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4a edição revista, ampliada e atualizada

EM AÇÃO

CARREIRAS EM AÇÃOcoordenação: Leonardo de Medeiros Garcia

Coleção

Teoria e Prática no Estado Democrático de Direito

DELEGADO DE POLÍCIA

Bruno Tafuner ZatnottiCleopas Isaías Santos

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SOBRE OS AUTORES 5

SOBRE OS AUTORES

BRUNO TAUFNER ZANOTTI• Doutorando e Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória

(FDV).• Pós-graduado em Direito Público pela FDV.• Professor do curso de pós-graduação Lato Sensu em Direito Público da Associação Espírito-

-Santense do Ministério Público.• Professor do MBA em Direito Público da FGV-RJ.• Professor de cursos preparatórios para concurso público nas áreas de direito constitucional,

penal e processo penal.• Delegado da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo.• Fundador, em parceria com o juiz André Guasti Motta, do site Penso Direito (www.pensodireito.

com.br) e colunista do site www.delegados.com.br.• Articulista da coluna semanal "Atividade Policial: entre constitucionalismo e democracia", no site

www.emporiododireito.com.br

CLEOPAS ISAÍAS SANTOS• Mestre e Doutorando em Ciências Criminais pela PUCRS.• Especialista em Dogmática Penal Alemã pela Georg-August Universität Göttingen (Alemanha).• Especialista em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra (Portugal).• Pós-Graduado em Ciências Criminais pela Universidade Estácio de Sá.• Professor de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia na Unidade de Ensino Superior Dom

Bosco – UNDB.• Professor na Pós-Graduação da Escola Superior do Ministério Público do Estado do Maranhão –

ESMPMA.• Professor na Pós-Graduação da Universidade CEUMA.• Professor na Escola Superior da Magistratura do Estado do Maranhão – ESMAM.• Ex-Professor na Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do

Sul – FESDEP.• Professor na Academia Integrada de Segurança Pública do Estado do Maranhão – AISP.• Autor de diversos capítulos de livros e artigos em periódicos especializados, nacionais e estrangeiros.• Coordenador do Instituto Brasileiro de Processo Penal – IBRASPP no Maranhão.• Coordenador Adjunto do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM no Maranhão.• Parecerista do Boletim do Instituto Brasileiro de Processo Penal – IBRASPP.• Parecerista da Revista de Estudos Criminais – REC.• Conferencista em congressos nacionais e internacionais.• Articulista da coluna semanal Atividade Policial: entre constitucionalismo e democracia, no site

emporiododireito.com.br• Ex-Escrivão de Polícia Civil.• Ex-Escrivão de Polícia Federal.• Ex-Presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado do Maranhão.• Delegado de Polícia Civil no Estado do Maranhão.

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NOTA DOS AUTORES À 4ª EDIÇÃO 29

NOTA DOS AUTORES À 4ª EDIÇÃO

A crescente atuação dos Delegados de Polícia na ordem constitucional passa, necessariamente, por uma nova perspectiva relativa às questões basilares do cargo e à releitura que a Constituição Federal impôs – e impõe – à legislação vigente. Esta nova edição, portanto, chega ao mercado editorial não só com profundas e recentes alterações, seja em decorrência das mudanças legislativas, seja em decorrência das novidades jurisprudenciais; mas, também, em virtude da leitura dessas alterações a partir de um viés democrático, baseado nos direitos fundamentais de todos os envolvidos na investigação criminal.

A obra, portanto, vem atualizada com as mais recentes leis e os mais relevantes julgados, podendo-se destacar: a Lei nº 13.285/2016 (preferência de julgamento dos processos de crimes hediondos); Lei nº 13.260/2016 (terrorismo); Lei nº 13.257/2016 (Lei da Primeira Infância); Lei nº 13.245/2016 (participação do advogado na investigação); Reclamação 23.872/2016 (audiência de custódia); Resolução nº 217/16 do CNJ (interceptação telefônica); Resolução 213/2015 do CNJ (audiência de custódia); ADPF 347/2015 (estado de coisas inconstitucional e audiência de custódia); Lei nº 13.105/2015 (Novo CPC).

Ademais, renovamos o convite para conhecerem a obra “Temas Avançados de Polícia Judiciária”, que chega em breve a sua segunda edição, a ser publicada este ano pela Editora JusPodivm. A ideia inicial do livro, mantida com a nova edição,

de resgatar a fase preliminar do processo penal desse purgatório doutrinário e trazer um debate comprometido constitucionalmente com a garantia dos direitos fundamentais do investigado, como já deveria estar sendo feito, no mínimo, desde a Constituição da República de 1988.

Àqueles que desejam aprofundar o estudo das questões discursivas de con-curso público para o cargo de Delegado de Polícia, estendemos o convite para que conheçam a obra "Provas Discursivas Comentadas de Delegado da Polícia Civil", também publicada pela Editora Juspodivm e coordenada pelos autores deste livro. A obra está em sua segunda edição, mantendo a preocupação em direcionar os candidatos a concurso público a alcançar o cargo dos seus sonhos.

Agradecemos aos inúmeros e-mails e mensagens que recebemos pelas redes sociais, elogiando o livro, bem como fazendo críticas e sugestões. A obra é sempre

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30 BRUNO TAUFNER ZANOTTI • CLEOPAS ISAÍAS SANTOS

grande abraço a todos!

Vitória/ES e São Luís/MA, 02 de junho de 2016.

