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Um olhar sociológico sobre a criança e o brincar é a Dissertação de Mestrado de Mércia Maria de Santi Estácio, defendida em 19 de fevereiro de 2010, no Programa de Pós-graduação em Ciências Humanas Letras e Artes (CCHLA-UFRN). Fizeram parte da Banca Examinadora as professoras, Prof.ª Dr.ª Lore Fortes (orientadora), Dra. Dalcy da Silva Cruz (UFRN), Geovania da Silva Toscano (membro externo UERN).

O livro traz imagens dos Artistas Dalvan da Silva e Ivan Cruz com adaptações de Luana M. Pamplona; na introdução, a imagem foi retirada da obra do Pequeno Príncipe com adaptação de Luana N. Pamplona.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

Estácio, Mércia Maria de Santi. Um olhar sociológico sobre a criança e o brincar / Mércia Maria de Santi Estácio. - Natal, RN : EDUFRN, 2011. 142 p. : il. (Coleção Dissertações e Teses do CCHLA – UFRN)

ISBN 978-85-7273-816-3

1. Sociologia. 2. Sociologia Educacional. 3. Brincadeiras - Infância. 4. Crianças – Desenvolvimento. I. Título.

CDD 301RN/UF/BCZM 2011/46 CDU 316:688-053.2

Catalogação da Publicação na Fonte.Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).

Ângela Maria Paiva Cruz

Maria de Fátima Freire Melo Ximenes

Herculano Ricardo Campos

Helton Rubiano de Macedo

Márcio Moraes ValençaMaria da Conceição Fraga

Márcio Moraes Valença

Janilson Torres

REITOR

VICE-REITORA

DIRETOR DA EDUFRN

EDITOR DA EDUFRN

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DIRETOR:

VICE-DIRETORA:

ORGANIZADOR DA COLEÇÃO

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA E CAPA

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Dedico este texto a Geraldo,

meu eterno amor e companheiro,

e às minhas filhas adoradas,

Vitória e Carol.

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_agradecimentos

Minha chegada ao Departamento de Ciências Sociais da UFRN, e

posteriormente ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais,

pautou-se em laços de amizade e afetividade estreitados e ampliados

durante a caminhada do mestrado.

Foram muitas as pessoas que conheci e convivi durante esse

período, e depois da defesa da dissertação em fevereiro de 2010, foram

muitos os esforços para conseguir materializar o desejo de transformar esse

texto em um livro. Mas valeu a pena, pois aqui está o fruto da minha

pesquisa.

A Universidade Federal do Rio Grande do Norte teve um papel

decisivo na minha formação, bem como os professores com os quais convivi

durante o mestrado, dentre eles: Lore Fortes, minha orientadora; José

Willington Germano, Maria da Conceição Xavier de Almeida, Edgard de

Assis Carvalho, Moisés Alberto Calle Aguirre, meu sincero agradecimento,

respeito, carinho e admiração.

O programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UFRN

proporcionou-me condições para desenvolver a pesquisa do mestrado.

Agradeço ao Coordenador Professor Doutor Orivaldo Pimentel Junior; ao

Diretor do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Professor Doutor

Márcio Valença e à Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

pelo empenho e dedicação na publicação deste livro.

Agradeço às crianças da Escola Municipal Professor Ulisses de

Góes, que permitiram que eu entrasse em seu mundo e realizasse a pesquisa

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relatada neste livro, à direção, ao corpo docente e administrativo, que

colaboraram e me acolheram, permitindo minha permanência na escola.

Mas como uma andorinha sozinha não faz verão, comigo não foi

diferente; fiz amigos ao longo desse percurso. Amigos que, além de

apostarem no conhecimento científico, valorizam os laços, os afetos e que

em muitos momentos fizeram a diferença, a eles agradeço de coração,

dentre eles: Lenina Lopes Soares da Silva, minha leitora incansável, sempre

disposta a ler e discutir meus escritos, num ato de amor e doação para o

qual não encontro palavras suficientes para descrever e agradecer, autora

da apresentação deste livro, redigido com delicadeza e seriedade. À minha

alma gêmea Rejane Guedes Pedrosa, que, nos momentos mais sombrios e

difíceis, me estendeu a mão e me apoiou de forma incondicional, E em

parceria com Lore Fortes, orientadora da dissertação, construíram o

prefácio poético que abre esse livro. À Professora Doutora Dalcy da Silva

Cruz, que leu meus escritos desde a pré-qualificação, sugerindo, opinando e

ampliando o meu olhar para a pesquisa e que escreveu as orelhas desse

livro de forma magnífica e carinhosa. À professora Altamira Medeiros, pelo

cuidado e carinho despendidos na correção ortográfica; e Luana Pamplona,

responsável pela lapidação das imagens que apresentam este livro.

Os laços afetivos não estão presentes apenas na minha vida

acadêmica eles estruturam minha vida desde a infância, por isso agradeço à

minha família querida, Hilda, minha mãe, Miguel, meu pai (in memorium),

que me ensinaram desde cedo o valor da família, do amor, do apoio

incondicional. E que mesmo à distância acompanharam meu percurso e

vibraram com as minhas conquistas desde o processo seletivo até a

finalização do mestrado.

A todos o meu sincero muito obrigada!!

“Há quem diga que todas as noites são de sonhos.

Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão.

Mas no fundo isso não tem muita importância.

O que interessa mesmo não são as noites em si, são os sonhos.

Sonhos que o homem sonha sempre.

Em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado."

Shakespeare

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A qualidade da escola é um tema recorrente em qualquer

reflexão sobre educação no Brasil. Mas, dificilmente encontramos

reflexões que insiram nesta escola, que se quer com qualidade em suas

práticas educativas, discussões sobre o espaço e o tempo do brincar.

Talvez isso ocorra porque para muitos educadores jogos e brincadeiras

não são coisas instrutivas e nem são partes do guia curricular de

conteúdos. Contudo, afirmamos que o espaço e o tempo do brincar

podem ser construídos na escola, particularmente na educação básica,

se visualizarmos que, nas cidades deste início do Século XXI, a falta de

espaço nas casas, nas ruas e praças impossibilita que crianças e jovens

exerçam esse “quase direito” ao lúdico e à convivialidade que os jogos e

as brincadeiras possibilitam.

Advém dessa percepção concreta, observável visivelmente, a

relevância dos estudos que tratam dessa temática, largamente valorizada

por pesquisadores como Jean Piaget, Lev Vygotsky e David Winnicott em

meio a tantos outros.

Este livro da Professora Mércia Maria de Santi Estácio analisa o

espaço e o tempo do brincar em uma Escola Pública da cidade de Natal,

capital do Estado do Rio Grande do Norte. Para fazer seus estudos, antes de

tudo, a autora, inserida como pesquisadora, buscou mostrar o lugar do

brincar na educação, o qual é apresentado propositivamente já na

Introdução como “uma atividade/necessidade humana que apresenta a

forte presença dos processos subjetivos”. Com essa perspectiva, diríamos

transdisciplinar, a escritora faz sua interpretação sociológica, pedagógica e

_apresentação

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cultural desse lugar do brincar nas sociedades ocidentais. Assim, do lugar

do brincar impresso em sua subjetividade como educadora física ela se

situa na escola campo de pesquisa e de lá retorna como uma brincante do

tempo histórico e social, para os mundos do brincar pensados e imaginados

por autores clássicos da educação, como Aníbal Ponce, Walter Benjamim,

Jean-Jacques Rousseau e Paulo Freire, entre outros.

A autora ao assumir essa dimensão histórica, cultural e social de

sua temática de estudos a reconhece nas preocupações educativas de

inúmeros pensadores da atualidade, mas não se limita a esses, e vai em

busca de uma estética para suas reflexões. Desse modo, permite que a arte

que ilustra a vida embeleze seu livro, rica e emocionalmente, com imagens

derivadas das artes plásticas e da fotografia. Essa postura ratifica o que diz o

professor José Willington Germano: “o mundo da ciência pode ser mais

poético e menos prosaico; pode ter mais leveza e, assim, mais beleza, se

fizermos a opção pelo diálogo com a literatura e a arte.”

O título da dissertação da qual resultou este livro: “Um olhar

sociológico sobre a criança e o brincar: espaço e tempo de construção,

reinvenção e aprendizagem,” sugere de forma sinóptica a intencionalidade

precípua de seu trabalho. Ao mesmo tempo demonstra para onde, para quê

e para quem se dirigem suas interpretações e esforços intelectuais. A

análise histórica empreendida reforça isso e chega à escola analisada com

uma bagagem teórica e metodológica importante e capaz de conduzir para

apreender ali, as presenças e ausências vinculadas ou planejadas

pedagogicamente para o brincar como atividade/necessidade humana. É,

dessa maneira, que suas buscas cognitivas remetem ao não

posicionamento de práticas educativas voltadas direta e sistematicamente

para o espaço/tempo do brincar como modos de ensinagem e de

aprendizagem, nesta escola. Quem sabe, porque a autora tenha pensado o

brincar como meio operativo de apropriação de conhecimentos necessários

ao desenvolvimento humano das crianças que naquela escola estudam em

todos os aspectos. Todavia, na percepção das crianças, naquele contexto

escolar, há permissão delegada para um poder brincar de forma aleatória,

reprodutora de modelos, pouco criativa pelos impedimentos espaciais; o

que é ratificado e ilustrado por fotografias, demonstrando que nessa escola,

no tocante à temática pesquisada, suas práticas são poucos contributivas

para o desenvolvimento infantil em termos de sociabilidades e

convivialidades promovidas pelo brincar, pois faltam àquelas crianças o

espaço e o tempo para tal na escola – locus da educação formal.

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Apreender a essência dos processos envolvidos no ato de brincar na

infância foi um exercício de leitura prazeroso neste livro e nos incita a dizer

que talvez aí resida a chave-mestra para re/abrir a discussão de muitos

problemas emergenciais nas escolas – inclusive, aqueles ligados à violência

escolar no país. Este livro é, não tenho dúvidas, um suporte valioso para

todos aqueles educadores que lidam com os desafios de educar para vida

num mundo dominado pelo imediatismo consumista, tendo como princípio

formador o que recomenda o pensador português Boaventura de Sousa

Santos: “um conhecimento prudente para uma vida decente”, seja nas

Universidades, seja na escola básica.

Por tudo que apresentei até aqui, além de compartilhar com a autora

suas preocupações com a educação das crianças e jovens, partilho também

daquelas que são voltadas especificamente para o ato de brincar, como forma

de aprendizagem que necessita ser reinventado. Igualmente me solidarizo e

dou parabéns à Editora da UFRN que tem a satisfação de promover essa

edição, visando divulgá-la para professores e demais interessados no assunto.

Essa atitude constitui-se, para nós, como cuidado com o aproveitamento das

pesquisas realizadas nesta instituição, e principalmente como uma

oportunidade de compartilhamento de aprendizagens e de “conhecimentos

pertinentes,” como nos ensina Edgar Morin.

Lenina Lopes Soares SilvaPedagoga e Cientista Social

Natal, junho/2011

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Na contemporaneidade a tecno-ciência e o processo tecnológico do

desenvolvimento comunicacional, fez o mundo se ligar em rede. No

entanto, o indivíduo nunca se sentiu tão isolado e tão solitário como hoje.

Sua preocupação não é mais com o outro, com a diversão, com as

brincadeiras. Sua atenção está voltada para os acontecimentos que

ocorrem no planeta em velocidade de relâmpago. Os contatos humanos e as

diversões ficam restritas aos instrumentos tecnológicos. A educação de um

modo geral e a escola fundamental, em particular também vai seguindo o

ritmo acelerado dos tempos atuais.

O livro de Mércia – UM OLHAR SOCIOLOGICO SOBRE O BRINCAR

– é sem dúvida, uma demonstração do educador consciente do seu papel de

formador de sujeitos históricos. Ele trás à tona um tema quase tabu hoje,

que é o valor das brincadeiras e das tradições que estão sendo colocadas à

margem das atividades recreativas. No entanto, Mércia fazendo um passeio

pela história, busca compreender o tratamento dado à criança e ao brincar

desde tempos imemoriais à contemporaneidade. Embora não tenha

encontrado uma resposta mais consistente para suas indagações sobre o

valor das brincadeiras que poderiam ser uma via à afetividade e um olhar

sensível para o mundo, sua crença em uma educação melhor e mais

humana, continua de pé. Para a pesquisadora o brincar é uma “atividade-

necessidade humana” que deve ser concebida desde a família, passando

pela escola, se expandindo por toda a existência humana.

Com uma pesquisa realizada na Escola Municipal Prof. Ulisses de

Góes localizada em Nova Descoberta, Mércia produziu um livro

_nota em staccato

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amplamente ilustrado com pinturas sobre o brincar que trouxe leveza,

visibilidade, multiplicidade e consistência ao tema, adjetivos tão caros ao

escritor Ítalo Calvino, que certamente só vem contribuir e enriquecer as

discussões já em curso do valor do brincar reforçando a crença de muitos

pensadores preocupados com a atividade lúdica. Infelizmente, naquela

escola a professora-pesquisadora encontrou pouco entusiasmo sobre o

brincar e seu valor como via de aprendizagem. Teve, muitas vezes, a

impressão de que a brincadeira é secundária em relação aos aspectos

cognitivos. Embora exista em alguns professores a compreensão de sua

necessidade, o brincar não se constitui ainda em um “norteador da prática

desse grupo”. A escola não oferece condições adequadas para que o brincar

assuma seu papel de formador do sujeito. Tanto que o discurso dos

professores não se coaduna com a prática, embora para os alunos o brincar

desperte um grande interesse mesmo em um ambiente e materiais

precários como os existentes na escola. A resposta dos alunos quanto ao seu

valor, foi de 100% a favor das brincadeiras. No entanto, elas só são

praticadas nas aulas de Educação Física e no Recreio. Dessa perspectiva, é

uma atividade que não se constitui em um recurso que faça parte da

aprendizagem.

Se o ato de brincar é tão importante para a formação do sujeito, o

presente livro vem trazer uma contribuição incalculável a professores, pais e

àqueles que acreditam no valor das brincadeiras, pois elas não se

restringem somente à escola, mas para isso é preciso que os educadores

também assim o entendam.

Esta é uma preocupação que remonta ao século XIX com Marx que

já se indagava: quem educada o educador. Hoje o filósofo e também

educador Rubem Alves fala da educação “dos educadores” e sugere que a

literatura e a poesia são instrumentos mágicos para formar bons

educadores. Nesse cenário imagina que educadores seriam fascinantes se

fossem: poeta, feiticeiro, artista e educador projetador da beleza. Eles

poderiam ser ainda o jardineiro, o mestre zen, o semeador do futuro e

companheiro de brinquedos. Na verdade o que ele imagina é um sonho,

uma utopia, mas por que não sonhar. A criança sonha sempre e para ela o

“objetivo da vida é ser criança”.

Dalcy da Silva CruzProfessora da UFRN

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O Brincar é coisa séria! Merece ser respeitado.

Somente uma apaixonada pelo que faz consegue dar conta da grande aventura em busca das conexões entre as perguntas e as respostas relacionadas aquilo que escolheu para amar.

Nas páginas que se seguirão passearemos pelo cenário onde uma pesquisadora vivamente interessada e comprometida apresenta sua trajetória numa pesquisa que elegeu uma escola pública em Natal, capital do estado nordestino Rio Grande do Norte, como espaço de observação das crianças imersas no universo do aprendizado e das brincadeiras que ocorrem nas aulas de educação física, no pátio do recreio e na sala de aula. Mércia Maria de Santi Estácio partilha com gentileza algumas de suas observações na contemporaneidade do final da primeira década do Século XXI.

Em uma atitude ousada e corajosa, a pesquisadora, com formação em Educação Física, incorpora as ferramentas conceituais e metodológicas das Ciências Sociais para aproximar-se da temática do brincar na escola. Seleciona um espaço-tempo que nos faz recordar a música que diz: Eu vi menino correndo, eu vi o tempo, brincando ao redor do caminho daquele menino...

Em seu percurso ricamente tecido enquanto franqueza de relato e rigor no cumprimento de etapas de uma pesquisa sociológica ela adentra num espaço-tempo que nos convida a enxergar diversas abordagens do brincar no espaço educativo e, porque não dizer, como espaço educativo.

As dimensões temporais e espaciais estão conectadas por diferentes percepções, formando um híbrido ao apresentar como os alunos e os professores falam sobre a presença e a possibilidade da brincadeira na escola.

_prefácio

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Imagens emblemáticas aproximam a teoria do brincar no imaginário das representações artísticas e culturais, intercalando-se com as fotografias das crianças em seus momentos de brincadeira no espaço educacional. Na escolha dos referenciais teórico-conceituais, Graciliano Ramos, Janusz Korczak, Walter Benjamin, Maria Cecília Minayo, Fátima Miguez, Mary Del Priore, Johan Huizinga, Lev Vygotsky, Donald W. Winnicott, Humberto R. Maturana, Gerda Verden-Zöller, Paulo Freire, entre outros pensadores e estudiosos da educação compõem os pilares de sustentação organizados de tal maneira, que convidam o leitor a destituir-se de pré-conceitos das engessadas teorias que modelizam a brincadeira como forma de adestramento. Propõe assim, uma relação mais interativa, como importante alavanca da formação educativa, cujo efeito certamente fica impregnado nos corpos e mentalidades das crianças, possibilitando, talvez, a invenção de liberdades nos interstícios das regras, integrando o dever de aprender com o prazer do brincar.

A autora provoca o pensamento sobre o pensamento, colocando em evidência alguns aspectos que atravessam as práticas educativas e questiona o fazer cotidiano, sem, contudo, atribuir culpabilidade a uns ou a outros. Descreve situações que podem ser retomadas por perspectivas diversas. Enuncia um arcabouço de oportunidades para que o brincar não seja apêndice do processo educativo, mas respeitado como leitura do mundo por parte das crianças.

A argumentação conduzida com esmero nos faz lembrar Mario Quintana, quando este relaciona o laço de fita ao abraço, nos mostrando que, da mesma forma, “o amor e a amizade são isso... não prendem, não escravizam, não apertam, não sufocam. Porque quando vira nó, já deixou de ser um laço! ”O texto de Mércia reflete o amor e a amizade que estão no brincar e em todas as relações que envolveram a sua postura teórica e metodológica na realização de sua pesquisa, agora transformada em livro.

Reconhecendo o envolvimento e a amorosidade da autora citamos Paulo Freire - “Não se pode falar de educação sem amor” e arriscamos dizer, sem medo de errar, que esse livro é um gesto de amor.

Lore FortesDoutora em Sociologia/UnB

Rejane Guedes PedrozaDoutoranda em Ciências Sociais - PPGCS/UFRN

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_sumário

17introdução

capítulo 01INFÂNCIA, ESCOLA E EDUCAÇÃO:

UM PASSEIO DA PRÉ-HISTÓRIA À CONTEMPORANEIDADE

29

capítulo 02OS ESPAÇOS-TEMPOS DO BRINCAR

NO PROCESSO EDUCATIVO FORMAL: CONCEITO E IMPORTÂNCIA

69

conclusão 129

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_sumário

listas

135

139

referências

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_introdução

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“Todas as grandes personagens começaram por serem crianças, mas poucas se recordam disso.”

Antoine de Saint-Exupéry

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INTRODUÇÃO

A infância nos remete a recordações de tempos em que o convívio

familiar e o início da fase escolar deixam marcas, lembram histórias,

pessoas e lugares envoltos em fantasias, sentimentos saudosos e

nostálgicos. Com a modernidade, a infância conquistou seu espaço e

atualmente é objeto de estudos, nas mais diversas áreas do conhecimento,

como a educação, a psicologia, a sociologia, a história, a antropologia, a

pedagogia etc. Impossível falar de infância e não se lembrar de criança e

estabelecer relação com o brincar (brincadeiras, jogos).

Neste livro discuto o brincar, mas também dialogo com os demais

sujeitos que compõem o universo no qual o brincar está inserido, como a

família, a escola e a cultura, pois, assim como o sonho, o brincar foi, ao

longo da história do mundo, considerado coisa sem relevância. Brinquedos

e brincadeiras são usados no vocabulário corrente para definir coisas sem

seriedade e importância.

Sem dúvida, é possível destacar o lugar do brincar para além de

uma simples atividade; trata-se de uma atividade/necessidade humana que

apresenta a forte presença dos processos subjetivos que o brincar envolve,

seja na família ou na escola. Isto é um jeito de refazer, de viver o impossível.

Brincando, a criança aprende a ser, se humaniza, subjetiva seus desejos,

comunica, situa-se e é situada pelo outro, apropria-se do seu fazer, agindo,

atuando e construindo suas aprendizagens no ambiente no qual ela está

inserida.

O brincar sempre fez parte do universo infantil. Brincando, a

criança experimenta situações e emoções do seu próprio entorno, bem

como do mundo dos adultos. Nessa ação, a criança estabelece e vive

relações, cria regras, se estrutura, reconhece o outro, enfim, começa a se

colocar no mundo. No ato de brincar, a criança se apropria do mundo e de

tudo que está envolvido nele, socializando-se.

Neste sentido, a proposição fundamental deste livro, fruto da

minha dissertação de mestrado pressupõe que a ausência do brincar na

vida da criança prejudica sua estruturação física, psíquica, biológica,

cultural, social, histórica e o seu desenvolvimento. Assim, não é possível

pensar a infância sem o lúdico, pois através dele acontece a ligação entre a

aprendizagem e o desenvolvimento, por isso sua importância. Existe certo

comprometimento do brincar em virtude das condições da modernidade

geradas pela rapidez e pelo interesse cada vez maior pela antecipação do

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futuro, esquecendo-se do presente, o que reforça a cultura do progresso a

qualquer custo. Dessa forma, há crianças que já não querem mais fazer de

conta, que não têm tempo para entrar em outro tempo, o tempo do brincar,

do elaborar, do buscar sentido para suas descobertas, do conhecer-se,

enfim, tudo está dado, pronto e acabado.

O tema brincar está diretamente relacionado com a minha história

de vida e profissional e por isso impregnado de sentido. Graduada em

Educação Física desde 1987, minha prática, desde então, se pauta na

educação física escolar. Em 1999 me mudei para Natal e comecei a

trabalhar numa escola particular, a Escola Viva, onde fui reencontrando

desejos e motivações para atuar com a Educação Física na escola. Em

2001 realizei um projeto com meus alunos intitulado “No tempo dos pais,

avós e tios se brincava assim...”, esta iniciativa resultou num livro produzido

com os alunos, apresentação em eventos e publicação na Coleção Cotidiano

Escolar. Trata-se de uma das partes do material didático produzido pelo

Núcleo de Formação Continuada para Professores de Artes e Educação

Física (PAIDEIA), Centro Integrante da Rede Nacional de Formação

Continuada de Professores da Educação Básica, em convênio com o

Ministério da Educação e Cultura (MEC), Secretaria de Educação Básica

(SEB) e Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Em 2004, quando da minha participação no Curso de

Especialização em Corpo e Cultura de Movimento, na UFRN me apaixonei

pelo brincar e desde então venho pesquisando sobre o assunto. Acredito que

essa discussão seja pertinente ao cenário escolar e acadêmico,

possibilitando um retorno à sociedade. Tais fatores mobilizaram a escolha

do brincar como tema de estudo, impulsionada e impregnada de

intencionalidade que envolve toda escolha, seja na pesquisa, seja na vida.

Algumas perguntas, de partida, nortearam meus estudos. Para

algumas delas encontrei resposta, para outras surgiram novas inquietações,

mas acredito que esse seja o caminho quando se pesquisa sobre um

assunto: encontrar algumas respostas e se deparar com novas dúvidas e

questões. Minhas questões iniciais foram: Quais os espaços-tempos

reservados na escola para o brincar? Qual a importância do brincar no

desenvolvimento das crianças? A escola reconhece a importância do brincar

em seu espaço social? Como as crianças percebem e utilizam os espaços-

tempos para o brincar na escola?

No mundo do faz-de-conta, as crianças colocam a forma com que se situam diante dos pais, dos semelhantes, da sexualidade, da escola, dos

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objetos, dos ideais, do simbólico, enfim do mundo. Nesse sentido, Borba corrobora afirmando:

[...] o brincar é um dos pilares da constituição de culturas da infância, compreendidas como significações e formas de ação social específicas que estruturam as relações das crianças entre si, bem como, os modos pelos quais interpretam, representam e agem sobre o mundo. Essas duas perspectivas configuram o brincar ao mesmo tempo como produto e prática cultural, ou seja, como patrimônio cultural, fruto das ações humanas transmitidas de modo inter intrageracional, e como forma de ação que cria e transforma significados sobre o mundo. (BORBA, 2007, p.33).

O corpo é o primeiro brinquedo da criança, que numa atividade exploratória vai sendo descoberto aos poucos, dia após dia. O corpo também é a maneira de nos colocarmos no mundo, “toda comunicação humana começa e termina no corpo” (PROSS, apud GALENO, CASTRO SILVA, 2003, p.141). Então, por que o corpo é tão pouco valorizado na escola?

Em muitas escolas ainda predomina uma visão dicotômica do ensino que privilegia as ações cognitivas em detrimento das atividades corporais. Não se trata de hierarquizar o conhecimento cognitivo e o conhecimento corporal, colocando um ou outro em primeiro lugar, mas sim de deflagrar a enação, acreditando que toda cognição depende da experiência que acontece na ação corporal.

Desse modo, faz-se necessário refletir sobre a pedagogia que vem sendo imposta tanto na escola como na família. As etapas de desenvolvimento da criança deveriam ser respeitadas, assegurando dessa forma o crescimento de nossos infantes.

Benjamin (1984) acredita ser preciso considerar o diálogo cultural, sem o qual o lúdico não poderia ser viabilizado. Assim, o processo educativo, tanto formal quanto informal, busca a transmissão da herança cultural, para a continuidade. Por isso, nossa sociedade vinculou o lúdico à criança, faixa etária caracterizada pela “improdutividade” e pela movimentação constante, mas mesmo na infância cada vez mais o lúdico é negado. Este autor diz:

[...] Se, partindo de tudo isso, fizermos algumas

reflexões sobre a criança que brinca poderemos falar

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então de uma relação antinômica. De um lado o fato

coloca-se assim: nada é mais adequado à criança do

que irmanar em suas construções os materiais mais

heterogêneos – pedras, plastilina, madeira, papel. Por

outro lado, ninguém é mais sóbrio em relação aos

materiais do que crianças: um simples pedacinho de

madeira, uma pinha ou uma pedrinha reúne em sua

solidez, no monolitismo de sua matéria, uma

exuberância das mais diferentes figuras. (BENJAMIN,

1984, p.69).

O tempo veloz da urgência atravessa qualquer atividade da criança

e claro, na prática educativa, tem incidência fundamental. Pais e

profissionais exigem resultados cada vez mais rápidos, em um tempo

sempre breve e encurtado pelas inúmeras exigências. Urgências para que

fale bem, para que desenhe e escreva as letras, para que leia, para que

passe de série, para que não se atrase, para que esteja sempre atento, para

que domine o inglês e a computação... e até exigências para que seja feliz.

A preparação para um futuro vencedor, a necessidade e/ou a

utilização de mão-de-obra infantil não apenas furtam o brincar da vida das

crianças, como exigem uma nova postura quanto à aplicabilidade do termo

infância, uma vez que o brinquedo, o jogo e o divertimento passam a ser

vivenciados desde muito cedo, quase que somente por oposição a essas

obrigações. Penso no brincar como experiência humana onde os aspectos

da subjetividade encontram-se como elementos da realidade,

possibilitando uma experiência criativa na construção do eu/social.

Nesta perspectiva torna-se imprescindível oportunizar à criança

possibilidades para vivenciar o brincar no contexto escolar, pois, quando

brinca, a criança coloca em jogo os recursos cognitivos que adquiriu. A

criança que brinca em liberdade, podendo decidir sobre o uso de seus

recursos para resolver os problemas que surgem no brinquedo, sem dúvida

alguma desenvolverá habilidades solicitadas para outras aprendizagens

(aprender a ler, escrever, contar, relacionar etc.) e para solucionar

problemas.

Em determinado levantamento de pesquisas envolvendo a

temática, descobri estudos a respeito da importância do brincar como

recurso da aprendizagem; dos brinquedos pedagógicos; da influência dos

jogos eletrônicos e videogames; da educação através do brincar; dos

brinquedos próprios para cada faixa etária. No entanto, minha proposta é

identificar se há na escola espaços-tempos para o brincar.

