Capítulo 2- A partícula em uma caixa

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1 Capítulo 2- A partícula em uma caixa As funções de onda estacionárias e os níveis de energia de um sistema de uma partícula em uma dimensão são obtidas resolvendo a equação de Schrödinger independente do tempo (1.19). Neste capítulo resolveremos esta equação para um sistema muito simples, o da partícula em uma caixa unidimensional (Seção 2.2). Como a equação de Schrödinger é uma equação dife- rencial, revisaremos primeiro as matemáticas das equações diferenciais (Seção 2.1). 2.1. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS Nesta seção consideraremos unicamente as equações diferenciais ordinárias, que são aquelas que têm apenas uma variável independente. [Uma equação diferencial em derivadas parciais tem mais de uma variável independente. Um exemplo é a equação de Schrödinger de- pendente do tempo (1.16), na qual as variáveis independentes são t e x. Uma equação diferencial exata é uma relação que contém uma variável independente x, uma variável dependente y(x), e a primeira, segunda,..., n-ésima derivadas de y (y’, y’’, ..., y(n)). Um exemplo é A ordem da equação diferencial é a ordem da derivada mais alta envolvida. A equação (2.1) é, então, de terceira ordem. Um tipo especial de equação diferencial é a equação diferencial linear, que tem a for- ma Onde as Ai e g são funções (algumas das quais podem valer zero) que dependem somen- te de x. A equação diferencial linear de n-ésima ordem (2.2) podem conter somente as primeiras potências da função y e de suas derivadas. Uma equação diferencial que não pode ser escrita na forma (2.2) é não linear. Se g(x)= 0 se diz que a equação diferencial linear é homogênea; em qualquer outro caso é não homogênea. A equação de Schrödinger undimensional (1.19) é uma equação diferencial linear homogênea de segunda ordem. Dividindo pelo coeficiente de yn, podemos escrever qualquer equação diferencial linear homogênea de segunda ordem na forma Suponhamos que temos duas funções independentes y 1 e y 2 e que ambas satisfazem a equação (2.3). Por independentes se entende que y 2 não é simplesmente um múltiplo de y 1 . A solução geral da equação diferencial linear homogênea (2.3) é então Onde c 1 e c 2 são constantes arbitrárias. Se comprova facilmente que é assim substituin- do a função (2.4) na parte esquerda da Equação (2.3):

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Capítulo 2- A partícula em uma caixa

As funções de onda estacionárias e os níveis de energia de um sistema de uma partícula

em uma dimensão são obtidas resolvendo a equação de Schrödinger independente do tempo

(1.19). Neste capítulo resolveremos esta equação para um sistema muito simples, o da partícula

em uma caixa unidimensional (Seção 2.2). Como a equação de Schrödinger é uma equação dife-

rencial, revisaremos primeiro as matemáticas das equações diferenciais (Seção 2.1).

2.1. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS

Nesta seção consideraremos unicamente as equações diferenciais ordinárias, que são

aquelas que têm apenas uma variável independente. [Uma equação diferencial em derivadas

parciais tem mais de uma variável independente. Um exemplo é a equação de Schrödinger de-

pendente do tempo (1.16), na qual as variáveis independentes são t e x. Uma equação diferencial

exata é uma relação que contém uma variável independente x, uma variável dependente y(x), e a

primeira, segunda,..., n-ésima derivadas de y (y’, y’’, ..., y(n)). Um exemplo é

A ordem da equação diferencial é a ordem da derivada mais alta envolvida. A equação

(2.1) é, então, de terceira ordem.

Um tipo especial de equação diferencial é a equação diferencial linear, que tem a for-

ma

Onde as Ai e g são funções (algumas das quais podem valer zero) que dependem somen-

te de x. A equação diferencial linear de n-ésima ordem (2.2) podem conter somente as primeiras

potências da função y e de suas derivadas. Uma equação diferencial que não pode ser escrita na

forma (2.2) é não linear. Se g(x)= 0 se diz que a equação diferencial linear é homogênea; em

qualquer outro caso é não homogênea. A equação de Schrödinger undimensional (1.19) é uma

equação diferencial linear homogênea de segunda ordem. Dividindo pelo coeficiente de yn,

podemos escrever qualquer equação diferencial linear homogênea de segunda ordem na forma

Suponhamos que temos duas funções independentes y1 e y2 e que ambas satisfazem a

equação (2.3). Por independentes se entende que y2 não é simplesmente um múltiplo de y1. A

solução geral da equação diferencial linear homogênea (2.3) é então

Onde c1 e c2 são constantes arbitrárias. Se comprova facilmente que é assim substituin-

do a função (2.4) na parte esquerda da Equação (2.3):

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Onde temos que y1e y2 satisfazem a equação (2.3).

