVenâncio, encabeçando umaexpedição composta por quatro gran-des canoas e à frente de 25 homensarmados de rifles, interceptou seu gru-po a fim de capturar um pequeno co-merciante chinês que viajava comSala e que devia dinheiro aFitzcarrald. Segundo Sala, Venânciofalava asháninka, quíchua e espanhole portava um chapéu, um lenço nopescoço e um guarda-sol negro, sím-bolos de sua privilegiada posição fren-te ao mundo dos brancos.

Em 1900, durante uma viagem rioabaixo pelo Ucayali, o coronel PedroPortillo, prefeito de Ayacucho, seencontrou com Venâncio e sua comi-tiva, que iam abrindo caminho pelorio. Portillo narra que o chefe indíge-na estava levando sua gente ao rioCújar, um afluente do Purus,recolhendo borracha para DelfinFitzcarrald, irmão de Carlos Fermin,já falecido. Dessa vez, a comitiva deVenâncio constava de suas quatromulheres, seus filhos, um de seusirmãos e 40 trabalhadores selvagens.Portillo conseguiu convencerVenâncio a acompanhá-lo de volta aWashington e descreve a aldeia, lo-calizada num ponto estratégico, quepodia se transformar numa fortalezainexpugnável. Pelo que informa aaldeia tinha uma população de 500habitantes, mas de junho a novembro,durante a estação seca, Venâncio

transportava a maioria às bacias dos riosSepahua, Cújar ou Purus para extrairborracha, trabalhando para váriospatrões locais. Durante esses meses sóficavam em Washington uns 50 ou 60homens dedicados a custodiar e defen-der o assentamento, presumivelmentede ataques de outros chefes indígenas,de seu próprio grupo étnico ou de outros.Quando portillo pediu a Venâncio quelhe desse 50 de seus homens paraacompanhá-lo rio abaixo, ele lherespondeu que não podia prescindir deninguém porque precisava cumprir ocompromisso de recolher a borrachapara o irmão de Fitzcarrald.

Em 1901, durante a visita que fez aum pequeno afluente do rio Purus, oexplorador Victor Almirón encontrou-se de pronto com «Venâncio AmaringoCampa, Cacique do rio Unini, e umascem famílias dessa tribo, que seocupavam da extração da borracha».Nessa época Venâncio estavatrabalhando para Carlos Scharff, umantigo capataz de Carlos FerminFitzcarrald. Scharff tinha se converti-

do num importante extrator e comer-ciante de borracha que controlava dozecentros seringueiros no rio Purus e umtotal de 2.000 trabalhadores civilizadose indígenas.

Um ano depois, La Combe, desig-nado pelo governo para explorar o rioUcayali, fez breve escala em Washing-ton na sua viagem rio acima. Naqueletempo, Venâncio era considerado umcontato tão importante na zona, queLa Combe levava uma carta deapresentação escrita pelo Coronel Por-tillo, designado pouco tempo antes,Prefeito de Loreto. Vale ressaltar quemudara seu nome para VenâncioAtahualpa talvez aludindo a Juan San-tos Atahualpa, o renomado lídermessiânico andino quem, na metadedo século XVIII tinha expulsado osespanhóis da região com a ajuda dosAsháninkas e de outros grupos indíge-nas do lugar.

Em Washington informaram a LaCombe que Venâncio tinha ido para orio Sepahua. Uma semana depois o ex-plorador o encontrou conduzindo rio

abaixo um comboio de canoas reple-tas de mulheres e rapazes indígenasque, como suspeitou La Combe,tinham sido capturados por Venânciona zona do Sepahua. Depois de algumtempo soube por dois dos escravos deVenâncio que ele próprio junto comoutros extratores de borracha, tinhamespalhado a notícia entre os povoadosindígenas do lugar que as autorida-des peruanas estavam chegando numbarco de guerra para roubar suasmulheres. La Combe sugere que eraintenção de Venâncio atemorizar osindígenas escravizados, impedindo-lhes que acudissem às autoridadespara obter a liberdade.

Segundo o padre Alemani, em1094, Washington, o centro deoperações de Venâncio tinha sidoabandonado. Indagando pelo seuparadeiro, Alemani averiguou que eletinha ido, com mais de uma centenade homens, extrair látex pelas bandasdo rio Manu ou ao Madre de Dios.Isso faz pensar que nessa épocaVenâncio já tinha chegado a ser umextrator independente. De fato, Gowafirma que ele encarnava um dessesexcepcionais casos de um chefe indí-gena se tornar patrão seringueiro. Dequalquer maneira, aparentemente, aindependência de Venâncio nãoperdurou. Em 1910 Maúrtuainformava que a mão de obra contra-tada pelos patrões dos seringais do rioPurus se constituía de indígenas locaise daquelas «tribos que obedecematualmente ao velho Venâncio, caci-que dos campas dos rios Sepahua eMishahua». Esta é a últimainformação sobre o destino deVenâncio.

O CHEFE ASHÁNINKAVENÂNCIO AMARINGO CAMPA

Fernando Santo Granero e FedericaBarclay. La Frontera Domesticada. Histo-ria económica y social de Loreto, 1850-2000,Pontifica Universidade Católica, Lima,2002, 546pp. [email protected]

ela é a estampa do indíge-na numa cena de caça:

bela e admirável. Desliza-se semfazer ruído, tão suavemente queda impressão de não pisar o solo;não quebra gravetos e até afolhagem parece não sentir seupeso. Olhar atento, ouvido aler-ta, o índio, meio agachado, andadepressa quase correndo, sem per-der um só detalhe. Nada escapaà sua vista nenhum insignifican-te galho que se move, nem a seuouvido o estalar das folhas secase gravetos do matagal; localizaimediatamente qualquer ruídoou canto e seu delicado olfato

consegue distinguir as ráfagas deodores, que se exalam feras e flo-res, cipós e trepadeiras. Comolímpico desprezo pela vida, nãoteme se embrenhar por lugaresdesconhecidos ou intransitáveis,não se esconde do ataque dasferas, sejam elas jacarés, tigres oujibóias. Precisa de um só instan-te para fazer pontaria e seu tironão falha; não se vangloria etalvez de um só vigoroso gritoavise sua odisséia. Conhece o ras-tro de todos os animais e ospersegue até encontrá-los, sabeonde estão os brejos, imita o can-to do pauji, do papagaio, puiri,

da pomba e perua, atraindo-os aseu esconderijo. A perspicácia domacaco e a desconfiança do pato,a força da anta e a ferocidade dotigre, são superadas pela astúciae a serenidade do selvícola.

Para envenenar as pontas dosdardos das flechas e lanças, oaborigem as submerge em poucoscentímetros de curare, de cujaprodução os ticunas foram con-sumados alquimistas. O curare éum veneno mais ativo que o dasvíboras, tendo a rara propriedadede ser inofensivo se ingerido porvia estomacal, mas causar a morteem poucos minutos por via

endovenosa, mesmo a animais degrande porte. A base do curare éo Strychnos castelnaei ao queagregam outras plantas e, comose isso fora pouco, adicionamcabeças de víboras, sapos,tarântulas e outras espécies ve-nenosas. Depois de cozidolongamente em quase 20vasilhas, o curare fica reduzido auma massa pastosa e de corescura.

CENA DE CAÇAB

Avencio Villarejo. Así es la selva, CETA,Iquitos, 2002. 197pp. www.ceta.org.pe

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rata-se de seus ensaios. Perú, pro-blema y posibilidad, La promesa de

la vida peruana e Meditaciones sobre eldestino histórico del Perú. Respectiva-mente, 1929, 1943 e 1947. São obrasclaves para entender a evolução de seupensamento e as raizes de sua imensainfluência. A familiaridade comarquivos, personagens, épocas ecircunstâncias, tornaram a forma deuma severa e reiterada admoestação aopaís não acostumado a cumprir. Os men-cionados ensaios, em que o historiadortrabalhou repetidas vezes, que corrigiue voltou a publicar até sua velhice,prova do tanto que lhe importaram,foram o lugar de enunciação dealgumas de suas mais logradas fórmu-las: «a promessa», a diferenciação en-tre «o país legal e o país profundo».Meditações de Basadre, às vezesaflições, reflexões, recordações, novosentido de compreensão da vida perua-na não somente pelo já ocorrido maspelo que o próprio país poderia chegar aser, vencendo a inércia de seus reitera-dos defeitos. Um discurso de moralista,hoje de dolorosa atualidade e que ini-ciando o século XXI, concede a JorgeBasadre, a leitura cidadã e um lugarinusual de mestre de conduta republi-cana, ele que preferiu durante a vida,evitar a notoriedade do poder político,apesar de alguns cargos passageiros.