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Reconheço que existem diversos autores que discutem o brincar,

dentre os quais: Benjamin (1984), Huizinga (2004), Korzacsk (1989),

Morshida (1993), Fernandèz (2001), Winnicott (1975), Maturana (2004),

entre outros.

No entanto, como em qualquer pesquisa, é necessário fazer

escolhas dentre o universo apresentado como referencial teórico, então,

optei por fundamentar a pesquisa nas teorias propostas por Benjamin

(1984), pensador do século XX que escreveu sobre as crianças, os

brinquedos e a educação com tamanha propriedade que suas colocações

encontram-se vivas até hoje e as quais alicerçaram a construção desta

pesquisa. Fundamento também minhas constatações e descobertas em

Huizinga (2004) que traz considerações sobre o jogo e o homem que joga.

“[...] O jogo está fora desse domínio moral, não é em si mesmo nem bom

nem mau.” (HUIZINGA, 2004, p. 236). Para Huizinga (2004), antes de ser

Homo Sapiens, o ser humano foi Homo Ludens, e não deixou de sê-lo para

se tornar Homo Faber. Na verdade, o jogo está impregnado em nossas vidas

não apenas na infância, mas também na vida adulta como forma de

adaptação à realidade.

Quando idealizei esta pesquisa tinha clareza do que queria

pesquisar, porém o ingresso na pós-graduação, a participação nas

disciplinas, nos eventos, o diálogo acadêmico com professores e colegas

apontaram outros caminhos antes não pensados. Num primeiro momento

pensei em apenas analisar um documento do Ministério da Educação e

Cultura que traz orientações para o brincar na escola. Porém, a chegada ao

campo empírico sinalizou outras necessidades antes não pensadas, novas

abordagens a serem desvendadas.

Talvez sem perceber a nossa área de formação esteja tão impregnada

que se torna comum reconhecer e se aproximar dos nossos pares, e comigo

não foi diferente. Iniciei a pesquisa na escola, observando as aulas de

Educação Física dos alunos do 1º ano “A” e “B” da educação básica, cerca de

40 alunos no período compreendido entre os meses de agosto a novembro de

2008. No entanto, notei que em momento algum, na idealização da pesquisa,

estava apenas preocupada com o brincar nas aulas de Educação Física; pelo

contrário, talvez o que mais me inquietasse fosse a prática em sala de aula,

com os professores responsáveis pelos conteúdos, ditos sérios e importantes,

e a percepção das crianças diante do brincar na escola.

Estas descobertas me fizeram revisitar os registros recolhidos até então e perceber a necessidade de voltar ao campo para preencher essas

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lacunas, e buscando respostas para minhas perguntas de partidas. Este retorno aconteceu em julho e agosto de 2009, e avalio esse retorno como um ponto positivo, pois me proporcionou outro olhar, outra intenção de observação. Agora, os alunos do 1º ano estão no 2º ano e talvez fosse possível outras descobertas, outras constatações.

Acredito que esse seja um caminho exequível e saudável quando da produção de todas as pesquisas, podendo, no seu transcorrer, perceber que falta algo, ou incorporar outras perguntas surgidas no seu desenrolar.

Diante do universo de apenas uma escola pública municipal, optei pela pesquisa teórico-empírica numa abordagem de estudo exploratório. Uma vez que o brincar foi observado no campo escolhido – a escola pública municipal –, na perspectiva de um estudo exploratório, pois trata apenas de uma escola.

Como técnicas de pesquisa, utilizei: a observação participante, entrevistas estruturadas, com alunos, e questionários, com professores. Para fundamentar as escolhas dos procedimentos de pesquisa, Minayo foi escolhida, por afirmar que

[...] a observação participante permite que o investigador combine o afazer de confirmar ou infirmar hipóteses com as vantagens de uma abo rdagem não -es t ru tu rada . Co locando interrogações que vão sendo discutidas durante o processo de trabalho de campo, ela elimina questões irrelevantes, dá ênfase a determinados aspectos que surgem empiricamente e reformula hipóteses iniciais e provisórias. (MINAYO, 1999, p. 96).

Dessa forma, a autora informa a necessidade de o pesquisador tomar algumas decisões no momento que antecede à observação propriamente dita:

Observação livre ou realizada através de roteiro específico? Abrangerá o conjunto do espaço e do tempo previsto para o trabalho de campo ou se limitará a instantes e/ou aspectos da realidade, dando ênfase a determinados elementos na interação? (MINAYO, 1999, p. 100).

Ainda segundo a autora todos os registros oriundos desta observação devem constar no Diário de Campo, tais como: falas, comportamentos, hábitos, usos, costumes, celebrações e instituições que compõem o quadro das Representações Sociais.

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Alguns autores afirmam que a observação participante não é

apenas uma estratégia na investigação, “mas um método em si mesmo,

para compreensão da realidade”. (MINAYO, 1999, p. 134-135).

Definimos observação participante como um

processo pelo qual mantém-se a presença do

observador numa situação social, com a finalidade de

realizar uma investigação científica. O observador

está em relação face a face com os observados e, ao

participar da vida deles, no seu cenário cultural, colhe

dados. Assim o observador é parte do contexto sob

observação, ao mesmo tempo modificando e sendo

modificado por este contexto. (SCHWARTZ;

SCHWARTZ, apud MINAYO, 1999, p.135).

A observação participante foi realizada num primeiro momento nas

aulas de Educação Física. Acompanhei as aulas e fui registrando minhas

observações acerca do que acontecia e do que percebia, bem como produzi

alguns registros fotográficos e em vídeo. Num segundo momento, observei a

prática das professoras de sala, identificando ou não a presença do brincar

na sala de aula.

Outra técnica utilizada na pesquisa diz respeito às entrevistas

estruturadas, que permitiram o uso de perguntas estruturadas, dando ao

entrevistado a possibilidade de se colocar diante do tema proposto de

maneira livre e espontânea, pois, como pesquisadora, não ofereci respostas

ou condições anteriores às perguntas formuladas. Acredito na possibilidade

do uso desta técnica por oferecer uma maior aproximação entre

entrevistador e entrevistado, uma vez que tal fato contribui para o

esclarecimento e aprofundamento do tema pesquisado. E, assim,

[...] permanece o princípio geral que reconhece a

importância indiscutível de cada entrevista, mas nos

diz que é o conjunto delas e a partir do caleidoscópio

das informações que o pesquisador compõe seu

quadro [...] a experiência nos mostra que, como o

pesquisador trabalha com vivências e com as

representações correlatas, por mais que estimule a

explicitação de determinados temas, se eles não

constituem relevâncias para os informantes,

dificilmente emergirão. (MINAYO, 1999, p. 132).

Realizei entrevistas com os alunos da educação básica das duas

turmas observadas (1º ano A e 1º ano B/2008 e 2º ano A e 2º ano B/2009).

Estas entrevistas foram gravadas e as respostas transcritas posteriormente.

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Este momento consistiu em investigar do que as crianças brincavam na

escola, em quais espaços, e as brincadeiras preferidas entre os meninos e

meninas. Também apliquei um questionário, com os professores, que

versava sobre a prática deles e o brincar.

Para a fase de análise ou tratamento do material, Minayo aponta

alguns entraves com os quais o pesquisador se deparará: “a compreensão

espontânea; fidedignidade às significações no material e nas relações sociais

dinâmicas; dificuldade de se juntarem teorias e conceitos muito abstratos

com os dados recolhidos no campo.” (MINAYO, 1999, p. 197). Assim sendo,

considerou-se mais adequado a análise da enunciação, na qual a

comunicação foi vista como um processo e não como um dado estático, e o

discurso como ato. Nesta perspectiva, a entrevista tem um lugar de destaque,

uma vez que “se trata de um discurso dinâmico onde espontaneidade e

constrangimento são simultâneos”. (MINAYO, 1999, p. 207).

As entrevistas constituíram um momento especial, pois o diálogo

com as crianças foi prazeroso. Algumas se mostraram tímidas, outras mais

falantes, mas todas demonstraram alegria em função da conversa abordar o

brincar, um elemento presente em suas vidas.

No decorrer da pesquisa, além da observação participante dos

questionários e das entrevistas estruturadas, foram realizados registros

fotográficos e em vídeo; no entanto, foi assumido o compromisso de que

estes não seriam divulgados na íntegra, ou seja, identificando os sujeitos

envolvidos na pesquisa, mas serviriam para a composição da mesma.

Apesar de haver a autorização dos pais para isso, não as utilizarei porque

não foi possível submeter a pesquisa ao Comitê de Ética da UFRN.

Os registros fotográficos foram realizados durante as aulas de

Educação Física em diferentes momentos e situações, apresentando as

crianças brincando e/ou jogando, nos meses de agosto, outubro e novembro

de 2008, e julho e agosto de 2009. Os vídeos foram produzidos durante a

Festa do Folclore de 2008, uma vez que a brincadeira e a ciranda de roda

compuseram algumas das apresentações.

Eu podia ter observado as crianças da escola particular na qual

trabalhava, mas isso não constituía um desafio. Assim, decidi sair da minha

zona de conforto, distanciar-me da minha prática. Após a visita a algumas

escolas públicas situadas próximas à minha residência, e depois de alguns

desencontros ou falta de esclarecimento por parte da escola, cheguei à

Escola Municipal Professor Ulisses de Góes.

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1A Escola Municipal Prof. Ulisses de Góes , campo desta pesquisa,

situa-se na Rua Padre Raimundo Brasil, s/n, no bairro de Nova Descoberta

na cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte.

A princípio, a diretora resistiu; informou que havia estudantes

realizando pesquisa na escola, e, depois da minha insistência, relatou a

passagem de outros alunos pela escola realizando suas pesquisas e

divulgando resultados negativos em suas universidades. Expliquei

claramente que essas não eram as minhas intenções e que a devolutiva seria

entregue à escola antes da apresentação em outros espaços. Cabe ressaltar

que essa não foi uma única conversa; foram necessárias várias idas e vindas

até estabelecer este nível de confiança e iniciar, de fato, a pesquisa.

Tal situação revela a necessidade do cuidado com os locais e as

pessoas participantes de pesquisas. O relato da diretora deixou claro seu

descontentamento não pelas descobertas dos pontos negativos, mas sim

da sua exposição e comentário em primeiro lugar na instituição promotora

da pesquisa; em sua opinião, “a escola tinha o direito de ter sido

informada antes”.

CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA MUNICIPAL PROFESSOR ULISSES DE GÓES

Figura 1: Escola Municipal Professor Ulisses de GóesAcervo da autora

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A Escola Municipal Prof. Ulisses de Góes atende a crianças da

Educação Infantil, do Ensino Fundamental, e também possui turmas de

Ensino de Jovens e Adultos (EJA). A escola funciona nos turnos matutino,

vespertino e noturno, e foi criada oficialmente pelo ato nº 1902 de 03 de

abril de 1977, e seu funcionamento autorizado pela Portaria nº 719/80,

publicada no Diário Oficial do Estado em 30 de outubro de 1980.

E no contexto escolar da Escola Municipal Professor Ulisses de

Góes estão inseridas as crianças observadas, mais especificamente em

duas turmas da educação básica, que no ano de 2008 constituíam o 1º ano

A e o 1º ano B, e em 2009 compõem o 2º ano A e 2º ano B, apresentando

idade entre 06, 07 e 08 anos de idade. Apesar das turmas apresentarem

algumas semelhanças, como cursarem o mesmo ano, possuírem idades

semelhantes, morarem no mesmo bairro etc., em muitos aspectos encontrei

diferenças abissais, que espero posteriormente apresentar.

Este livro encontra-se estruturado em dois capítulos, além da

introdução. Em um capítulo traço um percurso da infância, da escola, da

educação, do brincar e as interfaces com a cultura e a contemporaneidade.

No outro capítulo discorro efetivamente sobre o trabalho empírico

desenvolvido no local da pesquisa, apresentando as conclusões oriundas

das observações e das entrevistas e questionários, finalizando com as

minhas considerações a respeito de tudo que vivenciei durante o período de

realização da pesquisa.

NOTA

1 Ressalto a diferença que aparece na grafia da palavra “Góes”, na fachada da escola aparece “Goís”, na placa de ampliação e registros da escola aparece “Góes”.

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_capítulo 01

INFÂNCIA, ESCOLA E EDUCAÇÃO:

UM PASSEIO DA PRÉ-HISTÓRIA

À CONTEMPORANEIDADE

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"Educar é crescer. E crescer é viver. Educação é, assim, vida no sentido mais autêntico da palavra".

Anísio Teixeira

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1 INFÂNCIA, ESCOLA E EDUCAÇÃO: UM PASSEIO DA PRÉ-HISTÓRIA À

CONTEMPORANEIDADE

Numa viagem no tempo, remontarei a história da humanidade e a

evolução do hominídeo. Segundo Cambi (1999), de 5 milhões a 1 milhão

de anos atrás vive o Australopithecus, o mais antigo ancestral do homem

que possuía poucas habilidades, dentre elas, inclinação para a caça e para a

construção de abrigos. Em seguida, surge o Piecanthropus, de 2 milhões a

200 mil anos atrás, que possuía um cérebro um pouco mais desenvolvido

do que seu antecessor, utiliza a colheita e caça para se alimentar, conhece o

fogo e demonstra fragilidade e medo.

Seu sucessor é o Homem de Neanderthal, de 200 mil a 40 mil

anos atrás, esse já aperfeiçoa as armas, cultua os mortos e desenvolve um

gosto estético visível nas pinturas. O ancestral mais próximo e semelhante é

o Homo Sapiens, possuidor de linguagem, que educa sua prole, sobrevive

da caça, muda-se de acordo com a necessidade, demonstra aspectos

artísticos, acredita na cultura mágica, praticando cultos e crenças,

proveniente da “mentalidade primitiva” composta por seres místicos e pelo

raciocínio concreto.

Na época primitiva a educação não acontecia da maneira que se

conhece hoje, ou seja, um prédio com salas, mesas, cadeiras, alunos e

professores. O objetivo também se diferenciava dos modelos atuais, sendo o

principal ajustar a criança ao seu ambiente físico e social, e, para tanto,

utilizavam as experiências para alcançá-lo. Os primeiros professores eram

os chefes de família, seguidos pelos sacerdotes.

Se o estágio de desenvolvimento de uma sociedade

deve ser avaliado pelo domínio que ela conseguiu

sobre a natureza, é evidente que o nível das

comunidades primitivas não poderia ser mais baixo.

Escrava da natureza, a comunidade persistia, mas

não progredia. (PONCE, 1988, p. 17).

Nesse período, o foco principal era o jovem, pois daí derivava a

sobrevivência do grupo, bem como a transmissão e o desenvolvimento da

cultura. A relação pai e filho era marcada pelo jogo-imitação, em que os

adultos brincavam com os menores e nessa relação acontecia o

adestramento. Os adultos ensinavam técnicas de defesa e ataque, como

controlar o território, ritos, o uso das armas, a caçar, a colher, o uso da

linguagem, o culto aos mortos, técnicas para transformar e dominar o meio

ambiente. Neste sentido, Ponce afirma:

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[...] nas comunidades primitivas, o ensino era para a

vida e por meio da vida; para aprender a manejar o

arco, a criança caçava; para aprender a guiar um barco,

navegava. (PONCE, 1988, p. 19. Grifo do autor).

Na época Neolítica (cerca de 8 ou 10 mil anos atrás), acontece

uma revolução cultural. Surgem as primeiras civilizações agrícolas e com

isso a fixação do homem em um determinado lugar, cultivando campos,

criando animais, aperfeiçoando e desenvolvendo diversas técnicas. Surge

então a divisão do trabalho, distinta entre homem e mulher, bem como o

domínio do homem sobre a mulher. É nesse período que acontece também

uma revolução educativa que: determina uma divisão educativa,

concomitante à divisão do trabalho; define a família como responsável pela

transmissão da cultura em seus diferentes aspectos (papéis sexual e social,

exercício da autoridade); aumenta os locais de aprendizagem e

adestramento (oficinas artesanais, campos, rituais) os quais num primeiro

momento, acontecem por imitação e participação ativa, passam em

seguida a se especializar tornando-se locais específicos para a

aprendizagem, sendo os modelos de educação regulados pela linguagem e

pelas técnicas (linguagem mágica e técnicas pragmáticas).

No período Oriental surge a escrita, e ocorre a passagem da

sociedade primitiva para a civilização. É neste período também que nascem

a Cidade e o Estado. A educação era tradicional, colocando cultura de um

lado e trabalho de outro. As escolas eram separadas, ou seja, existia um tipo

de escola para o povo e outro para os filhos dos funcionários, o que levava à

exclusão grande parte da população que ficava restrita à educação familiar

informal. A despeito da evolução da humanidade, da ciência e das inúmeras

descobertas, ainda hoje tais modelos persistem, ou seja, existem diferentes

tipos de escolas, que atendem à diferença de poder aquisitivo, reproduzindo

e reforçando a exclusão que acontecia no período Oriental.

A escola que temos hoje nasceu com a hierarquização

e a desigualdade econômica gerada por aqueles que

se apoderaram do excedente produzido pela

comunidade primitiva. A história da educação, desde

então, constitui-se num prolongamento da história

das desigualdades econômicas. A educação primitiva

era única, igual para todos; com a divisão social do

trabalho aparece também a desigualdade das

educações: uma para os exploradores, uma para os

ricos e outra para os pobres. (GADOTTI, 2005, p. 23.

Grifo do autor).

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Nessa trajetória pela história da humanidade e da educação, surge uma civilização que deixou aprendizados significativos. Estou me referindo à Grécia, denominada o berço da civilização, com representantes importantes, como Sócrates, Aristóteles e Platão. A educação dessa época se preocupa com o desenvolvimento intelectual da personalidade e a cidadania se baseia nos ideais de liberdade política e moral.

Nesse período, a criança passa a primeira infância no seio da família, sob os cuidados das mulheres e a autoridade do pai. Na cultura antiga, a infância não era valorizada; era uma idade de passagem, marcada pela ameaça de doenças, dúvida nos sucessos e na qual não se fazia grandes investimentos afetivos; vivia à margem da vida social. Os meninos até os sete anos eram explorados de várias maneiras, em seguida inseridos em instituições públicas e sociais que lhes emprestavam uma identidade e uma função. As meninas não recebiam educação formal, aprendiam com as mães ofícios domésticos e trabalhos manuais.

A escola grega mantinha-se elitizada, atendendo aos jovens de famílias tradicionais da antiga nobreza ou de comerciantes enriquecidos. Predominava neste espaço a formação esportiva, o ensino das letras e cálculos incorporados aos poucos.

Assim, a Grécia atingiu o ideal mais avançado da educação na Antiguidade: a paideia, uma educação integral, que consistia na integração entre a cultura da sociedade e a criação individual de outra cultura numa influência recíproca. (GADOTTI, 2005, p. 30. Grifo do autor).

Outra civilização que se destacou foi a romana que criou as Doze Tábuas, escritas em 451 a.C., que durante muito tempo constituíram a orientação da educação romana. Neste documento estavam contidos o valor da tradição e um código civil voltado para a pátria, que mantinha uma sociedade agrícola atrasada regida por suas formas de relação social. No que tange à educação, as tábuas ressaltavam a dignidade, a coragem, a firmeza, características necessárias para uma formação moral e física dos guerreiros.

A família em Roma mantinha o pai no papel central, mas valorizava a mulher, reconhecendo-a como sujeito educativo, controlando a educação dos filhos. O pai exercia sua autoridade para formar o futuro cidadão, cuidando desde os valores morais até o estudo, as letras e a vida social. As crianças gregas eram mantidas na vida familiar, estavam propensas às doenças e normalmente sofriam violências, tinham medo do pai e das bruxas e eram submetidas às regras criadas pela mãe, como descreve Cambi:

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Marginais, pelo contrário, são as crianças, totalmente fechadas no âmbito da vida familiar, sujeitas a doenças e à morte precoce, às vezes mimadas e cuidadas, em geral, porém, brutalizadas e violentadas, submetidas ao duplo regime do “medo do pai” e da orientação ética da mãe, além da vigilância dos pedagogos e do autoritarismo dos mestres. Pajeadas por armas, amedrontadas pelas bruxas (as Lâmias), nutridas de exempla (sobretudo dos maiores: os ancestrais), as crianças romanas, através de sua educação familiar, entram em contato com os valores e os princípios da vida civil, incorporando-os como valores comuns e modelos de comportamento. (CAMBI, 1999, p.107. Grifo do autor).

No período Medieval conhecido como século das trevas, a educação praticada era conservadora. Teve início a doutrina da igreja católica com a Fundação da Companhia de Jesus (Jesuítas). “Uma nova força espiritual se sucedeu à cultura antiga, preservando-a mas submetendo-a a seu crivo ideológico: a Igreja Cristã”. (GADOTTI, 2005, p. 51). Nessa época a educação grega, considerada liberal, e a educação romana, considerada prática, foram duramente criticadas.

Como herança do mundo antigo, a Idade Média adotava o dualismo social nas práticas educativas, ampliando e reforçando as diferenças entre o povo e as classes altas. Data dessa época a escola, formada por um professor que ensina a muitos alunos, aspectos semelhantes com os modelos modernos e contemporâneos. Esse professor se reportava à Igreja ou a outro poder, local ou não.

O Renascimento – século das luzes – tem seu início na Itália, século XIV, e amplia-se pela Europa no decorrer dos séculos XV e XVI. Renasce o interesse pelo período greco-romano clássico principalmente no que se refere à arte. E como tudo contribuía para a ampliação do conhecimento do mundo, a razão torna-se o eixo central. “Essa nova mentalidade influenciou a educação: tornou-a mais prática, incluindo a cultura do corpo e procurando substituir processos mecânicos por métodos mais agradáveis”. (GADDOTTI, 2005, p. 61).

Grandes mudanças nas diversas áreas do conhecimento acontecem e caem por terra verdades nunca antes contestadas, como a antiga ideia cristã que colocava a Terra como centro do universo; provava-se que o Sol ocupava esse lugar. Uma época de avanços médicos, de estudo do corpo e de suas funções.

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No século XVII, inicia-se o período Moderno, e acontece a

separação entre a igreja católica e o Estado, e a burguesia se consolida. Na

modernidade, a família e a escola são redefinidas e reorganizadas,

ocupando espaços cada vez mais centrais na formação dos indivíduos. A

infância ganha espaço na família, que agora preocupa-se com a formação

desse indivíduo, pois a criança torna-se o centro dessa instituição.

A família, objeto de uma retomada como núcleo de

afetos e animada pelo “sentimento da infância”, que

faz cada vez mais da criança o centro-motor da vida

familiar, elabora um sistema de cuidados e de

controles da mesma criança, que tendem a

conformá-la a um ideal, mas também a valorizá-la

como mito, um mito de espontaneidade e de

inocência, embora às vezes obscurecido por

crueldade, agressividade etc. (CAMBI, 1999, p. 204.

Grifo do autor).

A escola também modifica-se e reconhece a necessidade de

atenção à infância realizando adequações, percebendo não ser possível

ensinar do mesmo jeito a todos que frequentavam esse espaço.

O tempo passa e novas ideias, valores e pensamentos surgem.

Neste cenário, alguns autores, pensadores, filósofos e educadores se

destacam, constroem conceitos aceitos e aplicados, outros questionados e

abandonados, mas o que se observa é a influência causada na história da

educação, bem como as mudanças incorporadas. Os autores escolhidos

para apresentar esses pensadores foram Cambi (1999) e Gadotti (2005).

Nossa viagem tem início com Juan Luís Vives (1492-1540),

pedagogo espanhol, que concebe a educação para a formação dos filhos dos

burgueses da época, é adepto das ideias pedagógicas de Erasmo de

Rotterdam e é contra a Escolástica, cujos princípios se fundamentam no

sentido humanístico-cristão, no aprendizado das línguas, das literaturas

clássicas desenhando um caráter ético-religioso. Vives foi o precursor do

método indutivo, que, além de ampliar e incluir disciplinas no currículo

formativo, atribui à escola uma função prática e útil à vida, deixando de ser

apenas um local para a transmissão do conhecimento. Vives se colocou a

favor dos exercícios corporais e descobriu a criança, teve consciência da

importância do brinquedo infantil.

Vives não só amplia o horizonte do saber até incluir no

currículo formativo a “história natural”, a medicina, a

economia, a política, mas também modifica a própria

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Page 38: cchla.ufrn.br · Na contemporaneidade a tecno-ciência e o processo tecnológico do desenvolvimento comunicacional, fez o mundo se ligar em rede. No entanto, o indivíduo nunca se

concepção da escola que, com ele, adquire uma

função prática e útil à vida e ao bem comum da

cidade, não mais voltada exclusivamente para a mera

transmissão do saber. (CAMBI, 1999, p. 264-263.

Grifo do autor).

François Rabelais (1493-1553), religioso francês com princípios

humanísticos também se opõe ao ensino tipo escolástico, mantém contato

com grandes humanistas, como Erasmo de Rotterdam, num intercâmbio

epistolar. Seu grande romance Gargantua e Pantagruel, composto por cinco

volumes que contam as aventuras de gigantes, propunha uma metodologia

ativa, a utilização de jogos, a dedicação à leitura e ao desenho, investia na

observação dos fatos pelo aluno, valorizava as ciências da natureza, as

ciências do homem e os estudos clássicos. Segundo Gadotti, para François

Rabelais,

o importante não eram os livros, mas a natureza. A

educação precisava primeiro cuidar do corpo, da

higiene, da limpeza, da vida ao ar livre, dos exercícios

físicos etc. Ela devia ser alegre e integral. (GADOTTI,

2005, p. 63. Grifo do autor).

Em 1533, nasce Michel de Montaigne, pensador crítico que

também não concordava com a disciplina escolástica. Sua preocupação era

que a educação fosse útil e prática, inserida no cotidiano da vida social. A

obra composta por três volumes, intitulada Ensaios, são leituras valorizadas

por intelectuais contemporâneos, como Claude Lévi-Strauss, Edgar Morin e

Harold Bloom. O título, Ensaios, tinha um propósito, uma intenção; tratava-

se de escrever sobre algo, explorando por meio de tentativas. Montaigne foi

o primeiro a utilizar o termo “cabeça bem feita”, expressão que

posteriormente intitulou um dos livros de Edgar Morin. Mais de que uma

“cabeça cheia” era necessário saber articular conhecimentos, estabelecer

relações entre as informações e seu uso, bem como construir conclusões,

questões atuais levantadas e discutidas pelos teóricos da educação

contemporânea. Como outros pensadores, Montaigne valorizava as

atividades físicas, as conversas, as viagens e leituras. Ele falece em 1592 e

nos deixa muitos ensinamentos, como a frase a seguir:

Tudo que nos rodeia é tão válido quanto um livro: a

argúcia de um pajem, a estupidez de um criado, uma

conversa à mesa e assim por diante podem

igualmente ens inar-nos a lguma coisa. . .

(MONTAIGNE, apud CAMBI, 1999, p. 269).

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Outro nome que foi importante é Jean-Jacques Rousseau (1712-

1778), iluminista quem primeiro a colocou a temática infância no centro da

educação. É a partir de Rousseau que se começa a desconstruir a ideia da

criança ser um adulto em miniatura. Para esse pensador, a criança vive um

mundo próprio, que precisa ser entendido pelo educador. Rousseau

acreditava na necessidade de preservar a infância dos vícios e preconceitos,

bem como a necessidade de um preceptor, que ajudaria a criança na busca

pelo conhecimento da natureza infantil e seus interesses. Rousseau foi o

precursor da Escola Nova, e seu pensamento exerceu influência sobre os

educadores da sua época. Sobre este, Ponce afirma:

Cada vez que, num regime social, se vislumbra a

possibilidade iminente de uma derrocada, surge

sempre, como um sintoma infalível, a necessidade de

um retorno à natureza. Quando da decadência do

mundo antigo, foram os estóicos que proclamaram a

urgência de uma vida mais simples; quando da

decadência do feudalismo, foram os renascentistas

que, em nome de um “volta ao antigo”, impuseram

um paganismo da carne e da beleza; e, agora, quando

a monarquia, levantada sobre as ruínas do

feudalismo, sentia que a sua antiga aliada, a

burguesia, ia crescendo em ambição e em ousadia,

surge Rousseau, para proclamar, com um entusiasmo

ardente, o Evangelho da Natureza. (PONCE, 1988,

p. 130. Grifo do autor).

