Casos Práticos 1

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Notas das aulas prticas:

Direitos Reais Casos Resolvidos nas Aulas Prticas[3 Ano]PAGE Direitos Reais: VII Direito de propriedade [Hiptese n 33]

2I Princpios Gerais de Direitos Reais

2Hiptese n 1

3Hiptese n 2

4Hiptese n 3

6Hiptese n 4

8Hiptese n 5

9Hiptese n 6

15Hiptese n 7

18II Publicidade: a proteco registral

18Hiptese n 8

20Hiptese n 9

23Hiptese n 10

25Hiptese n 11

28III A Posse

28Hiptese n 12

29Hiptese n 13

31Hiptese n 14

31Hiptese n 15

34Hiptese n 16

36Hiptese n 17

38Hiptese n 18

39Hiptese n 19

41Hiptese n 20

42IV A usucapio

42Hiptese n 21

43Hiptese n 22

46Hiptese n 23

47Hiptese n 24

47V Causas de extino dos direitos reais

47Hiptese n 25

50Hiptese n 26

50Hiptese n 27

51VI Factos constitutivos do direito de propriedade

51Hiptese n 28

52Hiptese n 29

54Hiptese n 30

57VII Direito de propriedade

57Hiptese n 31

59Hiptese n 32

60Hiptese n 33

I Princpios Gerais de Direitos Reais

Hiptese n 1

Ilustrao 1A, proprietrio do automvel X, acorda com B a venda do mesmo a este pelo preo de 10.000.

Nos termos acordados, o preo seria pago 3 meses depois e a entrega da coisa efectuada 30 dias aps a concluso do contrato.

A entrega o automvel a B no prazo acordado, mas este no pagou o preo.

Entretanto, B doou o automvel ao seu sobrinho C, que desconhecia o contrato entre A e B.

A pretende agora que C lhe entregue o carro, alegando que o contrato de compra e venda celebrado com B no foi cumprido.

Esclarea quem o proprietrio do automvel.

Aspectos a considerar:

1. Da validade do contrato entre A e B

2. Da validade do contrato de doao entre B e C

3. Da pretenso de A relativamente a C

***

1. Da validade do contrato entre A e B

A e B celebraram entre eles um contrato de compra e venda do automvel 874. O negcio lcito, fsica e legalmente possvel, no contrrio ordem pblica e aos bons costumes, tendo por objecto coisa presente e determinada 280, 400.

A tinha legitimidade para alienar o automvel, uma vez que era seu proprietrio 892 a contrario.

Trata-se de um contrato real quanto aos efeitos (quoad effectum) 879/a), pelo que, tendo o negcio eficcia real, a propriedade transmite-se no momento da celebrao do contrato 408/1 e 879/a (princpio da consensualidade).

O B no pagou o preo, no entanto, a falta de pagamento do preo no d ao A o direito de resoluo do contrato 886.

Concluso: B adquiriu a propriedade do automvel no momento em que celebrou o contrato, independentemente de no ter pago o preo 408/1 e 879/a).

2. Da validade do contrato de doao entre B e C

B tinha legitimidade para doar o carro a C, uma vez que era seu proprietrio desde que celebrou o contrato de compra e venda com o A 408/1 e 879/a).

A eficcia real da doao de coisa mvel, quando no tiver a forma escrita, exige a tradio da coisa (sendo um contrato real quoad constitutionem).

O enunciado omisso quanto forma da doao de B a C: oral ou por escrito. No entanto, independentemente deste aspecto, podemos concluir que houve tradio da coisa, uma vez que A vem exigir de C (e no de B) a entrega do carro.

Tendo havido tradio da coisa de B para C, houve aceitao da coisa doada 945, pelo que C adquiriu o direito de propriedade sobre o carro no momento da entrega deste, independentemente do momento da celebrao do contrato 954/a).

Logo, o carro de C.

3. Da pretenso de A relativamente a C

A pretenso de A no tem razo de ser: ele no pode exigir de C a restituio do automvel, uma vez que este o titular do direito real de propriedade sobre o mesmo. O que ele tem um direito de crdito sobre B por falta do pagamento do preo, a exigir nos termos do art. 817 e no atravs da aco de reivindicao prevista no art. 1311 (aplicvel apenas a direitos reais).

J no seria assim se o negcio entre A e B no tivesse produzido o efeito real de transferncia da propriedade, caso em que C no poderia opor ao A o princpio da posse vale ttulo, pois este no vigora em Portugal (ao contrrio da Frana e outros ordenamentos jurdicos) Bastaria ao A, neste caso, fazer prova da sua propriedade para que o carro lhe devesse ser entregue, independentemente dos negcios e vicissitudes que levaram a coisa a entrar na posse do C.

Hiptese n 2

A e B celebram um contrato de doao de um anel. Com efeito, Abel, fabricante de anis, possui 3 anis consigo e decidiu doar um a B. Contudo, no ficou esclarecido entre as partes qual dos 3 anis era o doado.

Dois dias depois, antes que A procedesse entrega do anel a B, o primeiro vendeu a C um dos anis que tinha na sua posse. B reclama que esse anel seu e prepara-se para interpor uma aco de declarao de nulidade com fundamento em venda de bens alheios.

Esclarea se B tem razo.

Aspectos a considerar:

1. Da validade do contrato de doao

2. Da modalidade da obrigao

3. Do momento da transmisso da propriedade

4. Da pretenso de B

***

1. Da validade do contrato de doao

A doao de coisa mvel que no seja acompanhada da tradio da coisa s pode ser feita por escrito (947). Logo, a presente doao s no ser nula por vcio de forma (220) se tiver sido feita por escrito. Admitamos que assim , para efeitos acadmicos.

2. Da modalidade da obrigao

Em que modalidade de obrigaes se integra a doao sub judice?

A obrigao indeterminada, regendo nesta matria as regras do art. 400. Mas ser ela genrica? Ou alternativa?

No modalidade de obrigaes alternativas (543), uma vez que existe apenas uma e no duas ou mais prestaes alternativas de natureza diferente.

No se oferece clara a distino, mas a explicao do assistente relativamente aos cinco quadros de Vieira da Silva uma situao paralela e que este classificou como obrigao genrica de gnero limitado. Sendo assim, a transferncia da propriedade do anel doado no segue o regime do art. 408/1 (princpio da consensualidade), integrando-se antes numa das excepes do n 2 deste artigo, que manda aplicar o regime previsto nos artigos 539 e ss.

3. Do momento da transmisso da propriedade

Nas obrigaes genricas a transferncia de propriedade verifica-se apenas com a concentrao da obrigao e esta d-se com o cumprimento, cuja regra a entrega da coisa (540 e 541).

No tendo sido entregue a B qualquer dos trs anis antes da venda de um deles a C, no se dera ainda a concentrao, permanecendo o direito de propriedade sobre os trs anis na esfera jurdica do doador (A). Logo, A no vendeu bens alheios, mas prprios, no se verificando a nulidade prevista no art. 892 540.

Mas j no poderia vender o terceiro, pois no momento em que vendesse o segundo o gnero extinguir-se-ia ao ponto de restar apenas uma das coisas nele compreendidas (um anel) e este ser o nmero exigido satisfao do credor, considerando-se, neste caso, que se deu a concentrao antes do cumprimento (541).

4. Da pretenso de B

B no tinha razo ao afirmar que o anel que o A vendeu a C era o seu, tanto mais que a escolha cabia ao devedor (A) e a propriedade s transitava para a sua esfera jurdica com a concentrao, no tendo esta ocorrido at ento.

Hiptese n 3

A celebrou com B um contrato de compra e venda do imvel X pelo preo de 500.000. No contrato convencionou-se a reserva de propriedade a favor de A enquanto o preo no fosse pago e a entrega do prdio no momento da concluso do contrato.

O preo deveria ser pago em 3 prestaes, a ltima das quais 6 meses aps a concluso do contrato. Este contrato foi registado, incluindo a clusula de reserva de propriedade.

Trs meses depois, A vende a C o direito de propriedade, obrigando-se a entregar o prdio 6 meses depois.

Uma semana depois do contrato celebrado entre A e C, B vende a propriedade do prdio a D.

No prazo de vencimento da ltima das prestaes, B cumpre, pagando a parte do preo em dvida.

a) Quem o proprietrio do prdio X e desde que momento?

b) Supondo que B no pagasse a ltima prestao e estivesse impossibilitado de o fazer, quem seria ento o proprietrio do imvel?

Esquema dos negcios:

Aspectos a considerar:

1. Dos efeitos da reserva de propriedade

2. Da validade do contrato entre A e C

3. Da resposta questo da alnea b)

***

1. Dos efeitos da reserva de propriedade

I O contrato de compra e venda A B tem eficcia real diferida, mantendo-se o direito de propriedade sobre o imvel na esfera jurdica do vendedor at ao pagamento integral do preo, a realizar seis meses aps a celebrao do contrato, por efeito da reserva de propriedade 409.

Sendo o preo pago, como o veio a ser, a reserva de propriedade a favor de A extingue-se, o que desencadeia a transferncia do direito de propriedade para a esfera jurdica de B.

A questo que importa agora dilucidar a de saber a partir de que momento se deve reportar a transferncia da propriedade: se ao momento em que se verifica o cumprimento total da obrigao de B, se data em que este celebrou o contrato com A. Ou seja, a pedra de toque saber se a eficcia real resultante do pagamento do preo, que pe fim reserva de propriedade, opera a partir de ento ou retroage ao momento da celebrao do contrato.

II O Prof. defende a retroactividade; Menezes Leito nega-a:

Para Menezes Leito, o que sucede que B, comprador com reserva de propriedade, titular de um direito real de aquisio oponvel a C, que adquiriu o direito depois dele. A eficcia real d-se apenas com o fim da reserva de propriedade e opera apenas para o futuro. Isto gera, segundo o Prof. Coelho Vieira, um efeito inconveniente: quer B quer C tornam-se proprietrios da mesma coisa imvel!

Para o Prof. Coelho Vieira, pelo contrrio, a verificao do evento de que depende a reserva de propriedade faz retroagir os efeitos da compra e venda ao momento da celebrao do contrato, operando-se ento a transmisso da propriedade nos termos do art. 408/1 e 879/a). B passa a ser proprietrio do imvel com efeitos reportados ao momento da celebrao do contrato de compra e venda com A.

O evento a que as partes subordinam a reserva de propriedade, embora no o sendo em sentido tcnico (desde logo por no se tratar de facto futuro incerto 270), funciona como uma condio suspensiva.

2. Da validade do contrato entre A e C

Este contrato nulo por falta de legitimidade do vendedor (892), uma vez que quando A vendeu a C j no era proprietrio da coisa. Sendo o contrato nulo, nada foi transmitido da esfera jurdica de A para C, tanto mais que nada havia para transmitir.

Em contrapartida, o contrato de compra e venda entre B e D perfeitamente vlido e produz efeitos no momento da celebrao do contrato (por retroactividade).

3. Da resposta questo da alnea b)

Uma vez que a resposta primeira questo j foi dada, resta ver o que sucederia se a hiptese da alnea b) se verificasse.