A VIDANasce dia 12 de fevereiro de 1903

na cidade de Tacna, sob ocupação chi-lena. A casa familiar, «a pátria invisível»,o Peru como recordação e possibilidade,marcaram sem dúvida alguma, suaprecoce vocação pela história, como elepróprio evoca. Basadre sempre foi umtacnenho, e um patriota, sem perderum vago sentimento socialista queadotara quando moço. Sua infância émarcada também pelo pai, que serviracomo soldado em San Juan e emMiraflores durante a guerra, o qual per-derá prematuramente, mas que tinhadecidido não deixar sua cidade natal.À experiência tacnenha se soma suaformação no Colégio Alemão, noGuadalupe e depois São Marcos deonde foi o catedrático mais jovem. Umestudioso mesmo vindo do movimentoreformista. A fama da que hoje goza, a

vastidão de sua obra, o fato de que des-de 1958 até a morte se recluíra volun-tariamente, na elaboração de sua mo-numental história, podem nos levar aum juizo equivocado de sua existência.Basadre conheceu altos e baixos,vicissitudes próprias da condição de in-telectual peruano. Cedo, em 1927,esteve preso na ilha de San Lorenzo,durante o período do presidente Leguia.Teve seu tempo de peregrinação peloexterior, entre 1931 e 1934, pelaAlemanha e Espanha, conhecendoBerlim no tempo da ascensão do nazis-mo e presenciou em algum ato públicoos discursos de Goebbels e de Hitler.

Graças ao domínio do idioma alemãoque aprendera na infância com seu avômaterno, pode fazer alguns cursos naUniversidade de Berlim que o levarammais tarde a adotar técnica e conceitosde uma forma de escrever história poucofrequente no mundo ibérico. Viajoutambém aos Estados Unidos, umas 11vezes ao longo de sua vida. Já em Lima,foi sucessivamente catedrático ebibliotecário, ocupou-se várias vezes daBiblioteca Nacional, escreveu muitasoutras vezes, e, anos mais tarde,confessou que devia mais a essesarquivos em sua formação pessoal quea Universidade de San Marcos de suaépoca. Foi Ministro de Educação em1945 por dois meses e em 1956 por doisanos. Em ambos casos, durante

governos democráticos. Não o atraiu apolítica nem a função diplomática. Quisviver no Peru, embora lamentara, nofinal de sua vida, não ter gozado demais tempo e recursos ou de algumainstituição universitária para poder seconsagrar a suas pesquisas, comopoderia ter feito, de exilar-se em algumauniversidade americana. Nuncachegaremos a saber se lograria ter aconsciência do Peru profundo, estandolonge de seu país.

A RENOVAÇÃO DO SABER HIS-TÓRICO

A memória da província, o fervor

da Reforma Universitária, o clima dosanos vinte, jogarão um papel decisivona sua evolução metodológica. Em1929, sendo o mais jovem catedrático,as autoridades lhe encarregaram o dis-curso de abertura do ano acadêmico eocorre então, La multitud, la ciudad y elcampo en la historia del Perú. Basadreconsegue lançar o fato histórico em ple-na modernidade. Outros protagonistassociais, as massas, a multidão, o povo. Ahistória nunca mais será a mesma. Masnão é uma ruptura brutal. Ainda naIniciación de la República, guarda o pon-to de vista monárquico e se ocupa doscaudilhos militares, mas, prestandoatenção aos fatores ideológicos e sociais,desliza a história a aspectos que ahistória clássica ignorava. São com

Basadre outros aspectos, genéticos oude fundo, a nobreza e os emigrados, oclero, as classes médias, as classes popu-lares, os indígenas, os negros. Irrompe otema da existência do Peru como Esta-do e a nação como processo histórico, ocircunstancial e o permanente, osindivíduos e os grandes tropismossociais. Pode se ver nessa combinaçãode sociologia, economia e história umainfluência da escola francesa de Anais.Na realidade, as datas não coincidem,Basadre inicia sua construção de outraforma de saber histórico um pouco an-tes da aparição da obra de FernandBraudel. Cabe ressaltar ser umaassombrosa coincidência, consideran-do o pouco ou quase inexistente con-texto institucional para investigação doacontecer peruano.

PROMESSA DO PERUDesde seus primeiros livros usa uma

linguagem de rigor, em grande partearrancada da mais pura teoria do direitoe filosofia política. Seus ensaios estãocheios de interrogações. Não questionao suceder mas o sentido da história pe-ruana. Para que se fundou a Repúbli-ca? pergunta-se em 1947. A resposta ésumária: para cumprir a promessa quenela se simbolizou. Ou odesenvolvimento material como sepensava no século XIX, o estado efi-ciente, ou o país progressista, agrega. Oque está dizendo Basadre? Que a Re-pública é uma ordem política, que éprojeto, algo por conseguir. A pátriacomum não é resultante do mandatonatural nem da raça. O solo ou os mortospodem nos inspirar mas não são umprojeto. Pouco antes, na convulsaEspanha, Ortega y Gasset tinhaestabelecido uma similar separaçãosubstancial. A família era o grupo na-tural, mas o Estado e a nação, não. «Osgrupos que integram um estado –afirmou o filósofo espanhol – vivemjuntos por algo, são uma comunidadede propósitos, de anelos». O mesmotinha dito o bispo inglês Hobbes, em1651. O Leviatã, a metáfora do Estado,é a de um ente «artificial», isso évoluntário, e surge quando osindivíduos querem sair da «guerra detodos contra todos» que é o estado denatureza. Basadre vê nas internas guer-

Jorge Basadre é o mais destacado historiador do Peru republicano e do mesmo modo, o filósofo de nossosdefeitos coletivos. Ainda que sua obra de história se inicie com um só volume em 1939 para alcançar em1968 a sexta edição e 16 volumes, angariando-lhe com justa razão categoria indiscutível, o certo é que

houve outra produção simultânea à obra acadêmica.

JORGE BASADRE

FILOSOFIA DE UM HISTORIADORHugo Neira

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ras civis do século XIX e na desordemcoletiva do XX, o equivalente daEspanha invertebrada quedesencadeou a guerra civil espanholae as guerras de religião do século XVIIeuropeu. Sua promessa de República éalgo que os peruanos podem ou nãoconstruir. É da ordem do possível, nãouma fatalidade. Basadre desacreditoumuito cedo de todo determinismo histó-rico e mesmo nos seus dias senis, divertiu-se ao nos propor diversos cenáriospossíveis sobre o que pôde ser uma ououtra saída para nossa Emancipação.Jogo de perspectivas, convidando àreflexão e à compreensão daimprevisibilidade e complexidade dasalternativas na história, jogo que obvia-mente, passou despercebido. Estevesempre muito à frente de seus colegasperuanos e inclusive do mundo ibérico,nutrido até o último alento por suasintuições e sua constante assimilação denovidades metodológicas. Ainda na suavelhice, foi o mais jovem de nossos histo-riadores.