Dentre os escritos de Rousseau é necessário destacar sua obra

Emílio (1753-1754), cujo tema fundamental “consiste na teorização de

uma educação do homem quanto tal (e não do homem como cidadão)

através de seu retorno à natureza, ou seja, à centralidade das necessidades

mais profundas e essenciais da criança [...]” (CAMBI, 1999, p. 346). Pode-

se dizer que a obra Emílio de Rousseau caracterizou-se como o manifesto de

um novo pensamento pedagógico e permanece como tal até os dias de hoje.

Friedrich Froebel (1782-1852), filósofo e educador alemão,

fundador do jardim de infância. Para Froebel e outros pensadores da sua

época, a criança era semelhante a uma planta em plena formação, e, para

tanto, precisava de cuidados periódicos para crescer adequadamente. Para

ele, a brincadeira constituía muito mais do que diversão; era o primeiro

recurso no caminho da aprendizagem, pois era através da brincadeira que a

criança iria criar representações do mundo, buscando compreendê-lo.

“Estamos diante de um pedagogo que, pela primeira vez depois de

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Page 40: cchla.ufrn.br · Na contemporaneidade a tecno-ciência e o processo tecnológico do desenvolvimento comunicacional, fez o mundo se ligar em rede. No entanto, o indivíduo nunca se

Rousseau, redefiniu organicamente a imagem da infância.” (CAMBI, 1999,

p. 427). Froebel atribui ao brincar um papel de destaque no

desenvolvimento infantil, afirmando isso com um século de antecedência

de nomes que discutiram o brincar, como Huizinga, Brougére, Kishimoto,

dentre outros. Talvez por isto, Cambi afirme que

a pedagogia frobeliana fixou uma imagem da infância

como idade criativa e fantástica, que deve ser

“educada” segundo suas próprias modalidades e que

é, talvez, o momento crucial da educação, aquele que

lança as sementes da personalidade futura do

homem e que, portanto, deve ser enfrentado com

forte consciência teórica e viva sensibilidade

formativa. (CAMBI, 1999, p. 426-427).

Johan Heinrich Pestalozzi (1746-1827) nasceu em Zurique. Na

juventude foi influenciado pelo pensamento rousseniano e desejava que a

sociedade fosse reformada por meio da educação das classes populares.

Assim criou um orfanato para crianças órfãs das camadas populares,

utilizando uma educação que seguia o método natural e harmonioso. O

objetivo maior era investir mais no desenvolvimento psíquico da criança e

menos na aquisição do conhecimento. Pestalozzi defendia que a educação

geral deveria anteceder à profissional e que as qualidades infantis nasciam

de dentro e precisavam ser orientadas harmoniosamente. Apesar de seus

encaminhamentos, Pestalozzi não conseguiu êxito. No entanto, suas ideias

são discutidas até hoje e utilizadas na pedagogia contemporânea.

Pestalozzi afirmava:

Uma educação perfeita é para mim simbolizada por

uma árvore plantada perto das águas fertilizantes.

Uma pequena semente que contém o germe da

árvore, sua forma e suas propriedades é colocada no

solo. A árvore inteira é uma cadeia ininterrupta de

partes orgânicas, cujo plano existia na semente e na

raiz. O homem é como a árvore. Na criança recém-

nascida estão ocultas as faculdades que lhe hão de

desdobrar-se durante a vida: os órgãos do seu ser

gradualmente se formam, em uníssono, e constroem

a humanidade à imagem de Deus. A educação do

homem é um resultado puramente moral.

(PESTALOZZI, apud GADOTTI, 1997, p. 98).

A italiana Maria Montessori (1870-1952) destacou-se como a

primeira mulher a formar-se em medicina. Seu envolvimento com a

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pedagogia aconteceu por caminhos indiretos. Num primeiro momento

dedicou-se às crianças deficientes e posteriormente às crianças “normais”.

O método desenvolvido por Montessori propunha despertar na criança,

através de estímulo, a promoção da autoeducação e utilizava um

diversificado material didático, como cubos, prismas, sólidos, bastidores

para enlaçar caixas, cartões etc, destinados ao desenvolvimento da

atividade dos sentidos. A teoria pedagógica de Maria Montessori exerceu

influência no ensino pré-escolar em vários países do mundo e continua a ser

difundida e utilizada até os dias de hoje. Para ela, segundo Cambi,

a mente infantil é vista como uma “mente

absorvente”, dotada de um extraordinário poder de

assimilação, muitas vezes inconsciente, e também de

participação-comunicação, que se manifesta na

“imaginação criativa”, no “prazer das narrativas”, no

“apego às pessoas”, no “jogo”. Sob a criança inquieta

e egoísta encontra-se outro aspecto mais profundo,

“uma outra natureza primitiva e normal”, que deve

ser valorizada na educação para formar homens

melhores. (CAMBI, 1999, p. 532. Grifo do autor).

O psicólogo e pedagogo suíço Edouard Claparéde (1873-1940)

defendia a teoria de que a pedagogia deveria se fundamentar no estudo da

criança. Segundo Claparéde, a infância é um conjunto de possibilidades

criativas, e que todo ser humano necessita saber, pesquisar etc. Referindo-

se à criança ele destaca o papel das brincadeiras, que são o verdadeiro

trabalho da criança. Claparéde elaborou a teoria do brinquedo, pois, para a

criança, a brincadeira representa um desafio que precisa ser vencido,

oportunizando assim aprendizado. Claparéde dizia “que a infância é um

conjunto de possibilidades criativas que não devem ser abafadas. Todo ser

humano tem necessidade vital de saber, de pesquisar, de trabalhar”.

(GADOTTI, 2005, p. 153. Grifo do autor).

O pediatra, autor infantil e pedagogo judeu-polonês Janusz

Korczak, pseudônimo de Henryk Goldszmit, nasceu em 1879, foi

apaixonado pelas crianças e morreu junto com elas em 1942, nas câmaras

de gás do campo de extermínio Treblinka, na Polônia. Passou sua vida

lutando pela justiça e pelos direitos das crianças. Seus livros se destinam às

crianças e também falam sobre elas, relatando suas angústias e desejos. “E

sua práxis pedagógico-educacional deu início a uma revisão de métodos,

estrutura da escola, relação professor/aluno e pais/filhos”. (GADOTTI,

2005, p. 164-165).

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O pedagogo soviético Anton Semionovitch Makarenko (1888-

1939) desenvolveu seu pensamento numa base experimental, uma vez que

suas experiências educativas foram concretas, oriundas do contato com

meninos abandonados que precisavam ser socializados dentro destes

espaços. Makarenko reconhecia a família como o espaço da primeira

educação, e, sendo assim, precisava apresentar modelos de solidariedade e

afeto. Makareno valorizava a importância do brincar e dos jogos tanto para

as crianças como para os adultos. Para ele, sempre toda a organização

coletiva deveria incluir o jogo. “De humanista a militarista, ele recebeu

todos os títulos, mas sua obra polêmica tornou-se ponto de referência dos

educadores até hoje”. (GADOTTI, 2005, p. 136. Grifo do autor).

Walter Benjamin (1892-1940), judeu-alemão, foi ensaísta, crítico

literário, tradutor, filósofo e sociólogo. Em seus estudos retrata a perda da

memória, bem como a produção em série de brinquedos, o que certamente

diminui as possibilidades criativas das crianças, e seu repertório

imaginativo. Tal cenário se descortina no início do século XIX, quando as

fronteiras dos brinquedos começam a apresentar traços de virtualidade

referidos por Benjamin. Neste sentido, o autor afirma:

Quando, no decorrer do século XVIII, começaram a

aflorar os primórdios de uma fabricação

especializada, as indústrias chocaram-se por toda

parte contra as restrições das corporações. Estas

impediam o marceneiro de pintar, ele próprio, suas

bonequinhas; para a preparação de brinquedos de

diferentes materiais obrigavam várias indústrias a

dividir entre si os trabalhos mais simples, o que

encarecia sobremaneira a mercadoria. (BENJAMIN,

1984, p. 67-68).

O educador francês socialista Célestin Freinet (1896-1966), viveu

preocupado em criar um modo de ligar a escola à vida das crianças, pois via

na escola o local ideal para aprender os fatos necessários para alicerçar a

vida em sociedade, tais como: a justiça, a verdade, a responsabilidade, a

iniciativa. A escola proposta por Freinet tinha o trabalho como eixo

norteador. Ele acreditava que não era necessário somente estudar, mas

praticar também. Para Freinet, a escola está inserida na sociedade, e

precisa despertar no aluno seu senso crítico e questionador, uma vez que

conhecer não é apenas memorizar, mas construir um conhecimento,

permeado por uma relação dialógica, cooperativa e multidisciplinar.

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Ele afirmava a existência de uma dependência entre a escola e o meio social, de forma a concluir que não existe uma educação ideal, só uma educação de classes. Daí sua opção pela classe trabalhadora e a necessidade de tentar uma experiência renovadora de ensino. (GADOTTI, 2005, p. 179).

Um nome lembrado e referenciado no campo da educação e principalmente em se tratando de criança é Jean Piaget (1896-1980), biólogo e psicólogo suíço que estruturou o desenvolvimento infantil em estágios. Piaget foi um crítico ferrenho da escola tradicional, a qual, segundo sua visão, não estava preocupada em desenvolver nos alunos a criatividade e a criticidade; pelo contrário, preferia adequar as crianças aos conhecimentos tradicionais. Piaget dividiu em quatro fases (ou estágios) o pensamento infantil, a saber: fase senso-motora (0-3 anos), fase intuitiva (3-7 anos), fase operatório-concreta (7-11 anos) e fase hipotético-dedutiva (11-14 anos). Segundo ele,

a pedagogia deve reconstruir-se em torno desses princípios psicológicos, mas deve também integrá-los para operar sobre eles e produzir sua “otimização”, isto é, o uso mais amplo e completo possível em cada sujeito. (CAMBI, 1990, p. 610. Grifo do autor).

Liev Semenovich Vygotsky (1896-1934), psicólogo soviético, pioneiro em afirmar que o desenvolvimento infantil dependia das interações sociais. Vygotsky acreditava que a aprendizagem não seguia o desenvolvimento; para ele, é a aprendizagem que impulsiona e promove o desenvolvimento. Vygotsky é o criador do conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP), este conceito afirma que

a zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (VYGOTSKY, 1989, p. 97).

Vygotsky compara a relação brinquedo/desenvolvimento com a relação instrução/desenvolvimento, atribuindo ao brincar o espaço no qual as crianças buscam superar comportamentos comuns no dia-a-dia e a buscar estratégias para alcançar seus objetivos, ou seja, estimular o desenvolvimento. O autor afirma:

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No brinquedo, a criança sempre se comporta além do

comportamento habitual de sua idade, além de seu

comportamento diário; no brinquedo é como se ela

fosse maior do que é na realidade. Como no foco de

uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as

tendências do desenvolvimento sob forma

condensada, sendo ele mesmo, uma grande fonte de

desenvolvimento. (VYGOTSKY, 1989, p.117).

Para o médico pediatra e psicanalista inglês, Donald W. Winnicott

(1896-1982), o amor é a emoção humana fundamental, tema sobre o qual

ele se debruçou para estudá-lo na sua forma mais incondicional, o amor da

mãe pelo filho. Winnicott criou seus próprios conceitos como: “mãe

suficientemente boa”, “ambiente facilitador”, “objetos e fenômenos

transicionais”, “holding”, “realidade compartilhada”, “espaço potencial”

(WINNICOTT, 1975; 1982), conceitos que (existem outros ainda)

possibilitaram compreender o desenvolvimento emocional humano.

Winnicott defende a importância do brincar, denominando uma atividade

natural e necessária para o desenvolvimento humano. O autor diz:

O brincar tem um lugar e um tempo. Não é dentro,

em nenhum emprego da palavra (e infelizmente é

verdade que a palavra “dentro” possui muito e

variados usos no estudo psicanalítico). Tampouco é

fora, o que equivale a dizer que não constitui parte do

mundo repudiado, do não-eu, aquilo que o indivíduo

decidiu identificar (com dificuldade e até mesmo

sofrimento) como verdadeiramente externo, fora do

controle mágico. Para controlar o que está fora, há

que fazer coisas, não simplesmente pensar ou

desejar, e fazer coisas toma tempo. Brincar é fazer.

(WINNICOTT, 1975, p. 62-63. Grifos do autor).

O historiador francês Philippe Ariès (1914-1984) é referência

quando se busca reconstruir a história da família e da infância. Ariès afirma

que antigamente a criança e a infância eram um momento da vida com

pouca importância, algo passageiro, instável, que não recebia por parte do

mundo adulto maior atenção, derivando disso uma altíssima taxa de

mortalidade infantil. Com o avançar dos anos, e por influências culturais,

políticas e econômicas pautadas nas sociedades medieval e industrial,

emergiu a necessidade de políticas que considerassem as especificidades

da criança, principalmente em relação à sua saúde.

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Superado o perigo desta etapa, as crianças eram inseridas no mundo

dos adultos, mas não eram consideradas suas características próprias,

assemelhando-as a adultos em miniatura. Com a instauração de uma nova

ordem política, social e econômica, movida por diversos fatores, como o

capitalismo industrial, o neoliberalismo gerado a partir da aparição da

família nuclear e burguesa, migrações, a inserção das crianças na família e

o surgimento da escola, aconteceram mudanças que interferiram na

organização da célula familiar e consequentemente na vida das crianças.

As mudanças mencionadas evidenciam, além do surgimento de um

novo sentimento pela infância, a necessidade de instituições públicas

destinadas às crianças. Para essa nova sociedade – a moderna – surgia a

necessidade de escolarização para essa criança, de uma preparação para

uma atuação futura. Originam-se nesse contexto dois sentimentos pela

infância: um que era nutrido pela necessidade do excesso de cuidado,

beirando a “paparicação”, e outro que exigia a “moralização”, a disciplina.

No decorrer desse processo histórico de reconhecimento das crianças,

nasceram diferentes representações, concepções, maneira de educá-las,

principalmente nos espaços coletivos destinados à educação.

A criança era considerada imperfeita, incompleta, sendo dever da

educação discipliná-la, uma vez que ela era possuidora de uma natureza

boa, que necessitava ser preservada e, como um rio, ter seu curso fluindo

espontaneamente. Caíam por terra então concepções de criança que a

comparavam ao adulto, ou chamavam-na de “tábua rasa” etc. “A aparição

da criança como categoria social se dá lentamente entre os séculos XIII e

XVII”. (ARIÉS, 2006, p. 14). A infância não era considerada uma categoria

social, derivando daí a falta de direitos e atenção devidas às suas

necessidades.

Jerome Seymour Bruner psicólogo norte-americano, nascido em

1915, tornou a Psicologia científica, conquistando assim respeito social e

acadêmico. Bruner seguiu uma regra básica da ciência, partindo da

observação dos fenômenos, produzir as conclusões. Os estudos de Bruner

utilizam como referência os apontamentos de Liev S. Vygotsky e Jean

Piaget. No entanto, tratam-se de aproximações, vários trabalhos de Brunner

inspiram-se na Epistemologia Genética de Piaget. Como Vygotsky, Bruner

valoriza a interação e o diálogo no desenvolvimento/aprendizagem do ser

humano. E nessa interação dedicou os estudos da última etapa de sua

produção, investigando o pensamento infantil na relação estabelecida no

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jogo e na brincadeira da narrativa infantil. Para Bruner, “ação, imaginação e

linguagem simbólica devem ser as três trajetórias do ensino nos diversos

estágios do desenvolvimento infantil”. (CAMBI, 1999, p. 613).

Outro nome que vem se destacando nas investigações sobre o jogo

e a brincadeira é Gilles Brougère, filósofo francês, professor da Universidade

Paris XIII, que desde o final da década de 1970 dedica-se ao universo lúdico

infantil, nesse período, poucas pessoas estudavam esse assunto. Seu

envolvimento com o tema aconteceu meio por acaso, quando surgiu uma

pesquisa sobre o assunto no grupo de pesquisadores em que ele atuava,

começou a estudar o tema, assim, por obrigação; no entanto, Brougère se

apaixonou e desde então vem pesquisando e trazendo contribuições

importantes. Ele afirma que

[...] a experiência lúdica aparece como um processo

cultural suficientemente rico em si mesmo para

merecer ser analisado mesmo que não tivesse

influência sobre outros processos culturais mais

amplos. (BROUGÈRE, 1998, p. 106).

Humberto Romesín Maturana nasceu em Santiago do Chile, no ano

de 1928, é Ph.D. em Biologia por Harvard, 1958, depois de ter estudado

Medicina na Universidade do Chile e Biologia na Inglaterra e Estados

Unidos. Maturana, juntamente com Francisco Varela, criou a teoria da

autopoiese, na qual se afirma a capacidade dos seres vivos de produzirem a

si próprios, e da Biologia do Conhecer; tais conceitos constituem o

pensamento sistêmico e o construtivismo radical.

Maturana (2004) aponta os prejuízos decorrentes da ausência do

brincar e do amor. Ele cunha alguns conceitos, como “linguajear”, uma vez

que parte do princípio de que nós humanos existimos no espaço relacional

do conversar e daí sermos seres que usam o linguajear. Para Maturana, é

também na disposição corporal que coexistimos e somos aceitos, essa

disposição ele denomina de amor. Sobre o amor e o brincar, Humberto R.

Maturana e Gerda Verden-Zoller afirmam:

O amor e a brincadeira não são conceitos nem ideias

abstratas na história que nos deu origem. São

aspectos de uma forma de vida que se manteve,

geração após geração, como uma referência

operacional em torno da qual mudou todo o resto, no

devir evolutivo da linhagem de primatas à qual

pertencemos. (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER,

2004, p. 247).

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O pensamento pedagógico brasileiro também possui teóricos que

influenciaram a educação no país e continuam a ser lidos e estudados, pois

trazem contribuições e ideias significativas. No Brasil os avanços

começaram a partir das teorias da Escola Nova, pois praticamente até o

final do século XIX o que se tinha no país era a reprodução do pensamento

religioso medieval.

É fato que a educação brasileira deriva da educação jesuítica

tradicional, conservadora. Uma herança que aponta para

um ensino de caráter verbalista, retórico, livresco,

memorístico e repetitivo, que estimulava a

competição através de prêmios e castigos.

Discriminatórios e preconceituosos, os jesuítas

dedicaram-se a religião da subserviência, da

dependência e do paternalismo, características

marcantes de nossa cultura ainda hoje. Era uma

educação que reproduzia uma sociedade perversa,

dividida entre analfabetos e sabichões, os “doutores”.

(GADOTTI, 2005, p. 231. Grifo do autor).

Mas os anos se passaram e outros movimentos surgiram como o

dos anarquistas, baseado no modelo europeu também teve seus sucessos

em terras tupiniquins. Mas a educação é algo em movimento e dessa forma

novas ideias surgem, neste sentido merece destaque o pensamento da

educadora Maria Lacerda de Moura (1887-1944), principal difusora do

pensamento pedagógico libertário, propunha uma educação que incluísse a

educação física, a educação dos sentidos e o estudo do crescimento físico. A

educadora ancorava suas ideias em Binet, Claparède e Montessori e

afirmava que,

além das noções de cálculo, leitura, língua pátria e

história, seria preciso estimular associações e despertar

a vida interior da criança para que houvesse uma auto-

educação. Dizia ela que era preciso declarar guerra ao

analfabetismo, mas também à ignorância presumida,

ao orgulho tolo, à vaidade vulgar, à pretensão, à

ambição, ao egoísmo, à intolerância, ao sectarismo

absorvente, aos preconceitos, em suma: guerra à

mediocridade, à vulgaridade e à prepotência

assegurada pela autoridade do diploma e do

bacharelado incompetente. (GADOTTI, 2005, p. 232).

Outro brasileiro que precisa ser lembrado e que tem sua obra

reconhecida em muitos países é Paulo Freire (1924-1998). Considerado o

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maior educador deste século, contribuiu muito para a alfabetização de

jovens e adultos, mas a sua teoria pedagógica é mais ampla envolvendo

outras questões como a pesquisa participante e os métodos de ensinar.

Freire desenvolveu um método de formação da consciência crítica, cujo

objetivo final é a conscientização. Segundo o autor:

Uma pedagogia alternativa tem uma consciência

política precisa: A pedagogia do oprimido (1968)

coloca-se do lado dos pobres, dos últimos, avaliando

processos de aprendizagem que vão muito ale, da

simples alfabetização, para realizar uma

“conscientização”; esta se desenvolve como

reconquista da linguagem, capacidade de tomar a

palavra, análise dos significados e sua recolocação

histórica e social, de modo a produzir a emancipação

das consciências das classes mais deserdadas e

elevá-las a uma participação na vida civil, até mesmo

a uma reapropriação desta última. Na pedagogia da

desescolarização está presente um forte apelo político

e profético; o seu radicalismo é socialmente orientado,

é destinado ao resgate dos grupos sociais mais

marginais e se nutre, portanto, de um forte impulso

utópico, além de um empenho revolucionário

(CAMBI, 1999, p. 622. Grifos do autor).

Paulo Freire é conhecido como um dos “teóricos da descolarização:

é preciso des-escolarizar a sociedade para afastar a aprendizagem e a

formação das jovens gerações da ideologia do poder [...]” (CAMBI, 1999, p.

621). Durante a ditadura militar de 1964, Paulo Freire foi exilado por

quinze anos, e nesse período esteve em diversos países sempre

disseminando suas ideias e colocando em prática suas teorias. Segundo

Freire, educar é um ato político, pois a educação não é neutra.

Este cenário descortinado apresenta como aconteceu a construção

social da infância, da escola e da educação no contexto histórico e

sociológico mundial. Cabe ressaltar que o Brasil também foi influenciado

por esses pensadores, em seus diferentes momentos. O que fica claro é que

nem sempre se tratou a infância como ela é vista atualmente. Observo

também que o brincar, desde muito cedo, era visto como uma atividade

importante e necessária para a formação da criança; no entanto, a despeito

dessa importância, era colocado em segundo plano, priorizando-se as

aprendizagens cognitivas. Atualmente o brincar volta a ser valorizado,

ressaltando sua importância e assegurando seu espaço na vida das

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crianças. E nessa perspectiva espero que realmente ele possa ser vivido

pelos infantes. Em seguida, discutirei as interfaces da cultura e da infância,

bem como as mudanças decorrentes da modernidade.

1.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE CULTURA, INFÂNCIA E BRINCADEIRAS

A cultura é importante para um povo, bem como sua valorização e

perpetuação para as gerações futuras. Observo essa ênfase em momentos

de comemoração, como o dia do folclore, slogan de campanhas políticas,

dentre tantos outros apelos. E o no dia-a-dia não se produz cultura; isso

acontece apenas em datas e ocasiões específicas? Mas o que seria a

cultura? Como ela se origina, se perpetua, é transmitida? Existe uma época

certa para ser enaltecida? Faz parte do nosso dia-a-dia?

Seguindo viagem, discutirei alguns dos conceitos escondidos nesta

palavra, buscando compreensão sobre os diversos sentidos que dela

derivam, estabelecendo uma relação dialógica entre a cultura, a infância e

as brincadeiras.

Numa volta ao tempo, mais especificamente ao tempo da infância,

encontro muitos aspectos que valorizam a cultura, incluindo-a de forma,

muitas vezes inconsciente, no cotidiano. A mãe que embala seu filho,

cantarolando canções de ninar que também embalaram seu sono; o pai que

brinca de esconder e achar o rosto com sua criança; a avó que ensina a

cozinhar, a bordar; o avô que conta histórias e constrói brinquedos para os

netos, afinal:

a “cultura” não pode ser abandonada, sob a pena de

deixarmos de compreender o fenômeno único que ela

nomeia e distingue: a organização da experiência e da

ação humanas por meios simbólicos. (SAHLINS,

1997, p. 41. Grifo do autor).

Os seres humanos se diferenciam dos animais, pois são capazes de

atribuir significado aos signos, aprimorando essa habilidade com o passar

dos anos. É também competência humana simbolizar, e mais precisamente

na primeira infância essa é a maneira utilizada pelas crianças para se

apropriarem das coisas que as cercam, estabelecendo e vivenciando

relações. Nesse contexto, observo a cultura como ponto de partida para

muitas aprendizagens e sua estreita ligação com a infância, o lúdico e as

brincadeiras. Sobre isso ratifica Brougère:

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Page 50: cchla.ufrn.br · Na contemporaneidade a tecno-ciência e o processo tecnológico do desenvolvimento comunicacional, fez o mundo se ligar em rede. No entanto, o indivíduo nunca se

[...] a produção dessa cultura lúdica, como qualquer

cultura, não existe pairando acima de nossas

cabeças, mas é produzida pelos indivíduos que dela

participam. Existe na medida em que é ativada por

operações concretas que são as próprias atividades

lúdicas. (BROUGÈRE, 1998, p. 106).

E para descortinar este cenário, buscando respostas às inquietações

oriundas desta discussão, procuro apoio em alguns autores, dentre eles,

Benjamin (1984), Sahlins (1997), Brougère (1998), Huizinga (2004),

Kishimoto (1993), Wajskop (2007), Del Priore (2008) e Kramer (1996),

alicerçando a definição de cultura, de infância e de brincadeira, conceitos

discutidos atualmente, pois foram concebidos há muito tempo atrás.

A infância, como a percebemos hoje, é uma construção da

modernidade e em decorrência disso utiliza-se um discurso para assegurar os

direitos destinados a essa faixa etária que antigamente era vista como um

período do desenvolvimento humano, de dúvidas, de incertezas, no qual não

se fazia grandes investimentos. Contudo, é na infância que elementos

próprios da cultura são transmitidos e vivenciados, e como falar de infância e

não lembrar de brincadeiras? “No ciclo da vida sempre há de ser assim. No

começo, a criança é seu próprio brinquedo, a mãe é seu brinquedo, o espaço

que a cerca, tudo é brinquedo, tudo é brincadeira”. (PRIORE, 2008, p. 231).

As brincadeiras são universais e compõem a cultura popular, como a

literatura oral, a música, a culinária. Determinar sua origem com precisão é

impossível, pois ela ganha variantes e se modifica no tempo e espaço nos

quais está inserida. As famílias europeias que chegaram ao Brasil, no período

de colonização, trouxeram a boneca, o pião, o soldadinho, os monstros

gigantes, as sereias, os duendes, as canções de ninar e os contos de fada.

(FOLHA ON LINE, 2009).

Figuras que assustavam as crianças, como o tutu-marambá, o

quibungo e o nironga foram trazidos pelos africanos, bem como as danças

de umbigada que combinam características indígenas e traços portugueses,

compuseram danças, sendo que posteriormente, algumas tornaram-se

rodas infantis. Não se pode negar que existiam no Brasil antes do

descobrimento, no imaginário dos índios, mitos e heróis que foram se

misturando às influências das missões jesuítas, dos portugueses. Há

notícias de que as crianças indígenas brincavam com seus arquinhos e

flechinhas, encenando brincadeiras de disputa, reproduzidas ainda hoje.

(FOLHA ON LINE, 2009).

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Mas é principalmente a partir do século XIX, com o

ingresso de levas de imigrantes no país que, além da

miscigenação étnica e a aquisição de hábitos e

costumes diferentes, muitas brincadeiras,

principalmente as cantigas de rodas, as adivinhas, as

formas de escolha, se incorporam ao brincar das

crianças brasileiras. (PRIORE, 2008, p. 245).

O Brasil, país de dimensões continentais, possui um repertório de

manifestações folclóricas, brinquedos cantados, ladainhas e brincadeiras.

No Centro-Oeste é costume jogar bets, um jogo conhecido em outras regiões

por taco; brinca-se também de esconde-esconde, de laçar boi de madeira,

corre-cotia, pular corda, bate-mãos, dentre outras. Já no Sul e Sudeste, a

falta de espaço de algumas cidades restringe o brincar à escola e à aula de

educação física, e entre os preferidos estão o vídeo game, a batata-quente, a

bolinha de gude, jogos de garrafão, estrela-novo-toco – uma variação do

jogo de pula-sela –, pipa ou papagaio, peteca, gato-mia, vitória – uma

versão do barra-bandeira – e cinco marias dividem a preferência das

crianças. Na região Norte, as crianças brincam de pata-cega, conhecida em

outras regiões como cabra-cega, passa-anel, adoleta e boca-de-forno. No

Nordeste, as meninas preferem brincar de casinha, trava-línguas; já os

meninos conhecem e praticam uma variedade de tica-tica (pega-pega),

garrafão, polícia e ladrão. Meninos e meninas gostam das brincadeiras de

imitar bichos, como de pula-saco, uma corrida imitando os pulos de um

sapo. (FOLHA ON LINE, 2009).