Se o B no tivesse pago o preo e estivesse impossibilitado de o fazer, ento a propriedade manter-se-ia na esfera jurdica do A, sendo a venda deste a C perfeitamente vlida e produzindo os seus efeitos data da celebrao do contrato 408/1 e 879/a mas s depois de confirmada a no verificao do evento de que dependia a reserva de propriedade e a impossibilidade de tal verificao vir a ocorrer no futuro.

Nesse caso, o contrato entre A B seria vlido mas ineficaz, no chegando a produzir os efeitos esperados, enquanto que o contrato entre B D seria nulo, por falta de legitimidade do vendedor 892.

Hiptese n 4

Por contrato de compra e venda, A vendeu a B um direito de enfiteuse pelo prazo de 20 anos.

No contrato, as partes estipularam que o direito em causa, no obstante ter sido revogado em 1977, se regularia pelo regime em vigor at essa altura.

a) Esclarea a validade deste contrato;

b) Suponha agora que o direito de enfiteuse era admitido pelo ordenamento portugus, mas com contedo diverso daquele que as partes estipularam.

Quid juris?

Aspectos a considerar:

Alnea a)

1. Da tipicidade dos direitos reais

***

Alnea a)

1. Da tipicidade dos direitos reais

(apontamentos da Marina)

O contrato nulo nos termos do art. 280 violao da tipicidade legal.

H converso legal do negcio nos termos do art. 1306/1: o negcio nulo como real, mas subsiste como direito obrigacional direito de crdito. Esta converso opera se houver natureza creditcia no contrato.

Art. 1306/1 O Princpio da tipicidade dos direitos reais implica que as partes no possam criar novos tipos de direitos reais por contrato.

Direito real de habitao peridica direito real de gozo no tipificado no CC.

Direito do locatrio: ser um direito real ou um direito de crdito?

Prof. Menezes Cordeiro e Oliveira Ascenso defendem a sua qualificao como direito real, com base na interpretao e no do legislador. Da que possam ser qualificados como direitos reais sem haver uma especificao.

Direitos reais menores, como figuras decompostas do direito de propriedade.

Colocao sistemtica do preceito em relao propriedade.

A interpretao do art. 1306 tem de ser feita ora restritivamente ora extensivamente.

Fora do catlogo legal as partes no podem criar direitos reais.

(apontamentos do Renato)

Nulo como negcio real, subsiste como direito de crdito, ficando a ser regulado pelo regime do direito das obrigaes, por fora do art. 1306/1 in fine.

O titular de um direito de propriedade pode constituir direitos reais menores e no ao desmembramento do direito de propriedade. criao de um direito real menor sobre um direito real menor chama-se onerao.

Alnea b)

(Apontamentos da Marina)

O princpio da tipicidade (que abrange quer a escolha do direito real quer do seu contedo) no assenta na escolha de um direito real no constante do catlogo. Cada direito real tem um contedo injuntivo que permite autonomiz-lo face aos outros.

As partes no podem escolher um direito real e no estabelecer o seu contedo. As consequncias so as mesmas da alnea a).

(Apontamentos do Renato)

Tem a ver com o tipo de direito real. As partes no podem estabelecer um negcio com contedo diverso do tipo de direito real consagrado na lei. Princpio da tipicidade outra vez de outra perspectiva. Respeito pelo contedo de aproveitamento da coisa de acordo com o tipo de direito real.

Hiptese n 5

A, proprietrio e possuidor do automvel X, foi vtima de furto praticado por B. Este, com o carro em seu poder, vendeu o mesmo a C, que desconhecia o furto.

Dois meses depois do furto, C doou o automvel X ao seu sobrinho D.

Em Novembro de 2005, A vem a saber que o carro se encontra com D e pretende reav-lo.

a) Quem o proprietrio do automvel?

b) Fundamente com os princpios jurdico-reais conhecidos a possibilidade de A fazer valer a sua propriedade contra D, nomeadamente se A tem de impugnar os negcios jurdicos celebrados entre B e C e entre C e D.

Aspectos a considerar:

1. Da figura da posse vale ttulo

2. Do princpio da absolutidade

***

1. Da figura da posse vale ttulo

I Desde j, diga-se que o automvel continua a ser propriedade de A, independentemente dos negcios jurdicos de que foi objecto, celebrados aps o furto do mesmo. Isto sucede assim porque em Portugal no vigora o princpio da posse vale ttulo: caso contrrio, C, que adquiriu a posse de boa f, poderia opor este princpio ao proprietrio do automvel.

A aquisio de um direito real depende de um facto jurdico vlido princpio da causalidade. Logo, neste caso no h transferncia de propriedade, sendo a boa ou m f irrelevantes.

Quer o contrato B C quer o C D so nulos, por violao do princpio da causalidade. Concretamente, o B no tinha legitimidade para a venda (892), o mesmo sucedendo com o C para a doao (956).

Para B, o furto no ttulo legtimo de aquisio da propriedade; para C, no sendo a compra e venda B C vlida, tambm no adquire a propriedade.

2. Do princpio da absolutidade

Relativamente questo que nos coloca a alnea b), devemos procurar arrimo no princpio da absolutidade, consagrado no art. 1311, para encontrar a resposta.

Significa este princpio que a afectao da coisa ao titular do direito de propriedade no feita atravs de uma relao jurdica, pelo que pode ser oponvel erga omnes atravs da aco tpica de reivindicao, seja essa pessoa possuidora da coisa ou mera detentora.

O proprietrio do automvel (A) no necessita, assim, de impugnar a validade dos sucessivos negcios jurdicos que levaram a coisa a ser colocada sob o poder do actual possuidor ou detentor, bastando exigir deste o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituio da coisa, nos termos do art. 1311 CC.

Como escreve Vaz Serra, o contrato de compra e venda de um non dominus a favor de um terceiro ineficaz contra o proprietrio, pelo que no tem que discutir a validade do contrato entre aqueles, mas to s provar o seu direito de propriedade para que a entrega da coisa lhe no possa ser recusada.

No significa isto, no entanto, que por no ter de o fazer no possa o A arguir a nulidade dos contratos, nomeadamente nos termos do art. 286.

Nota: o Prof. no considera a sequela uma caracterstica dos direitos reais; quanto prevalncia, esta s existe nos direitos reais de garantia e no entre os direitos reais e os direitos de crdito.

Hiptese n 6

Dado pelo Assistente Hiptese 1

Antnio, agricultor, deslocou-se, em Janeiro de 2004, quinta do Barnab, que se dedica actividade agro-pecuria, tem em vista a aquisio de vrios produtos daquela. Depois de uma visita pela quinta e de uma longa conversa, ficou acordado entre ambos a venda por Barnab a Antnio:

a) De cinco vacas, que Antnio escolheu pelo seu elevado peso e grande capacidade de produo de leite, e que Barnab lhe deveria entregar no prazo de um ms;

b) De todas as galinhas que nascessem na quinta durante o ano de 2004;

c) Do trigo que Barnab combinara comprar ao seu vizinho Malaquias por altura da colheita de Julho;

d) De todas as mas do pomar de Barnab, que deveriam ser colhidas em Maro;

e) De uma tonelada de madeira de carvalho, a escolher de entre as vrias toneladas que Barnab tinha armazenadas.

Em Maio de 2004, Barnab, que ainda no entregara a Antnio nada do que tinha sido acordado, vende ao seu primo Carlos a quinta com todo o seu contedo. Interpelado por Antnio, Carlos recusa-se a entregar-lhe o que quer que seja, alegando ser totalmente estranho a qualquer contrato que Barnab tenha celebrado.

Quid juris?

Na resoluo deste caso prtico h que levar em linha de conta os seguintes aspectos:

1) Tipo de negcio: obrigacional; real quoad effectum ou quoad constitutionem;

2) 874 Contrato de compra e venda: definio;

3) 879 Efeitos do contrato de compra e venda: efeito real e efeitos obrigacionais;

4) Momento da transmisso da propriedade:

a. 408/1: regra geral Princpio da Consensualidade;

b. 408/2: a excepo regra:

i. Obrigaes sobre coisa futura;

ii. Obrigaes sobre coisa indeterminada;

c. 408/2, in fine: a excepo excepo:

i. Obrigaes genricas;

ii. Obrigaes respeitantes a frutos naturais e partes componentes ou integrantes;

d. 879/a) Do contrato de compra e venda em especial;

e. 1317/a) Dos direitos reais;

5) 406 Eficcia dos contratos: ligao com o princpio da relatividade (no eficcia do contrato relativamente a terceiros; excepes 443);

6) Meios de defesa do direito: 817 ou 1311?

***

Estando em causa nas diversas alneas situaes diferentes, a exigir diferente regime e soluo, iremos tratar cada uma delas separadamente.

Resoluo da alnea a): 1. Tipo de contrato e obrigao

I Entre A e B foi celebrado um contrato de compra e venda (874) tendo por objecto determinado a alienao, por parte do B, e a compra, por parte do A, de cinco vacas determinadas, escolhidas pelo A no momento da celebrao do negcio, tendo sido estipulado um prazo de cumprimento tambm ele determinado um ms a contar da data de celebrao do negcio.

O objecto do negcio determinado, lcito, fsica e legalmente possvel e no ofende quer a ordem pblica quer os bons costumes 280 e 400.

Do contrato de compra e venda resultam trs efeitos essenciais: um, de natureza real, que se traduz na transmisso da propriedade da coisa ou da titularidade do direito (879/a), e os dois outros de natureza obrigacional: a obrigao de entregar a coisa, por parte do alienante, e a de pagar o preo, por parte do adquirente.

II O contrato de compra e venda o contrato real quoad effectum prototpico, tendo inteira e cabal aplicao neste caso o princpio da consensualidade incorporado no art. 408/1; e, sendo assim, a propriedade das cinco vacas objecto deste negcio transmitiu-se da esfera jurdica do Barnab para a do Antnio no preciso momento da celebrao do contrato, independentemente de quaisquer outros actos posteriores. O facto de ter sido acordada a entrega dos animais numa data um ms depois da celebrao nada releva quanto ao momento da verificao do efeito real de transmisso da propriedade, atento o princpio do consensualismo que vigora entre ns.

Recorde-se que negcios reais quoad constitutionem so aqueles que fazem depender da entrega ou tradio da coisa a constituio, modificao ou extino do direito real, de que so exemplos paradigmticos o penhor e a doao de coisa mvel que no feita por escrito.

III No se deve esquecer, por outro lado, que h casos em que os negcios so simultaneamente quoad constitutionem e quoad effectum. Veja-se o exemplo do contrato de mtuo (1142): real quanto constituio porque exige, para alm do consenso, a entrega da coisa mutuada; mas tambm real quanto aos efeitos porque com a celebrao do negcio e a entrega da coisa se verifica o efeito real da transmisso do direito de propriedade da coisa mutuada para a esfera jurdica do muturio (note-se que o dinheiro que cada um dos depositantes empresta ao Banco passa a ser propriedade deste. O que fica a pertencer aos depositantes um direito de crdito e no o direito real de propriedade sobre o dinheiro mutuado. isso, de resto, o que explica que o risco corra por conta do Banco em caso de assalto ou outras causas de perecimento do dinheiro mutuado).

