Caderno Pensar

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Pens ar Fale com o editor: José Roberto Santos Neves - [email protected] Vitória (ES), sábado, 4 de junho de 2011 Pesquisadora analisa a nova safra do cinema argentino, composta por cineastas como Lucrecia Martel. PÁG. 9 Artistas e gestores expõem suas expectativas sobre o futuro do cenário cultural no Estado após a inauguração do Cais das Artes. PÁGS. 6, 7 E 8 A redução de espaços culturais em Vitória preocupa artistas, produtores e público. O debate ganhou corpo nas redes sociais, onde a classe artística cobra do governo mais voz e palcos para exibir as suas produções. No centro da discussão, há dúvidas e também esperança no futuro com o CAIS DAS ARTES

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Suplemento mensal de cultura de A Gazeta

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Page 1: Caderno Pensar

PensarFale com o editor:

José Roberto Santos Neves - [email protected]ória (ES), sábado, 4 de junho de 2011

Pesquisadora analisa anova safra do cinemaargentino, compostapor cineastas comoLucrecia Martel. PÁG. 9

Artistas e gestores expõem suas expectativas sobre o futuro do cenáriocultural no Estado após a inauguração do Cais das Artes. PÁGS. 6, 7 E 8

A redução de espaços culturais em Vitóriapreocupa artistas, produtores e público.

O debate ganhou corpo nas redessociais, onde a classe artísticacobra do governo mais voz epalcos para exibir as suasproduções. No centro dadiscussão, há dúvidase também esperançano futuro com oCAIS DAS ARTES

Documento:Terceiro_04_06_2011 1a. PENSAR_ET_Especial Tabloide_1.PS;Página:1;Formato:(277.64 x 315.74 mm);Chapa:Composto;Data:03 de Jun de 2011 13:46:23

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Vale a penarefletir

os próximos anos, Vitória ganharásete novos teatros, sendo o Cais dasArtes, na Enseada do Suá, o maisaguardado de todos, em função desua arquitetura arrojada e da pro-messa de inserir de vez o Estado nomapa artístico nacional. No entanto,o projeto grandioso divide opiniões:uma parcela dos artistas teme que aproduçãocapixabasejaignorada,en-quantooutrosveemcomotimismoapossibilidade de qualificação domercado local. Para debater o tema,convidamos o cineasta, ator e jorna-lista Luiz Tadeu Teixeira e a presi-dente do Sindicato dos Artistas eTécnicos em Espetáculos de Diver-sõesdoEspíritoSanto,VerônicaGo-mes.Oresultadoestánaspáginas6e7.Aindadentrodoassunto,apágina8trazumaentrevistacomacoordena-dora do Comitê Gestor do Cais dasArtes,DayseLemos,ecomogerentedeAçãoCulturaldaSecretariadeEs-tado da Cultura, Maurício Silva. E oPensar deste mês oferece ainda crô-nicas, poesia, resenhas de livros, crí-tica musical, cinema, memória.Aquele abraço literário e até julho!

Caros leitores,

EXPEDIENTE – Editor: José Roberto Santos Neves; Editor de Arte: Paulo Nascimento; Editor de Qualidade: Carlos Henrique Boninsenha; Designgráfico: Dirceu Gilberto Sarcinelli; Fotos: Editoria de Fotografia e Arquivo A GAZETA; Textos: Colaboradores; Correspondência: Jornal A GAZETA,Rua Chafic Murad, 902, Monte Belo, Vitória-ES, Cep: 29.053-315; Fax: 3321-8642.---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Pensar:

JOSÉ ROBERTOSANTOSNEVES .é editor doCadernoPensar,novoespaçopara adiscussão ereflexãocultural quecircula aossábados,mensalmente,em AGAZETA

F A L A N D O D E M Ú S I C A

ILUSTRE. Obra do artista atravessa--------------------------------------------------------------------------------------------------------------

o tempo para se tornar imortal--------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Mário Lago tinha razão

u fiz umacordo de

coexistência pacífica com otempo: nem ele me perse-gue, nem eu fujo dele. Umdia, a gente se encontra”, di-zia Mário Lago (1911-2002).Sábias palavras de um dosmais brilhantes brasileirosdoséculopassado,cujocen-tenário se celebra em 2011,semapompaeacircunstân-cia merecidas, é verdade, oque é típico de um país quenão dá o devido valor à suamemória. Mas este textonão é para ficar na lamenta-ção, e sim para celebrar aalegria de viver deste artistamúltiploquesedestacouco-mo compositor, ator, autorteatral, escritor, poeta, co-munista convicto, entusias-ta da democracia, tricolorilustre e, acima de tudo, umapaixonado pelo Brasil.