Bruno Taufner ZanottiCleopas Isaías Santos

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INQUÉRITO POLICIAL 145

CAPÍTULO IIIINQUÉRITO

POLICIAL

Bruno Taufner Zanotti

A persecução penal no Brasil se dá em duas fases. A primeira fase, chamada de investigação preliminar criminal, é concretizada por meio do inquérito policial, do termo circunstanciado (presente no juizado especial e estudado em capítulo próprio) e pelas peças de informações (feitas por outras autoridades que não compõem a estrutura da Polícia Civil ou da Polícia Federal). Em razão desta última, a fase pré-processual é chamada de “investigação preliminar criminal” e não “investigação policial”. A segunda fase é feita processualmente, por meio da respectiva ação penal.

Da mesma forma que a ação penal é dever do Estado, também cumpre ao Estado, por meio da Polícia Judiciária (art. 144 da Constituição), salvo em algumas hipóteses analisadas no primeiro capítulo, apurar os fatos e suas circunstâncias.

2. CONCEITO E FINALIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL

apurar a autoria e a materialidade das infrações penais, de modo a auxiliar na for-mação do convencimento (opnio delicti) do Ministério Público e, excepcionalmente, da vítima (querelante). Nesse contexto, o inquérito policial é um instrumento cujo

do art. 12 do CPP, o inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou a outra. 150

Faz-se necessário desconstruir algumas conclusões que são colocadas de maneira pacífica na doutrina. O ponto relativo à finalidade do inquérito policial é uma delas. Admitir que o fim do inquérito seja fornecer justa causa para uma futura ação penal, significa concluir que a Polícia Civil trabalha a serviço do Ministério Público ou da vítima, no sentido de que as suas investigações são direcionadas a fornecer autoria e materialidade para uma ação penal, ou seja, a demonstrar a existência de um ilícito penal em face de um determinado cidadão.

150. LIMA, 2011, p. 113.

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Não se nega que o inquérito policial possa ter essa consequência; mas, não

em especial, para conscientizar que o instrumento em estudo não pode ser dire-

Polícia, como a imparcialidade.

exposta nos capítulos anteriores, deve ser a produção de diligências investigas de modo a se colher todos os possíveis pontos de vista do fato, devidamente respeita-

(ou não) a autoria e a materialidade.

Posicionamento em sentido contrário consubstanciaria a ideia de que a Auto-ridade Policial trabalha para buscar elementos de informação contra o investigado, conduzindo a investigação nesse sentido, como se tivesse um suposto interesse em sua acusação (como têm o Ministério Público e a vítima), o que violaria funda-mentos basilares do cargo, como a imparcialidade e a autonomia funcional. Tanto

inquérito policial, o mesmo pode ser arquivado ou servir de base para a denúncia.

fato, a partir de sua documentação no procedimento, que pode ter como conse-quência uma futura ação penal. Se o inquérito policial não ensejar uma eventual

informação”, e não “elementos de prova”. Isso é decorrência da reforma promovida ao CPP pela Lei nº 11.690 de 2008, que passou a diferenciar os dois conceitos:

Art. 155 do CPP: O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo funda-mentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

O termo “prova” é utilizado para se referir aos elementos produzidos em con-traditório (mesmo que diferido), ao passo que o termo “elementos de informação” abrange todos os demais que foram produzidos inquisitoriamente ou por uma das partes fora do devido processo legal.151

3. CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL

3.1 Administrativo

A atividade policial não possui caráter judicial, razão pela qual o inquérito policial não é peça com natureza judicial. -

151. LIMA, 2011, p. 116.

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INQUÉRITO POLICIAL 147

152 com caráter informativo de

Contudo, em hipóteses excepcionais, quando a gravidade do vício viola a própria essência do inquérito policial, este será inteiramente nulo, não sendo

como exemplo, quando o inquérito policial não é presidido pela Autoridade Policial.153

Durante o debate da proposta da Súmula vinculante nº 14, alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal se posicionaram de forma contrária ao caráter admi-nistrativo do inquérito policial. De acordo com o Ministro Carlos Britto, o art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, determina que a todo processo administrativo deva ser assegurado o contraditório e a ampla defesa. Como esses direitos não te-riam aplicabilidade no inquérito policial, o caráter administrativo estaria afastado, sendo, portanto, um “ ”:

Nós sabemos que o inquérito processual nem é processo adminis-trativo nem processo judicial, é pré-processo, um tertium genus.

muito até – eu nem gosto dessa expressão – de fase inquisitorial da investigação criminal.154

Não obstante, faz-se necessário salientar que a doutrina e jurisprudência majoritária defendem a natureza administrativa do inquérito policial.

(PC/Delegado/AP/2006/discursiva) Discorra sobre o inquérito policial, abordando, o conceito e a natureza jurídica.

3.2 Dispensável?

-

152. Nesse sentido, cita-se Ismar Estulano Garcia e Breno Estulano Pimenta (2009, p. 9) e Renato Brasileiro de Lima (2011, p. 114).

153. dos elementos de informação ilícitos no inquérito policial, em especial no tópico “momento de análise e possibilidade de desentranhamento dos elementos de informação ilícitos no curso do inquérito policial”. No citado tópico, será feita uma proposta de como o Delegado de Polícia deve agir diante de uma prova ou elemento de informação ilícito.

154. BRITTO, Carlos. PSV1, julgada em 2/2/2009, Rel. Ministro Menezes Direito. O trecho consta da p. 24 do inteiro teor do voto.

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Com base nesse fundamento, o art. 27 do CPP prescreve que “qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção”. Após essa provocação, o Ministério Público pode (art. 28 do CPP) requisitar a instauração do inquérito policial, requerer ao juiz o arquivamento das peças de informação ou apresentar a denúncia.

-

e em diversos atores do processo penal.

De fato, caso existam elementos suficientes, o Ministério Público pode, independentemente da existência do inquérito policial, propor a denúncia. No entanto, esses casos são a exceção e a imensa maioria das ações penais é instruída pelo inquérito policial, que se mostra como importante procedimento para se verificar indícios de autoria e prova da materialidade.

