CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla...

125
CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO Programa de Pós Graduação Mestrado em Educação O XADREZ PEDAGÓGICO E O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO CRÍTICO VALÉRIA MASTROGIUSEPPE MORAES AMERICANA 2014

Transcript of CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla...

Page 1: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

Programa de Pós Graduação

Mestrado em Educação

O XADREZ PEDAGÓGICO E O DESENVOLVIMENTO DO

PENSAMENTO CRÍTICO

VALÉRIA MASTROGIUSEPPE MORAES

AMERICANA

2014

Page 2: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

VALÉRIA MASTROGIUSEPPE MORAES

O XADREZ PEDAGÓGICO E O DESENVOLVIMENTO DO

PENSAMENTO CRÍTICO

Dissertação de Mestrado apresentada à

Coordenação do Programa de Mestrado em

Educação do Centro Universitário Salesiano,

como exigência parcial para a obtenção do grau

de Mestre em Educação sob a orientação do

Professor Dr. Francisco Evangelista.

AMERICANA

2014

Page 3: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319

UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São Paulo – Americana-SP

Moraes, Valéria Mastrogiuseppe. M824x O xadrez pedagógico e o desenvolvimento do pensamento crítico.– Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2014. 125f.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro

Universitário Salesiano - UNISAL / SP.·. Orientador (a): Prof. Dr. Francisco Evangelista Inclui Bibliografia.

1. Pensamento Crítico. 2. Xadrez Pedagógico. I. Título. II. Autor CDD 370.115

Page 4: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

Autor: Valéria Mastrogiuseppe Moraes

Título: O xadrez pedagógico e o desenvolvimento do pensamento crítico.

Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação, do curso de Mestrado em Educação na Instituição Centro Universitário Salesiano de São Paulo.

Trabalho de Conclusão de Curso defendido e aprovado em 24/02/2014, pela

comissão julgadora:

_____________________________________________ Prof. Dr. Francisco Evangelista – UNISAL – Orientador ________________________________________________________ Profa. Dra. Sueli Maria Pessagno Caro – UNISAL – Membro Interno _____________________________________________________ Prof. Dr. Cássio Donizete Marques – CEUNSP – Membro Externo

Americana 2014

Page 5: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

DEDICATÓRIA

Aos meus pais Aléssio e Laura, com

todo o meu amor, a quem agradeço todas as

noites a minha existência e tudo o que

fizeram por mim ao longo da minha vida.

.

Page 6: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

AGRADECIMENTOS

Quero agradecer, em primeiro lugar, a Deus, pela força e coragem durante esta

caminhada.

Ao meu esposo Pedro e toda a minha família que com muito carinho e apoio,

contribuíram para que eu chegasse até esta etapa da minha vida, compreendendo a

minha ausência, mesmo em momentos especiais.

Á minha filha Beatriz, que iluminou de maneira especial o meu pensamento, me

levando a buscar mais conhecimento.

Ao professor e orientador Francisco Evangelista, por toda dedicação, compreensão

e amizade, me fazendo acreditar que posso mais do que imagino.

À professora Sueli e ao professor Cássio, pelos ensinamentos, paciência e

confiança ao longo dessa caminhada. É um prazer tê-los em minha banca

examinadora.

Aos meus companheiros de Mestrado, Ricardo, Amanda, Palmieri e Walquíria, pelos

momentos vividos juntos, tornando mais leve o percurso. Foi muito bom contar com

vocês!

A todos que de alguma forma passaram pela minha vida e contribuíram para a

construção do que sou e conquisto hoje.

Meu muito obrigada !

Valéria Mastrogiuseppe Moraes

Page 7: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

RESUMO

O desenvolvimento do pensamento crítico é uma necessidade para fazer pensar

de forma mais questionadora acerca, não só dos conteúdos das diferentes

disciplinas, mas também dos acontecimentos da vida, do nosso cotidiano, tornando-

nos mais argumentativos com base em critérios e em princípios logicamente

validados. Ocorre que, em muitas escolas, o desenvolvimento do pensamento crítico

continua sendo um “bicho de sete cabeças”. Regras e técnicas operatórias, assim

como um vocabulário bastante específico, são apresentados muito cedo às crianças,

ocupando o lugar que poderia e deveria ser dedicado ao desenvolvimento do

pensamento, e ao prazer da aprendizagem. Sabe-se que, historicamente, a criança

gosta de brincar. Assim sendo, jogos e brincadeiras mostram-se como um recurso

pedagógico de alta qualidade, podendo auxiliar na construção do conhecimento

através da diversão que proporciona. Este trabalho pretende, através do conceito de

educação sociocomunitária, discutir o desenvolvimento do pensamento crítico num

viés lúdico, em especial através do jogo de xadrez, na medida em que expõe o aluno

a circunstâncias em que precisa efetivamente olhar, ponderar e compreender a

realidade dos fatos, vivenciando a riqueza das experiências de flexibilidade e

reversibilidade de pensamentos e atitudes, essenciais na formação do aluno

cidadão, uma vez que desenvolve posturas que transcendem os muros da escola e

reverberam na sua atuação para com a comunidade. Dentre as várias áreas do

conhecimento humano, o embasamento teórico deste se deu nas obras de Vigotski,

Piaget e Wallon, teóricos do desenvolvimento humano, cujos estudos nos permitem

aprofundar e entender a importância do uso de jogos educativos como elementos

constitutivos do processo de ensino e aprendizagem.

Palavras- Chave: Pensamento crítico. Educação Sociocomunitária. Lúdico. Xadrez.

Page 8: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

ABSTRACT

The development of critical thinking is a need to think more questioningly about, not

only the contents of different disciplines but also of the life events of our daily lives,

making us more argumentative based on criteria and principles logically validated. It

happens that in many schools the development of critical thinking remains a "big

deal". Rules and surgical techniques, as well as a very specific vocabulary are

presented very early to children, taking the place of what could and should be

devoted to the development of thinking, and the enjoyment of learning. We know that

historically the child likes to play. Therefore, games and activities are shown as a

pedagogical high quality resource to assist in the construction of knowledge through

the fun it provides. This work intends, through the concept of socio-communitarian

education discuss the development of critical thinking in a playful bias, in particular

through the game of chess, in that it exposes students to circumstances that they

need to effectively look, ponder and understand the reality of facts, experiencing the

richness of the experiences of flexibility and reversibility of thoughts and attitudes

essential in the formation of the student citizen, as it develops attitudes that

transcend the school walls and reverberate in his performance to the community.

Among the various areas of human knowledge, the theoretical basis of this occurred

in the works of Vigotski, Piaget and Wallon, theorists of human development whose

studies allow us to deepen and understand the importance of using educational

games as constitutive elements of the teaching process and learning.

Keywords: Critical Thinking. Socio-communitarian education. Playful. Chess.

Page 9: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................... 15

CAPÍTULO 1 – Pensamento crítico ........................................................... 21

1.1 Panorama histórico .................................................................................... 21

1.2 Pensamento crítico reflexivo ...................................................................... 23

1.3 Pensamento crítico e o processo educacional .......................................... 24

CAPÍTULO 2 – A criança : um ser em transformação .......................... 29

2.1 Concepções de desenvolvimento .............................................................. 29

2.2 Etapas do desenvolvimento cognitivo ........................................................ 35

2.3 O desenvolvimento afetivo ......................................................................... 39

CAPÍTULO 3 – O Lúdico nos processos de ensino aprendizagem ... 41

3.1 A relevância do brincar .............................................................................. 41

3.2 O brinquedo e a formação do pensar ........................................................ 44

3.3 O educador e o lúdico ................................................................................ 47

CAPÍTULO 4 – O Jogo de xadrez e o desenvolvimento do

pensamento crítico ......................................................... 51

4.1 O jogo de xadrez ........................................................................................ 51

4.1.1O jogo ...................................................................................................... 51

4.1.2O jogo através dos tempos ...................................................................... 52

4.1.3O jogo de xadrez: panorama histórico ..................................................... 54

4.1.4O jogo de xadrez: peças e posições........................................................ 62

4.2. O jogo de xadrez e o pensamento crítico................................................... 67

4.3 O xadrez de xadrez e a escola .................................................................. 73

CAPÍTULO 5 – Relato de caso................................................................... 80

5.1 O caminho da pesquisa ............................................................................. 80

5.2 Entrevista com a professora ...................................................................... 83

5.3 Análise dos resultados ............................................................................... 88

Page 10: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 100

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 103

APÊNDICE

A- Memorial ........................................................................................................ 110

B- Autorização para pesquisa e uso de voz e imagem ...................................... 117

ANEXOS

A- Lenda do xadrez ............................................................................................ 118

Page 11: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 - Jogos de Criança .......................................................................... 41

Ilustração 2 - Meninos brincando de soldado ..................................................... 42

Ilustração 3 - Brâmane indiano ........................................................................... 56

Ilustração 4 - Egípcios jogadores de xadrez ....................................................... 57

Ilustração 5 - O jogo de xadrez .......................................................................... 58

Ilustração 6 - Tabuleiro de xadrez ...................................................................... 65

Ilustração 7 - Configuração das casas ............................................................... 65

Ilustração 8 - Movimento das peças ................................................................... 66

Ilustração 9 - Desenho de um aluno sobre a dinâmica....................................... 84

Ilustração 10 Dinâmica do xadrez gigante.......................................................... 85

Ilustração 11 Dinâmica do xadrez magnético ..................................................... 85

Ilustração 12 Dinâmica: vá para sua casa .......................................................... 93

Page 12: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - As modificações do xadrez medieval ................................................ 59

Tabela 2 - Valor das peças do xadrez ................................................................ 64

Tabela 3 - Características do xadrez e suas implicações educativas ................ 77

Tabela 4 - Distribuição das notas dos alunos do 1º semestre ............................ 94

Tabela 5 - Distribuição dos tempos da montagem do quebra cabeça ................ 96

Tabela 6 - Correlação entre os alunos ............................................................... 98

Tabela 7 - Classificação do índice de Pearson .................................................. 98

Page 13: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Distribuição dos alunos quanto ao sexo ........................................... 89

Gráfico 2 - Distribuição dos alunos quanto a idade ............................................ 89

Gráfico 3 - Distribuição dos alunos quanto ao conhecimento do xadrez ............ 90

Gráfico 4 - Distribuição dos alunos quanto a escolha da peça ........................... 91

Gráfico 5 - Peças mais reconhecidas pelos alunos ............................................ 92

Gráfico 6 - Direcionamento das crianças ao grupo das peças ........................... 93

Gráfico 7 - Média bimestral dos alunos .............................................................. 95

Gráfico 8 - Tempo dos alunos ............................................................................ 96

Page 14: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

“Esse é o problema: opor à crença de que se é

pequeno, diante da enormidade do processo

globalitário, a certeza de que podemos produzir as

ideias que permitam mudar o mundo.”

Milton Santos

Page 15: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

15

INTRODUÇÃO

O momento em que se vive privilegia a fragmentação do saber o que limita o

entendimento da realidade. Parece que um dos grandes problemas da atualidade é

a visão quase que parcial que se tem das coisas à nossa volta. Isso ocorre

normalmente porque se valoriza a especialização, o que limita também a visão de

mundo.

Nesse sentido, a educação, precisa adotar uma nova postura, buscar um

novo paradigma que substitua o já desgastado ensino-aprendizagem, baseado

numa relação obsoleta de causa-efeito direta, e formar alunos dentro de uma

filosofia integral, ou seja, conhecendo o movimento da vida como uma coisa só, não

estática, sempre dinâmica e não como fragmentos, retratando todas as faces do ser

humano, fisiologicamente e psicologicamente. Esse ser humano não pode ser

compreendido a partir de uma parte de seu comportamento, de uma posição social,

de uma situação étnica, de uma postura ideológica. Ele é tudo isso e muito mais,

mais do que os sentidos e a mente limitada pela fragmentação e pela especialização

podem perceber.

Cada vez mais, exige-se seguir uma profissão, pensar dentro de uma

metodologia, de regras, de dogmas e paradigmas, que acaba sendo o mundo do

qual se faz parte, cercado pelas muralhas do saber e de onde o desconhecido se

teme. Essa visão parcial limita o pensar, limita as ações diante dos problemas, cria

um indivíduo temeroso de tudo o que foge da sua área de atuação, inseguro diante

de qualquer situação que fuja ao seu controle, dentro dos limites do seu saber,

criando assim um distanciamento natural entre ele e o resto do mundo e dependente

de outros para guiar seus passos fora daquilo que conhece.

Considerar que outras possibilidades existem resulta num indivíduo

questionador, que não aceita o que lhe é imposto, que analisa antes de concluir, que

sabe que uma questão tem várias soluções, e muitos caminhos e veredas a se

percorrer para se chegar a elas, e nem sempre a mais fácil é a melhor escolha.

Enxergar o todo, ter uma visão mais ampla da situação, perceber os

participantes a sua volta, suas relações de causa e efeito, permitem avaliar melhor o

problema e suas possíveis soluções.

Um pensamento voltado para a análise de argumentos, na avaliação de

Page 16: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

16

hipóteses e explanações, ou seja, um pensamento racional, reflexivo e focado no

decidir em que acreditar ou no que fazer, um pensamento crítico. Esse tipo de

pensamento mostra-se crucial para a autonomia, para fomentar a responsabilidade

social, para a formação de sujeitos que compreendam o mundo e o transforme, e

que os tornem cidadãos.

”Cidadania é o direito de ter uma ideia e poder expressá-la”

(DIMENSTEIN,1993). A ideia de cidadania está presente no ensino fundamental,

que traz como objetivo indicado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) :

...compreender a cidadania como participação social e política, assim como exemplo de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito. (PCN, 1997, v.1,p. 107)

Diante do exposto, urge a necessidade de cidadãos em busca de uma

sociedade igualitária com direitos e deveres respeitados, articulando-se para mudar

sua realidade social, sua comunidade e a sociedade em que estão inseridos.

Entende-se que, as atividades entendidas como instrução, orientação ou ainda de

formação executadas entre os membros de uma comunidade com o objetivo do

aprimoramento e desenvolvimento seja ele pessoal ou profissionalizante num

referido espaço de convivência, pode ser chamado de educação sociocomunitária.

Assim sendo, a necessidade de enfocar a importância de uma educação

voltada não apenas para a memorização, mas também para a formação da pessoa,

não apenas a parte cognitiva, mas também a parte afetiva, e ainda, não apenas

aqueles que reproduzem as informações, mas aqueles que têm a capacidade de

pensar, trabalhar em grupos e principalmente criticar, são atitudes práticas de

educação sociocomunitária.

Escolas consideradas de qualidade ainda centram a aprendizagem no

racional, no aspecto cognitivo do desenvolvimento intelectual, pautando seus

métodos e práticas na repetição e memorização, preparando o estudante para a

próxima série, para o exame vestibular. Curry (2003) afirma que: “há muitas escolas

que só se preocupam em preparar os alunos para entrar nas melhores faculdades.

Elas erram por se focarem apenas neste objetivo. Mesmo que entrem nas melhores

escolas, quando saírem, esses alunos poderão ter enormes dificuldades para dar

solução a seus desafios profissionais e pessoais”.

Page 17: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

17

Curry, evidencia ainda, a importância de que os alunos sejam preparados,

não somente para o futuro, mas também para a vida. Sendo assim, para manter o

equilíbrio com seu mundo, a escola necessita instrumentalizar os alunos para que

consigam, dentro do espaço acadêmico, brincar, jogar, criar e inventar.

No passado, a educação valorizava a disciplina e a obediência como elementos essenciais para possibilitar a preparação para a vida adulta. Nos dias de hoje a sociedade moderna valoriza a criatividade, a iniciativa e o senso crítico, e a escola precisa preparar seus alunos de forma a despertar esses potenciais. Daí a crescente importância do uso do lúdico no processo educacional [...] (DOHME, 2003, p.13).

Desta forma, os processos de aprendizagem que envolvem atividades

lúdicas, precisam ser discutidos como propostas educativas, pois além de trazer

uma grande contribuição no aspecto cognitivo, é um fator de desenvolvimento social,

pois sem que se perceba, o aluno estabelece decisões, vence desafios , aprende a

lidar com as frustrações e descobre outras formas de interagir com o outro e com o

mundo.

As atividades lúdicas ajudam os alunos a se desenvolverem em diferentes

aspectos, como por exemplo, os jogos didáticos, que “são de uma significação

subsidiária, suplementar” ( Vigotski, 1988 apud LEONTIEV 1998), de exercício ou de

construção, onde o aluno atua com o corpo; e os jogos ditos intelectuais que

exercem o pensar , a reflexão e a concentração. Dentre os jogos intelectuais, o que

mais enaltece e estimula o pensamento crítico, é o jogo de xadrez, com suas

inúmeras situações e possibilidades que se apresentam a cada momento,

provocando um novo pensar, um novo olhar e as possibilidades de solução, onde a

partir do todo, se chega à parte, desenvolvendo a capacidade de antecipar situações

possíveis de gerar problemas, não apenas de natureza lógica, mas de qualquer

natureza. E este é o tema desse trabalho.

Assim, esta pesquisa justifica-se na medida em que busca responder a uma

série de questionamentos que vimos fazendo enquanto educadores, entre eles,

como fazer com que nossos alunos sejam cidadãos mais críticos, reflexivos e

participativos na sociedade? O desenvolvimento do pensamento crítico através de

uma forma lúdica e mais sedutora, seria uma ferramenta didática a ser utilizada?

Face a estas perguntas, o foco dessa dissertação se centrou na análise de

um Projeto Pedagógico que utiliza como metodologia o lúdico no desenvolvimento

Page 18: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

18

de conhecimentos e do pensamento crítico, em específico o jogo de xadrez. A

escola estudada é mantida pela indústria e o comércio, e seus alunos são filhos de

seus trabalhadores, que muito se esforçaram para conseguir uma vaga na rede da

cidade.

Buscando embasamento teórico nas obras de autores como, Piaget, Vigotski

e Wallon, , discutiu-se o universo da criança e como se dá o processo de ensino

aprendizagem através do lúdico. Baseado nas palavras de Vigotski (1989), que diz

“através do jogo o indivíduo aprende a agir, raciocinar, sua curiosidade é estimulada,

adquire iniciativa e autoconfiança, proporciona o desenvolvimento da linguagem,

pensamento e concentração“, o xadrez, seria o jogo capaz de desenvolver a maioria

dessas habilidades?

Fruto dessas indagações, a intenção deste trabalho, é a de defender a

utilização do jogo de xadrez como ferramenta pedagógica com o intuito de

desenvolver o pensamento crítico pelas escolas em geral.

Em termos de estrutura, o trabalho está organizado em quatro capítulos:

O primeiro capítulo , buscou elaborar uma síntese da origem do pensamento

crítico, conceituando-o, ressaltando a importância do pensamento crítico reflexivo na

tomada de decisões e sua aplicabilidade no processo educacional, quanto facilitador

na compreensão das diversas áreas do conhecimento.

Intitulado “A criança : um ser em transformação”, o segundo capítulo tem por

objetivo compreender as concepções de desenvolvimento da criança e suas

correntes teóricas, seu crescimento e desenvolvimento e a interação do biológico

com o psicológico e o social, orientado pelos trabalhos de teóricos do

desenvolvimento humano: Piaget, Vigotski e Wallon. O capítulo trabalha ainda, o

desenvolvimento cognitivo e afetivo, como a emoção, a sensação, a percepção e a

imaginação, imprescindíveis para a motivação do aprender. A opção pelos teóricos

aqui mencionados se deu em virtude dos três pensadores contribuírem para oferecer

uma visão mais ampla da formação da criança, seja no biológico, no social e no

sujeito desejante.

No terceiro capítulo, cujo título é “O lúdico nos processos de ensino e

aprendizagem”, pretende-se discutir a importância da ludicidade na infância e seu

valor no desenvolvimento e no processo de ensino aprendizagem, uma vez que

potencializa a interação social, permitindo um crescimento global e uma visão de

Page 19: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

19

mundo mais realista através das suas descobertas e do desenvolvimento da

criatividade.

O quarto capítulo, discorre sobre o xadrez, de onde se inicia com um

panorama histórico, a identificação de suas peças, bem como a sua movimentação e

regras. Intitulado “O jogo de xadrez e o desenvolvimento do pensamento crítico”,

trabalha ainda a relação do xadrez com o pensamento crítico e o xadrez nas

escolas, seus métodos e aplicações.

O quinto e último capítulo, intitulado “O caminho da pesquisa”, apresenta a

metodologia aplicada, bem como os gráficos e tabelas referentes ao trabalho de

campo com as respectivas análises que objetiva esta pesquisa.

Quanto à metodologia utilizada, esta pesquisa caracteriza-se como um estudo

qualitativo no campo da educação, com ênfase no estudo de caso, com registros de

um caso particular através de relatos de uma experiência ( CHIZZOTTI, 2010).

De acordo com Minayo (1994), método de pesquisa é o “caminho do

pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade, (…) inclui as

concepções teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a

construção da realidade o sopro divino do potencial criativo do investigador”.

Nesse sentido, investigar se o jogo de xadrez influencia no desenvolvimento

do pensamento criativo, suscita a necessidade de utilizar um método de pesquisa

que torne possível a investigação de novos questionamentos no contexto onde eles

se originaram.

Acredita-se que a pesquisa qualitativa contempla a proposta do presente

trabalho investigativo, mas cabe ressaltar, que este tipo de abordagem qualitativa

não desconsidera a dimensão quantitativa presente nos dados, uma vez que

quantitativa e qualitativa não se opõem, mas se complementam.” (MINAYO, 1994)

No intuito de ampliar as discussões levantadas no estudo em questão, optou-

se por realizar uma pesquisa de campo, para aprofundar a discussão sobre o xadrez

pedagógico. Como instrumento de pesquisa, fez-se uso do estudo de caso e como

subsídio, coleta de dados, questionário e entrevista não diretiva, na intenção de

refletir sobre práticas pedagógicas como forma de incentivar o pensamento critico

através da ludicidade, em especial, o jogo de xadrez.

No cenário desta pesquisa, o estudo de caso escolhido foi desencadeado

pelo interesse em conhecer o trabalho inovador de uma professora da rede já

mencionada.

Page 20: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

20

Como sujeitos do estudo, foi utilizada a população da classe do primeiro ano

de uma escola da região de Sorocaba, São Paulo, composta por 30 alunos e a

respectiva professora, através de uma entrevista não diretiva, que utilizou como

instrumento para aferir as habilidades cognitivas um material lúdico muito conhecido

dos alunos, o “quebra cabeça”, averiguando variáveis quantitativas e qualitativas

antes e depois da intervenção do uso do xadrez.

Os dados quantitativos foram analisados através da estatística descritiva dos

resultados obtidos (representações gráficas e comparativos entre médias e

percentuais), e os qualitativos (pesquisa avaliativa), através da coleta do

depoimento/impressões da professora.

Page 21: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

21

CAPÍTULO 1 – PENSAMENTO CRÍTICO

1.1 Perspectiva histórica

O pensamento, afirmava Aristóteles, é o que nos diferencia dos outros

animais, por isso, ele definia o homem como um “animal racional”, sendo a

racionalidade uma manifestação do pensamento. Mas para que haja o

desenvolvimento dessa capacidade é preciso treinamento, algo que a educação

formal ao longo da história assumiu como responsabilidade .

Sócrates, na Grécia Antiga, acreditava na importância de se questionar

argumentos e ideias antes de aceitá-los como verdades. Considerava importante a

análise de hipóteses e a busca por evidências, dando início ao que hoje chamamos

de pensamento crítico.

O raciocínio, por sua vez, pode ser considerado como o momento de

amadurecimento do pensamento, no qual há um processo em que os

conhecimentos são adquiridos podendo então se chegar a novos conhecimentos,

como um encadeamento de vários conceitos. O raciocínio é então, a capacidade de

encaminhar encadeamentos conceituais na ou para a formação de novos

conhecimentos ou mesmo para a compreensão de conhecimentos já existentes.

Por sua vez, o pensamento crítico é mais do que a capacidade de pensar, é

controlar o que se pensa, compreender e respeitar pontos de vista de outros e

analisar argumentos. Segundo Theobaldo (2005), o pensamento crítico é a

substituição das conexões imediatas e superficiais por relações complexas, que

passam a contar com o auxílio de habilidades cognitivas na sua construção. Saber

utilizá-las é saber construir pensamentos mais consistentes.

Na segunda década do século XX intelectuais como Horkheimer, Adorno e

Marcuse criaram a Escola de Frankfurt1 com o intuito de estudar e questionar os

problemas do movimento operário da época, por conseguinte, surgindo a

necessidade de enfatizar o pensamento crítico, considerado por eles como forte

1 A escola de Frankfurt nasceu no ano de 1924, reunindo em torno de si, um circulo de filósofos e cientistas sociais que cultivavam a conhecida Teoria Crítica da Sociedade e buscavam diante de um pessimismo metafísico, redefinir a razão e, por meio da imaginação estética, reencantar o mundo despoetizado da técnica (MATOS,1993)

Page 22: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

22

elemento característico da luta pela emancipação humana, como informa Santana (

2011).

Igualmente durante o século XX, houve o desenvolvimento do pensamento

crítico latino-americano a partir da reinterpretação da história latino-americana por

alguns intelectuais, dentre eles José Carlos Mariátegui, os quais reescreveram a

história dos países em questão de forma original e inovadora.

O pensamento crítico vem como forma de questionamento à opressão social,

à opressão racial e a dependência dos países do subcontinente. Assim sendo, é

considerado um conceito moderno, criado em nome de valores como a verdade e a

justiça.

Edelberto Torres-Rivas2 resume de maneira simples a concepção de

pensamento crítico no contexto latino-americano3:

Por ‘pensamento crítico’, entendo os momentos da consciência social latino-americana que respaldam uma vontade de transformação social, que estimulam a crítica radical da ordem capitalista, abrindo possibilidades para uma superação das relações de exploração e subalternidade existentes.

Ainda , neste sentido, Carmen Miró 4 , demógrafa panamenha, afirma que:

A expressão “pensamento crítico” foi utilizada em meios acadêmicos latino-americanos para designar, em termos gerais, as correntes de opinião que diferem do chamado “pensamento único” neoliberal, do marxismo-leninismo do terceiro quarto do século XX e do pensamento liberal-desenvolvimentista dominante em nossas sociedades entre as décadas de 1950 e 1970, cujos remanescentes mantêm uma importante presença inercial nos âmbitos institucional e acadêmico, e na linguagem da vida cotidiana.

2 Edelberto Torres Rivas: sociólogo gualtamalteco, doutor em desenvolvimento pela

universidade de Essex, Inglaterra. Organizador e primeiro diretor do Conselho Superior Universitário

Centro Americano(CSUCA) de São José da Costa Rica .Disponível em:

<http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/secret/CyE/CyE2/02dial.pdf>. Acesso em: 22 dez. 2013.

3 Os Cadernos de Pensamento Crítico Latino-Americano constituem uma iniciativa do

Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO) para a divulgação de alguns dos principais autores do pensamento social crítico da América Latina e do Caribe. CLACSO é uma rede de 300 instituições, que realizam atividades de pesquisa, docência e formação no campo das ciências sociais (www.clacso.org).FLACSO é um organismo internacional, intergovernamental, autônomo, fundado em 1957, pela Unesco. (www.flacso.org.br). Disponível em: <http://www.flacso.org.br/portal/pdf/pensamentocritico/XIXcadernopensamentocritico.pdf>. Acesso em: 23 dez. 2013.

4 Carmem A. Miró, diretora do Centro latino-americano de demografia (CELADE), Santiago do

Chile. Em 1982, recebeu o prêmio mundial de população das Nações Unidas. Disponível em:

<http://www.redalyc.org/pdf/112/11203602.pdf>. Acesso em: 22 dez. 2013.

Page 23: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

23

O pensamento crítico, por sua vez, surgiu para divergir das ideias já

existentes, como o pensamento paleo-marxista que acreditava que as ideias da

classe dominante eram as ideias que dominavam e do pensamento liberal-

desenvolvimentista, que acredita que o pensamento se resume às esferas da

universidade, do governo e da empresa privada. É então que o pensamento crítico

rompe com tudo isso, ao estabelecer que o pensamento não se resume somente a

essas esferas, mas que inclui também as culturas emergentes, nas afirmações de

Sader e Gentili (2011).

Assim sendo, o pensamento crítico é indissociável dos processos históricos e

é a partir de suas concepções que uma nova cultura política latino-americana se

formou.