Uma amostra de sua pro-dução exuberante está noprojeto multimídia “MárioLago, homem do séculoXX”, que inclui três CDscom 48 regravações da natada MPB para as criações docompositor, além de livrocom texto biográfico e o

DVD com o documentário“Eu, Lago sou”, que traz umraro registro do autor can-tando e declamando.

Por um desses capri-chos do destino, tive aces-so a esse projeto produzi-doem2006pelaPetrobras,com apoio da família e dis-tribuição dirigida a esco-las e bibliotecas. Infeliz-mente, Mário Lago já haviaencerrado sua carreiraaqui na Terra, como costu-ma afirmar o pesquisadorTarcísio Faustini, mas suaobra permanecerá parasempre e merece ser ouvi-da por todas as gerações.

Beth Carvalho, NelsonSargento, Dona Ivone Lara,Gilberto Gil, Emílio Santia-

go, Monarco, Teresa Cristi-na, Diogo Nogueira e os sau-dosos Walter Alfaiate e LuizCarlos da Vila estão entreaqueles que emprestaramsuas vozes para abrilhantarcanções que fizeram a trilhasonora do Brasil de MárioLago, um país que superoutodas as adversidades políti-cas e sociais sem jamais per-der a esperança no futuro.

Difícil não se emocionarcom a doçura da jovem Ma-riana Bernardes ao inter-pretarosambadolente“Co-vardia” (parceria comAtaulfo Alves), ou com a re-leitura de Roberto Silva, oPríncipe do Samba, para“Ai, que saudade da Amé-lia”. A célebre parceria deMárioLagocomAtaulfoAl-ves rendeu aos autores oprazer da consagração po-pular e o dissabor da acusa-ção histórica de machismo.

Hoje,sobaperspectivadotempo,percebe-sequeAmé-lia nada mais é do que umacanção de amor dotada deuma crítica ferrenha ao con-sumismotãodecantadopelasociedade capitalista. Àsmulheres que ainda se irri-tam com a letra dessa músi-ca,adicaésimples:bastatro-car a personagem do títulopor um nome masculino. Deonde se conclui que, se hou-vesse mais Amélias e Amé-lios no mundo, os casais se-riam bem mais felizes.

José Roberto Santos [email protected]

Pensar na web:No sitewww.agazeta.com.br,Luiz Tadeu Teixeira eVerônica Gomesdebatem o futuro doCais das Artes,Carolina Ruas falasobre o novo cinemaargentino e RenataBomfim apresentasua poesia. Confiratambém trailers defilmes e trechos demúsicas e livroscomentados nestaedição.

2 Pensar A GAZETA Vitória (ES), sábado, 04 de junho de 2011Fale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected]

“E

DIVULGAÇÃO

SAUDADE. Se estivesse vivo,criador da “Amélia” faria 100anos em 26 de novembro

N

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LIVRO. Seleção de entrevistas com autores célebres----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Caê Guimarães éjornalista, poeta eescritor. Publicouquatro livros eescreve no sitewww.caeguimaraes.com.br

E N T R E L I N H A S

oa informação nãose arranca a fórceps

e entrevistas com escritoresconsagrados não é porto se-guro. Mas, para o bem do lei-tor, os jornalistas do primeirovolume de “As Entrevistas daParis Review” (Cia. das Le-tras, 459 págs., R$ 58) encara-ramsuasesfingescommiradaforte. O resultado é ligeira-

mente desigual nas entrevis-tas de Faulkner, Capote, He-mingway, Celine, Borges, Au-den, Doris Lessing, ManuelPuig, Amós Oz, Primo Levi,Billy Wilder, Ian McEwan,Paul Auster e Javier Marías,feitas entre 1956 e 2006. Al-guns têm o mau humor comopremissa. Outros brilham nafala como na escrita. Mas, co-mo o comentário sobre as 14entrevistas vazaria desta co-luna, vamos a algumas delas.

Faulkner se mostra menoshermético do que sua escrita.“Não há nada novo a ser dito.Se Shakespeare, Balzac e Ho-merovivessemmaismilanos,os editores não precisariam

de mais ninguém”. Para ele, aindividualidade de um escri-tor interessa apenas a si pró-prio. Em sua matemática atí-pica, a fórmula para se tornarumromancistasérioé99%detalento, 99% de trabalho e99% de disciplina.