-

entre outros.

Trata-se, portanto, de uma dispensabilidade regrada, na medida em que o inquérito policial, de fato, só é dispensável nos poucos casos em que a vítima ou o

do fato. Nas demais hipóteses, o inquérito policial mostra-se como instrumento necessário e indispensável para o funcionamento da Justiça Criminal.

3.3 Forma escrita

Por determinação do art. 9º do CPP, “todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade”.

É importante ressaltar que essa característica tem sido cada vez mais relativizada, muito em função do processo de informatização da investigação criminal. Verifica-se imperiosa a aplicação analógica do art. 405, § 1°, do CPP (e outros artigos correlatos), a fim de tornar possível o uso de recursos de gravação audiovisual de diligências e a materialização de todo os documentos da investigação em meio virtual, realidades já presentes em alguns Estados da Federação. Alguns Estados chamam de “inquérito virtual” ou “inquérito eletrônico”, inexistindo, em certos casos, documentos impressos de todo o caderno investigativo.

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A complexa questão do acesso do advogado aos autos do inquérito policial envolve uma natural tensão entre direitos fundamentais e inquérito policial. Por um lado, a proteção às testemunhas, o art. 20 do CPP, o caráter sigiloso do inquérito policial e, por outro lado, o acesso ao inquérito policial como prerrogativa do advogado e decorrência direta do contraditório e ampla defe-sa, mostram como a questão se manifesta complexa no ordenamento jurídico brasileiro. Portanto, faz-se necessário padronizar o procedimento no Estado do Espírito Santo a fim de se prevenir a ocorrência de situações que possam desencadear eventual transgressão disciplinar ou abuso de autoridade.

Por determinação do art. 20 do CPP, “a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”. O sigilo citado é direcionado principalmente a terceiros desinteressados, como a imprensa e as pessoas do povo. O sigilo, por óbvio, não abrange o juiz e o promotor de justiça do caso. Não obstante, questiona-se: qual a amplitude do sigilo do inquérito policial em face do advogado? E, ainda, imagine a hipótese em que um advogado compareça perante uma Autoridade Policial e, mesmo sem procuração, peça vista dos autos do inquérito policial. Deve o Delegado de Polícia autorizar o pedido?

O art. 7º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto dos Advogados), inciso XIV, após alterado pela Lei nº 13.245/16, prescreve que o advogado possui o direito de “examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital”. O pedido deve ser feito pelo advogado por escrito e juntado ao procedimento investigativo para análise do Delegado de Polícia.

A redação supramencionada segue, basicamente, a redação antiga do dis-positivo legal, mas com duas importantes inovações. Primeiro, o dispositivo revogado restringia o acesso a procedimentos criminais como o auto de prisão em flagrante e o inquérito policial, ao passo que a nova previsão legal amplia a prerrogativa do advogado para todo e qualquer procedimento investigativo, de modo a abranger não somente os procedimentos criminais, mesmo quando presidido pelo Ministério Público; mas, também, os procedimentos administra-tivos, como o processo administrativo disciplinar. Segundo, o novo dispositivo prescreve a possibilidade de o advogado copiar peças ou tomar apontamentos pelo meio digital, podendo, por via de consequência, tirar fotos das páginas ou utilizar digitalizadores portáteis.

Acontece que, tal como o dispositivo revogado, a nova prescrição legal deve ser lida a partir de questões pacificadas pela jurisprudência dos tribunais superiores, em especial pela pequena alteração redacional pela qual o inciso passou. Desse modo, deve-se analisar a sua relação com a Súmula Vinculante

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de nº 14 do STF, que possui a seguinte redação:

A súmula vinculante determina que o sigilo do inquérito policial não pode ser oponível ao defensor, desde que respeitados três pressupostos: (a) deve ser feito no interesse do representado, (b) para o exercício do direito de defesa e (b) desde que os elementos de prova já estejam documentados no inquérito policial.

O primeiro pressuposto diz respeito à necessidade de o advogado juntar a procuração para ter acesso ao procedimento investigativo. Apesar de a leitura da súmula não ser clara, uma de suas interpretações pode levar à equivocada conclusão de que, em razão da necessidade de se provar a qualidade de “repre-sentado”, seja necessária apresentar a procuração pelo seu “representante”. O tema foi amplamente debatido na proposta que originou a Súmula vinculante nº 14. Um trecho do voto do Ministro Celso de Mello155 resume a questão:

No que concerne ao inquérito policial há regra clara no Estatuto do Advogado que assegura o direito aos advogados de, mesmo sem procuração, ter acesso aos autos (art. 7º, inc. XIV) e que não é excepcionada pela disposição constante do § 1º do mesmo artigo que trata dos casos de sigilo. Certo é que o inciso XIV do art. 7º não fala a respeito dos inquéritos marcados pelo sigilo. Todavia, quan-do o sigilo tenha sido decretado, basta que se exija o instrumento procuratório para se viabilizar a vista dos autos do procedimento investigatório. (...) Portanto, a presença do advogado no inquérito e,

só ocorrerá se o advogado puder ter acesso aos autos. Advogados cegos, ‘blindlawyers’, poderão, quem sabe, confortar afetivamente seus assistidos, mas, juridicamente, prestar-se-ão, unicamente, a

Desse modo, a exigência da procuração somente é legítima após a de-cretação do sigilo pela autoridade policial (com base no art. 20 do CPP)156 ou pela autoridade judicial, como consta do art. 7º, § 10, da Lei nº 8.906/94. É importante ressaltar que o acesso ao inquérito abrange todos os seus anexos, como eventual interceptação telefônica e quebra de sigilo bancário devidamente finalizados, questão que será mais bem analisada abaixo.