1.2 Pensamento crítico reflexivo

A partir do conceito de que o pensamento é uma atividade mental – voluntária

ou não, e que, não necessariamente, refém de objetivos – pode-se dizer que o

pensamento crítico, por sua vez, caracteriza-se por ser uma atividade mental

proposital e reflexiva, a qual envolve a análise de uma ideia inicial, dos argumentos

e das evidências envolvidas. Nesse sentido, o pensamento crítico é um processo do

qual temos controle. E é meta o pensador crítico compreender os fatores envolvidos

em sua reflexão para se chegar a uma conclusão racional, uma vez que a reflexão

se caracteriza pela cuidadosa análise do assunto, não de forma superficial, mas sim

de forma a analisar seus diversos ângulos e efetuando um controle da sequência de

ideias.

Contudo, para que o pensador atinja seu objetivo, é preciso que algumas

capacidades sejam desenvolvidas, sendo necessário que o indivíduo amplie seus

horizontes a partir da observação e da análise de informações adquiridas, buscando

interagir com a realidade e tornando seu pensamento autônomo. Dessa forma, ele

estimulará seu ato reflexivo. Além disso, é preciso ter mente aberta, curiosidade e

consciência de que fatores pessoais, situacionais e hábitos podem influenciar o

pensamento crítico, saber também que resistimos as mudanças, já que gostamos de

estar com a razão. Assim sendo e, diante disso, é necessário manter uma atitude

questionadora diante de informações ou até mesmo diante de sua própria

Page 24: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

24

interpretação sobre elas, tornando-se imparcial e não se acomodando e esperando

ver apenas aquilo que é familiar. O pensador crítico também se caracteriza pela

humildade, reconhecendo que ninguém possui todas as respostas e, com isso, está

disposto a ouvir opiniões de terceiros, mesmo que sejam divergentes das suas.

Acima de tudo, é flexível, podendo mudar sua opinião inicial se considerar

pertinente.

A fim de desenvolver e/ou aperfeiçoar o pensamento crítico reflexivo, é

preciso levar em consideração a exatidão e integridade dos dados, distinguindo o

que é ou não relevante, identificando e reunindo informações pertinentes,

considerando diferentes conclusões e, por fim, avaliando e corrigindo o que for

necessário.

O pensamento crítico reflexivo é importante tanto para a vida pessoal como

para a profissional, sendo não só capaz de ajudar a questionar a realidade, buscar

por respostas , mas também a criticar tanto as próprias ideias como as ideias

alheias, identificando potenciais problemas, auxiliando a tomar decisões, dessa

forma, aumentando a probabilidade de obtermos resultados esperados.

1.3 Pensamento crítico e o processo educacional

Como dito no início do capítulo, o que diferencia o homem dos outros animais

é a sua capacidade de pensar e atuar conscientemente no mundo e com o mundo.

Portanto, não poder agir reflexivamente é o mesmo que desumanizar. Como afirmou

Sócrates diante de sua condenação à morte: “ Uma vida sem reflexão não merece

ser vivida”. Assim sendo, o pensamento crítico reflexivo se caracteriza por ser um

ato que humaniza o homem, possibilitando sua inserção na sociedade.

Para Vigotski (1999) a construção do pensamento humano realiza-se através

da inter-relação sujeito-objeto, num processo dialético. Neste caminho a ser

percorrido pela atividade do pensar, faz-se necessário um mediador que “ensine” o

melhor caminho, sendo o aprendizado o aprender por si mesmo, um auxiliado pelo

outro. Diante de ideias como essas, percebeu-se que a educação tinha grandes

possibilidades de contribuir para que o homem desenvolva o seu pensamento

crítico, fazendo-o pensar, pensar-se e pensar também a sociedade na qual está

inserido. Mas nada disso seria possível dentro da educação tradicional, na qual o

papel do professor é de simplesmente narrar seu conhecimento enquanto que o dos

Page 25: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

25

alunos é de memorizar o que lhes é passado. Cria-se ao longo do século XX então,

devido aos fatores políticos e históricos vistos anteriormente, a necessidade de uma

educação crítica-reflexiva, em que o educador instiga os alunos a conhecerem e

questionarem a realidade, aguçando sua curiosidade e capacidade crítica. Como

nos dizeres de Piaget vemos o que, segundo o autor, deveria ser o objetivo principal

da educação:

O principal objetivo da educação nas escolas deveria ser a criação de homens e mulheres que sejam capazes de realizar coisas novas e não simplesmente repetir o que outras gerações já fizeram; homens e mulheres que são criativos, inventivos e descobridores, que possam ser críticos e verificar, e não aceitar, tudo que lhes é oferecido. (PIAGET, 1973, p. 186)

John Dewey (1859-1952), filósofo americano, ressalta, que o pensamento

reflexivo na educação não se limita a um conjunto de procedimentos, mas em um

modo de enfrentar e responder aos problemas, onde é preciso que exista o desejo e

a vontade de os empregar e indica três tipos de atitudes necessárias ao ensino

crítico e reflexivo: mentalidade aberta, responsabilidade e de todo coração.

Na primeira atitude observa-se a importância de se despir de juízos e opiniões

trazidas e da busca de novos caminhos:

...a ausência de preconceitos, de parcialidades e de qualquer hábito que limite a mente e a impeça de considerar novos problemas e de assumir novas ideias e que integra um desejo ativo de escutar mais do que um lado, de acolher os fatos independentemente da sua fonte, de prestar atenção sem milindres a todas as alternativas, de reconhecer a possibilidade do erro mesmo relativamente àquilo em que mais acreditamos (DEWEY, 1933, p.39).

A segunda atitude define a responsabilidade intelectual e sua importância, :

Ser intelectualmente responsável quer dizer considerar as conseqüências de um passo projetado, significa ter vontade de adotar essas conseqüências quando decorrem de qualquer posição previamente assumida. A responsabilidade intelectual assegura a integridade, isto é, a coerência e a harmonia daquilo que se defende (DEWEY,1933, p.39).

Por fim, na terceira atitude , verifica-se o valor de se trabalhar com o coração,

com afeto em qualquer área do conhecimento:

Quem esteja absolutamente interessado em determinado objeto, em determinada causa, atira-se-lhe, como dizemos, “de coração” ou de

Page 26: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

26

todo o coração. A importância dessa atitude ou disposição é geralmente reconhecida em questões práticas e morais. No desenvolvimento intelectual, é, entretanto, igualmente grande. Não há maior inimigo do pensamento eficiente que o interesse dividido (DEWEY, 1933, p.40).

A instituição de ensino, por sua vez, deve ser o local privilegiado para a

reflexão crítica da realidade, capacitando os alunos a atuarem de forma crítica e

responsável em relação aos problemas sociais, formando cidadãos autônomos,

capazes de participar da gestão e melhoria da sociedade. Em decorrência, tem

como meta construir futuros profissionais qualificados, sendo o desenvolvimento do

pensamento crítico considerado o fator de eficácia na busca pela excelência na

formação profissional, uma vez que ao se desenvolver o pensamento crítico, criam-

se profissionais questionadores, participativos e atualizados, aptos a lidarem com o

crescente número de informações disponíveis.

É necessário que a educação seja direcionada a uma formação que facilite ao

aluno ter uma visão mais clara da complexidade do mundo, aprendendo assim a

atuar de maneira eficaz em diferentes contextos que venha a enfrentar. O conteúdo

ensinado, deve ser contextualizado e global, deve capacita-lo a utilizar seus

conhecimentos em diferentes situações. Por conseguinte, os alunos precisam ser

expostos a condições que possibilite-os desenvolver as competências necessárias

aos novos desafios.

Dessa forma, o currículo escolar tem de ser compatível com as expectativas

expostas, sendo necessário para isso que o processo de ensino-aprendizagem seja

repensado, além de haver a seleção de novos conteúdos e competências a serem

trabalhados dentro de sala. E, dentro desse processo, é de grande importância que

o aluno não absorva , de forma passiva, o conteúdo passado, mas desenvolva sua

capacidade de ser um pesquisador crítico, o que requer também a sua participação,

um desafio para ambos os lados. Portanto, é preciso que seja planejado

cuidadosamente uma variedade de estratégias, as quais incentivem discussões e

reflexões, resolução de problemas e análise de estudo de casos, de modo a fazer os

estudantes raciocinarem dedutivamente, aprendendo a distinguir argumentos fortes

de fracos. A fim de desenvolver o pensamento crítico reflexivo, é preciso que o

educador estabeleça conexão entre o conteúdo e a vivência dos educandos,

estabelecendo condições que despertem a curiosidade.

Page 27: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

27

Para que o nível de competência do aluno de desenvolva, ele precisa

trabalhar a análise e revisão de seus conhecimentos, exercitando seu julgamento

crítico a partir das diferentes abordagens pedagógicas utilizadas para enfatizar

múltiplos aspectos ao longo do processo de ensino. Como podemos ver nos dizeres

de Paulo Freire:

A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos. (FREIRE, 1999, p. 35).

Existe uma série de metodologias que contribui para o desenvolvimento do

pensamento crítico, uma delas é a técnica de questionamentos, que além de

dinamizarem as aulas e tornarem o conteúdo mais próximo da realidade e mais

interessante, auxiliam o estudante a promover seu senso crítico, pois, dependendo

de como uma determinada pergunta é feita, ele poderá utilizar de diferentes

habilidades a técnica de julgamento, dentre elas a interpretação, suposição e a

análise. Logo, o aluno aprenderá a pensar e, com isso, se tornará um cidadão que

questiona a realidade e que busca soluções criativas para os casos apresentados a

ele.

Outro modo interessante de desenvolver o pensamento crítico é através de

discussões de tópicos entre os alunos, nas quais, além das interações sociais, os

alunos serão instigados a defenderem seus próprios pontos de vista, o que acontece

mais naturalmente quando eles debatem com seus colegas do que quando debatem

com o professor, já que tendem a aceitar mais passivamente a opinião de um

“superior”. Mais além, os debates propiciam o desenvolvimento do respeito, já que

cada aluno tem de ouvir e respeitar os pontos de vista alheios. Segundo Paulo Freire

(2000,p.69), “Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma

coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre”, em outras

palavras, é importante ouvir a opinião do outro, já que ninguém sabe tudo e todos

sabemos alguma coisa, assim, sempre temos a chance de aprender algo com outro

alguém.

Page 28: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

28

É de grande importância que o professor esteja ciente dos conhecimentos

prévios dos alunos, ou seja, das suas ideias espontâneas trazidas junto de suas

vivências, o que facilita o trabalho do profissional ao planejar estratégias como

situações-problema ou contraexemplos que gerem possíveis discussões entre os

alunos. E, quando necessário, deve ajudar os alunos a superar obstáculos que

venham a surgir nas discussões, ajudando-os a entender suas próprias ideias,

dando-lhes voz, entendo seus próprios significados, para que eles próprios

entendam as crenças que trazem e a forma como interpretam o mundo.

O professor também deve estar atento à possível falta de interesse dos

alunos, o que geralmente ocorre por duas razões: quando eles não veem ligação

entre o tópico estudado e suas próprias experiências, ou então, quando não

conseguem compreender como poderão utilizar o novo conhecimento em seu

próprio benefício.

Mas nada disso é possível caso a instituição de ensino não propicie

condições adequadas para que os educadores usem de estratégias ativas de

ensino-aprendizagem. Além disso, outro possível problema a ser enfrentado pelo

profissional é a sua dificuldade em contextualizar o conhecimento a ser passado ao

aluno com a realidade do mesmo, dificuldade essa que, possivelmente, está

relacionada com a formação que o educador recebeu, uma vez que não há o

costume de se estabelecer uma relação entre a teoria aprendida com cada momento

de sua prática profissional.

Como resultado, ao ser incentivado a pensar criticamente a partir de variados

métodos pelo educador, o aluno desenvolve a capacidade de reflexão e amadurece

intelectualmente, o que o irá ajudar a resolver futuras situações, questões ou

problemas que poderá encontrar ao longo de sua vivência acadêmica e profissional.

No próximo capítulo, à luz das ideias de Piaget, Vigotski e Wallon, pretende-

se compreender as concepções de desenvolvimento da criança , seu crescimento e

desenvolvimento e a interação do biológico, do psicológico e do social.

Page 29: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

29

CAPÍTULO 2 – A CRIANÇA : UM SER EM TRANSFORMAÇÃO

2.1 Concepções do desenvolvimento

O ser humano desenvolve suas características a partir das relações que

estabelece com o ambiente físico e social, elas são formadas historicamente, já que

o grau de desenvolvimento acumulado por uma sociedade vai sendo transmitido de

geração em geração, influenciando desde o nascimento, na percepção de realidade

que será construída por cada indivíduo.

Para que ocorra a apropriação de tais características, é necessário que ações

e operações motoras e mentais sejam formadas no indivíduo, sendo essas

habilidades desenvolvidas ao longo do tempo à partir da interação dele com o

mundo social, como afirma Vigotski 5:

Para se estudar o desenvolvimento das crianças, deve-se começar com um entendimento da unidade dialética entre duas linhas radicalmente diferentes: a biológica e a cultural. Para adequadamente estudar tal processo, é preciso conhecer estes dois componentes e as leis que governam seu entrelaçamento a cada estágio de desenvolvimento infantil. (VIGOTSKI, 1989, p. 79)

Por outro lado, temos o conceito de aprendizagem, que se caracteriza como

um processo pelo qual a criança adquire conteúdos da experiência humana,

referentes ao que seu grupo social conhece. Nos dizeres de Leontiev podemos ver

como se dá o processo de aprendizagem:

Assim, para aprender conceitos, generalizações, conhecimentos, a criança deve formar ações mentais adequadas. Isto pressupõe que essas ações se organizam ativamente. Inicialmente, assumem a forma de ações externas que os adultos formam na criança e só depois se transformam em ações mentais internas. (LEONTIEV,1998,p.78)

5 Lev Semenovitch Vygotsky, (1896-1934), foi um cientista bielo-russo. Pensador importante

em sua área e pioneiro na noção de que o desenvolvimento intelectual das crianças ocorre em função

das interações sociais e condições de vida. Desenvolveu um método de estudo que procura traçar a

história do desenvolvimento das funções psicológicas, alinhando-as ao ambiente social, cultural e

econômico de crescimento do sujeito. Para se aprofundar, consulte (Cf. VIGOTSKI,1989)

Page 30: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

30

Assim sendo, para que haja o aprendizado, a criança precisa da interação

com outros indivíduos, principalmente com outras crianças mais experientes ou com

adultos, uma vez que, a pessoa mais experiente, sendo ela um adulto ou mesmo

uma outra criança, orienta e mostra à criança como ela deve proceder, o que se dá

através de gestos e/ou instruções verbais, que ocorrem em situações interativas.

Ao passar do tempo, a criança começa a incorporar a fala social trazida pelo

outro e, a partir de então, seu comportamento começa a ser orientado por uma fala

interna (para si mesmo), que planejará suas ações. A fala interna se desenvolve

mediante as trocas estruturais e funcionais derivadas da fala social. Por

conseguinte, a fala passa a integrar as operações intelectuais, uma vez que ela está

fundida com o pensamento da criança. Portanto, a interação da criança com adultos

ou com outras crianças é fundamental para a aprendizagem, já que isso se dará

através das ações partilhadas, as quais são mediadas pela instrução e pela

linguagem.

A visão interacionista, de que o desenvolvimento é um processo de

apropriação pelo homem das experiências históricas e sociais é uma visão recente.

Por muito tempo não se levava em consideração o papel da interação de fatores

internos e externos no desenvolvimento do indivíduo. Duas teorias se sobressaiam:

a teoria inatista, que se preocupava com os fatores endógenos, e a teoria

ambientalista, na qual dava-se importância à ação da cultura e do meio sobre o

desenvolvimento humano.

A teoria inatista acreditava que nenhum evento que viesse a acontecer após o

nascimento do indivíduo seria importante para seu desenvolvimento, uma vez que

suas qualidades e capacidades básicas já se encontrariam praticamente prontas por

ocasião do nascimento. Com isso, o ambiente interferiria minimamente no

desenvolvimento da criança.

A teoria inatista tem origem na teologia, na crença de que Deus criou cada ser

humano em sua forma definitiva, o que explica a visão de que o indivíduo já nasce

com suas qualidades e capacidades básicas desenvolvidas.

Pode-se localizar sua origem também no polêmico entendimento da proposta

evolucionista de Darwin, segundo o qual, a evolução resulta das mudanças graduais

e cumulativas no desenvolvimento das espécies. Essas mudanças então teriam

decorrência nas variações hereditárias, as quais forneceriam vantagens adaptativas

em relação às condições ambientais prevalecentes. Com isso, o papel do ambiente

Page 31: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

31

seria limitado, servindo apenas para determinar quais variações permitiriam à

espécie sobreviver num determinado ambiente.

Porém, a teoria de Darwin6, aplicada ao desenvolvimento humano, foi mal

interpretada pela posição inatista, já que não se levou em consideração que o

ambiente teria impacto decisivo sobre o ciclo de vida de cada espécie. Assim, a

teoria inatista acreditava, erroneamente, que a teoria darwinista postulava que o

ambiente era incapaz de exercer efeito direto na espécie, ou mesmo no organismo.

Como resultado, a teoria inatista teria a concepção de que o homem “já nasce

pronto”, tendo apenas a possibilidade de aprimorar o indivíduo que ele já é ou que

ele virá a ser.

Por outro lado, a teoria ambientalista, acredita que o indivíduo desenvolve

suas características a partir das condições presentes no meio em que se encontra,

ou seja, essa teoria atribui grande importância ao ambiente no desenvolvimento

humano.

O grande defensor dessa teoria é B. F. Skinner, que se propõe a construir

uma ciência do comportamento, se preocupando em explicar os comportamentos

observáveis do sujeito, sem se preocupar em analisar os outros aspectos da

conduta do homem, como o raciocínio, os desejos e os sentimentos. Segundo os

ambientalistas, também chamados de behavioristas, o ambiente tem maior

importância do que a maturação biológica, sendo, na verdade, os estímulos

presentes numa certa situação que levará o aparecimento de um determinado

comportamento. Skinner (1984, p.11), deixa claro sua visão acerca da influência do

ambiente a respeito do indivíduo ao falar sobre desenvolvimento de delinquentes:

“Poderíamos solucionar muitos dos problemas de delinquência e criminalidade, se

pudéssemos mudar o meio em que foram criados os transgressores.”

Uma crítica possível à teoria ambientalista é em relação ao tipo de visão que

se tem homem, sendo ele um indivíduo que é manipulado e controlado pela simples

6 Charles Darwin (1809-1882), naturalista inglês, desenvolveu uma teoria evolutiva que é

a base da moderna teoria sintética: a teoria da seleção natural. Segundo Darwin, os organismos mais

bem adaptados ao meio têm maiores chances de sobrevivência do que os menos adaptados,

deixando um número maior de descendentes. Os organismos mais bem adaptados são, portanto,

selecionados para aquele ambiente. Para maior aprofundamento acesse

<http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Seresvivos/Ciencias/bioselecaonatural2.php>. Acesso em:

26 fev. 2014.

Page 32: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

32

alteração do ambiente em que se encontra, mas não havendo espaço para a criação

de novos comportamentos.

Uma outra teoria busca superar a teoria inatista e a ambientalista. A

concepção interacionista, discorda da teoria inatista, por desprezar o papel do

ambiente, e discorda da teoria ambientalista por ignorar os fatores maturacionais.

Dessa maneira, os interacionistas acreditam que tanto o organismo quanto o meio

exercem ação recíproca, sendo assim, é na interação da criança com o mundo físico

e social que as características do mundo vão sendo conhecidas. Assim, há uma

combinação de influências, na qual fatores internos e externos se inter-relacionam,

uma vez que as crianças estão sempre procurando compreender tudo o que

vivenciam e tentando explicar o que lhes é estranho, construindo seus

conhecimentos a partir de sua interação com o meio.

A aquisição do conhecimento pelo indivíduo, é visto pela teoria interacionista,

como um processo construído ao longo de toda a vida do ser a partir da interação

entre organismo e meio. Portanto, ele não estaria pronto ao nascer e nem adquiriria

seu conhecimento devido às pressões do meio.

Na visão de Piaget7, teórico interacionista, a relação

desenvolvimento/aprendizagem é vinculada à relação entre aquele que busca

conhecer e o objeto a ser conhecido, pois todo conhecimento implica uma relação

entre dois polos. Dessa forma, o conhecimento não está compreendido nem no

sujeito nem no objeto, mas sim na interação entre eles.

Para trabalhar essa teoria, o pensador considera o sujeito como um ser que

não corresponde a ninguém em particular, mas que, ao mesmo tempo, sintetiza as

possibilidades de cada indivíduo e de todos, um indivíduo epistêmico. Quanto ao

objeto do conhecimento, refere-se tanto aos aspectos físicos quanto aos sociais.

Piaget distingui dois tipos de aprendizagem. O primeiro seria no sentido

estrito, o qual refere-se aos conhecimentos adquiridos devido às experiências

vividas. O segundo, por outro lado, é no sentido amplo e compreende os

conhecimentos que foram adquiridos de forma não devidas, pelo menos não

7 Jean Willian Fritz Piaget (1896-1980), suíço, um dos principais teóricos e defensores da visão

interacionista de desenvolvimento, se propôs a compreender a gênese e a evolução do

conhecimento, principalmente o infantil. Para se aprofundar na teoria interacionista ver (Cf.

PIAGET,1973).

Page 33: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

33

diretamente, as experiências, mas que foram construídos a partir de processos

dedutivos. Dessa forma, a aprendizagem em seu sentido amplo refere-se

constituição das formas de pensamento.

Levando-se em consideração que, um conteúdo pode ser adquirido apenas

pela mediação de uma forma, vemos que, na concepção de Piaget, o processo de

aprendizagem é condicionado pelo desenvolvimento, ou seja, o processo em

questão é subjugado a ele. Portanto, ao falar em aprendizagem no sentido geral, o

autor se reporta ao processo de desenvolvimento.

O momento vivido por Piaget, três vertentes com diferentes posições teóricas

sobre a relação entre desenvolvimento e aprendizagem existiam. A primeira refere-

se à ideia de que o desenvolvimento acontece antes e independentemente da

aprendizagem, sendo ele um processo maturacional. Dessa forma, a aprendizagem

não influencia e nem direciona o desenvolvimento, mas ela se utiliza dos progressos

feitos por ele. Assim sendo, para que certos tipos de aprendizagem sejam adquiridos

é preciso que haja um determinado nível de desenvolvimento do indivíduo.

A segunda teoria, proposta especialmente pelos behavioristas, defende que o

desenvolvimento e a aprendizagem acontecem de forma simultânea, com isso,

segundo essa teoria, aprendizagem seria sinônimo de desenvolvimento, sendo este

a acumulação de respostas aprendidas.

Por último, a terceira teoria considera o desenvolvimento e a aprendizagem

como dois processos interdependentes, os quais interagem e afetam-se

mutuamente, ou seja, um causaria o outro e vice-versa.

Um outro tipo de interacionismo é proposto por Vigotski , que embora

reconheça que o desenvolvimento e a aprendizagem são fenômenos distintos e

interdependentes, um tornando o outro possível, rejeita todas as posições teóricas

anteriores.

Outro ponto estudado por Vigotski é a importância do papel da competência

linguística na interação entre o desenvolvimento e a aprendizagem, já que a criança

se desenvolve por meio da apreensão e internalização da linguagem.

É possível identificar, segundo ele, dois níveis de desenvolvimento, sendo o

primeiro chamado de “nível de desenvolvimento real”, composto pelo conjunto de

informações que a criança detém, ou seja, é um nível que compreende as funções

mentais da criança estabelecidas como resultado de certos ciclos de

desenvolvimento que já foram completados. Por outro lado, há a “zona de

Page 34: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

34

desenvolvimento proximal”, nome dado ao nível de desenvolvimento potencial, que

pode ser definido pelos problemas que a criança é capaz de resolver junto com o

auxílio de alguém mais experiente, isso se deve a funções que ainda não estão

completamente maduras. Em outras palavras, é possível que duas crianças da

mesma idade tenham níveis diferentes de desenvolvimento, uma vez que as

diversas condições sociais geram aprendizagens também diversas, as quais então

ativarão diferentes processos de desenvolvimento.

Em contrapartida, a teoria de Henri Wallon8, um estudioso que se dedicou a

elaborar uma teoria sobre o desenvolvimento humano, em virtude da sua

preocupação com a educação, não define um limite quanto ao mesmo: o

desenvolvimento depende da apropriação que o sujeito fizer das condições que o

meio oferecer e divide-o em cinco estágios. O primeiro deles, corresponde ao

período denominado impulsivo-emocional, onde predominam as emoções como

meio de relação com o ambiente. Acontece uma simbiose afetiva e há

preponderância das expressões emocionais como modo dominante das relações

criança-meio. No segundo estágio há o aparecimento da função simbólica,

denominado sensório-motor, determinado pelo dispêndio de energia e pela

elaboração da realidade externa, estabelecendo relações com o mundo e onde se

dá o aparecimento da inteligência representativa. No estágio personalista, a tarefa

central é a construção da consciência de si e o caráter lúdico é predominante. Nele

se dá a alternância entre realidade objetiva e subjetividade e a imitação de

personagens. Já no quarto estágio, o categorial, há diminuição do sincretismo e

avanço na diferenciação eu/outro, com a formação da personalidade própria.

Interesse desloca-se do eu para as coisas, há a aproximação da objetividade de

percepção e pensamento do adulto. Wallon considera que, até a consolidação da

função categorial, as características personalistas convivem com as do período

categorial. Por fim, o quinto estágio, a partir dos 11 anos, é o da puberdade e

adolescência. Nesse período dá-se a retirada do pensamento e a consciência sobre

si mesmo surgindo as inquietudes existenciais.

A emoção ocupa um lugar importante na teoria Walloriana:

8 Henri Paul Hyacinthe Wallon,(1879-1962) nasceu em Paris, França . Graduou-se em

medicina e psicologia. Conhecido por seu trabalho sobre a psicologia do desenvolvimento na infância.

Foi o precursor a levar não só o corpo da criança mas também suas emoções para dentro da sala de

aula. Para se aprofundar, (Cf. WALLON,1975)

Page 35: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

35

As emoções podem ser consideradas, sem dúvida, como a origem da consciência, visto que exprimem e fixam para o próprio sujeito, através do jogo de atitudes determinadas, certas disposições específicas de sua sensibilidade. Porém, elas só serão o ponto de partida da consciência pessoal do sujeito por intermédio do grupo, no qual elas começam por fundi-lo e do qual receberá as fórmulas diferenciadas de ação e os instrumentos intelectuais, sem os quais lhe seria impossível efetuar as distinções e as classificações necessárias ao conhecimento das coisas e de si mesmo (WALLON, 1986, p.64)

Diferentemente dos pensadores que priorizam a inteligência e o desempenho

em sala de aula, a proposta de Henri Wallon põe o desenvolvimento intelectual

dentro de uma cultura mais humanizada, considerando a pessoa como um todo,

onde as emoções se relacionam ao espaço, às possibilidades ou não de

movimentação e às relações entre as pessoas.

2.2 Etapas do desenvolvimento cognitivo

O desenvolvimento cognitivo da criança é caracterizado por diversas etapas,

ao longo de cada qual , a criança constrói certas estruturas cognitivas. O

desenvolvimento cognitivo e o aprendizado não podem ser confundidos. O primeiro

é um processo espontâneo enquanto que o segundo trata-se de um processo

causado por situações específicas. Segundo Piaget, as etapas do desenvolvimento

cognitivo são distintas e podem ser divididas em quatro.

Na primeira delas, a etapa sensoriomotora, que vai desde o nascimento até,

mais ou menos, os dois anos de idade, a criança é considerada como não tendo

pensamento ainda, dessa forma, ela baseia-se apenas em percepções sensoriais e

em esquemas motores para poder resolver seus problemas. Ela se encontra presa

no aqui-e-agora da situação, pois não tem capacidade de se referir ao futuro,

mencionar o passado ou até de representar eventos. Dessa forma, a criança faz uso

de esquemas sensoriomotores como pegar, balançar, jogar, bater e morder objetos,

construindo conceitos de maior, menor, de objetos que balançam ou não.