A cordialidade perscruta-dora marca a entrevista deTruman Capote. Gentil, eledeixa no repórter a certezade ser um homem que nãopode ser ludibriado com jo-gos e armadilhas. E faz umainstigante comparação daescrita com outras artes. “Aescrita temleisdeperspecti-va, luz e sombra, como a pin-tura e a música. Se você nas-

No princípio era o verbo

Fale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected] A GAZETA Vitória (ES), 04 de junho de 2011

Bceu conhecendo-as, ótimo.Se não, tem que aprender”.

Já Hemingway, homem depersonalidadesolareaventu-reira, surpreende pelo mauhumor. Ele chega a classificaruma pergunta como cansati-va e demorada, mas ainda as-sim revela curiosos métodosdetrabalho,comoescreverdepé com a máquina sobre umabancada alta, iniciar livroscomescritamanuala lápiseaobsessãoemcontaronúmerode palavras/dia escritas “paranão ludibriar a mim mesmo”.

Oniilismochegaàsraiasdodesespero em Celine. Talvezseja o caso de maior seme-lhançaentreautor, falaeobra.

“Tolero a vida porque estouvivo e tenho responsabilida-des. Só espero morrer da for-ma menos indolor possível”,afirma entre sombras.

A revista literária america-na “Paris Review” foi lançadaem1953esetornoulegendáriapor sua linha editorial – umcontraponto à crítica acadê-mica formal. Este volume deentrevistas,realizadascomes-critoresvindosdeculturastãodistintasedeestilostãodíspa-res, revela o corpo submersodo iceberg que é a mente dosque se dedicam a construir asnarrativas que a humanidadeprecisaparaaplacaroabsurdoda própria existência.

VESTSABERES2011•2

3227-8203 I www.saberes.edu.br

PORTUGUÊS E INGLÊS

HISTÓRIALETRAS

POSGRADUAÇÃOSABERES2011

TURMAS DE JUNHO/11ALFABETIZAÇÃO - Curso Inédito

1ª TURMA - Iniciando

EDUCAÇÃO E GESTÃO AMBIENTAL10ª TURMA

PSICOPEDAGOGIA21ª TURMA - Iniciando

MATRÍCULAS ABERTASPROVA AGENDADA

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4 Pensar A GAZETA Vitória (ES), sábado, 04 de junho de 2011Fale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected]

ESTUDO. Historiador mostra como os músicos, antes “servos” da----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

sociedade, se transformaram em astros pop através dos séculos----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

A história da música,da lama à fama

o interessante livro“O Triunfo da músi-

ca”, o professor de HistóriaContemporânea Tim Blanningse propõe a revisitar a históriada música a partir de um viéssociológico.Nãose tratadene-nhuma novidade, pois no meioacadêmico, por mais de 30anos, essa prática já se faz pre-sente, porém, em livros comuma linguagem menos técnicae mais direcionada à prazerosaleitura, não dispomos de mui-tos exemplos similares.

Ao abordar o problema sobquatro perspectivas diferentes,que determinam os nomes doscapítulos (Prestígio, Propósito:“Amúsicaéamaisromânticadetodas as artes”; Lugares e espa-ços: “Do Palácio ao Estádio”;Tecnologia: “do Stradivarius aoStratocaster”;eLibertação:“Na-ção, povo, sexo”), o autor busca,em cada um deles, traçar umacronologia comentada, sempreembasadaemumasólidaeatua-lizadarevisãobibliográfica.Nãosetratadeapenasmaisumlivrode narração de fatos relevantesou pitorescos, e sim de uma re-flexão sobre o papel da músicanassociedadese,principalmen-te, das sociedades na música.

Consciente do papel que amúsica exerceu ao longo da EraModerna (onde o autor se con-centra, com apenas algumaspoucas incursões na época me-dieval),Blanninginvestigaatra-jetória da música e dos músicos

DIVULGAÇÃO

Ernesto Hartmanné professor da Ufes,Mestre em Piano pelaUFRJ e Doutor emMúsica pela [email protected]

O TRIUNFO DA MÚSICA– A ASCENSÃO DOSCOMPOSITORES, DOSMÚSICOS E DE SUA ARTETRADUÇÃO : IVO KOTYTOVSKI

COMPANHIA DAS LETRAS.424 PÁGINAS

QUANTO: R$ 45, EM MÉDIA

TIM BLANNING

N

PERCURSO. Autorvai das agruras deMozart à glória deBono Vox

com especial ênfase no prestí-gio desfrutado por eles e na re-lação que a sociedade de cadaépoca mantinha com os “ser-vos” (Haydn e Mozart, porexemplo) até Bono Vox e PaulMcCartney nos dias atuais, tra-tados como verdadeiros heróis.