AS PALAVRAS SINCERASUma linguagem de rara

sinceridade supreende em sua monu-mental história como também em seusensaios. Muito cedo falou do peruanocoeficiente de ilegalidade, na célebre liçãoinaugural de 1929, frente ao tirano pre-sidente Leguia, o que lhe angariou umseco cumprimento do mesmo. Poucosfustigaram com tanta claridade asclasses educadas, as «elites»,assinalando a preguiça que tinham detrabalhar e investir, «o capitalismo vindo

de fora». Não acreditou nem um poucona versão idílica do passado inca, «aimagem dos Incas comunistas nos fezesquecer que eram hierárquicos, quemantiveram rigorosa diferença entrenobres e plebeus em matéria de tribu-tos, acesso a alimentos e mulheres. Oconhecimento da pátria deveria sermuito sincero e, o primordial,reconhecer tudo o que ainda se igno-ra». A história cultural do Peru não estáescrita. Basadre tinha viajado pelo mun-do, conhecia a história européia e mun-dial, os horrores aos que chegou o excessonacionalista mas, o que é demasiado lá,pensou, «urge aqui». Não vou me deterno que parecem suas contradições,sendo socialista, internacionalista, nacio-nal, tacnenho, patriota. Talvez tudo issolhe serviu para compreender a esquivarealidade do Peru.

Sendo um historiador dos séculosXIX e XX, não deixou de pensar noPeru como uma sociedade milenar.Pergunta-se em um de seus textos pós-tumos o que teve em comum, em 1824,um lavrador de Piura e outro de Cusco?«Muito pouco, evidentemente, masseus antepassados viveram dentro deum mesmo âmbito político-administra-tivo, não unicamente desde o séculoXVI, mas desde muitos séculos antesdos Incas. Esse modelo impalpávelinfluiu, de uma ou outra maneira, so-bre sua infância, adolescência,juventude, velhice e a de seus familia-res». Pergunta-se quantos povos africa-nos, europeus e asiáticos carecem dessalonga continuidade histórica. Ressaltaque durante o antigo vice-reinado, já

1. Citações de Jorge Basadre, Memoria ydestino del Perú, textos esenciales. Antologiade Ernesto Yépez del Castillo, Congressodo Peru, Lima, 2003, 558pp., obra que re-comendo especialmente.Fondo [email protected] Vertambém: Jorge Basadre. La Iniciación de laRepública. Universidade Nacional Maiorde São Marcos, 2 vol. Lima, 2002.www.unmsm.-edu.pe/fondo

CUERPO ANTERIOR

El arco iris atraviesa mi padre y mi madreMientras duermen. No están desnudosNi los cubre pijama ni sábana algunaSon más bien una nubeEn forma de mujer y hombre entrelazadosQuizás el primer hombre y la primera mujerSobre la tierra. El arco iris me sorprendeViendo correr lagartijas entre los intersticiosDe sus huesos y mis huesos viendo crecerUn algodón celeste entre sus cejasYa ni se miran ni se abrazan ni se muevenEl arco iris se los lleva nuevamenteComo se lleva mi pensamientoMi juventud y mis anteojos.

ÚLTIMO CUERPO

Cuando el momento llega y llegaCada día el momento de sentarse humildementeA defecar y una parte inútil de nosotrosVuelve a la tierraTodo parece más sencillo y más cercanoY hasta la misma luz de la lunaEs un anillo de oroQue atraviesa el comedor y la cocinaLas estrellas se reúnen en el vientreY ya no duelen sino brillan simplementeLos intestinos vuelven al abismo azulEn donde yacen los caballosY el tambor de nuestra infancia

CORPO ANTERIOR

O arco-íris atravessa meu pai e minha mãeEnquanto dormem. Não estão nusNem os cobre pijama nem lençol algumSão forma de mulher e homem entrelaçadosTalvez o primeiro homem e a primeira mulherSobre a terra. O arco-íris me surpreendeVendo correr lagartixas pelos interstíciosDe seus ossos e meus ossos vendo crescerUm algodão azul entre suas sobrancelhasJá nem se olham nem se abraçam nem se movemO arco-íris os leva novamenteComo leva meu pensamentoMinha juventude e meus óculos

ÚLTIMO CORPO

Quando o momento chega e chegaCada dia o momento de sentar-se humildementeA defecar e uma parte inútil de nósVolta à terraTudo parece mais simples e mais próximoE até a mesma luz da luaÉ un anel de ouroQue atravessa a sala de jantar e a cozinhaAs estrelas se reunem no ventreE já não doem mas brilham simplesmenteOs intestinos voltam ao abismo azulOnde jazem os cavalosE o tambor de nossa infância.

Jorge Eduardo Eielson (Lima, 1924) éconsiderado um dos poetas e artistas

mais notáveis da América Latina.Reedições, traduções e estudos de suasobras começaram a se multiplicar nosúltimos anos. Estes poemas pertencem

ao ciclo de Noche oscura del cuerpo(1955). Em Lima, a Pontifícia

Universidade Católica publicou emdezembro passado: nu/do, homenaje aj.e.eielson. José Ignacio Padilla editor.

PUC, 2002, 520pp. Ver tambémwww.eielson.perucultural.org.pe

JORGE EDUARDO EIELSON / POESIA ESCRITA

abundavam as diferenças. Sua teoriado Peru é estranhamente simples.Nascemos primeiro como uma novasociedade, «um Estado espanhol quechega tarde, não lhe fixa limites». Opróprio nome Peru é fruto de um im-pulso anônimo, coletivo, poderia ter sechamado Nova Castilha mas não foiassim. A construção do Estado e danação é outra coisa. Passa pelo quechama Basadre de «a consciência desi». Para compreendê-lo fez o que hojechamamos história das idéias. Para queelas se arraigassem, interessou-se naqualidade de uma educação peruanaacessível a todos.

UM MODELO HUMANOÉ impossível se interessar pela cul-

tura peruana, nossa sociedade, o esta-do, o presente ou o porvir, sem queBasadre seja tomado em conta. Suainfluência, suas profecias de pregadorsem vaidade, são cada vez mais apre-ciadas pelas gerações destes anosdifíceis. O grande fervor atual pela suaobra não se explica facilmente pois viveudiscretamente sem se deixar tentar pelaambição do poder pessoal e teve poucose passageiros cargos públicos, excepcio-nalmente. O paradoxo desse magistériosem partidos políticos, sem bancos nemimprensa, é um país que se reconhecenuma póstuma lição moralista que nãoobstante, já se enunciou desde 1931. Oparadoxo de Basadre é sua vigência.De se ter cumprido esse Estado formal-mente, as advertências já referidasteriam perdido sentido. Mas, para nossoinfortúnio, não ocorre assim. Mas, se

foge ao descrédito que sofrem outrospensadores do século XX é porque nãofoi um mestre do erro, não criou umaideologia, salvo a da fé noconhecimento e seu amor pelo Peru,sem cegueira. Clamou por outra eliteresponsável, por um cidadão peruanodiferente, livre e atualizado com oacontecer mundial. No que concerneàs opiniões individuais, seu discurso seconserva estranhamente jovem, nosares do tempo. Um texto intitulado «Oque é realmente importante na vida»afirma «é ser leal consigo mesmo».Nesse sentido, e as páginas do jovemBasadre são estremecedoras, diria-seque o país em nada mudou. Encontrei,diz, «um Peru frio, hostil. Sem lugar parauma juventude honesta. Instituiçõestradicionais, Parlamento, sufrágio,município, languideciam» (1). Que re-comende antes de partir, comobandeira «a decência substancial» paradeixar de ser um «sistema de misérias»é todo um programa quase futurista.Livre é cada um de imaginar esse outro«logos» democrático.

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ario Urteaga (Cajamarca 1875 - 1957)mantém uma indiscutível primazia entre

os pintores peruanos de tema indígena. Desde1934, quando Lima «descobriu» tardiamente suaobra, esta não deixou de ser marco indispensávelna busca de autenticidade que orientou durantedécadas o rumo de nossa pintura. Seu estilo pe-culiar – uma insólita combinação de fórmulasherdadas do academicismo europeu comtradições pictóricas da região norte do Peru – deu-lhe imediatamente dimensão e caráter nacionais.