Usados para lidar com o ambiente, esses esquemas são construídos a partir

de reflexos inatos e, assim, a criança começa a estabelecer ligações entre fatos, ou

seja, os esquemas iniciais dão origem a esquemas conceituais. Assim ela vai

construindo e organizando noções.

Page 36: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

36

Uma das principais aquisições nesse período é a noção do “eu”, com a qual a

criança começa a perceber a diferença entre si e os objetos ao redor, além de

também começar a estabelecer diferenças entre tais objetos. Outra aquisição

importante que começa a ser construída é a noção de espaço, tempo e causalidade,

que possibilitam- na a novas formas de lidar com o meio.

Com o tempo, esse período se modifica e esquemas mais complexos vão

sendo construídos, preparando o aparecimento da função simbólica. Por função

simbólica entende-se a capacidade de usar símbolos ou representações mentais.

Ter símbolos para as coisas, pensar acerca delas e das suas qualidades, recordar e

falar sobre elas, sem que estejam fisicamente presentes. O aparecimento da função

simbólica altera drasticamente a forma como a criança lida com o meio. Com isso,

surge uma nova etapa, denominada pré-operatória.

Essa segunda etapa, que vai dos dois aos sete anos de idade, caracteriza-se

pelo aparecimento da linguagem oral, que permite a criança de ter esquemas de

ação interiorizados, chamados de esquemas simbólicos, ou seja, esquemas que

envolvem uma ideia preexistente a respeito de algo. Assim, ela pode substituir

objetos, situações, pessoas e ações por símbolos, que seriam as palavras. Dessa

forma, dá-se origem ao pensamento sustentado por conceitos.

O pensamento dessa fase é um pensamento egocêntrico, uma vez que

depende das experiências infantis, assim, acaba sendo um pensamento que a

criança centra em si mesma. Outra característica do pensamento seria o que

chamamos de animismo, quando a criança atribui às coisas e animais sentimentos e

intenções característicos do ser humano. Uma terceira característica é a

transdedutividade, já que a criança parte do particular para o particular, sem se

preocupar em usar a dedução ou intuição para entender um fato.

Falta no pensamento pré-operatório a reversibilidade9, já que ele depende da

percepção imediata e, assim, a criança não é capaz de perceber a possibilidade de,

mentalmente, retornar ao ponto de partida. Assim, neste estágio, embora a criança

apresente a capacidade de atuar de forma lógica e coerente (em função da

aquisição de esquemas sensoriais-motores na fase anterior) ela apresentará,

9 Reversibilidade: Quando o indivíduo é capaz de, mentalmente, inverter a ordem das operações de modo a executar etapas em uma ordem inversa retornando desse modo ao ponto de partida. PIAGET, 1978)

Page 37: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

37

paradoxalmente, um entendimento da realidade desequilibrado (em função da

ausência de esquemas conceituais), conforme salienta Rappaport ( 1981).

Mas, a partir dos sete anos de idade até os treze, grandes modificações

ocorrem e uma nova etapa se inicia, a etapa operatório-concreta. Nela o

pensamento lógico e objetivo se torna preponderante e as ações interiorizadas

tornam-se móveis e flexíveis, assim, o pensamento deixa de ser tão egocêntrico e,

com isso, a criança se torna capaz de construir um conhecimento que seja mais

compatível com o mundo que a rodeia.

Assim sendo, Piaget argumenta que nessa fase, o pensamento da criança

baseia-se mais no raciocínio do que na percepção, mas, por outro lado, a criança só

consegue pensar corretamente se os materiais ou os exemplos que for utilizar para

apoiar seu pensamento realmente existirem e puderem ser observados, por isso o

pensamento nessa fase é considerado concreto. Com isso, ela ainda não consegue

pensar somente com base em proposições e enunciados.

A partir dos treze anos de idade, a criança inicia a última etapa de seu

desenvolvimento, a operatório-formal, na qual o pensamento se torna livre da

realidade concreta, ou seja, a criança, que agora é, na verdade, um adolescente,

consegue raciocinar logicamente mesmo sendo o conteúdo falso, podendo utilizar

hipóteses, sendo então a construção típica do pensamento dessa etapa o raciocínio

hipotético-dedutivo, o qual permite o adolescente estender seu pensamento

infinitamente.

Atingindo essa etapa, o indivíduo chega ao grau mais complexo de seu

desenvolvimento cognitivo e, a partir de agora, tem como tarefa apenas ajustar e

solidificar suas estruturas cognitivas.

Vale ressaltar que a época em que cada etapa é alcançada nem sempre é a

mesma para todas as crianças. Também é importante lembrar que cada etapa é

irreversível, ou seja, ao se construir uma capacidade mental é impossível depois

perdê-la.

Por sua vez, Vigotski (1989) afirma que o desenvolvimento cognitivo , não

precede a socialização, ao invés, as estruturas sociais e as relações sociais ao

desenvolvimento das funções mentais, ou seja, o desenvolvimento cognitivo é

abordado por um processo de orientação, em vez de examinar o final do processo

de desenvolvimento, ele debruçou-se sobre o processo em si e analisou a

participação do sujeito nas atividades sociais.

Page 38: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

38

Assim sendo, o desenvolvimento cognitivo é resultado dos tipos de

aprendizagem específicos que ocorrem nas situações em que se participa.

Para Vigotski, o verdadeiro aprendizado precede o desenvolvimento cognitivo

e considera sempre as funções em curso.

O que a criança é capaz de fazer hoje em cooperação, será capaz de fazer sozinha amanhã. Portanto o único tipo positivo de aprendizado é aquele que caminha à frente do desenvolvimento servindo-lhe de guia; deve-se voltar não tanto para as funções já maduras, mas principalmente para as funções em amadurecimento. (VIGOTSKI, 1999, p. 129-130)

Assim como Vigotski, Wallon acredita que o social é imprescindível e que a

cultura e a linguagem fornecem ao pensamento os elementos para se evoluir, sendo

o desenvolvimento cognitivo condicionado tanto pela maturação orgânica, como pelo

exercício funcional, propiciado pelo meio.

Nesse sentido, a cognição é vista como parte da pessoa completa que só

pode ser compreendida integrada a ela, cujo desenvolvimento se dá a partir das

condições orgânicas da espécie, e é resultante da integração entre seu organismo e

o meio, principalmente o social. A integração entre as dimensões motora, afetiva e

cognitiva, conceito central da teoria de Wallon, é claramente descrito por Mahoney:

O motor, o afetivo, o cognitivo, a pessoa, embora cada um desses aspectos tenha identidade estrutural e funcional diferenciada, estão tão integrados que cada um é parte constitutiva dos outros. Sua separação se faz necessária apenas para a descrição do processo. Uma das consequências dessa interpretação é de que qualquer atividade humana sempre interfere em todos eles. Qualquer atividade motora tem ressonâncias afetivas e cognitivas; toda disposição afetiva tem ressonâncias motoras e cognitivas; toda operação mental tem ressonâncias afetivas e motoras. E todas essas ressonâncias têm um impacto no quarto conjunto: a pessoa. (MAHONEY, 2000, p. 15)

Conforme descrito, os três pensadores contribuem para oferecer a visão que

precisa-se ter da criança : Piaget, ocupou-se da inteligência, Vigotski do sujeito

social e Wallon, do sujeito desejante, pois possibilitar as mais diversas formas e

situações de aprendizagem, exige do educador a combinação dessas ideias.

Page 39: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

39

2.3 O desenvolvimento afetivo

Segundo especialistas, os bebês nascem com certas estruturas orgânicas

que fazem com que eles privilegiem alguns estímulos na sua relação com o meio, o

que se deve a predisposição para interagir que eles possuem. Isso explicaria o fato

de eles responderem a estímulos associados a outros seres humanos, como quando

respondem a voz humana, distinguindo-a dos outros sons do ambiente em que se

encontra.

Por outro lado, suas estruturas perceptuais são ativadas a partir das ações

dos adultos ao responderem um bebê, o que estabelece uma interdependência

comportamental entre o adulto e o bebê. E, é justamente nessa relação, em que o

bebê irá desenvolver seus esquemas, sejam eles motores, cognitivos, perceptuais

ou linguísticos. Além disso, a presença adulta passa à criança a sensação de

segurança tanto física quanto emocional, levando-o a explorar mais o ambiente e,

com isso, aprendendo.

As emoções estão sempre presentes quando se busca conhecer algo, como

resultado o afeto e a cognição se tornam inseparáveis, além de ambos estarem

presentes, porém em proporções diferentes, em qualquer atividade exercida pela

criança. O afeto, então, pode ser considerado como a energia que a criança precisa

para que a estrutura cognitiva comece a operar, influenciando também na

velocidade da construção do conhecimento, já que, um indivíduo aprende mais

facilmente quando se sente seguro.

Wallon (1975) atribui imensa importância à emoção e à afetividade, criando

conceitos a partir do ato motor, da afetividade e da inteligência. As interações são

um processo natural para o desenvolvimento e para a manifestação das emoções.

Contudo, Wallon diferencia emoção de afetividade:

As emoções, assim como os sentimentos e os desejos, são manifestações da vida afetiva. Na linguagem comum costuma-se substituir emoção por afetividade, tratando os termos como sinônimos. Todavia, não o são. A afetividade é um conceito meio abrangente no qual se inserem várias manifestações. (WALLON, 1979 apud GALVÃO, 2003, p. 61)

Vigotski (1999) também acredita que a motivação é a mola propulsora da

busca pelo conhecimento, e que esta se dá principalmente através das relações

Page 40: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

40

afetivas. Quando o educador estabelece uma relação social de cooperação, teoria

defendida por Piaget, o processo de ensino aprendizagem rompe a dicotomia entre

cognição e afetividade, sendo assim, possível aliar a disciplina, a metodologia e a

emoção. Através das capacidades afetivas e cognitivas expandidas pela contínua

construção, as crianças tornam-se capazes de investir afeto e ter sentimentos

validados neles mesmos, pois o afeto é o princípio norteador da autoestima e após

desenvolvido o vínculo afetivo, a aprendizagem e seu bem estar são conquistas

efetivadas.

No capítulo a seguir, pretende-se discutir como potencializar o processo de

ensino aprendizagem através do lúdico, de forma a permitir um crescimento global e

uma visão de mundo mais realista compreendendo que a relação entre o

desenvolvimento da criança e o brincar são imprescindíveis para a formação do

pensar, da construção do conhecimento e de novas aprendizagens.

Page 41: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

41

CAPÍTULO 3 – O LÚDICO NOS PROCESSOS DE ENSINO APRENDIZAGEM

3.1 A relevância do brincar

As brincadeiras estão na história da humanidade e atravessam os tempos,

fazendo parte de todos os povos e culturas. Registros arqueológicos detectaram

indícios de brinquedos em túmulos infantis, assim como em retratos e obras de

pintores renomados como Pieter Brughel, do século XVI, que apresenta em sua tela

de 1560, brincadeiras que ainda estão em uso em diversas culturas.

Ilustração 1 – Jogos de Criança

Pieter Brueghel, (1525-1569)-'Jogos de criança'-óleo sobre tela-1560 Wien-Kunsthistorisches Museum

(Gemäldegalerie)

Vista como irreverência ou mesmo negação ao trabalho, a sociedade não via

com bons olhos a brincadeira, pois segundo Wajskop (2007), somente quando o

pensamento romântico se rompe, a relevância do brincar começa a ser valorizada.

O termo brincar ainda não tem um conceito definido, pois ele varia de acordo

com cada contexto e cultura. Muitos teóricos tentaram definir a brincadeira, ao longo

do tempo, como Winnicott (1971) que define o ato de brincar como essência do

equilíbrio humano e consequentemente saúde; e Bettelheim (1988), como um

período primitivo, de liberdade, de muitas fantasias e sem objetivos definidos. Para

Vigotski (1999), a brincadeira é considerada como zona proximal , e justifica quando

diz que, no brincar, a criança ultrapassa sua própria condição infantil, sendo

desafiada e agindo como se fosse um adulto. Para Leontiev (apud VIGOTSKI,

1999), a brincadeira é uma ação objetiva que medeia as relações e percepções do

Page 42: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

42

meio em que vive e dos sujeitos. Ou ainda, como analisa Santin (1994) “[...] brincar é

acima de tudo exercer o poder criativo do imaginário humano, construindo o

universo real de quem brinca”. Na infância, as crianças reproduzem os papéis dos

adultos que as cercam para compreender e interpretar a vida, sem teorias, e sim,

jogos e brincadeiras.

As brincadeiras se perpetuam e se renovam a cada geração e sempre estão

presentes nas vidas das crianças, com diferentes formas de brincar, trazendo

consigo reflexos da época e da opressão do sistema social.

Segundo Kishimoto (1993), nas brincadeiras no tempo da escravidão, os

“moleques” eram usados como cavalos e burros pelos filhos dos senhores para as

brincadeiras de faz de conta, assim como as meninas brancas usavam bonecas

como mucamas, retratando os fatos do cotidiano da vida do engenho, mas, quando

longe dos olhares de seus tutores, divertiam-se juntos. E muito mais, utilizava

brincadeiras dos moleques, soltando pipa , brincando de peão e soldado, como bem

descreve a tela abaixo de Debret 10 , pintor francês , que representou, em sua obra,

o cotidiano e a sociedade do Brasil, em especial, a vida do Rio de Janeiro em

meados do século XIX.

Ilustração 2 – Meninos brincando de soldados

Jean Baptiste Debret – Meninos brincando de soldados ou o Primeiro Ímpeto da virtude guerreira, 1827 –

Acervo dos Museus Castro Maya – Rio de Janeiro - RJ

10 Jean-Baptiste Debret ( 1768-1848) foi um importante pintor francês. Debret integrou a missão artística francesa que chegou ao Brasil em 1816. Suas obras formam um importante acervo para o estudo da história e da cultura brasileira da primeira metade do século XIX. Disponível em: http://www.brasiliana.usp.br/node/393

Page 43: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

43

Além de ser uma maneira de conhecimento sobre o meio em que a criança

vive, o ato de brincar propicia condições para desenvolver relações sociais, para

aceitar o outro e as normas sociais que a circundam, convivendo dessa maneira,

com os diferentes sentimentos que traz consigo.

É na brincadeira que a agressividade vem à tona, e é de primordial

importância que esse sentimento não seja tolhido nem subestimado, muito menos

censurado,pois é necessário haver um espaço de confiança onde a criança possa

expressar seus sentimentos sem que estes sejam revidados contra ela. Imaginação

e fantasia são os principais elementos na aprendizagem infantil sobre as relações,

tanto entre pessoas como a criança e o outro, e propicia controle, criatividade,

cooperação e o relacionamento interpessoal.

Pela oportunidade de vivenciar brincadeiras, imaginativas e criadas por elas mesmas, as crianças podem acionar seus pensamentos para a resolução de problemas que lhes são importantes e significativos. Propiciando a brincadeira, portanto, cria-se um espaço no qual as crianças podem experimentar o mundo e internalizar uma compreensão particular sobre as pessoas, os sentimentos e diversos conhecimentos ( BRASIL, 1997,p.84)

A criança, enquanto brinca, cria uma das formas mais autênticas de sua

expressão: comporta-se como se estivesse no mundo dos adultos, reproduzindo à

sua maneira, os conflitos e situações que trazem do seu convívio, seja de casa ou

de outro local que costume frequentar. É nesse momento , segundo Vigotski, que se

dá o desenvolvimento real.

Assim sendo, nas brincadeiras, as crianças agem como se fossem maiores

do que são, e, de certa forma, realizam simbolicamente o que, um dia , realizarão no

mundo real. Pode-se assim perceber ,através de uma brincadeira, o que muitas

vezes ela não conseguiria expressar em palavras: como vê e idealiza o mundo que

ela gostaria que fosse, quais os seus anseios e preocupações quais problemas a

estão afligindo.

Page 44: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

44

3.2 O brinquedo e a formação do pensar

Conforme dito anteriormente, por meio da brincadeira, compreende-se como

a criança vê e constrói o mundo que ela gostaria que fosse, além de suas

preocupações e aflições.

Assim sendo, para se ter uma ideia da importância do ato de brincar no

desenvolvimento da criança, tem-se que observá-la brincando. Brincando no seu

mundo de encanto e magia, cheio de fantasia, imaginação e faz de conta, sonhando

e se descobrindo.

Não importa o local, a cidade, o país onde se vive, a brincadeira está em

todos os lugares onde existam crianças, sem distinção de nível social, classe , raça

ou crença.

O brinquedo, definido como qualquer objeto que a criança manipula

livremente e o usa no ato de brincar, para Vigotski (1999) e Leontiev (1998), tem

intrínseca relação com o desenvolvimento infantil e proporciona a ela um enorme

avanço na capacidade cognitiva.

É através do brinquedo que a criança se apropria da realidade e cria uma

situação imaginária, vivenciando uma gama de papéis que faz parte do seu

cotidiano, como seu amigo, seu personagem favorito, seus pais, seu professor,

procurando falar e agir como tais.

Conforme Vigotski:

É no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de numa esfera visual externa, dependendo das motivações e tendências internas e não dos incentivos fornecidos pelos objetos externos. Os objetos ditam à criança o que ela tem que fazer: uma porta solicita que abram e que a

fechem, uma escada que a subam.(VIGOTSKI,1989,p.109)

Através da brincadeira, a criança expressa o que teria dificuldade de colocar

em palavras e muito dificilmente brincará somente para passar o tempo”[...] sua

escolha é motivada por processos íntimos, desejos, problemas e ansiedades. O que

está acontecendo com a mente da criança determina suas atividades lúdicas; brincar

é sua linguagem secreta, que devemos respeitar mesmo se não entendemos”.

(BETTEHEIN, 1988, apud NEGRINE, 1995).

Page 45: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

45

O faz de conta é constante na maioria das brincadeiras. A necessidade de

a criança agir com os símbolos e objetos do mundo adulto e a sua inacessibilidade a

eles são os motivos pelos quais surgem as brincadeiras e o faz de conta, ajudando-a

a superar limites , inserindo-a num universo, até então, inatingível.

Segundo Freire (1999), “o brinquedo simbólico é tão rico para o

desenvolvimento da criança que uma análise superficial nem de longe chega a

apreender todas as possibilidades”.

Leontiev, ainda nos diz que:

O brinquedo é a atividade principal da criança, aquela em conexão com a qual ocorrem as mais significativas mudanças no desenvolvimento psíquico do sujeito e na qual se desenvolvem os processos psicológicos que preparam o caminho da transição da criança em direção a um novo e mais elevado nível de desenvolvimento. (LEONTIEV, 1989 b)

As imitações fazem parte de todas as brincadeiras, ou seja, toda brincadeira é

uma imitação transformada. Muitas vezes, quando as crianças brincam, os

brinquedos adquirem vida e transformam, conforme seu cotidiano, as situações

vivenciadas e as pessoas que estão inseridas no mesmo.

Para Vigotski, a imitação é promotora do desenvolvimento humano, na medida em que a criança pode imitar uma série de ações que se encontram bem além dos limites de suas próprias habilidades. As crianças têm a capacidade de imitação intelectual consciente, determinando que a aprendizagem evoque e promova seu desenvolvimento cognitivo e emocional, ao atuar sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal. (SANTA CATARINA, 1998, p.24).

Assim sendo, as atividades realizadas pela criança sem ajuda de um adulto

ou de uma criança mais experiente, mas com o conhecimento vivenciado no seu dia

a dia, seja pela família ou em outras situações, fazem parte do desenvolvimento

real. Quando não consegue realizar as atividades sozinha e precisa de ajuda, tem-

se o desenvolvimento potencial. A distância entre ambos, ou seja, do

desenvolvimento real para o potencial, corresponde ao espaço onde ocorre a

aprendizagem, denominada por Vigostki de “zona de desenvolvimento proximal”, um

domínio psicológico em constantes transformações. É nesse sentido que a

brincadeira pode ser considerada um excelente recurso a ser usado pela escola,

Page 46: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

46

favorecendo os processos ainda em formação e os que ainda estão por serem

formados.

O brincar e a situação imaginária que envolvem a criança estão imbuídas

de normas de comportamento. Vigotski ainda fala que ao renunciar a algo que

deseja, a criança experimenta a subordinação às regras e é essa renúncia que

mediará o alcance do prazer no ato de brincar, ou seja, no não agir sob impulsos

imediatos .

A criação de uma situação imaginária não é algo fortuito na vida da criança; pelo contrário, é a primeira manifestação da emancipação da criança em relação às restrições situacionais. O primeiro paradoxo contido no brinquedo é que a criança opera com um significado alienado numa situação real. O segundo é que, no brinquedo, a criança segue o caminho do menor esforço – ela faz o que mais gosta de fazer, porque o brinquedo está unido ao prazer – e ao mesmo tempo, aprende a seguir os caminhos mais difíceis, subordinando-se a regras e, por conseguinte, renunciando ao que ela quer, uma vez que a sujeição a regras e a renúncia a ação impulsiva

,constitui o caminho para o prazer do brinquedo. (VIGOTSKI, 1999, p. 130)

Apesar da maioria dos brinquedos serem fonte de prazer, deve-se levar em

conta que, em algumas situações, ele pode ser considerado também como de

desprazer e de frustrações. Esse jogo de emoções ajuda a criança a estruturar a sua

personalidade e a lidar com angústias e decepções.

Assim sendo, Santos (1999) analisa o brinquedo e o ato de brincar sob o

ponto de vista psicológico e alega que o brincar está presente em todo o

desenvolvimento da criança, nas diferentes formas de modificação de seu

comportamento, pois o ato de brincar, além de ser genético, é fundamental para o

desenvolvimento psicossocial equilibrado do ser humano ao propiciar o

desenvolvimento da afetividade, da habilidade lógica e da capacidade de pensar,

bem como de sua criatividade e da compreensão do mundo.

Conforme Freire (1999), “a ação imaginada não tem origem na mente

apenas, mas na relação concreta da criança com o mundo”, ou seja, não é qualquer

objeto que pode ser usado como brinquedo para representar outro.

Santos (1999) analisa o ato de brincar sob o ponto de vista sociológico,

como a forma mais original de inserção da criança na sociedade, na qual adquire

hábitos, regras e costumes do meio em que se encontra inserida.

Page 47: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

47

A brincadeira consegue levar a criança a refletir, a descobrir que a realidade

não é estática, que apesar de ser histórica, ela pode renovar-se diariamente.

Visto dessa maneira, percebe-se que não há duvidas do quanto o brinquedo

influencia no desenvolvimento da criança e de como a relação entre o

desenvolvimento e o brincar são imprescindíveis para a formação do pensar, da

construção do conhecimento e de novas aprendizagens. Atividades lúdicas e

funções psíquicas possuem uma estreita vinculação, confirmando a sua relevância

sociocognitiva para a educação, especialmente a educação do ciclo básico, objeto

desse estudo.

3.3 O educador e o lúdico

Como dito anteriormente, é brincando que a criança descobre o mundo,

integra-se com o meio em que vive, constrói o seu conhecimento e socializa-se.

A influência do lúdico no meio educacional tem sido alvo de muitos estudos

ao longo dos tempos. Mas afinal o que é o lúdico?

Lúdico se origina do latim ludus, que significa brincar, e segundo o

Dicionário Michaelis, lúdico é tudo que se refere a jogos e brinquedos, portanto,

quando brincamos ou aplicamos um jogo, seja dentro ou fora da sala de aula,

estamos praticando uma ação lúdica.

O jogo como metodologia de ensino é utilizado desde a antiguidade clássica

e defendido por filósofos como Aristóteles e Platão. Ferrari afirma que Aristóteles foi

o principal deles por apontar a importância da utilização dos jogos para que o

aprendizado pudesse ser desenvolvido.

A educação, segundo a concepção platônica, deveria testar as aptidões do aluno (...) formulou modelos para o ensino por que considerava ignorante a sociedade grega de seu tempo. Por seu lado, Aristóteles, que foi discípulo de Platão, planejou um sistema de ensino bem mais próximo do que se praticava realmente na Grécia de então, equilibrado entre as atividades físicas e intelectuais e

acessível a um grande número de pessoas. (FERRARI, 2003, p.09)

A partir da idade média, por influência de uma educação eclesiástica, os

jogos, por serem vistos como algo profano, caíram em descrédito, tanto no âmbito

educacional, como no cotidiano de modo geral, afirma Fujishima (2009).

Page 48: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

48

Até o advento do Renascimento, as ideias concebidas e praticadas pelo

cristianismo dominavam a educação, que era função do clero. Somente a partir da

idade moderna, a educação passa a ser um direito de todos garantido pelo Estado,

um dos ideais do iluminismo11.

O lúdico começa a conquistar seu espaço somente após o advento da

Revolução Francesa (1789) e da influência de seus valores pelo mundo

contemporâneo. Miranda (1984) enfatiza a importância das atividades físicas e

lúdicas em países europeus desde o século XVIII e ressalta autores como

Rousseau12 e Pestalozzi13.

No Brasil, relatos nos mostram que o lúdico fazia parte da educação aplicada

pelos jesuítas, mas que não se perpetuou, pois em meados de 1758, foram expulsos

e o Brasil ficou sem nenhum sistema organizado de ensino, apenas com algumas

visitas esporádicas de professores enviados de Portugal para ministrar cursos,

seguindo um método tradicional, segundo uma carta régia de 1799.

Com o avanço da psicologia e seus estudos, mesmo havendo uma

desconfiança quanto ao caráter educativo do jogo, isto tem evoluído bastante. A

partir do século XIX e principalmente no XX, muitos teóricos vem analisando o

processo de ensino aprendizagem, através do lúdico, como Dewey , Montessori e

os já citados, Wallon ,Piaget e Vigotski ; todos com o mesmo pensamento de que o

ensino, como vinha sendo realizado, estava ultrapassado.

Propostas inovadoras surgiram, e o aprender fazendo, a pesquisa

investigatória, o método da redescoberta, bem como as feiras e os clubes de letras e

ciências, foram as grandes mudanças ocorridas para um ensino que até então não

tinha essa preocupação. O uso do lúdico ficou fortalecido com os estudos e

11 O Iluminismo,foi um movimento cultural da elite intelectual europeia do século XVIII, que procurou reformar a sociedade e o conhecimento medieval através de um movimento cultural mobilizado pela razão. O centro do Iluminismo aconteceu na França promovendo o intercâmbio intelectual e contra a intolerância e os abusos da igreja e do estado. Para se aprofundar no assunto (Cf. FALCON, 1994)

12 Jean Jacques Rousseau, escritor e teórico político suíço, sendo considerado também um dos

principais filósofos do iluminismo e um dos precursores do romantismo. Defensor do retorno à natureza e do respeito ao desenvolvimento físico e cognitivo da criança. (Cf. FALCON, 1994).

13 Johann Heinrich Pestalozzi, pedagogo e educador suíço, influenciado o movimento

naturalista de Rosseau, tornou-se revolucionário, mas abandonou o partido para dedicar-se à educação, sendo um dos pioneiros da pedagogia moderna, concebendo um sistema de ensino prático e flexível, cujo objetivo era estimular as faculdades intelectuais e físicas da criança, através do amor, em particular, do amor materno. Disponível em: < http://www.fae.ufmg.br/teoriaspedagogicas/Pestalozzi.htm>. Acesso em: 20 dez. 2013.

Page 49: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

49

pesquisas nas áreas das ciências humanas que tratam do desenvolvimento

cognitivo da criança e de como o convívio social influencia no seu aprendizado.

Áreas como a da Psicologia, Filosofia, Pedagogia e Sociologia publicam

estudos relacionados á educação lúdica, ressaltando a importância do ato do brincar

e o desenvolvimento do ser humano como um todo, tanto nas funções cognitivas,

como no sentido de ampliar seu pensamento crítico e reflexivo, aflorando sua

responsabilidade e cooperativismo.

No final do século XX, temos um avanço significativo no Brasil, com a

publicação do PCN, os Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborado e

disponibilizado pelo Ministério da Educação, que passou a nortear o atual modelo de

ensino, propondo aos professores e orientadores, objetivos, conteúdos, mecanismos

de avaliação e orientações didáticas, com metas diferentes das propostas

anteriormente, conforme ele próprio referenda:

O aluno deve compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia a dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito, (BRASIL, PCN, 1998,p.7);

E ainda,

questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação.(BRASIL, PCN,1998,p.7)

Essas propostas ressaltam a importância do professor levar em consideração

as experiências vividas pelos alunos, no seu cotidiano, criticando a valorização

demasiada por parte dos professores, do ensino formal, sem que possam se

desprender dele para um aprofundamento maior.