Por meio dos jogos, a criança manifesta suas

emoções. Estabelece ligações sociais, descobre sua

capacidade de escolher, decidir e participar. Faz a

bola de meia, os tacos para jogar “casinha”, escolhe

os botões para o futebol, coleciona figurinhas para o

“abafa”. Constrói o carrinho de rolimã, o cavalo de

pau, a boneca de pano. (PRIORE, 2008, p. 254.

Grifos do autor).

Estas brincadeiras, ditas tradicionais povoaram o universo infantil

e foram transmitidas de geração para geração como parte da cultura.

Possuem nomes diferentes e/ou são realizadas de outra maneira em

algumas regiões do país, mas, lembram a infância, retomam a memória,

enfim, aspectos que remetem às origens, aos vínculos e aos afetos.

Elementos que constroem a história de cada indivíduo, repleta de

singularidade e significado, assim a criança se faz na cultura e produz

cultura no ato de brincar. Para a educadora brasileira Sônia Kramer,

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Page 52: cchla.ufrn.br · Na contemporaneidade a tecno-ciência e o processo tecnológico do desenvolvimento comunicacional, fez o mundo se ligar em rede. No entanto, o indivíduo nunca se

[...] a criança é concebida na sua condição de sujeito

histórico que verte e subverte a ordem e a vida social.

Analiso, então a importância de uma antropologia

filosófica (nos termos que dela falava Walter

Benjamin), perspectiva que, efetuando uma ruptura

conceitual e paradigmática, toma a infância na sua

dimensão não-infantilizada, desnaturalizando-a e

destacando a centralidade da linguagem no interior

de uma concepção que encara as crianças como

produzidas na e produtoras de cultura. (KRAMER,

1996, p. 14).

No entanto, o avanço das tecnologias também chegou aos

brinquedos e hoje, além das brincadeiras listadas acima – ainda existem

muitas outras. As crianças têm acesso aos jogos eletrônicos, vídeogames e

computador, tornando sua presença mais comum no universo infantil,

porém não tenho intenção de discutir e/ou atribuir maior importância a este

ou aquele tipo de brinquedo, mas acredito ser necessário sinalizar a

presença do brinquedo tecnológico.

Uma das maneiras de transmissão da cultura é pela oralidade, e

neste aspecto encontramos Benjamin (1984) que tece considerações a

respeito da narrativa. O pensamento benjaminiano afirma que nos

apropriamos, por meio da narrativa, do passado que precisa ser valorizado

no presente, na perspectiva de construção do futuro, afirmando que isso é

cultura. Neste cenário, Benjamin valoriza a experiência transmitida de

pessoa a pessoa, por meio dos narradores, que nada mais são do que os

pais, os avós, que um dia também foram crianças, e que no ciclo da vida

assumem novos e diferentes papéis. O autor defende a narrativa oral,

afirmando que as melhores narrativas escritas são as que menos se

diferenciam das histórias orais.

Assim sendo, a contação de histórias, as cantigas de rodas etc. são

narrativas transgeracionais e nos dão

em primeiro lugar, a certeza de que a criança é o pai

do homem, a consciência de que a roda do destino

começa a girar muito cedo, e num estalo fixa as

chaves-mestras de nossa existência – hábitos,

valores, desejos, afetos, inclinações eróticas,

tendências espirituais etc. (UILCON PEREIRA,

Apresentação da Edição Brasileira in BENJAMIN,

1984, p. 11).

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Diante disso, observo que a cultura é mantida viva pelas crianças,

ressignificada e renovada. No entanto, o universo adulto pouco valoriza ou

considera os elementos que constituem a infância, interpretando de forma

dúbia as falas infantis impregnadas de inocência, mas que são ouvidas e

respondidas pelos adultos com pouca empatia e respeito. Ocorre uma

hierarquização entre o mundo dos adultos e o das crianças, reforçando que

tudo que é feito, sentido e pensado pelos adultos é sério, importante e

necessário, e para as crianças tudo é coisa sem importância, passa tempo.

Acontece então a desvalorização dos componentes presentes na infância – a

brincadeira, o jogo, o lúdico –, reservando-se a estes, espaço e tempo

apenas quando o trabalho dito sério já tenha sido concluído. Assim, penso

ser adequado e prudente que os espaços ocupados pela infância na família e

na escola possam considerar e valorizar os elementos necessários para o

seu desenvolvimento, reservando-lhe espaço e tempo para serem vividos.

Essa proposição fundamenta-se no que pondera Benjamin ao afirmar:

Todo hábito entra na vida como brincadeira, e mesmo

em suas formas mais enrijecidas sobrevive um

restinho de jogo até o final. Formas petrificadas e

irreconhecíveis de nossa primeira felicidade, de nosso

primeiro terror, eis os hábitos. E mesmo o pedante

mais insípido brinca, sem o saber, de maneira pueril,

não infantil, brinca ao máximo quando ele é pedante

ao máximo. (BENJAMIN, 1984, p. 75).

Na vida moderna, a razão oriunda do pensamento cartesiano ocupa

um lugar de destaque. A rapidez e urgência na realização das tarefas guiam

os dias de maneira implacável. E a infância como é vivida neste tempo de

tanta velocidade? Onde a informação circula rapidamente? Uma geração que

já nasceu navegando na internet, que participa de comunidades e salas de

bate-papo virtuais. E nessa pressa e velocidade – não sei bem para o quê –,

qual o espaço e o tempo ocupado pela infância? Pois cada vez mais

precocemente os brinquedos e brincadeiras são substituídos e/ou

abandonados. Neste sentido, corrobora as afirmações de Meira:

A memória do brincar, hoje, encontra-se apagada pelo

excesso de estímulos oferecidos incessantemente, em

um ritmo veloz e instantâneo. A exaltação do objeto

eleva minúsculos brinquedos à extrema potência, para

dali a alguns dias serem substituídos por outros, novas

versões tecno do mais avançado, do melhor. Hoje, a

dimensão do social confere ao sujeito um lugar onde o

singular encontra-se fragmentado na multiplicidade

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que o rege. Os brinquedos, como bem aponta

Benjamin, refletem esta transformação. Acabam por

transformar-se em ''brinquedos em série''. (MEIRA,

2003, p. 74. Grifo do autor).

Numa época em que tudo precisa ser feito rápido, o tempo para

imaginar, para fantasiar, para ser criança escorre entre os dedos e perde-se

dentro de uma sociedade consumista e veloz, que não permite o ócio, que

coloca a brincadeira em segundo plano, que privilegia o cognitivo voltado

para os conteúdos, em detrimento das ações corporais, e desconsidera as

atitudes ligadas ao sensível.

A modernidade trouxe muitos benefícios e facilidades, isto é fato,

mas também expôs a fragilidade dessa nova geração. Atualmente

problemas como: estresse, distúrbios nervosos, LER (lesão por esforço

repetido), obesidade, dentre outros, geralmente surgidos na fase adulta

atingem também as crianças, deixando marcas indeléveis na sua

estruturação e desenvolvimento. Para este quadro, tenho algumas teorias e

respostas que podem auxiliar na compreensão da infância na

contemporaneidade.

Suspender o tempo e brincar é hoje um ato de

extremo desafio que as crianças tem de enfrentar

frente à avassaladora rede de aparelhos virtuais que

invadem sua vida, anestesiando seus movimentos

corporais e seu pensamento. (MEIRA, 2003, p. 75).

Antigamente as famílias eram numerosas – eu venho de uma

família de cinco filhos – fato não muito recorrente hoje. As casas eram

amplas e a rua uma extensão dessas casas; nesses espaços as crianças

brincavam das mais diversas maneiras. A realidade atual aponta diferenças

pontuais. A família diminuiu, ou seja, poucos filhos – uma, duas ou três

crianças –, as casas também tornaram-se menores e a rua tem seu espaço

disputado pelos carros, pelo asfalto, invadido pela violência e é observada

muitas vezes pelas crianças, através das janelas, fato apresentado de forma

poética por Morais:

Portões de ferro separam-nos da rua na qual tememos

que as crianças brinquem. Nossa voz fanhosa – voz

fantástica – despede as crianças pelos porteiros

eletrônicos: Vão com Deus. Cuidado! Dizemos da

parede lisa e estúpida. Sem esconder certa aflição.

(MORAIS, 1986, apud MARCELLINO, 1990, p. 84).

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E nessa sucessão de acontecimentos que geram uma reação em

cadeia, como fica a brincadeira? Como reage esse corpo privado de

experiências motoras, recolhido e confinado na cadeira, no sofá? Talvez isso

sinalize respostas para o surgimento de novos problemas que são

percebidos na escola, como hiperatividade, déficit de atenção, distúrbio de

comportamento etc. Segundo Merleau-Ponty (1971), “somos um corpo ao

invés de possuirmos um corpo”. E nesta perspectiva é esse corpo que

permite a apropriação do mundo, e como obter êxito nesta empreitada se

não se conhece esse corpo, muito menos suas possibilidades? A afirmação

de Marzano-Parisoli pode ajudar a compreender:

Antes de ser uma imagem cultural modificada e

domesticada pela sociedade e seus valores, o corpo

humano é, de fato, um dado real e natural: é ele que

permite aos homens e às mulheres viver no mundo

e encontrar os outros. (MARZANO-PARISOLI,

2004, p. 28).

Talvez ainda não exista espaço para esse corpo na escola a não ser

como mero espectador. Infelizmente ainda impera a ideia de que o silêncio e a

imobilidade são condições indispensáveis para se apreender algum

conteúdo. Entendo que em determinados momentos é preciso parar, silenciar,

mas me refiro a isso como prática diária, já cristalizada nas escolas.

E assim brincar, simbolizar e jogar são vivenciados na maioria das

vezes apenas no momento do recreio. Não obstante a generalização que

aqui descrevo, reconheço que existem algumas escolas que diferem desse

todo, ou seja, reconhecem e valorizam esse corpo, permitem e incentivam a

brincadeira. No entanto, isso não resolve a questão, pois há uma exigência

por parte da sociedade para que a brincadeira e o lúdico sejam colocados

em segundo plano. Construiu-se uma cultura de que a escola é lugar de

coisa séria, e neste espaço dito sério, não deve haver espaço para brincar,

fantasiar, jogar e sorrir. E segundo Meira,

a referência ao que falta, ou a um passado que

confronte o sujeito com a dimensão da falta se apaga,

hoje. O ''moderno'' é não ter a história como

referência, prescindir do outro, ser autônomo,

artificializado em meio a um emaranhado sem fim de

objetos sem nenhuma utilidade a não ser a de

sustentar a ilusão de uma completude impossível.

(MEIRA, 2003, p. 76. Grifo do autor).

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Esta constatação faz com que novos questionamentos emerjam,

pois acredito que toda aprendizagem é corporal e cognitiva, e por isso como

separar, como hierarquizar, como atribuir maior importância a uma ou a

outra? Não seria mais prudente e inteligente encontrar um equilíbrio para

essa situação? Preocupar-se com a educação cognitiva, mas também

dedicar-se à educação corporal? Quem sabe este seja o melhor caminho a

ser seguido. Esta dificuldade de considerar o corpo não é atual, e sim uma

atitude antiga. Mais uma vez observo o corpo colocado em segundo plano,

um ator coadjuvante para o qual se deve dar pouca ou nenhuma

importância, e, dessa forma, aprendizagens significativas são abandonadas

em detrimento de outras mais valorizadas.

Vivemos numa sociedade que valoriza o novo, colocando de lado o

velho, me refiro aqui não apenas às brincadeiras e jogos, que são

substituídas pelos brinquedos eletrônicos, mas também às pessoas.

Como já dito anteriormente, é através do brincar que a criança

estabelece vínculos, se apropria do seu entorno, vivencia as regras. Então

como não permitir – ou valorizar – esta atividade humana tão rica e

importante? Talvez, a escola tenha se acostumado a isto, e não consiga

perceber espaços e tempos para a brincadeira, o jogo e o lúdico na sua

prática diária. E as crianças de alguma maneira acabaram se

acostumando, ou apenas realizam estas atividades no momento do recreio.

Quem sabe o discurso e a prática estejam tão engessados, e somente a

reprodução sem nenhum tipo de questionamento possa justificar tal postura

e encaminhamento.

Não me coloco na posição de defender as brincadeiras tradicionais

e negar que o vídeogame, o computador, os jogos eletrônicos podem

contribuir positivamente nas aprendizagens que acontecem na infância.

Critico o exagero, a falta de opção, de escolha; penso que ambos –

tradicional e moderno – necessitem de uma relação dialógica, de religação.

É necessário juntar os saberes construídos na academia com aqueles

produzidos fora da universidade para que assim se possa conviver em

equilíbrio, mas, para isso, ambos – tradicional e moderno – precisam ser

vivenciados e experimentados pelas crianças. Talvez o que nos falte ainda

seja esse olhar sensível e às vezes nostálgico que imprima na infância o

tempo presente, ao invés de projetar e planejar um futuro distante e

longínquo.

Num novo e desafiador passeio falarei de alguns registros da

brincadeira, da memória e da infância nas artes e na literatura, sinalizando,

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ao longo da história, a importância e significação destes aspectos para

diferentes autores em diferentes contextos, como uma tentativa de tornar

relevante a temática em estudo.

A cultura, como já enfatizei, se manifesta na infância através de

brincadeiras e estas podem ser reativadas/reavivadas na idade adulta, como

se observa em narrativas memoriais. São, portanto, construtos humanos

relevantes para o processo de desenvolvimento sociocultural dos sujeitos.

Graciliano Ramos, no romance autobiográfico Infância (1977),

relata os encantos e desencantos vividos em sua meninice, os sofrimentos

na escola e na família descrevendo em detalhes a aspereza das relações

humanas, pautadas no menosprezo, no desrespeito. Quando ele se refere à

escola a descreve da seguinte maneira:

O lugar de estudo era isso. Os alunos se imobilizavam

nos bancos: cinco horas de suplício uma crucificação

[...] Não há prisão maior do que escola primária do

interior. A imobilidade e a insensibilidade me

aterraram. Abandonei os cadernos e auréolas, não

deixei que as moscas me comessem. Assim, aos nove

anos ainda não sabia ler. (RAMOS, 1977, p. 195).

Em sua narrativa, Graciliano discorre sobre alguns de seus

professores, como D. Maria, sua primeira professora, uma mulher limitada

em seus conhecimentos, mas que, com seu jeito meigo, atencioso e

compreensivo, perdoando os erros dos alunos, torna-se um oásis no penoso

processo de aprendizagem do menino Graciliano. Dona Maria do Ó, e o

professor mulato caracterizado como “pachola”, esses dois foram alvos do

racismo de Graciliano.

A escola retratada por Graciliano Ramos era patriarcal, severa e

achava normal a aplicação de castigos físicos nos alunos. Hoje não observo,

comumente, este sistema e/ou estas posturas. Mas, em muitos espaços, a

falta de acolhimento, de escuta, de empatia dos professores para com os

seus alunos são atitudes tão dolorosas como os castigos de outrora. Busco

respaldo nas palavras de Snyders para alicerçar meu pensamento a respeito

da escola:

A escola dá aos jovens uma alegria que legitima os

esforços que ela reclama? Na verdade esta pergunta

contém uma outra – e que é a verdadeira: como

podemos transformar a escola para que... Dez anos

obrigatórios de escola: são dez anos feitos para a

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satisfação cultural. Que a escola se apodere deste

provérbio inglês: “o objetivo é ser feliz; o momento

para ser feliz é agora: o lugar para ser feliz é aqui”.

(SNYDERS, 1988, p. 13. Grifo do autor).

Outro autor que pode ser citado é Janusz Korczak. Pediatra, autor

infantil e pedagogo judeu-polonês tratou de temas relacionados à infância

com muita propriedade e atenção. No livro Quando eu voltar a ser criança

(1989), descreve as sensações, emoções e conflitos vividos por ele, numa

volta à infância.

Cheguei a perguntar um dia:

- Mãe, fita vermelha fica melhor num cachorrinho ou

num gato?

E ela disse:

- Você rasgou a calça outra vez.

Ao papai perguntei:

- Todo velhinho precisa de um banquinho embaixo

dos pés, quando fica sentado?

Papai disse:

- Todo aluno deve tirar boas notas, e não deve ficar de

castigo.

Então deixei de perguntar. Passei a deduzir as coisas

sozinho. (KORCZAK, 1989, p. 14).

Nesse breve diálogo extraído da obra, percebo a intolerância, a falta

de atenção e escuta acolhedora dos adultos diante de perguntas simples,

inocentes, mas que parecem esconder alguma outra intenção, quem sabe a

calça rasgada, ou notas baixas na escola. Os adultos esquecem que as

crianças são inocentes; elas fazem perguntas que nos parecem tolas, sem

sentido, ingênuas, mas para elas são problemas de difícil resolução.

Nas artes posso citar Pieter Bruegel, com seu quadro Jogos Infantis

(1560). Bruegel nasceu em 1527, nas proximidades da Antuérpia,

atualmente Bélgica. Os poucos registros de sua vida são informados pelos

seus desenhos e pinturas. Bruegel dedicou-se durante muito tempo a pintar

paisagens, mas também pintou pessoas, principalmente seu cotidiano;

retratava as pessoas simples do campo, seu trabalho na colheita, suas festas.

As obras do artista tinham como característica possuir muitos

detalhes e remetiam a alguma lição, acreditando-se até que suas pinturas

escondiam mensagens secretas. Tal fato aplica-se ao quadro intitulado:

Jogos infantis, exposto no Museu de História da Arte, em Viena. Comenta-

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se que Bruegel, nesta obra, utilizando as brincadeiras de crianças, criticou

os líderes governantes da cidade e da igreja da época, sugerindo que eles

não trabalhavam de forma adequada.

No quadro é possível observar crianças brincando de diferentes

maneiras ao ar livre. Estabelecendo um paralelo com os dias de hoje, seria

possível nossas crianças brincarem nas ruas, nas praças? Esses espaços

existem? Nas grandes cidades, o asfalto, a violência e os veículos tomaram

conta de tudo. Nas pequenas cidades acredito que ainda seja possível

encontrarmos crianças pelas ruas divertindo-se, tornando esse espaço seu

reduto, seu refúgio.

Confesso que as artes e a literatura me encantam, mais

especificamente, a poesia. Em minhas pesquisas, garimpando material

para construir a dissertação, encontrei um livro pelo qual me apaixonei,

pois, além de trazer poesias, continha também pinturas que remetiam às

minhas outras paixões: criança, infância e a brincadeira. Refiro-me ao livro

Brasil-Menino (2005) de Fátima Miguez, com ilustrações de Pedro Rafael.

Escolhi algumas imagens e poesias que são emblemáticas e sobre as quais

tecerei minha interpretação.

Figura 2: Jogos Infantis, 1560. Óleo sobre painel de madeira, 118x160,9 cm. Museu de História da Arte, Viena.

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Lembro-me de que na minha infância tinha paixão por balanços.

Era um brinquedo que me proporcionava uma sensação de liberdade e ao

mesmo tempo era um desafio conseguir manter a velocidade, de preferência

rápida, apenas utilizando o movimento das pernas – para frente pernas

esticadas, para trás pernas dobradas. E isso era comum na maoiria das

crianças. Tal carinho por esse brinquedo não foi apagado com o passar dos

anos e a chegada da adolescência e a fase adulta, o que mudou foi a forma

de utilizá-lo, a sensação de liberdade permanece, mas agora a velocidade

diminui e é possível também contemplar o céu e a paisagem ao redor

quando me balanço.

As crianças demonstram grande fascínio por este brinquedo, que é

sempre muito disputado. Nas suas mais diversas formas, de corrente e

assento de madeira ou de ferro, de corda e pneu, enfim, balançar é algo que

embala a infância.

Figura 3: MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 36.

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Figura 4: Meninos com Carneiro, Cândido Portinari, 1959, (172 x 112 cm). In: MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 37.

Figura 5: MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino.Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 38.

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A corda esteve durante muito tempo associada à brincadeira de

menina, e menino brincando de corda não era algo muito comum de se ver.

No entanto, os tempos mudaram, e a corda hoje também é utilizada pelos

garotos que inventam novas e diferentes formas de pular, como, por

exemplo, entrar e pular com o maior número possível de crianças numa

única corda; brincam também de recorde, ou seja, quem consegue pular o

maior número de vezes; de foguinho, que é quando se começa a bater a

corda devagar e vai se aumentando a velocidade.

Enfim, difícil imaginar uma criança que nunca brincou de corda,

seja ela de diferentes materiais, como: corda de sizal, restos de varal de

estender roupa, ou mesmo as cordas individuais que atualmente são

oferecidas em diferentes formatos e materiais. Com certeza, esse é um

brinquedo que remete à infância, mas que também os adultos gostam de

brincar.

Figura 6: Meninas pulando corda. Orlando Teruz, 1971, óleo sobre tela (92 x 73) In: MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 39

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Figura 7: MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 26.

Figura 8: Saci-Pererê, Tarsila do Amaral, 1925, óleo sobre tela (22,5 x 31,2) In: MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 27.

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As lendas brasileiras também povoam o imaginário das crianças e

estão presentes desde muito cedo nas suas vidas, como na canção de ninar

“Boi da Cara Preta”, que diz assim: “Boi, boi, boi, boi da cara preta, pega

esse menino que tem medo de careta...” Talvez seja difícil encontrar uma

mãe ou um pai que nunca cantou essa música para o seu filho dormir. O

saci-pererê, a mula-sem-cabeça, o boitatá, a cuca, o papa-figo, o boto cor

de rosa, o curupira, dentre tantos outros personagens presentes nas lendas,

fazem parte da infância. Apresentados por histórias, contadas e recontadas

inúmeras vezes, mas que são ouvidas com a mesma atenção e empolgação,

como se fosse a primeira vez. E nesse universo mágico e encantado, as

crianças crescem, descobrem as verdades sobre algumas lendas, mas

mesmo assim continuam acreditando, adorando e/ou temendo seus

personagens, mantendo-se nutridas pela imaginação que permite viagens

inesquecíveis e maravilhosas.

Figura 9: MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 32.

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Brincar de roda é uma das preferências das meninas; para isso,

utilizam diversas músicas, dentre elas:

Ciranda, cirandinha vamos todos cirandar,

Vamos dar a meia volta, volta e meia vamos dar,

O anel que tu de destes era vidro e se quebrou,

O amor que tu me tinhas era pouco e se acabou.

E assim, elas transportam, para um mundo particular, a parte da

realidade na qual estão inseridas, seja ela qual for. Incluem nessa

brincadeira não apenas as amigas, mas as bonecas, parceiras inseparáveis

que também gostam de brincar de roda. Enfim, divertem-se, vivem a

infância e a brincadeira em sua plenitude, deixando do lado de fora tudo o

que lhes possa trazer algum tipo de aborrecimento.

Figura 10: Roda. Milton Dacosta, 1942, óleo sobre tela (59 x 71 cm) Coleção Gilberto Chateaubriand – Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, RJ. In: MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 33.

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Figura 11: MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino.Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 06.

Figura 12: MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino.Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 07.

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Criança brinca de muitas coisas, e as ilustrações e poemas

apresentados se referem a isso. Seria possível mesmo listar todas as

brincadeiras? Penso que não, porque as crianças inventam e ressignificam

as brincadeiras diariamente e, portanto, conseguir listá-las se torna uma

tarefa por demais difícil. No entanto, não encaro esta dificuldade como algo

negativo; pelo contrário, acredito que isso seja saudável, e encerra o sentido

da infância, de uma fase rica, pela qual todos passam antes de se tornarem

adultos. Uma fase na qual vivemos os melhores momentos, os quais serão

contados para os filhos e os netos com saudade de um tempo que passou e

não volta mais. E por isso mesmo, deve ser vivido de forma plena e intensa.

Figura 13: MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 42.

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Como é bom brincar na praça! Sentir o vento no rosto, escolher

entre o balanço, o escorrego, a gangorra, o esconde-esconde, o pega-pega, o

jogo de bilocas. Enfim, são tantas as opções, torna-se difícil escolher; então,

a melhor alternativa é fazer um pouco de cada. Ser criança é fazer tudo isso

e mais um pouco, é procurar um jeito novo para se divertir e de preferência

brincando.

A historiadora Mary Del Priore enumera algumas dessas

brincadeiras:

E as crianças brincam de passa-anel, de gato-e-rato,

de esconde-esconde, de estátua, de chicotinho-

queimado, de acusado, de amarelinha, de carniça, de

meio da rua, de cinco-marias, de piques, de boca do

forno, de barra-manteiga, de batatinha frita 1, 2, 3, de

queimada, de corre cotia, de balança caixão... Fazem

malabarismos com o diabolô, o bilboquê, o iô-iô, o

bambolê, a corda de pular, o estilingue. Ou então,

como papel e lápis, brincam de forca, com tesoura

recortam bonecas das revistas semanais, fazem

aviõezinhos, chapéu de jornal para o “marcha

Figura 14: Crianças na Praça. Dalvan da Silva Filho, 2002, acrílica sobre chapa de fibra de eucalipto (40 x 60 cm). Coleção Lucien Finkelstein. In: MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino.Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 43.U

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soldado”. Com água e sabão soltam bolhas que sobem

ao céu. (PRIORE, 2008, p. 254. Grifo do autor).

No livro Brasil-Menino (2005), de Fátima Miguez com ilustrações

de Pedro Rafael, do qual extrai as imagens apresentadas e interpretadas são

registradas e poemizadas as seguintes brincadeiras: pipa, cavalo-de-pau,

pião, roda, balanço, pular corda, cabra-cega, escorregador e bola.

Brincar promove a socialização na infância, pois é muito mais

divertido e prazeroso brincar em grupo. Em alguns momentos, as crianças

brincam sozinhas mas, na maioria das vezes elas se juntam e a socialização

está presente, pois é necessário negociar o espaço, as regras e até o próprio

brinquedo. Outra questão envolvida no brincar é a assimilação cultural;

certamente as brincadeiras vivenciadas nesta fase serão ensinadas aos

filhos, sobrinhos e netos, assegurando a transmissão e a perpetuação da

cultura.

A poesia, as pinturas e as ilustrações transmitem o que, às vezes,

num texto acadêmico não é possível dizer ou comunicar. A beleza do

encontro das palavras em rimas e o traço delicado dos artistas dão vida e

movimento às imagens.

E assim finalizo esta parte sobre cultura, infância e brincadeira,

reafirmando que estes aspectos inserem-se no processo de

desenvolvimento da criança como peças-chaves, contribuindo para a

constituição desse ser nos seus diferentes aspectos: físico, psíquico,

cultural, histórico e social.

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_capítulo 02

OS ESPAÇOS-TEMPOS DO BRINCAR NO PROCESSO EDUCATIVO FORMAL:

CONCEITO E IMPORTÂNCIA

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"Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com

exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem."(Carlos Drummond de Andrade)

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2 OS ESPAÇOS-TEMPOS DO BRINCAR NO PROCESSO EDUCATIVO

FORMAL: CONCEITO E IMPORTÂNCIA

No ato de brincar se apresentam processos subjetivos, nos quais

situações impossíveis são viabilizadas pelo imaginário. Brincando, a

criança aprende a ser, revela seus desejos, se relaciona com o outro, e

consequentemente amplia a sua subjetividade. Para Johan Huizinga, “as

crianças e os animais brincam porque gostam de brincar, e é precisamente

em tal fato que reside sua liberdade” (HUIZINGA, 2004, p. 10). Com esta

afirmação o autor possibilita algumas suposições e um novo olhar para o

brincar.

Huizinga afirma que o jogo é uma característica essencial da

cultura humana e daí vem a definição “Homo Ludens”. Para Huizinga, o

jogo não é propriedade ou pode apenas ser realizado na infância; ele afirma

que o jogo é apreciado e praticado pelos homens até o fim da vida. Cabe

salientar que Huizinga não diferencia conceitualmente jogo de brincadeira,

assegurando que

a existência do jogo é inegável. É possível negar, se se

quiser, quase todas as abstrações: a justiça, a beleza,

a verdade, o bem, Deus. É impossível negar-se a

seriedade, mas não o jogo. (HUIZINGA, 2004, p. 6).