2. Eficcia do contrato relativamente a Carlos

I Ao ser interpelado pelo A, C alegou que nada tinha a ver com o negcio que aquele celebrara com B, do qual nem sequer tomara conhecimento. Ser este argumento vlido? Poder C invocar o princpio da relatividade dos contratos expresso no art. 406 em seu favor?

II A resposta , desde logo, negativa. E a razo que no estamos aqui perante um contrato de eficcia meramente obrigacional, que implica uma relao jurdica entre sujeitos determinados (ou determinveis) e que se caracteriza pelo princpio da mediao ou cooperao. O contrato de que falamos , como se viu, um contrato real quanto aos efeitos no qual intervm outros princpios prprios dos direitos reais, como o princpio do consensualismo e da absolutidade.

Por mero efeito do contrato, o direito de propriedade sobre as vacas objecto do negcio transmitiu-se para a esfera jurdica do A no preciso momento em que o negcio foi celebrado, conforme estipulam os artigos 408/1, 879/a) e 1317/a) do CC. A partir de ento, o novo proprietrio pode opor esse seu direito a quem quer que seja, independentemente de haver ou no uma relao jurdica entre eles.

3. Meios de defesa do direito

I Conclumos no ponto anterior que A passou a ser proprietrio das cinco vacas a que se refere o negcio descrito na alnea a) do exerccio desde o momento da celebrao do negcio, ou seja, Janeiro de 2004, independentemente da data de entrega ou do pagamento do preo.

Assim, quando B vende a quinta a C com todo o seu contedo as vacas no esto j includas no negcio, pois j no pertencem quele. Se B vendesse essas vacas a C estaria a fazer uma venda de bens alheios, o que acarretaria a nulidade do negcio nos termos do art. 892, por falta de legitimidade do vendedor.

Poderia perguntar-se: teria o A de interpor uma aco de anulao do negcio entre B e C para fazer valer o seu direito? E, depois de anulado tal negcio, seria ele obrigado a fazer uso do artigo 817 para ver satisfeito o seu direito?

Se o negcio entre A e B fosse meramente obrigacional, a resposta a ambas as questes seria positiva. Mas no disso que aqui se trata: aqui estamos perante um direito real, que tem um regime prprio.

I A poderia, assim, defender o seu direito contra quem quer que fosse possuidor ou mero detentor da coisa atravs de uma aco de reivindicao prevista no art. 1311.

Sendo o direito de propriedade absoluto, no sentido de que oponvel a todos, no tem o A de impugnar a validade ou a eficcia do ou dos negcios que colocaram a coisa sob o poder de facto do actual possuidor ou detentor. Ele pode exigir judicialmente que estes reconheam o seu direito de propriedade e lhe restituam a coisa.

Resoluo da alnea b):

1. Tipo de contrato e obrigao

I Tambm o contrato a que se refere esta alnea tem natureza de negcio real quanto aos efeitos, sendo-lhe aplicvel muito do que foi dito relativamente ao das vacas. Contudo, ao contrrio do anterior, cujo objecto era presente data da celebrao do negcio, este segundo contrato tem como objecto coisas futuras (211), i.e., todas as galinhas que nascerem na quinta durante o ano de 2004. A transferncia do direito de propriedade sobre as galinhas d-se, assim, nos termos do n 2 do art. 408 e no do seu n 1, integrando-se numa das excepes ao princpio da consensualidade ali definidas. Em qual delas, o que importa de seguida apurar.

II Recorde-se que o n 2 comporta trs excepes regra do consensualismo prevista no n 1, a saber:

a) Transferncia de direitos reais relativos a coisa futura: d-se quando a coisa for adquirida pelo alienante;

b) Transferncia de direitos reais relativos a coisa indeterminada: d-se quando a coisa for determinada com conhecimento de ambas as partes. Este regime admite, no entanto, duas excepes:

a. A das obrigaes genricas: aplica-se o regime que resulta da conjugao dos artigos 540 e 541 note-se que a regra no regime das obrigaes genricas de a concentrao da obrigao se dar com o cumprimento, i.e., com a entrega; esta regra admite, contudo, que a concentrao se d antes do cumprimento em quatro casos, cfr. art. 541: (i) havendo acordo das partes nesse sentido; (ii) quando o gnero se extinguir ao ponto de restar apenas uma das coisas nele compreendidas; (iii) quando o credor incorrer em mora 813; (iv) e no caso previsto no art. 797.

b. A dos contratos de empreitada ver 1207 e ss. CC.c) Transferncia de direitos reais relativos a frutos naturais e a partes componentes ou integrantes: d-se apenas no momento da colheita ou separao ver 204 e 210.III A primeira questo a dilucidar a que se prende com a dvida de saber se estamos perante uma obrigao determinada ou indeterminada (400) e genrica ou especfica (539 e ss.), uma vez que a classificao como obrigao de prestao de coisa futura (211, 880) no oferece dificuldades.

IV Relativamente a determinabilidade/indeterminabilidade da obrigao, parece-nos que o objecto est suficientemente preciso para que a prestao possa ser exigida e cumprida sem necessidade de qualquer outra aco das partes no que se refere escolha. De facto, a prestao abrange todas as galinhas que nascerem na quinta durante o ano de 2004, independentemente de serem uma centena ou 10 milhares.

V Devemos, tambm, afastar a tentao de classificar a obrigao resultante do contrato como uma obrigao genrica. Apesar de o objecto ser referido pelo gnero e de a quantidade no estar, partida, perfeitamente determinada porque se ignora quantas galinhas vo nascer na quinta durante o ano de 2004, sabemos partida que toda e qualquer galinha que nasa na quinta nesse perodo faz parte do objecto da prestao. No , assim, necessria qualquer escolha da coisa por parte quer do devedor quer do comprador: essa escolha est feita ab initio.

Entendemos, assim, que no aplicvel a este caso o regime das obrigaes genricas previsto nos artigos 539 e ss. do CC, salvaguardado pelo art. 408/2 CC.

2. Meios de defesa do direito

I Conclumos que a obrigao resultante do contrato ora em anlise uma obrigao de prestao de coisa futura.

Neste caso, o contrato s tem eficcia real quando a propriedade se transfere para o comprador, i.e., no momento em que o alienante adquire o direito alienado. O efeito real da transferncia do direito ocorre medida que as galinhas vo nascendo na quinta. Logo, todas as galinhas nascidas at Maio de 2004 data da venda da quinta ao Carlos so propriedade do Antnio, que pode intentar contra aquele uma aco de reivindicao nos termos do j citado artigo 1311 CC.

As galinhas que venham a nascer da por diante so propriedade de C, dono da quinta, uma vez que sobre essas j o B no teria legitimidade para delas dispor. Qualquer contrato celebrado por B como alienante relativo a essas galinhas seria nulo por se tratar de bens alheios (892) e no poderia ser oponvel a terceiros (nomeadamente C).

Resoluo da alnea c):

I O enunciado diz-nos que A acordou com B a compra do trigo que este iria adquirir de M por altura da colheita. Ora, perante isto, podem colocar-se duas situaes distintas:

a) Ou o trigo comprado por B a M quando ainda se encontra ligado ao solo, e ento trata-se de frutos naturais 212/1-2;

b) Ou comprado por B a M j depois de ter sido por este colhido e, eventualmente, armazenado, caso em que estaremos perante bens futuros - 211.

No primeiro caso, a transmisso da propriedade d-se no momento da colheita; no segundo caso, quando a coisa for adquirida pelo alienante 408/2.

Caso se verifique a primeira hiptese, o trigo considera-se coisa imvel enquanto estiver ligado ao solo (204/c). No entanto, no faz sentido exigir a forma de contrato dos imveis, pois quando se transaccionam frutos naturais entende-se que se est a negociar bens mveis, sendo a forma aplicvel a estes a mais adequada.

A venda pelo Barnab de algo que ainda no lhe pertence no importa nulidade nos termos do art. 892 (venda de bens alheios), uma vez que a coisa vendida na qualidade de bens futuros, nos termos do art. 880. Seria nula, sim, se B os vendesse como se fossem bens prprios e no como bens futuros.

Note-se que este negcio nada tem a ver com a quinta vendida pelo B: os produtos vendidos no foram nem iro ser produzidos nesta, pelo que a sua alienao no afecta a validade do contrato. Por conseguinte, quando o B adquirir o trigo a M este passar a ser sua propriedade no preciso momento em que fizer a respectiva colheita, sendo tambm esse o momento em que se preenche o requisito previsto no art. 408/2 de que depende a transmisso da propriedade para o A. Ser ento que se verifica a eficcia real do contrato.

Por outro lado, se o B adquirir o trigo j depois de colhido, ser no momento em que adquire a propriedade sobre o mesmo que este direito se transferir para a esfera jurdica de A. Trata-se aqui de um contrato de compra e venda com eficcia real diferida, sujeita aquisio do direito de propriedade de bens futuros (211) por parte do vendedor 880 e 408/2.

At ao momento em que adquire o direito de propriedade sobre o trigo vendido por M, o B est obrigado perante o A atravs de um vnculo obrigacional que lhe impe uma certa conduta: a de exercer as diligncias necessrias para que o A adquira os bens vendidos 880.

Resoluo da alnea d):

I O contrato tem por objecto todas as mas do pomar de B que se deduz fazer parte integrante da quinta. Nos termos do art. 212/1 e 2, as mas em causa integram o conceito de frutos naturais, sendo que o n 2 do art. 408, in fine, estabelece um regime especfico quanto a estes. Segundo este regime, a transferncia do direito de propriedade dos frutos naturais verifica-se apenas no momento da colheita.

Diz-nos o enunciado que a colheita deveria ser feita em Maro, mas parece que no foi isso que sucedeu, uma vez que quando vendeu a quinta a C, em Maio, o B nada entregara a A do que tinha sido acordado. No entanto omisso quanto responsabilidade pela realizao dessa colheita: no diz se do devedor ou do comprador.

II Suponhamos que a responsabilidade pela colheita era do devedor e que este a realizou em Maro, como devido. Neste caso, a propriedade das mas transferiu-se de imediato para o A, passando este a poder reivindicar o reconhecimento desse seu direito e consequente restituio nos termos do art. 1311; caso os frutos no tenham sido colhidos antes de a quinta ser vendida com todo o seu contedo a C, os frutos so propriedade deste, uma vez que o contrato entre A e B no chegou a ter eficcia real, pelo que dever seguir-se o regime das obrigaes e no dos direitos reais. E o vnculo obrigacional no tem eficcia quanto a terceiros fora dos casos e termos previstos na lei 406/2.

III E se a responsabilidade pela colheita fosse do A? Bom, neste caso ele deveria ter colhido os frutos no ms de Maro, como acordado. Mas no parece t-lo feito, ou no faria sentido estar agora a exigir do C a entrega desses bens. E, assim sendo, A entraria em mora a partir do momento em que deveria ter feito a colheita e no o fez 813.