É neste sentido que Ubiratan D’Ambrósio, conhecido com um dos maiores

defensores da etnomatemática14, referenda:

14

Etnomatemática – programa que surgiu na década de 70, com base em críticas sociais acerca do ensino tradicional da matemática, como a análise das práticas matemáticas em seus diferentes contextos culturais. De acordo com D’ Ambrósio (2002), não se deve tentar construir uma epistemologia para a Etnomatemática, já que assim estar-se-ia propondo uma explicação final para a mesma, o que na sua visão, feriria a ideia central do programa, que é entender a aventura da espécie humana, na busca de conhecimento e na adoção de comportamentos. Para um maior

aprofundamento, disponível em: < http://www.ufrrj.br/leptrans/8.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2013.

Page 50: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

50

É mais importante aquilo que a criança pode fazer com um instrumento que trouxe de sua vida anterior à escola do que dar instrumentos novos. Com o que ela já sabe de casa pode fazer muito e ser feliz. Só quando o aluno sentir que necessita de algo novo é que o educador deve intervir cultivando e explorando esse desejo de saber e fazer mais. Nesse momento, o professor pode dizer: “você parou ai, vou mostrar como ir adiante”. Aos poucos, a criança irá

aprender as coisas novas apresentadas. (D’AMBRÓSIO, 1993, apud HUBNER et al., 2003

Assim sendo, entende-se que a escola não pode negar a corporeidade

humana, os gestos, expressões e movimentos.

No próximo capítulo, pretende-se discutir as habilidades que o jogo de xadrez

pedagógico desenvolve e a relação direta que faz com o pensamento critico,

justificando dessa maneira a ideia de que essa prática seja inserida no contexto

educacional desde primeiros anos.

Page 51: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

51

CAPÍTULO 4 – O JOGO DE XADREZ E O DESENVOLVIMENTO DO

PENSAMENTO CRÍTICO

4.1 O jogo de xadrez: conceitos e definições

Como já foi visto, a influência do lúdico nos processos de ensino e

aprendizagem tem sido alvo de muitos estudos ao longo dos tempos. Entre os

materiais lúdicos, alguns são usualmente chamados de jogo, outros, brinquedo. Mas

qual a diferença entre jogo e brinquedo?

Para compreender o significado de tais termos foi indispensável a leitura da

obra de Kishimoto (1993) que aponta algumas diferenciações e significados, que

veremos a seguir.

4.1.1 O jogo

Jogo, palavra que se origina do latim, iocus, iocare, seria traduzido como

folguedo, brincadeira ou divertimento sujeito a regras, que pode ser visto como o

resultado do uso cotidiano e social da linguagem, através de interpretações e do

grupo social que o compreende.

É neste sentido que Kishimoto referenda:

Toda denominação pressupõe um quadro sociocultural transmitido pela linguagem e aplicado ao real. Dessa forma, enquanto fato social, o jogo assume a imagem, o sentido que cada sociedade lhe atribui. É este o aspecto que nos mostra por que o jogo aparece de modos tão diferentes, dependendo do lugar e da época. Em certas culturas indígenas, o “brincar” com arcos e flechas não é uma brincadeira, mas preparo para a arte da caça e da pesca.

(KISHIMOTO,1993, p. 16)

O jogo ainda pode ser visto como um sistema de regras de onde se identifica

uma estrutura sequencial que especifica sua modalidade, como o xadrez, com suas

regras específicas e diferentes de um jogo de damas, ou ainda, num terceiro

sentido, como um objeto.

Page 52: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

52

Enquanto objeto, tomando novamente o jogo de xadrez como exemplo, este

se materializa no tabuleiro e nas respectivas peças, confeccionadas de qualquer

material, seja ele de resina, de madeira, etc.

Assim sendo, Kishimoto (1993, p. 16), conclui: “Tais aspectos permitem uma

primeira exploração do jogo, diferenciando significados atribuídos por culturas diferentes,

pelas regras e objetos que o caracterizam.”

Diferentemente da pluralidade de sentidos do jogo, o brinquedo, não pode

ser reduzido a algumas significações, pois enquanto objeto, é suporte da brincadeira

e tem caráter funcional, é canalizador do imaginário, das fantasias e supõe uma

relação com a criança, uma indeterminação quanto ao uso, em que não se permitem

regras para a sua utilização.

Quando as crianças desempenham uma ação ao jogar, através de suas

regras ou quando estão com seus brinquedos em seus devaneios, tem-se a

brincadeira. Assim sendo, segundo Kishimoto, brincadeira é o lúdico em ação.

4.1.2 O jogo através dos tempos

Ao discorrer sobre a história do jogo, deve-se levar em conta que as primeiras

representações postulam o jogo como entretenimento, relaxamento e lazer. Um

momento de descanso em contraponto ao trabalho.

[...] esforçar-se e trabalhar por causa de entretenimentos parece tolo e extremamente pueril. Mas divertir-nos para trabalhar ainda mais, como diz Anárcasis, parece correto, pois o entretenimento é uma espécie de relaxamento, e temos necessidade de relaxamento porque não podemos trabalhar continuamente. O relaxamento, então, não é uma finalidade, pois recorremos a ele com vista à continuidade de nossa atividade. (ARISTÓTELES, c 1995).

A luz do pensamento de Aristóteles, Tomás de Aquino15, em Suma Teológica

e Contra Gentiles, ressalta a importância do jogo como recreação e descanso para

15

Tomás de Aquino ( 1225-1274), filósofo e teólogo italiano, cuja obra marca uma etapa

importante da filosofia escolástica, onde o pensamento privilegia a atividade, a razão e a vontade

humana, conciliando a fé cristã com o pensamento do grego Aristóteles . Para um maior

aprofundamento http://www.sapientia.pucsp.br/tde_arquivos/1/TDE-2013-08-07T09:35:06Z-

13970/Publico/Norma%20Leonor%20Hall%20Freire.pdf. Acesso em 15/dez/2013.

Page 53: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

53

o espírito: “Pode-se procurar o repouso do espírito pelos jogos, seja em palavras, seja em

ações. Ele permite ao homem sábio e virtuoso utilizar tais relaxamentos”...”O jogo em si,

malgrado as aparências, tem seu final normal: o repouso do espírito graças ao qual nós

podemos em seguida nos dedicar às atividades sérias...” ( apud BROUGÈRE, 1993)

Como dito anteriormente, na Idade Média, os jogos, por serem vistos como

algo profano, caíram em descrédito, mas às margens da religião oficial, nas

festividades em geral, ou seja, nos teatros, nos carnavais, ele preserva a sua

essência dos grupos. Nos séculos seguintes acontece uma expansão dos jogos,

principalmente dos ditos “jogos de azar”, de dados e cartas.

Entretanto, novas perspectivas surgem com o advento do Renascimento, que

associavam o jogo à criança e à educação, e vê a brincadeira como facilitador do

desenvolvimento da inteligência e da aprendizagem dos conteúdos escolares.

Essa visão de perceber o jogo está diretamente relacionada a concepção de

infância vista no Renascimento e consolidada no Romantismo, repleta de valores

positivos e contrária a tradição cristã.

No final do século XIX, os estudos evolucionistas comparavam a evolução

cultural com a própria evolução dos seres vivos, por conseguinte, os jogos recebem

um estudo científico na concepção darwinista, onde o natural justifica a

sobrevivência apenas das espécies animais que se adaptam às novas condições de

vida, sendo a conduta um fator primordial para essa adaptação.

Ainda no século XIX, nasce a Psicologia como ciência fortemente dominada

pelo pensamento empírico, assim sendo, a psicologia infantil embebida de

influências da biologia e do romantismo, faz transposição dos estudos dos animais

para o campo infantil.

Para Groos (1974), o jogo pode ser definido como uma necessidade

biológica, um instinto, e, psicologicamente, um ato voluntário.

Kishimoto, faz menção ainda a Groos, quando diz :

Se o jogo remete ao natural, universal e biológico ele é necessário para a espécie para o treino de instintos herdados. Dessa forma, Groos retoma o jogo enquanto ação espontânea natural (influência biológica) prazerosa e livre ( influência psicológica) e já antecipa sua relação com a educação ( treino de instintos). (KISHIMOTO, 2003, p.121).

Page 54: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

54

Diretamente influenciados pelas ideias de Rousseau (1712-1778), Pestalozzi

(1746-1827) e de Froebel16 (1782-1852), as discussões acerca da psicologia infantil

ligadas a importância do brincar e os jogos se estendem durante o século XIX e

adentram o século XX, onde surgem os jogos e brinquedos educativos, criados a

partir de pesquisas e formulações de teorias sobre o desenvolvimento da criança.

Para Kishimoto (1993), muitos foram os pesquisadores sobre o

desenvolvimento e a aprendizagem das crianças que se destacaram no século XX e

que preconizaram ideias sobre a construção de representações infantis relacionadas

a diferentes conteúdos de conhecimento. Essas ideias continuam a fundamentar

pesquisas e discussões sobre a utilização de jogos e brincadeiras na construção do

conhecimento, até os dias de hoje.

Como foi dito, as atividades lúdicas ajudam as crianças a se desenvolverem

em diferentes aspectos, podendo ser divididas em jogos didáticos que “são de uma

significação subsidiária, suplementar” (VIGOTSKI, 1988, apud LEONTIEV, 1998), de

exercício ou de construção, onde o aluno atua com o corpo e os jogos ditos

intelectuais que exercem o pensar , a reflexão e a concentração. Dentre os jogos

intelectuais, o que mais enaltece e estimula o pensamento crítico é o jogo de xadrez,

com suas inúmeras situações e possibilidades que se apresentam a cada momento,

provocando um novo pensar, um novo olhar e as possibilidades de solução.

4.1.3 O jogo de xadrez: panorama histórico

O xadrez, também chamado de Arte de Caissa 17, é um dos jogos mais

antigos que se tem conhecimento e sua origem é motivo de debate entre os

16

Friedrich Wilhelm August Froebel, pedagogo alemão , fundador do primeiro jardim de infância, com raízes na escola de Pestalozzi, cuja essência de sua pedagogia se centra nos princípios educacionais da atividade e da liberdade.Disponivel em http://www.unesp.br/prograd/e-book%20viii%20cepfe/LinksArquivos/4eixo.pdf. Acesso em 20/dez/2013.

17 Arte de Caissa: Trata-se do símbolo do xadrez e é feminino. Caissa é a musa do xadrez, porém paradoxalmente, o xadrez surgiu muito antes que Caissa, porque esta deusa não é da mitologia grega, nem romana, mas sim nasceu na poesia, em 1763. Um jovem inglês de 17 anos, Willian Jones, escreveu o poema Caissa onde ganhou vida esta ninfa encantadora, que promete a Marte corresponder-lhe se este inventasse um jogo sugestivo. Por aquela ninfa do bosque, segundo o poema, Marte, deus romano da guerra, concebe o xadrez e o apresenta com o nome de Caissa. Este poema, publicado em 1773, ganhou popularidade na França e também foi publicado na primeira revista de xadrez - La Palaméde - em Paris em 1836. Hoje, Caissa é uma forma poética de se dizer xadrez (Braga 2006).

Page 55: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

55

historiadores, que convergem para a teoria de que tenha sido criado na Índia, em

meados do século VI, atestada pelos primeiros registros literários persas. O trecho a

seguir é um resumo da lenda contada por Malba Tahan:

Das muitas histórias lendárias sobre a origem do xadrez, há uma que é consagrada pela sua fantástica exaltação da inteligência de um sábio chamado Sissa. O rei havia pedido ao sábio que inventasse um jogo capaz de demonstrar o valor de qualidades como a prudência, a diligência, a visão e o conhecimento, opondo-se ao Gamão, no qual o resultado era decidido pela sorte. Então Sissa apresentou ao rei um tabuleiro com peças que representavam os quatro elementos do exército indiano: carros, cavalos, elefantes e soldados a pé. Sissa explicou que escolhera a guerra como modelo para o jogo porque a guerra era a escola mais eficiente para se aprender o valor da decisão, do vigor, da persistência, da ponderação e da coragem. O rei adorou a invenção e disse a Sissa que escolhesse a recompensa que se desejar, Sissa disse que já se sentia recompensado pela alegria que tinha causado ao rei, mas o rei insistiu e Sissa finalmente pediu como recompensa grãos de trigo sobre o tabuleiro de xadrez. Na primeira casa, um grão de trigo; na segunda, dois; na terceira, quatro; na Quarta, o dobro de quatro; e assim por diante, até a última casa. O rei concordou com o pedido, pensando que alguns sacos de trigo bastavam para o pagamento. Então o rei ordenou que fosse trazido o trigo. Porém, antes de chegar a trigésima casa, todo o trigo da Índia estava esgotado. O rei olhou preocupado e Sissa confortou-o dizendo que já sabia que a recompensa não poderia ser paga porque a quantidade de trigo necessária cobriria toda a superfície da terra com uma camada de nove polegadas de espessura. Para recompensar Sissa seriam necessários 18.446.744.073.709.551.615

grãos de trigo. O rei não soube o que mais admirar, se a invenção do xadrez ou a engenhosidade do pedido de Sissa. (MALBA TAHAN, 1985):

Essa teoria ainda leva em conta a etimologia das palavras empregadas no

jogo. O jogo chamava-se Chaturanga que em sânscrito significa quadripartido , ou

seja dividido em quatro partes, devido ao jogo possuir quatro elementos do exercito

indiano da época: infantaria ( soldados a pé), que seriam os peões, cavalaria ( os

cavalos), charretes ( torres) e os elefantes ( bispos).

Page 56: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

56

Ilustração 3 – Brâmane indiano

O brâmane indiano Lahur Sessa criando o Chaturanga, (na concepção do artista brasileiro Thiago Cruz, 2007).

Murray assinala ainda que a Chaturanga tinha duas versões :

“... a evidência comparativa dos jogos não indianos fala fortemente a favor do jogo original de chaturanga ter sido para dois jogadores”. Mais tarde surgiu uma variação para quatro jogadores que se tornou popular. Na variação para duas pessoas, cada jogador possuía dezesseis peças: um Rei, um Conselheiro (hoje a Dama), dois Elefantes (hoje os Bispos), dois Cavalos, duas Charretes (hoje as Torres) e oito Soldados (atualmente os Peões). Na variação para quatro pessoas cada jogador possuía oito peças: um Rei, um Cavalo, um Elefante (movia-se como Torre), um Navio (movia-se duas casas na diagonal) e quatro Soldados (os Peões). (MURRAY, 1913, p.43)

Entre essas duas versões, a Chaturanga para dois jogadores prevaleceu e foi

dessa forma que chegou à Pérsia por volta do ano 600 e, posteriormente, e ainda no

mesmo século a cultura árabe.

É neste sentido que Murray (1913, p.430) referenda: não pode haver dúvida

que a introdução do xadrez na cultura árabe foi resultado da conquista da Pérsia

que ocorreu entre os anos 638 e 651.

Os vestígios arqueológicos mais antigos do jogo foram encontrados no sítio

arqueológico de Afrasiab, perto da cidade de Samarcanda, na região da Pérsia,

atual Uzbequistão e assim como o poema Madayan I Chatrang, é a primeira

evidência literária que descreve as peças de xadrez.

Page 57: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

57

Ilustração 4: Egipcios jogadores de xadrez

Sir Lawrence Alma – Egipcios jogadores de xadrez – Tadema – l865 – Coleção Privada

Na Europa, através da invasão dos mouros, por volta do século VIII,

lentamente o xadrez é apresentado aos europeus.

A invasão muçulmana da Península Ibérica a partir de 711 trouxe, entre outras coisas, um jogo como o xadrez. Mas a transmissão de um jogo exige circunstâncias propícias, incluindo a coexistência pacífica no nível da vida cotidiana, muitas vezes dividido entre dois grupos humanos. Essas condições apareceram muito mais tarde, e a circunstância bélica inicial fez impensável uma transmissão cedo, tanto do xadrez como de outros conhecimentos orientais. (...) O xadrez é introduzido em Córdoba, em 822, pelas mãos de um músico de Bagdá, chamado Ziriab, que exerceu uma enorme influência sobre a moda e os costumes. As circunstâncias foram documentadas com suficiente precisão”.(CALVO,1997,p.71)

As restrições religiosas à prática do xadrez se mantiveram, apesar de

continuarem a serem desobedecidas tanto pela corte europeia quanto pelo clero,

sendo que foi encontrado num monastério na Suíça, o primeiro registro literário em

solo europeu.

O poema intitulado Versus de Scachis, descrevia o movimento das peças de

xadrez, as regras do jogo e já o padrão dicromático do tabuleiro.

Aos poucos, o jogo ganhou adeptos da nobreza e, se difundiu com uma

popularidade extremamente significativa:

Page 58: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

58

Talvez as características mais marcantes do início da história do xadrez na Europa foram a extraordinária rapidez com que o jogo se tornou bem conhecido e a totalidade da sua conquista nas classes ociosas. (...) Durante a última parte da Idade Média, e especialmente a partir dos séculos XIII a XV, o xadrez alcançou uma popularidade na Europa Ocidental que nunca foi igualada, e provavelmente nunca foi igualada em qualquer data posterior. (MURRAY,1913,p.428)

O monge Jacobus de Cessolis 18, publicou, na segunda metade do século

XIII, um trabalho que teve uma extraordinária penetração na Europa, intitulado Liber

de Moribus Hominum et Officiis Nobilium Sive Super Ludo Scacchorum (Livro de

costumes dos homens e deveres dos nobres ou o livro de xadrez) um dos alicerces

do livro The game and Playe of the Chesse, e pioneiro dos livros impressos na

língua inglesa.

Ilustração 5 – O jogo de xadrez

i

Sofonisba Anguissola – O jogo de xadrez, 1555

Museu Navrodwe, Poznan, Polônia

Uma variação do jogo de xadrez ocorre no final do século XV, no sul da

Europa e o jogo sofre algumas modificações na sua forma medieval. A substituição

das peças Al-fil e Alfersa, por Bispo e Dama respectivamente, tornando dessa

maneira, devido a modificações nos seus movimentos, as partidas mais aceleradas,

conforme descrito no quadro a seguir:

18 Jacobus de Cessolis (c. 1250 – c. 1322) foi um monge dominicano italiano , que utilizou o xadrez como base para seus sermões sobre moralidade . Disponível em

http://pt.wikipedia.org/wiki/Jacobus_de_Cessolis.Acesso em 20/dez/2013.

Page 59: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

59

Tabela 1: As modificações das peças do xadrez medieval para o xadrez moderno no

final do século XV

Sendo assim, todo o conhecimento que se tinha sobre as regras, aberturas e

finais das partidas tornaram-se obsoletas devido as grandes mobilidades das peças,

alterando sobremaneira o método do jogo de xadrez. Corroborando neste argumento

é o que nos diz:

As consequências dessa mudança para toda a teoria e prática do jogo foram enormes, e afetam todo o relacionamento mútuo entre as peças de xadrez. Um simples peão pode decidir o final da partida ao transformar-se na poderosa dama ao alcançar a oitava linha do tabuleiro. Essa transição do medieval para o xadrez moderno teve lugar no último quarto do século XV e existem várias teorias sobre o lugar exato onde surgiu esta mudança revolucionária. (CALVO, 1997, p.95)

Silva (2011), diz que o período moderno do jogo de xadrez, inicia-se então no

século XV e estende-se até os dias de hoje, sendo dividido em cinco fases,

denominadas de subperíodos: Romântico, Científico, Hipermoderno, Eclético e

Informático.

No subperíodo romântico (1500-1886), os jogadores priorizavam a estética do

jogo, com jogadas rápidas, belas combinações e sacrifícios das peças envolvidas,

numa forma bem simples e ingênua de jogar.

Page 60: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

60

No subperíodo científico (1886-1916), destaca-se Wilhelm Stenitz com o seu

conceito de equilíbrio da posição, os quais foram resumidos por Kotov (1989) em

quatro regras:

1) O lado dominante deve atacar, e deve fazê-lo, caso contrário correrá o risco de perder a vantagem. Deverá atacar o ponto mais fraco da posição do adversário. 2) O lado que está na defensiva deve continuar defendendo-se e fazer concessões de tempos em tempos. 3) Em toda posição equilibrada os dois lados manobram procurando inclinar o equilíbrio a seu favor. Mas uma posição equilibrada gerará outras também equilibradas, se os jogadores jogarem com precisão. 4) A vantagem pode ser grande e indivisível ou um conjunto de pequenas vantagens. O lado superior deverá acumular pequenas vantagens e transformar as vantagens variáveis em constantes. (KOTOV,1989, p.30-31)

No subperíodo hipermoderno, 1886-1946, jovens enxadristas refinam e

expandem a aplicação dos princípios de Steintz com ideias revolucionárias, sendo

um dos pilares desse movimento , Aaron Nimzowitsch (Letônia, 1886-1935).

No subperíodo eclético, 1946 até hoje, os jogadores são mestres tanto na

estratégia, como no jogo posicional e possuem uma compreensão mais aguçada

dos elementos necessários de uma posição enxadrística, assim descritos e

resumidos por Kotov:

1) pontos e peões fracos; 2) colunas e filas abertas; 3) centro e espaço; 4) peças bem situadas e preponderância na evolução delas quando a posição do rei contrário é deficiente, ou a disposição das peças do adversário carece de harmonia, ou ainda uma das peças

do adversário não está bem situada. (KOTOV, 1989, p.34):

No subperíodo informático, 1996 até hoje, com o advento dos primeiros

computadores, os cientistas iniciaram o desenvolvimento de programas destinados

ao xadrez. Em 1996, o campeão mundial Garry Kasparov, perdeu uma partida em

um match contra o supercomputador Deep Blue19, fato que recebeu a cobertura e

divulgação pela imprensa internacional e ficou tão marcante que jogadores de alto

nível utilizam recursos da informática para a análise e preparação para os torneios.

19 Deep Blue, criado pela empresa americana IBM ( Internacional Business Machine), foi um supercomputador e um software elaborado especialmente para jogar xadrez , contando com 256 co-processadores, capazes de analisar aproximadamente 200 milhões de posições por segundo.Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Deep_Blue. Acesso em 27/dez/2013.

Page 61: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

61

O Brasil, comparativamente com os demais países que utilizam o xadrez

como ferramenta pedagógica, ainda caminha a passos lentos.

Trazido na era colonial pelos portugueses onde, apesar de não haver

registros históricos, acredita-se que começa a se popularizar através de D. Pedro II,

um aficionado pelo jogo de xadrez.

O primeiro registro de um livro publicado no Brasil sobre o xadrez foi escrito

por Henrique Velloso de Oliveira, em 1850, intitulado “Perfeito Jogador de Xadrez”,

um resumo dos melhores livros de xadrez da época.

Em 1898, Arthur Napoleão lança seu livro “Caissana Brasileira”, onde,

resume a história do xadrez do Brasil até aquele ano. Entre os jogadores que

Napoleão cita, há figuras de destaque da vida cultural, social e política da época,

como o músico Carlos Gomes e o escritor Machado de Assis. Um jogador, acima

desses ilustres jogadores amadores, eleva-se: João Carlos Viana Neto - nascido em

1862, filho do Visconde de Pirapetinga, amigo do imperador D. Pedro II,

notadamente um grande admirador e protetor das artes e dos esportes.

Caldas Viana foi considerado o melhor jogador de xadrez da América do Sul e

em 1905, fica conhecido mundialmente, após empatar um match20 com um grande

enxadrista da época, Rudolph Teichman, e apresenta suas originais pesquisas em

aberturas, sendo uma delas batizada de “Rio de Janeiro”, merecendo destaque num

artigo do grande enxadrista Emmanuel Lasker, na revista francesa “La Stratégie”.

Em 1924, devido a intensa procura de novos enxadristas no Brasil, cria-se a

Confederação Brasileira de Xadrez (CBX), com o objetivo de regulamentar e

organizar campeonatos oficiais realizados no país, sendo que o primeiro

campeonato aconteceu em 1927, vencido por João de Sousa , que permaneceu

como principal enxadrista brasileiro por quase quatro décadas, vencendo a

competição por sete vezes.

Entretanto, o jogador de maior destaque no Brasil é Henrique Costa Mecking,

conhecido como Mequinho. Nascido em 1953, na cidade de Santa Cruz do Sul, no

estado do Rio Grande do Sul, foi considerado em 1977, o terceiro melhor jogador do

20

A palavra match é um estrangeirismo ( processo que insere palavras provenientes de outros idiomas na língua portuguesa) que, no caso dos jogos, compreende-se como partida . Disponível em:

<http://www.nossalinguaportuguesa.com.br/dicionario/match>. Acesso em: 29 dez. 2013.

Page 62: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

62

mundo, conquistando 15 títulos em sua carreira, mas devido a uma grave doença,

foi obrigado a se afastar de suas atividades.

Católico fervoroso, atribui a sua cura pela fé, publicando o livro “Como Jesus

salvou a minha vida”, e após um longo período afastado, retoma o xadrez, sendo

que em 2001 volta ao cenário internacional, empatando com a maior enxadrista do

mundo, Judit Polgar21

Hoje em dia, Mequinho é o número 2 do Brasil, com pontuação de 2606 no

rating na Federação internacional do xadrez FIDE (2013),. Nosso Grande Mestre

também é membro do Internet Chess Club - ICC, o maior clube de xadrez do mundo

na internet, juntamente com cerca de 25.000 jogadores ativos de alto nível, sendo

200 os Grandes Mestres, onde Mequinho já esteve por dez vezes em primeiro lugar

no ranking22.

4.1.4 O jogo de xadrez: peças e posições iniciais

O jogo de xadrez representa uma batalha entre dois exércitos: peças brancas

e pretas e jogado com apenas dois jogadores. Em jogos amistosos é comum haver

um sorteio para determinar quem conduzirá as peças brancas. Já em campeonatos,

existem tabelas e regras para definir a cada partida quem jogará com as mesmas,

sendo que quem as possui sempre inicia o jogo. Os lances se sucedem

alternadamente até o final da partida.

As seis peças que compõem cada “exército” são:

21 Judit Polgár, enxadrista húngara, considerada uma das melhores jogadoras de xadrez de todos os tempos. Em 1988, tornou-se a primeira mulher a vencer o campeonato mundial para menores de 12 anos e com apenas 15 anos conquistou o título de grande mestre internacional.

Disponível em:<http://www.soxadrez.com.br/conteudos/enxadristas>. Acesso em: 28 dez. 2013. 22

Para maior aprofundamento conferir o rating brasileiro e mundial disponível em:

<http://www.cbx.org.br/listarating.aspx>. Acesso em: 28 dez. 2013.

Page 63: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

63

Rei: peça chave do jogo de xadrez. Quem perde o rei perde o jogo.

Apesar de sua importância, o Rei é modesto e muito limitado em seus movimentos:

não pode se mover mais de uma casa de cada vez, em qualquer direção

Dama: é a peça mais poderosa e fica ao lado do rei. Recebe uma

ênfase muito grande no jogo devido a sua capacidade de movimentação, pois

movimenta-se na coluna, fileira e diagonal, combinando movimento com o bispo e

com a torre.

Bispo: é a única peça que tem casas específicas no tabuleiro e

está ao lado do rei e da dama. Movimenta-se apenas na diagonal, quantas casas

estiverem livres, sendo assim, sempre nas casas de mesma cor.

Cavalo: Sai de sua casa, salta duas casas na coluna ou na

fileira e depois dá um giro de 900( para a direita ou para a esquerda), ou seja, faz um

caminho que lembra a letra “L” maiúscula. Diferente das outras peças de xadrez, ele

não tem o movimento interceptado por peças no meio do caminho.

Page 64: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

64

Torre: movimenta-se em linhas retas ( horizontais ou verticais), não

podendo pular outras peças e, como é mais valiosa em linhas ou colunas vazias, na

maioria das vezes é movimentada do meio do jogo para o final.

Peão: é a peça de menor valor no jogo. Das dezesseis que cada

jogador possui, oito são peões que se encontram na segunda fileira ( ou sétima, no

caso das pretas). Movimenta-se para frente, uma casa de cada vez, sendo a única

peça que não pode retornar ou retroceder no tabuleiro. Apenas na primeira jogada, é

permitido que o peão ande duas casas para a frente e na captura é permitido que se

movimente nas diagonais.