Diferindo do seus colegas indigenistas, for-mados pela Escola Nacional de Belas Artes eativos em Lima, Urteaga era um autodidata pro-vinciano que tinha desenvolvido a parte princi-pal de seu trabalho pictórico em Cajamarca. Estacircunstância contribuiu para forjar a imagemtópica do artista como produto espontâneo do seumeio e a projetar uma percepção ambivalente desua obra, às vezes classificada como naif e outrascomo manifestação independente doindigenismo. Misturando naturalidade eclassisismo, o que era fascinante para o especta-

O HORIZONTE INDIGENIS

M dor de seu tempo, as cenas camponesas cuidado-samente compostas pelo artista interiorano,pareciam finalmente as aspirações nacionalistasde toda uma geração: Urteaga conseguira mos-trar «os índios mais índios jamais pintados», se-gundo a frase conclusiva de Teodoro NuñezUreta. Mas, a realidade de sua obra e de sua vidanos parece muito mais complexa e contraditória.

O COMEÇONo final do século XIX, longe dos centros ar-

tísticos tradicionais, Urteaga começará emCajamarca um esforçado processo deaprendizagem ao se desempenhar comodesenhista de retratos destinados a uma cliente-la local. Baseando-se em modelos fotográficos,ensaia representações convencionais dos notáveisdo lugar, com inusitada destreza para um princi-piante. Uma primeira viagem a Lima, em 1903,viria a confirmar sua vocação artística. Enquantodesempenha funções pedagógicas no Callao,Urteaga se inicia simultaneamente em fotografiae pintura, graças à amizade do fotógrafo e editorportuguês Manuel Moral. Esta mesma relação o

contactará com a ilustração jornalística limenha,que experimentava uma época de auge e dessamaneira terá acesso a grande diversidade dereproduções artísticas. Exercita-se então copiandoquadros de temas religiosos e cenas do gênero.Provavelmente sua primeira composição originaltenha sido El rescate de Atahualpa.

Ao retornar a Cajamarca por volta de 1911,Urteaga abriu um estúdio fotográfico e duranteanos alternou esse ofício com a pintura, adocência escolar, a agricultura e o jornalismo. Otrabalho de redator do jornal local El Ferrocarril,permitiu-lhe que se involucrasse em temas polí-ticos com idéias de forte sentido social, tentandouma candidatura parlamentária que se frustrouem 1916 e o marcou profundamente, reforçandosua crescente dedicação à pintura. Ainda assimsua pintura permaneceria durante vários anosrestringida quase exclusivamente aos quadros re-ligiosos feitos sob encomenda para cajamarquinosdevotos.

A maior retrospectiva* sobre o artista cajamarEste é um resumo da perspectiva de seus curadores, os reconh

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EMERGÊNCIA INDÍGENA E PRECARIEDADEMESTIÇA

Durante uma breve mas decisiva viagem àcapital, em 1918, o pintor pode conhecer o am-biente cultural nacionalista que precedeu àfundação da Escola Nacional de Belas Artes,embora tenha voltado poucos meses depois aCajamarca para continuar sua carreira de modoindependente. Pelos anos de 1920 Urteaga pin-ta seus primeiros quadros inspirados na vida in-dígena de Cajamarca. Três anos depois pintaráA briga, precoce obra maestra que combina aobservação minuciosa da realidade com certo arde composição clássica, herdado doacademicismo.

No começo da década de 1930, a palheta deUrteaga tende a abandonar as tonalidades escuraspor uma luminosidade que se manifesta em céusdiáfanos e numa definição das figuras, acorde como planejamento classicista de suas composições.Esta evolução pode ser apreciada na exposiçãode 1934. Uma sucessão de exitosas exposiçõesindividuais em Lima, até 1938, e o prêmio obtido

no salão de Viña del Mar em 1937, outorgaram àsua pintura um reconhecimento consagratório.

ANOS CRÍTICOS, CONSAGRAÇÃO ESILENCIAMENTO

Nos anos quarenta o pintor deixou de exporem Lima e o ritmo de sua produção diminuiuconsideravelmente. Isso aconteceu devido aoocaso do indigenismo oficial, mas também a umacrise pessoal, agravada, na metade da década,quando teve cataratas, afetando gravemente suavisão e obrigando-o a ser submetido a umaintervenção cirúrgica. O nome de Urteagavoltava a adquirir dimensão internacional em1942, quando o Museu de Arte Moderna de NovaIorque agregou a seu acervo, a obra O enterro doveterano, que o tinha consagrado (equivocada-mente) como pintor naif.

Depois de ser operado, Urteaga volta aCajamarca e retorna à pintura, alentado pelaconstante demanda dos colecionistas limenhos epela crescente clientela. Por esse motivo teve quevoltar aos motivos mais difundidos de seu perío-

do «clássico», mesmo que com marcado acentopitoresco e idealizando os tipos indígenas. Essasdiferenças de estilo eram perceptíveis naexposição - homenagem que o Instituto de ArteContemporânea de Lima ofereceu ao pintorcajamarquino em 1955, dois anos antes de suamorte. Uma rara unanimidade revelam oscomentários então expressados, com os represen-tantes das mais antagônicas tendências, vertendosobre Urteaga elogios que tratavam de assimilá-lo à suas respectivas posturas. Porém, aconsagração assim obtida é também o silenciarda complexidade e das contradições quesorrateiramente percorrem e dinamizam essa pin-tura. Valores que a recente exposição e aspublicações que o acompanham tentam tornarvisíveis outra vez.

* A retrospectiva foi organizada pelo Museu de Arte e aFundação Telefônica e permitiu apreciar em Lima, nos passadosmeses de junho e julho, duas exposições complementárias: MarioUrteaga, Novas Miradas e Urteaga, Cajamarca e seu tempo.Informação sobre o catálogo Mário Urteaga, Nuevas Miradas,Fundação Telefônica e Museu de Arte, Lima, 2003, 337pp. emwww.perucultural.org.pe

1. A briga. 1923. Óleo sobre tela: 94 x 80,5 cms. Coleçãoparticular, Lima.2. Os fabricantes de telhas. 1944. Óleo sobre tela, aderida amadeira: 59,5 x 78,5 cms. Coleção particular, Lima.3. A leiteira. 1940. Óleo sobre tela: 52 x 69 cms. Coleçãoparticular, Lima.4. O primeiro corte de cabelo. 1953. Óleo sobre tela: 57,5 x 54cms. Coleção Doris Gibson, Lima.5. Lar. 1935. Óleo sobre tela: 47,5 x 27 cms. Coleção parti-cular, Lima.

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STA DE MARIO URTEAGArquino permite novas aproximações à sua obra.hecidos críticos Gustavo Buntinx e Luis Eduardo Wuffarden.

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ediquei grande parte de minhavida ao estudo,

exploração e melhoramento genéticoda batata. Tinha vários motivos paraisso. O primeiro era o sentimento deorgulho que tive ao constatar a grandeimportância que esse cultivo, oriundodos Andes, adquiriu na história dahumanidade. Este orgulho sempreesteve acompanhado da convicção deque a contribuição da batata poderiaser muito maior, merecendo maioresesforços.

Há tão somente 500 anos, nada fariasupor que esse tubérculo que servia deprincipal sustento aos povos dos Andes,se tornaria um dos principais alimentosdo planeta. Hoje em dia, o cultivo dabatata está em quarto lugar deimportância mundial depois do trigo,do milho e do arroz. Além do consumodireto, tem múltiplas aplicações naindústria: é usada na fabricação deamido, papel, adesivos têxteis, paraprocessar alimentos de baixo teor degordura, na panificação e pastelaria,sorveteria, cosmetologia, farmácia epurificação de água.

AS ROTAS DA BATATADe longa data, esse tubérculo tem

sido de vital importância como fontede energia para numerosas sociedades.Do mesmo modo, sua falta ocasionougrandes desastres socio-econômicos emdeterminados momentos da história,como ocorreu na Irlanda entre 1845 e1848.