Caso estivssemos perante uma obrigao genrica, verificar-se-ia uma das situaes previstas no art. 541 em que a concentrao da obrigao se d antes do cumprimento. Mas, como se compreende, esta no uma obrigao genrica: ela est perfeitamente determinada desde a celebrao do negcio: so todas as mas do pomar do B.

IV Atente-se ainda neste outro aspecto: sobre as mas objecto do negcio entre A e B incidem dois direitos conflituantes: o direito de crdito de A e o direito real de propriedade do C. Ora, pelo princpio da prevalncia, o direito de crdito cede perante o direito real, pelo que A no pode opor o seu direito ao direito de C.

Sendo assim, s resta ao A exigir de B o pagamento de uma indemnizao, j que o cumprimento se tornou impossvel 790.

Resoluo da alnea e):I A obrigao resultante deste contrato tem natureza claramente genrica, sendo um exemplo daquilo que o Prof. assistente designou por obrigao genrica de gnero limitado.

Segundo a explicao dada na aula de 18-11-2005, as obrigaes ordenam-se de forma escalonada segundo um critrio de grau pela ordem seguinte:

1st. Indeterminadas: a transmisso d-se logo que a prestao determinada com conhecimento de ambas as partes 408/2.

2nd. Genricas (ditas normais): a transferncia d-se com a concentrao; esta d-se com o cumprimento e este, em regra, com a entrega 540 e 541. Nestas o risco corre pelo devedor, ficando este obrigado enquanto houver (no mercado) coisas do gnero sobre que a obrigao incide. Enquanto subsistir o gnero no h impossibilidade o 540 afasta o 790.

3rd. Genricas de gnero limitado: ex: A promete a B vender-lhe um dos 5 quadros de Vieira da Silva que tem l em casa (admitindo que para o comprador os quadros da autora eram fungveis). O regime depende do que as partes quiserem. Se o gnero limitado perecer, e ainda que haja no mercado coisas do mesmo gnero, a prestao torna-se impossvel 790.

4th. Alternativas: a transmisso d-se com a escolha 543.

Porqu de gnero limitado? Porque a obrigao se torna impossvel no caso de toda a madeira armazenada por B perecer, mesmo que haja no mercado quantidades infinitas do mesmo gnero de madeira. Se fosse genrica (normal), enquanto fosse possvel ao vendedor adquirir madeira do mesmo gnero para realizar o cumprimento da prestao esta no seria impossvel e no se aplicaria o 790, mas sim o 540; no entanto, no caso vertente apenas possvel escolher a tonelada de madeira de carvalho que o A comprou de entre as vrias toneladas que o B tem armazenadas e de nenhuma outra.

II Que consequncias prticas resultam desta classificao? Segundo o docente, isto implicaria que o regime a aplicar quanto ao momento da transferncia da propriedade no fosse o previsto nos artigos 540 e 541 ex vi artigo 408/2, mas antes aquele que as partes resolvessem estipular. Mas no isso que se passa face a qualquer obrigao genrica, por fora do art. 541?

Dvida a esclarecer

Hiptese n 7

Dado pelo Assistente Hiptese 2

Daniel, acompanhado de seu filho Francisco, dirigiu-se a um stand de automveis pertencente a Ernesto com o intuito de escolher um automvel novo para si e uma mota para Francisco. Depois da escolha dos veculos, foi acordado o seguinte:

a) Daniel comprou o automvel a Ernesto pelo montante total de 20.000, a pagar em 10 prestaes; Daniel podia levar imediatamente o automvel, mas o registo da aquisio s seria efectivado depois do pagamento da ltima prestao, uma vez que, at esse momento, Ernesto mantinha a titularidade do mesmo;

b) Daniel compraria a mota para o seu Francisco, pelo montante de 500, caso ele passasse no exame de Direitos Reais, a realizar da a uma semana, comprometendo-se Ernesto a, durante esse perodo, no a vender a ningum.

Dois dias depois, Daniel, desapontado com o sistema de traves do automvel, resolveu vend-lo ao seu vizinho Xavier. Ernesto, como retaliao, vendeu no dia seguinte a mota a um outro cliente.

Quid juris?

Aspectos a considerar:

1. Da reserva de propriedade

2. Reserva de propriedade em caso de mtuo

3. Da venda a prestaes/venda com espera do preo

***

1. Da reserva de propriedade

I O negcio celebrado entre E e D configura um contrato de compra e venda (874) com reserva de propriedade (409) visto que, at ao pagamento integral do preo, o Ernesto mantinha a titularidade do automvel. Esta reserva de propriedade, uma vez que incide sobre uma coisa mvel sujeita a registo, no pode ser oponvel a terceiros se no tiver sido registada (409/2).

O contrato de compra e venda entre D e X nulo, por falta de legitimidade do vendedor, que realizou uma venda de bens alheios 892. No consta, no entanto, do texto que a reserva de propriedade tenha sido registada, pelo que esta no seria oponvel ao Xavier.

II A reserva de propriedade tem como finalidade essencial acautelar o direito do vendedor. De facto, havendo transmisso da propriedade (e esta d-se, como sabemos, por mero efeito do contrato 408/2 e 879/a) e entrega da coisa, a falta de pagamento no resolve o contrato (886). Assim, o vendedor que no reserve a propriedade v-se na contingncia de no ver o seu crdito satisfeito; e mesmo que mova contra o comprador uma aco em que, por exemplo, pretenda a penhora do automvel, ter de concorrer em p de igualdade com os demais credores do devedor inadimplente, face ao princpio par conditio creditorum.

Havendo reserva de propriedade pode o credor, por um lado, exigir a restituio da coisa atravs de uma aco de reivindicao (1311) uma vez que ainda o seu proprietrio e, por outro, ficar a salvo dos credores do comprador sobre a coisa transaccionada.

2. Reserva de propriedade em caso de mtuo

Existe uma modalidade sui generis de reserva de propriedade hoje em dia bastante utilizada, mas cuja natureza levanta algumas questes (incluindo de legalidade): a que tem a ver com a exigncia de reserva de propriedade por parte das financeiras sobre os bens adquiridos atravs de emprstimo bancrio.

Como se passam as coisas? Vejamos em esquema:

O mtuo no um contrato sinalagmtico, uma vez que s faz nascer obrigaes para uma das partes. Por banda do mutuante exige-se a entrega do dinheiro (entrega esta que constitui um efeito real do contrato; a transferncia da propriedade do dinheiro para o muturio no uma obrigao, mas um pressuposto do contrato); quanto ao muturio, pelo contrrio, verifica-se a adstrio deste a um vnculo obrigacional o de restituir outro tanto do dinheiro que recebeu. No sendo um contrato sinalagmtico, no se aplica a este a excepo do cumprimento simultneo das obrigaes.

O objecto do contrato de mtuo o dinheiro mutuado, pelo que apenas sobre ele poderia a financeira exigir reserva de propriedade. Mas isso no faria sentido, uma vez que em caso de perecimento do dinheiro o risco correria por conta do banco (que se manteria proprietrio).

Assim, os bancos exigem que a reserva de propriedade incida sobre o carro, que era do stand e no dele, o que no deixa de ser absurdo. Apesar de no haver suporte legal para esta reserva, o que facto que h quem aceite esta modalidade de reserva de propriedade.

3. Da venda a prestaes/venda com espera do preo

Quanto forma de pagamento, podemos enquadr-la em duas modalidades distintas:

a) A de compra e venda a prestaes 934

b) A de compra e venda com espera do preo, que no tem regulamentao expressa.

No caso de venda a prestaes com reserva de propriedade, a falta de pagamento de uma das prestaes que no exceda a oitava parte do preo no d direito a resoluo do contrato. No entanto, por fora do art. 781, a falta de pagamento de uma das prestaes da dvida importa o vencimento das restantes.

II Publicidade: a proteco registral

Hiptese n 8

O proprietrio inscrito na Conservatria do Registo Predial de vora, por compra do prdio X a Z, vendeu o mesmo prdio a B. Esta venda no foi registada.

Dois meses depois, F, credor de A, registou uma penhora sobre o prdio X.

Seis meses depois, A tornou a vender o prdio a C, que desconhecia a anterior venda a B. C registou a aquisio.

Ao saber do registo de C, B interps uma aco de declarao de nulidade da venda concluda entre A e C.

a) Esclarea a eficcia real dos negcios celebrados por A com B e C.

b) Analise a falta de registo do contrato de compra e venda celebrado entre A e B.

c) Diga se a declarao de nulidade requerida poderia afectar a posio de C.

d) Estar o F protegido pelas regras do registo?

Aspectos a considerar:

1. Eficcia real dos contratos

2. Venda por non dominus3. Obrigatoriedade ou no do registo

4. Conceito de terceiro para efeitos de registo

5. Efeitos da falta de registo

***

Questo da alnea a):

O caso em anlise pode ser representado esquematicamente da seguinte forma:

SHAPE \* MERGEFORMAT

O contrato entre A e B vlido e produz efeitos no acto da sua celebrao, pelo que a propriedade se transmitiu do primeiro para o segundo nesse preciso momento 408/1

O contrato entre A e C nulo, por falta de legitimidade do alienante, uma vez que j no era proprietrio do prdio data da alienao. Tratou-se de uma venda de bens alheios 892

Questo da alnea b):

Embora a aquisio do direito de propriedade seja um dos factos sujeitos a registo (2/1.a) do CRProp), este registo no obrigatrio, pelo que o direito de B no afectado pela sua falta.

No entanto, fala-se de uma obrigatoriedade indirecta (Oliveira Ascenso), uma vez que o titular do direito no pode dele dispor sem o prvio registo.

O art. 9 CRProp dirige-se ao Notrio: este no pode titular um acto de disposio de um direito sujeito a registo sem que este tenha sido definitivamente inscrito. aqui que se baseia o Prof. Oliveira Ascenso para afirmar que existe obrigatoriedade indirecta do registo predial.

O Prof. Carvalho Fernandes fala, ao invs, de legitimao: s pode dispor de um direito (s tem legitimidade para tal) aquele que beneficiar de um registo. O Prof. Coelho Vieira prefere esta posio anterior.

Apesar de o registo no ser necessrio para a transmisso do direito de propriedade para a esfera jurdica do B, que opera por mero efeito do contrato (408/1), o registo tem um efeito consolidativo ou confirmativo: no constitui o direito, mas coloca o seu titular ao abrigo do efeito atributivo. Se o B tivesse registado a aquisio do seu direito este consolidava-se, no permitindo a C adquiri-lo por via tabular.

Questo da alnea c):

Ser C protegido pelo registo da sua aquisio?

Para responder a esta questo importa esclarecer o que se entende por terceiro, para os efeitos previstos no art. 5 do CRProp.

Podemos encarar este conceito numa acepo ampla e numa acepo restrita. Na primeira, terceiro seria qualquer pessoa exterior relao jurdica considerada; na restrita, s assim considerado quem preencha os requisitos constantes do n 4 do citado artigo.

At h pouco tempo, esta questo gerava fortes polmicas, sendo interessante analisar os Acrdos STJ 4/97 e 3/99 (confirmar as referncias). Hoje o n 4 resolveu essa questo.