Cada peça possui um valor diferente, como demonstra o quadro a seguir:

Tabela 2 – valor das peças

Fonte: http://www.soxadrez.com.br/conteudos/tabuleiro_pecas/

O tabuleiro de xadrez possui 64 casas, formado pelas cores brancas e pretas

alternadamente e distribuídas em oito colunas verticais e oito fileiras horizontais,

Page 65: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

65

cada uma com oito casas. A primeira casa no extremo esquerdo do tabuleiro deve

ser uma casa preta e a última casa no extremo direito, uma casa branca.

Ilustração 6 – tabuleiro de xadrez

Fonte: http://www.soxadrez.com.br/conteudos/tabuleiro_pecas/

No sistema padrão de notação em competições oficiais,cada fileira é

designada por uma letra (a a h), ao passo que as colunas são designadas por um

número (1 a 8). Assim sendo, cada casa é designada pela letra e número

correspondentes a sua coluna e fileira (a1, b6, f5, etc.).

Ilustração 7 – configuração das casas

Fonte: http://www.soxadrez.com.br/conteudos/tabuleiro_pecas/

Page 66: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

66

Antes de colocar as peças no tabuleiro, deve-se verificar que a casa que

estiver a sua direita seja da cor branca. A figura a seguir, refere-se ao movimento

das peças de xadrez no tabuleiro:

Ilustração 8 – Movimento das peças

Fonte: http://www.palpitedigital.com.br/wp/2013/05/08/como-jogar-xadrez-quais-as-regras/

O objetivo do jogo de xadrez é muito simples: deixar o rei adversário sem

saída, o famoso xeque-mate23, e para tanto, o mais importante não é capturar o

maior número de peças do adversário mas sim lançar mão de estratégias para

cercar o rei inimigo de forma que não possa ter rotas de fuga.

Nesse sentido, um bom jogador, deve ser capaz de visualizar várias jogadas

à frente, sem mover as peças, pois no xadrez, “peça tocada é peça jogada”,

abstraindo os lances em sua mente, encontrando qual a melhor forma, qual a melhor

tática a ser aplicada. Estratégia e decisão tomadas individualmente.

Corroborando neste argumento, Christofoletti (2005) salienta ainda que,

mesmo nas competições por equipe, cada jogador tem o seu tabuleiro, cabendo

somente a ele tomar as decisões e arcar com os resultados, o que favorece a

autoconfiança nas suas determinações.

23 Xeque mate- Palavra de origem árabe que na tradução para o idioma português significa o rei morreu. Jogada de ataque ao rei que remata a partida do xadrez por não haver defesa possível.

Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/xeque-mate>. Acesso em: 20 dez. 2013.

Page 67: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

67

Mesmo nessa visão mais técnica da aprendizagem do xadrez, percebem-se

características importantes que podem desenvolver várias funções do cérebro, tais

como: atenção, concentração, julgamento, planejamento, imaginação, antecipação,

memória, análise de situações problemas e criatividade (REZENDE, 2005).

Todas essas habilidades citadas são de suma importância e proporcionam o

desenvolvimento cognitivo e emocional que serão discutidas a seguir.

4.2. O Jogo de xadrez e o pensamento crítico

Com base nas concepções sobre as questões dos jogos e brincadeiras

apresentados até agora, entende-se que, devido a sua natureza lúdica, o homem

criou e desenvolveu jogos que acompanham seu desenvolvimento na sociedade

como um todo, e em quase todas as partes do mundo, independente da cultura,

crença ou raça.

É sabido que as desigualdades sociais e econômicas existem na maioria dos

países, e que não são apenas de caráter cultural. A importância, a qualidade e a

abrangência da educação que um governo oferece ao seu país, também acarretam

em tais desigualdades. Países ditos desenvolvidos, muito raramente não investem

em educação e, em contrapartida, a maioria dos países subdesenvolvidos raramente

terá na sua história indícios de fortes empenhos financeiros no sistema educacional,

ainda mais em países, em que a educação serve como conexão, ponte para a

urgente inserção no mercado de trabalho, como no Brasil, e distante da real missão

da escola, que é a formação de um cidadão consciente, com uma aprendizagem

significativa, crítica e comprometida com o bem-estar da sociedade.

Corroborando neste argumento, nos diz Pereira e Lopes (2002) que, formar

indivíduos realizados como pessoas, requer da escola mais do que acúmulo e

transmissão de informações: “Educar para a vida requer a incorporação de vivências

e a incorporação do aprendido em novas vivências”.

Essas vivências, também chamadas de conhecimentos prévios, são as ideias

espontâneas, as bagagens de experiências vividas, trazidas pelos alunos do seu dia

a dia, do seu cotidiano e que, muitas vezes, diferem dos conceitos científicos, em

que estratégias de ensino, como o trabalho prático e os jogos, potencializam a

integração com novos conceitos, contextualizando e dando-lhes sentido.

Page 68: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

68

Piaget (1975) escreve a respeito da importância dos jogos na construção do

conhecimento: “O jogo constitui o polo extremo da assimilação da realidade no ego,

tendo relação com a imaginação criativa que será fonte de todo o pensamento e

raciocínio posterior”.

Outro fator que corrobora com esse argumento é o que nos diz Huizinga

(1980) ao ressaltar a importância dos jogos que estimulam os conflitos, quando diz:

“a essência do espírito lúdico é ousar, correr riscos, suportar a incerteza e a tensão”.

Viver sob tensão, sem submeter-se a ela, arriscar, suportar incertezas são

propostas que os jogos fazem a todo momento, e desde a tenra idade,

principalmente quando, entre os seis e sete anos,se iniciam os jogos de regras que

aliam a satisfação motora e intelectual à satisfação da vitória sobre o outro, onde as

regras orientam as ações dos competidores, estabelecem seus limites de ação e

dispõem sobre as penalidades e recompensas.

Outro fator que corrobora neste argumento a respeito das regras é o que nos

diz Huizinga:

Reina dentro do domínio do jogo uma ordem específica e absoluta. E aqui chegamos a sua outra característica, mais positiva ainda: ele cria ordem e é ordem. Introduz na confusão da vida e na imperfeição do mundo uma perfeição temporária e limitada, exige uma ordem suprema e absoluta: a menor desobediência a esta “estraga o jogo”, privando-o de seu caráter próprio e de todo e

qualquer valor. (HUIZINGA, 1980, p. 13)

Dessa forma, os jogos de tabuleiro são fascinantes para a criança por

apresentar desafios, onde ela aprende a respeitar os limites do adversário e uma

forma de aprender e reaprender, pois na próxima partida ela poderá utilizar-se da

experiência já vivida.

Piaget (1975, p. 184) classifica os jogos de regras em:

Jogos de combinações sensórios motoras (corrida, jogos de bola de gude ou com bolas) ou intelectuais (cartas, xadrez, etc.) com competição de indivíduos e regulamentados quer por um código transmitido de gerações, quer por acordos momentâneos.

“Os jogos intelectuais ajudam a criança a desenvolver o pensar e a reflexão, e

nesse sentido, o jogo de xadrez possui características importantes, e que podem

Page 69: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

69

desenvolver habilidades como a concentração, paciência, análise e síntese.”

(REZENDE, 2005) .

Nesse contexto, observa-se que um jogador de xadrez, por muitas vezes, tem

a sua frente situações que, a princípio, parecem não ter solução. Quando, ao

levantar os olhos, consegue vislumbrar o tabuleiro por completo, começa a ter uma

visão melhor do jogo. Observa o problema, sua origem, o que o levou àquela

situação e as maneiras que tem para revertê-la, procurando visualizar várias jogadas

à sua frente, sem mover as peças, antevendo se as saídas que imagina surtirão o

efeito esperado e consciente de que terá diante de si as implicações de suas

atitudes.

Percebe-se aqui que, no jogo de xadrez, uma das características que o

jogador precisa desenvolver é a concentração, sendo que esta influencia

diretamente no êxito da execução das jogadas.

Como sinaliza Weinberg e Gould ( 2001, apud SAMULSKI, 2009):

A concentração é a capacidade de manter o foco de atenção sobre os estímulos relevantes do meio ambiente. Quando o ambiente muda rapidamente, consequentemente o foco de atenção precisa ser mudado também. Pensamentos sobre aspectos irrelevantes podem aumentar a frequência de erros durante a competição.

Além de a concentração ser um fator importante no jogo de xadrez, percebe-

se também que o pensar e o tomar decisões também faz com que o jogador

conquiste e se habitue com sua autonomia. Assim sendo, a independência de

pensamento torna-se um ponto extremamente positivo e preponderante para o

desenvolvimento da sua autonomia intelectual e da sua autoconfiança.

Corroborando neste argumento e reforçando a importância do xadrez no

desenvolvimento da autonomia da criança, referenda Kamii (1990) “as crianças que

são encorajadas a tomar decisões são encorajadas a pensar”. E ainda, conforme a

autora, se a criança é encorajada a tomar decisões por si mesma, sob a óptica do

desenvolvimento da autonomia, isso fará demasiada diferença, sendo essa

“autonomia indissociavelmente social, moral e intelectual”.

À luz do pensamento de Pimenta (2008, p.04), que enaltece a importância do

xadrez na formação de cidadãos preparados para o convívio social, através do

aprendizado da vitória e da derrota, encontra-se:

Page 70: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

70

O jogador de xadrez, constantemente exposto a situações em que precisa efetivamente olhar, avaliar e entender a realidade pode mais facilmente aprender a planejar adequada e equilibradamente, a aceitar pontos de vista diversos, a discutir questionários e compreender limites e valores estabelecidos e a vivenciar a riqueza das experiências de flexibilidade e reversibilidade³ de pensamentos e posturas.

Neste contexto, percebe-se que o xadrez evidencia uma maneira importante

do erro como aprendizagem. Cada jogador aprende o jogo de uma maneira diferente

e com uma velocidade também diferente. O número de lances se diferencia a cada

jogada e o jogador passa, após várias tentativas, a descartar algumas possibilidades

que não deram certo, considerando apenas as mais viáveis, diminuindo assim o

medo de arriscar, estimulando, de forma complementar, o papel da prudência; pois

jogadas rápidas e irrefletidas não são uma boa estratégia.

É lugar comum que, em tempos de conhecimentos efêmeros, repletos de

informações instantâneas e sobrepostas, quase não haja espaço para a reflexão.

A reflexão, segundo afirma Garcia (in NÓVOA, 1992), é o conceito mais

utilizado pelos educadores, para se referirem as novas tendências no campo

educacional.

Antes de prosseguir com este pensamento, faz-se necessário retomar o que

vem a ser reflexividade. De acordo com o dicionário Houaiss, reflexivo é o que

reflete ou reflexiona, que procede com reflexão, que cogita, que se volta sobre si

mesmo.

Segundo Saviani (2000), refletir é o ato de retomar, reconsiderar os dados

disponíveis, revisar, vasculhar numa busca constante de significado.

Assim sendo, reflexividade é uma análise que deve ser feita consigo mesmo

(autoanálise) ou com os outros, e exclusiva dos seres racionais conscientes.

Neste contexto, Paulo Freire, um dos precursores na relação da reflexividade

fundamentada no processo de ação-reflexão-ação que visa à formação da

consciência política sustenta que “a capacidade de agir e refletir é a condição

primeira para que os sujeitos assumam atitudes comprometidas com transformação"

(FREIRE, 2002)

Á luz do seu pensamento, a ausência da reflexão do sujeito em si, faz com

que o mesmo não tenha consciência do mundo e somente a ele se adapte:

Page 71: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

71

Somente um ser que é capaz de sair de seu contexto, de distanciar-se dele para ficar com ele; capaz de admirá-lo para, objetivando-o, transformá-lo e, transformando-o, saber-se transformado pela sua própria criação; um ser que é, e está sendo no tempo que é o seu, um ser histórico, somente este é capaz, por tudo isto, de comprometer-se (FREIRE, 2002,p.17).

Assim sendo, o pensamento reflexivo ultrapassa uma modesta reflexão que

se possa empreender na ação e sobre a ação.

Para que isso ocorra, faz-se necessário, um pensamento direcionado na

análise de argumentos, na avaliação de hipóteses, num pensamento focado no que

fazer e que decisão tomar. Nesse momento, o pensamento reflexivo, passar a ser

também um pensamento crítico.

Corroborando com esse argumento, Waldow (1995, p.109 ), assim define o

pensamento crítico:

é processo de reflexão sobre as hipóteses que permeiam as nossas ideias e ações, bem como as dos outros, reconhecendo como o contexto altera comportamentos, resultando em novas formas alternativas de pensar e viver.

Nesse contexto, para se pensar criticamente é necessário estimular o ato

reflexivo, o que significa ampliar a capacidade de observação, análise, crítica,

autonomia de pensamento e de ideias, expandir os horizontes, tornar-se sujeito ativo

nas transformações da sociedade, buscar interagir com a realidade (SORDI;

BAGNATO, 1998).

Diante do exposto, percebe-se a contribuição do jogo de xadrez na formação

do pensamento crítico, uma vez que este se propõe a ampliar o seu modo de

pensar, através da lógica, que o conduzirá a sistematizar e a organizar uma questão

antes de resolvê-la, e a versatilidade de uma mente aberta, disposta a experimentar

novas possibilidades, além das existentes para resolver uma questão.

Yasser Seirawan (2006, p. 12), um notável jogador de xadrez, assim relata a

importância da prática do xadrez e a sua contribuição na formação do pensamento

crítico:

Basicamente, a educação tem dois elementos: informação e processo de informação. A informação por si só, é inútil. O que dá valor à informação é o pensamento crítico, que nos permite processá-lo. O pensamento crítico está presente em todos os jogos

Page 72: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

72

de xadrez, até mesmo quando os jogadores são fracos e mal acabaram de aprender os movimentos. O jogador estende o braço, seus olhos cintilam, sua mão pega o cavalo e ataca um peão. Tudo isso é feito de modo sorrateiro, dissimulado e implacável. O peão é dele! Mas, de repente... parece que o adversário faz um pacto com o diabo. Consegue capturar o bravo cavalo. Não é possível! Como isso foi acontecer? O que ele deveria ter feito? O que fazer agora? Nesse momento, apresenta-se o pensamento crítico.

O pensamento crítico mostra-se também indispensável para fomentar a

responsabilidade social, uma vez que contribui para a formação de sujeitos que

compreendam, se insiram e transformem o mundo, tornando-se dessa forma,

cidadãos.

A construção de uma cidadania plena pressupõe a transformação da

sociedade como um todo através de uma conscientização que permita a

compreensão crítica e participativa da realidade social, e para tanto, torna-se

indispensável a criação de um sistema educacional que viabilize o desenvolvimento

do pensamento critico .

Para Gentili (1999, p. 154-155):

[...] a formação para a cidadania supõe a possibilidade de criar espaços educativos nos quais os sujeitos sociais sejam capazes de questionar, de pensar, de assumir e também, é claro, de submeter à crítica os valores, as normas e os direitos morais pertencentes a indivíduos, a grupos e a comunidades, inclusive os seus próprios. Sem uma prática de autonomia efetiva por parte do sujeito moral, não há possibilidade alguma de uma moralidade autônoma. Sem uma prática efetiva da liberdade, não há possibilidade de construir-se uma moralidade livre. Sem uma prática efetiva da democracia, não há possibilidade de uma moralidade democrática.

Assim sendo, o aluno deve ter uma formação que ultrapasse apenas o

desenvolvimento do intelecto, mas e principalmente, para que tenha uma visão

crítica da vida e para que possa formular seus próprios juízos de valor,

compreendendo que toda pessoa merece dignidade e felicidade e que, é seu dever

lutar para atingir esses objetivos.

Page 73: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

73

4.3 O Jogo de Xadrez e a escola

Como dito anteriormente, os jogos são métodos de ensino por intermédio dos

quais o professor pode conhecer seu aluno e a realidade do grupo, suas

dificuldades, necessidades e comportamentos em geral;e utilizar como ferramentas

para estimular o desenvolvimento cognitivo, físico-motor, moral e social; substituindo

a passividade do ensino tradicional pelo entusiasmo de aprender, e é neste sentido

que referenda Piaget (1975):

O jogo é um caso típico das condutas negligenciadas pela escola tradicional, dado o fato de parecerem destituídas de significado funcional. Para a pedagogia corrente é apenas um descaso ou o desgaste de um excedente de energia. Mas esta visão simplista não explica nem a importância que as crianças atribuem aos seus jogos e muito menos a forma constante de que revestem os jogos infantis, simbolismo ou ficção, por exemplo. (PIAGET, 1975, p.158 )

Nesse contexto, torna-se necessária a reflexão dos professores em relação

aos conteúdos e suas práticas pedagógicas, para que elas provoquem e estimulem

os alunos exprimirem suas ideias, seu modo de pensar e de compreender o mundo

através de perspectivas mais abertas e mais humanas,fazendo uso de atividades

com jogos como desafios cognitivos, a fim de desequilibrar as estruturas mentais

destes, com o intuito de promover avanços no seu desenvolvimento por um todo.

Neste sentido, torna-se indispensável que os pais percebam o valor

educacional dos jogos e entendam o verdadeiro sentido em sala de aula, apoiando

os professores na sua utilização dentro do espaço escolar; compreendendo que

educar ludicamente é um ato consciente e planejado,sendo que,na maioria das

vezes, os alunos ficam mais agitados e conversam mais do que o normal durante

essas atividades, devendo interpretar essa “bagunça saudável”, como um momento

de aprendizagem significativa e profundamente enriquecedora.

Por sua vez, os professores precisam deixar claro que essas atividades

lúdicas não implicam passividade de sua parte e sim a intenção de mostrar as

contradições, os vazios e inconsistências no pensamento dos alunos, desafiando-os

a superá-los.

Para que essa tarefa se realize a contento, os professores devem ser, antes

de tudo, competentes no conteúdo envolvido na atividade lúdica e comprometidos a

Page 74: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

74

atingir os objetivos esperados com tal atividade, planejando todo o processo, com

estratégias e técnicas para facilitar a compreensão, permitindo livre expressão das

concepções espontâneas e também da assimilação das regras a serem cumpridas,

extraindo do jogo o que for de seu interesse para lhe ajudar nos conteúdos

abordados.

Nesta reflexão sobre a formação dos professores para as atividades lúdicas,

contribui Ceccon (1984, p. 15):

De uma maneira ou de outra, quando se encontram diante de uma turma de alunos, percebem que as crianças têm uma dificuldade enorme de seguir o programa. Também se dão conta de que eles próprios, professores, foram mal preparados para o trabalho que têm que fazer.

Cabe, portanto, aos professores fazer uma introspecção analítica, capaz de

levá-los a compreender, aceitar e corrigir deficiências pessoais, incorporando a

chance de modificar seus conceitos e seus comportamentos, para, dessa forma,

olharem ao seu redor para efetiva participação nas mudanças que se fizerem

necessárias e atribuírem a parcela de responsabilidade pelo estágio em que se

encontra a escola e a educação atuais .

Assim sendo, os professores devem ainda compreender que a escola

somente despertará para melhoria, quando cada um se dispuser a mudar a si

mesmo; praticar a humildade e entender-se como ser limitado, passível de novas

aprendizagens, capazes de acrescentar elementos novos em suas aulas, utilizando

atividades diversificadas , respeitando cada aluno, como ser único e especial.

Dentre essas atividades diversificadas, ressalta-se neste trabalho a utilização

do lúdico, e dentre os jogos, a utilização do jogo de xadrez, por tudo que até aqui foi

explanado.

É bem verdade que muito se discute sobre o jogo de xadrez e seus usos na

educação, mas sua utilização exige, por parte das escolas, da criação de algumas

condições ainda não existentes na maioria delas. Essa afirmação deve-se ao fato de

que, muitas o têm utilizado como atividade extracurricular ou exercícios nas aulas de

Educação Física.

Este trabalho pretende, sem desconsiderar tais práticas, demonstrar que o

Page 75: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

75

jogo de xadrez tem muitas vantagens e merece ser inserido de modo sistematizado

no ensino escolar e apresentar a sua utilização sob outra perspectiva.

Uma das formas de prática escolar é utilizá-lo como tema transversal,

permeando a prática educativa em diversas áreas ou mesmo inserindo-o como

disciplina desde as séries iniciais e adotando-o como política pública das secretarias

municipais ou estaduais de educação,embasado pela Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional-Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que relata em seus

artigos 26 e 32 e acordando com Moura Netto 24(2011) :

A educação fundamental e média poderá ser complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela e que deverá estimular as atividades que possam estimular o cálculo, a leitura, a escrita, a resolução de problemas, entre outros. No meio acadêmico, o lúdico no campo educacional é amplamente debatido e a importância do jogo para o desenvolvimento humano tem sido objeto de estudo das mais diferentes abordagens e convergem como metodologia significativa de ensino.

Existem formas diferentes de se praticar o xadrez, sendo que algumas delas

não são indicadas para aplicação em sala de aula, embora façam referência a

mesma essência, lendas, regras, objetivos e teorias sobre o mesmo jogo.

O xadrez esportivo, praticado em clubes e associações e voltado às

competições, e o xadrez praticado somente como uma atividade lúdica, não

abarcam todas as habilidades e competências que possam ser extraídas para que o

aluno venha a ter um bom desenvolvimento e rendimento escolar e social. Desta

forma, é preciso que se trabalhe com este jogo de uma forma pedagógica,

abstraindo todas as suas possibilidades de desenvolvimento educacional,

explorando-o pedagogicamente, á medida que a essência do jogo, suas regras e

teorias aparecem no contexto , tornando-se subsídios e passando a ser ferramenta

para a promoção do aprendizado. Para Moura Netto (2011), o xadrez

24 Charles Moura Netto, formado em Educação Física pela Universidade Federal de Minas Gerais, pós-graduado em Treinamento Esportivo e em Gerenciamento e Administração de Projetos Sociais, com mestrado em Engenharia Ambiental. Grande estudioso e defensor da utilização do xadrez pedagógico no ambiente escolar, fazendo parte da Confederação Brasileira do Xadrez. Para se aprofundar , acessar http://www.xadreztotal.com.br/entrevista-com-o-professor-charles-moura-netto>

Page 76: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

76

pedagógico é uma manifestação da prática do jogo de xadrez que possibilita

aperfeiçoar as habilidades cognitivas do processo ensino aprendizagem em

educação formal e não formal.

O xadrez pedagógico geralmente se desenvolve através de projetos educacionais que além da prática do xadrez, possam intermediar o diálogo entre saberes (matemática, física, português, inglês, história, geografia, artes, química, educação física, etc) da educação. O xadrez pedagógico pode ser introduzido nas disciplinas de todos os níveis de educação como “tema transversal” em consonância com os conteúdos programáticos previstos nas disciplinas. O xadrez pedagógico possibilita também aos indivíduos que o praticam a discussão de valores morais, sociais, cognitivos e posturas individuais e coletivas.

Assim sendo, o xadrez pedagógico deve ser utilizado pelos professores a fim

de permitir que o jogo seja extensivo a todos os alunos e não apenas para alguns,

como os que têm facilidade em cálculos e raciocínios lógicos, combatendo dessa

maneira, as diversidades existentes no contexto escolar e não escolar.

Cristine25 (2010) ainda fala como o xadrez pedagógico pode ser utilizado em

muitas áreas do conhecimento:

Na Matemática explora-se inicialmente o tabuleiro e a movimentação das peças associadas com a Geometria e suas dimensões. Nas Artes, exploram-se as formas das peças através do uso da argila, pintura,técnicas com materiais recicláveis. Na História, pode ser trabalhada a questão da origem do xadrez, a cultura dos seus povos e a relação entre aspectos sociais e políticos. Na Geografia, pode ser abordada a localização onde o jogo de xadrez era praticado. E finalizando, quando se faz referência à Ética, seria quanto à importância das regras e o respeito que deve existir para com o parceiro de jogo.

Para uma melhor compreensão da implicação deste jogo no âmbito escolar,

mostra-se a tabela a seguir, elaborada por Wilson Silva, citado por Santos (2003)

que exibe um comparativo entre as principais características do xadrez e as suas

implicações pedagógicas.

25

O jogo de xadrez no processo de ensino – aprendizagem. Disponivel em

:<http://www.mundoeducacao.com/educacao/o-jogo-xadrez-no-processo-ensinoaprendizagem.htm.> acesso em 05/dez/2013

Page 77: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

77

Tabela 3: Características do xadrez e suas implicações educativas

Características do xadrez Implicações nos aspectos educacionais e de formação do caráter

Fica-se concentrado e imóvel na cadeira O desenvolvimento do autocontrole psicofísico

Fornecer um número de movimentos num determinado tempo

Avaliação da estrutura do problema e do tempo disponível

Movimentar peças após exaustiva análise de lances

Desenvolvimento da capacidade de pensar com abrangência e profundidade

Após encontrar um lance, procurar outro melhor.

Tenacidade e empenho no progresso contínuo

Partindo de uma posição a princípio igual, direcionar para uma conclusão brilhante (combinação)

Criatividade e imaginação

O resultado indica quem tinha o melhor plano

Respeito à opinião do interlocutor

Dentre as várias possibilidades, escolher uma única, sem ajuda externa.

Estímulo à tomada de decisões com autonomia

Um movimento deve ser consequência lógica do anterior e deve apresentar o seguinte

Exercício do pensamento lógico, autoconsistência e fluidez de raciocínio.

Fonte: Silva, 2002

Santos (2007), menciona um trecho de Wilson da Silva ³ que diz ser o jogo de

xadrez uma ferramenta pedagógica importantíssima nas escolas porque “ ensina as

crianças o mais importante na solução de um problema, que é saber olhar e

entender a realidade que se apresenta [...] ”.

Em meados de 1986, a Federação Internacional do Xadrez (FIDE) e a

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

(UNESCO), com o intuito de difundir e democratizar a utilização do xadrez

pedagógico, criaram a Comissão do Xadrez nas Escolas (CCS), sendo tal a

repercussão desse acontecimento que vários países passaram a incentivá-lo em

suas escolas, como cita Klein (2003)

Em 1993, com o apoio do Ministério da Educação e Cultura (MEC), realizou-

se em Curitiba, Paraná, o “Primeiro Seminário Internacional de Xadrez nas Escolas”,

do qual fizeram parte dez países: Argentina, Brasil, Colômbia, Cuba, Filipinas,

França, Grécia, Itália, Portugal e Venezuela.

Page 78: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

78

Dos países que adotaram o xadrez de alguma maneira no contexto escolar,

elencamos alguns exemplos: na Alemanha, várias experiências foram realizadas

desde 1976 utilizando o xadrez nas escolas desde as séries iniciais, e em 1985, a

Universidade Schiller de Gena, criou um curso facultativo, com duração de um ano,

no qual os diplomados tinham o direito de coordenar o xadrez nas escolas e casas

de cultura Klein( 2003); na Inglaterra, o xadrez é ensinado nas escolas fora do

horário normal das aulas, ou seja, não encontra-se integrado no currículo, mas está

inserido no espaço institucional, sendo que em Londres, desde 1943, tem-se a

Associação para o Ensino de Xadrez; na Hungria, desde 1987, Sá (2004), a

Universidade Técnica de Budapest organiza cursos de xadrez,Sá( 2004 ); na Rússia,

em 1966, foi criada a Faculdade de Xadrez no Instituto Central de Educação Física

de Moscou, onde após quatro anos de estudos sobre o xadrez, práticas e teorias, os

estudantes tornam-se professores no secundário , Sá (2004).

No Brasil, o xadrez teve um aumento considerável na década de 70, por ter,

como dito anteriormente, um dos melhores jogadores do mundo, o Mequinho.

Atualmente, o xadrez está sendo gradativamente inserido no campo da educação,

com muitos questionamentos e incertezas, mas em sua grande maioria, ainda como

atividade complementar.

No Paraná, muitas escolas estão adotando métodos de inclusão do xadrez.

Um município em destaque é o de Francisco Beltrão, por meio do projeto Xadrez

Escolar, do professor Jerry Pilati, com o objetivo maior de inserir o jogo de xadrez

nas atividades educacionais. A cidade de Francisco Beltrão conta ainda com um

centro de excelência de xadrez², gerenciado também pelo professor Pilati e aberto a

toda a comunidade.