A solução geral de uma equação diferencial de ordem n tem normalmente n constantes

arbitrárias. Para determinar estas constantes, temos que dispor de certas condições limites, que

são condições que especificam o valor da função y ou de várias de suas derivadas em um ou

mais pontos. Por exemplo, se y representa o deslocamento de uma corda vibrante que se man-

tém fixa por seus extremos, sabemos que y deve se anular nesses dois pontos. Um caso impor-

tante é a equação diferencial linear homogênea de segunda ordem com coeficientes constantes.:

Onde p e q são constantes. Para resolver esta equação assumimos provisoriamente que a

solução tem a forma . Estamos buscando uma função cujas derivadas, multiplicadas

por certas constantes, anulem a função original. A função exponencial repete a si mesma quando

derivada e, portanto, a escolha correta. Substituindo esta função na equação (2.6) obtemos

A equação (2.7) se denomina equação auxiliar. É uma equação quadrática cujas raízes

s1 e s2, supostamente diferentes, proporcionam duas soluções independentes da equação (2.6).

Deste modo, a solução geral desta equação é

Por exemplo, para y’’+6y’-7 = 0 a equação auxiliar é s2+6s-7=0, suas raízes são s1=1,

s2=-7 e a solução geral é dada por c1ex +c2e

-7x.

2.2. A PARTÍCULA EM UMA UNIDIMENSIONAL

Uma vez obtida a solução de um tipo de equação diferencial, abordaremos um caso em

que podemos utilizar este tipo de solução para resolver a equação de Schrödinger independente

do tempo. Consideremos uma partícula em uma caixa de potencial unidimensional. Entende-se

por isto que uma partícula sujeita a uma função de energia potencial é infinita em todas as partes

ao longo do eixo x exceto em um segmento de comprimento l, em que a sua energia potencial

vale zero. Um sistema como este pode parecer pouco realista fisicamente, porém como veremos

mais adiante, este modelo pode explicar com certo êxito o movimento eletrônico em moléculas

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conjugadas; ver seção 16.2 e problema 2.15. situamos a origem das coordenadas no extremo

esquerdo do segmento de comprimento l (Figura 2.1).

Figura 2.1. Função de energia potencial V(x) para a partícula em uma caixa undimensio-

nal.

Existem três regiões claramente diferenciadas. Nas regiões I e III a energia potencial V

vale infinito e a equação de Schrödinger independente do tempo (1.19) é

Desprezando E em relação a ∞ obtemos

De onde concluímos que ψ vale zero fora da caixa:

Na região II, com x compreendido entre zero e l, a energia potencial vale zero, e a equa-

ção de Schrödinger (1.9) fica como se segue

Onde m é a massa da partícula e E sua energia. Esta é claramente uma equação diferen-

cial linear homogênea de segunda ordem com coeficientes constantes, cuja equação auxiliar

(2,7) proporciona

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Onde . Utilizando a equação (2.8), obtemos

Definamos temporariamente

Temos também que [Equação (1.28)] e

desde que

Portanto desenvolvemos

Onde A e B são duas novas constantes arbitrárias. Assim,

Determinemos agora A e B utilizando as condições limites. Parece razoável postular que

a função de onda seja contínua, ou seja, seu valor não muda bruscamente. Se ψ tem de ser con-

tínua no ponto x=0, então ψI e ψII devem tender ao mesmo valor neste ponto:

Desde que

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A equação (2.15), com A=0, ocorre como

Aplicando aqui a condição de continuidade em x=l, obtemos

B não pode ser zero, pois assim se anularia a função de onda em todos os pontos e terí-

amos uma caixa vazia. Portanto, tem-se que cumprir que

A função seno vale zero quando seu argumento toma os valores 0, , ...

Assim,

O valor n=0 é um caso especial. Segundo a equação (2.19), para n=0, temos E=0. Neste

caso, as raies (2.12) da equação auxiliar são iguais e a solução (2.13) não é a solução completa

da equação de Schrödinger. Para obter a solução completa temos de voltar a equação (2.10), que

para E=0 se reduz a . Integrando, obtemos e

onde c e d são constantes. A condição limite ψII=0 e x=0 e d=0, e a condição ψII=0 e x=l dá c=0.