Não se conhece com precisãoquando a batata foi levada a Europa,mas se presume que pode ter sido nametade do século XVI. Não se sabe olugar de onde procedia nem o nome dequem a transportou. Mas a evidênciados fatos permite assinalar que aprimeira via de ingresso foi através daEspanha.

Outras evidências indicam que abatata foi introduzida na França aproxi-madamente em 1600, graças a Bahuin.Logo, em 1613, os ingleses a levaram àsilhas Bermudas. Dali foi trasladada aVirginia (Estados Unidos) em 1621. Ameados do século XVIII passaria daEscócia a Noruega, Suécia e Dinamar-

A BATATA, TESOURODOS ANDES

Em notável livro consagrado à batata* o investigador peruano Carlos Ochoa dá seu testemunho, aquicondensado, sobre seu trabalho de taxonomista, que lhe deu celebridade mundial. Também o destacado

gastrônomo e jornalista Raúl Vargas Vega nos provoca com algumas delícias preparadas com variedades dotubérculo.

Um dom universalCarlos Ochoa

imediações do lago Titicaca, ao noroes-te da Bolívia, ou melhor entre os 9 e 17graus de latitude sul. Essa é a única zonaandina onde se aprecia a totalidade deespécies cultivadas. A mais provável éque nesse lugar específico tenha se ori-ginado e cultivado a batata 7.000 anosA.C.. São nove as espécies de batatacultivadas e reconhecidas e todas seencontram principalmente nas serrasaltas e nos planaltos andinos, entre os3.000 e 4.000 metros de altitude. Não éraro encontrar quatro ou cinco espéciesdelas crescendo juntas em pequenoscampos, semeadas por camponeses in-

dígenas.Não obstante, a diversidade bioló-

gica não se limita às espécies cultiva-das. Existe um complexo grupo deespécies silvestres não comestíveis(perto de 200). Estas se encontram emestado natural desde o sul dos EstadosUnidos até as regiões austrais do Chile.A ampla gama de diversidade genéticaoferece a possibilidade de se descobrir,fontes de resistência a numerososfatores climáticos ou patógenos queatacam os cultivos. Estes genes podemser aproveitados para a criação de novasvariedades.

As batatas silvestres crescem emsolos e climas diferentes, tanto nos lu-gares secos e desérticos da costa perua-na, quase ao nível do mar, como nosvales inter-andinos que vão de 2.500 a3.400 metros de altitude. As zonas dosul do Peru, como o Vale Sagrado doCusco e muitas outras, são particular-mente ricas em espécies silvestres. Nosfrios páramos andinos, são muito poucas.Ao contrário de regiões úmidas equentes do trópico, com abundantevegetação e uma temperatura entre 20e 25 graus, encontram-se algumas ba-tatas silvestres que podem chegar a sermuito valiosas para a ciência, como aSolanum urubambae que cresce nasregiões tropicais do vale do Urubamba,também no Cusco, ou a Solanumyungasense que cresce nas cercanias deSan Juan del Oro, vale de Tambopata,em Puno.

AO SERVIÇO DOS MAIS POBRESUm de meus primeiros empregos,

ao iniciar minha profissão deengenheiro agrônomo, foi na EstaçãoGenética de Cereais, uma estação deinvestigação governamental em Con-cepción, no vale do Mantaro, Peru, de-dicada à genética e à pesquisa de di-versas variedades de trigo. Foi então quecomecei a palpar a realidade e pensei:queremos introduzir um cultivo forâneoquando aqui mesmo temos um quecresceu e foi domesticado no Peru faz8.000 ou 10.000 anos.

As batatas que a gente consegueatravés do melhoramento genético sãocomo filhos: damos-lhes nomes e elesnos recompensam com muitasatisfação. A uma de minhas filhas,Tomasa Condemayta, dei o mesmonome de quem foi o lugar-tenente de

O CENTRO INTERNACIONALDA BATATA

Este centro de investigação científica sem fins lucrativos foi fundado em Lima,em 1971, para se dedicar à plena realização do potencial da batata, outrasraizes e tubérculos. Tem como objetivo reduzir a pobreza, aumentar asustentabilidade ambiental e ajudar a garantir a segurança alimentar das zo-nas mais pobres. O CIP possui o maior banco genético do mundo, com mais de5.000 diferentes tipos de batata cultivadas e silvestres, além de coleções debatata doce e outros cultivos da região andina nos que deposita uma especialdedicação. Criou redes de investigação, formuladores de políticas e produtores,e tem equipes inter-disciplinárias para realizar projetos de pesquisa em mais de30 países. O CIP é um dos 16 centros Future Harvest (Colheita do Futuro)que recebem fundos do Grupo de Consulta para Investigação Agrícola Inter-nacional, confederação mundial de governos, fundações privadas e organizaçõesregionais e internacionais. Ver também www.cipotato.org

ca e por último, ao terminar o séculopassado e começar o atual, expandiu-se por quase todo o leste europeu.

SURPREENDENTE DIVERSIDADENos Andes existe uma grande

variedade de espécies de batata. Con-sidera-se que entre as cultivadas, aSolanum stenotomum é a mais antiga,sendo assim a mãe de todas. No entanto,a Solanum tuberosum é a que mais sedisseminou pelo mundo.

A maior diversidade genética dabatata se observa entre a CordilheiraBranca dos Andes centrais do Peru e as

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SUA MAJESTADE A RAINHA DA BOA MESA PERUANARaúl Vargas Vega

Tupac Amaru, durante as primeiraslutas para a independência e quecomandou uma parte do seu exército.Seu trágico fim – queimaram-na viva– ocorreu em sua própria fazenda, quepertenceu até pouco tempo à minhafamília: é o lugar onde fiz a pesquisa dediferentes variedades. E em sua honrae também de uma ama que tivequando criança e a quem muito bemqueria – e que também se chamavaTomasa – é que lhe pus esse nome.

Mas meu primeiro filho se chamou«Renascimento». É que, para mim, oinício do melhoramento moderno dabatata significou um verdadeirorenascimento científico e tecnológico.Tanto a Renascimento como a Tomasaainda são cultivadas em muitos lugaresdo Peru. Mas, além do valor individual

enhum prato da cozinha perua-na pode negar ter sempre algo a

ver direta ou indiretamente com abatata. Isso porque o habitante dosAndes aprendeu a transformá-la,usando suas inúmeras variedades egarantindo sua conservação mesmonas mais extremas condições.Convenhamos que esse tubérculodura mais que outros legumes e ver-duras, podendo ser usada fresca,cozida, frita, ou em purê, quente oufria, como um prato completo (prepa-rado com manteiga, queijo, creme deleite ou com o fiel aji). Comoinsuperável guarnição realça o saborde carnes, peixes, fiambres, mariscosou tudo o que Deus dá paraacompanhar essa nobre senhora dosAndes.

A batata amarela pode ser consi-derada a mais apreciada e valorizadanas mesas peruanas. Pela sua cor, finatextura e sabor peculiar, ela seconverteu na grande estrela dos pratosclássicos. Pense, leitor, se puder numadeliciosa «causa», que alguns dizemter origem na época daIndependência, mas que é sem dúvidao símbolo da mestiçagem e da pompade nossa culinária. É preciso cozinhara batata amarela com cuidado espe-cial, inteira e com sal para evitar quese parta a fina casca, então se preparaum purê firme e seco, regado a óleo,um pouco de maionese, suco de limãoe aji amarelo (mirasol) moído. Colo-car essa deliciosa massa em capas,recheadas com o que melhor lheaconselhe a imaginação e aabundância. Antigamente a causa erapreparada com um recheio de atumenlatado, triturado e misturado comcebola roxa finamente picada, depoiso barroquismo e a presunçãoexperimentaram rechear a versátilbatata amarela com pasta de siri,camarões, abacate, sempre com algode maionese. Pode ser enformada oupreparada como rocambole, coroadade azeitonas pretas, rodelas de ovoscozidos e por último um belo molhode camarões feito sabiamente comtodo o coral.