A criança que brinca exercita não apenas sua liberdade, mas

também sua criatividade e tais qualidades/habilidades tornam-se

elementos balisadores na construção de outras qualidades/habilidades

exigidas no seu desenvolvimento. Para ampliar a compreensão sobre o

brincar, incorporei a conceituação de alguns autores que se debruçaram em

cima deste tema imprimindo suas considerações e descobertas.

Brougère (1995) considera o brinquedo como produto de uma

sociedade, possuidor de traços culturais específicos, e duas faces: uma que

o identifica como objeto cultural; e outra que lhe atribui funções sociais,

justificando sua razão de existir, contribuindo, dessa maneira, para o

desenvolvimento infantil. Seguindo a interpretação proposta pelo autor na

definição de brinquedo, este não possui uma função precisa, e por isso a

criança o manipula livremente. Assim, o autor não desconsidera a

brincadeira; pelo contrário, amplia o seu uso para além de simples objeto.

"Brincar não é uma dinâmica interna do indivíduo, mas uma atividade

dotada de uma significação social precisa que, como outras, necessita de

aprendizagem” (BROUGÈRE, 1998, p. 103).

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Para Liev S. Vygotsky (1989), a criança ao brincar cria zonas de

desenvolvimento proximal, ou seja, ultrapassa as situações de nível real, o

que gera um avanço no mesmo. Identificamos no brinquedo características

da realidade social na qual ele está inserido. Via de regra, o valor simbólico

atribuído ao brinquedo está diretamente ligado ao tempo no qual ele está

ligado; daí ser fácil observar a mudança sofrida pelos brinquedos com o

decorrer dos anos, uma vez que os mesmos precisam se adequar à sociedade

para a qual foram produzidos. Neste sentido, Vygotsky afirma que

[...] o brinquedo cria na criança uma nova forma de

desejos. Ensina-a a desejar, relacionando seus

desejos a um “eu” fictício, ao seu papel no jogo e suas

regras. Dessa maneira, as maiores aquisições de uma

criança são conseguidas no brinquedo, aquisições

que no futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação

real e moralidade. (VYGOTSKY, 1989, p. 114. Grifo

do autor).

Numa perspectiva winnicottiana, encontro elementos para afirmar

que o brincar é universal e constitui uma maneira básica de viver, pois “a

criança adquire experiência brincando, a brincadeira é uma parcela

importante da sua vida.” (WINNICOTT, 1982, p. 163). Este autor atribui ao

brincar, e talvez somente a ele, a possibilidade de crianças ou do adultos

fruírem sua liberdade de criação (WINNICOTT, 1975). Para ele “é a

brincadeira que é universal e que é própria da saúde: o brincar facilita o

crescimento e, portanto, a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos

grupais [...]” (WINNICOTT, 1975, p. 63). Winnicott relatava a importância

do brincar e fundamentava suas ideias discutindo a importância do afeto

nas relações entre as pessoas, apontando, como a primeira delas, a

existente entre mãe e filho.

Outro autor, a quem recorro para buscar a conceituação e apontar a

importância do brincar, é Benjamin. Para este, “a essência do brincar não é

um 'fazer como se', mas um 'fazer sempre de novo', transformação da

experiência mais comovente em hábito.” (BENJAMIN, 1984, p. 75). E

assim, novamente encontro colocações pontuais que indicam e revelam a

importância do brincar. Talvez por conta da sua simplicidade, o brincar

esconda a sua complexidade, e assim cometam-se tantos enganos a seu

respeito. Para Benjamin, “as crianças fazem a história a partir do lixo da

história. É o que as aproxima dos 'inúteis', dos 'inadaptados' e dos

marginalizados”. (BENJAMIN, 1984, p. 14).

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O espaço existente entre a infância e a idade adulta é extenso, e o

espaço social da criança se reduz a pequenos agrupamentos, como a casa

da família e a escola, lugares de referência com importância significativa,

pois são nesses espaços que são construídas as lembranças da infância. As

brincadeiras, os jogos e o brincar recuperam esses valores e sentimentos.

Assim, Pereira afirma:

O campo dos brinquedos é um campo híbrido, em

que, ao mesmo tempo, acontecem linguagens

distintas e algo que lhe é específico. Há um conjunto

de gestos e sons que estabelecem interações,

expressões, comunicações e declarações entre

aqueles que brincam. Toda mensagem tem um

destinatário, assim como todo brinquedo tem um

brincante ao qual ele se destina. O brincar, entendido

como vínculo, possibilita o encontro com o outro,

estabelecendo uma rede de significações. (PEREIRA,

2000, p. 55).

Desta forma, novamente reafirmo a importância do brincar, sua

relevância e pertinência principalmente na infância, fase marcada por

descobertas e aprendizagens diárias. Neste contexto, o lúdico, a brincadeira

e o jogo são as senhas de acesso, senhas utilizadas pelas crianças das mais

diferentes maneiras.

Vale ressaltar que as brincadeiras são realizadas diante do universo

no qual a criança está inserida, daí as diferenças entre as brincadeiras

praticadas nas diferentes classes sociais. Com isso não pretendo discutir ou

atribuir maior importância a esta ou aquela brincadeira, a esta ou aquela

classe social. Em meus estudos, a respeito do tema, encontrei elementos

para afirmar que as crianças brincam com aquilo que lhe está próximo, ou

seja, a busca por novos e diferentes brinquedos e brincadeiras está presente

na criança desde muito cedo, como uma maneira que ela encontra de

exercitar sua criatividade e imaginação.

2.1 COMO FOI TRATADO NA MODERNIDADE O ESPAÇO DO BRINCAR

Nossa cultura ocidental moderna desdenhou o brincar

como uma característica fundamental generativa na

vida humana integral. Talvez ele faça ainda mais:

talvez negue o brincar como aspecto central da vida

humana, mediante sua ênfase na competição, no

sucesso e na instrumentalização de todos os atos e

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relações. Acreditamos que para recuperar um mundo

de bem-estar social e individual – no qual o crime, o

abuso, o fanatismo e a opressão mútua não sejam

modos institucionalizados de viver, e sim erros

ocasionais de coexistência –, devemos devolver ao

brincar o seu papel central na vida humana. Também

cremos que para que isso aconteça devemos de novo

aprender a viver nessa atmosfera. (MATURANA E

VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 245).

A brincadeira tem papel importante no desenvolvimento infantil, e,

por isso, é necessário interpretá-la na contemporaneidade, num campo

amplo de discussões a respeito do brincar, situando seu espaço e tempo na

sociedade, como informam os autores em epígrafe.

Impossível falar de criança sem falar de infância e vice-versa. Estas

palavras se entrelaçam e é difícil delimitar o início de uma ou o fim de outra.

Sabemos que é nessa fase – a infância – que diversos valores, atitudes e

posturas são incorporados e apreendidos para a vida; portanto, impossível

não perceber a importância desse espaço-tempo. É na infância também

que, através do brincar a criança se estrutura nas dimensões física,

psíquica, biológica, social, cultural e histórica e estabelece relações com

seu entorno, cria vínculos, aprende a respeitar regras, se socializa nas mais

diversificadas classes sociais.

Cada espaço de tempo ou cada época apresenta os ideais e as

expectativas para as crianças traduzidos nos discursos da sociedade na qual

estão inseridas. A cultura constrói conceitos sobre a infância, interferindo

diretamente no comportamento de crianças, adolescentes e adultos,

produzindo modelos/formatos de ser e agir. Tais modelos estão diretamente

ligados aos interesses políticos, econômicos e culturais da sociedade que

tem um contexto social ampliado.

Na sociedade atual, as relações têm se baseado em rótulos; as pessoas são avaliadas pelo que possuem e não pelo que são, vivendo em constantes e permanentes dicotomias, pois um verdadeiro apartheid circunscreve a humanidade. Os pensamentos, atitudes e convicções passaram a ter valores ínfimos diante dos apelos ao consumo para a satisfação dos desejos do homem contemporâneo. Diante dessa fragilidade e com velocidade, as relações se diluem, os laços se afrouxam e comprometem a construção da identidade, do sentimento de pertencimento, aspectos imprescindíveis na estruturação do ser humano, principalmente das crianças que necessitam desses pilares para se desenvolverem.

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Uma fatia generosa e consumidora do mercado é movimentada pelas crianças, e cresce assustadoramente a cada ano. Para elas, são criados novos e diferentes artigos – jogos, calçados, games, roupas, mochilas, material escolar etc – nos quais os mais diversos apelos são utilizados para seduzir esses pequenos consumidores.

Com a modernidade, a diminuição do espaço das casas e a violência das ruas confinam as crianças. Outra questão é a ocupação de grande parte do tempo das crianças com atividades extraescolares, voltadas para a preparação de um futuro distante e incerto. Nega-se à criança o direito ao ócio, ao tempo livre e ao brincar. E seria realmente necessário ocupar o tempo todo da criança preparando-a para o futuro, pois não seria mais prudente viver o presente atentando para as necessidades, enfim, investir na qualidade ao invés de privilegiar a quantidade? E assim, respeitar o direito à alegria, ao prazer, propiciados pelo componente lúdico da cultura, pela brincadeira base de sustentação para efetiva participação cultural crítica, criativa e transformadora. “Brincar não é de maneira nenhuma uma preparação para ações futuras: vive-se o brincar quando ele é vivido no presente. [...]” (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 241).

Através das atividades lúdicas, a criança se desenvolve, imaginando, fantasiando, construindo e exercitando regras e resolvendo conflitos. A limitação do espaço para o brincar incide na diminuição da criatividade, da construção da autonomia, do exercício do pensamento.

2.2 OS ESPAÇOS-TEMPOS DO BRINCAR NA ESCOLA: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO NA CIDADE DE NATAL

A Escola Municipal Professor Ulisses de Góes localiza-se no bairro de Nova Descoberta, Natal/RN. A escola atende a crianças da Educação Infantil, do Ensino Fundamental, e também possui turmas de Ensino de Jovens e Adultos (EJA). A escola funciona nos turnos matutino, vespertino e noturno.

O bairro, no qual se situa a escola, recebeu ao longo de sua história várias denominações, dentre as quais: Coreia dos Índios, Capim Macio e Mundo Novo, antes de Nova Descoberta, oficializado como bairro em 05 de abril de 1993. Em 1940, neste local só existia vegetação nativa de Mata Atlântica e um moinho instalado pelo então governador Alberto Maranhão, com a finalidade de fornecer água para os animais das redondezas. Essas terras pertenciam à viúva Machado e compreendiam o espaço entre o bairro de Morro Branco e o atual Campus central da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Há registros de que, no período da II Guerra Mundial

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(1939-1945), veículos do 3º Batalhão de Carros de Combate cruzavam essas terras rumo à Ponta Negra, causando a destruição de cercas e lavouras. Tal fato permitiu a invasão das terras, uma vez dificultando o controle da proprietária.

Nova Descoberta também foi o destino de um expressivo número de retirantes da seca que assolou o interior do Estado em 1953. Grande número dos moradores do bairro reside desde a infância no bairro. As ruas, na sua maioria, são estreitas e mesmo as mais largas têm um trânsito um tanto confuso. O bairro tem características de uma comunidade que cresceu de forma desordenada, como a maioria dos bairros de Natal. As características socioeconômicas do bairro desenham o cenário deste espaço. Apresento alguns dados sobre o bairro de Nova Descoberta, extraídos do documento “Conheça melhor o seu bairro: NOVA DESCOBERTA”, produzido pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo e Prefeitura Municipal do Natal em 2005.

A Escola Municipal Prof. Ulisses de Góes possui uma infraestrutura composta por 12 salas de aula, biblioteca/sala de leitura, sala de professores, sala de direção, sala para equipe técnica, laboratório de informática, secretaria, quadra poliesportiva, refeitório, depósito de merenda, almoxarifado, banheiros, pátio, sala de vídeo, cozinha e parque. Seu quadro de funcionários é composto por: 78 professores e 26 funcionários de apoio administrativo e atende a 719 alunos. (CENSO, 2007)

A escola surgiu entre os anos de 1959 e 1960, portanto, existe há 50 anos, ocupando o espaço construído para funcionar um mercado público

Até 1

Mais de 1 a 3

Mais de 3 a 5

Mais de 5 a 10

Mais de 10 a 20

Mais de 20

Sem rendimento

TOTAL

Tabela1: População por Salários Mínimos, Bairro Nova Descoberta Natal/RN, 2000Fonte: IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo Demográfico 2000.

2.221

3.992

1.437

2.041

1.261

1.051

462

12.475

17,80

32,01

11,52

16,44

10,11

8,42

3,70

100,00

CLASSES DE RENDIMENTO EM SALÁRIOS MÍNIMOS

MORADORES EM DOMICÍLIO

(%)

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no bairro de Nova Descoberta. No entanto, por motivos desconhecidos, o mercado nunca funcionou e a escola permaneceu neste local. Nessa época, o então prefeito Djalma Maranhão e o secretário de educação Moacir de Góes, preocupados com o índice de analfabetismo, e interessados em atender às necessidades da comunidade, porém, instigados pela escassez de recursos financeiros e urbanos lançaram a “Campanha de pé no chão também se aprende a ler”.

Esta campanha teve como cenário Natal, capital do Rio Grande do Norte, em fevereiro de 1961 o seu percurso interrompido em abril de 1964, em virtude do golpe militar. Cabe salientar que o nome “campanha” não está vinculado às iniciativas/experiências anteriores de alfabetização e educação de jovens e adultos desencadeadas pelo Ministério da Educação.

A “Campanha de pé no chão também se aprende a ler” propunha ensino primário de quatro anos, para as crianças dos bairros nos quais as escolas eram de chão batido e cobertas de palha. Esta iniciativa tentava atender à necessidade das camadas populares, obtendo grande participação das mesmas. Eram partilhados com a comunidade a diminuição do índice de analfabetismo através de faixas estendidas nas ruas, constituindo-se em estímulo aos que ainda não tinham se alfabetizado. Quando não era possível que os analfabetos fossem aos espaços destinados para a alfabetização, os professores envolvidos com a campanha iam até eles.

Outras ações fizeram parte desta campanha, como: o acompanhamento das professoras responsáveis pelas ações educativas, a instalação de bibliotecas populares, praças de cultura, museus de arte popular e valorização das festas, músicas e danças populares. Mas infelizmente esta campanha foi interrompida pelo golpe militar e suas ações abandonadas.

O corpo docente da escola, na época, era formado por 32 professores treinados por professores universitários, todos saíam pelo bairro à procura dos alunos. Manoel B. Peixoto foi diretor da escola de 1961 a 1964 e intensificou o trabalho para a Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Em 1964, o país começou a viver o momento histórico do golpe militar, e a escola sofreu as conseqüências; foi invadida, sofreu repressões, e o então prefeito foi preso e os livros e registros da campanha contra o analfabetismo foram queimados. (MACHADO; LEITE, 2007).

Em 1965, a escola retoma suas atividades e seu nome homenageia um educador sério, trabalhador e comprometido com a

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qualidade da educação, o professor Ulisses de Góes. Nascido em 25 de abril de 1896, no bairro de Igapó, que na época era Distrito do Município de São Gonçalo do Amarante e atualmente faz parte do município de Natal, era filho de Francisco Celestino de Góes e Maria Herôncio de Góes.

Ulisses de Góes mudou-se para Natal em 1901, onde realizou seus estudos. Em parceria com Dom Antonio dos Santos Cabral e uma equipe de professores fundaram, em 1918, a Escola Técnica de Comércio de Natal, tornando-se posteriormente seu diretor.

Com a colaboração dos professores dessa escola e dos bispos Dom Marcolino Dantas e Dom Eugênio Sales, organizou a Faculdade de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis, atualmente parte integrante da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Ulisses de Góes foi também membro da Academia Potiguar de Letras; do Instituto Histórico e Geográfico e da Fundação Cultural “Padre João Maria”; do Conselho de Curadores da UFRN e fundador do Jornal “A ordem”. Um educador comprometido e atuante, digno de ser homenageado como nome de uma escola na sua cidade. (MACHADO; LEITE, 2007).

A Escola Municipal Professor Ulisses de Góes foi criada oficialmente pelo ato nº 1902 de 03 de abril de 1977, e seu funcionamento foi autorizado pela Portaria nº 719/80, publicada no Diário Oficial do Estado em 30 de outubro de 1980.

A direção da escola foi designada pela Secretaria Municipal de Educação até 1986, sendo necessárias organização e reivindicação para se oficializar o direito da comunidade escolar eleger os diretores e os conselhos. No dia 05 de maio de 1987, aconteceu a primeira eleição para direção.

A escola ampliou seu espaço físico incorporando um terreno e uma residência, construindo salas de aula, cozinha, depósito para merenda, refeitório, sanitários e quadra de esportes coberta. No entanto, o Conselho Comunitário solicitou ao Secretário de Promoção Social a cessão do espaço ocupado pela escola para a instalação de uma creche, reivindicação antiga dos moradores do bairro de Nova Descoberta. Esta situação só foi decidida em novembro de 1993, com a determinação de que seria procurado outro espaço para a implantação da creche e, em 27 de outubro de 2004, a Escola Professor Ulisses de Góes foi inaugurada.

Observa-se que muitas foram as lutas e os envolvidos para que de verdade e de fato a escola conquistasse seu espaço, bem como oferecesse um local adequado para uma educação de qualidade. Acredito que muitas histórias semelhantes a da Escola Professor Ulisses de Góes existam por

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este Brasil afora, testemunhando a favor de que um sonho pode sim se concretizar; para isso é necessário reunir pessoas que desejem e lutem por ele. A educação tem realmente a capacidade de modificar não apenas a vida das pessoas, mas o destino de um lugar, reescrever um novo final, plantar sementes para depois colher os frutos.

E no contexto escolar da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes estão inseridas as crianças observadas, mais especificamente em duas turmas da educação básica, que no ano de 2008 constituíam o 1º ano A e o 1º ano B, e em 2009 compõem o 2º ano A e 2º ano B, apresentando idade entre 06, 07 e 08 anos de idade.

No título desse subitem, quando me refiro aos espaços-tempos para o brincar, pretendo situar o espaço físico disponibilizado na escola, campo da pesquisa, para esta atividade, bem como o tempo cronológico destinado ao brincar. Partindo da concepção de que o brincar é uma atividade humana importante e necessária para o desenvolvimento das crianças, busco compreender a relação que as crianças e professores da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes possuem e/ou estabelecem sobre os espaços-tempos do brincar.

A palavra espaço tem origem latina; primeiramente era spatium, em seguida tornou-se spatiu e desde o século XIV é utilizada na língua portuguesa como espaço. Consultando o dicionário, encontrei diversos significados, dentre eles destaco: extensão indefinida; capacidade de terreno ou lugar etc.

Tempo vem do latim, palavra derivada de tempus e temporis, que significa a divisão da duração em instante, segundo, minuto, hora, dia, mês, ano etc. No dicionário encontrei vários significados, como: sucessão de dias; horas; momentos; período; época etc.

Dentre as estratégias de pesquisa utilizadas estão: a observação participante, as entrevistas estruturadas com as crianças, os questionários estruturados com os professores e os registros fotográficos. Tais instrumentos possibilitaram uma maior compreensão dos atores e situações que compõem o campo da pesquisa.

Nos meses de agosto a novembro de 2008, observei as aulas de Educação Física do 1º ano A e B, acompanhei a rotina da professora com as duas turmas uma vez por semana, ao longo desses meses. Relatarei as minhas observações e ilustrarei com fotos dos locais citados e/ou utilizados.

Na maioria das vezes, a aula iniciou-se na sala com algumas músicas, os alunos sentados em suas cadeiras e a professora em pé em

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frente à turma puxando a letra e os gestos. O horário de entrada não é respeitado por todos os alunos, pois muitos chegam atrasados; então, a estratégia de iniciar a aula na sala é para que todos ou a grande maioria consiga chegar.

Acredito que essa seja uma boa maneira que a professora encontrou para conseguir ter um número razoável de crianças participando da aula. No entanto, me preocupa as crianças serem mantidas sentadas, mesmo na aula de Educação Física, principalmente porque existem muitas carteiras na sala, o que dificulta alguma maior movimentação. Penso também que não apenas nesta aula específica, mas que em outros momentos da rotina diária é necessário movimentar e dar voz ao corpo, reconhecendo a necessidade de romper com a inércia, com a imobilidade.

Corpo e mente devem ser entendidos como componentes que integram um único organismo. Ambos devem ter assento na escola, não um (a mente) para aprender e o outro (o corpo) para transportar, mas ambos para se emancipar. Por causa dessa concepção de que a escola só deve mobilizar a mente, o corpo fica reduzido a um estorvo que, quanto mais quieto estiver, menos atrapalhará. (FREIRE, 1989, p. 13-14)

Figura 15: Sala de aula da Escola Municipal Professor Ulisses de GóesFonte: Acervo da autora

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As salas de aula possuem um grande número de carteiras, o que dificulta novas formações para algumas atividades, principalmente as corporais. Esse novo modelo de carteira dificulta que as mesmas sejam empilhadas, para que dessa forma possa se ter algum espaço livre.

As turmas observadas são distintas e heterogêneas, possuem em torno de 25 crianças cada uma; no entanto, nos dias em que observei, o número de alunos girou em torno de 16 a 20 crianças, sinalizando um elevado número de faltas, e isso acontece diariamente também em outras turmas.

Em algumas aulas a professora utilizou a quadra, quando o espaço não estava molhado, ou ocupado com outra atividade. O lugar é amplo, mas, necessita de cuidados, como pintura e reparo nas telas de proteção e equipamentos. Na quadra as crianças pareciam passarinhos libertos das gaiolas, corriam de um lado para o outro, muitas vezes sem preocupação com o próprio corpo ou dos colegas, envolvendo-se em quedas e trombadas.

Na quadra, em decorrência da amplitude do espaço e do pouco tempo que é oportunizado às crianças frequentá-lo, a professora demonstrou dificuldade para chamar a atenção dos alunos e desenvolver as atividades. Uma das turmas atende com mais facilidade ao seu chamado, a outra demora um pouco mais, principalmente porque as brigas entre os meninos são mais frequentes.

Figura 16: Quadra da Escola Municipal Professor Ulisses de GóesFonte: Acervo da autora

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Nos dias em que observei as turmas presenciei várias brincadeiras

e atividades, dentre elas cantigas de roda, ladainhas e alguns jogos. Mas

nem sempre o tempo todo da aula foi gasto neste espaço; diversas vezes

aconteceram conflitos entre os alunos e, como a professora atuava sozinha,

a solução encontrada foi levar a turma de volta para a sala de aula.

Um aspecto chamou a minha atenção, nas brincadeiras rotuladas

como “femininas”; os meninos participaram sem nenhum problema,

divertindo-se e interagindo com as meninas. Talvez o que faça essa

diferença seja simplesmente oportunizar variadas atividades, para que as

crianças possam experimentá-las sem ter que afirmar que esta é uma

brincadeira de menino ou aquela é uma brincadeira de menina. Tal fato

também aconteceu em relação às atividades com bola, em que as meninas

participaram sem nenhum problema.

Figura 17: Quadra da Escola Municipal Professor Ulisses de GóesFonte: Acervo da autora

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Outro espaço utilizado pela professora nas aulas de Educação Física é o pátio; o lugar é agradável, possui árvores e alguns bancos, mas como dá acesso às outras salas de aula e também à direção, existe circulação de pessoas, o que em alguns momentos compromete a atividade e tira a atenção dos alunos do que está sendo proposto e/ou realizado. No pátio, a professora desenvolveu diversas atividades, como a contação de histórias, escolhendo para isso histórias com alguma moral ou que retratavam situações nas quais as crianças podiam também se reconhecer, e atividades com bolas, cordas, amarelinha etc.

Após a contação, era solicitado às crianças, divididas em grupos, a representação da história por meio de desenho ou da utilização de materiais. Era oferecida às crianças uma caixa contendo diferentes tipos de tampas, e as crianças divididas em grupos representavam através desses materiais

Figura 18: Quadra da Escola Municipal Professor Ulisses de GóesFonte: Acervo da autora

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alguma passagem da história. Observei que alguns alunos, até mesmo os mais agitados, demonstravam concentração e muito interesse em realizar a atividade, outros, porém, derrubavam as construções dos amigos, num misto de prazer e satisfação em simplesmente atrapalhar a atividade.

Figura 19: Pátio da Escola Municipal Professor Ulisses de GóesFonte: Acervo da autora

Figura 20: Pátio da Escola Municipal Professor Ulisses de GóesFonte: Acervo da autora

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Figura 21: Pátio da Escola Municipal Professor Ulisses de GóesFonte: Acervo da autora

Figura 22: Pátio da Escola Municipal Professor Ulisses de GóesFonte: Acervo da autora

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As construções eram incríveis, pois a imaginação das crianças

transformava uma simples tampa plástica em algo que ganhava vida e sentido.

Em todas as situações que observei o desenvolvimento desta atividade fiquei

encantada, não apenas com a criatividade das crianças, mas com a da

professora, pois, como sabemos, as escolas públicas utilizam materiais

sucateados ou até nem possuem materiais; então, transformar tampas e potes

plásticos em material para aprendizado realmente é uma vitória.

No pátio também as crianças brincaram de pular corda, batata

quente e amarelinha. Brincadeiras tradicionais que, transmitidas pela

tradição, são praticadas pelas crianças desta escola com muita alegria. E

mais uma vez meninos e meninas brincando juntos sem questionar se isso

seria brincadeira de menino ou de menina. Talvez, ao ler minha narrativa, o

leitor pense, mas tudo parece tão maravilhoso, como seria possível? E as

brigas, os conflitos eles não acontecem? Para brincar ou jogar as crianças

precisam respeitar e cumprir algumas regras entrando aí também a

socialização, a partilha e, com certeza, os conflitos e as brigas estão

presentes sim, às vezes com menor ou maior intensidade.

Observei alguns encaminhamentos da professora diante dessas

situações, ouvindo as partes envolvidas e compartilhando com o grupo o

acontecido para que de uma forma democrática fosse encontrada a melhor

saída. Observei também a explosão de diversos conflitos e a saída foi então

levar os envolvidos à direção, para que num exercício do poder, as coisas

pudessem voltar ao lugar.

Confesso que admiro mais a conversa com os envolvidos e o grupo,

dividir o acontecido com os envolvidos pode gerar uma solução mais

verdadeira; na outra situação, a ordem é restabelecida, mas de forma

imposta, de cima para baixo, e logo em seguida as crianças transgridem

novamente, pois elas não participaram dessa decisão, simplesmente

tiveram que aceitá-la.

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As crianças gostam muito de brincar nos parques das escolas, é o

refúgio delas. Na Escola Municipal Professor Ulisses de Góes não é

diferente. O parque da escola situa-se num “corredor” que fica ao lado das

salas de aula. Um espaço comprido mas estreito, onde existem: um tipo de

trepa-trepa para as crianças passarem segurando-se pelos braços, quatro

balanços, um escorrego de alvenaria e uma casinha de madeira sem

condições de uso.

Figura 23: Pátio da Escola Municipal Professor Ulisses de GóesFonte: Acervo da autora

Figura 24: Pátio da Escola Municipal Professor Ulisses de GóesFonte: Acervo da autora

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Em 2008, a professora de Educação Física levou as crianças por

diversas vezes ao parque, mas o que observei é que da mesma forma que a

quadra, esse espaço é pouco utilizado pelas crianças; então, quando surge a

oportunidade eles querem usar e aí não respeitam a vez nem a vontade do

outro. Apresento algumas fotos deste espaço.

Figura 25: Parque da Escola Municipal Professor Ulisses de GóesFonte: Acervo da autora

Figura 26: Parque da Escola Municipal Professor Ulisses de GóesFonte: Acervo da autora

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Quando retornei à escola em julho/agosto 2009, fui informada da

interdição do parque, acredito que por conta das chuvas, intensas nesse

ano, aconteceu a deterioração da casinha de madeira, ameaçando desabar

e isso poderia causar acidentes. No entanto, algumas crianças ignoravam a

proibição e passavam pelas janelas das salas de aula e tinham acesso livre

ao parque. Mais uma vez uma atitude que foi imposta de cima para baixo,

na qual as crianças não foram consultadas. Entendo e concordo que a

segurança precisa estar em primeiro lugar, mas penso que havia outras

formas de administrar este problema, pois interditar o parque não resolveu

a questão mas apenas diminiu os riscos de algum acidente. Penso que

reformar esse espaço e torná-lo novamente utilizável seria importante e

necessário para as crianças.