No segundo pressuposto, é interessante levantar o seguinte questiona-mento: o acesso do advogado ficará restrito às provas relacionadas com o seu representado ou também abrange os documentos que tenham relação exclu-

155. MELLO, Celso de. PSV1, julgada em 2/2/2009, Rel. Ministro Menezes Direito. O trecho consta da p. 49 do inteiro teor do voto.

156. No mesmo sentido, tem-se Renato Brasileiro (2015, p. 119).

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siva a terceiros (coautores)? Essa questão foi levantada pelo Pleno do STF, no julgamento do HC 94387 ED,157 e fixou-se o entendimento de que o advogado pode ter acesso a todas as provas, mesmo que tenham relação exclusiva com terceiros ou que haja um suposto risco de vida para as testemunhas caso o ad-vogado tenha a informação158. No mesmo sentido, caso haja violação ao direito à intimidade de terceiros, o sigilo também não pode ser oposto ao defensor:

Em suma, impedir que o defensor acesse dados já formalmente incorporados ao procedimento inquisitorial se revela incompatível com a pureza do princípio constitucional da plenitude de defesa, mormente em matéria penal (embora estejamos aqui a tratar de acesso a informações contidas em inquérito policial, que não é pro-priamente um processo penal, mas tão somente, um pré-processo); mesmo que isto implique desproteção da intimidade de um ou de outro investigado.159

O terceiro pressuposto da súmula vinculante institui que a vista do defen-sor somente se dará ao procedimento investigativo documentado (finalizado). Esse pressuposto é ratificado, em parte, pelo parágrafo 11, inserido pela Lei nº 13.245/16 ao Estatuto da OAB ao prever que “a autoridade competente poderá delimitar o acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligên-cias em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências”.

Observe que, de acordo com o novo dispositivo legal, a existência de dili-gência em andamento, por si só, não constitui óbice para acesso do advogado a essas diligências, na medida em que esse acesso será possível, salvo quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências. Assim, a Autoridade Policial deve se atentar para a comprova-ção de uma dessas três condicionantes para, de forma fundamentada, obstar o acesso às diligências em andamento.

Por exemplo, caso algum procedimento ainda esteja em trâmite (podem ser citados, como exemplos, a interceptação telefônica, a busca e apreensão domiciliar ou qualquer outra medida cautelar), o advogado poderá ter acesso a tais informações, salvo quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências, situações que devem ser compro-vadas em despacho fundamentado pelo Delegado de Polícia. Trata-se, também, de hipótese em que o sigilo deve ser mantido quando algum procedimento

157. HC 94387 ED, julgado em 6/4/2010, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski. É importante ressaltar que a ementa do julgado não corresponde ao que foi decidido. Na página 704 do inteiro teor do acórdão, o Ministro Relator, Ricardo Lewandowski, revê o seu voto e muda o conteúdo do que foi decidido nos termos apresentados.

158. Nos casos em que existe um suposto risco de vida para as testemunhas caso o advogado tenha

159. Trecho do voto do Ministro Ayres Brito, presente no HC 94387 ED, julgado em 6/4/2010, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski.

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já concluído indicar a necessidade de produção de outras provas e, no caso, existir risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências caso seja concedido o acesso ao advogado.

Ainda sobre o tema do acesso do advogado aos procedimentos investiga-tivos, existe uma última inovação legislativa inserida pela Lei nº 13.245/16 ao art. 7º do Estatuto da OAB:

§ 12. A inobservância aos direitos estabelecidos no inciso XIV, o fornecimento incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no caderno investiga-tivo implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedir o acesso do advogado com o intuito de prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do direito subjetivo do advogado de requerer acesso aos autos ao juiz competente.

O dispositivo legal é direcionado ao presidente do procedimento investi-gativo responsável por analisar o pedido do advogado em acessar o inquérito policial. A finalidade do dispositivo legal é evitar as retiradas arbitrárias de peças pelo Delegado de Polícia, na medida em que esse parágrafo deve ser com-patibilizado com o poder-dever de a Autoridade Policial delimitar o acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências.

Cita-se, como exemplo, a hipótese em que um inquérito policial possui dentro do caderno principal (e não em anexo) um pedido de busca e apreensão, o qual foi deferido pelo magistrado, mas ainda não foi cumprido pela Polícia Civil. Trata-se de diligência em andamento e, portanto, a Autoridade Policial deve obstaculizar o acesso do advogado a tais documentos de modo a garantir a efetividade do cumprimento do mandado de busca e apreensão.

Como se observa pela leitura do parágrafo citado, o dispositivo legal atribui ao magistrado a competência para analisar eventual conflito acerca da legalidade da restrição imposta pelo Delegado de Polícia ao advogado, cabendo ao Juiz Criminal verificar se foi correta eventual retirada de peça presentes no procedimento pela Autoridade Policial. Exatamente por isso que o despacho fundamentado do Delegado de Polícia que analisa os limites e as possibilidades de acesso do advogado ao procedimento investigativo deve ser bem construído e fundamentado com todas as razões de fato e de direito que justificaram a sua tomada de decisão.

É importante pontuar que a lei não estipula um prazo para o Delegado de Polícia analisar o pedido do advogado de acesso ao procedimento investigativo. É possível aplicar por analogia o art. 24 da Lei nº 9.784/99 que estabelece o prazo de 5 (cinco) dias, podendo tal prazo ser dilatado até o dobro mediante comprovada justificação; contudo, esse prazo deve ser entendido de modo a não se causar prejuízo ao exercício da defesa, devendo a Autoridade Policial analisar o pedido assim que o advogado apresentar o pedido por escrito nos

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casos de urgência ou comprovada necessidade, devendo ainda haver uma maior celeridade na hipótese de investigado preso.