Assim, ψII=0 para E=0 e, portanto, E=0 não é um valor permitido para a energia. Portanto, o

valor n=0 não é permitido.

Usando E na equação (2.19) obtemos

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Figura 2.2. Os quatros níveis de menor energia para a partícula em uma caixa u-

nidimensional.

Somente os valores da energia dados pela equação (2.20) permitem que ψ satisfaça a

condição limite de continuidade em x=l. a imposição de uma condição limite nos leva a conclu-

são de que os valores da energia estão quantizados (Figura 2.2).

Este fato contrasta notavelmente com o resultado clássico de que a partícula na caixa

pode ter qualquer energia não negativa. Nota-se, também, que tem um valor mínimo, maior que

zero, para a energia da partícula. O estado de energia mais baixo se denomina estado funda-

mental, e os estados com energias posteriores a da fundamental são os estados excitados.

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EXEMPLO. Uma partícula de massa 2,00x10-26 g está em uma caixa de potencial un-

dimensional de 4,00nm de comprimento. Determine a freqüência e o comprimento de onda do

fóton emitido quando a partícula passa do nível n=3 e n2.

Por conservação da energia, a energia hν do fóton emitido deve ser igual a diferença de

energia entre os dois estados estacionários [Equação (1.4); ver também a seção 9.10]:

Onde s e i denotam superior e inferior. Usando a relação λν obtemos λ=2,32x10-4

m.

Substituindo a equação (2.19) na (2.17), obtemos para a função de onda

O uso do sinal negativo diante de nπ na Equação (2.19) não proporciona outra solução

independente. Desde que sem(-θ)= -sem θ, obtemos simplesmente a mesma solução multiplica-

da pela constante -1.

A constante B na Equação (2.21) permance sem especificar. Para fixar seu valor usamos

a condição de normalização, dada pelas equações (1.24) e (1.22):

Onde a integral é resolvida utilizando a relação Temos

Observe que somente temos determinado o valor absoluto de B. Esta constante pode va-

ler tanto –(2/l) ½

. Mas, B não tem porque ser um número real, já que podemos dar-lhe qualquer

valor complexo cujo módulo seja (2/l) ½

. Tudo o que podemos dizer é que ,

onde α é a fase de B, que pode tomar qualquer valor entre 0 e 2π (Seção 1.7). Escolhendo a fase

igual a zero, escrevemos as funções de onda estacionárias da partícula na caixa como

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Nas figuras 2.3 e 2.4 são mostrados os gráficos de várias funções de onda e das densi-

dades de probabilidade.

O número n que aparece na expressão (2.20) para as energias e na (2.23) para as funções

de onda, se denomina número quântico. Cada valor diferente do número quântico n proporcio-

na uma função de onda e um estado diferente.

As funções de onda se anulam em determinados pontos que se denominam nós. Para

cada aumento de uma unidade no valor do número quântico n, a função de onda ψ tem um nó a

mais. A existência de nodos em ψ e em ⎤ψ⎢2 pode parecer surpreendente. Para n=2, por exemplo,

a figura 2.4 nos diz que a probabilidade de encontrar a partícula no centro da caixa, em x=l/2,

vale zero. Como pode a partícula ir de um lado a outro da caixa sem que passe pelo centro da

mesma em nenhum momento? Este paradoxo surge da intenção de compreender o movimento

das partículas microscópicas utilizando nossa experiência cotidiana sobre o movimento das

partículas macroscópicas. No entanto, como indicamos no capítulo 1, os elétrons e outras “par-

tículas” microscópicas não podem ser descritos completa e corretamente usando os conceitos da

física clássica extraídos do mundo macroscópico.

Figura 2.3. Gráficos de ψ para os três estados de menor energia da partícula na caixa.

Figura 2.4. Gráficos de ⎢ψ⎤2 para os três estados de menor energia da partícula na caixa.

A figura 2.4 mostra que a probabilidade de encontrar a partícula em diferentes partes da

caixa é completamente diferente do resultado clássico. Classicamente uma partícula em uma

caixa com uma energia dada, se move com velocidade constante e choca elasticamente com as

paredes. Existe, portanto, a mesma probabilidade de encontrá-la em qualquer ponto da caixa.