Terceiro, para este efeito, aquele que tiver adquirido de um autor comum direitos incompatveis entre si. No caso em apreo, F no terceiro, pois nada adquiriu de A; C terceiro, pois adquiriu de A um direito de propriedade incompatvel com o direito que B adquiriu do mesmo alienante.

Na realidade C nada adquiriu, uma vez que A j no dispunha do direito para o alienar; mas ele no o sabia nem tinha obrigao de o saber, dada a presuno do art. 7 CRProp. Resumindo, B e C adquiriam de A autor comum direitos incompatveis, pelo que C terceiro em relao a B, titular substantivo do direito.

O caso configura aquilo que se designa como dupla disposio do mesmo direito.

Do ponto de vista substantivo, esta situao tem uma soluo muito simples: quando A vende o prdio a C j no tinha legitimidade para o fazer. O que fez foi uma venda de bens alheios (892) que , assim, nula.

Como foi ento possvel realizar esta segunda venda? O que se passa que o Notrio, ao ser-lhe exibida uma certido que d A como proprietrio, nada pode fazer a no ser titular a aquisio da propriedade por parte de C.

Que efeitos tem a precedncia do registo da aquisio do C sobre a de B?

O art. 5/1 CRProp refere que os factos sujeitos a registo s so oponveis a terceiros depois da data do respectivo registo. Esta norma vai, aparentemente, ao arrepio do princpio da absolutidade, segundo o qual um direito real oponvel erga omnes. Mas o sentido desta o de conferir proteco a terceiro, sem afectar a oponibilidade erga omnes dos direitos reais, que existe independentemente de registo.

Vimos j que C terceiro para efeitos do art. 5/1. Mas para que possa obter proteco por via registal necessrio que, para alm disso, preencha cinco requisitos cumulativos:

1) Que exista um registo anterior desconforme;

2) Que o acto de disposio e alienao se fundamente no registo desconforme;

3) Que o negcio seja oneroso;

4) Que o terceiro adquirente esteja de boa f (subjectiva tica);

5) Que o terceiro adquirente tenha registado o facto jurdico relativo sua aquisio antes do registo da aco de impugnao.

Nota: o Prof. Carvalho Fernandes, em nota dissonante de toda a doutrina autorizada, defende que o terceiro tem direito a proteco mesmo em caso de negcio gratuito.Desde que preenchidos os cinco requisitos assinalados, o art. 5/1 tem efeito atributivo, tambm conhecido por aquisio tabular.

E o que acontece ao B, titular do direito de propriedade em termos substantivos?

Bem, o seu direito extingue-se por efeito da aquisio tabular do C, uma vez que so incompatveis entre si e no podem subsistir. Na esfera jurdica do C constitui-se um direito ex novo, uma vez que esta aquisio originria e no derivada.

Mas ser que sempre assim, i.e., que sempre que seja adquirido um direito real por via tabular se dar a extino do direito adquirido substancialmente por um titular diferente. Por outras palavras, se o C tivesse adquirido, em lugar de um direito de propriedade, um mero usufruto, ainda assim se extinguiria o direito de propriedade de B?

A resposta negativa: uma vez que os direitos no so absolutamente incompatveis entre si, o primeiro subsiste, mas fica onerado com o segundo.

Questo da alnea d):

Relativamente penhora que F registou sobre o prdio de B, pode este, em qualquer momento, cancelar esse registo, uma vez que aquele no pode onerar bens que no pertencem ao patrimnio do seu devedor (A) 8 e 13 CRProp. Pela dvida de A responde o patrimnio deste e o prdio X j no faz parte desse patrimnio.

Logo, no sendo F abrangido pelo conceito de terceiro constante do art. 5/2, no pode ele beneficiar da proteco do n 1 deste artigo.

Hiptese n 9

A celebrou com B um contrato de doao do prdio X. A tinha inscrio registal a seu favor desde 02-01-2000. O contrato de doao no foi registado.

Dois anos depois, B vendeu a C o referido prdio. C registou de imediato a respectiva aquisio.

Dois anos aps a compra e venda entre B e C, A intentou uma aco de declarao de nulidade da doao, aco essa que veio a ser declarada procedente, com trnsito em julgado, em 05-12-2005.

Diga, fundamentadamente, quem o proprietrio do prdio X.

Aspectos a considerar:

1. Da validade dos contratos e seus efeitos

2. Da legitimao de direitos sobre imveis e suas consequncias

3. Da validade/invalidade do registo da aquisio de C e seus efeitos

4. Da proteco de terceiro de boa f regime aplicvel

***

1. Da validade dos contratos e seus efeitos

I O contrato de doao tem eficcia real, transmitindo-se o direito de propriedade para a esfera jurdica do donatrio no momento da sua celebrao 408/1 e 954/a).

Sabemos, no entanto, que o contrato de doao A B nulo (cfr. sentena transitada em julgado). Ora, um contrato nulo no produz quaisquer efeitos jurdicos ab initio. Por conseguinte, o direito de propriedade sobre o prdio nunca se transmitiu de A para B (289).

II Tambm no contrato de compra e venda se verifica eficcia real, transmitindo-se o direito de propriedade do alienante para o adquirente no momento da celebrao 408/1 e 879/a).

Verifica-se, contudo, que por efeito da nulidade do contrato de doao o prdio era ainda de A quando B o vendeu a C. Logo, o contrato de compra e venda B C igualmente nulo, por falta de legitimidade do alienante, que praticou uma venda de bens alheios como sendo do prprio (892).

A propriedade continua, em termos substantivos, na esfera jurdica de A.

2. Da legitimao de direitos sobre imveis e suas consequncias

I A aquisio dos direitos de propriedade um facto sujeito a registo, nos termos do art. 2/1.a do CRProp. E diz-nos o texto que o A tinha uma inscrio registal em seu favor relativa ao prdio X.

Ora, nos termos do art. 9/1 CRProp, a transmisso de direitos sobre imveis no podem ser titulados sem que os bens estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem se adquire o direito.

Como foi ento possvel a celebrao do contrato entre B e C, tendo em ateno que, por ser um imvel, a lei exige forma especial escritura pblica?

Tal deveu-se ao facto de o Notrio, a quem o art. 9/1 CRProp se dirige, no ter cumprido com esta disposio legal, titulando a transmisso do imvel sem verificar que o mesmo no estava inscrito a favor de B, alienante.

II As consequncias da violao do art. 9/1 so diferentes consoante os autores: para Menezes Cordeiro, o acto de aquisio nulo; para Oliveira Ascenso, no passa de mera irregularidade, gerando paralelamente responsabilidade disciplinar por parte do notrio responsvel.

O Prof. Coelho Vieira segue esta posio.

3. Da validade/invalidade do registo da aquisio de C e seus efeitos

I O princpio do trato sucessivo, consagrado no art. 34 do CRProp, diz-nos que o registo definitivo de aquisio de direitos depende de prvia inscrio dos bens em nome de quem os transmite. Assim, para poder ser registada a aquisio de C feita a B, era necessrio que o prdio alienado estivesse registado em nome deste ltimo. Mas, como vimos, este registo no foi feito, verificando-se, assim, violao deste princpio.

Ora, a violao do princpio do trato sucessivo , precisamente, a causa de nulidade do registo prevista no art. 16/e), pelo que o registo da aquisio de C nulo.

II Que efeitos, se que alguns, se podem verificar em relao a C em resultado deste registo nulo? Ser que pode o adquirente C almejar proteco conferida pelo art. 17/2 do CRProp a terceiros de boa f?

A resposta tem de ser liminarmente negativa. Terceiro, para efeitos do art. 17/2, aquele que adquire de beneficirio de um registo nulo. Mas aqui o beneficirio o prprio C, logo, este no considerado terceiro no mbito desta norma.

Note-se que a ratio da lei ao dar proteco a terceiro de boa f contra os efeitos da nulidade do registo em favor de quem adquire a necessidade de ir de encontro s expectativas de certeza e segurana jurdica que este criou ao confiar na verdade e exactido dos registos pblicos. Mas o C nem esse argumento tem em seu favor, uma vez que adquiriu de quem no tinha a seu favor uma inscrio registal. Facto que ele sabia ou tinha a obrigao de conhecer, dada a funo de publicidade do registo.

4. Da proteco de terceiro de boa f regime aplicvel

I Afastada a possibilidade de C beneficiar da proteco do art. 17/2 CRProp, resta-nos verificar se a sua situao pode ser abrangida pelo regime previsto no art. 291 CC.

Este regime exige, para a sua aplicabilidade, seis requisitos cumulativos:

1) Pr-existncia de um registo desconforme ();

2) Acto de disposio (negocial) fundado no registo nulo e ferido de ilegitimidade por provir de titular aparente;

3) Que a aquisio seja onerosa;

4) Que o registo da aquisio pelo terceiro preceda o registo de aco de nulidade;

5) Que o terceiro esteja de boa f, na acepo do art. 291/3 do CC;

6) Que a aco no tenha sido interposta nos 3 anos seguintes contados da data do negcio nulo ou anulvel.

II Vejamos se preenche os requisitos assinalados.

Desde logo, verifica-se que no existe, antes da celebrao do negcio entre B e C, um registo desconforme, pelo que no h como o subadquirente possa invocar qualquer f pblica ou presuno fundada no registo. Logo, tambm aqui a proteco do C no pode ter lugar, sendo irrelevante que tenham decorrido os 3 anos referidos no art. 291/2 ou qualquer outro todos os requisitos tm que estar cumulativamente preenchidos.

Quer nos casos abrangidos pelo art. 17/2 C.R.Pr., quer naqueles em que aplicvel o art. 291 CC, s pode beneficiar da proteco registal o subadquirente e no o beneficirio do registo desconforme. Vejamos em esquema:

Conclui-se, assim, que o proprietrio actual do prdio X o proprietrio original, i.e., o C.

Hiptese n 10

A, aproveitando o facto do prdio X no constar do Registo Predial, forjou uma justificao notarial de usucapio da propriedade e promoveu o registo dessa aquisio a seu favor.

Dois meses mais tarde, A vendeu a B a propriedade do prdio X, ignorando o comprador que estava a comprar um bem alheio. B registou a aquisio.

Entretanto, C, o verdadeiro proprietrio, interpe uma aco de reivindicao contra B pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade e a condenao de B na entrega da coisa.

a) Diga quais so os aspectos registais envolvidos nesta hiptese.

b) Esclarea se a aco seria procedente se B invocasse tambm ele ser proprietrio da coisa.

Aspectos a considerar:

1. Da omisso de registo do prdio

2. Da validade dos ttulos de aquisio e dos registos

3. Da proteco de terceiro de boa f regime aplicvel

***

1. Da omisso de registo do prdio

A primeira questo que se levanta a de saber como possvel a existncia de prdios omissos no registo. A resposta a esta questo prende-se com a no obrigatoriedade de registo que vigora em Portugal.

O art. 2 do CRProp enuncia quais os factos jurdicos sujeitos a registo, mas o art. 41 sujeita esse registo ao princpio da instncia, o que significa que o impulso inicial cabe aos interessados; s a pedido destes sero os factos registados.