PROGRESSO TECNOLÓGICOExtremamente centrado nasquestões específicas da Euro-pa, e em particular da Inglater-ra,o livronãofalhaemassociara Revolução Industrial e o ad-ventodocapitalismoaestamu-dança de status, apontando amassificação da música comouma das principais responsá-veisporestamudança.Eviden-temente, o progresso tecnoló-gico e o acesso a novas tecno-logias de gravação, muito maissimplesnosdiasdehojedoquehá 30 anos, permitiram à músi-ca e aos músicos um acessomais direto e menos mediado

com o consumidor, viabilizan-do novas formas de comercia-lizaçãoedifusão,quenoenten-dimentodoautorsomentecor-roboram para o fortalecimentodomercadomusicaledotriun-fo desta arte, como principalbem de consumo no mundocontemporâneo.

Como um livro escrito porum historiador, não podería-mosnosabsterdodesejodever“previsões” sobre o futuro apartirdaanálisedopassadoedopresente. O autor nos ofereceuma visão bastante positiva so-breeste futuro,emboraprofun-damente calcada na experiên-cia europeia e na trajetória dahistória da música ocidental.

Exatamentenestepontoresi-de uma grande lacuna na argu-mentação, pois ao desconside-raraexperiênciaextraeuropeia,praticamente desprezando aprodução musical das Améri-cas e de outros continentes,Blanningnãoconsegueseapro-fundar em discussões estéticas(talvez nem seja esta a questãocentral do seu livro), conforta-velmente evitando qualquerjuízo de valor, situação esta cla-ramente expressa na frase “estelivroésobreotriunfodaMúsicae não dos músicos ou de qual-quer tipo particular de música”.Se for esse o caso, qual seria osentidoentãodededicarumca-pítulo inteiro, no caso o primei-ro, ao tema Prestígio?

Não obstante, trata-se deuma agradável leitura tantopara os músicos, como paraquem deseja iniciar-se na his-tória da música.

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guaescorrenovaso-bre o chão da cozi-

nha. Veio da máquina de lavar,fazendo barulho. A Flor, minhacachorra, se virou atenta aosom, depois suspirou com des-dém. O barulho da máquina delavar incomodou meu corpo.Achei absurda a quebra de umsilênciosemacordes.Acheiqueera melhor como estava antes,volumebaixodatelevisão,brisadesábadoentrandodelicadanasaladeestar.Mastivepaciência,paciência, a máquina termina-ria seu trabalho. Um dia desco-bri que devo ter paciência.

Até com o volume permean-dooscômodosdacasa...atécoma obra de construção no aparta-mento de cima... Até comigo.

Estou preocupada com a si-tuação da merenda escolar noBrasil. Os meninos estão co-mendo comida estragada. O“Jornal Nacional” mostrou umasérie de reportagens revelandoo absurdo a que devemos estaratentos: a merenda – quandoexiste–estásendoguardadaemambientesprecários,emmeioamofos e baratas. O assunto nemganhou tanta fama. Quase nãohouve discussão parlamentar,as universidades estudarampouco a questão, nada escuta-mos do que esses professores ealunosdaredepúblicaestãonosdizendo. Dilma nem veio ao arproibir a entrada de baratas nascantinas como o fez com a en-trada do “Kit gay” nas escolas.Na próxima segunda-feira osalunoscomerãodenovooarrozque passou da validade. Paciên-cia? Não sei. Há limites.