Mecanoquanticamente, a probabilidade de encontrar a partícula tem um máximo no centro da

caixa, para o nível de energia mais baixo. Ao passar a níveis de energia superiores, com mais

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nós, os máximos e mínimos de probabilidade ficam cada vez mais próximos entre si, e as varia-

ções de probabilidade na caixa acabando sendo indetectáveis. Para números quânticos elevamos

nos aproximamos, portanto, ao resultado clássico de densidade de probabilidade uniforme.

O resultado de que no limite dos grandes números quânticos a mecânica quântica se

transforma em mecânica clássica, é conhecido como princípio de correspondência de Bohr.

Desde que a mecânica Newtoniana é válida para objetos macroscópicos (que se movem a velo-

cidades muito inferiores a da luz), deve-se esperar que a mecânica quântica não relativista dê as

mesmas respostas que a mecânica clássica para objetos macroscópicos. Devido ao valor extre-

mamente pequeno da constante de Planck, a quantização da energia não é observável em objetos

macroscópicos. Desde que a massa da partícula e o quadrado do comprimento da caixa apare-

cem no denominador da equação (2.20), um objeto macroscópico no interior de uma caixa ma-

croscópica, que se mova com uma energia macroscópica, terá um elevadíssimo valor de n e, por

conseguinte, de acordo com o princípio de correspondência, mostrará um comportamento clás-

sico.

Temos um conjunto de funções de onda, cada uma delas com um valor diferente de e-

nergia, caracterizadas pelo número quântico n que pode tomar valores inteiros a partir da unida-

de. Utilizaremos o subíndice i para denotar uma função de onda particular com número quântico

ni:

ψi = 0 em qualquer outro lugar

Desde que a função de onda está normalizada, temos

Perguntemos-nos agora pelo valor desta integral quando se utilizam funções de onda

correspondentes a diferentes níveis de energia:

Façamos t= πx/l:

A integral pode ser avaliada usando a identidade

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Que nos leva

Desde que senmπ=0 para m inteiro. Deste modo, temos

Quando se cumpre a Equação (2.26), se diz que as funções ψi e ψj são ortogonais entre

si para i≠j. Podemos combinar as Equações (2.24) e (2.26) na forma

O símbolo δij é denominado delta de Kronecker (em homenagem a este matemático), e

vale 1 quando os dois índices i e j são iguais, e 0 quando os índices são diferentes:

A propriedade (2.27) das funções de onda é denominada ortonormalidade. Temos de-

monstrado que esta propriedade satisfaz as funções de onda da partícula na caixa. Na seção 7.2

demonstraremos esta propriedade de forma mais geral.

Uma forma mais rigorosa de tratar o problema da partícula na caixa com paredes infini-

tas consiste em analisar primeiro a partícula em uma caixa com saltos de potencial finitos nas

paredes e tomar então o limite no qual o potencial no salto seja infinito. Os resultados que se

obtêm neste limite coincidem com os dados pelas equações (2.20) e (2.23) .

2.3. A PARTÍCULA LIVRE EM UMA DIMENSÃO

Por uma partícula livre se entende aquela que não está submetida a nenhuma força. In-

tegrando a Equação (1.12) para uma partícula livre se obtém que a energia potencial permanece

constante para qualquer valor de x. Desde que a escolha do zero de energia é arbitrária, podemos

escrever V(x)=0. A equação de Schrödinger (1.19) fica como se segue

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Esta equação é a mesma que a Equação (2.10) (exceto pelas condições limites), assim

que sua solução geral é dada pela equação (2.13):

Que condições limites temos de impor neste caso? Parece razoável postular (desde que

representa uma probabilidade) que ψ permaneça finita quando x tende a . Se a

energia é menor do que zero, então esta condição limite não se cumpre, já que para E 0 temos

E o primeiro termo na Equação (2.30), portanto, se faz infinito conforme x tende a me-

nos infinito. Da mesma forma, se E é negativa, o segundo termo na equação (2.30) se faz infini-

to conforme x tende a mais infinito. Assim, pois, a condição limite requer que

Para a partícula livre. A função de onda é oscilante e é dada por uma combinação linear

de um termo seno e de um termo cosseno (Equação (2.15)). Para a partícula livre a energia não

está quantizada; todas as energias não negativas estão permitidas. Desde que temos tomado

arbitrárias c1 e c2 mediante normalização, encontramos que a integral é

infinita. Em outras palavras, a função de onda da partícula livre não é normalizável no sentido

habitual. Isto é o que se deve esperar do ponto de vista físico, já que não tem nenhuma razão

que justifique que a probabilidade de encontrar a partícula livre tenda a zero conforme x tenda a

.