A batata branca é a base essencialdos «chupes», dos guisados ouensopados de carne que ficariam po-bres e mesmo tristes se não tivessemuma boa e feculenta batata. Mas épreciso mencionar com orgulho a ba-tata recheada, feita por mãos cuida-

dosas das donas de casa e que brilhamnos almoços e jantares caseiros ao me-nos uma vez por semana.

Que sacrossanta aliança subver-siva se estabelece entre a batata frita,cortada em longas e finas tiras e ospedaços de filé aos que se deve agre-gar a alegria do tomate picado, acebola roxa esplendidamente cortada,um pouco de alho, aji mirasol em quaseimperceptíveis filamentos (ocasional-mente vinho tinto, substância de car-ne)? Louvemos o filé «saltado» quedizem ter origem chinesa porque tudoé cortado em pequenos pedaços, tor-nando a faca desnecessária à mesa,mas é de óbvia estirpe mestiça e depaternidade reclamada por tantoscozinheiros locais como os que andamespalhados pelo mundo.

Todos os povos e regiões do Perutem suas próprias espécies de batatas epratos típicos. Mas algumas técnicas deelaboração são compartilhadas por to-dos eles: o chunho, a batata seca oucarapulcra e o tockosh. O primeiro sefaz com as batatas amargas das alturasandinas, selecionadas e expostas àintempérie, de noite ao frio dos pára-mos e de dia ao forte sol, técnica ances-tral que permitiu armazenar a batatadurante anos nas chamadas «colcas»,depósitos que abundavam pelo vastoterritório inca. A carapulcra é outra for-ma de conservação, pela cristalizaçãoda batata cortada em cubos, previa-mente cozida com casca e levada a se-car à intempérie, (já produzida indus-trialmente). O tockosh é uma formade putrefação da batata envasada compalha e colocada em sacos dentro decanais de água corrente. Depois dealguns meses de fermentação, se retirada água e é consumida de váriasmaneiras (sopas e cremes) tem podercurativo e um forte sabor que um certogourmet denominou de «o roquefort»dos Andes.Antes de nos retirarmos, não podemosdeixar de mencionar dois molhos, en-tre muitos outros, que abrigam comoum sagrado manto a batata: ocopa ehuancaína. A primeira, arequipenhapor antonomásia, por ser apimentadae de camarões; a segunda; do centrodo país como seu nome indica,realçada com queijo fresco e ajíamarelo e acolhida em Lima parasempre. Chupem os dedos eagradeçam ao Altíssimo a existênciada batata soberana e dadivosa.

OLHUQUITO COM CHARQUE*Para 8 porções:- 3 kg. de olhuco- 200 grs. de charque- 1 pitada de achiote- 4 dentes de alho- 100 grs. de aji panca moído- 1 pitada de pimenta- 1 pitada de cominho- meia concha de caldo- salsinha- óleo

Lavar bem os olhucos e picá-los emtiras finas. Refogar numa panela o alhocom óleo, o achiote, o charque desfiado(melhor o de alpaca, mas pode tambémser substituido por carne picada), apimenta, o cominho e o aji panca;misturar bem e deixar cozinhar. Agre-gar o olhuco, com o caldo e tampar bema panela. Cozinhar a fogo lentodeixando que se misturem bem os in-gredientes. Servir com salsinha picadapor cima.

CACHUN CHUNHOPara 6 pessoas:

Depois de estar de molho a noiteinteira, colocar para ferver numa panelacom água por 15 minutos, 300 grs. dechunho branco ou preto sem partir.Depois de bem escorridos, se adiciona200 grs. de queijo fresco ou de queijobem cremoso. Levar ao forno com meiaxícara de leite durante 10 minutos a250ºC. Servir quando o prato estiverassado.

CARAPULCRA**Ingredientes (para 6 pessoas)- 1 kg. de carne de porco sem

gordura- 1/2 kg. de batata seca- 3 colheres de óleo ou banha- 2 cebolas roxas picadas

- 1 colher de alho amassado- 1 pitadinha de cominho- 3 colheres de pasta de aji

panca- 2 galhinhos de coentro

fresco- 2 rosquinhas de manteiga

moídas- 2 cravos- 1 cálice de pisco- 1 quadradinho de chocolate

amargo ralado- 1/4 de xícara de amendoim

torrado e picado- sal e pimenta

Torrar os pedaços de batata secanuma frigideira com fogo alto poraproximadamente 5 minutos, agitandoa frigideira para que não se queimem,sem deixar dourar demais. Colocarnuma vasilha e cubrir com água quente,no dobro do volume da batata. Deixarde molho durante 30 minutos.

Cortar a carne em pequenospedaços. Dourá-la em óleo bem quente,numa panela grande, a fogo médio.Retirar a carne para outra vasilha,refogar bem na gordura que ficou napanela, as cebolas, alhos, cominho e apasta de aji. Temperar com sal epimenta. Juntar a carne e a batata secacom toda a água, mexer bem para quenão se queime.

Quando estiver cozida, agregar opisco, o cravo, o coentro picado, o cho-colate ralado, as rosquinhas moídas e oamendoim picado. Cozinhar por mais15 minutos. Deixar repousar 1/2 horaantes de servir. Reaquecer e serviracompanhada de arroz branco.

RECEITAS

* Em La Gran Cocina Peruana, Jorge Stambury,Lima, 1994.** Em El Arte de la Cocina Peruana, TonyCuster, Lima, 2003. [email protected]

La papa: Tesoro de los Andes. De la Agri-cultura a la cultura. Vários autores. CentroInternacional da Batata. Lima. 2000.210pp.

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que tem, encarnam para mim aconvicção que motivou todo o trabalhoque realizei sobre esse cultivo: a batataé uma das mais importantes armas quea humanidade possui para lutar contraa fome. Meu trabalho não é mais doque o desejo de reinvidicar esse enor-me potencial para bem do meu povo edo mundo inteiro.

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arquemos com um bomalfinete no mapa cinema-

tográfico da região o EncontroLatino-americano de Cinema deLima, organizado pela PontíficeUniversidade Católica*, que nosdez primeiros dias de agostocumpriu sua sonora sétimaedição, com o argentino CarlosSorín arvorando o troféu da crí-tica por «Histórias Mínimas» e abrasileira Katia Lund, co-produtora de «Cidade de Deus»,recebendo o prêmio do público.

Confirmou-se de passagem,como em La Habana, Cartagenaou Huelva, que são os melhoresconcursos do cinema latino, queo sopro minimalista que é modana Argentina e o esforçobrasileiro de produzir violentasnarrativas sem economizar efeitoshollywoodienses, ocupam a agen-da do debate cinéfilo em 2003.

Geralmente, nesse empatede filmes oficialmente promovi-dos (o argentino com fundos es-

ric Hobswann afirma que o sé-culo XX foi um dos mais

curtos da história porque começoutarde (logo após a Primeira GuerraMundial) e terminou cedo (em 1989logo após a queda do muro deBerlim). É preciso agregar que o sé-culo XX também foi um dos maisintensos e densos da história. Defato, múltiplas personagens ecoletividades, contraditóriosacontecimentos, processos eestruturas povoaram-no. Uma dasrevoluções silenciosas mais impor-tantes do século XX foi a mudançada situação da mulher, tanto nomundo como no Peru. Essasmudanças não foram iguais no país:lentos no íntimo âmbito do lar,mais dinâmicas na esfera econômicae social e decididamente rápidas noespaço público. Várias pesquisasrevelam que a maioria dos peruanosacreditam serem as mulheres tãocapazes como os homens nodesempenho de funções públicas. Éfundamental acreditar nisso porquese todos ou quase todos acreditamna igualdade de gênero para exercercargos públicos, procurarão formase mecanismos adequados quepermitam concretizá-la.