Entendo também que a escola tenha um orçamento e que talvez

não tenham sido previstos gastos com a manutenção das instalações. No

entanto, sem acesso ao parque, o que resta para as crianças na hora do

recreio é apenas o pátio, espaço pequeno para todos os alunos que estudam

no período da manhã.

Figura 27: Parque da Escola Municipal Professor Ulisses de GóesFonte: Acervo da autora

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Além dos espaços citados e utilizados pela professora de Educação

Fìsica – quadra, pátio, sala e parque – penso que um espaço que também

poderia ser utilizado seria o refeitório. Brincar na cozinha pode ser uma

atividade prazerosa e interessante. O refeitório pode atender perfeitamente

uma turma e nele realizar-se muitas atividades relacionadas com a

Educação Física, uma vez que esse espaço apenas é utilizado para servir a

merenda.

Bem, muitas foram as situações que observei, mas uma em

especial foi inusitada. Num dia de chuva, a professora contou uma história e

em seguida solicitou aos alunos que desenhassem o que mais tinha lhes

chamado a atenção, ou aquilo que a história poderia representar para eles.

Eu estava no fundo da sala observando e vi quando o papel e o lápis de um

aluno, deixados em cima da mesa, caíram no chão; enquanto ele estava na

lixeira apontando outro lápis, uma menina, num gesto de cuidado apanhou

tudo do chão, foi lindo!

Na hora fiquei extremamente feliz com aquele gesto e me enchi de

esperança, pois o que mais ouvimos sobre a escola pública é que os alunos

não têm educação, não respeitam, enfim, atitudes que muitas vezes são

Figura 28: Refeitório da Escola Municipal Professor Ulisses de GóesFonte: Acervo da autora

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protagonizadas pelo professor, que também não demonstra educação e

respeito pelo aluno, mas exige ser bem tratado. E como diz Paulo Freire:

“Não se pode falar de educação sem amor,” porque educar é um ato de

amor, é uma troca.

O gesto da menina, que passou despercebido para muitos, revela

que as crianças são capazes de gestos surpreendentes. No entanto, tais

atitudes precisam ser valorizadas e alimentadas e são os adultos,

professores, pais etc. que têm essa tarefa, pois são eles que fornecem os

modelos.

Depois das observações da aula de Educação Física em 2008, me

recolhi para iniciar a escrever. E quando reli meu diário de campo notei que,

além das anotações da aula de Educação Física, havia também

inquietações da rotina da sala de aula, da prática das professoras das

turmas observadas em relação ao brincar.

Num primeiro momento pensei que voltar ao campo era uma

atitude sem propósito, afinal já tinha colhido material suficiente e durante

algum tempo lutei contra essa possibilidade. Mas não saí vencedora e voltei

à escola nos meses de julho e agosto de 2009, para observar a rotina das

turmas do 2º ano A e B, com as professoras de sala.

Novamente precisei convencer a diretora que, de antemão,

antecipou a resistência que eu poderia encontrar e contra a qual ela, mesmo

sendo diretora, nada poderia fazer. Ela falou com as professoras e foi

permitida a minha presença na aula. Não informei para as professoras o que

eu iria observar com exatidão. Disse apenas que elas continuassem com a

sua rotina e não se preocupassem comigo, como se isso fosse possível.

Estive primeiro no 2º ano A, e fui acolhida pelos alunos que

lembraram de mim do ano anterior, fato que me deixou feliz; afinal, tinha

planos para eles e receiava ter sido esquecida. A professora, uma senhora,

também me recebeu bem, perguntou se eu queria fazer alguma atividade

com a turma. Na verdade, ela me dava explicações o tempo todo do que

estava fazendo, como se eu fosse uma fiscal.

E por mais que eu tentasse apenas ser uma observadora, isso não

era possível; como pesquisadora/observadora, estava imbricada com o

objeto, impossível manter distância, mesmo porque sendo professora me

sentia compelida a falar, mas, na medida do possível, tentei manter a

posição de apenas observadora.

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Vários autores, como Maria da Conceição X. de Almeida, Ilya Prygogine, Edgar Morin e Humberto Maturana, advogam em favor desta questão, acreditando que o pesquisador se implica no seu objeto, bem como a sua história de vida faz parte da sua pesquisa.

Quando fui observar a rotina dentro da sala de aula, desejava saber se o brincar estava presente; de certa forma já tinha algumas respostas, mas queria as confirmações e as obtive.

A professora da turma se preocupa com os alunos, principalmente com aqueles que ainda não estão alfabetizados. Cuida da postura das crianças, chamando a atenção para sentarem de forma correta. Mas associa o silêncio e o estar sentado e de braços cruzados como as condições necessárias para se aprender, e por isso pede silêncio constantemente. Na medida do possível, ela estimula as crianças dizendo que muitos chegaram sem saber ler e que agora, meados de agosto já leem muitas coisas.

Dentre as estratégias utilizadas para que todos aprendam, a professora solicita que alguns alunos colaborem com os colegas que têm mais dificuldade, mas na verdade essa ajuda nada mais é do que fornecer a cópia da atividade. Eles ainda são pequenos para compreender que esta não é uma boa forma de ajudar.

Percebo que o brincar para a professora deve acontecer apenas na aula de Educação Física e no recreio, pois na sala de aula não se tem “clima” e nem “espaço” para isso; em outras palavras, é como se fosse uma perda de tempo.

Na turma do 2º ano B, sou recebida por uma professora mais jovem que está substituindo a professora da turma que se ausentou por problemas de saúde. Da mesma forma, sou acolhida pelos alunos e pela professora que é recém-chegada na escola e procura ainda se apropriar da rotina.

Coloco-me na minha posição de observadora e percebo coisas diferentes, como a preocupação da professora em ver se realmente cada aluno realizou a atividade, dando visto nos livros ou nos cadernos. Não exige silêncio o tempo todo, noto conversas paralelas, mas, mesmo assim, quando ela precisa que eles prestem atenção no que ela está falando isso acontece.

A professora demonstra carinho pelos alunos, principalmente por aqueles que apresentam dificuldades cognitivas e por isso se dispersam das atividades porque não conseguem fazê-las. Na maioria das vezes ela consegue trazê-los de volta e retomar.

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Nesta turma também não informei o que estava observando ou procurando, e, para minha surpresa e satisfação, num determinado momento a professora convidou os alunos para brincar de céu e mar, não sendo preciso chamar duas vezes, pois mais do que depressa já estavam todos de pé perto dela aguardando o comando. É claro que em virtude do pouco espaço, aconteceram alguns conflitos, principalmente com os meninos, mas ela conseguiu resolver, e também conseguiu finalizar a brincadeira e fazê-los voltar para a atividade que estava sendo realizada anteriormente.

Essa foi uma das situações em que o brincar foi para dentro da sala de aula, demonstrando que é possível sim e que não só as crianças ganham com isso, uma vez que ficam mais motivadas e interessadas, mas que o professor também, pois estreita os laços com os alunos, e cria vínculos e afetos, porque somos seres humanos e precisamos disso e na aprendizagem não deveria ser diferente.

Como conclusão das minhas observações nas duas turmas, percebo diferenças entre as duas práticas, sendo que uma delas se aproxima mais daquilo em que eu acredito uma sala de aula com crianças não pode ser silenciosa e arrumada o tempo todo. O barulho, a conversa, o riso, o movimento e a desorganização do espaço fazem parte deste contexto. Mas a pedagogia que vem sendo ensinada nos cursos de formação não prevê isso e acaba por sufocar ou proibir qualquer pensamento dessa natureza. O que resta aos educadores é repensar suas práticas e se colocar no lugar das crianças, quem realmente gosta de ficar várias horas sentado e em silêncio, será que uma criança gosta disso?

Outro ponto que quero aqui abordar e discutir é a prática adotada pelos professores no momento do intervalo, o tão esperado recreio. Por várias vezes observei as crianças à vontade pela escola e os professores reunidos, lanchando na sala dos professores. Pergunto, então, seria isso uma atitude correta, normal? Nos dias em que a professora de Educação Física estava na escola, então ela dirigia-se à quadra, onde promovia algumas atividades, caso não fosse um dia de chuva, pois nesse caso o espaço ficava molhado e impróprio para o uso.

Acredito que o momento do recreio seja a pausa durante as

atividades, pausa essa importante para os alunos e também para os

professores. No entanto, por que a separação: professores na sala, de portas

fechadas, e alunos soltos pela escola? Sabemos que é exatamente nessa

hora que os problemas, as brigas, as quedas acontecem e presenciei por

mais de uma vez a solicitação dos alunos no sentido de colaboração dos

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professores para a solução de algum conflito, mas a resposta não foi a que

eu esperava, ou seja, os alunos voltaram sem o apoio e os professores

continuaram na sua sala.

Em minha opinião, são essas pequenas atitudes, esses vícios

cristalizados na prática docente, que engessam, que impedem a ampliação

do olhar, a busca por novas possibilidades. Lamentavelmente, quando os

professores são questionados a respeito disso, respondem de forma ríspida,

afirmando que têm necessidade do recreio longe dos alunos, que estão

estressados etc e tal. Talvez o que eles não percebam é que terão muito mais

trabalho no retorno do intervalo, para acalmá-los e retomar as atividades,

uma vez que eles passam o maior tempo do recreio correndo pela escola.

A educação precisa de uma injeção de ânimo, banir o conformismo,

ampliar o pensamento, desbravar outros caminhos e não apenas buscar

receitas prontas, modelos a serem reproduzidos, enfim, sair da inércia.

Entendo que isso tudo dê trabalho, pois pressupõe movimento, pesquisa,

estudo e dedicação. Mas percebo também o quanto isso é importante e

necessário para que realmente se faça uma educação para o futuro, pois,

como afirmou Michel de Montaigne, há muito tempo atrás: “Melhor uma

cabeça bem feita do que uma cabeça bem cheia". (MONTAIGNE, apud

CAMBI, 1999, p. 269).

Paulo Freire escreveu o prefácio do livro Alunos Felizes (1993) de

Georges Snyders, em que ele fala de forma poética e clara do que

necessitamos para realmente incluir a alegria na escola:

[...] Um livro que ultrapassa certo ranço

tradicionalista em que a ALEGRIA se afogava

envergonhada de si mesma, contida, para não virar

pecado, que supera certo cientificismo arrogante da

modernidade e grita.

A alegria na escola, por que Georges Snyders vem

lutando, alegremente, não é só necessária, mas

possível. Necessária porque, gerando-se numa

alegria maior – a alegria de viver –, a alegria na escola

fortalece e estimula a alegria de viver.

A tristeza na escola termina por deteriorar a ALEGRIA

DE VIVER. É necessária ainda porque viver

plenamente a alegria na escola significa mudá-la,

significa lutar para incrementar, melhorar, aprofundar

a mudança. Para tentar essa reviravolta

indispensável é preciso deixar bem longe de nós a

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distorção mecanicista; é necessário encarnar um

pensar dinâmico, dialético. O tempo que levamos

dizendo que para haver alegria na escola é preciso

mudar radicalmente o mundo é o tempo que

perdemos para começar a inventar e a viver a alegria.

Além do mais, lutar pela alegria na escola é uma

forma de lutar pela mudança no mundo. E não há

esperança sem alegria. (FREIRE, 1993).

Sou uma pessoa otimista, como Edgar Morin e Claude Lévi-

Strauss; tenho esperança e realmente acredito que essas mudanças

possam acontecer. No entanto, entendo que elas levem tempo e exijam

esforços e desejo. Resgatar a importância da docência pode apontar uma

mudança de postura, uma valorização dessa profissão que é tão

importante, mas que vem sendo negociada e, na maioria das vezes,

abandonada diante das adversidades vividas no dia-a-dia.

Repensar a prática na escola, valorizando elementos que venho

discutindo neste texto, como o brincar, torna-se o caminho a ser seguido,

pois como diz Johan Huizinga, “se brincamos e jogamos, e temos

consciência disso, é porque somos mais do que simples seres racionais,

pois o jogo é irracional”. (HUIZINGA, 2004, p. 6). Desse modo, sendo um

ser racional, o homem tem condições de modificar o que está posto, de

abandonar vícios e posturas, adotando outros mais adequados e que irão

colaborar para esta mudança de pensamento e atitude.

2.3 O QUE DIZEM OS PROFESSORES SOBRE OS ESPAÇOS-TEMPOS

DO BRINCAR NA ESCOLA?

Uma vez que meu interesse era compreender a relação que os

professores estabeleciam com o brincar na sua prática diária, apliquei um 2questionário . A princípio, a intenção era entrevistar os professores,

estabelecer um diálogo, mas a dificuldade em conciliar os horários e o

pouco tempo disponível inviabilizaram esta ação; então, optei pela

aplicação de questionários que de certa forma restringem parte dos relatos

desses atores, fornecendo informações fragmentadas sobre o assunto.

Devido à necessidade de compreender algumas práticas

observadas na escola dentro e fora da sala de aula, que geravam, no meu

ponto de vista, discordância, deflagrando novos questionamentos e novas

inquietações, utilizei este instrumento, sobre o qual farei uma análise

sociológica. Este questionário foi composto pelas seguintes perguntas:

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Os professores foram convidados a responder ao questionário.

Numa primeira tentativa, a professora de Educação Física foi a porta-voz

deste convite. Os questionários foram disponibilizados e apenas 06

questionários retornaram respondidos – um número pequeno para o

universo de professores da escola, 26 no total. Diante disso, conversei com

uma das coordenadoras, que se encarregou de solicitar o preenchimento

dos mesmos aos professores.

Foram disponibilizados entre 20 e 30 questionários, sendo

preenchidos 16 pelos professores. Informo que nem todas as perguntas ou

informações foram contempladas. A seguir, apresento alguns dados dos

professores que responderam aos questionários.

01 Qual o seu entendimento sobre o brincar?

02 Na sua prática pedagógica existe espaço para o brincar? Por quê?

03 Você acredita que há alguma relação entre o brincar e o fracasso

escolar? Por quê?

04 Você percebe o brincar como um dos aspectos norteadores na busca

por uma aprendizagem significativa, bem como faz uso dele (o brincar)

na sua prática diária? Como? Descreva:

Além das perguntas, foram solicitadas também algumas informações:

• Idade;

• Tipo de Formação;

• Tempo de Formação;

• Faixa etária com a qual trabalha.

Quadro 1: Questionário aplicado aos professores

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A tabela aponta a diversidade de idades, tipo de formação e tempo de

atuação de cada professor, possibilitando dessa forma diferentes interpretações

sobre os espaços-tempos do brincar na escola. A média da idade desses

professores é 42 anos e a do tempo de formação é 13 anos; 50% do grupo é

pedagogo; alguns professores possuem especialização e pós-graduação.

Elaboração própria com base nos questionários respondidos por 16 professores em 2008 e 2009.

Idade (anos)

30

31

32

38

41

42

51

52

54

58

Sem Informação

Tempo de formação (anos)

02

03

04

07

08

13

26

27

32

Sem informação

Tipo Formação

Pedagogia

Estudos Sociais/História/Ciencias da Religião

Letras ou Normal Superior

Pós-graduação

Educação Física

Percentagem (%)

13%

06%

06%

13%

06%

06%

06%

06%

06%

13%

19%

Percentagem (%)

06%

06%

32%

06%

06%

06%

07%

06%

06%

19%

Percentagem (%)

50%

19%

13%

13%

05%

Tabela 2: Distribuição dos professores, por idade, tempo e tipo de formação da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes, Natal/RN, 2008/2009.

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Cabe salientar que as respostas dos professores foram transcritas da maneira que foram registradas, não sofrendo nenhum tipo de correção ou modificação. Resolvi apenas omitir os nomes, identificando os professores por letras, pois acredito que essa seja uma maneira de analisar as respostas, mas ao mesmo tempo não gerar nenhum tipo de embaraço ou constrangimento. Apresento um quadro com a formação de cada professor, como forma de situar o leitor nas tabelas posteriores.

Optei pela produção de uma tabela por pergunta aplicada, a qual contém as respostas de todos os professores. Em seguida, faço uma análise de cada bloco de respostas e, ao final, uma análise geral do questionário.

PROFESSORES TIPO DE FORMAÇÃO

Quadro 2: Informações sobre a formação dos professores que responderam o questionário

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PEDAGOGAPSCICOMOTRICISTA

PEDAGOGA, ESPECIALISTA EM ENSINO E APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA

EDUCAÇÃO FÍSICAPSICOPEDAGOGIA

PEDAGOGA

LICENCIATURA ESTUDOS SOCIAIS E HISTÓRIA

PEDAGOGA

PEDAGOGA

GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO E APRENDIZADO DE LÍNGUA PORTUGUESA

LETRAS

PEDAGOGIA, ESPECIALIZAÇÃO LINGUAGENSE EDUCAÇÃO

GRADUAÇÃO E ESPECIALIZAÇÃO EM CIÊNCIASDA RELIGIÃO

PEDAGOGA

PEDAGOGA

PÓS-GRADUAÇÃO

NORMAL SUPERIOR

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O brincar faz parte da rotina da criança. É a realização prazerosa da infância

Brincar são atividades prazerosas, realizadas com disciplina.

O brincar faz parte da formação do ser e do caráter da criança. Através do brincar a criança desenvolve a socialização, as relações interpessoais e intrapessoal, limites, o estabelecimento de regras e as valências psicomotoras. O brincar é uma das ferramentas na aprendizagem.

O brincar é muito importante no processo de desenvolvimento da criança, estimula o cognitivo da criança além de trabalhar o corpo e suas limitações

Brincar faz parte do processo de desenvolvimento infantil e depende da vida futura, em termos de personalidade e por assim dizer, a formação do caráter do adulto.

O brincar se faz necessário na formação da criança pois é através dela que se desenvolve a capacidade de se adaptar e também de formular regras para cada tipo de brincadeira, dando limites para cada situação. Melhora também a coordenação motora fina e ampla e auxilia a criança no seu convívio social.

O brincar é o momento lúdico da vida da criança, para elas é o momento de prazer, de alegria e de extrema necessidade.

É o fazer lúdico, relaxar, ser criança não tem que ser racional, é proporcionar à criança se divertir e ser feliz.

Ao meu entendimento o brincar é tão importante para a criança como trabalhar é para o adulto. É o que o torna ativa, criativa e lhe dá oportunidade de relacionar-se com os outros; também o faz feliz e, por isso, mais propensa a ser bondosa, a amar o próximo, a ser solidária.

É importante porque através do brincar a criança desenvolve o raciocínio.

Brincar é uma atividade natural e prazerosa que todo ser humano pode realizar, independente da idade. Quando brincamos desenvolvemos todas as nossas potencialidades: o físico, a mente, as emoções e as relações sociais.

É uma forma lúdica de entender as pessoas e o mundo em que vivemos.

É o momento de se expressar das mais variadas formas através da música, jogos, desenhos. Um momento onde se pode aprender brincando.

A brincadeira é muito importante para o desenvolvimento da criança em sala de aula, é através do brincar que as crianças despertam suas curiosidades para sua vida cotidiana.

Brincar - divertir-se, distrair-se, dizer algo engraçado. Propiciar o conhecimento e a construção de jogos que envolvem a matemática nas atividades lúdicas infantis, bem como, aprendizagens corporais, pessoais e sociais.

O brincar é fator de suma relevância para proporcionar o processo ensino-aprendizagem de nossas crianças.

PROFESSORESPERGUNTA:01. Qual o seu entendimento sobre o brincar?

Quadro 3: Respostas dos professores da Escola Municipal Ulisses de Góes, Nova Descoberta, Natal/RN, à questão número 01, 2008 e 2009.

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Na primeira questão indaguei sobre o entendimento que cada professor teria sobre o brincar e as respostas apontam para um consenso em afirmar que o brincar: “faz parte da rotina da criança”; “desenvolve a socialização, as relações interpessoais e intrapessoal, limites, o estabelecimento de regras, e as valências psicomotoras”; “é uma das ferramentas na aprendizagem”; “trabalha o corpo e suas limitações”; “são atividades prazerosas, realizadas com disciplina”; “contribui para a formação da criança, desenvolve a capacidade de se adaptar, formular regras”; “melhora a coordenação motora fina e ampla”; “é o momento lúdico, de prazer, de alegria, de extrema necessidade”; “o brincar é tão importante para a criança como trabalhar é para o adulto, lhe dá oportunidade de relacionar-se com os outros”; “através do brincar a criança desenvolve o raciocínio; é uma atividade natural e prazerosa que todo ser humano pode realizar, independente da idade”; “é o momento de se expressar das mais variadas formas através da música, jogos, desenhos”; “a brincadeira é muito importante para o desenvolvimento da criança em sala de aula”; “é propiciar o conhecimento e a construção de jogos que envolvem a matemática nas atividades lúdicas infantis, aprendizagens corporais, pessoais e sociais”; “é fator de suma relevância para proporcionar o processo ensino-aprendizagem de nossas crianças”.

Diante das respostas dos professores, percebo que todos – do seu jeito e maneira – reconhecem a importância e necessidade do brincar no desenvolvimento da criança, porém na prática diária ainda não existe espaço para o brincar. Chama-me a atenção a associação do brincar à disciplina; acredito que, neste caso, a falta de disciplina seria o excesso de barulho, a necessidade de movimento, enfim, aspectos inerentes ao brincar, ao lúdico, à infância. Então, a ausência do brincar na escola talvez provoque rupturas nos processos de sociabilidade das crianças, conforme Wajskop:

A brincadeira é um fato social, espaço privilegiado de interação infantil e de constituição do sujeito-criança como sujeito humano, produto e produtor de história e cultura. (WAJSKOP, 2007, p. 28).

A relevância das brincadeiras para a construção do “sujeito-criança como sujeito humano” pode ser confirmada em narrativas autobiográficas e memórias de grandes autores, como Pedro Nava, Graciliano Ramos, Italo Calvino e outros famosos. Dentre estes, destaco Graciliano Ramos, autor com o qual estive envolvida nos últimos tempos em uma pesquisa sobre os itinerários sociais e a singularidade da formação socioeducativa e cultural.

Graciliano Ramos, autor brasileiro renomado e com inúmeras obras, viveu uma infância seca, árida, em todos os sentidos, não apenas nos

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aspectos materiais, mas também nos afetos e relacionamentos permeados pela ausência de carinho. Tais fatos estão presentes em suas obras e principalmente no livro autobiográfico Infância (1977), no qual ele descreve de forma áspera e seca – uma das suas marcas – a sua infância, a escola, a relação com os pais, com os amigos e professores.

Seria possível imaginar que uma pessoa que até os 09 anos de idade não tinha sido alfabetizado se tornaria um grande escritor? Talvez as evidências e condições presentes na sua infância apontassem outros caminhos, diferentes dos que foram trilhados por Graciliano Ramos. Isto me faz acreditar que mesmo diante de situações adversas é possível superação, modificação, desde que se tenha desejo.

Estabelecendo um paralelo com o pensamento dos professores sobre o brincar, observo uma compreensão ampla, um reconhecimento da necessidade do brincar na infância. Porém, ainda faltam elementos para tornar o brincar um norteador da prática desse grupo, senão de uma maneira geral, mas pelo menos em alguns momentos específicos. Talvez esse fato esteja ligado à crença de que na escola é necessário assegurar espaço para os conteúdos sérios, e, dessa forma, o brincar perde espaço e é colocado em segundo plano.

Penso também que a prática desses professores pode ser modificada, uma prática muitas vezes engessada em decorrência das exigências da sociedade, mas ler suas respostas falando positivamente sobre o brincar já sinaliza a sensibilidade desse grupo, fato que me deixa esperançosa.

A

B

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Sim, porque é no brincar espontâneo que conseguimos detectar a realidade de cada criança e fazemos o brincar direcionado para desenvolver o cognitivo de uma forma lúdica, desenvolvendo também suas habilidades.

Sim, desde que em sala de aula diminua o número de carteiras para o espaço ficar mais amplo e fora da sala de aula, dentro das limitações, podemos realizar algumas atividades com brincadeiras direcionadas.

Sim. Pois trabalho diretamente com essa ferramenta na aprendizagem.

Sim. Como citado acima o brincar é fundamental para que o próprio aluno se reconheça e perceba-se no espaço físico que ocupa.

Acho que o referido espaço se acha contemplado nas atividades praticadas e desenvolvidas pelos profissionais da área, que, por sinal, a meu ver desempenha satisfatoriamente.

PROFESSORESPERGUNTA:02. Na sua prática pedagógica existe espaço para o brincar? Por quê?

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Na segunda pergunta questiono sobre a existência de espaço para o brincar na prática dos professores, dos quais 80% responderam SIM e apenas 20% (dois casos) apontaram haver disciplinas específicas para o brincar, talvez referindo-se às aulas de Educação Física. Encontrei diferenças nas justificativas, as quais apresento a seguir: “é no brincar espontâneo que conseguimos detectar a realidade de cada criança”; “desde que a sala de aula diminua o número de carteiras para o espaço ficar mais amplo”; “o brincar é fundamental para que o aluno se reconheça e perceba-se no espaço físico que ocupa”; “acho que o referido espaço, se acha contemplado nas atividades praticadas e desenvolvidas

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Sim, semanalmente temos o momento dos jogos educativos disponibilizados pela escola e dos brinquedos trazidos de casa por causa da sua grande importância na formação pessoal e até social da criança.

Sim, porque toda criança precisa viver a sua infância, é uma necessidade do organismo.

Nem sempre, porque existe na escola disciplinas que oportunizam estes momentos, porém no decorrer das aulas quando eles se mostram cansados de alguma atividade, brincamos um momento com o objetivo de relaxar.

Sim, porque é através da brincadeira que a criança desenvolve potencialidades, ela compara, analisa, nomeia, mede, associa, calcula, classifica, compõe, conceitua, cria, deduz etc. Sua racionalidade se desenvolve, ela faz amigos, aprende a compartilhar e a respeitar o direito dos outros e as normas estabelecidas pelo grupo, e a envolver-se nas atividades apenas pelo prazer de participar, sem virar recompensas, nem temer castigos. Brincando, a criança estará buscando sentido para sua vida, sua saúde física, emocional e intelectual.

Sim, através do brincar a criança aprende melhor se divertindo, socializa e proporciona o prazer à criança.

Sim. Pois trabalho com crianças com total potencial e necessidades de explorar e descobrir o mundo que vive, suas fantasias e sonhos. E o brincar potencializa isso acontecer.

Nas minhas aulas busco sempre fazer do brincar a arte de entender e compreender as atividades.

Sim. Pois na medida em que se brinca, também há aprendizado.

Sim, porque a brincadeira faz parte de sua vida infantil, principalmente no brincar-aprender-construir.

De acordo com as possibilidades que diante a realidade existe. Porque o brincar é a hora do prazer, descontração, alegria, estes momentos não podem faltar em sala de aula.

Na minha prática, e considerando vários fatores, eu procuro desenvolver atividades lúdicas em minhas aulas.

PROFESSORESPERGUNTA:02. Na sua prática pedagógica existe espaço para o brincar? Por quê?

Quadro 4: Respostas dos professores da Escola Municipal Ulisses de Góes, Nova Descoberta, Natal/RN, à questão número 02, 2009.

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pelos profissionais da área, que, por sinal, a meu ver desempenham satisfatoriamente”; “semanalmente temos o momento dos jogos educativos, com material disponibilizado pela escola ou trazido de casa; toda criança precisa viver sua infância, é uma necessidade do organismo”; “existem disciplinas que oportunizam esses momentos”; “é através da brincadeira que a criança desenvolve potencialidades”; “através do brincar a criança aprende melhor se divertindo, socializa e proporciona o prazer à criança”; “na medida em que se brinca, também há aprendizado”; “considerando vários fatores eu procuro desenvolver atividades lúdicas em minhas aulas”.

Observo que, embora as respostas sejam positivas, existe a ausência de elementos que consolidem as respostas, justificando-as de verdade e fato. Talvez seja necessário “superar a dicotomia entre socialização/escolarização e brinquedo/trabalho” (WAJSKOP, 2007, p. 26), apresentada nas respostas dos professores.

E superar esta dicotomia não é uma tarefa fácil, pois demanda esforços e empenho no sentido de compreender o que realmente significa brincar para uma criança. Trata-se de uma atividade que vai além do simples prazer, mas que contribui para a sua constituição enquanto ser humano, pois é através do brincar que a criança se apropria do mundo que a cerca.