Jerry Pilati (2008, p.58) assim justifica o uso do xadrez pedagógico e sua

função social:

Se hoje nós formos verificar a vida do adulto, veremos que ele tem que administrar a economia que gira em torno dele, o seu trabalho e as pessoas que estão ao seu redor, além de sua casa e família. Para as crianças, no jogo de xadrez, isso tudo são as peças, se ela aprender a administrar essas peças, umas se movimentando diferente das outras, ela vai aprendendo a administrar sua vida como um todo. É nessa tecla que nós batemos para mostrar que o xadrez é realmente muito importante na organização social das pessoas

desde crianças.

Page 79: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

79

Assim sendo, quando se trabalha com o xadrez pedagógico, não basta que o

aluno saiba apenas solucionar o exercício que está sendo proposto, analisando

apenas uma parte do tabuleiro, ou ver as peças isoladamente. No jogo de xadrez,

ter uma visão mais ampla da situação, inclui enxergar não apenas o adversário, mas

também todo o ambiente à sua volta, todos os demais protagonistas que fazem

parte da cena e do cenário que se descortina e todas as possíveis rotas de fuga da

situação.

Nuno Cobra26 (2005) aplaude a iniciativa das escolas em inserir o jogo de

xadrez no currículo escolar, argumentando que o xadrez é realmente um excelente

exercício para o cérebro e exige muito das emoções. Este capítulo se encerra com

os seus dizeres:

O xadrez trabalha a imaginação, memorização, planejamento e paciência. Nas escolas do primeiro mundo, o xadrez já é praticado há décadas, onde os alunos, além de todo esse desenvolvimento citado, melhoram muito sua disciplina, relacionamento com as pessoas respeito às leis, às regras. À primeira vista, o xadrez parece ser apenas um esporte que atua sobre o cérebro, mas desempenha uma função muito importante no desenvolvimento do corpo emocional. O que, aliás é básico para o desempenho competitivo de um jovem enxadrista. O xadrez abre outras áreas de programação mental de raciocínio, ampliando as conexões interneurais. É justamente por exigir tanto da mente, das emoções e dos sentidos é que se torna necessária uma grande eficiência cardiovascular para se ter uma boa performance. Quanto mais alto o nível da competição, mais clara se torna essa relação. Uma bomba ejetora mais plena (o coração) colocará nas células do cérebro uma quantidade maior de oxigênio. Esse cérebro mais oxigenado possibilitará maior eficiência, maior lucidez e, principalmente, maior velocidade do pensamento, de interpretação e reação aos movimentos complexos presentes no xadrez.

26 Nuno Cobra é pós-graduado em educação física pela Universidade de São Paulo (USP), e foi preparador físico de atletas profissionais como Ayrton Senna e Rubens Barrichelo. Disponível em <http://www.fexpar.esp.br/Leituras/nunocobra/QualidadedeVida.htm>. Acesso em 05 de Janeiro de

2014.

Page 80: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

80

CAPÍTULO 5 – RELATO DE CASO

5.1 - O caminho da pesquisa

Este estudo, de natureza qualitativa, tem como base uma pesquisa

bibliográfica e um estudo de caso, visando alcançar os objetivos que foram

propostos, ou seja, defender a utilização do jogo de xadrez pedagógico nas escolas,

uma vez que o mesmo promove o desenvolvimento do pensamento crítico.

Segundo Minayo (1994), a pesquisa caracteriza-se por uma atividade de

aproximação contínua com a realidade que nunca se esgota, oportunizando uma

combinação entre a teoria e a prática.

Conforme Gil (2007), “a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em

material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”.

Assim sendo, buscou-se informações em trabalhos anteriores para dar

fundamentação teórica a prática pedagógica no desenvolvimento desta pesquisa.

A abordagem qualitativa assumiu a forma de estudo de caso, pois esta

permite, conforme Triviños (1987), que se realize investigações profundamente,

tanto de um indivíduo, como de uma instituição ou grupo.

Ainda e de acordo com Chizotti (2010), estudo de caso, “é uma

caracterização abrangente para designar uma diversidade de pesquisas que coletam

e registram dados de caso particular com o objetivo de tomar decisões propondo

uma ação crítica e transformadora, sendo que a seleção do caso deve ser feita com

bastante atenção para que mereça a investigação.

Assim sendo, a metodologia escolhida possibilitou descrever a realidade de

forma contextualizada, levando em conta que a mesma se dá no dia a dia da escola,

repleta de dados significativos.

Nesse sentido, ao investigar o jogo de xadrez como ferramenta pedagógica

que potencialize o desenvolvimento do pensamento crítico, o estudo de caso foi o

método escolhido pelo interesse em conhecer o trabalho inovador de uma

professora em particular do primeiro ano do ensino fundamental I.

A escola possui duas turmas do primeiro ano: A e B. A professora em

referência é da turma A. O trabalho desenvolvido com o xadrez faz com que essa

turma possua especificidades, que a diferencia da turma B, na qual, a professora

não quis trabalhar com tal ferramenta pedagógica, o que justifica a escolha da

Page 81: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

81

metodologia do estudo de caso, como afirmam Goode e Hatt (1968) “ o caso se

destaca por se constituir numa unidade dentro de um sistema mais amplo”.

Dessa maneira, o encantamento incide naquilo que o fato apresenta de

exclusivo, inusitado, mesmo que mais tarde, semelhanças com outros casos,

acontecimentos ou situações venham a acontecer.

Esta investigação teve lugar numa escola da região de Itu, estado de São

Paulo, justificando-se a escolha por dois motivos: em primeiro lugar, a escola é

referência na região há muitos anos, devido ao seu trabalho com a comunidade e

também pelo seu envolvimento e comprometimento de toda a equipe com a

educação de excelência, merecendo destaque nacional e sendo premiada na

categoria “qualidade da educação” entre 1800 escolas de todo o país, no ano de

2010, pelo trabalho pedagógico, infraestrutura, inclusão de alunos portadores de

deficiência, gestão escolar, avaliações de rendimento escolar, participação dos pais

e de toda a comunidade escolar no processo educativo e, em segundo lugar, por

manter e valorizar um espaço para os temas transversais, intitulado de vivências

tecnológicas, onde entre elas, destacam-se o lego, a informática e o xadrez

pedagógico.

A escola oferece educação básica, educação de jovens e adultos e educação

continuada, num total de aproximadamente 1000 alunos, provenientes da região de

Itu, Salto, Cabreúva e Indaiatuba.

As aulas de vivências tecnológicas são ministradas semanalmente, num total

de duas horas aula por semana, para as turmas do 1º ao 7º ano.

Assim sendo, o estudo de caso escolhido foi motivado, como dito

anteriormente, pelo interesse em conhecer o trabalho inovador de uma professora

do 1º ano da turma A desta escola, que percebeu no xadrez pedagógico algo mais

que um simples suporte pedagógico.

O estudo de caso que será apresentado a seguir, abrange crianças em torno

de 6 a 7 anos de idade, que de acordo com a Teoria Desenvolvimentista de Piaget ,

estão entrando no período de operação concreta, ou seja, o início das resoluções

mentais, como o autor referenda:

A idade de 7 a 8 anos, em média, assinala um fato decisivo na elaboração dos instrumentos de conhecimento: as ações interiorizadas ou conceituadas com as quais o sujeito tinha até aqui de se contentar adquirem o lugar de operações enquanto

Page 82: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

82

transformações reversíveis que modificam certas variáveis e conservam as outras a título de invariantes (PIAGET, 1978, p.237)

Pode-se observar uma preocupação constante da professora em adquirir

estratégias para verificar as habilidades desenvolvidas no decorrer das atividades

com o jogo de xadrez. Uma delas, foi a utilização de um jogo bastante conhecido

dos alunos, o quebra cabeças.

Justifica-se aqui a utilização do jogo como ferramenta pedagógica, pois de

acordo com Kishimoto (1998), o mesmo objeto pode desempenhar funções

diferentes, dependendo do contexto em que é utilizado:

Se brinquedos são sempre suportes de brincadeiras, sua utilização deveria criar momentos lúdicos de livre exploração, nos quais prevalece a incerteza do ato e não se buscam resultados. Porém, se os mesmos objetos servem como auxiliar da ação docente, buscam-se resultados em relação à aprendizagem de conceitos e noções, ao desenvolvimento de algumas habilidades. Nesse caso, o objeto conhecido como brinquedo não realiza sua função lúdica, deixa de ser brinquedo para tornar-se material pedagógico. Um mesmo objeto pode adquirir dois sentidos conforme o contexto em que se utiliza: brinquedo ou material pedagógico (KISHIMOTO, 1998,p.14).

A utilização do quebra cabeças, justifica-se em Cunha (2000, p. 26) , que

percebe a importância do quebra cabeças no desenvolvimento físico, cognitivo,

psicomotor, e na capacidade de concentração:

[...] brincadeiras de encaixar, empilhar, construir, montar quebra-cabeças são atividades que proporcionam exercício e desenvolvem habilidades, como raciocínio lógico e concentração além de contribuir para uma maior percepção tátil da criança.

Assim sendo, a estratégia da professora foi a de fazer uma coleta de dados

utilizando o quebra-cabeças, através da medição do tempo em que completavam a

montagem, antes dos alunos iniciarem as atividades envolvendo o xadrez

pedagógico e outra coleta, após a intervenção27.

27 A intervenção pedagógica é uma interferência que um profissional, tanto o educador quanto o

psicopedagogo, faz sobre o processo de desenvolvimento ou aprendizagem do sujeito. Entende-se que na intervenção o procedimento adotado interfere no processo de aprendizagem, com o objetivo de compreendê-lo, explicitá-lo ou corrigi-lo.http://www.portaleducacao.com.br/pedagogia/artigos/45449/o-que-sao-intervencoes-pedagogicas#ixzz2rw2F8gMy. Acesso em 05/01/2014.

Page 83: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

83

A professora também tomou o cuidado de que o ambiente estivesse

semelhante nas intervenções. Para tanto, procurou acalmá-los, utilizando técnicas

de relaxamento (música suave, fala mansa e exercícios de respiração profunda –

inspirar e expirar), mantendo-os assim tranquilos e serenos, nos dois momentos da

montagem do quebra cabeças.

5.2 - Entrevista com a professora

A professora entrevistada tem 37 anos, superior completo, graduada em

pedagogia, com pós graduação em psicopedagogia. Casada, tem dois filhos. Está

na instituição há cinco anos, tendo já iniciado como professora do ensino infantil. As

entrevistas, as quais prefere-se chamar de encontros, dada a grata satisfação da

presença da professora, aconteceram por quatro vezes, com duração média de duas

horas, na sede da instituição. Foi acordado anteriormente, tanto com a professora

como com a instituição, as quais se mostraram extremamente solícitas e

colaborativas, autorizando a veiculação dos relatos.

Nesses encontros, a professora relatava como estavam sendo os torneios e

as pontuações, bem como suas percepções acerca das crianças.

A experiência com o xadrez pedagógico foi tão surpreendente que, por

sugestão da escola, a professora se inscreveu num concurso interno entre as

unidades que premiam as inovações, cujo teor é transcrito a seguir, com a

autorização da mesma, de onde se pode observar todo o percurso da intervenção:

O xadrez pedagógico mostrou-se um valioso recurso em virtude da sua

dinâmica que, em essência, exige atenção, concentração, paciência, resolução de

problemas, antecipação de jogadas, elaboração de estratégias, sociabilidade, regras

básicas de convivência como o saber perder e o saber ganhar. Tais habilidades

necessárias para se jogar xadrez, vem ao encontro das expectativas de

aprendizagem que temos em relação aos nossos alunos, visto que são habilidades

base para o desenvolvimento das competências, como o desenvolvimento do

raciocínio lógico.

Minha primeira meta foi a de mobilizar as crianças a se encantar e a aprender

jogar xadrez. Para isso, brinquei de xadrez com as próprias crianças, onde cada

uma delas se tornou um peão e eu as movimentava no “tabuleiro” (chão dividido em

quadrados, similar as casas do tabuleiro oficial).

Page 84: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

84

Ilustração 9 – desenho de um aluno sobre a dinâmica

Anterior à mobilização, fiz vários questionamentos para saber o quanto as

crianças conheciam do assunto. Muitas disseram conhecer o jogo, uma ainda disse:

“eu já ganhei do meu pai”. Não houve respostas como “xadrez é uma estampa de

camisa”, por exemplo. Todos sabiam trata-se de um jogo.

No entanto, quando me aprofundei mais no assunto, como os movimentos do

peão ou a forma de capturar, as crianças se perdiam em suas explicações, inclusive

usavam o termo do jogo da dama “comer” para o movimento de capturar.

Outro instrumento que eu deduzia que certamente iria mobilizar as crianças

era o xadrez gigante. Antes de apresentá-lo, pedi que imaginassem como seria um

xadrez gigante. Quando chegamos para jogar as crianças estavam entusiasmadas.

Fonte: Relatos da professora

Page 85: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

85

Ilustração 10 – Dinâmica do xadrez gigante

O próximo passo foi pedir apoio ao analista de suporte e informática que,

com um tabuleiro magnético, formalizou as regras do jogo e aplicou algumas

dinâmicas enxadrísticas, necessárias para conhecerem as peças.

Ilustração 11 – Dinâmica com o xadrez magnético ( ao fundo)

Fonte: relatos da professora

Fonte: relatos da professora

Page 86: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

86

As crianças ouviram suas orientações, por exemplo, “peça tocada é peça

jogada” – conceito difícil para os pequenos que acabam de entrar no período de

operação concreta (início das resoluções mentais) – baseando-se na Teoria

Desenvolvimentista de Piaget. Para mensurar o raciocínio lógico matemático usei

um instrumento lúdico e conhecido das crianças que requer atenção, concentração e

deduções: o quebra-cabeça. Trouxe um quebra-cabeça novo de vinte e cinco peças

que não fazia parte do repertório das crianças. Medi quanto tempo cada criança

levava para montá-lo. Obtive a média de tempo da turma e no final do torneio o medi

novamente para constatar o quanto havia de progresso, não apenas de forma

qualitativa (descritiva, por observação), mas também quantitativa.

Para que as crianças ficarem seguras e capazes de jogar, inicialmente

jogamos em grupos de quatro crianças. Procurei formar equipes produtivas, com

diferentes níveis de conhecimento, porém próximos. Assim, gradativamente todos se

apropriaram de suas nuances, naturalmente uns mais, outros menos. As partidas em

si já eram desafios e problemas a serem resolvidos. No entanto, fazíamos mais:

diante de algumas jogadas as crianças eram provocadas a analisar e dar

alternativas. Na verdade, era comum que as crianças se manifestassem diante de

situações “gritantes” – que definiam uma partida. Quando não as percebiam, eu

intervinha convidando-as à reflexão e a uma decisão.

As habilidades ou inabilidades voltadas à sociabilidade saltavam aos olhos:

não respeitar a vez do outro; o não silenciar em respeito ao outro; as comemorações

exageradas pela vitória que acabavam por humilhar o adversário... Todas essas

foram questões trabalhadas partida a partida. O movimento foi sempre o de

perguntar: “Como você gostaria de ser tratado se estivesse nessa posição? / Como

você acredita que o seu amigo está se sentindo?”, partindo do pressuposto da

empatia.

Após dois meses e várias partidas de xadrez, ora em grupos, ora em duplas,

ora individualmente, percebi que as crianças estavam cada vez mais autônomas

para jogar e as partidas estavam cada vez mais elaboradas. Assim, tomei uma nova

decisão: levei à coordenação a proposta de um torneio. E com total apoio da

coordenadora, propus às crianças e elas...vibraram de alegria.

A primeira providência foi enviar um bilhete aos pais explicando-lhes do que

se tratava o torneio e também solicitando o apoio dos mesmos junto às crianças,

perguntando-lhes sobre o torneio, as partidas, os pontos conquistados, incentivando-

Page 87: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

87

os a dar o melhor de si, e especialmente, preparando-os para o inevitável: ganhar ou

perder.

O segundo passo foi explicar às crianças sobre as regras e como funcionaria

o torneio. Este torneio foi composto de quatro fases. As 1ª, 2ª e 4ª fases tiveram três

batalhas e na 3ª fase tiveram duas batalhas. Em cada batalha houve um sorteio para

formarmos os adversários. A interdisciplinaridade esteve presente: com a lista dos

sorteados as crianças puderam se apropriar, ainda mais, da escrita dos nomes dos

amigos.

Na 1ª fase participaram os 30 alunos. Para a 2ª fase foram os dezesseis

primeiros colocados. Para a 3ª fase foram os seis primeiros colocados. E para a 4ª e

última fase foram os dois melhores pontuados. A pontuação era assim: o vencedor

adquiria 3 pontos; o perdedor 1 ponto; e se empatasse 2 pontos. Cada criança

tinha a sua ficha para controle, e além dela, tínhamos painéis que nos indicava a

pontuação de todos, a qual poderia ser consultada a qualquer momento. Com as

fichas individuais os alunos tinham a oportunidade de construir sua própria tabela,

fazer a anotação, estimar o que aconteceria e calcular os resultados.

Pude avaliar durante o torneio que, não só a elaboração de estratégias ou o

domínio das regras do jogo, foram os únicos critérios que determinaram os

vencedores do torneio. A concentração, a atenção e o controle das emoções (diante

das boas e más estratégias) também foram relevantes.

No final de maio chegamos ao término do torneio com dois finalistas (uma

campeã e um vice-campeão). Todas as crianças foram premiadas e ganharam

medalhas pelo empenho.

Mesmo depois do torneio, sem a sistematização pedagógica – o xadrez com o

viés lúdico – ainda faz parte das preferências dessa turma: na hora do descanso ele

está sempre presente.

Para o segundo semestre serão inseridas as peças “bispo” e “cavalo”.

As crianças já estão ansiosas e pedem por esse momento.

O trabalho realizado trouxe o resultado esperado. As crianças aprenderam,

desenvolveram-se de acordo com a expectativa de ensino e aprendizagem:

reconheceram e utilizaram estratégias pessoais de resolução em situações

problema contextualizadas.

Evidenciei os progressos pela observação diária, a postura mais concentrada

e atenciosa da maioria das situações. Analisando os dados, acredito que o trabalho

Page 88: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

88

com o xadrez trouxe grandes benefícios às crianças, oportunizando inúmeros

desafios, ajudando-os a desenvolver diferentes habilidades. Aqueles alunos que

estiveram mais engajados e comprometidos com o jogo de xadrez apresentaram

melhores resultados em vários conteúdos, principalmente a matemática.

5.3 Análise dos resultados

Para analisar as informações coletadas, foi utilizada a análise de conteúdo, a

qual possui como objetivos, compreender criticamente os sentidos das informações,

seu conteúdo e suas significações. Na concepção de Bardin (1977, p. 42), a análise

do conteúdo é:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

Segundo o mesmo autor, a análise de conteúdo abrange três etapas: Pré-

análise: organização do material; Descrição analítica: o material coletado submete-

se a um estudo aprofundado, através de classificação, categorização e codificação e

interpretação referencial: reflexão mais intensa, buscando desvendar elementos

ocultos.

Assim sendo, a organização do material coletado deste estudo de caso se

deu através do relato da professora, seguindo-se aqui pela descrição analítica,

através de representações gráficas e textos explicativos.

Como dito anteriormente, a classe objeto deste estudo, é do ensino

fundamental I , do 1º ano A/2013 e formada por 30 alunos.

Page 89: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

89

Gráfico 1 - Distribuição dos alunos quanto ao sexo

Fonte: Próprio autor

Em relação ao gênero, no gráfico 1, pode-se observar a predominância do

sexo feminino em 19 alunos ( 63%), enquanto 11 ( 37%) pertenciam ao sexo

masculino.Como as crianças estão no 1º ano do ensino fundamental I , as idades

variam de 6 e 7 anos.

Gráfico 2 - Distribuição dos alunos quanto a idade

Fonte: Próprio autor

Page 90: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

90

O levantamento a respeito da idade dos alunos nos mostra que 21 (70%)

possuíam 6 anos, enquanto que 9 ( 30%) já haviam completado 7 anos.

Como visto no relato da professora, a primeira preocupação foi a de envolver

as crianças com o jogo de xadrez, mas para que isso acontecesse, fez-se uma

pesquisa para mensurar o quanto elas conheciam do jogo e das peças.

Gráfico 3 - Distribuição dos alunos quanto ao conhecimento do jogo de xadrez

Fonte: Próprio autor

No gráfico 3, quanto ao reconhecimento das peças do xadrez e, mesmo do

jogo de xadrez em si, podemos constatar que apenas 6 alunos ( 20%), conheciam

todas as peças, 17 alunos ( 57%) conheciam o jogo de xadrez, mas não todas as

suas peças constituintes e 7 crianças ( 23%) desconheciam o jogo de xadrez,

embora já tivessem ouvido falar. Segundo relatos da professora, todos sabiam

tratar-se de um jogo, e mostraram interesse em aprendê-lo.

A seguir, a aplicação de técnicas enxadrísticas que auxiliam no

reconhecimento das peças do jogo de xadrez.

Page 91: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

91

Dinâmicas enxadristas

Primeira dinâmica: Você me conhece?

Gráfico 4 - Distribuição dos alunos quanto à escolha da peça mais familiar

15

31

42

5

0

2

4

6

8

10

12

14

16

Peão Torre Bispo Cavalo Rainha Rei

Peças

Fonte: Próprio autor

O gráfico 4, mostra o resultado da primeira dinâmica, “Você me conhece?”,

onde se pode observar que metade das crianças ,ou seja, 15 delas ( 50%)

escolheram o peão, como a mais familiar, seguido do rei, 5 delas ( 17%), 4

escolheram o cavalo ( 13%), a torre foi escolhida por 3 alunos (10%), a rainha por

2 alunos (7%) e o bispo por apenas uma criança ( 3%) sendo que esta dinâmica ,

consistia em que o aluno escolhesse uma peça que soubesse com precisão o nome

dentre todas as peças do xadrez.

Page 92: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

92

Segunda dinâmica: Quem sou eu?

Gráfico 5 - Peças reconhecidas pelos alunos

Fonte: Próprio autor.

Pode-se observar que dentre os 30 alunos da classe, 23 deles ( 77%),

reconheceram as peças aleatoriamente escolhidas enquanto que apenas 7 deles

( 23%) , erraram o nome da peça .

Terceira dinâmica: Vá para sua casa

A dinâmica constituía de cada criança retirar uma peça de dentro de um

recipiente contendo 30 peças de xadrez, sendo 5 de cada figura. Após o sorteio,

elas teriam que se encaminhar a mesa correspondente á peça retirada. Essas

dinâmicas iniciais justificam-se na teoria de Piaget (1978), nas diferentes etapas de

formação cognitiva da criança o que mostra a necessidade de organizar um sistema

pedagógico orientado de acordo com o estágio de desenvolvimento das mesmas, e

para tanto foi desenvolvido um conjunto de métodos (dinâmicas) que tornam

possível um aprendizado mais significativo e eficaz.

Page 93: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

93

Ilustração 12 – Vá para sua casa ( esquema da dinâmica)

Gráfico 6 – Direcionamento das crianças ao grupo das peças sorteadas

Fonte: Próprio autor.

Rei

Bispo

Cavalo

Rainha

Torre

Peão

Page 94: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

94

Pode-se observar que o resultado dessa dinâmica nos mostra que 27 desses

alunos ( 90%) direcionaram-se ao grupo correto quando do sorteio da peça, e agora

apenas 3 crianças (10%) não acertaram .

Essas técnicas são de fundamental importância para que as peças sejam

reconhecidas e interiorizadas, atuando assim como facilitadoras no processo de

ensino aprendizagem do xadrez pedagógico.

A seguir estão expostos os resultados encontrados a partir dos levantamentos

realizados nesta investigação, com relação ás médias dos alunos antes da

intervenção (uso do xadrez) e após a intervenção, e quanto á aplicação do jogo de

quebra-cabeça e seu tempo de execução, também antes e após a intervenção.

Conforme Laville e Dionne (1999), a distribuição de uma variável fornece uma

primeira ideia de seu comportamento. Para esta pesquisa, foi escolhida dentre as

medidas de tendência central de uma análise estatística, a média dos dados

coletados. Média aritmética consiste na soma dos valores coletados da variável em

estudo dividida pelo número total desses valores. Quanto às medidas de dispersão,

utilizou-se o desvio padrão, obtido pela raiz quadrada da variância, que indica o

quanto os valores dos dados coletados desviam-se da média calculada. De posse

desses valores, pode-se calcular o coeficiente de variação, ou seja, o grau de

dispersão em relação à media populacional. Quanto menor for o coeficiente de

variação, mais equilibrada será a distribuição. Verificaram-se também os valores

mínimos (menor nota da turma) e os valores máximos (maior nota da turma) dos

dados coletados.

Tabela 4 – Distribuição das notas dos alunos no primeiro semestre

1º bimestre (antes da

intervenção)

2º bimestre (após a

intervenção)

Média 8,20 9,02

Desvio padrão 1,21 0,73

Mínimo 7,00 8,00

Máximo 9,50 9,80

Coeficiente de Variação 14,76% 9,22%

Fonte: próprio autor

Page 95: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

95

Gráfico 7 - Média bimestral dos alunos

8,20

9,02

média da turma

1º bimestre - antes da intervenção

2º bimestre- após a intervenção

Fonte: Próprio autor

Analisando os dados pesquisados referentes ás médias gerais semestrais dos

alunos, elencados por bimestres , sendo que o segundo bimestre sofreu a

intervenção, a tabela 4 aponta uma média de 8,20 com um desvio padrão de 1,21

para o primeiro bimestre enquanto que para o segundo bimestre encontrou-se uma

média de 9,02 com um desvio padrão de 0,83. Utilizando esses valores é possível

calcular o coeficiente de variação – CV, que é a estatística mais utilizada por

pesquisadores na avaliação da precisão experimental e consiste no desvio padrão

residual expresso em porcentagem da média geral. Conforme Pimentel Gomes

(1985), o CV dá uma ideia da precisão do experimento. O autor classificou os CV’s

em baixos, quando inferiores a 10%; médios, quando de 10 a 20%; altos, quando de

20 a 30% e muito altos, quando superiores a 30%. Assim sendo, quanto menor for o

valor do coeficiente de variação, mais homogêneos serão os dados, ou seja, menor

será a dispersão em torno da média. Voltando aos dados pesquisados, verificamos

que no primeiro bimestre, antes da intervenção, o coeficiente de variação foi de

14,76%, classificado assim como médio, segundo o autor. No segundo bimestre,

após a intervenção, o coeficiente de variação foi de 9,22%, que na classificação é

considerado baixo, ou seja, um nível bem aceitável em relação à dispersão dos

dados em torno da média, podendo considerá-los assim homogêneos.

Page 96: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

96

Assim sendo, percebe-se que os dados referentes ao 2º bimestre , ou seja,

após a intervenção do uso do xadrez pedagógico, mostraram-se mais homogêneos,

contendo notas mais próximas da média obtida,havendo dessa maneira ,um

nivelamento maior acerca dos aspectos cognitivos dos alunos.

Tabela 5 – Distribuição dos tempos (em minutos) da montagem do quebra-

cabeça

1ª montagem ( antes da

intervenção)

2º montagem ( após a

intervenção)

Média 12,8 9,5

Desvio padrão 2,95 1,33

Mínimo 9,3 6,5

Máximo 16 12

Coeficiente de Variação 23,05% 14,00%

Fonte: próprio autor

Gráfico 8 - Tempo dos alunos mensurado na montagem do quebra cabeça

Fonte: Próprio autor

Page 97: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

97

Na tabela 5, é possível verificar que o tempo dos alunos coletado antes da

intervenção foi de 12,8 minutos, com um desvio padrão de 2,95 minutos, enquanto

que os dados referentes após a intervenção mostraram uma média de tempo de

execução de 9,5 minutos com um desvio padrão de 1,33 minutos. Dessa maneira,

observa-se uma diminuição do tempo de execução, o que indica uma rapidez maior

de raciocínio. Quanto ao coeficiente de variação, pode-se constar que na primeira

medição o coeficiente apresentou-se em 23,05%, classificado conforme já dito, em

alto e quase heterogêneo, enquanto que na segunda medição encontrou-se um

valor de 14,00%, classificado em médio e homogêneo. Pode-se analisar dessa

maneira que os dados coletados após a intervenção estão mais próximos da média,

ou seja, os tempos de execução dos alunos estão mais próximos entre si,

reforçando a ideia de homogeneidade e nivelamento entre os alunos após a

intervenção.