O problema da partícula livre representa uma situação fictícia, já que na realidade não

pode existir nenhuma partícula que não interaja com qualquer outra partícula no Universo.

2.4. A PARTÍCULA EM UM POÇO RETANGULAR

Consideremos uma partícula em uma caixa unidimensional com paredes de altura finita

(Figura 2.5a). A função de energia potencial é V=V0 para x , V=0 para 0 ≤ x ≤ l e V=V0 para

x l. Há dois casos para examinar, dependendo se a energia da partícula E é inferior ou superior

a V0.

Vejamos primeiro o caso em que E V0. A Equação de Schrödinger (1.19) nas regiões

I e III é . Esta é uma equação diferencial linear homogê-

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nea com coeficientes constantes, e sua equação auxiliar (2.7) é .

Com raízes . Portanto,

Onde C, D, F e G são constantes.

Figura 2.5. (a) Função de energia potencial para uma partícula em um poço de po-

tencial unidimensional retangular. (b) Função de onda para o estado fundamental deste

potencial. (c) Função de onda para o primeiro estado excitado.

Como na seção 2.3, devemos evitar que ψ1 se faça infinita conforme .

Desde que temos suposto que E V0, a quantidade é um número real positivo, de

modo que para que se mantenha finita quando temos de tomar D= 0. igualmen-

te, para que se mantenha finita quando , temos de tomar F=0. Temos então que

Na região II, com V=0, a equação de Schrödinger é a (2.10) e sua solução é dada pela

equação (2.15):

Para completar o problema, temos de impor as condições limites. Como com a partícula

na caixa de paredes infinitas, exigimos que a função de onda seja contínua em x=0 e em x=l, ou

seja, e . A função de onda tem quatro constantes

arbitrárias, assim necessitamos de alguma condição limite a mais, além destas duas. Além de se

exigir que ψ seja contínua, exigiremos que sua primeira derivada seja também contí-

nua em qualquer ponto. Para justificar esta condição notemos que se fosse de forma

descontínua em um determinado ponto, então sua derivada (sua velocidade de troca instantânea)

seria infinita neste ponto. No entanto, para uma partícula em um poço retangular, a

equação de Schrödinger não contêm nenhum ponto infinito

a direita do sinal igual, de maneira que não possa ser infinita. [Para um tratamento

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mais rigoroso, ver D. Branson, Iam. J. Phys., 47, 1000 (1979).] Portanto, em

x= 0 e em x = l.

Da condição , obtemos C = A, da condição obte-

mos e da condição obtemos uma equação compli-

cada para determinar G em função de A. a constante A se determina mediante normalização.

Tomando , dividindo esta equação por e expressando B

em função de A, obtemos a seguinte equação para os níveis de energia:

[Embora E= 0 satisfaça a equação (2.33), não é um valor de energia permitido, já que dá

ψ= 0.]. Definindo as constantes adimensionais ε e b como

e

E dividindo a equação (2.33) por V0 obtemos

Unicamente os valores particulares de energia E que satisfazem a equação (2.33) pro-

porcionam uma função de odna que é contínua e cuja primeira derivada também o é. Os níveis

de energia estão, então, quantizados para E . Para obter os níveis de energia permitidos,

podemos representar a parte esquerda da equação (2.35) frente a ε para e para de-

terminar os pontos nos quais a curva corta o eixo horizontal. Um estudo detalhado (Merzbacher,

Seção 6.8) mostra que o número de níveis de energia permitidos com é N, onde N satis-

faz

Por exemplo, se , então

e N = 3.

Na figura 2.5 é mostrada a função de onda ψ dos dois níveis de energia mais baixos. A

mesma função de onda é oscilante no interior da caixa e se anula exponencialmente fora da

mesma. Também aqui o número de nós aumenta em uma unidade conforme se sobe de um nível

a outro.

Até agora temos tratado somente estados com Para , a quantidade

é imaginária e as funções e oscilam conforme x tende a (como as da

partícula livre), em vez de anular-se. Não há nenhuma razão para fazer que as constantes D em

e F em sejam iguais a zero. Com estas constantes adicionais disponíveis para que as

funções ψ e ψ’ satisfaçam as condições limites, não é necessário restringir os valores da energia

E para que as funções de onda se comportem bem. Portanto, todas as energias acima de estão

permitidas.