Sem dúvida essas mudanças sãomuito significativas em comparaçãocom a situação da mulher no séculoXIX, quando poucas personalidadesfemininas, como Flora Tristán, Jua-na Gorriti, Teresa Gonzáles deFanning, Mercedes Cabello de Car-bonera, Antonia Moreno Leyva,Clorinda Matto de Turner, MariaJesus Alvarado e algumas outras,deixaram uma profunda marca nahistória. Porém no século XX já nãose apresentam mulheres destacadas

individualmente, mas movimentose grupos cujas reflexões, propostas eações vem causando impacto navida social, econômica, política ecultural do Peru.

Todas essas conquistas tem aver, em grande medida, com asmodificações da estrutura social eos avanços no processo demodernização do país, mas o fatorque mais concorreu para que todasessas mudanças ocorressem é oprocesso educativo: no nível

DO LAR AO ESPAÇO PÚBLICOUma valiosa história gráfica da mulher peruana (1860-1930)

universitário as mulheresconseguiram anular a distância queas separava dos homens, mas ditadistância ainda se mantém nosoutros níveis de educação, emoutras dimensões da vida social emais ainda no nível de atividadeeconômica, quanto a salário eemprego.

A história gráfica queapresentamos, cujos originais seencontram em todo o respectivomaterial da Biblioteca Nacional doPeru, mostra uma galeria dasmulheres que se desenvolveram nolimitado espaço público do séculoXIX e de algumas outras represen-tativas no período de transição aoséculo XX. (Sinesio López)

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Del olvido a la memoria: Mujeres peruanas1860-1930. Editora: Nancy Elmore;apresentação de Sinesio López e Ana Ma-ría Yáñez, estudo introdutório de MaríaEmma Mannarelli. Movimento ManuelaRamos e Biblioteca nacional do Peru, Lima,2003. Ver também www.bina-pe.gob.pe ewww.manuela.org.pe

pecíficos e o brasileiro com ge-nerosas exonerações tributáriasàs empresas auspiciadoras)costuma aparecer algumasurpresa mexicana.

É por isso, mais estranhoainda e mais celebrado, que umfilme chileno, cubano,equatoriano ou uruguaio, comoaconteceu nos encontros ante-riores, consiga ganhar um prêmioou menção honrosa. O cinemaperuano foi premiado poucasvezes mas, em geral, não existefilme nacional cuja rodagem,posterior produção ou estréia nãoguarde alguma relação com oevento de agosto.

Após sete edições, elcine (seunome alternativo) definiu seucurioso perfil: em primeiro lugaré um Festival – certo pudoracadêmico obriga a PUC achamá-lo Encontro – que nãoconta com apoio orçamentário doEstado nem da cidade dereferência. O gabinete da

UNESCO no Peru reconhecendoo singular esforço, outorgou aMedalha Fellini em 2003 aopróprio festival, normalmentereservada a filmes.

Em segundo lugar, vindo deuma universidade, é um eventocuja preocupação é convocar odebate entre a crítica, osprofissionais da comunicação e oscineastas convidados. Para citarum exemplo: os «conservatórios»e seminários temáticos são pre-feridos às conferencias deimprensa. Não obstante, contra-riando a esse zelo universitário,a equipe do diretor e teatrólogoEdgar Saba, só recebeu nasprimeiras edições o premio dopúblico. Logo depois, sob pressãoda imprensa foram incorporadosprofissionais no júri. Atualmenteo público e os críticos são os quedecidem a quem dar os prêmioseconômicos.

As cifras oficiais - 32,000assistentes, 60 filmes e 60 convi-

dados estrangeiros - não revelamo impacto cultural e comercial deum festival como o cinema. Abilheteria não é maior que a deuma estréia comercial conven-cional, mas, se tomarmos emconta o aumento de estréias lati-nas desde o ano 2000, sobre asproduções norte-americanasmuito exibidas no Peru (entre1992 e 1997 houve somente 8estréias latinas, de 1998 a 2002com o festival houve 38lançamentos, sem contar os filmesperuanos, como afirma a diretoraexecutiva Alicia Morales). Seanalisamos a popularidade obtidano mercado local, figuras comoFederico Luppi, Arturo Ripsteinou Adolfo Austarain, é possívelentendermos o entusiasmo deelcine.

(Fernando Vivas)

UM ESPAÇO PARA A SÉTIMA ARTEVII Encontro de Cinema

Ver também www.cultural.pucp.edu.pe [email protected]

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ABELARDO VÁSQUEZ - OGRANDE ABELARDOVÁSQUEZ (POTROLILAPRODUÇÕES, LIMA, 2003)

Abelardo Vásquez foi umaautêntica lenda da música popu-lar da costa peruana: um dosgrandes mestres da marinheiralimenha, profeta do canto alegree do festejo. Vásquez foi dignoherdeiro de uma linguagem mu-

sical que se remonta às própriasorigens da simbiose rítmica en-tre a África e o Peru. Seu pai,Porfírio Vásquez, é consideradopor muita gente como o criadordo festejo, um dos estilos de can-to e baile populares mais difun-didos entre a população afro-pe-ruana. Ao ouvir esse disco, quereune a «grandeza» aludida nosubtítulo, não é hiperbólica: acontribuição de Vásquez à músi-ca popular afro-peruana é,simplesmente, incalculável.

IQARO – CANTOSHAMÂNICO(INDEPENDENTE, LIMA, 2003)NAMPAG – CANÇÕESAGUARUNAS(INDEPENDENTE, LIMA, 2003)

Tito La Rosa, um músico deamplia trajetória que se destacoupelo esforço de resgatar e reva-lorizar os instrumentos e sons na-tivos do Peru, explora aqui oscantos rituais conhecidos como«ícaros», espécies de mantras queos curandeiros entoam quando,em transe, dirigem as sessões nasque se consome uma planta

alucinógena da selva peruanachamada «ayahuasca». Para isso,La Rosa armou um singular con-junto de músicos procedentes dediferentes tradições, como o rocke o jazz e que inclui também ummestre nativo. O disco do grupoaguaruna e huambisa Nampag;originário de Santa Maria deNeiva, tem o espírito das deno-minadas «field recordings»(«gravações do campo»): músicaprimitiva em estado puro, regis-trada tal qual continua seexecutando nas profundezas daAmazônia peruana.

JOSÉ SOSAYA WEKSELMAN– EXPOSIÇÃO(INDEPENDENTE, LIMA, 2003)

Sosaya, mestre doConservatório nacional, prove-niente do fértil canteiro da mú-sica clássica e que incursiona comesse trabalho num territóriopouco visitado pelos músicos pe-ruanos: a música concreta e aeletro-acústica, também rotula-da pomposamente de «músicaeletrônica culta». Com esse dis-co, Sosaya demonstra que figu-

ras como Karl Heinz Stochausene Jonh Cage também tem segui-dores no Peru.

DINA PÁUCAR – ÊXITOS DEOURO (PRODUÇÕES DA-NNY, LIMA, 2003)

De tempos em tempos,migrantes e habitantes do inte-rior do Peru elegem uma novasuper estrela e a consagram noseu firmamento musical. Anterior-mente foi Rossy War, muitos anosatrás Lorenzo «Chacalón»Palácios: figuras que, de algummodo, serviam para concentrar eprojetar os anelos, frustrações emelancolias dos migrantes, queconfiguram atualmente aprimeira força econômica e socialdo país. De maneira diferente dosartistas que mesclavam os sonsdos Andes ou da selva com ele-mentos intrinsecamente urbanos(rock, cumbia, salsa), DinaPáucar, conhecida por seusmilhares de fãs como «a FormosaDeusa do Amor», apela a umaforma muito mais tradicional, ohuayno, para criar suas cançõescarregadas de nostalgia e de em-briaguez. (Raúl Cachay)

SONS DO PERU

COMISSÃO DE CONSULTADE CULTURA

No dia 19 de agosto passadofoi instalada a Comissão de Con-sulta de Cultura do Ministério deRelações Exteriores, responsávelde avaliar os Planos Anuais dePolítica Cultural Exterior eassessorar a Chancelaria nos te-mas que lhe competem. EstaComissão ad-honorem é presidi-da por Fernando de Szyslo, temcomo vice-presidente a Fernan-do Cabieses e está integrada porWalter Alva, Susana Baca, Ricar-do Bedoya, Antonio Cisneros, JoséA. de la Puente, Elvira de laPuente, Francesca Denegri, MaxHernández, Hugo Neira, LuisPeirano, Bernardo Roca Rey,Alonso Ruiz Rosas, Mario VargasLlosa, Raúl Vargas e Jorge

Villacorta. Também a integram oDiretor Nacional do InstitutoNacional de Cultura, LuisGuillermo Lumbreras; o Presiden-te do Conselho Nacional deCiência e Tecnologia, BenjamínMarticorena e José AntonioOlaechea, pelos organizadores doPatronato Empresarial dePromoção da Cultura do Peru noExterior.