A seguir foram estabelecidas análises comparativas , conforme tabela 6, entre

as notas dos alunos e o tempo de execução do quebra-cabeça, ambos após a

intervenção. Segundo Levin (1987), a quantificação do grau de concordância entre

duas variáveis é feita pelos chamados coeficientes de associação. Essas medidas

descrevem, por meio de um único número, a correlação entre duas variáveis. Para

essa finalidade, o índice de correlação de Pearson geralmente é empregado para

descrever a intensidade de associação entre essas duas variáveis. Assim, esses

coeficientes variam entre “ -1 e +1”. O valor 1 representa total correlação e quanto

mais próximo de zero indica a falta de correlação. Quanto ao sentido, a correlação

ainda pode ser classificada em positiva ou negativa. Uma correlação positiva ocorre

quando os valores das variáveis aumentam ou diminuem de forma diretamente

proporcional. Já a correlação negativa é verificada quando os valores aumentam ou

diminuem inversamente proporcional, ou seja, quando uma aumenta, a outra

diminui. Em termos de grau de associação, quanto mais próximo de “1” ( em

ambos os sentidos), maior a força de correlação, sendo nula quando o índice for

igual a “0”.

Page 98: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

98

Tabela 6 – Correlação entre os alunos

CORRELAÇÃO ENTRE VARIÁVEIS QUANTITATIVAS ÌNDICE DE PEARSON

NOTA DA AVALIAÇÃO ( variável x) X TEMPO DE

EXECUÇÃO DO QUEBRA-CABEÇA APÓS A

INTERVENÇÃO (variável y)

+ 0,86

Fonte: próprio autor

Tabela 7 - Classificação do índice de Pearson

Fonte: Levin ,1987

Conforme classificação da tabela 7 apresentada, pode-se verificar que o

resultado obtido na pesquisa, quando da correlação entre as duas variáveis , no

intervalo de 0,8 ≤ r < 1, em correlação forte e positiva. Esse coeficiente indica que,

estatisticamente existe uma correlação entre as duas variáveis e ela se mostra forte

e positiva, isto é, quando a variável x (nota) aumenta a variável y (tempo de

execução do quebra cabeça) tende a aumentar, mostrando ser relevante a

ferramenta pedagógica (quebra cabeças) utilizada pela professora, objeto deste

estudo de caso.

Page 99: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

99

Ao analisar o desenvolvimento dos alunos sujeitos a intervenção com o

xadrez pedagógico no estudo de caso aqui aplicado, verificou-se uma pequena, mas

expressiva melhora nas médias gerais das disciplinas regulares, se levado em

consideração o pouco tempo de prática com o jogo, entretanto não é possível

distinguir se essa melhora se deu pelo fato dos alunos estarem sob a intervenção ou

por causa de sua própria evolução intelectual.

Observou-se também uma mudança de comportamento dos alunos, no

sentido de estarem mais participantes e concentrados nas aulas e alguns

melhoraram consideravelmente seu rendimento escolar, sendo que essa mudança

no comportamento poderia explicar a evolução geral da turma, pois se um grupo

começa a se comportar de forma diferente em sala o outro grupo tende a segui-lo

nessa mudança.

Page 100: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

100

6- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como foi visto, o xadrez é um dos jogos mais antigos do mundo e vem se

destacando cada vez mais no âmbito educacional, devido a muitas pesquisas,

avaliações e tantos outros trabalhos realizados sobre o assunto que vem

demonstrando as influências significativas que o xadrez pedagógico possui,

principalmente no caráter formativo sobre a personalidade das crianças no período

escolar, pois é uma atividade que além de proporcionar o lazer também estimula o

desenvolvimento intelectual, potencializando o convívio das diferenças e de

aprendizagens recíprocas, fazendo-o conhecer e reconhecer outros pontos de vista.

A pesquisa permite concluir que a prática do xadrez nas escolas ainda é uma

inovação pedagógica e não foi explorada em sua potencialidade, sendo que poucas

obras são de fato relevantes e trazem atividades e exercícios que auxiliem o

professor nesta prática, fazendo-se necessário um estudo mais aprofundado sobre

o assunto. Dessa maneira, urge a necessidade de realizar uma especialização para

os professores interessados em utilizar essa prática em suas aulas, estimulando-os

a atingir os objetivos esperados, explorando todas as possibilidades que o xadrez

pedagógico possa proporcionar.

Com relação ao estudo de caso, verifica-se que a análise global dos itens

pesquisados indica a presença do desenvolvimento cognitivo dos alunos através da

intervenção pelo uso do xadrez pedagógico. Há de se ressaltar que outras

observações foram relatadas pela professora, como a melhora considerável do

comportamento, das relações interpessoais e da participação às aulas, tornando-os

mais concentrados e criativos.

Sendo assim, entende-se que o xadrez é um jogo que modifica a escola no

sentido que ajuda a diminuir a agressividade individual e, por este motivo, pode

contribuir para minimizar a violência na escola, estabelecendo vínculos entre os

conhecimentos, as experiências enxadrísticas e a vida cotidiana, individual e social

reverberando esse comportamento para a sociedade devido a seus efeitos colaterais

na família e na comunidade.

Acredita-se também que, utilizar o jogo de xadrez como ferramenta

pedagógica no processo de ensino aprendizagem constitui um sistema de estímulo

intelectual capaz de aumentar o potencial de inteligência dos alunos, através de um

Page 101: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

101

método de raciocínio e de organização das relações abstratas e dos elementos

simbólicos, contribuindo dessa maneira na tomada de decisões em situações

diversas e em especial nas de conflito, antecipando situações possíveis de criar

problemas, além de melhorar a disciplina, o relacionamento entre as pessoas do

convívio familiar e social, enriquecer a cultura, o respeito mútuo, a imaginação, o

controle nas execuções, a autoconfiança, a capacidade de observação e a

autonomia.

Dessa maneira e diante dos argumentos expostos, percebe-se aqui a relação

direta das diversas habilidades desenvolvidas pelo xadrez pedagógico e o

pensamento crítico, justificando a ideia de que o jogo seja inserido no contexto

educacional desde os anos iniciais de escolarização , para que esse estímulo seja

cultivado nas diversas fases de maturação intelectual e de comportamento.

Santos (2007), diz que o maior comprometimento que a escola deve ter para

com seus alunos é o de ajudá-los a organizar melhor seu pensamento, tendo uma

visão mais clara da complexidade do mundo, atuando de maneira eficaz em

diferentes contextos que venha a enfrentar, ainda mais, nos dias de hoje, de

conhecimentos efêmeros e superficiais, permeados por tantas informações

momentâneas que inviabilizam o momento da crítica e da reflexão e acredita que

esse objetivo possa ser mais facilmente alcançado por meio da sistematização do

jogo de xadrez como ferramenta pedagógica. Nesse contexto, Santos (2007) cita

um trecho de Silva (2002) que diz ser o jogo de xadrez digno de crédito porque

”ensina as crianças o mais importante na solução de um problema, que é saber

olhar e entender a realidade que se apresenta”.

Olhar, ter uma visão mais ampla, quer dizer alguém que seja capaz de

enxergar, não apenas quem está diante de si, mas todo o ambiente à sua volta ,

avaliando a situação como um todo e não de forma fragmentada, ampliando o

espectro de consequências do problema apresentado e as possíveis soluções para

entender a realidade que se apresenta.

O programa de educação sociocomunitária vem ao encontro e, em busca

desse aluno cidadão que acaba-se de idealizar. Um aluno que respeite as diferenças

e faça escolhas profissionais e afetivas mais realizadoras, participando de forma

mais ativa e produtiva na comunidade. Um aluno que lute por uma sociedade

igualitária com direitos e deveres respeitados, com criticidade e autonomia,

transformando assim, o mundo ao seu redor.

Page 102: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

102

Acredita-se que a presente pesquisa venha a contribuir para a prática docente

dos professores que desejam ampliar suas concepções em relação ao xadrez como

instrumento pedagógico em diferentes disciplinas assim como, espera-se que as

análises e discussões aqui desenvolvidas forneçam subsídios para a realização de

novas pesquisas relacionadas ao xadrez pedagógico.

Page 103: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

103

REFERÊNCIAS

ALVES, Rubem Azevedo. Conversas com quem gosta de ensinar. São Paulo: Cortez. 1984. ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de.Estudo de caso em pesquisa e avaliação educacional. Brasilia: Liberlibros,2008. ANTUNES,C. Jogos para estimulação das múltiplas inteligências. Petrópolis: Vozes, 1998.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Trad. de Mário da Gama Kury. Brasília:

Editora Universidade de Brasília, c 1985.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR-10520: informação e

documentação: citações em documentos – apresentação. Rio de Janeiro, 2002. ______. NBR 6023: informação e documentação: referências. Rio de Janeiro, 2002. ______. NBR 14724: informação e documentação: trabalhos acadêmicos – apresentação. Rio de Janeiro, 2011. AUSUBEL, D.P. A aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São

Paulo: Moraes, 1982.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

BENJAMIN, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Sumais Editorial, 1983. BETTELHEIM, Bruno. Uma vida para seus filhos: pais bons o bastante. Rio de

Janeiro: Campus, 1988. BICUDO, Maria A. V. Pesquisa em educação matemática: concepções & perspectivas. São Paulo: UNESP, 1999.

BODGAN, R; BIKLEN, S.K. Investigação qualitativa em educação: uma

introdução à teoria e aos métodos. Porto, 1994 BRAGA. Marcelo Melem. A História do xadrez feminino. Disponível em: http://xadrezcaissa.vilabol.uol.com.br/ - Acesso em: 10 dez. 2013. BRASIL.Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:Educação Física.Brasília:MEC/SEF,1997. ______. Parâmetros curriculares nacionais:Temas Transversais. Brasília: MEC/SEF,1998.

Page 104: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

104

BROUGERE, Gilles. Jeu et Education. Le Jeu dans la Pedagogia Prescolaire depuis le Romantisme. These pour le Doctorat d'Etat es Lettres á: SciEnces Humanies. Paris: Universite.Paris V, vs I e fi, 1993. CALVO, R. Lucena. La evasión en ajedrez del converso Calisto. Ciudad Real, Perea Ediciones,1997. CAMPBELL , D.T.; STANLEY, J.C. Experimental and quasi-experimental designs for research . In G.Gage. Chicago: Rand McNally, 1963, pp.171-246. CECCON, Claudius (e outros). A vida na escola e a escola na vida. Petrópolis: Vozes. 1984 CHIZZOTTI, Antonio. A pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais:

evolução e desafios. Petrópolis : Vozes, 2010. CHRISTOFOLETTI ,D.F.A. O xadrez nos contextos do lazer, da escola e profissional. Dissertação de Mestrado.UNESP,2005.

COBRA, Nuno; Jogar xadrez exige preparo físico. Disponível em

<http://www2.uol.com.br/vyaestelar/nuno_xadrez.htm> Acesso em 05/jan/2014

CRISTINE, Elen- O jogo de xadrez no processo de ensino – aprendizagem Disponivel em:<http://www.mundoeducacao.com/educacao/o-jogo-xadrez-no-processo-

ensinoaprendizagem.htm.> acesso em 05/dez/2013 CUNHA, N. H. S. Brinquedoteca: um mergulho no brincar. São Paulo: Vetor, 2001.

CURY, Augusto. Pais brilhantes, professores fascinantes. São Paulo: Sextante,

2003. D'AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática. São Paulo: Ática, 1990.

____________, Formação de professores de matemática para o século XXI: o grande desafio.In: Pró-Posições. Campinas-SP:Cortez Editora/UNICAMP,1993

____________, Ação pedagógica e etnomatemática como marcos conceituais para o ensino da matemática. In: BICUDO,M.V.(org).Educação Matemática.São Paulo: Moraes, 2000. DAVIS, C. OLIVEIRA, Z. Psicologia na educação. São Paulo: Cortez, 1994.

DENZIN,N.K.; LINCOLN,Y.S.(Eds). Handbook of qualitative resarch 2.ed.

Thousand Oaks, CA: Sage, 2000, pp.1-17. DEWEY, John. Como pensamos. Como se relaciona o pensamento reflexivo com o processo educativo: uma reexposição. São Paulo: Editora Nacional,1933.

Page 105: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

105

DOHME, Vânia. Jogando: o valor educacional dos jogos. São Paulo: Informal

Editora, 2003.

DIMENSTEIN, Gilberto. O cidadão de papel: a infância , a adolescência e os direitos humanos no Brasil. São Paulo: Ática,1993. FALCON, Francisco José Calazans . Iluminismo. São Paulo: Ática,1994.

FERRARI, Márcio. Grandes pensadores. Nova Escola. São Paulo: Abril, 2003.

FREIRE, João Batista. Educação de corpo inteiro: teoria e prática de educação

física.São Paulo:Scipione,1989. FREIRE, P. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 2000. ______. P. Educação e mudança. São Paulo: Paz e Terra, 2002. ______. P.Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1999. FUJISHIMA, Maria de Fátima dias da Silveira. Aprender brincando: a história do

lúdico como instrumento facilitador no ensino aprendizagem. Disponível em: <http://www.soartigos.com/articles/1994/1/Aprender-Brincando-a-História-do-lúdico-como-

instrumento-facilitador-no-ensino-aprendizagem/page1.html>. Acesso em: 20 set 2013. GALVÃO, I. Henry Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis: Vozes, 2003. GIL, A.C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2007.

GOHN, Maria G. Teorias dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyola, 1999. GUERRA F.,Raulito Ramos.Quem joga? Quem é jogado? In: Escola: um espaço

cultural – Jogos e brincadeiras, a alegria de ser aprendiz. Diadema, São Paulo, Secretaria Municipal da Educação, Cultura, Esportes e Lazer, 1996. HUBNER, L.; CAPELLI,J.;ELIAS,A.Etnomatemática.Revista Diário do Grande ABC,

31 de out.2003.Disponível em: http://www.etnomatemática.org/articulos/boletim.pdf> Acesso em: 20 ago. 2013. HUIZINGA, Johan. Homo ludens. São Paulo: Perspectiva,1980.

JÓFILI, Z. Piaget, Vygotsky, Freire e a construção do conhecimento na escola.

Recife: Departamento de educação, 2002. KAMII, Constance. A criança e o número: implicações educacionais da teoria de Piaget para a autuação junto a escolares de 4 a 6 anos. Campinas : Papirus,1990.

Page 106: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

106

KISHIMOTO 1993, apud CARVALHO, Levindo Diniz. UFMG -GT-07: Educação de crianças de 0 a 6 anos. Agência financiadora: CNPq. KISHIMOTO , Tizuco Morchida. Jogos infantis: o jogo, a criança e a educação. Petrópolis,RJ:Vozes,1993. ______. O jogo e a educação infantil. São Paulo: Pioneira, 1998.

KLEIN, Egon Carli. Xadrez: a Guerra Mágica. Canoas:Ulbra, 2003.

KOTOV, A. Juegue como un gran maestro. Madrid: Club de Ajedrez, 1989.

LASKER , Edward. História do xadrez. 2 ed. São Paulo: IBASA,1999.

LAVILLE, C.; DIONNE, J. A construção do saber: manual de metodologia da

pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. LEONTIEV, A.N. Uma contribuição à teoria do desenvolvimento da psique infantil. In: VYGOTSKY, L.S. et al. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem.

São Paulo: Ícone, 1998 LEVIN, J. Estatística aplicada a ciências humanas. São Paulo: Harba, 1987. MAHONEY, Abigail Alvarenga. Introdução. In: Henri Wallon – Psicologia e educação. São Paulo: Loyola, 2000.

MATOS, Olgária C.F. A escola de Frankfurt: luzes e sombras do iluminismo. São

Paulo: Moderna, 1993. MINAYO, Maria Cecília de Souza. Quantitativo e qualitativo em indicadores de saúde: revendo conceitos. São Paulo: Hucitec,1994.

MIRANDA, N. Organização das atividades da recreação. Belo Horizonte: Itatiaia,

1984.

MONTEIRO, Alexandrina. A matemática e os temas transversais. São Paulo:

Moderna, 2001. MORIN, Edgar. O método. São Paulo: Cortez, 2001.

MURRAY, H. J. R. A history of chess. Massachusetts: Benjamin Press, 1913.

NEGRINE, Airton. Aprendizagem e desenvolvimento infantil: perspectivas psicopedagógicas. Porto Alegre: Prodil, 1995.

NETTO, Charles Moura. Entrevista disponível em http://www.xadreztotal.com.br/entrevista-com-o-professor-charles-moura-netto.pdf>. Acesso em 10/01/2014.

Page 107: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

107

NÓVOA, Antônio (org). Os Professores e a sua formação. Lisboa: Publicações

Dom Quixote, 1995.

OLIVEIRA, LÍVIO, A poesia e o poder no jogo de xadrez. Disponível em: <http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/a-poesia-e-o-poder-no-jogo-de-

xadrez/253845.htm>. Acesso em: 20 nov. 2013. PALANGANA, I. C. Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e Vygotsky: a relevância do social. São Paulo: Summus, 2001. PEREIRA,J. M. O.;LOPES, A. C. Orientações do BID para as propostas curriculares oficiais no ensino médio. Goiânia: ENDIPE, 2002. PIAGET, J. Para onde vai a educação? Tradução Ivete Braga. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. ________ Biologia e o conhecimento. São Paulo:Vozes, 1973

________ A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e

representação.Rio de Janeiro: Zahar, 1975 ________ A epistemologia genética; sabedoria e ilusões da filosofia; problemas de psicologia genética.São Paulo: Abril Cultura, 1978 PILATI, Jerry A. Por que xadrez nas escolas? Francisco Beltrão, PR.: Berzon,

2008. PIMENTA, Ciro José C. Xadrez: esporte, história e sua influencia na sociedade. In:

<http://www.cdof.com.br/xadrez.htm>, (Acesso 21/11/2013) PIMENTEL GOMES, F. Curso de estatística experimental. São Paulo: Nobel, 1985. PIRES, R. O. M. O pensamento crítico social de Paulo Freire sobre humanização e o contexto da formação do enfermeiro, do médico e do odontólogo. Tese (Doutorado em Enfermagem Psiquiátrica) – Escola de

Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. RAPPAPORT, C.R. Modelo piagetiano. In RAPPAPORT; FIORI; DAVIS. Teorias do desenvolvimento: conceitos fundamentais - EPU, 1981

REZENDE, Sylvio. Xadrez pré-escolar: uma abordagem pedagógica. Rio de

Janeiro: Editora Ciência Moderna Ltda., 2005. SÁ, Antônio Villar. Xadrez e educação. Disponível em: <http:// www.clubedoxadrez.com.br. Acesso em 20-dez-2013. SADER, E.; GENTILI, P. Interrogando o pensamento crítico latino-americano.

Disponível em: <http://www.flacso.org.br/portal/pdf/pensamentocritico/XIXcadernopensamentocritico.htm >. Acesso em: 04 maio 2013.

Page 108: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

108

SAMULSKI, Dietmar Martin. Psicologia do esporte. Conceitos e novas perspectivas. Barueri: Manole, 2009. SANTA CATARINA, Secretaria do Estado da Educação e do Desporto. Proposta Curricular de Santa Catarina: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio. Florianópolis: COGEN, 1998. SANTANA, D. V. A. G. Docência em fisioterapia: análise das barreiras percebidas

à implementação de estratégias de ensino para a promoção do pensamento crítico. 2011. 115 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Educação) – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, 2011. SANTIN, Silvino. Educação física: da opressão do rendimento à alegria do lúdico. Porto Alegre: ed. EST/ESEF – UFRGS, 1994. SANTOS, Santa Marli Pires do. Brinquedo e infância: um guia para pais e

educadores. Rio de Janeiro: Vozes, 1999. SANTOS, M. Território e sociedade: entrevista com Milton Santos. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000. SAVIANI, Demerval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São

Paulo: Autores Associados, 2000. SEIRAWAN, Yasser; SILMAN, Jeremy. Xadrez Vitorioso. Porto Alegre: Artmed, 2006. Disponível em: <http://dv.fosjc.unesp.br/ivan/downloads/Xadrez-

Aulas*Xadrez_Vitorioso_-_Estrategias_-_Yasser_Seirawan.pdf>. Acesso em: 30 dez. 2013. SILVA, W. Apostila do curso de xadrez básico. Curitiba: Secretaria do Estado da Educação e Federação Paranaense de Xadrez, 2002. SILVA, Wilson da. Xadrez para todos . Curitiba: Bolsa do Livro, 2011.

SKINNER, B. F. Walden II. São Paulo: Epu, 1984.

______. The shame of american education. American Psychologist, Harvard,

1984. SORDI, M. R. L. de; BAGNATO, M. H. S. Subsídios para uma formação profissional crítico-reflexiva na área de saúde: o desafio da virada do século. Ribeirão Preto: Rev. latino-am., 1998. TAHAN, M. O homem que calculava. Rio de Janeiro: Record ,1985.

TALIZINA , Nina F. La formacion de las habilidades del pensamiento matemático. San Luis Potosi, México.

Page 109: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

109

THEOBALDO, M. C. A Educação para pensar o pensamento. Disponível em: <

http://www.bibvirt.usp.br/textos/humanas/filosofia/pensar/pensar5_2.htm>. Acesso: 03 jun. 2013. TRIVIÑOS, A N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa

qualitativa em educação: o positivismo, a fenomenologia, o marxismo. São Paulo: Atlas, 1987. VASQUEZ, Adolfo S. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.

VIGOTSKI, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

______. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

WALDOW, V. R. Desenvolvimento do pensamento crítico em enfermagem. In: WALDOW, V. R.; LOPES, M.J. M., MEYER, D. E. Maneiras de cuidar, maneiras de ensinar: a enfermagem entre a escola e a prática profissional .Porto Alegre: Artes

Médicas, 1995. WALLON, Henri. Psicologia e educação da infância. Paris;Lisboa: Editorial Estampa, 1975.

______. Psicologia . Jaqueline Brulfert e Maria José Garcia (org).São Paulo: Ática,

1986.

WAJSKOP, Gisela. Brincar na pré-escola. São Paulo: Cortez, 2007.

______. Conclusão. In: NADEL-BRULFERT,Jaqueline;WEREBE,Maria José Garcia.Henri Wallon: psicologia.São Paulo:Ática,1986

WINNICOTT, D.W. A criança e o seu mundo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971.

Page 110: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

110

APÊNDICE A

Memorial de Formação e Investigação

Comecei meus estudos no Jardim de Infância Dr. Geraldo Vargas, localizado

bem no coração da cidade de São Roque, mais precisamente na praça da

Independência . Para mim, com apenas cinco anos, era um lugar mágico. A praça

era, e é, toda arborizada - a maioria das árvores é da época da fundação da cidade,

imensas, com muitos e diferentes tipos de pássaros, animais (tinha até um bicho

preguiça) , um coreto e, uma fonte luminosa . Parece um oásis no centro da

cidade...

Minha professora, dona Gemma, era bem enérgica, mas muito carinhosa.

Lembro-me das músicas que ensinava, do cheiro do guache, das atividades com o

giz de cera, do barulho da polia do balanço, da sensação de liberdade que me

invadia , toda vez que subia e descia olhando o verde das copas das árvores , do

aroma delicioso das gardênias que rodeavam o nosso alambrado , da areia úmida

sob meus pés, e, dela, da nossa estrela principal, a fonte...

Imponente, toda de pastilhas azuis, formando mosaicos, que ora brilhavam ao

sol, ora brilhavam com os efeitos dos jogos de luzes–verde, amarelo, azul,verde,

amarelo, azul...de repente um jato se elevava tão fortemente que parecia alcançar

as nuvens e se pulverizava voltando com as suas gotículas, umedecendo nossas

pequeninas faces ruborizadas de tanto correr para ver de perto aquele espetáculo...

Encantamento...nossos olhos brilhavam , nossos corações disparavam , a

pele toda arrepiava. Essa emoção toda, certamente, nos transformava em pessoas

melhores, mais sensíveis e felizes.

Minha formação continuou na escola estadual Dr. Bernardino de Campos, por

onde fiquei até completar o ensino fundamental. Lá tive excelentes professores e fui

muito bem alfabetizada. Eram professores bastante severos, não admitiam

contestações, nem desrespeito. Colocavam-nos de castigo, batiam com a régua,

mas, eram dóceis e carinhosos ao mesmo tempo. Não guardo nenhuma mágoa

deste tempo. Muito pelo contrário. O fato de ser a melhor escola da cidade fazia com

Page 111: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

111

que ninguém quisesse sair, e assim, ano após ano, continuávamos todos juntos,

formando uma grande família, compartilhando sonhos, problemas de saúde (os

dentes que caiam, as caxumbas, os sarampos, as pernas quebradas) , problemas

de família, sendo que , até hoje, temos um carinho muito grande um pelo outro.

Devo muito do que sou hoje ao Bernardino. A escola tinha como pano de

fundo, o militarismo, na sua essência: “braço forte, mão amiga..”. Respeito, disciplina

e lealdade.

Tínhamos um profundo orgulho de cantar o hino nacional e era um prestígio

imenso quando nos escolhiam para hastear a bandeira. Na aula de educação moral

e cívica, a professora nos explicava o sentido real das letras dos hinos (o nacional,

da bandeira, da independência, etc.) dos quais me lembro até hoje. “Verás que um

filho teu não foge à luta, nem teme, quem te adora a própria morte, terra adorada”,

vinha das nossas entranhas...sentíamos aquilo do fundo da nossa alma, era

verdadeiro, Éramos mais patriotas...

A escola mantinha uma fanfarra, da qual eu era apaixonada. Contei nos

dedos a minha chegada a 5ª série, hoje 6º ano, para que pudesse fazer parte. O

primeiro instrumento que toquei foi a caixa. Aquele som, invadia minha

alma..estremecia meu corpo, meu coração compassava ao som da zabumba...Um

trabalho em equipe...a importância de cada instrumento, do repique ao triângulo. A

responsabilidade pelo bom desempenho de todos era o nosso lema...

Éramos o coração da escola nos desfiles de sete de setembro, colocávamos

aquele uniforme branco e vermelho, com aplicações de galões dourados, um

casquete na cabeça com um penacho, aquele frio na barriga, quando saíamos , mas

sempre dava tudo certo e era a melhor sensação possível e inesquecível. Até hoje

fico emocionada quando vejo uma fanfarra.

Bem, deixar essa família não foi nada fácil para nenhum de nós... Mas era

preciso continuar. Prestei o vestibulinho para entrar no Ensino Médio (o famoso

colegial) em 1978, na escola estadual “Dr. Horácio Manley Lane”, a única da região.

Era uma escola antiga e muito conceituada. Nela estudaram pessoas ilustres da

nossa região, como a maioria dos prefeitos, dos médicos, dos advogados, dos

engenheiros, dos professores, e a mais ilustre delas, a minha mãe.

Minha mãe sempre foi a minha grande incentivadora e a minha referência de

vida. A minha vida toda, lembro dos meus pais lendo algum livro. Na sala da minha

casa tinha uma imensa estante, com todos os gêneros de livros. Da enciclopédia

Page 112: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

112

Barsa à Júlio Verne (o preferido de meu pai - ele leu todos ) .Eles tinham o costume

de comprar coleções de livros. José de Alencar, Machado de Assis, José Mauro de

Vasconcelos e Jorge Amado, são alguns autores. Meu primeiro livro, de onde veio

minha paixão pela leitura, foi Coração de Vidro, de José Mauro de Vasconcelos.

Aliás, a história de vida de meus pais, também parece mais a história de um

romance...

Meu pai é italiano, nascido em Larino, sul da Itália. Nasceu em 1944, época

da 2ª Guerra Mundial. A família viveu o horror da guerra. Meu “nono” Alessandro

participou da linha de frente e não admitia a ideia de que um filho viesse a passar

por aquilo. Vieram, então, para o Brasil, num navio de imigrantes , cheios de sonhos

e de promessas de prosperarem numa nova terra. Chegaram ao Paraná, para

trabalharem numa fazenda de café, mas em nada se parecia com o que

vislumbraram. Sentiram-se ludibriados e escravizados. Mudaram-se, então, para

São Roque, no estado de São Paulo, onde muitas famílias italianas haviam vindo,

pois era uma região muito propícia ao cultivo de uvas.

Casamento perfeito: amigos e vinicultura. Ficaram por lá e foi onde meu pai

conheceu minha mãe que por sua vez nasceu em Portugal, Ilha de São Miguel,

arquipélago dos Açores.

Meu avô materno era oficial da marinha, muito culto e poliglota e em uma de

suas viagens se encantou pelo Brasil, e resolveu vir com sua família para cá.