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Um estado no qual conforme e se denomina estado ligado. Para

um estado ligado, a probabilidade de encontrar a partícula se concentra em sua maior parte em

uma região finita do espaço. Para um estado não ligado, a função de onda ψ não tende a zero

conforme e não é normalizável. Para a partícula em um poço retangular, os estados

com são ligados e os estados são não ligados. Para a partícula na caixa de

paredes infinitas, todos os estados são ligados, e para a partícula livre, todos os estados são não

ligados.

2.5. EFEITO TÚNEL

Para a partícula em um poço de potencial retangular (Seção 2.4) a figura 2.5 e as ex-

pressões para e mostram que nos estados ligados existe uma probabilidade distinta de

zero de encontrar a partícula nas regiões I e III, onde a energia total é menor que a energia po-

tencial V = . Classicamente, este comportamento não é permitido. As equações clássicas

e , onde T é a energia cinética, implicam que a energia total E não pode ser

inferior a energia potencial V.

Consideremos uma partícula em uma caixa unidimensional com paredes de altura finita

y e espessura finita (Figura 2.6). Classicamente a partícula não pode escapar da caixa, a menos

que sua energia seja maior que a da barreira de potencial . No entanto, o tratamento mecano-

quântico (que omitimos) mostra que existe uma probabilidade finita de que a partícula, com

uma energia total inferior a , apareça fora da caixa.

O termo efeito túnel denota a penetração de uma partícula em uma região proibida clas-

sicamente (como na figura 2.5) ou o passo de uma partícula através de uma barreira de potencial

cuja altura é superior a energia da partícula. Desde que o efeito túnel é um efeito quântico, a

probabilidade de que ocorra é maior quanto menos clássico é o comportamento da partícula. O

efeito túnel é, portanto, mais freqüente em partículas de massa pequena (nota-se que quanto

maior for a massa m, mais rapidamente tende a zero as funções e da Seção 2.4). Nos

elétrons o efeito túnel ocorre facilmente, e nos átomos de hidrogênio ocorre mais facilmente que

nos átomos pesados.

Figura 2.6. Função energia potencial para a partícula em uma caixa unidimensional de

altura e espessura finitos.

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A emissão de partículas alfa desde um núcleo radioativo se produz mediante efeito túnel

das mesmas, através de uma barreira de potencial gerada pelas forças nucleares atrativas de

curto alcance e a força coulombiana repulsiva do núcleo com a partícula alfa. A molécula de

NH3 é piramidal, e existe uma barreira de energia potencial para a inversão da mesma, com um

máximo de energia potencial na configuração planar. Os átomos de hidrogênio podem cruzar

esta barreira mediante efeito túnel, dando lugar a inversão da molécula. Na molécula de

CH3CH3 há uma barreira de rotação interna, com um máximo de energia potencial na posição

eclipsada dos átomos de hidrogênio. Estes átomos podem também cruzar a barreira desde uma

posição alternada a outra. O efeito túnel dos elétrons é importante nas reações de oxidação-

redução e nos processos de eletrodo. O efeito túnel afeta também normalmente, de forma signi-

ficativa, a velocidade das reações químicas com transferência de átomos de hidrogênio, ver R.P.

Bell, The Tunnel Effect in Chemistry, Chapman & Hall, 1980.

O microscópico de efeito túnel, inventado em 1981, utiliza o efeito túnel dos elétrons a-

través do espaço compreendido entre uma ponta extremamente fina de metal e a superfície de

um sólido condutor, para produzir imagens dos átomos individuais da superfície sólida. Aplica-

se uma pequena voltagem entre o sólido e a ponta de metal e se ajusta a altura da ponta ao mo-

ver-se sobre a superfície de maneira que o fluxo de corrente se mantenha constante. A represen-

tação de altura da ponta frente a sua posição é a que proporciona a imagem da superfície.

2.6 RESUMO

A solução geral de uma equação diferencial linear homogênea de segunda ordem com

coeficientes constantes é

onde s1 e s2 são as soluções da equação auxiliar

Para uma partícula em uma caixa unidimensional (com energia potencial V=0 e para

e em qualquer outra parte), as funções de onda estacionárias e as energias são

para e ψ=0 em qualquer outro ponto, e

onde n= 1,2,3...