Na hipótese de violação ao direito do acesso do advogado aos autos do inquérito policial, Renato Brasileiro160 sustenta a possibilidade do manejo da reclamação (por violação à Súmula vinculante nº 14 do STF), do mandado de segurança (por violação ao direito de defesa, em decorrência do desrespeito da prerrogativa funcional do advogado) ou do (por violação ao direito de locomoção, pois a negativa do acesso aos autos do inquérito pode resultar, posteriormente, numa prisão temporária ou mesmo numa pena pri-vativa de liberdade ao final da ação penal).

Note-se, por fim, que existem alguns fatos nos quais a publicidade é capaz de auxiliar a investigação na colheita das provas. É o que ocorre, v.g., com a divulgação pela imprensa da foto de um preso em flagrante a fim de que surjam mais vítimas. A participação da população, em alguns casos, mostra-se como importante instrumento para trazer mais informações ao inquérito policial. Nessas hipóteses excepcionais, é razoável concluir que o interesse público foi no sentido da publicidade em detrimento do caráter sigiloso do inquérito policial.

1. (PC/Delegado/ES/2010/CESPE) Sinval foi indiciado pelo crime de dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei em relação a órgão da adminis-tração federal. Durante a fase do inquérito, a defesa de Sinval pleiteou o direito de acesso amplo aos elementos de prova documentados em procedimento investigatório realizado por órgão dotado de competência de polícia judiciária. Tal pedido não foi integralmente atendido pelo órgão competente, sob o argumento de que deveria ser ressalvado o acesso da defesa às diligências policiais que, ao momento do requeri-mento, ainda estavam em tramitação ou ainda não tinham sido encerradas. Nessa situação, com base na jurisprudência prevalecente no STF, é adequada a aplicação conferida pelo órgão dotado de competência de polícia judiciária.

A assertiva foi considerada correta por estar de acordo com a Súmula Vinculante nº 14, tal como exposto acima.

2. (PC/Delegado/AP/2010/Discursiva) Instaurado inquérito policial nº 123/10,

usuários. Os indiciados são José da Silva, João de Souza e Joaquim dos Santos. Com o avançar das investigações, são inquiridas várias testemunhas, as quais temem por suas vidas caso os indiciados tomem conhecimento dos seus depoimentos, bem como reunidas provas da participação de José, João e Joaquim no crime. Autorizada a interceptação telefônica por quinze dias (medida cautelar nº 456/10), são coletadas

160. LIMA, 2011, p. 131, 132.

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interceptação não é renovado, sendo os autos da medida cautelar juntados aos autos do inquérito, elaborando o Delegado um relatório conclusivo e encaminhando os autos à justiça, que os remete ao Ministério Público. O promotor de justiça, contudo, requisita como diligência a oitiva dos investigados, providência que não tinha sido tomada pelo delegado. Ao intimar o indiciado João de Souza, comparece antes da data aprazada para realização da oitiva um advogado com procuração com poderes

vista dos autos e obtenção de cópias. Tendo em vista o disposto no art. 20 do CPP, pergunta-se:

a) Poderá o Delegado de Polícia indeferir pedido de vista dos autos do inquérito, formulado por advogado constituído pelo indiciado, alegando que a divulgação dos depoimentos das testemunhas coloca suas vidas em risco?

b. Poderá o Delegado de Polícia indeferir pedido de vista da cautelar apensada aos autos do inquérito, alegando que o mandato outorgado está restrito aos autos do inquérito?

c. Poderá o Delegado de Polícia restringir o acesso do advogado de João aos docu-

O ponto abordado na letra “a” foi analisado acima e, consoante posição do STF, o Dele-gado de Polícia não pode indeferir pedido de vista dos autos do inquérito, formulado por advogado constituído pelo indiciado, ao simples argumento de que a divulgação dos depoimentos das testemunhas coloca suas vidas em risco. Em relação ao ponto abordado na letra “b”, o Delegado de Polícia não pode indeferir pedido de vista feito pelo advogado da cautelar apensada, pois, do contrário, haveria descumprimento do art. 7º da Lei nº 8.906 de 1994 e da Súmula vinculante nº 14, em especial porque o procedimento da interceptação telefônica já foi concluído e relatado, tendo o seu

na letra “c”, consoante posição do STF acima exposta, mesmo que haja violação ao direito à intimidade de terceiros, o sigilo não pode ser oposto ao advogado.

3. (PC/Delegado/MG/2003/Discursiva) Pode o Delegado de Polícia representar ao Juiz de Direito a decretação de sigilo dos autos de inquérito policial, com fundamento na necessidade de evitar prejuízo para as investigações, opondo-o contra advogado constituído pelo indiciado, inclusive para impedir a orientação do interrogatório?

Na questão em tela, todos os temas tratados neste tópico devem ser abordados pelo candidato, de modo a concluir que a decretação do sigilo pelo magistrado não pode ser oposto ao advogado constituído pelo indiciado na hipótese narrada, uma

e da Súmula vinculante nº 14.

4. (PC/Delegado/BA/2013/Cespe) De acordo com o CPP, entre os procedimentos a serem adotados pela autoridade policial incluem-se a oitiva do ofendido e a comu-nicação a ele dos atos da investigação policial, em especial, os relativos ao ingresso ou à saída do acusado da prisão, à designação de data para interrogatório e, no caso de indiciamento do acusado, à remessa dos autos à justiça.

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A assertiva está equivocada por dois motivos: (a) não existe obrigatoriedade de comunicação ao ofendido dos atos de investigação policial, em especial porque tal providência tornaria inexequível inúmeras diligências pela possibilidade de o ofen-dido intervir no procedimento; e (b) a atribuição de comunicar o ofendido acerca do ingresso ou saída do acusado da prisão é direcionada ao magistrado, consoante previsão do art. 201 do CPP.