Mas, poderamos perguntar-nos, a existncia de prdios omissos no vai contra os fins do registo predial expressos no art. 1? claro que sim, mas a situao no assim to grave pois os interessados acabaro, mais tarde ou mais cedo, por fazer esse registo, uma vez que s assim tero legitimidade para alienar esses bens (9 CRProp). por isso que, conforme j referido no desenvolvimento do caso anterior, Oliveira Ascenso fala da existncia de uma espcie de obrigatoriedade indirecta e o Prof. Coelho Vieira, seguindo o Prof. Carvalho Fernandes, de legitimao.

Conclui-se, assim, que o A teria que proceder descrio do prdio para poder inscrever a aquisio da propriedade. E foi o que fez, recorrendo embora a um ttulo forjado.

2. Da validade dos ttulos de aquisio e dos registos

O enunciado fala-nos de uma escritura de justificao notarial. Em que consiste esta escritura de justificao notarial? Trata-se de uma escritura que, obedecendo a certas formalidades especficas, tem por fim a justificao da aquisio da propriedade do prdio.

Por exemplo, algum que esteja em condies de adquirir a propriedade por usucapio precisa de um ttulo que lhe permita registar essa aquisio em seu nome. Dirige-se ento ao notrio e obtm a tal escritura de justificao para o efeito.

No caso presente, essa escritura de justificao notarial que veio a servir de ttulo para a realizao do registo foi forjada pelo prprio B. Para alm da responsabilidade criminal em que incorre pela prtica desse ilcito (crime de falsificao de documentos art. 256 do Cdigo Penal), a falsidade do ttulo determina a nulidade do registo, nos termos do art. 16/a) do CRProp.

fcil constatar que, nada tendo o A adquirido, nada poderia transmitir ao B por falta de legitimidade. O A um non dominus, apesar da presuno do art. 7, tendo procedido a uma venda de bens alheios, que nula nos termos do art. 892 CC, pelo que o B nada adquiriu. O registo da sua aquisio , por conseguinte, nulo tambm pelos mesmos motivos.

Em termos substanciais, o prdio continua a pertencer a C.

3. Da proteco de terceiro de boa f regime aplicvel

I Enquanto os primeiros dois pontos procuravam responder, essencialmente, questo da alnea a), este debrua-se sobre o que perguntado na seguinte.

Dissemos h pouco que o C continua a ser, substantivamente, o proprietrio do prdio X. O facto de no ter registado a aquisio da propriedade do prdio em seu nome no basta para negar-lhe a titularidade do seu direito. Este existe independentemente do registo, que, como vimos, nem sequer obrigatrio. A oponibilidade erga omnes do direito de propriedade, como direito real tpico, advm-lhe do princpio da absolutidade que lhe caracterstico.

Mas a falta de registo no isento de consequncias: apesar de o registo no ser constitutivo do direito, ele no deixa de ter um efeito consolidativo, o que significa que quem dele beneficia fica protegido contra uma eventual aquisio tabular por parte de terceiro, i.e., fica salvaguardado do efeito atributivo do registo.

II Haver, neste caso, proteco registal de B?

A proteco conferida pelo art. 5 CRProp de afastar liminarmente: B no preenche o conceito de terceiro definido no n 4 deste artigo: quer A quer B nada adquiriram de C.

A proteco a conferir pelo art. 17/2 depende da verificao cumulativa de cinco requisitos:

7) Pr-existncia de um registo nulo;

8) Que a aquisio pelo terceiro se funde na pr-existncia do registo nulo ();

9) Que a aquisio seja onerosa;

10) Que o registo da aquisio pelo terceiro preceda o registo de aco de nulidade;

11) Que o terceiro esteja de boa f, na acepo do art. 291/3 do CC.

Pela anlise que fizemos, podemos concluir que esto preenchidos todos os requisitos que a lei exige para proteco do terceiro. De facto, (i) existe um registo nulo prvio ao negcio de compra e venda entre A e B (o que registou a aquisio a favor de A com base numa escritura de justificao notarial forjada); (ii) a compra pelo B fundou-se nesse registo desconforme; (iii) o negcio foi oneroso (compra e venda); (iv) o B registou a aquisio antes de C registar a aco de reivindicao e (v) o B estava de boa f, pois ignorava a falsidade do ttulo de aquisio do A e do registo deste e no lhe era exigvel que fizesse mais do que consultar o registo predial relativo ao prdio, face f pblica destes registos e presuno estabelecida no art. 7 do cdigo respectivo.

Assim, a aco de reivindicao no poderia proceder, sendo B o legtimo proprietrio actual do prdio por aquisio tabular (efeito atributivo do registo), nos termos do citado art. 17/2 do CRProp.

III Ponto a reter que todas as hipteses do art. 17/2 se identificam pela pr-existncia de um registo nulo.

Haver alguma forma de evitar o efeito atributivo do registo quando, por falta de registo do proprietrio (em termos substanciais) no se verificou o efeito consolidativo?

A resposta afirmativa e -nos dada pelo art. 5/2.a CRProp: quando a propriedade fundada na aquisio por usucapio tal facto afasta a possibilidade de aquisio por via tabular.

Hiptese n 11

Entre A e B foi celebrado um contrato de doao do prdio X, no dia 03-Jan-2002. O contrato, celebrado por escritura pblica, foi levado ao registo por A.

Um ano depois, em 03-Fev-2003, B vendeu a C o direito de propriedade adquirido no negcio com A. C registou a sua aquisio.

Em 02-Jan-2006, o Supremo Tribunal de Justia declara nulo o contrato celebrado entre A e B. Com base nesta deciso, A reclama de C a entrega do prdio.

Quid iuris?

Aspectos a considerar:

1. Da validade dos contratos e seus efeitos

2. Da validade/invalidade do registo da aquisio de C e seus efeitos

3. Da proteco de terceiro de boa f regime aplicvel

***

1. Da validade dos contratos e seus efeitos

I O contrato de doao tem eficcia real, transmitindo-se o direito de propriedade para a esfera jurdica do donatrio no momento da sua celebrao 408/1 e 954/a). [Cfr. tambm art. 947/1 CC embora no tenha sido referido pelo Prof.].

Sabemos, no entanto, que o contrato de doao A B nulo (cfr. sentena). Ora, um contrato nulo no produz quaisquer efeitos jurdicos ab initio. Por conseguinte, o direito de propriedade sobre o prdio nunca se transmitiu de A para B (art. 289 CC). [Importa aqui considerar o PRINCPIO DA CONSENSUALIDADE em vigor na ordem jurdica portuguesa].

II Tambm no contrato de compra e venda se verifica eficcia real, transmitindo-se o direito de propriedade do alienante para o adquirente no momento da celebrao 408/1 e 879/a).

Verifica-se, contudo, que por efeito da nulidade do contrato de doao o prdio era ainda de A quando B o vendeu a C. Logo, o contrato de compra e venda B C igualmente nulo, por falta de legitimidade do alienante, que praticou uma venda de bens alheios como sendo do prprio (892).

A propriedade continua, em termos substantivos, na esfera jurdica de A. Tal remete-nos para uma desconformidade entre a realidade substantiva (A proprietrio) e a realidade registal (B proprietrio).

2. Da validade/invalidade do registo

Considerando que estamos em presena de factos contemplados nos artigos 2 e 3 do Cd. Registo Predial, tal dado remete-nos para o art. 7 do mesmo diploma no que concerne presuno da titularidade do direito.

A poderia ter registado? Sim cfr. art. 36 Cd. Registo Predial (neste caso no foi o donatrio a registar mas sim o doador).

3. Da proteco de terceiro de boa f regime aplicvel

Tendo por base a desconformidade existente entre a realidade substantiva (A proprietrio) e a realidade registal (B proprietrio), entende o legislador que o terceiro, neste caso C, beneficia de proteco nos termos do art.291 CC.

Este regime exige, para a sua aplicabilidade, seis requisitos cumulativos:

1. Preexistncia de um registo desconforme ();

2. Acto de disposio (negocial) fundado no registo nulo e ferido de ilegitimidade por provir de titular aparente;

3. Que a aquisio seja onerosa;

4. Que o registo da aquisio pelo terceiro preceda o registo de aco de nulidade;

5. Que o terceiro esteja de boa f, na acepo do art. 291/3 do CC;

6. Que a aco no tenha sido interposta nos 3 anos seguintes contados a partir da data do negcio invlido (nulo ou anulvel). [Importante: Aqui o que conta que a aco de declarao de nulidade ou de anulao seja proposta e registada dentro daquele prazo, no relevando a data da deciso do tribunal].

Concluso:

Considerando que (pelo menos tudo o indica uma vez que uma aco no chega ao conhecimento do Supremo tribunal em menos de um ano) que a aco de declarao de nulidade foi interposta nos 3 anos seguintes, contados a partir da data do negcio, entende o legislador que nestes casos prevalece a posio substantiva em detrimento da posio registal.

Nota:

Artigos 5 e 17 Cd. Registo Predial a proteco do terceiro automtica e ocorre por via do registo.

Artigo 291 CC - a proteco do terceiro s se d desde que nenhuma aco tenha sido interposta nos 3 anos seguintes contados a partir da data do negcio invlido.

Hiptese I

Suponha agora que a aco de declarao de nulidade foi intentada apenas em 02-Jan-2006.Poderia esta aco influenciar o conflito entre A e C?

No. Mesmo que o tribunal viesse a declarar nulo o negcio entre A e B, tal seria irrelevante para C que beneficiaria de proteco registal (adquirindo o direito real a que se reporta o seu registo).

Apontamentos:

Artigos 5 e 17 Cd. Registo Predial + Artigo 291 CCA aquisio tabular de um direito implica a extino do direito anterior. O direito adquirido tabularmente um direito ex novo.

Art. 5/1 Cd. Registo Predial: aplica-se em hipteses de dupla disposio (A mesma pessoa dispe duas vezes do mesmo direito) Conjugar com art. 5/4 Cd. Registo Predial.

Art. 17/2 Cd. Registo Predial: aplica-se em hipteses de sub-aquisio com nulidade registal (ver art. 16 Cd. Registo Predial) cenrio de sucesso de contratos.

Art. 291 CC: aplica-se em hipteses de sub-aquisio em que se verifica a preexistncia de um negcio invlido cenrio de sucesso de contratos.

III A Posse

Sobre esta matria aconselhou a seguinte bibliografia:

1) A Posse Perspectivas Dogmticas Actuais, do Prof. Menezes Cordeiro

2) A Posse, de Manuel Rodrigues

3) Artigos sobre a posse do Cdigo Civil Anotado, do Prof. Antunes Varela

Hiptese n 12

A encontrou um co abandonado e pegou nele levando-o para sua casa. Trs semanas depois, quando andava a passear o seu co, A sofreu um ataque de B que lhe roubou o co.

B veio a vender o co a C, que desconhecia o roubo.

a) Esclarea a situao jurdico-possessria dos trs intervenientes.

b) Diga quem o proprietrio do co.

***

Alnea a):

I Situao do A:

Este adquire a posse e, j agora, a propriedade sobre o co por ocupao (1318), passando a exercer sobre ele um controle material, um poder de facto (1252/2) que caracteriza o elemento objectivo da posse, i.e., o corpus.