Neste sentido, Vygotsky e outros autores advogam em defesa do brincar, enxergando nele e talvez somente nele as condições favoráveis para um desenvolvimento adequado e sadio. Vygotsky afirma que

se ignoramos as necessidades da criança e os incentivos que são eficazes para colocá-la em ação, nunca seremos capazes de entender seu avanço de um estágio do desenvolvimento para outro, porque todo avanço está conectado com uma mudança acentuada nas motivações, tendências e incentivos. (VYGOTSKY, 1989, p. 105).

É fácil perceber tais mudanças, principalmente quando se fala do brincar. As crianças desde o nascimento brincam com o próprio corpo, numa exploração diária e contínua. Com o passar do tempo, adquirem habilidades para segurar/manipular brinquedos; com o crescimento, novas e diferentes formas de brincar vão sendo aprendidas e num constante processo de evolução vão cedendo espaço para outras brincadeiras.

Por isso, perceber que os professores compreendem a importância do brincar sinaliza algo positivo, mas ainda falta oferecer condições que possibilitem que eles incluam o brincar na sua rotina diária, como algo importante e de valor, e não apenas como um passatempo. Talvez isso constitua uma lacuna na formação desses professores, pois, com a

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especialização, se privilegia a parte em detrimento do todo, e são deixados de lado aspectos importantes e necessários.

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Depende do nível no qual a turma se encontra. Se tiver alguma criança que não acompanha o nível da turma é natural que o mesmo queira chamar atenção com brincadeiras fora de cogitação tentando desviar a atenção do grande grupo.

Não. O brincar ajuda, mas sem o brincar há a possibilidade do aluno aprender e ter bons rendimentos.

Sem resposta.

Sim, hoje em dia exige-se demais da criança, já querem que a criança aprenda logo a ler e a escrever, isto faz com que as crianças vão perdendo o estímulo pela escola. É importante que se ensine a ler e escrever, porém não deve deixar de lado o brincar, que é necessário na vida de uma criança.

Não.

Pode-se afirmar que a escola seja um ambiente, ou lugar de tomadas de decisões. Decisões que muitas vezes são levadas para o resto de uma vida. São das relações humanas e de suas decisões que surgem o êxito ou fracasso escolar, as dificuldades e as barreiras a serem vencidos durante todo o processo de ensino. No que diz respeito ao trabalho que envolva brincadeiras, os educadores têm que ter a ciência da importância da mesma, pois, muitas vezes, têm dificuldade em desenvolver uma metodologia lúdica no contexto escolar levando o mesmo ao fracasso.

Depende de como é trabalhada essa brincadeira, se tiver envolvido com conteúdo ela será produtiva na aprendizagem.

Ao considerarmos o brincar uma atividade prazerosa e a criança não encontra na escola espaço para aprender e brincar, acredito que a aprendizagem cognitiva fica prejudicada e acontecerá por razões às vezes não detectadas, o fracasso escolar. A atenção aos espaços da escola para as crianças brincarem, é de fundamental importância.

Não, pois o brincar é transferir, construir conhecimento.

Sim. Se acreditamos que o brincar em nossa metodologia proporciona uma aprendizagem significativa e não utilizamos essa prática no nosso dia-a-dia, consequentemente o rendimento escolar não será favorável, possibilitando um fracasso escolar.

Depende, se for uma brincadeira que faz parte dos conteúdos trabalhados em sala de aula, ela será muito proveitosa para o desenvolvimento e aprendizagem da criança.

Tem que saber dividir os dois momentos. Para que a criança não atrapalhe querendo brincar no momento que o professor está dando conteúdo. Ele tem que ter a consciência e suas limitações.

Acredito que sim, pois o professor ou a professora que se apropria do brincar pode conseguir resultados excelentes no processo de aprendizagem.

PROFESSORESPERGUNTA:03. Você acredita que exista alguma relação entre o brincare o fracasso escolar? Por quê?

Quadro 5: Respostas dos professores da Escola Municipal Ulisses de Góes, Nova Descoberta, Natal/RN, à questão número 03, 2009.

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A próxima questão solicitou aos professores um posicionamento sobre a relação entre o brincar e o fracasso escolar; apareceram algumas divergências, que merecem ser discutidas. Retratarei esse cenário, em primeiro lugar, por meio de percentagem. Em números relativos, 19% dos professores responderam SIM à questão; 19% responderam NÃO; 25% não responderam; e 38% responderam DEPENDE, informando um motivo e/ou problema para a questão.

Novamente uma pluralidade de posicionamentos, o que enriquece e amplia a discussão. Compreendo que os professores atribuam ao brincar o caráter de uma atividade realizada quando todas as demais já tenham sido terminadas. “A brincadeira é o resultado de relações interindividuais, portanto, de cultura. A brincadeira pressupõe uma aprendizagem social. Aprende-se a brincar”. (BROUGÈRE, apud WAJSKOP, 2007, p. 29).

O fracasso escolar é um assunto que assombra a escola e os seus envolvidos – alunos, professores, direção e pais –, por isso, muitas vezes é pouco discutido, pois uma vez aberta a discussão será necessário encontrar os responsáveis e neste aspecto, muitas vezes a escola empurra a culpa para a família que também faz o mesmo.

Acredito que mais importante do que encontrar os culpados, entendo que todos os envolvidos tenham sua parcela de culpa, em maior ou menor escala, sendo mais importante encontrar estratégias para lidar com este fato. Por isso, é mais prudente discutir o assunto para encontrar soluções, acreditando que o fracasso escolar seja algo possível de se diminuir ou, quem sabe, se erradicar no futuro.

Segundo Patto, “o fracasso escolar é um processo psicossocial complexo.” (1993, p. 03). Ao longo da história da educação, no Brasil, vários foram os esforços para realmente oferecer uma educação de qualidade a toda a população, diminuindo a evasão escolar, investindo na formação de professores, buscando encontrar soluções para o fracasso escolar.

É fato, no entanto, que mesmo diante disto ainda temos um significativo número de crianças, em fase escolar, fora da escola, sem falar nos que acometidos pela repetência e permanência nas séries iniciais do ensino fundamental abandonam a escola, pois não vislumbram, neste ambiente, condições de crescimento; pelo contrário, vivenciam a discriminação e a exclusão.

A educação escolar tem uma fundamental missão: a ilustração do provo, a instrução pública universal, obrigatória, a alfabetização como instrumento-mãe

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que atingirá o resultado procurado. A escola universal, obrigatória, comum – e, para muitos, leiga – será também o meio de obter a grande unidade nacional, será o cadinho onde se fundirão as diferenças de credo e de raça, de classes e de origem. (ZANOTTI, apud PATTO, 1993, p. 22).

Parece-me que a escola ainda não descobriu espaços para aprendizagem e que um dos professores confunde o brincar, uma vez que afirma que o brincar aparece como “brincadeiras para desviar a atenção do grande grupo”. Nesta perspectiva, observo a falta de apropriação do tema e de tudo que ele envolve, não atribuindo ao brincar o seu verdadeiro valor. Em virtude disso, talvez, que as brincadeiras ainda sejam vistas pelos professores como perda de tempo diminuindo sua importância e consequentemente seu espaço na rotina escolar.

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Procuro sempre realizar brincadeiras direcionadas aos assuntos abordados. Por exemplo:

- Para trabalhar noção espacial, primeiro brinco de morto e vivo trabalhando esquerda e direita, em cima, baixo, alto etc.

- Ritmo, agilidade, perdas e ganhos com a brincadeira da dança das cadeiras, entre outras.

Percebi o brincar como um dos aspectos norteadores, mas nem sempre conduzo minha aula partindo do brincar. Faço isso quando há "clima" para se fazer. O aluno não deixa de participar de aula partindo do brincar. Ele tem outras disciplinas que colaboram com esse fator.

Sim. Através das atividades propostas nas aulas de Ed. Física buscamos trabalhar a interdisciplinaridade com os professores da sala de aula entendendo que no brincar a criança assimila de forma prática a teoria ensinada. Além disso, o imaginário da criança é aguçado para que a construção da aprendizagem seja mais efetiva.

Sim. Para que o aluno aprenda que cooperar é preciso e essencial, que todos nós precisamos uns dos outros, aprenda que perder e ganhar faz parte da vida e é inevitável que respeitar o próximo faz parte da boa educação e de princípios, que é possível brincar sem agressões apenas usando a inteligência e que leve para o seu cotidiano toda essa prática escolar.

O brincar na verdade, é um dos aspectos norteadores da aprendizagem. No entanto, só existe superação para aqueles que querem se modificar e atingir um objetivo para a vida futura. Estou falando assim porque aqueles alunos que possuem variados e profundos problemas disciplinares, bem como também questões familiares, não se concentram e usufruem da atividade citada.

PROFESSORES

PERGUNTA:04. Você percebe o brincar como um dos aspectos norteadores na busca por uma aprendizagem significativa, bem como faz uso dele (o brincar) na sua prática diária? Como? Descreva:

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Sim, porque através da brincadeira se pode impor limites através das regras de cada uma delas. Por exemplo, na brincadeira da cadeira coloca-se cadeiras em círculos e explica-se aos alunos que nesta brincadeira é preciso andar ao redor sem correr, sem segurar nas cadeiras e que é preciso sentar quando acabar a música e que será o vencedor o último que ficar sentado. A cada rodada sai o aluno que ficou em pé e retira-se uma cadeira. Mostrando assim a forma com que todos devem agir e deixando claro que a brincadeira não dará certo.

Sim, pois a criança precisa se sentir bem na escola, ela precisa sentir prazer nas atividades. E através do brincar ela também pode aprender. EX: através do brincar ela pode aprender formas, cores, regras (jogo). Na sala temos jogos de encaixe, blocos lógicos, tem o brincar de carro, de boneca, nisto podemos observar e intervir, quando necessário, em relação aos comportamentos sociais.

Sim, porém não faço uso dele na minha prática diária pelas razões expostas no item 2. Porém acredito que quando algum conteúdo se torna complicado para o entendimento das crianças, voltar com ele em forma de brincadeira é uma ideia muito boa. Porém não é minha prática.

Eu gosto de trabalhar com brincadeiras de uma certa maneira que desperte na criança um espaço de investigação e construção de conhecimentos sobre si mesma e sobre o mundo. Todos as nossas brincadeiras exercitam muito a sua imaginação, permitindo que as crianças relacionem seus interesses e suas necessidades com a realidade de um mundo que pouco conhecem.

Sim, porque desenvolve a criatividade da criança e ainda sendo um excelente recurso didático indicado para subsidiar a prática pedagógica dos educadores.

Brincar não é um conteúdo a ser selecionado, e sim direito de todos, em especial, das crianças.

É através do brincar que o indivíduo constrói seus laços e significados para se tornar cidadão no mundo.

Sim, utilizo a prática do brincar diariamente, pois entendo que o brincar abrange diversos segmentos como jogos, pintura, desenhos, músicas diversas, filme e outros. Desse modo, utilizo a prática do brincar diariamente como forma de expressão do pensamento, como forma de reflexão, através das artes, utilização do raciocínio, desenvolvimento da percepção visual, memorização, através de atividades como: caça-palavras, bingo, pintura de desenhos, palavras cruzadas, jogo dos 07 erros e outros.

Sim, Vigotsky enfatiza a brincadeira no desenvolvimento e aprendizagem da criança em sala de aula, onde é através da brincadeira que a criança vai descobrindo seu mundo ao redor.

Na minha prática diária - Atividades explorando o esquema corporal, noções de espaço e lateralidade. Entender o processo de construção do conhecimento corporal, matemático e social como produção humana. Valorizando a utilização do jogo e da brincadeira na construção dessas aprendizagens como, por exemplo, brincadeiras com bola, brincadeiras de roda, boliche, amarelinha, etc. O lúdico, o jogo e a brincadeira na formação das crianças e nas aprendizagens sociais, corporais e matemáticos, fazendo parte do nosso cotidiano.

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A última questão solicitou aos professores informarem se o brincar constitui um dos aspectos norteadores na busca por uma aprendizagem significativa e se o brincar é utilizado na sua prática diária. Mais uma vez as respostas são positivas, mas não apontam justificativas concretas e, portanto, analisarei as respostas uma a uma.

Um dos professores responde: “Procuro sempre realizar brincadeiras direcionadas aos assuntos abordados, como noção espacial, ritmo, agilidade, perdas e ganhos”. Este professor demonstra conhecer habilidades e/ou qualidades motoras que podem ser desenvolvidas e/ou aprimoradas a partir da brincadeira, bem como questões envolvidas no jogo e na brincadeira que oportunizam aos alunos a experiência de ganhar ou perder.

Outra resposta diz: “Nem sempre conduzo minha aula partindo do brincar, faço isso quando há 'clima' para se fazer”. Este professor afirma que é necessário ter “clima” para que o brincar seja realizado; talvez o que ele quis dizer é que, para o brincar acontecer, outros fatores precisam contribuir. Como ele não detalha esses elementos, é possível se pensar que o brincar seja talvez utilizado como uma forma de recompensa ou punição. Neste sentido, Vygotsky afirma:

O prêmio e o castigo são um recurso totalmente inadmissível na escola, do ponto de vista psicológico. [...] eles são prejudiciais pelo fato de serem inúteis, isto é, impotentes para provocar o tipo de atividade que necessitamos, pois introduzem um interesse incomensuravelmente mais poderoso, que faz com que o comportamento da criança coincida com o que desejamos; interiormente, porém a criança não muda. (VYGOTSKY, 2003, p. 101-102).

Assim, não seria adequado associar o brincar a algum tipo de premiação ou algo do gênero; o que seria necessário compreender é a necessidade de sua presença na rotina escolar, como aspecto norteador.

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Sim, claro que considero, e como já explicitei acima, na medida do possível, procuro principalmente ao introduzir um conteúdo específico, apropriar-me de estratégias e metodologias lúdicas. Como, por exemplo, ao trabalhar em matemática, a operação de adição, uso a brincadeira de pular corda ou boliche, onde por vez, o aluno conta os pulas ou conta e registra os pinos do boliche que foram derrubados e o valor de cada pino. Assim ao final crio situações envolvendo situações.

Quadro 6: Respostas dos professores da Escola Municipal Ulisses de Góes, Nova Descoberta, Natal/RN, à questão número 04, 2009.

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“Através das atividades propostas nas aulas de Educação Física buscamos trabalhar a interdisciplinaridade com os professores da sala de aula”, esta é a resposta da professora de Educação Física, que vislumbra no brincar a possibilidade de trabalhar de forma integrada com os professores da sala. O que se observa mais uma vez é a dicotomia, ou seja, na sala, são ensinados os conteúdos sérios, e na aula de Educação Física, os outros conteúdos que não são tão sérios. No entanto, esquece-se de que, tanto na sala como na quadra os alunos são os mesmos e por isso os professores são responsáveis pela formação dessas crianças nos diferentes momentos da sua rotina escolar.

Talvez o que falte a esses professores seja a compreensão do significado da palavra transdisciplinaridade, e, para tanto, recorro a Edgar Morin, para clarear as ideias. Para Morin, “o desenvolvimento da ciência ocidental desde o século XVII não foi apenas um desenvolvimento disciplinar, mas também um desenvolvimento transdisciplinar.” (MORIN, 2002b, p. 50).

Morin acredita que mais importante que reformar a educação, seja necessário reformar o pensamento dos educadores. Pensar de maneira complexa, evitar a fragmentação, enxergar na transdisciplinaridade o que perpassa por diversas disciplinas e que tem em comum a formação global de um ser, o aluno.

Esta nova postura exige esforços dos professores, mas não é impossível alcançá-la, pois, uma vez que “a ciência nunca teria sido ciência se não tivesse sido transdisciplinar” (MORIN, 2002b, p.50), então talvez a educação não alcance seus objetivos se não for transdisciplinar.

A próxima resposta diz: “Para que o aluno aprenda que cooperar é preciso e essencial, que todos nós precisamos uns dos outros, aprenda que perder e ganhar faz parte da vida e é inevitável, e respeitar o próximo faz parte da boa educação”. Este professor associa valores importantes a serem desenvolvidos e internalizados diariamente com as crianças, e também sinaliza a importância da cooperação. Todas essas características estão presentes no brincar e por isso, reforçam sua necessidade e importância no desenvolvimento das crianças nas mais diferentes fases de sua vida.

Celestin Freinet enxergava na cooperação e no trabalho os pilares da educação. Para ele, era importante que a criança tivesse aplicação prática para tudo que lhe era ensinado na escola. O professor que reconhece na cooperação uma questão fundamental na sua prática abre espaço para a discussão e aplicação de outros valores envolvidos, valores esses que precisam ser exercitados diariamente, para que os alunos possam construir uma postura ética diante da vida.

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“O brincar é um dos aspectos norteadores da aprendizagem, só existe superação para aqueles que querem se modificar e atingir um objetivo na vida futura”. Esta é mais uma resposta, na qual observo uma confusão entre o brincar que acontece no presente e não se preocupa em projetar o futuro para as crianças, e possíveis posturas inadequadas que precisam ser superadas/modificadas para alicerçarem novas aprendizagens e conquistas. E para reiterar meu pensamento, busco apoio em Maturana que afirma:

Brincar é atentar para o presente. Uma criança que brinca está envolvida no que faz enquanto o faz. Se brinca de médico, é médico; se brinca de montar num cavalo, é isso que ela faz. O brincar não tem nada a ver com o futuro. Brincar não é uma preparação para nada, é fazer o que se faz em total aceitação, sem considerações que neguem sua legitimidade. (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 230-231).

O brincar acontece no presente, de forma espontânea, e se desfaz, para, no momento seguinte, se iniciar novamente, sem a preocupação ou necessidade de informar que a brincadeira terminou e outra irá começar; simplesmente acontece, sem hora marcada.

Outra resposta afirma: “Porque através da brincadeira se pode impor limites através das regras de cada uma delas”. O pensamento deste professor vincula a brincadeira às regras e ao limite, e dessa forma restringe o campo de atuação do brincar que é muito mais amplo. É claro que é possível apresentar para as crianças regras e limites utilizando a brincadeira, mas não apenas isso, porque o ato de brincar é mais complexo, repleto de significado e importância para a criança, porque “chamamos de brincadeira qualquer atividade humana praticada em inocência [...] vivida sem propósitos ulteriores e sem outra intenção além de sua própria prática” (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 231). É importante ampliar o olhar e vislumbrar outras possibilidades e contribuições implícitas no brincar.

Na continuidade das repostas, transcrevo mais uma: “A criança precisa se sentir bem na escola, ela precisa sentir prazer nas atividades. E através do brincar ela também pode aprender”. Este professor aponta outra visão para o brincar, enfatizando a necessidade de a criança sentir prazer nas atividades; talvez isso devesse ser o maior propósito, mas a realidade aponta para outros caminhos mais áridos e inóspitos, onde a criança é pouco ouvida e atendida e predominam os interesses e valores dos adultos que diferem dos das crianças. Acredito que sem desejo não exista aprendizagem, e por isso é importante que a criança sinta-se parte do espaço escolar, e que seus interesses sejam considerados, para que, dessa maneira, ela sinta satisfação na realização das atividades na escola.

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Outro professor informa: “Não faço uso do brincar na minha prática, existem disciplinas para isso, porém acredito que quando algum conteúdo se torna complicado para o entendimento das crianças, voltar com ele em forma de brincadeira é uma ideia muito boa, porém não é minha prática”. Em se falando de educação e prática diária, alguns professores demonstram mais domínio sobre uma estratégia do que outra, ou mesmo conhecem a existência de novas possibilidades, mas não se sentem suficientemente seguros para colocar em prática. A resposta do professor o coloca na situação ambígua; não obstante considera que o brincar pode auxiliar a aprendizagem de certos conteúdos, ele não se sente à vontade para utilizá-lo, bem como afirma que existem disciplinas para isso. Mais uma vez um pensamento fragmentado, dicotômico que separa e talvez, quem sabe, hierarquiza as disciplinas no contexto escolar. Mais uma vez se esquece que o aluno é o mesmo na sala de aula e nos espaços da escola.

As duas próximas respostas apresentam semelhanças: “Eu gosto de trabalhar com brincadeiras de uma certa maneira que desperte na criança um espaço de investigação e construção de conhecimentos sobre si mesma e sobre o mundo”. “Porque desenvolve a criatividade da criança e ainda sendo um excelente recurso didático indicado para subsidiar a prática pedagógica dos educadores”. Os professores vislumbram no brincar uma ferramenta para viabilizar a aprendizagem das crianças. Dessa forma, acredito que ambos desconheçam as qualidades e importância do brincar no desenvolvimento das crianças, fato esse revelado nas suas respostas.

“Brincar não é um conteúdo a ser selecionado, e sim direito de todos, em especial das crianças”. A resposta deste professor sinaliza que esse profissional reconhece o brincar não como um conteúdo, mas como um direito das crianças, não apenas na casa ou na rua, mas também na escola, espaço no qual a criança passa grande parte do seu dia; então, nada mais justo que exista espaços-tempos para o brincar na rotina diária da escola.

Outro professor afirma: “É através do brincar que o indivíduo constrói seus laços e significados para se tornar cidadão do mundo”. É através do brincar que a criança se apropria do mundo, das relações sociais, por isso sua presença precisa ser assegurada na infância.

“Utilizo a prática do brincar diariamente, pois entendo que o brincar abrange diversos segmentos como jogos, pintura, desenhos, músicas, filmes e outros”. A resposta deste professor aponta para um conhecimento da necessidade do brincar na rotina diária das crianças, sinalizando as diversas aprendizagens que derivam da sua utilização e emprego.

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Outra resposta afirma: “Ao introduzir um conteúdo específico, aproprio-me de estratégias lúdicas”. Este professor utiliza o brincar como uma ferramenta de aprendizagem, mais especificamente refere-se ao lúdico. A criança desde o nascimento vai desenvolvendo a capacidade de simbolizar e, através do lúdico, das brincadeiras de faz-de-conta, consegue exercitar essa capacidade/habilidade, pois ela realmente precisa ser exercitada, pois de outra forma essa capacidade/habilidade não se desenvolve, o que trará prejuízos para o desenvolvimento da criatividade, do pensamento, da autonomia da criança.

A despeito de as respostas serem positivas, elas não apontam de forma concreta o espaço e tempo que o brincar ocupa na prática diária dos professores, constituindo-se assim um norteador da aprendizagem. E como afirma Wajskop: “a brincadeira é uma forma de atividade social infantil cuja característica imaginativa e diversa do significado cotidiano da vida fornece uma ocasião educativa única para as crianças”. (WAJSKOP, 2007, p. 31), e, portanto, reservar espaço e tempo para a brincadeira no contexto escolar seja mais do que importante, constitua uma oportunidade educativa para os alunos.

As respostas dos professores revelam traços das suas práticas, sinalizando que o brincar é reconhecido como um elemento importante; no entanto, outros aspectos e/ou conteúdos se sobrepõem a ele, diminuindo seu espaço e/ou associando-o à recompensa, ou seja, o brincar está colocado em segundo plano, bem como outras questões vivenciadas na escola, que, para alguns professores, não contribuem para a aprendizagem e para o desejo de estar na escola, reconhecendo-a como um espaço privilegiado. Para embasar meus comentários, utilizarei como referencial teórico Georges Snyders, que discute sobre a pedagogia progressista e a alegria na escola, e Edgard Morin, que aborda os conhecimentos necessários para a educação do futuro.

Na busca por encontrar autores que reafirmem meu pensamento, procurei por livros, textos, resenhas, artigos, entrevistas etc. Para meu encantamento e surpresa encontrei alguns materiais e especialmente uma

3entrevista que, de certa forma, materializou Georges Snyders. Este texto apresenta o autor não só com suas competências acadêmicas, mas também com suas características humanas, revelando seu gosto pela música e a crença de que a escola pode ser um espaço de alegria, conceito que ele discute e defende em suas obras.

Georges Snyders nasceu em 1917, tem origem judaica, e é professor honorário de Ciências da Educação, da Universidade de Paris V, estando aposentado, mas ainda continua a escrever e proferir palestras

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principalmente para professores. No final da 2ª Guerra Mundial, após a chegada dos americanos à França, Snyders foi preso e deportado. Este acontecimento marcou sua vida, pois tudo ia bem e de repente veio a humilhação, a infelicidade, a miséria, a fome. Esta situação fez com que Snyders se preocupasse com as pessoas que vivem esta experiência diariamente, e não como no seu caso, que foi temporária.

Passei fome durante dez meses da minha vida, mas há muitos que passam fome a vida toda. Todos nós sabemos disso, mas é só ao passar pela experiência que se tem a exata dimensão do que ela significa. (SNYDERS; CAMILLIS; LIMA, 1991, p. 161).

Marxista de formação, Snyders acredita que a educação, e somente ela, é capaz de permitir que os oprimidos lutem por melhores condições e que a cultura seja transformada e não apenas absorvida e reproduzida. Neste contexto, ele atribui à alegria um papel central e importante não só para o aluno, mas também para o professor. Em seu livro A Alegria na Escola (1988), Snyders anuncia, na introdução, os três temas que fundamentam a obra:

O primeiro é naturalmente uma ambição de renovar a escola; nossa escola tem uma terrível necessidade de ser transformada. O segundo é preencher duas funções bem distintas: preparar os jovens para o futuro, para a vida de adultos, para a profissão; do maternal à universidade, ela ocupa cerca de vinte anos da vida para os mais favorecidos socialmente, um pouco menos para os outros, mas eles aí passam contudo a maior, a mais bela parte da sua juventude. O terceiro tema, é que tudo isso parece ao mesmo tempo por utópico e terrivelmente elitista: é fácil reaplicar-se que me dirijo ao aluno ideal, hiperfavorecido em todos os pontos de vista. (SNYDERS, 1988, p.13-14).

Então como transformar esse espaço num ambiente agradável, onde a aprendizagem deve ser iniciada pelos conhecimentos que o aluno leva para a escola, e, em seguida, novos e diferentes aprendizados serem ofertados? Como incluir na escola a alegria do brincar? Penso que sem desejo ou sem vontade não se chega a lugar nenhum e na aprendizagem não seria diferente. Como então, motivar os alunos, diante de tantas dificuldades das mais diferentes ordens? Como, então, fazer com que os professores enxerguem a educação, a escola e os alunos através de lentes mais coloridas?

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Um dos professores disse que é necessário criar um clima para

trabalhar com o brincar. O que seria necessário para se criar esse clima?

Mais espaço na sala de aula? Mais tempo na rotina diária? Outro olhar sobre

o brincar e tudo o que ele envolve? Não tenho uma resposta fechada, mas

penso que as perguntas anteriores podem apontar alguns caminhos,

algumas possibilidades. Penso também que a disponibilidade de o

professor modificar sua rotina diária, muitas vezes cristalizada, seja outro

ponto que possa contribuir para que o brincar de verdade e de fato esteja

incluído na prática desses professores.

Aqui abro parênteses para apresentar o contexto das crianças da

escola, campo da pesquisa. Trata-se de uma escola situada num bairro com

baixo poder aquisitivo, em que maioria das crianças vive uma realidade

familiar, onde aparecem, dentre outros fatores, pais separados e/ou

desempregados; avós, tios ou outros parentes responsáveis pelo cuidado

delas; pais envolvidos com a marginalidade etc. Não obstante, destas

condições um tanto desfavoráveis, acredito sim na possibilidade de

realização de um bom trabalho pedagógico, desde que os envolvidos direta

e indiretamente estejam de verdade e fato dispostos a isto.

E buscando respostas para as perguntas anteriores, acredito que

um início seria buscar nos escritos de Edgar Morin inspiração para algumas

mudanças, ou talvez uma nova postura diante da tarefa de educar. Em seu

livro Os sete saberes necessários à educação do futuro, Morin propõe sete

eixos, cabendo esclarecer que não é uma proposta de como educar, sete

passos ou um novo currículo escolar, mas sim um novo olhar transversal

sobre aspectos vivenciados diariamente. Os sete eixos são: “o

conhecimento, o conhecimento pertinente, a identidade humana, a

compreensão humana, a incerteza, a condição planetária, a antropo-ética”

(MORIN, 2002a).

A proposta de Morin imputa ao homem e mais especificamente aos

educadores compreenderem-se responsáveis e co-autores não somente do

que irá acontecer no futuro, mas do que desempenham no presente. Não se

trata de ser educador apenas no espaço escolar; ser educador é algo mais

amplo e complexo, mas não complicado. E para isso algumas práticas e

atitudes incorporadas e cristalizadas precisam ser abandonadas e

modificadas para que de verdade alcancemos a educação para o futuro.