De acordo com o Código de Processo Penal, o inquérito policial não contempla os direitos fundamentais do contraditório e ampla defesa, sendo, por essa razão,

Faz-se necessário salientar que essa característica, de acordo com alguns

suspeito (ou indiciado) no curso do inquérito policial. Apesar de o art. 6º, inciso V, do CPP, determinar a obrigatoriedade da oitiva, o STJ admite não existir nulidade

O inquérito policial e o procedimento investigatório efetuado pelo Ministério Público são meramente informativos, logo, não se sub-metem ao crivo do contraditório e não garantem ao indiciado o exercício da ampla defesa. Desse modo, não se vislumbra nulidade pela ausência de oitiva do investigado na fase indiciária, sobretudo porque ele teve oportunidade de se defender de todas as acusações antes do recebimento da denúncia pelo Tribunal a quo, em virtude das prerrogativas de seu cargo de Promotor de Justiça.161

Em sentido contrário, Luiz Flávio Gomes162 entende queNenhuma medida coercitiva contra o suspeito (ou indiciado) conta com validade jurídica, se ele se encontra à disposição da autoridade investigante, com endereço certo, principalmente quando se acha no "distrito da culpa", e não foi ouvido em nenhum momento. Nessas circunstâncias não são válidos a investigação e muito menos os atos subsequentes nela fundados: indiciamento, prisão temporária, prisão preventiva ou mesmo o ato da denúncia.

[...]

Mesmo diante da e, pois, de qualquer outro procedimento investigatório preliminar, é certo que uma série de direitos (do suspeito) devem ser estritamente observados. Não há que se falar em contraditório ou ampla defesa

de participar dos atos de investigação (para exercer ao menos sua autodefesa), que não possa requerer diligências (nos termos do art. 14 do CPP), que seu advogado não tenha o direito de manusear

161. HC 142089, julgado em 28/9/2010, Rel. Ministra Laurita Vaz.162. GOMES, Luiz Flávio. Investigação preliminar e oitiva do suspeito ou indiciado. Disponível

em: < http://jus.uol.com.br/revista/texto/7822/investigacao-preliminar-e-oitiva-do-suspeito--ou-indiciado>. Acesso em: 16 ago. 2011.

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extrair cópias e fazer anotações, nos termos do artigo 7°, XIV, do Estatuto da Advocacia, que não tenha direito ao silêncio, que não tenha direito de se entrevistar com seu advogado, que não tenha direito de assistência da família e de advogado etc..

Seguindo a linha de pensamento do doutrinador acima, é possível defender que,

Dentre desse contexto se apresenta a publicação da Lei n° 13.245/16, ao in-serir o inciso XXI ao art. 7º do Estatuto da OAB, o qual possui a seguinte redação:

XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interroga-tório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:

a) apresentar razões e quesitos;

b) (VETADO).

O dispositivo legal aborda, basicamente, três temas, quais sejam: (a) a prerro-gativa de o advogado assistir os seus clientes; (b) a questão da nulidade decorrente da inexistência de tal assistência; e (c) o direito de o advogado apresentar razões e quesitos no curso da respectiva apuração.

A assistência do advogado ao seu cliente não se trata de uma inovação legis-lativa, situação essa que já era garantida anteriormente; no entanto, as grandes inovações decorrem das novas possibilidades de participação do advogado no procedimento investigativo e da previsão legal acerca da nulidade absoluta do interrogatório ou depoimento se houver desrespeito a essa assistência.

O dispositivo legal consubstancia uma realidade cada vez mais presente na jurisprudência brasileira ao trazer para procedimentos administrativos e preparató-rios, como o inquérito policial, a incidência da teoria das nulidades, já amplamente presente nos procedimentos judiciais.

Ainda hoje é comum encontrarmos na jurisprudência163 e na doutrina enten-dimentos de que as nulidades do inquérito policial não contaminam a ação penal, brocardo colocado quase como uma verdade absoluta. Ressalvado uma ou outra exceção, essa posição é vista equivocadamente de forma majoritária, em muito contribuindo para que o inquérito policial fosse relegado a um plano secundário pelos principais manuais de processo penal.

A previsão legal caminha exatamente no sentido contrário, na medida em que não só torna absolutamente nulo o interrogatório ou depoimento quando a prerrogativa do advogado em assistir o seu cliente é desrespeitada, mas também

163. HC 142089, julgado em 28/9/2010, Rel. Ministra Laurita Vaz.

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aplica a teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree)164 ao tornar também absolutamente nulos todos os elementos investigativos e proba-tórios dele decorrentes, direta ou indiretamente.

Os grandes questionamentos, a partir da mencionada inovação legislativa, giram em torno dos limites e possibilidades da efetiva participação do advogado no inquérito policial.

165 reconheceu a possibilidade de o ofendido (e seu advogado) requerer diligências ao Delegado de Polícia; no entanto, entendeu que as diligências solicitadas pelas partes não

de prejuízo ao procedimento investigatório e se for necessário para o deslinde da causa. O posicionamento do Tribunal está em consonância com a Lei n° 13.245/16 e com a base teórica defendida neste livro, uma vez que o Delegado de Polícia tem

podendo, com base numa suposta discricionariedade,166 indeferir a produção de tais elementos de informação, quando forem necessários para o caso concreto. Por um lado, cabe ao ofendido a necessidade de demonstrar a relevância de produção das diligências que solicita; por outro lado, cabe à Autoridade Policial o dever de avaliar e, fundamentadamente, deferir ou indeferir o pedido a partir da análise do caso concreto. É também no mesmo sentido o teor da Súmula nº 4, aprovada no I Seminário Integrado da Polícia Judiciária da União e do Estado de São

realizado na Academia de Polícia Coriolano Nogueira Cobra, em 26 de setembro de 2013, com a participação de Delegados da Polícia Civil do Estado de São Paulo e da Polícia Federal:

Súmula nº 4: Na presidência da investigação criminal, cabe ao Delegado de Polícia exercer o juízo de legalidade e oportunidade sobre diligência indicada pelos interessados na promoção da futura acusação ou defesa, sob o ponto de vista da conveniência da inves-tigação e de sua conformidade legal.

trabalhados com cenários hipotéticos de ocorrência e a respectiva atuação ade-quada do Delegado de Polícia.