CONVÊNIO RREE –CONCYTEC

No dia 9 de setembropassado, o Ministério de RelaçõesExteriores e o Conselho Nacio-nal de Ciência e Tecnologiaassinaram um importanteconvênio de cooperação graçasao qual, a Chancelaria, com aAgência Peruana de Cooperação

Internacional, identificará asfontes internacionais que possamcontribuir ao desenvolvimentodos conhecimentos eimplementação das respectivaspolíticas e planos nacionais, alémde projetar as principaisexpressões nacionais nesse cam-po no marco do Plano de PolíticaCultural do Peru no Exterior. OCONCYTEC, de sua parte,manterá informado o Ministériode Relações Exteriores da políti-ca nacional de promoção daciência e da tecnologia, e sobreos organismos públicos e univer-sidades que desenvolvam progra-mas de investigação nessas áreas,incluindo as facilidades quepossam oferecer para estimular ointercâmbio científico e o even-tual retorno de talentos.

AGENDA CHASQUIEl correo del PerúBoletín cultural

MINISTERIO DE RELACIONESEXTERIORES

Subsecretaría de Política Cultural ExteriorJr. Ucayali 363 - Lima , Perú.

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50 AÑOS PRODUCIENDO COBRE PARA EL MUNDO Y PRESERVANDO EL LEGADO HISTÓRICO DEL

PERÚ AL AUSPICIAR EL MUSEO CONTISUYO-MOQUEGUA.

PETRÓLEOS DEL PERÚ AL SERVICIO DE LA CULTURA

G. P

erez

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etas

CHASQUI 12

o ano de 1987 com umapequena equipe de

arqueólogos peruanos, depois de umadramática intervenção, logramos salvardo saque e da destruição a primeiratumba intacta de um Governador doantigo Peru. O descobrimento da cha-mada «Tumba do Senhor de Sipán»despertou imediatamente o interesseda imprensa mundial que seguiu deperto, durante um ano, as investigaçõesarqueológicas tidas como um dos gran-des sucessos do século XX, comparan-do-a com a Tumba de Tutankamon, aTumba do Rei Maya de Pacal, e odescobrimento de Machu Pichu.

A responsabilidade imediata denossa equipe foi a conservação erestauração dos objetos em risco dedestruição, assumidas graças àcolaboração do governo alemão quepermitiu contar com o primeirolaboratório de conservação de metaisda América do Sul. A importância dodescobrimento e a expectativa quedespertou no Peru e na comunidadeinternacional nos obrigavam a projetarum museu próprio, a médio prazo. Nossapequena equipe concentrou seusesforços, então, em desenvolver umacuidadosa estratégia que, vencendoinumeráveis obstáculos e dificuldades,conseguiu captar recursos deexposições internacionais, apoio doFundo Contravalor Peru - Suíça e fi-nalmente do governo peruano para ter-minar o atual Museu Tumbas Reais,inaugurado no dia 8 de novembro doano passado em Lambayeque. Nessaverdadeira cruzada, contamos com ogeneroso apoio de Celso Prado para oprojeto arquitetônico do edifício.

Sipán permitiu atrair a atenção domundo para o mistério das antigas cul-turas do Peru. Os Mochicas passaramassim a ocupar um dos tronos das cul-turas clássicas da América, junto aosMayas, Aztecas e Incas. Do mesmomodo, a investigação arqueológica pe-ruana se reativou com novasinvestigações a tal ponto que hoje já sefala de uma «mochicologia».

O MUSEUO visitante do «Museu Tumbas

Reais de Sipán» encontrará a fortepresença de um edifício inspirado nosantigos santuários piramidais mochicas.

Subindo por uma longa rampa queobriga a um trânsito cerimonial,ingressará ao mundo dos mochicas, pre-cedido por uma impactante projeçãoanimada que reproduz o desfile do«senhor de Sipán» e seu séquito há1.700 anos. No terceiro andar, poderáconhecer os aspectos mais importantesdessa cultura, seu território, evolução,organização social, agricultura e seusprodutos, a metalurgia, seus mais im-portantes monumentos assim como aapresentação do Santuário de Sipán.Um segundo tema é o mundo espiri-tual dos mochicas, seus deuses econceitos de vida, da concepção àmorte, além de sua cosmovisão.

Descendo ao segundo andar,depois de uma introdução didática so-bre as escavações, se apresenta passo apasso o descobrimento da tumba do«Senhor de Sipán», desde os depósitosde oferendas e o encontro do guardiãoda tumba, até a develação da câmarafunerária com seu extraordinárioconteúdo. As jóias reais e as insígniasde mando são expostas em espaçosespeciais com iluminação específicaque causam a sensação de que os orna-mentos flutuassem no espaço, numadramática atmosfera de penumbra. Ocentro desse andar está ocupado poruma exata reprodução da câmarafunerária com o ataúde do «Senhor de

Sipán», oferendas e acompanhantes, talcomo se encontrou no momento quefoi descoberta. Em seguida há um re-cinto destinado à tumba do sacerdotee de seus ornamentos. Descendo aoprimeiro andar, no lugar mais profundoda sala, repousam os restos ósseosoriginais do «Senhor de Sipán»,respeitosamente acondicionados e queevidenciam o caráter de Museu -Mausoléu, destinado aos governantesmochicas. No centro da sala, o visitan-te terá ao nível de seus olhos o conteúdoda câmara funerária que observou nosegundo andar. Há outra seção desti-nada a tumbas de diferentes épocas ehierarquias, como chefes militares ouassistentes religiosos que formavam par-te da elite mochica.

O espaço mais amplo está destina-do à tumba do «Velho Senhor de Sipán»,o mais antigo governante encontrado,cujos ornamentos e insígnias são de si-milar suntuosidade e qualidade que asdo primeiro «Senhor» descoberto, dequem seria o antecessor em duasgerações, talvez. Desde develado nossurpreendeu a complexidade esimbolismo de cada uma de suas jóias eornamentos reais como o extraordináriocolar de dez imagens de aranhas deouro, a delicadeza da narigueira de ouroe prata que representaria a imagem do«Senhor» em miniatura, com umaimpressionante coifa em forma decoruja com as asas abertas. As imagensreligiosas representando ao deuscaranguejo, um felino antropomorfocoroado de serpentes, impactam aqualquer visitante assim como umpeitoral representando os tentáculos deum polvo. Em um lugar central e espe-cial se guardam também os restos desseilustre governante.

Quando o visitante pensa terconcluído sua visita, uma porta se abri-rá ao passado que o levará à «Casa Realdo Senhor de Sipán», uma vívidareprodução, onde manequins de 35personagens, com ambientação de luz,música de instrumentos nativos emovimento, o transportarão à épocaesplendorosa da corte real mochica.

TUMBAS REAIS DE SIPÁN

UM MUSEU PARA O MUNDOWalter Alva

O Museu Tumbas Reais de Sipán abre suas portas ao mundo para difundir a magia e o esplendor da cultu-ra Mochica. Suas características arquitetônicas e qualidade museográfica mereceram importantes elogios e

o reconhecimento de ter se convertido em um dos museus mais importantes da América.

N

Cortesia da Revista Bienvenida / TurismoCultural do Peru / www.bienvenidaperu.com

Homem-caranguejo, cobre dourado.

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