Para os defensores da concepo objectivista mais no preciso para afirmar que o A tem a posse do co, salvo se alguma das situaes previstas nas trs alneas do art. 1253 descaracterizasse a sua situao de possuidor a mero detentor. Como facilmente se verifica, nenhuma dessas hipteses se encontra preenchida: no resulta do texto que o A exera o poder de facto sem inteno de agir como beneficirio do direito, no se aproveita da tolerncia do titular do direito, uma vez que sendo o co abandonado este res nulius e tambm no representante nem mandatrio do possuidor nem age em nome de outrem.

Contrariamente, para os defensores da concepo subjectivista, no bastaria o corpus para caracterizar a posse; seria necessrio que se verificasse ainda a existncia de um elemento subjectivo, o nimus, entendido como a inteno de quem detm o corpus em agir como titular do direito que a posse exterioriza. Esta concepo deve-se fundamentalmente a Savigny e foi duramente contestada por Jiehring, o primeiro objectivista. Segundo o Prof., que segue nesta matria a posio de Oliveira Ascenso pioneiro do objectivismo em Portugal no tem razo de ser esta aluso a uma inteno subjectiva de quem exerce o poder de facto: para ele o que importa o controle material, s sendo a caracterizao da posse afastada desde que se verifique uma das excepes previstas no art. 1253.

Assim, e em concluso, o A um possuidor e no mero detentor do co. E um possuidor causal, uma vez que a posse coincide com a titularidade do direito a que a mesma se refere. Mesmo sendo desapossado fisicamente do animal atravs do roubo, no perder a posse de imediato: isso s suceder se a posse de outrem, ainda que contra sua vontade, durar por mais de um ano (1267/1-d).

II Situao do B:

Apesar de o roubo ser um acto ilcito, B adquire a posse por apossamento do animal. Isto porque o regime possessrio abstrai da titularidade do direito de propriedade. Da que a anlise da posse e da propriedade deva ser sempre feita separadamente. B apossou-se do animal atravs do roubo e, havendo controle material poder de facto sobre a coisa, haver posse desde que no se verifique o preenchimento da previso das normas do art. 1253.

O B , no entanto, possuidor formal, por no ser titular do direito que a posse exterioriza.

III Situao do C:

O contrato celebrado entre B e C nulo por falta de legitimidade. O B no adquiriu a propriedade do animal atravs do roubo, uma vez que este, sendo um acto ilcito, no causa de aquisio. Por conseguinte, por violao do princpio da causalidade, B nada adquiriu. E o facto de ter a posse de nada lhe adianta, uma vez que em Portugal no vigora o princpio da posse vale ttulo.

Sendo assim, B, como non dominus do co, no tinha legitimidade para dele dispor, sendo assim o negcio jurdico ferido de nulidade por se tratar de uma venda de bens alheios (892).

Por sua vez, tambm o C nada adquire, face j referida nulidade do contrato de compra e venda que celebrou com B. Todavia, o facto de no ter adquirido a propriedade no significa que tambm no tenha adquirido a posse. Como se disse j, a anlise da posse e da propriedade faz-se de forma dissociada.

Verifica-se que o C exerce um poder de facto sobre o animal e que esta situao no cai no mbito do artigo 1253; logo, o C possuidor. Esta posse foi adquirida por tradio da coisa, nos termos do art. 1263-b). E note-se que a caracterizao como possuidor formal nada releva, uma vez que se trata de uma construo doutrinria que no tem subjacente qualquer distino de regime.

Pergunta-se: ser que o C tem direito a algum tipo de proteco resultante da sua boa f no que toca a direitos reais de gozo? A resposta liminarmente negativa, face constatao de que em Portugal no vigora o princpio da posse vale ttulo. No que toca tutela possessria, no entanto, pode vir a impedir a legitimidade passiva (1281/2).

Alnea a):

O proprietrio do animal A, que o adquiriu por ocupao, nos termos do art. 1318. Note-se que no tm aqui aplicao dos requisitos previstos no art. 1323, uma vez que o co no estava perdido nem tinha sido escondido pelo seu proprietrio: ele tinha sido abandonado, e as coisas abandonadas so consideradas res nulius.

Prof. diz que voltaremos a este caso para analisar outros aspectos cuja matria ainda no foi dada.

Hiptese n 13

A, proprietrio do prdio rstico X, autorizou B, seu vizinho, a levar o seu gado a pastar na parte norte do prdio X. Dois meses mais tarde, depois de utilizar o pasto vrias vezes, B faz circular na aldeia ser possuidor da parte norte do prdio, uma vez que tem inteno de possuir.

a) Qualifique a situao jurdico-possessria de B;

b) Esclarea se a inteno manifestada por B tem relevncia jurdico-possessria.

***

Alnea a):

B exerce um poder de facto sobre a coisa, tendo, por conseguinte, o corpus possessrio. Para os subjectivistas, na senda de Savigny, tanto no bastaria para se poder afirmar que B possuidor. Eles exigem, para alm do corpus, que se verifique a existncia do elemento subjectivo que denominam nimus e que se traduz na inteno, por parte daquele que tem o controlo material da coisa, de exercer o direito correspondente ao direito de propriedade ou a outro direito real (1251). Nunca haveria posse se no estivessem reunidos estes dois elementos, o primeiro objectivo, subjectivo o segundo.

Contrariamente, os objectivistas, na esteira de Jhering, defendem que tem posse, independentemente de qualquer inteno subjectiva, todo aquele que exerce um controlo material sobre a coisa, ou seja, que tem o corpus possessrio, independentemente da inteno subjectiva do agente, salvo se tal situao for degradada por disposio expressa da lei a mera deteno. isto que sucede, por exemplo, quando a situao cai no mbito de uma das alneas do art. 1253 CC.

No caso em apreo, a situao do B enquadra-se claramente na previso da alnea b), uma vez que o controlo material que aquele exerce sobre parte do prdio X se deve a um acto de tolerncia do titular do direito. Por conseguinte, aquele mero detentor e no possuidor da coisa em questo.

Alnea b):

A relevncia positiva ou negativa da inteno manifestada pelo B depende da concepo que se adopte: objectivista ou subjectivista.

I Para os objectivistas, ela no tem qualquer relevncia positiva, uma vez que no pelo facto de se anunciar uma determinada inteno de possuir que h posse. Para haver posse bastaria, por um lado, que ele exercesse, como exerce, um controlo material sobre a coisa e, por outro, que no existisse disposio da lei que afastasse a qualificao da posse degradando-a a mera deteno. Vimos que, no caso vertente, esta disposio existe (1253/b), pelo que no h posse mas apenas deteno.

J quanto relevncia negativa, a histria outra. Imaginemos que o B tinha o corpus possessrio sem que a situao se enquadrasse quer na alnea b) quer na c) do art. 1253. Neste caso o corpus seria suficiente para se dizer que havia posse (a menos que houvesse uma qualquer disposio legal que afastasse esta qualificao). No entanto, caso o B tivesse manifestado que no tinha inteno de possuir, tal declarao relevaria no mbito da alnea a), afastando a qualificao de posse em favor da mera deteno.

Em suma, para os objectivistas, a declarao do B de que tem inteno de possuir nada releva para o efeito da qualificao jurdico-possessria deste; a declarao contrria a de que no tem inteno de possuir releva apenas para o preenchimento da previso da alnea a) do art. 1253.

II Para os subjectivistas, pelo contrrio, a inteno do agente no s relevante como pressuposto da posse. Para os defensores desta corrente, mesmo havendo corpus no h posse sem nimus, j que qualquer destes elementos imprescindvel para se caracterizar uma situao de posse.

Qual a soluo para o presente caso, tendo em conta que o controlo material exercido sobre parte do prdio pelo B se deveu a um acto de tolerncia do titular do direito de propriedade e possuidor do prdio?

Bom, parece-nos que nem mesmo os subjectivistas defendem que a mera inteno expressa pelo detentor possa afastar a estatuio do art. 1253 uma vez preenchida a previso da sua alnea b). E, sendo assim, apesar de a relevncia que esta corrente confere inteno subjectiva do agente, a concluso a extrair neste caso continuaria a ser a de que estamos perante um caso de mera deteno.

III Parece-nos, todavia, que a situao pode evoluir num sentido que, a final, pode redundar numa transformao da situao de mera deteno em posse.

Suponhamos que o B, detentor da coisa, depois de fazer circular na aldeia ser possuidor da parte norte do prdio, uma vez que tem inteno de possuir, exerce, efectivamente, uma oposio clara ao proprietrio do prdio, arrogando-se a titularidade do direito de propriedade.

Neste caso, desde que essa oposio fosse, como diz Oliveira Ascenso (), categrica, de modo a sobrepor-se aparncia que era representada pelo ttulo e fosse dada a saber ao proprietrio a sua oposio, estariam preenchidos os requisitos de que o art. 1265 faz depender a inverso do ttulo da posse.

Ora, sendo a inverso do ttulo da posse uma das modalidades de aquisio da posse (1263/d), o B passaria de detentor a possuidor, sendo tal posse originria e formal, no titulada (1259/1), de m f (1260/1-2), pacfica (1261/1-2) e pblica (1262).

Hiptese n 14

C, proprietrio do automvel Y, constitui a favor de D um direito de usufruto. Com a concluso do contrato, o automvel foi entregue a D para que exercesse o seu direito. Entretanto, D contratou E como motorista, ficando o carro a cargo deste quando D no necessitava dele para as suas deslocaes.

Esclarea o estatuto jurdico-possessrio dos diversos intervenientes.

***

C Proprietrio: possuidor do automvel, exercendo essa posse por intermdio de D (1252/1). A constituio e venda do usufruto a D, e a entrega do carro a este, no fazem cessar a sua posse nos termos da propriedade, ficando este onerado pelo direito de usufruto.

D Usufruturio: adquire a posse nos termos do usufruto, por tradio simblica da coisa (1263/b). Cumula o estatuto de possuidor nos termos da posse com o de detentor nos termos do direito de propriedade, uma que vez que exerce o poder de facto correspondente ao direito de propriedade em nome de C (1253/c).

E Motorista: Possui em nome de outrem, logo mero detentor (1253/c). Tem o controlo material da coisa mas no exterioriza o exerccio de qualquer direito real sobre ela em nome prprio.

Nota: os titulares de direitos reais menores so possuidores nos termos desses direitos, mas detentores nos termos do direito de propriedade. Trata-se de uma deteno complexa, pois so simultaneamente possuidores nos termos de um direito real prprio.

Suponhamos agora que o contrato entre C e D nulo. H alterao da situao jurdico-possessria de cada um dos intervenientes?***

Depende.

Se a nulidade for substancial, a posse de D continua a ser titulada (1259/1), passando, contudo, de causal a formal. No entanto, esta diferente qualificao doutrinria, no acarretando diferenas de regime. Quanto aos restantes no h qualquer diferena em resultado desta nulidade do contrato.

J se, pelo contrrio, a nulidade for formal, a posse de D, embora continue a existir por ter sido adquirida por tradio da coisa ex vi do art. 1263/b) deixa de poder ser considerada titulada, o que ter j alguns efeitos em termos de regime, desde logo na presuno de m f expressa no art. 1260/2 e nos prazos para a usucapio. claro que esta uma presuno iuris tantum, pelo que pode ser ilidida por prova em contrrio.