Tinham muitas posses e minha avó era de uma família portuguesa muito tradicional,

acostumada com todo o conforto e com estudos e desejos suficientes para ser

professora, sufocado por tradições e preconceitos. Casou-se aos 26 anos, sem

sequer ter falado com meu avô, apenas para cumprir suas obrigações de mulher.

Deixou sua família e veio para o Brasil com cinco filhos a tiracolo.

Venderam tudo e vieram de navio, só que quando desembarcaram no Recife,

tiveram alguns contratempos e tiveram que ficar durante um mês no hotel. O

dinheiro foi se esvaindo... Quando chegaram em São Roque , as terras que estavam

reservadas não eram mais possíveis , então restou um sitio ao lado, com uma

casinha de pau a pique, de chão batido, sem luz ou água encanada. O enxoval da

minha avó veio num baú. Toalhas de linho e cambraia de seda, rendas de bilrro,

castiçais de prata, porcelanas portuguesas, copos de cristais... Ela não se fez de

rogada. O chão era de terra, mas a mesa era posta de acordo. Fazia questão dos

bons modos e das orações . Minha avó nunca reclamou, mas seus olhos sempre

Page 113: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

113

ficavam mareados quando nos contava essa história. Meu avô, que infelizmente não

conheci, sempre tentou protegê-la, pois tinha consciência do abismo de mundos que

ela tinha que enfrentar. Foram anos de luta, de perseverança e de esperança de

uma vida melhor para todos, especialmente para os filhos. Todos ajudavam na

vinicultura. Construíram uma adega e começaram a vender vinhos. Foi ai que a vida

começou a melhorar.

Minha mãe era a caçula e a única mulher. Foi estudar em São Paulo, num

colégio de freiras, e terminou o ensino fundamental em São Roque, no Horácio

Manley Lane. Logo conheceu meu pai e se casaram. Sou a primogênita de três

meninas.

Essa retrospectiva da minha família mostra o quanto de luta e superação

trouxeram meus pais ao longo da vida, e o quanto isso é cultural para mim. O quanto

essas histórias fizeram parte da minha vida e o quanto cresci ouvindo da Itália e de

Portugal, seus costumes e tradições. A importância dos estudos, da família, da

retidão de caráter, da busca de um ideal de vida...

Assim sou eu, assim somos todos nós. Uma colcha de retalhos, costurados

um a um com a linha que a vida nos oferece. E ela é única e exclusiva. Não adianta,

por mais retalhos que tenhamos parecidos, ela nunca será costurada da mesma

maneira.

Colchas maiores, menores, retalhos coloridos, nuances cinzas, linhas fracas,

fortes, indestrutíveis, assim são nossas colchas... Servem para nos cobrir e

descobrir quando queremos. Nos confortam e nos sufocam. Mas sempre nos

acompanham...

E a minha colcha continua a ser costurada, mais e mais retalhos me são

apresentados. Tento escolher, quando possível, resignando-me, quando não. E a

vida segue...

Iniciei meu curso de graduação em Ciências em 1982. Eram dois anos para

licenciatura curta em ciências e mais um de Matemática para licenciatura plena. A

minha escolha em Exatas iniciou-se no Ensino Médio, quando tínhamos que

escolher a área de estudo. Tinham três: exatas, biológicas e magistério.

Vou ser sincera. Fui por exclusão. Até então, o magistério não exercia em

mim, fascínio algum. Sabia que o pessoal da Biologia abria animais e, com certeza

não conseguiria passar por aquilo. Então, restou a área de exatas.

Page 114: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

114

Devo aqui confessar que a minha dificuldade em entender as disciplinas de

matemática e física eram enormes... Por várias vezes pensei em mudar de turma.

Mas, uma professora me mostrou o lado fascinante das ciências exatas. A

professora Anne, tinha uma excelente didática, e se transformava quando se

encontrava em frente a lousa. Seus olhos brilhavam, a entonação da sua voz ficava

diferente, sua postura, seus gestos. Ela se empolgava e podíamos perceber o

quanto aquilo era arrebatador e o quanto ela se realizava naquelas equações,

matrizes e planos cartesianos: “Não é lindo, pessoal?” - dizia ela.. ”Agora é com

vocês..”

Ai estava a magia...Nos convencer que éramos capazes de encontrar a

solução, e na verdade, todos conseguíamos.. Uns antes e uns depois, mas todos...

Fiquei maravilhada com essa possibilidade de encontrar soluções e até

acabei achando beleza na dedução de uma fórmula, na simetria de um gráfico, mas

foi no curso de graduação, nos meus estágios é que descobri a minha verdadeira

vocação.

Percebi que proporcionar o entendimento era tão gratificante, senão mais, do

que o nosso próprio. Uma sensação incomparável, única e transformadora. Você

não é mais o mesmo e percebe que a transmissão do conhecimento não obedece

nenhuma lei matemática: você divide o que sabe e em vez de se esvair, você

adquire o que nem lhe pertencia.

E essa sensação foi arrebatadora. Descobri que havia escolhido a profissão

acertadamente.

Comecei a lecionar aos 18 anos, como eventual, numa escola estadual

próxima a cidade de Cotia, São Paulo, que incluía alunos ditos “normais” e alunos

com deficiências, principalmente vítimas de paralisia infantil. Foi um grande

aprendizado.

Após a graduação, atribuíram-me aulas numa escola estadual , como

eventual, em Mairinque , São Paulo, num bairro de uma comunidade muito carente,

em todos os aspectos possíveis.

Logo nas primeiras aulas, a diretora percebeu meu entusiasmo e comprou

minhas ideias. Pude exercer minha profissão e aptidão em toda a sua plenitude, até

que, fui chamada num concurso público federal que havia feito há dois anos, e o

peso do salário e da estabilidade falou mais alto..Não tive a opção de poder

conciliar, pois não é permitido o acúmulo de cargos públicos. Foi muito difícil...

Page 115: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

115

Logo em seguida, me casei e me transferi de São Roque para Pelotas, no Rio

Grande do Sul e pouco mais de um ano, nova transferência, agora para o Rio de

Janeiro.

A vontade de voltar a lecionar era pulsante, pois tinha a opção de uma escola

particular, mas a violência da cidade me deixou muito temerosa. Em 1995, voltamos

para o interior de São Paulo, e voltei a me sentir em casa.

Itu é uma cidade maravilhosa. Você respira história, o tempo todo. Sejam

pelos casarões, sejam pelas lindas e centenárias igrejas, museus e, ao mesmo

tempo, tem toda a infraestrutura que o conforto requer. E o melhor de tudo.

Estávamos próximos aos nossos familiares. Mas sempre me faltava alguma coisa.

Um dia, uma colega de trabalho me disse que estavam precisando de

professores de matemática no colégio técnico da Instituição Nossa Senhora do

Patrocínio, um colégio particular, mas que davam preferência para homens.

Como meu marido tem a formação em engenharia, sugeri que fôssemos até

lá para conhecermos e levar seu currículo. Claro, levei o meu, caso alguma

oportunidade surgisse. E surgiu. Eram quatro aulas de matemática para o supletivo.

Sem problemas!

Estava tão feliz, me empenhei tanto, que no próximo semestre eram dez. E

depois vinte...Conclusão, estou na Instituição até hoje. Fiz a pós-graduação em

docência do ensino superior, na Instituição mesmo, e comecei a lecionar nos cursos

da graduação. Me encontrei. Adoro trabalhar com os jovens e adultos. São pessoas

com um objetivo, com um ideal a ser traçado ainda e o meu desafio é mostrar que a

minha disciplina pode fazer a diferença na sua formação. Mas, me deparei com

outro problema. A maioria desses alunos vem de uma formação muito deficitária, de

má qualidade, com uma capacidade cognitiva extremamente comprometida e,

consequentemente , senso crítico, criatividade, abstração e concentração limitados.

Somados a isso, vem os obstáculos de ordem pessoal, institucional e da

formação dos professores por quem passaram. Senti-me impotente.

O que fazer para, ao menos, amenizar essa situação? Tentar responder a

esse desafio me levou a procura do programa de mestrado em educação. Por ter

iniciado como aluno especial, pude refletir bastante sobre o meu projeto, e as

disciplinas que cursei me ajudaram bastante a nortear esse desafio.

A ideia inicial foi discutir o desenvolvimento do pensamento crítico . Como

fazer os alunos pensar de forma mais crítica, acerca, não só dos conteúdos das

Page 116: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

116

diferentes disciplinas, mas também dos acontecimentos da vida, do nosso cotidiano?

Na busca dessa inquietação, e, fazendo uma pesquisa sobre objetos de

aprendizagem com o intuito de auxiliar no desenvolvimento do pensamento de um

modo mais abrangente, de forma criativa e motivadora, me deparei com o jogo de

xadrez.

Foi paixão a primeira vista. O que aparentava ser apenas um simples e

ingênuo jogo, se mostrava uma infinidade de habilidades, que, se bem trabalhadas,

poderiam descortinar-se ao aluno.

Estratégia, tomada rápida de decisões, riscos assumidos, busca de novas

soluções, enfim, um pensar reflexivo e crítico; habilidades e competências

essenciais para o novo aluno que se busca: o aluno cidadão.

Page 117: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

117

APÊNDICE B

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Título do projeto: O xadrez pedagógico e o desenvolvimento do pensamento crítico

Autora: Valéria Mastrogiuseppe Moraes

Instituição/Departamento: UNISAL

Telefone para contato: (11)4025-0412

Endereço:

Convido a prezada professora a participar deste estudo, o qual tem como objetivo analisar o fenômeno objeto desta pesquisa. Para se atingir o mesmo será necessário realizar entrevistas com a senhora. O material coletado através das entrevistas será utilizado exclusivamente com caráter científico, sendo lido apenas pela autora da pesquisa, estando esta, responsável por qualquer extravio ou vazamento das informações confidenciais. O anonimato dos sujeitos será preservado em quaisquer circunstâncias previstas nesta pesquisa. Os sujeitos serão livres para desistirem de participar da pesquisa a qualquer momento, sem que isto venha a prejudicá-lo, não gerando prejuízos morais, físicos ou custos a estes. A autora compromete-se em esclarecer devida e adequadamente qualquer dúvida ou questionamento que a participante venha a ter no momento da pesquisa ou, posteriormente, através dos telefones acima mencionado ou por e-mail [email protected]. Após ter sido devidamente informado(a) de todos os aspectos desta pesquisa, seus propósitos, procedimentos e garantias de confidencialidade e ter esclarecido minhas dúvidas, eu_____________________________________________________, concordo voluntariamente em participar deste estudo e autorizo a realização de entrevista sobre a temática proposta, podendo retirar o meu consentimento a qualquer momento, antes ou durante o mesmo, sem penalidades ou prejuízo. Assinatura e CI do entrevistado: _________________________________________________

Declaro, abaixo assinado, que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e Esclarecido deste sujeito de pesquisa paraa participação no estudo. Assinatura da autora do estudo:___________________________________ CI:

Page 118: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

118

ANEXO A

“História contada ao califa de Bagdá Almotacen Bilah, Emir dos Crentes, por Beremis Samir, extraída do livro O homem que calculava, de Malba Tahan.”

Difícil será descobrir, dada a incerteza dos documentos antigos, a época

precisa em que viveu e reinou na índia um príncipe chamado Iadava, senhor da

província da Tiligana. Seria, porém, injusto ocultar que o nome desse monarca vem

sendo apontado por vários historiadores hindus como um dos soberanos mais ricos

e generosos de seu tempo.

A guerra, com o cortejo fatal de suas calamidades, muito amargou a

existência do rei Iadava, transmutando-lhe o ócio e o gozo da realeza nas mais

inquietantes atribulações. Adstrito ao dever, que lhe impunha a coroa, de zelar pela

tranqüilidade de seus súditos, viu-se o nosso bom e generoso monarca forçado a

empunhar a espada para repelir, à frente de pequeno exército, um ataque insólito e

brutal do aventureiro Varangul, que se dizia príncipe de Caliã.

O choque violento das forças juncou de mortos os campos de Dacsina e tingiu

de sangue as águas sagradas do rio Sandhu. O rei Iadava possuía - pelo que nos

revela a crítica dos historiadores - invulgar talento para a arte militar; sereno em face

da invasão iminente, elaborou um plano de batalha, e tão hábil e feliz foi em

executá-lo, que logrou vencer e aniquilar por completo os pérfidos perturbadores da

paz do seu reino.

O triunfo sobre os fanáticos de Varangul custou-lhe, infelizmente, pesados

sacrifícios; muitos jovens quichatrias pagaram com a vida a segurança de um trono

para prestígio de uma dinastia; e entre os mortos, com o peito varado por uma

flecha, lá ficou no campo de combate o príncipe Adjamir, filho do rei Iadava, que

patrioticamente se sacrificou, no mais aceso da refrega, para salvar a posição que

deu aos seus a vitória final.

Terminada a cruenta campanha e assegurada a nova linha de suas fronteiras,

regressou o rei ao suntuoso palácio de Andra, baixando, porém, formal proibição de

que se realizassem as ruidosas manifestações com que os hindus soíam festejar os

grandes feitos guerreiros. Encerrado em seus aposentos, só aparecia para atender

Page 119: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

119

aos ministros e sábios brâmanes quando algum grave problema nacional o chamava

a decidir, como chefe de Estado, no interesse e para felicidade de seus súditos.

Com o andar dos dias, longe de se apagarem as lembranças da penosa

campanha, mais se agravaram a angústia e a tristeza que, desde então, oprimiam o

coração do rei. De que lhe poderiam servir, na verdade, os ricos palácios, os

elefantes de guerra, os tesouros imensos, se já não mais vivia a seu lado aquele que

fora sempre a razão de ser de sua existência? Que valor poderiam ter, aos olhos de

um pai inconsolável, as riquezas materiais que não apagam nunca a saudade do

filho estremecido?

As peripécias da batalha em que pereceu o príncipe Adjamir não lhe saíam do

pensamento. O infeliz monarca passava longas horas traçando, sobre uma grande

caixa de areia, as diversas manobras executadas pelas tropas durante o assalto.

Com um sulco indicava a marcha da infantaria; ao lado, paralelo ao primeiro, outro

traço mostrava o avanço dos elefantes de guerra; um pouco mais abaixo,

representada por pequenos círculos dispostos em simetria, perfilava a destemida

cavalaria chefiada por um velho radj.

que se dizia sob a proteção de Techandra, a deusa da Lua. Ainda por meio de

gráficos esboçava o rei a posição das colunas inimigas, desvantajosamente

colocadas, graças à sua estratégia, no campo em que se feriu a batalha decisiva.

Uma vez completado o quadro dos combatentes, com as minudências que

pudera evocar, o rei tudo apagava, para recomeçar novamente, como se sentisse

íntimo gozo em reviver os momentos passados na angústia e na ansiedade.

Á hora matinal em que chegavam ao palácio os velhos brâmanes para a

leitura dos Vedas, já o rei era visto a riscar na areia os planos de uma batalha que

se reproduzia interminavelmente.

- Infeliz monarca! - murmuravam os sacerdotes penalizados. - Procede como

um sudra a quem Deus privou da luz da razão. Só Dhanoutara, poderosa e

clemente, poderá salvá-lo!

E os brâmanes erguiam preces, queimavam raízes aromáticas, implorando à

eterna zeladora dos enfermos que amparasse o soberano de Taligana.

Um dia, afinal, foi o rei informado de que um moço brâmane - pobre e

modesto - solicitava uma audiência que vinha pleiteando havia já algum tempo.

Como estivesse, no momento, com boa disposição de ânimo, mandou o rei que

trouxessem o desconhecido à sua presença.

Page 120: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

120

Conduzido à grande sala do trono, foi o brâmane interpelado, conforme as

exigências da praxe, por um dos vizires do rei.

- Quem és, de onde vens e que desejas daquele que, pela vontade de

Vichnu 5, é rei e senhor de Taligana?

- Meu nome - respondeu o jovem brâmane - é Lahur Sessa e venho da aldeia

de Namir, que trinta dias de marcha separam desta bela cidade. Ao recanto em que

eu vivia chegou a notícia de que o nosso bondoso rei arrastava os dias em meio de

profunda tristeza, amargurado pela ausência de um filho que a guerra viera roubar-

lhe. Grande mal será para o país, pensei, se o nosso dedicado soberano se

enclausurar, como um brâmane cego, dentro de sua própria dor.

Deliberei, pois, inventar um jogo que pudesse distraí-lo e abrir em seu

coração as portas de novas alegrias. É esse o desvalioso presente que desejo neste

momento oferecer ao nosso rei Iadava.

Como todos os grandes príncipes citados nesta ou naquela página da história,

tinha o soberano hindu o grave defeito de ser excessivamente curioso.

Quando o informaram da prenda de que o moço brâmane era portador, não pôde.O

que Sessa trazia ao rei Iadava consistia num grande tabuleiro quadrado, dividido em

sessenta e quatro quadradinhos, ou casas, iguais; sobre esse tabuleiro colocavam-

se, não arbitrariamente, duas coleções de peças que se distinguiam, uma da outra,

pelas cores branca e preta, repetindo, porém, simetricamente, os engenhosos

formatos e subordinados a curiosas regras que lhes permitiam movimentar-se por

vários modos.

Sessa explicou pacientemente ao rei, aos vizires e cortesãos que rodeavam o

monarca em que consistia o jogo, ensinando-lhes as regras essenciais:

- Cada um dos partidos dispõe de oito peças pequeninas - os peões.

Representam a infantaria, que ameaça avançar sobre o inimigo para desbaratá-lo.

Secundando a ação dos peões vêm os elefantes de guerra, representados

por peças maiores e mais poderosas; a cavalaria, indispensável no combate,

aparece, igualmente, no jogo, simbolizada por duas peças que podem saltar, como

dois corcéis, sobre as outras; e, para intensificar o ataque, incluem-se - para

representar os guerreiros cheios de nobreza e prestígio - os dois vizires do rei.

Outra peça, dotada de amplos movimentos, mais eficiente e poderosa do que

as demais, representará o espírito de nacionalidade do povo e será chamada a

Page 121: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

121

rainha. Completa a coleção uma peça que isolada pouco vale, mas se torna muito

forte quando amparada pelas outras. É o rei.

O rei Iadava, interessado pelas regras do jogo, não se cansava de interrogar

o inventor:

- E por que é a rainha mais forte e mais poderosa que o próprio rei?

- É mais poderosa - argumentou Sessa - porque a rainha representa, nesse

jogo, o patriotismo do povo. A maior força do trono reside, principalmente, na

exaltação de seus súditos. Como poderia o rei resistir ao ataque dos adversários, se

não contasse com o espírito de abnegação e sacrifício daqueles que o cercam e

zelam pela integridade da pátria?

Dentro de poucas horas o monarca, que aprendera com rapidez todas as

regras do jogo, já conseguia derrotar os seus dignos vizires em partidas que se

desenrolavam impecáveis sobre o tabuleiro.

Sessa, de quando em quando, intervinha, respeitoso, para esclarecer uma

dúvida ou sugerir novo plano de ataque ou de defesa.

Em dado momento, o rei fez notar, com grande surpresa, que a posição das peças,

pelas combinações resultantes dos diversos lances, parecia reproduzir exatamente a

batalha de Dacsina.

- Reparai - ponderou o inteligente brâmane - que para conseguirdes a vitória,

indispensável se torna, de vossa parte, o sacrifício deste vizir!

E indicou precisamente a peça que o rei Iadava, no desenrolar da partida por

vários motivos , grande empenho pusera em defender e conservar.

O judicioso Sessa demonstrava, desse modo, que o sacrifício de um príncipe

é, por vezes, imposto como uma fatalidade, para que dele resultem a paz e a

liberdade de um povo.

Ao ouvir tais palavras, o rei Iadava, sem ocultar o entusiasmo que lhe

dominava o espírito, assim falou:

- Não creio que o engenho humano possa produzir maravilha comparável a

este jogo interessante e instrutivo! Movendo essas tão simples peças, aprendi que

um rei nada vale sem o auxílio e a dedicação constante de seus súditos. E que, às

vezes, o sacrifício de um simples peão vale mais, para a vitória, do que a perda de

uma poderosa peça.

E, dirigindo-se ao jovem brâmane, disse-lhe:

Page 122: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

122

- Quero recompensar-te, meu amigo, por este maravilhoso presente, que de

tanto me serviu para alívio de velhas angústias. Dize-me, pois, o que desejas, para

que eu possa, mais uma vez, demonstrar o quanto sou grato àqueles que se

mostram dignos de recompensa.

As palavras com que o rei traduziu o generoso oferecimento deixaram Sessa

imperturbável. Sua fisionomia serena não traía a menor agitação, a mais

insignificante mostra de alegria ou surpresa. Os vizires olhavam-no atônitos, e

entreolhavam-se pasmados diante da apatia de uma cobiça a que se dava o direito

da mais livre expansão.

- Rei poderoso! - redargüiu o jovem com doçura e altivez. - Não desejo, pelo

presente que hoje vos trouxe, outra recompensa além da satisfação de ter

proporcionado ao senhor de Taligana um passatempo agradável, que lhe vem a um

passatempo agradável, que lhe vem aligeirar as horas dantes alongadas por

acabrunhante melancolia. Já estou, portanto, sobejamente aquinhoado e outra

qualquer paga seria excessiva.

Sorriu, desdenhosamente, o bom soberano ao ouvir aquela resposta, que

refletia um desinteresse tão raro entre os ambiciosos hindus. E, não crendo na

sinceridade das palavras de Sessa, insistiu:

- Causa-me assombro tanto desdém e desamor aos bens materiais, ó jovem!

A modéstia, quando excessiva, é como o vento que apaga o archote, cegando o

viandante nas trevas de uma noite interminável. Para que possa o homem vencer os

múltiplos obstáculos que se lhe deparam na vida, precisa ter o espírito preso às

raízes de uma ambição que o impulsione a um ideal qualquer. Exijo, portanto,

que escolhas, sem mais demora, uma recompensa digna de tua valiosa oferta.

Queres uma bolsa cheia de ouro? Desejas uma arca repleta de joias? Já pensaste

em possuir um palácio? Almejas a administração de uma província? Aguardo a tua

resposta, por isso que à minha promessa está ligada a minha palavra!

- Recusar o vosso oferecimento depois de vossas últimas palavras - acudiu

Sessa - seria menos descortesia do que desobediência ao rei. Vou, pois, aceitar,

pelo jogo que inventei, uma recompensa que corresponde à vossa generosidade;

não desejo, contudo, nem ouro, nem terras ou palácios. Peço o meu pagamento em

grãos de trigo.

- Grãos de trigo? - estranhou o rei, sem ocultar o espanto que lhe causava

semelhante proposta. - Como poderei pagar-te com tão insignificante moeda?

Page 123: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

123

- Nada mais simples - elucidou Sessa. - Dar-me-eis um grão de trigo pela

primeira casa do tabuleiro; dois pela segunda, quatro pela terceira, oito pela quarta,

e, assim dobrando sucessivamente, até a sexagésima quarta e última casa do

tabuleiro. Peço-vos, ó rei, de acordo com a vossa magnânima oferta, que autorizeis

o pagamento em grãos de trigo, e assim como indiquei!

Não só o rei como os vizires e venerandos brâmanes presentes riram-se,

estrepitosamente, ao ouvir a estranha solicitação do jovem. A desambição que ditara

aquele pedido era, na verdade, de causar assombro a quem menos apego tivesse

aos lucros materiais da vida. O moço brâmane, que bem poderia obter do rei um

palácio ou uma província, contentava-se com grãos de trigo! - Insensato! - clamou o

rei. - Onde foste aprender tão grande desamor à fortuna? A recompensa que me

pedes é ridícula. Bem sabes que há, num punhado de trigo, número incontável de

grãos. Devemos compreender, portanto, que com duas ou três medidas de trigo eu

te pagarei folgadamente, consoante o teu pedido, pelas 64 casas do tabuleiro. É

certo, pois, que pretendes uma recompensa que mal chegará para distrair, durante

alguns dias, a fome do último pária do meu reino.

Enfim, visto que minha palavra foi dada, vou expedir ordens para que o

pagamento se faça imediatamente, conforme teu desejo.

Mandou o rei chamar os algebristas mais hábeis da corte e ordenou-lhes

calculassem a porção de trigo que Sessa pretendia.Os sábios calculistas, ao cabo

de algumas horas de acurados estudos voltaram ao salão para submeter ao rei o

resultado completo de seus cálculos.

Perguntou-lhes o rei, interrompendo a partida que então jogava:

- Com quantos grãos de trigo poderei, afinal, desobrigar-me da promessa que

fiz ao jovem Sessa?

- Rei magnânimo! - declarou o mais sábio dos matemáticos. - Calculamos o

número de grãos de trigo que constituirá o pagamento pedido por Sessa, e

obtivemos um número cuja grandeza é inconcebível para a imaginação humana.

Avaliamos, em seguida, com o maior rigor, a quantas ceiras corresponderia esse

número total de grãos, e chegamos à seguinte conclusão: a porção de trigo que

deve ser dada a Lahur Sessa equivale a uma montanha que, tendo por base a

cidade de Taligana, seria cem vezes mais alta do que o Himalaia! A índia

inteira,semeados todos os seus campos, taladas todas as suas cidades, não

Page 124: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

124

produziria em 2 000 séculos a quantidade de trigo que, pela vossa promessa, cabe,

em pleno direito, ao jovem Sessa!

Como descrever aqui a surpresa e o assombro que essas palavras causaram

ao rei Iadava e a seus dignos vizires? O soberano hindu via-se, pela primeira vez,

diante da impossibilidade de cumprir a palavra dada.

Lahur Sessa - rezam as crônicas do tempo -, como bom súdito, não quis

deixar aflito o seu soberano. Depois de declarar publicamente que abriria mão do

pedido que fizera, dirigiu-se respeitosamente ao monarca e assim falou:

- Meditai, ó rei, sobre a grande verdade que os brâmanes prudentes tantas

vezes repetem: os homens mais avisados iludem-se, não só diante da aparência

enganadora dos números, mas também com a falsa modéstia dos ambiciosos.

Infeliz daquele que toma sobre os ombros o compromisso de uma dívida cuja

grandeza não pode avaliar com a tábua de cálculo de sua própria argúcia. Mais

avisado é o que muito pondera e pouco , após ligeira pausa, acrescentou:

- Menos aprendemos com a ciência vã dos brâmanes do que com a

experiência direta da vida e das suas lições de todo dia, a toda hora desdenhadas!

O homem que mais vive mais sujeito está às inquietações morais, mesmo que não

as queira. Achar-se-á ora triste, ora alegre; hoje fervoroso, amanhã, tíbio; já ativo, já

preguiçoso; a compostura alternará com a leviandade. Só o verdadeiro sábio,

instruído nas regras espirituais, se eleva acima dessas vicissitudes, paira por sobre

todas essas alternativas!

Essas inesperadas e tão sábias palavras calaram fundo no espírito do rei.

Esquecido da montanha de trigo que, sem querer, prometera ao jovem brâmane,

nomeou-o seu primeiro-vizir.

E Lahur Sessa, distraindo o rei com engenhosas partidas de xadrez e

orientando-o com sábios e prudentes conselhos, prestou os mais assinalados

benefícios ao povo e ao país, para maior segurança do trono e maior glória de sua

pátria. Encantado ficou o califa Al-Motacém quando Beremiz concluiu a história

singular do jogo de xadrez. Chamou o chefe de seus escribas e determinou que a

lenda de Sessa fosse escrita em folhas especiais de algodão e conservada em

valioso cofre de prata.

E, a seguir, o generoso soberano deliberou se entregasse ao calculista um

manto de honra e 100 sequins de ouro. Bem disse o filósofo:

- Deus fala ao mundo pelas mãos dos generosos!

Page 125: CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão... · Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São

125

A todos causou grande alegria o ato de magnanimidade do soberano de

Bagdá. Os cortesãos que permaneciam no divã eram amigos do vizir Maluf e do

poeta Iezid: era, pois, com simpatia que ouviam as palavras do calculista persa, por

quem muito se interessavam.

Beremiz, depois de agradecer ao soberano os presentes com que acabava de

ser distinguido, retirou-se do divã. O califa ia iniciar o estudo e julgamento de

diversos casos, ouvir os honrados cádis e proferir suas sábias sentenças. Deixamos

o palácio real ao cair da noite. Ia começar o mês de Chá-band.

i