-legado de Polícia toma o seu interrogatório sem a presença de qualquer advogado ou defensor público. Haverá nulidade em tal interrogatório? A resposta é negativa, uma vez que não havia advogado previamente constituído e não houve, desse modo,

164. O tema será estudado ainda neste livro em capítulo próprio.165. HC 69405, julgado em 23/10/2007, Rel. Ministro Nilson Naves.166. Sobre o tema, conferir o próximo capítulo do livro, em especial a parte relativa ao “poder

discricionário” da Autoridade Policial.

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desrespeito ao direito do advogado em assistir o seu cliente. Ademais, a lei não previu a obrigatoriedade de todos os interrogatórios e depoimentos serem acompanhados por advogado. Em outras palavras, a nulidade prevista pela lei se impõe em virtude do cerceamento de uma prerrogativa do defensor e não em decorrência da ausência do advogado. É por isso que a prerrogativa não se trata de um dever direcionado ao advogado, mas, sim, de um direito a ele direcionado. Exatamente por causa da não obrigatoriedade da presença do advogado no momento da lavratura da prisão

Pública no prazo de 24 horas sempre que o autuado não informar o nome do seu advogado (art. 306, §1°, do CPP).

solicita que lhe seja nomeado um, sendo que o Delegado de Polícia toma o seu interrogatório sem a presença de qualquer advogado ou defensor público. Haverá nulidade em tal interrogatório? A resposta é negativa, pois, do mesmo modo que no cenário anterior, a nulidade prevista pela lei se impõe em virtude do cerceamento de uma prerrogativa do defensor e não em decorrência da ausência do advogado. A inovação legislativa não é imposta como um direito do cidadão, mas como uma prerrogativa do advogado, tanto que a inovação se deu no Estatuto da OAB e não no CPP. Como o autuado não informou o nome do seu advogado, deve-se remeter

(art. 306, §1°, do CPP).

-

da prisão e o Delegado de Polícia toma o seu interrogatório sem a presença de qualquer advogado ou defensor público. Haverá nulidade em tal interrogatório? Não haverá nulidade, uma vez que foi dada a oportunidade de o advogado comparecer ao ato, mas esse se permaneceu inerte. Ademais, o seu não comparecimento pode ser visto como uma estratégia de defesa, em especial porque a lei não previu a obrigatoriedade de todos os interrogatórios e depoimentos serem acompanhados por advogado. Como um direito do advogado, esse pode abrir mão do seu exercício sem que acarreta nulidades para o procedimento. Ressalta-se que o Escrivão de

do cidadão preso, no sentido de que o mesmo pôde entrar (ou entrou) em contato com a família ou com o advogado. Em síntese, deve-se dar ao preso a possibilidade de seu advogado se fazer presente e tal possibilidade deve estar consignada no procedimento. Caso o autuado tenha informado o nome do seu advogado, não

no prazo de 24 horas (art. 306, §1°, do CPP).

audiência no fórum). Como proceder? Considerando o prazo de 24 horas para a

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de Polícia compatibilize a possibilidade de comparecimento do advogado com o interrogatório dentro do prazo legal e a carga de serviço no qual o Delegado de Polícia está inserido. Aconselha-se ao Delegado de Polícia consignar o horário de entrega do preso na Delegacia de Polícia e o momento da lavratura do auto de

aproveitado, de modo que deve ser dado ao preso a possibilidade de seu advogado se fazer presente e tal possibilidade deve estar consignada no procedimento (no respectivo interrogatório ou em certidão própria), não sendo tal presença obriga-tória para a validade do interrogatório. Caso o autuado tenha informado o nome

à Defensoria Pública no prazo de 24 horas (art. 306, §1°, do CPP).

-gatório após tomar conhecimento da prisão. Durante o interrogatório, o advogado deseja fazer perguntas ao cidadão, o que é impedido pelo Delegado de Polícia. Haverá nulidade em tal interrogatório? A resposta é positiva, pois houve prejuízo à assistência do seu cliente. No curso de procedimentos investigativos, é direito do advogado assistir o seu cliente e apresentar quesitos, ou seja, fazer perguntas ao referido cliente durante o depoimento ou interrogatório. Cabe ao Delegado de Polícia analisar a pertinência de cada questionamento, podendo indeferir, funda-mentadamente, todo o quesito que seja:

• meramente protelatório, ilegal ou sem conexão com o caso que se investiga;

• formulado de modo a induzir a uma determinada resposta pretendida pelo advogado; e

• quando a perguntar formulada importar na repetição de outra já respondida.

Para tanto, recomenda-se que o Delegado de Polícia conste do depoimento do cidadão a pergunta feita pelo advogado e respectivo motivo do indeferimento.