Hiptese n 15

A instalou-se com a sua famlia na fraco autnoma X. O prdio estava vazio e A, julgando estar o mesmo abandonado, a se instalou.

Um ano depois, A vendeu o prdio a B, entregando-lhe o mesmo na data de celebrao do contrato.

a) Caracterize a posse de A, indicando o facto aquisitivo respectivo.

b) Faa o mesmo relativamente a B.

***

Estatuto jurdico-possessrio de A:

A adquire a posse atravs de um acto de apossamento (1263/a), que consiste, tratando-se de coisa mvel, na apreenso material da coisa sem ou contra a vontade do seu possuidor; tratando-se de coisa imvel, esta apreenso material consiste em colocar a coisa sob o seu domnio com excluso do seu possuidor.

A expresso prtica reiterada constante do art. 1263/a) deve ser entendida no sentido de intensidade e no do nmero ou sua sequncia de actos praticados; este conceito pode mesmo ser preenchido com a prtica de um nico acto.

A posse de A :

Originria: esta posse no constitui a continuao da posse precedente, antes se constitui ex novo. Por isso se diz que o apossamento um facto constitutivo da posse.

Formal: em obedincia ao princpio da causalidade, a aquisio de um direito real tem que ter subjacente uma causa, mas a posse tanto pode ser causal como formal. formal quando o possuidor no , simultaneamente, titular do direito real que o exerccio da posse exterioriza, como o caso sub judice; causal quando se d na pessoa do possuidor a coincidncia da posse e da titularidade do direito real a que a mesma se refere.

No titulada (1259/1): porque no se funda em qualquer modo legtimo de adquirir. Esta expresso modo legtimo de adquirir deve ser interpretada de modo a abarcar todo e qualquer facto jurdico e no apenas os contratos de eficcia real que seja idneo, em abstracto, para a aquisio de um direito real sobre uma coisa. No releva para a qualificao como titulada ou no titulada o facto de o modo de aquisio ser ferido de invalidade substancial (como no releva a ilegitimidade do disponente), mas se a nulidade for formal a posse ser sempre no titulada ().

De m f (1260/1-2): desde logo, o art. 1260/2 estabelece uma presuno de m f para a posse no titulada. E, embora tal presuno seja ilidvel, o facto que o possuidor A no podia ignorar que a sua posse violava o direito de outrem, pois sabia perfeitamente que a coisa no era sua.

O artigo 1260/1 consagra a modalidade de boa f subjectiva. Mas sobre esta h dois sentidos distintos: o da concepo psicolgica e o da concepo tica. Para os defensores da primeira, o possuidor estaria de boa f desde que ignorasse independentemente de tal ignorncia lhe ser ou no censurvel ao adquirir a posse, que lesava o direito de outrem ( a posio mais prxima da letra da lei); para os defensores da concepo tica, pelo contrrio, no se pode ficar pela mera ignorncia psicolgica abstraindo da censurabilidade do agente: h que aferir se o possuidor podia ou devia conhecer. Ou antes, s estar de boa f aquele possuidor que ignorava, sem culpa, que lesava o direito de outrem.

Apesar de a letra da lei parecer consagrar a primeira concepo, parece-nos que os defensores da segunda estaro do lado da razo. De facto, como bem refere o Prof. Menezes Cordeiro (), h trs argumentos de peso em defesa da concepo subjectiva tica:

1 A juridicidade do sistema: ao adoptar uma concepo subjectiva tica, o Direito intervm nas relaes sociais incentivando o acatamento de deveres de cuidado e de diligncia.

2 A adequao do sistema: a adopo de uma concepo psicolgica serviria apenas para premiar os ignorantes, os distrados e os egostas e, indirectamente, para penalizar os diligentes, os dedicados e os argutos, o que revelaria uma entorse inaceitvel aos princpios fundamentais do sistema.

3 A praticabilidade do sistema: como no possvel apurar o que vai no esprito das pessoas, no haveria como saber se o possuidor ignorava ou conhecia que estava a lesar o direito de outrem. S praticvel um sistema que leve em conta a constatao de que determinada pessoa ou sabia, ou devia saber, que lesava o titular do direito.

Note-se que a qualificao da posse como de m f encontra relevncia prtica em vrias disposies de direitos reais, designadamente nos arts. 1269-1271, 1273, 12751300/2, 1301, entre outros

Pblica (1262): uma vez que exercida de modo a poder ser conhecida pelos interessados. Pacfica (1261/1-2): s considerada violenta a posse obtida por coaco fsica ou moral sobre o possuidor. A violncia sobre a coisa (ex. arrombamento da porta da fraco autnoma) no releva para a caracterizao como violenta da posse (). A propsito da posse violenta, diga-se que esta qualificao tem relevncia prtica concretizada em vrias disposies de direitos reais, por exemplo nos arts. 1267/2, 1279, 1282 e 1300, entre outros.Estatuto jurdico-possessrio de B:

O B adquire a posse por tradio simblica, nos termos do art. 1263/b). Esta uma posse derivada e no originria, como sucedia no caso de A. Note-se que a entrega da coisa gera a extino da posse do entregante (1267/1.c), que continua na esfera de quem recebe a coisa.

A posse do B :

Derivada: no se constitui uma posse ex novo, antes se continua a posse do anterior possuidor. Por isso a tradio um facto aquisitivo da posse, mas no constitutivo (so constitutivos o apossamento e a inverso do ttulo da posse).

Formal: apesar de haver um negcio jurdico de compra e venda entre o A e o B, este negcio nulo por falta de legitimidade do alienante ex vi do artigo 892, pelo que no se verificou eficcia real, nada sendo transmitido. O possuidor B no , assim, titular do direito de propriedade, mas apenas da posse.

Pode ser titulada ou no titulada (1259/1): se o negcio de compra e venda celebrado entre A e B, que constitui, em abstracto, modo legtimo de adquirir, respeitou a forma legal (escritura pblica), ser titulada; caso contrrio, ser no titulada. Recorde-se que a invalidade substancial do negcio jurdico no afasta a qualificao da posse como titulada, o mesmo sucedendo falta de legitimidade do alienante; mas j no assim em se tratando de invalidade formal.

De m f (1260/1-2): caso se trate de posse no titulada, o B tem contra si a presuno prevista no art. 1260/2, que poderia, no entanto, ilidir fazendo prova em contrrio; independentemente disso, no entanto, tratando-se de um imvel sujeito a registo predial, entende-se que, numa concepo de boa f subjectiva tica que, apesar de no expressamente consagrada no 1260/1, aquela que deve ser tida em conta o actual possuidor deveria ter-se assegurado de que o alienante tinha a seu favor um registo predial onde constasse como titular do direito de que estava a dispor. No havendo esse registo como parece ser o caso dificilmente B poder alegar estar de boa f. A mera consulta do registo permitir-lhe-ia conhecer que estava a lesar o direito de outrem.

Pblica (1262): uma vez que exercida de modo a poder ser conhecida pelos interessados. Pacfica (1261/1-2): s considerada violenta a posse obtida por coaco fsica ou moral sobre o possuidor. A violncia sobre a coisa (ex. arrombamento da porta da fraco autnoma) no releva para a caracterizao como violenta da posse). Neste caso no houve violncia quer contra o possuidor nica relevante para este efeito quer sobre a coisa. Para a classificao da posse como violenta ou pacfica atende-se apenas ao momento da sua aquisio. Nota: na resoluo de qualquer caso sobre esta matria deve fazer-se sempre a caracterizao da posse segundo todos estes critrios.

Hiptese n 16

A furtou o veculo Y, propriedade de Z. Dois meses mais tarde, por acordo verbal, A vendeu a B o usufruto sobre o veculo Y.

Um ano depois, em Janeiro de 2005, B descobre que A no o proprietrio do carro e comunica-lhe que no tenciona devolv-lo no final do usufruto nem vai permitir qualquer uso do mesmo.

a) Qualifique a situao jurdico-possessria dos intervenientes;

b) Esclarea quem o proprietrio do veculo e como se articula esse direito com as posses sobre o mesmo.

***

Alnea a):

I O Z proprietrio e possuidor, tendo sido privado do corpus pelo furto. Da resulta a posse para o autor do furto, por apossamento (1263/a), mas no a perda imediata da posse do Z. Esta s ocorre pela posse do A ou de outrem, contra a vontade do esbulhado, por um perodo superior a um ano (1267/1.d). Este prazo conta-se, no presente caso, a partir da data em que Z tiver tomado conhecimento da posse do esbulhador, uma vez que foi tomada a ocultas (1267/2). No tem aplicao a parte final do art. 1267/2, por neste caso a posse no ter sido tomada com violncia sobre o possuidor (ou ento no se poderia falar de furto mas sim de roubo).

Esta posse , em princpio, causal, no efectiva, em princpio titulada (1259/1) e de boa f (1260/1-2), pacfica (1261/1) e pblica (1262). No h dados suficientes para apurar se originria ou derivada. ()

II O A adquire a posse, como se disse, atravs de um acto ilcito penal o furto pelo qual priva o anterior possuidor do controlo material efectivo sobre a coisa. O facto aquisitivo da posse de A o apossamento, previsto no art. 1263/a), ainda que se trate de um nico acto (como j se referiu anteriormente, a expresso prtica reiterada deve ser interpretada no sentido de intensidade dessa prtica e no de um certo nmero de repeties ou de sequncia dos actos).

Esta posse efectiva, formal, no titulada, de m f, pacfica e oculta (no suposto que os interessados, v.g. o proprietrio, tenham conhecimento da posse do autor do furto apesar de o mesmo poder usar o veculo em condies idnticas a um possuidor normal, tal no quer dizer que o proprietrio tenha conhecimento quem ele e onde se encontra).

III O B possuidor nos termos do usufruto, merc do contrato de compra e venda que celebrou com A. Adquire a posse por meio de tradio simblica da coisa (1263/b) e de modo pacfico.

No entanto, o contrato de compra e venda do usufruto nulo por falta de legitimidade do alienante, nos termos do art. 892, pelo que o usufruto no chega a transmitir-se para a esfera jurdica do comprador. Tal facto pode ou no ter reflexos quanto caracterizao da posse como causal ou formal, como veremos de seguida.

Esta posse :

Efectiva e formal: porque no h coincidncia entre a titularidade do direito e a posse que o exterioriza: sendo o contrato nulo nada se transmitiu, pelo que B no titular do direito de usufruto nos termos do qual exerce a posse.

Titulada (1259/1): porque tem subjacente um modo legtimo de adquirir considerado em abstracto a compra e venda um contrato jurdico idneo a adquirir um direito real, por fora do art. 408/1 e 879/a do CC , apesar de, em concreto, essa eficcia real no se ter verificado. E em abstracto que a idoneidade ou inidoneidade do facto jurdico de aquisio deve ser aferida, sendo irrelevante para a qualificao como causal quer a falta de legitimidade do alienante quer a invalidade substancial do modo de aquisio. Qua