“Todo conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão. [...] O maior erro

seria subestimar o problema do erro; a maior ilusão seria subestimar o

problema da ilusão”. (MORIN, 2002a, p. 19).

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Reconheço a autonomia que a escola e o professor possuem,

porém, em alguns momentos, esquecem-se que esta autonomia não pode

ser confundida com arbitrariedade. Um espaço escolar público ou privado,

grande ou pequeno, recebe alunos que precisam se encantar e desejar

permanecer nesse local, reconhecendo nas pessoas responsáveis pelo seu

processo de aprendizagem características importantes e modelos a serem

seguidos. A escola é um espaço de convivência, onde os alunos e

professores da educação básica passam cerca de 04 horas diariamente; é

necessário criar laços, vínculos. E nesse caminho Morin afirma que,

[...] no mundo humano, o desenvolvimento da

inteligência é inseparável do mundo da afetividade,

isto é, da curiosidade, da paixão, que, por sua vez, são

a mola da pesquisa filosófica ou científica. A

afetividade pode asfixiar o conhecimento, mas pode

também fortalecê-lo. Há estreita relação entre

inteligência e afetividade: a faculdade de raciocinar

pode ser diminuída, ou mesmo destruída, pelo déficit

de emoção; o enfraquecimento da capacidade de

reagir emocionalmente pode mesmo estar na raiz dos

comportamentos irracionais. (MORIN, 2002a, p. 20).

Por isso, faz toda a diferença professores apaixonados pelo seu

ofício, que colocam amor naquilo que fazem, e com certeza transmitem isso

para os seus alunos. Reconheço as dificuldades implícitas neste trabalho,

que são das mais diferentes ordens: social, econômica, política etc. No

entanto, não acredito que a solução seja realizar um trabalho de qualquer

jeito, não se preocupando com os alunos, com seu desempenho. E neste

sentido, a afetividade faz diferença, pois com o afeto é possível enxergar a

realidade de outra maneira e conseguir vislumbrar outros caminhos, outras

possibilidades, outras soluções.

2.4 O QUE DIZEM AS CRIANÇAS SOBRE O ESPAÇO-TEMPO DO

BRINCAR NA ESCOLA

Procurando dar voz às crianças e compreender seu pensamento e

suas ações a respeito do brincar, realizei uma entrevista estruturada com os

alunos da educação básica pertencentes ao 2º ano A e 2º ano B. Foram

entrevistadas 31 crianças, sendo 22 meninas e 19 meninos. Esta entrevista

foi composta pelas seguintes perguntas guias:

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Posso afirmar que foi mais do que uma entrevista, pois dialoguei

com os atores principais da pesquisa, e percebi como eles estavam se

sentindo importantes. Alguns tímidos, outros mais falantes, mas todos

demonstravam prazer em responder às perguntas.

Realizei as entrevistas em duas manhãs e posteriormente fiz a

transcrição das respostas. Como resultado apresento duas tabelas, uma que

contempla aspectos sociais da vida das crianças e outra que informa as

respostas dos alunos para as perguntas a respeito do brincar na escola.

01 Você gosta de brincar na escola? Por quê?

02 Qual a sua brincadeira preferida?

03 Em quais momentos você brinca na escola? Por quê?

04 Em quais espaços você brinca na escola?

05 A escola permite que você brinque? Por quê?

06 Você gostaria de mais tempo para brincar na escola?

07 Alguma sugestão ou pedido em relação ao brincar na escola?

Além das perguntas acima listadas também solicitei algumas

informações:

• Mora com quem?

• Os pais trabalham?

• Qual a profissão/ocupação que eles realizam?

Quadro 7: Entrevista realizada com as crianças.Um

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Com quem as crianças residem?

Pais

Pais e irmãos

Pais e avós

Mãe, primos, avós

Mãe

Pais, avós e irmãos

Pais, irmãos, tios e primos

Mãe, irmãos e tios

Mãe, padrasto

Ignorados

Qual a profissão/ocupação dos responsáveis?

Vendedor

Diarista/Faxineiro

Conserta coisas

Pedreiro

Babá/manicure

Mecânico

Professora

Ajudante mercadinho

Toca numa banda

Faxineiro

Filmagem

Dona de Loja

Shopping

Aposentado

Em casa

Lava e engoma roupa

Não informado

Percentagem (%)

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15%

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5%

5%

5%

4%

5%

2%

32%

Percentagem (%)

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7%

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6%

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2%

2%

2%

2%

2%

2%

2%

2%

34%

Tabela 3: Aspectos sociais das crianças entrevistadas da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes, Natal/RN, 2009

Elaboração própria com base nas entrevistas realizadas com 41 crianças no mês de Agosto/2009.

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Conversar com crianças é algo maravilhoso, pois elas são

espontâneas e sinceras. No entanto, nem sempre elas informam

exatamente o que precisamos saber para compor uma análise sociológica

da forma como vivem. E com as minhas perguntas não foi diferente. As

informações colhidas sinalizaram que a maioria das crianças mora com os

pais e irmãos; outra parcela das crianças além desses familiares já citados,

moram também com os avós.

Dentre as profissões/ocupações exercidas pelos responsáveis por

essas crianças, desconsiderando o percentual de 34% que se refere às

crianças que não souberam informar, a maioria dos responsáveis

desenvolve atividades como vendedor (10%), uma outra parcela

significativa (7%) trabalha como diarista ou faxineiro. E temos ainda muitas

outras ocupações com menores incidências.

É na família, no convívio com os pais que se iniciam as primeiras

aprendizagens, mesmo porque nenhuma criança chega à escola como um

livro em branco; ela traz uma bagagem cultural, construída na relação com

os pais, irmãos, avós, tios etc.

No entanto, é fato que essas famílias depositam na escola o desejo

que os filhos aprendam, estudem, se formem e tenham uma vida melhor. As

crianças também expressam isso nas suas falas, pois, com certeza, já

ouviram os adultos dizer que sem estudo não se chega a lugar nenhum.

E diante disso a missão da escola torna-se grandiosa; ela é um

oásis no meio do deserto e nela são depositadas todas as fichas. Por isso,

tratar os alunos com carinho e comprometer-se com a sua formação é papel

de todos que fazem a escola pública e não apenas do professor.

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Você gosta de brincar na escola?

Sim

Não

Por quê?

Por causa dos brinquedos

Por causa do espaço

É legal, divertido.

Por conta dos amigos

Sem resposta

Qual a sua brincadeira preferida?

Passa anel/Ouvir História/Com quem vai casar/Sapatinho

Futebol

Amarelinha/Pular Corda

Boneca

Jogar bola

Esconde-esconde

Tica-tica

Em quais momentos você brinca na escola?

Aula Ed. Física

Recreio

Em quais espaços você brinca na escola?

No parque

Na escola toda

Na quadra

No pátio

A escola permite que você brinque?

Não.

Não, a professora não deixa.

Sim, mas só no recreio

Você gostaria de mais tempo para brincar na escola?

Sim

Não

Alguma sugestão ou pedido em relação ao brincar na escola?

Bonecas para brincar

Mais amigos para brincar

Pra ninguém brigar

Uma piscina

Mais tempo de recreio

Um parque novo

Mais tempo para brincar

Sem sugestão

Elaboração própria com base nas entrevistas realizadas com 41 crianças no mês de Agosto/2009.

Tabela 4: Respostas das crianças entrevistadas a respeito do brincar da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes, Natal/RN, 2009.

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5%

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20%

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7%

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22%

78%

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Para todas as crianças segui o mesmo ritual, cumprimentei,

convidei para sentar e me apresentei novamente. Em seguida informava

que iríamos conversar sobre o brincar e, em todos os rostos, sem exceção, vi

um sorriso se abrir e os olhos brilharem de alegria, pois a conversa com

certeza seria animada e falaríamos de algo que elas conheciam e

entendiam.

Na primeira pergunta solicitei às crianças que me contassem se

gostavam de brincar na escola. Tanto as meninas como os meninos foram

unânimes em afirmar que SIM; em seguida perguntei por que e surgiram

várias respostas: “é legal, divertido”; “por conta das amiga(o)s”; “por causa

dos brinquedos”; “têm espaço”. A fala das crianças reafirmava o que venho

discutindo neste texto sobre o brincar, bem como o pensamento de muitos

autores, como Brougère sobre a brincadeira:

[...] é o lugar da socialização, da administração da

relação com outro, da apropriação da cultura, do

exercício da decisão e da invenção. Mas tudo isso se faz

segundo o ritmo da criança e possui um aspecto

aleatório e incerto. [...] Se a liberdade caracteriza as

aprendizagens efetuadas na brincadeira, ela produz

também a incertitude quanto aos resultados. De onde a

impossibilidade de assentar de forma precisa as

aprendizagens na brincadeira. Este é o paradoxo da

brincadeira, espaço de aprendizagem fabuloso e incerto

(WAJSKOP, 2007 apud BROUGÈRE, 1998, p. 31).

Dando continuidade à entrevista questionei a respeito das

brincadeiras preferidas e observei uma diversidade maior de tipos de

brincadeiras no grupo das meninas que elencaram 11 tipos: tica-tica,

esconde-esconde, pula corda, amarelinha, boneca, bola, ouvir história,

polly, sapatinho, com quem vai casar, passa anel. Os meninos elegeram 05

tipos: tica-tica, esconde-esconde, futebol, jogar bola, dono da rua.

Algumas dessas brincadeiras são tradicionais e como já dito no

capítulo 1 estão diretamente ligadas à cultura e à tradição, transmitidas de

geração para geração. Habitam o universo infantil, mas acompanham as

pessoas mesmo na fase adulta, remetendo-as às lembranças da infância.

Na busca por pintores que retratassem brincadeiras, encontrei as

telas de Ivan Cruz, artista plástico carioca, nascido em 1947, que

abandonou a carreira de advogado para dedicar-se à arte, principalmente a

pintura e a escultura.

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Amante das brincadeiras, o artista busca o resgate do lúdico

através de quadros alegres que divertem crianças e adultos. Pinta as

brincadeiras da sua infância vivida no subúrbio carioca, na rua como muitas

crianças. Para o artista, “a criança que não brinca não é feliz, ao adulto que

quando criança não brincou, falta-lhe um pedaço no coração”, pensamento

com o qual concordo plenamente.

Figura 29: Pique e Esconde, 1990. Ivan Cruz. Acrílico sobre tela, 100 x 100 cm.

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Figura 30: Amarelinha e Boneca, 1990. Ivan Cruz. Acrílico sobre tela, 100 x 100 cm.

Figura 31: Jogando Bola, 1990. Ivan Cruz. Acrílico sobre tela, 100 x 100 cm.

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As pinturas parecem que falam por si mesmas; têm vida própria,

movimento e alegria, por isso se aproximam tanto das brincadeiras

realizadas pelas crianças. Nos quadros de Ivan Cruz encontrei a mesma

vibração que senti diante das respostas das crianças para as suas

brincadeiras preferidas, pois criança não fala só com a boca, fala com os

olhos, com o corpo.

Os poemas de Fátima Miguez também compõem esse cenário

lúdico e mágico, dentre eles destaco “Brasil-menino”, que, por sua

simplicidade e beleza, explica as brincadeiras dessas crianças.

Na tela brasileira Brasil-menino planta bananeira,

brinca com carneiro, joga capoeira, levanta poeira,

ginga as cadeiras, é todo brincadeira...

Pintor de memórias, o artista registra, desenha a

história da criança brasileira na alegria brejeira da

primeira idade, mensageira da liberdade...

Figura 32: Pulando Corda, 1990. Ivan Cruz. Acrílico sobre tela, 100 x 100 cm.

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Corrida com bastão, corrida de sacos, corrida de

obstáculos, corrida de sapatos...

Caça ladrão, caça bandeira, dança das cadeiras,

bolinha de sabão, bola, pipa, pião e tudo mais, a

perder de vista, onde a mão do artista ilumina a

paisagem da infância brasileira em matizes e

passagens do Brasil-menino e seu moleque sem

destino! (MIGUEZ, 2005, p. 06).

Cabe salientar que, em ambos os grupos a brincadeira mais citada

foi o tica-tica, e convencionou-se acreditar que essa é uma brincadeira

típica de meninos e que as meninas preferem as brincadeiras mais calmas;

assim caía por terra então um dos meus primeiros preconceitos, digo

primeiro porque iria me deparar com outras respostas diferentes daquelas

que tinha imaginado e/ou preconcebido.

Benjamin em seus escritos sobre a brincadeira refere-se aos

brinquedos tradicionais e aos modernos. E, analisando a fala das crianças,

notei uma grande empatia com as brincadeiras tradicionais. Talvez esse fato

esteja diretamente ligado ao espaço no qual solicitei que listassem as

brincadeiras preferidas – a escola – e daí a aparição dessas brincadeiras.

Neste sentido, Benjamin afirma o seguinte com relação aos brinquedos

tradicionais e aos modernos:

“Já não se tem mais isto'', ouve-se frequentemente o

adulto dizer ao avistar brinquedos antigos. Muitas

vezes ele tem essa impressão porque ele se tornou

indiferente a essas mesmas coisas que, todavia,

continuam a chamar a atenção da criança.

(BENJAMIN, 1984, p. 63. Grifo do autor).

Em seguida perguntei às crianças em quais momentos e em quais

espaços elas brincavam na escola, e as respostas se dividiram em dois

momentos, tanto para as meninas como para os meninos, o recreio e a aula

de Educação Física, ficando em primeiro lugar o recreio para ambos. As

respostas reafirmavam as minhas suposições iniciais, de que o brincar não

tem espaço assegurado na rotina diária dentro de sala de aula, sendo

utilizado esporadicamente; resta então brincar no recreio e na aula de

Educação Física.

Sobre os espaços utilizados para brincar na escola, a maioria das

respostas apontou o pátio, mas também foram sinalizados a quadra, a

escola toda e o parque. Quanto à fala das crianças que disseram não existir

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proibição para utilizar os espaços da escola para brincar, principalmente na

hora do recreio, isto não bate com o que presenciei, uma vez que elas são as

responsáveis pelas brincadeiras e que não contam com a presença ou o

apoio dos professores para auxiliá-las em alguma questão ou problema.

As duas próximas perguntas estão diretamente ligadas. Uma

questionou se a escola permitia que as crianças brincassem e o porquê, e a

outra questionava se as crianças gostariam de mais tempo para brincar.

Confesso que já tinha uma resposta que eu acreditava ser a mesma das

crianças, mas fui surpreendida por respostas diferentes.

Entre as meninas, 19 afirmaram que a escola permitia que elas

brincassem e apenas 01 disse que NÃO, não informando o porquê. Entre os

meninos, a grande maioria também disse que SIM, “a escola deixa a gente

brincar”, 02 disseram que só no recreio e apenas 01 disse não,

completando que “a professora não deixa”. Com relação ao aumento de

tempo para brincar na escola, 11 meninas e 10 meninos disseram SIM e 08

meninas e 08 meninos disseram NÃO.

Talvez as falas das duas crianças que responderam negativamente

indiquem o que a escola e a sociedade vêm impondo sobre o brincar,

determinando que “as crianças encontram-se submetidas à vigência

hegemônica de uma formação social que anestesia, na raiz, a possibilidade

de diferenciação e distanciamento crítico. (MEIRA, 2003, p.75). E assim,

sem perceber, as crianças são reprimidas na atividade que as insere no

mundo, e possibilita a apropriação de tudo que as cerca.

Deixei as crianças à vontade para dar alguma sugestão e/ou fazer

algum pedido para a escola sobre o brincar e as respostas se dividiram:

“mais tempo para brincar”; “uma piscina”; “um recreio maior”; “boneca

para brincar”; “um parque novo”; “pra ninguém brigar”; “mais amigos para

brincar”; “brincar também no final do horário”. Mesmo tendo aparecido em

poucas falas, o pedido de um parque novo, esse espaço me chamou atenção

desde a primeira vez que entrei na escola, pois o parque numa escola

precisa ser um espaço privilegiado para que as crianças possam utilizá-lo.

Acredito que a localização do parque não seja das melhores, mas

penso que ele poderia ser melhorado. Primeiro, uma pintura colorida tanto

nos brinquedos como nas paredes que o delimitam; em seguida, o conserto

da casinha de madeira para que a mesma possa ser novamente utilizada. A

entrada do parque é feita por um portão estreito, o que dificulta a entrada

das crianças que anseiam brincar o mais rápido possível; talvez uma

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ampliação do portão, ou a conscientização da comunidade escolar, para

que esse portão seja abolido, mas que o parque seja preservado, não

sofrendo danificações por parte dos alunos e/ou estranhos.

Gostaria também de sugerir um rodízio das turmas para a

utilização do parque. Teríamos então dias específicos para cada grupo,

formado por critério de idade, por exemplo, e seria importante a presença de

um professor também em forma de rodízio para administrar e apoiar a

resolução dos conflitos e possíveis problemas.

Confesso que as respostas das crianças contemplam algumas das

minhas inquietações, mas ainda deixam lacunas para novas discussões.

Parece-me antagônico e impróprio desdenhar do brincar no contexto

escolar, comparando sua posição com a do corpo diante das atividades

cognitivas. Mais uma vez, me deparo com a dicotomia, a separação, a

hierarquização que insiste em classificar o que é mais importante ou não na

escola, esquecendo de aspectos fundantes da vida humana, dentre eles o

brincar.

Deixando assim de permitir às crianças as experiências que só a

brincadeira, nas suas mais diferentes formas podem lhe oferecer, vivências

essas tatuadas em seus corpos e que serão revisitadas quando necessário, e

lhe possibilitarão acessar o sensível, gerar sociabilidades, aspectos

esquecidos e abandonados atualmente. Um tempo em que o ser humano se

apresenta com poucas habilidades relacionais, do atuar sozinho, do pouco

contato físico, do conversar virtual.

[...] no cotidiano distinguimos como brincadeira

qualquer atividade vivida no presente de sua

realização e desempenhada de modo emocional, sem

nenhum propósito que lhe seja exterior. [...] falamos

em brincadeira cada vez que observamos seres

humanos ou outros animais envolvidos no desfrute do

que fazem, como se seu fazer não tivesse nenhum

objetivo externo. [...] ao falar de brincadeira, na

atitude produtiva de nossa cultura deixamos de

perceber que aquilo que a define (a brincadeira) é um

operar no presente. (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER,

2004, p. 199).

As entrevistas com as crianças revelaram para o meu olhar de

pesquisadora a comprovação do que já li por diversas vezes, mas que nem

sempre me soou como uma verdade absoluta. O pesquisador, por mais que

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tente se distanciar do seu objeto – não gosto deste termo –, por vezes é

surpreendido com respostas prontas às questões que ainda serão feitas e

nesse encontro ou desencontro, ele precisa novamente reencontrar seu

caminho, sua pesquisa, não com um olhar distante, mas como parte dela,

pois é isso que realmente faz sentido em pesquisar, tornar-se parte do

contexto, e às vezes, até se confundir com ele, mas posicionar-se

criticamente sobre o que se está pesquisando e construindo.

Encontrei diferenças entre as respostas dos professores e das

crianças sobre o brincar. Os professores reconhecem sua importância, mas

também sinalizam que existem disciplinas específicas para isso ou que não

se sentem preparados para utilizar o brincar na sua prática diária. Nesse

ponto discordo, pois o brincar é mais amplo do que qualquer disciplina e,

portanto, não se pode restringi-lo talvez simplesmente à aula de Educação

Física; dessa maneira, perdem-se diversas possibilidades de

aprendizagens.

Embora as crianças tenham demonstrado satisfação quanto ao

tempo e espaço que o brincar ocupa na escola, acredito que o brincar ainda

não esteja inserido no processo educativo da escola, sendo encarado muitas

vezes como mero passatempo. Nas respostas dos professores vislumbro a

possibilidade de algumas mudanças neste sentido, mas acredito que essa

postura esteja diretamente ligada à formação inicial do grupo, que ainda é

especializada e fragmentada, não concebendo a educação como algo mais

amplo e global.

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NOTAS

2 O questionário foi aplicado aos professores da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes, entre os meses de julho e agosto de 2008 e 2009.

3 Realizada no dia 08 de agosto de 1990, por Lourdes Stamato De Camillis, mestra em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP, artista plástica e técnica da Gerência de Atualização Profissional; traduzida por Elvira Cristina de Azevedo Souza Lima e publicada pela Série Ideias n. 11. São Paulo: FDE, 1991, Páginas: 159-164.

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_conclusão

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CONCLUSÃO

Por diversas vezes, quando me referi ao tema deste livro, fui

indagada sobre a importância e/ou relevância do assunto, ou então não

recebi a devida atenção ou empatia para expor meus argumentos e

hipóteses. Infelizmente, a sociedade ainda não está preparada para dialogar

a respeito de muitos temas: artes, poesia, sensibilidade, literatura,

brincadeiras, dentre outros. No entanto, isso não foi motivo para desistir da

pesquisa ou achar que ela seria menos importante; pelo contrário, esta

constatação só reforçava a necessidade de discussão do assunto, de

levantar e apresentar um referencial teórico que comprovasse e alicerçasse

a minha fala.

E foi exatamente isto que eu me propus a fazer, discutir o brincar

como atividade/necessidade humana, que precisa de tempo e espaço no

contexto escolar. Entendo tempo, referindo-me à prática diária que reserva a

esta atividade a hora do recreio e a aula de Educação Física, e como espaço,

o espaço físico que a escola precisa prever, para que as crianças tenham um

lugar – ou vários – adequado para brincar.

Não acredito também que tais atitudes ou mudanças tenham que

ser implantadas de cima para baixo. Penso que qualquer ação, por menor

que seja, precise ser discutida pela equipe responsável pela prática

pedagógica, pois na multiplicidade de olhares e experiências, é possível

encontrar brechas, espaços e tempos para o brincar.

Com efeito, pensar a educação como um fenômeno que pode ser

observado, me leva a considerá-la como um fato social, presente em

diversas esferas sociais, que contém, reproduz e perpetua tradições,

valores, hábitos, crenças etc. e independe da vontade dos indivíduos. Os

sistemas educativos são instituídos pela sociedade de acordo com a

necessidade de construção do tipo ideal que a mesma deseja. Na sua

função social, a educação promove a formação do sujeito, assegurando as

condições para sua existência, bem como a reprodução da sociedade.

O ser humano vive em sociedade, e, como tal, sofre as coerções

impostas por ela, seja na família ou na escola. O homem é fruto do meio e

claro pode romper com ele, mas, na maioria das vezes, reproduz os modelos

apresentados, sejam eles bons ou não. “[...] a educação é, acima de tudo, o

meio pelo qual a sociedade renova perpetuamente as condições de sua

própria existência.” (DURKHEIM, 1973, p. 45).

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Nem sempre a família e a sociedade percebem e compreendem a

presença do brincar, no universo infantil, como uma necessidade.

Normalmente atribui-se mais importância e status às atividades cognitivas,

acreditando que dessa forma estão investindo e assegurando um futuro de

sucesso para seus filhos. “De modo geral, o que se observa na nossa

sociedade, com relação à criança, é a impossibilidade de vivência do

presente, em nome da preparação para um futuro que não lhe pertence.”

(MARCELLINO, 1990, p. 57). O lúdico e o brinquedo são importantes,

relevantes, necessários e precisam estar presentes durante a infância, como

quesitos inquestionáveis na construção e formação dos homens.

O brincar no contexto escolar é visto às vezes como tempo perdido,

como coisa não séria, mas, ao contrário trata-se de algo muito sério, que

estrutura o desenvolvimento e crescimento das crianças, que estabelece e

fortalece relações, vínculos, mas ainda sem a atenção adequada da escola e

da sociedade.

Penso que pobreza de linguagem e imaginação estão diretamente

ligadas à pobreza de experiência de vida humana, e, nela, a restrição do

lúdico. A criança que brinca em liberdade, podendo decidir sobre o uso de

seus recursos cognitivos para resolver os problemas que surgem no

brinquedo, sem dúvida alguma chegará ao pensamento lógico de que

necessita para aprender a ler, escrever e contar.

Acredito que as escolas necessitam valorizar e assegurar tempo e

espaço para o brincar no contexto escolar, percebendo sua importância e

relevância. No brincar, a criança estabelece e vive relações, cria regras, se

estrutura, reconhece o outro, enfim, começa a se colocar no mundo. A

diminuição do brincar no universo infantil cerceia o direito de acesso a esse

componente que é uma atividade/necessidade humana, contribuindo para

a sua formação.

Com a pesquisa, pude concluir que, na perspectiva das crianças, a

escola permite que elas brinquem, mas que seria interessante ter mais

tempo para brincar na escola. Observei também alguns equívocos por parte

dos professores sobre o brincar, bem como um discurso que não se reflete na

prática.

Percebo assim a necessidade de espaços e tempos para o brincar

na escola, bem como uma mudança de postura da comunidade escolar

diante desta atividade/necessidade humana, reconhecendo seu valor e

importância no desenvolvimento das crianças.

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Talvez como desdobramento futuro, partindo deste estudo,

pensaria na qualificação dos professores, ou melhor, na reciclagem deles.

Observei que muitos se formaram há muitos anos e desde então se

afastaram dos estudos. Este aspecto reflete-se na sua prática, que

demonstra poucas inovações, tornando-se repetitiva ou simplesmente

reprodutora de modelos. Mas esta é uma outra história, talvez no futuro

possa discutir sobre isso.

Encerro este livro satisfeita com minhas descobertas sobre a

relevância do brincar para as crianças, mas ainda inquieta com perguntas

para as quais ainda não encontrei respostas. Mas penso que esse é o

movimento da vida, estar sempre buscando alguma resposta, ou, quem

sabe, alguma pergunta.

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Figura 1 - Fachada da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes

Figura 2 - Jogos Infantis, 1560. Óleo sobre painel de madeira, 118 x 160,9 cm. Museu de História da Arte, Viena

Figura 3 - MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 36

Figura 4 - MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 37

Figura 5 - MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 38

Figura 6 - MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 39

Figura 7 - MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 26

Figura 8 - MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 27

Figura 9 - MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 32

Figura 10 - MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 33

Figura 11 - MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 06

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Figura 12 - MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 07

Figura 13 - MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 42

Figura 14 - MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 43

Figura 15 - Sala de aula da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes

Figura 16 - Quadra da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes

Figura 17 - Quadra da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes

Figura 18 - Quadra da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes

Figura 19 - Pátio da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes

Figura 20 - Pátio da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes

Figura 21 - Pátio da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes

Figura 22 - Pátio da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes

Figura 23 - Pátio da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes

Figura 24 - Pátio da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes

Figura 25 - Parque da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes

Figura 26 - Parque da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes

Figura 27 - Parque da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes

Figura 28 - Refeitório da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes

Figura 29 - CRUZ, Ivan. Pique e esconde, 1990

Figura 30 - CRUZ, Ivan. Amarelinha e Boneca, 1990

Figura 31 - CRUZ, Ivan. Jogando Bola, 1990

Figura 32 - CRUZ, Ivan. Pulando Corda, 1990

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Quadro 1 - Questionário aplicado aos professores da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes

Quadro 2 - Informações sobre a formação dos professores que responderam o questionário

Quadro 3 - Respostas dos professores da Escola Municipal Ulisses de Góes, Nova Descoberta, Natal/RN, à questão número 01, 2008 e 2009

Quadro 4 - Respostas dos professores da Escola Municipal Ulisses de Góes, Nova Descoberta, Natal/RN, à questão número 02, 2009

Quadro 5 - Respostas dos professores da Escola Municipal Ulisses de Góes, Nova Descoberta, Natal/RN, à questão número 03, 2009

Quadro 6 - Respostas dos professores da Escola Municipal Ulisses de Góes, Nova Descoberta, Natal/RN, à questão número 04, 2009

Quadro 7 - Respostas dos professores da Escola Municipal Ulisses de Góes, Nova Descoberta, Natal/RN, à questão número 04, 2009

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LISTA DE QUADROS

Tabela 1 - População por Salários Mínimos, Nova Descoberta Natal,RN

Tabela 2 - Distribuição dos professores, por idade, tempo e tipo de formação da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes.

Tabela 3 - Aspectos sociais das crianças entrevistadas da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes, Natal/RN, 2009

Tabela 4 - Respostas das crianças entrevistadas a respeito do brincar da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes, Natal/RN, 2009

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LISTA DE TABELAS

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