-rogatório após tomar conhecimento da prisão. O Delegado de Polícia conclui o interrogatório sem a ocorrência de qualquer evento ou problema. Em relação aos futuros atos investigativos do procedimento (que não seja outro interrogatório do cidadão, como o depoimento de testemunhas), existirá a necessidade de o Delegado de Polícia intimar pessoalmente o advogado para acompanhamento dos atos? A resposta é negativa, pois o dispositivo legal não traz tal dever para o Delegado de Polícia, mas, caso tome conhecimento do ato e o advogado compareça por iniciativa própria, é direito do advogado do investigado se fazer presente no depoimento de terceiros, podendo, também, fazer as devidas perguntas, aplicando-se a mesma lógica do cenário 5. O direito de fazer perguntas a testemunhas ou terceiros é um dos pontos mais controversos da lei; contudo, entendemos que essa possibilidade

direito do advogado, no curso da apuração, apresentar quesitos e razões, mesmo em relação ao depoimento de testemunhas ou terceiros. Não fazemos uma leitura

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restritiva do dispositivo legal, de modo a limitar sua abrangência a quesitos periciais, até porque a própria lei não fez essa restrição. A máxima efetividade dos direitos fundamentais reclama esse tipo de interpretação. Ressalta-se que esse direito não é aplicável quando o Delegado de Polícia faz uso da técnica da “Testemunha não

-rogatório após tomar conhecimento da prisão. O Delegado de Polícia conclui o interrogatório sem a ocorrência de qualquer evento ou problema. Em relação a necessidade de um futuro interrogatório do cidadão, existirá a necessidade de o Delegado de Polícia intimar pessoalmente o advogado para acompanhamento dos atos? A resposta é negativa. Deve o Delegado de Polícia intimar somente o cidadão para prestar novo interrogatório, podendo o mesmo se fazer presente com o seu advogado. A lei impõe a possibilidade de o advogado assistir os seus clientes e não o dever de sua intimação pessoal ou o seu comparecimento pessoal mesmo no ato de interrogatório, podendo o Delegado de Polícia proceder o interrogatório

acerca da possibilidade de estar com o seu advogado.

CENÁRIO 8: Durante uma investigação, o Delegado de Polícia necessita fazer o interrogatório de um investigado que tem advogado constituído. No dia mar--cado para o interrogatório, o advogado não pode comparecer ao ato por motivo

-

mais cuidado por parte do Delegado de Polícia. Havendo ainda tempo hábil para a remarcação do interrogatório, recomenda-se que assim proceda a Autoridade

investigação criminal, devendo o Delegado de Polícia proceder ao interrogatório do investigado mesmo sem a presença do advogado quando tal situação estiver caracterizada e devidamente fundamentada.

CENÁRIO 9: Ciente de que o Delegado de Polícia solicitará perícia no caso em que o seu cliente é investigado, o advogado apresenta uma petição com quesitos

de Polícia indeferir os quesitos? No curso de procedimentos investigativos, é direito do advogado apresentar quesitos direcionados a eventual perícia. Cabe ao Delegado de Polícia analisar a pertinência de cada quesito, podendo indeferir, fundamentadamente com base no art. 14 do CPP, todo o quesito que seja ilegal ou sem conexão com o caso que se investiga. Para tanto, o Delegado de Polícia deve constar de um despacho a análise da petição do advogado, demonstrando os motivos de fato e de direito que levaram a essa tomada de decisão.

Ao se adotar o entendimento acerca da possibilidade de o advogado formular perguntas à testemunha ou ao seu cliente, deve-se analisar a melhor forma de se fazer essa inquirição. Recomenda-se a adoção de parte do modelo utilizado no pro-cesso penal desde 2008 (art. 212 do CPP), adaptada à inquisitoriedade do inquérito

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policial ou da investigação sumária. Em síntese, a parte inicial do questionamento é de iniciativa do Delegado de Polícia, o qual efetuará todas as perguntas que entender necessárias e, em um segundo momento, a Autoridade Policial passará a palavra para o advogado efetuar as perguntas diretamente à testemunha ou investigado, cabendo ao presidente do procedimento controlar a qualidade das perguntas e indeferir fundamentadamente as que entender desnecessárias.

Ainda sobre a inovação legislativa, é direito do advogado, no curso da apuração, apresentar razões. As razões são petições do advogado acerca de determinado ponto que entenda relevante, com pedidos, sugestões ou explanações, mas sem qualquer força vinculante para o Delegado de Polícia. De qualquer modo, cabe ao Delegado

Diante de tudo o que foi exposto, a Autoridade Policial, no curso de uma investigação criminal, deve ter as seguintes posturas:

• Entender que a nulidade prevista pela lei se impõe em virtude do cercea-mento de uma prerrogativa do defensor e não em decorrência da simples ausência do advogado no interrogatório;167

cliente, uma vez que a qualidade de “cliente” requer como prova a apresentação da procuração;

• Compreender a importância da fundamentação das suas decisões, con-dição de possibilidade para a legalidade de muitos atos do inquérito policial, em especial quando forem analisados pelo Poder Judiciário.

Retornando ao tema da inquisitoriedade e do contraditório, existe a possibili-dade de o advogado utilizar o e o mandado de segurança no curso

de defesa (autodefesa).168 a existência de linhas

de pesquisas que defendem a integral aplicação, no inquérito policial, dos direitos fundamentais do contraditório e da ampla defesa. Essa alteração substancial no inquérito policial seria relevante para o aproveitamento na ação penal de todas as provas produzidas na Polícia Civil, sem a necessidade de sua repetição em juízo, tal como ocorre hoje.

167. Em sentido contrário, Alexandre Morais da Rosa (2016, p. 232) defende que, em razão da Lei nº 13.245/16, todos os interrogatórios devem ser acompanhados, necessariamente, por um advogado, sob pena de nulidade absoluta. Nenhum interrogatório pode ser realizado sem advogado. Também em sentido contrário, Aury Lopes Jr., no artigo "Lei 13.245/2016 não acabou com o caráter 'inquisitório' da investigação" (Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-jan-29/limite-penal-lei-132452016-nao-acabou-carater-carater-inquisitorio--investigacao). Acesso em 24/05/2016.

168 .ROVÉGNO, André. e ampla defesa. Bookseller: Campinas, 2005. 381 p.

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