Hálimitesparaosilêncio,ne-nhuma voz começa em vão. In-vejo agora a máquina de lavarquefazbarulhonaminhacalma,

CRÔNICAS E POESIA. O descaso com a merenda escolar, a força do----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

corpo e a presença viva dos objetos inspiram nossas colaboradoras----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Cálice

“...Como é difícil acordarcaladoSe na calada da noite eume danoQuero lançar um gritodesumanoQue é uma maneira de serescutadoEsse silêncio todo meatordoaAtordoado eu permaneçoatentoNa arquibancada pra aqualquer momentoVer emergir o monstro dalagoa

Pai, afasta de mim essecálicePai, afasta de mim essecálicePai, afasta de mim essecáliceDe vinho tinto desangue”

Nayara Lima éescritora, graduanda emPsicologia pela Ufes eautora do blogwww.nayaralima-versoeprosa.blogspot.com

para cumprir com seu trabalho.Ela só descansa depois quecumpre. Se tivesse alma, meolhariacomdesdém,feitoaFlordeitadanasalaindiferenteaoin-cômodo do ar. Queria que estacrônica fosse leve, mas pareceimpossível. O leitor percebe: aspalavrasfazembarulhonosilên-cio de dentro.

No princípio era o verbo.Agora é o quê?

Chico Buarque e GilbertoGil, em 1973, romperam com osilêncio para cantar:

RENATA BOMFIM

MEMÓRIAS DO CORPO

Todo corpo tem memóriaguarda lembranças dasdores, prazeres, fracassos,glórias.Todo corpo tem, também,Deus e o Diabo, dentro.

Viva o corpoCorpo vivoViva sim, que a Mortevem!

Cada parte do corpoinventa para si um viver:algumas mãos escolhemcavarem busca de ourooutras em busca de ossos.

Pés decidem tornar-se umcom a estradajá outros, criam raízeschegando a conheceráguas profundas.

Há bocas que sorriemcomo meninas que usamtranças,outras tornam-sefechaduras,lacres, selos, labirinto.

Os ventres pulsam eabrigam vidamas alguns, menoscompromissados,gostam de fazer ventania.

O corpo se reinventasempreaté mesmo no seu últimoestágioquando se desintegrapassando a compor algomaior que ele mesmo.Então ele realiza o seudestinoo mais nobre de todos:ser Terra!

ESPAÇO DA POESIACircunspecção

e uma certa distân-cia, olho minha mesa

detrabalho.Estárepletadecoi-sas, e gosto de observá-la sobessaluz.Acortinalaranjamedáilusões cálidas de lareira crepi-tando,eeuacreditotanto,queaideia de subi-la um pouco meencheocorpodetremores.De-tenho-me, então, de cá de mi-nha segurança abrigada, a ob-servar os objetos banhados decalor laranja. O caos é genera-lizado. Há muitos livros, pilhasde papéis sobre os livros, den-tro de “Rayuela” de Cortázarumlápismarcandoaúltimapá-ginaqueli,hásemanas.Capítu-lo5.Sobreumcaderno,duasfo-lhas de outono: uma amarela eoutraacobreada.Estãomaisse-cas, as pontas viradas pra den-tro.Tenhodoisgatosdemadei-ra, um deles caiu sem que eusaibaporquê.Etudomelembrao dia em que conheci a casa deTereza.

Tereza é amiga antiga destafamília com a qual vivo. Moraem Santiago, mas também mo-ra em Paris. É uma artista de arrelaxado, cabelos grisalhos,óculos arredondados e riso fá-cil. Vai andando leve e pluralpor entre seus vitrais, mosai-cos,quadroseesculturas.Entreelaeacasaháumacumplicida-de que não guarda hierarquiasde posse. Tereza transita peloscômodoscomosenadadaquilofosseresponsabilidadedela,eacasa se recriasse todos os diascom a pura vontade própria. Averdadeéquenessestrêsanda-resemeio(contandocomosó-tão de pé direito baixo demais)há tantas miudezas e preciosi-dades, que eu queria estar ca-minhando com um bloco denotas, inventariando:

pé de tomate; escultura de

Milena Paixão écachoeirense, poetae professora deLíngua Inglesa [email protected]

Teresa nua; lampião vermelhopendurado em galho aleatóriode árvore; lucumeiro com umalúcumaverde;tronofeitodeto-co de árvore com cachorro emcima; violão com uma corda;trêsaranhas;cinzeiroemformade gelatina; piano desafinado;Chilita, velhinha de 97 anos.

etc, etc, etc.A casa é grande e viva: res-

ponderangendosobcadapassode nossos pés. Responde sono-lenta, é verdade. Por todo ladohá uma impressão de penum-bra–mesmoduranteodia,comas janelas abertas – e cada ob-

Da ditadura do cale-se, che-gamos hoje à liberdade de “po-der” falar. E o que estamos fa-lando quando deixamos silen-ciadas as notícias que gritamsocorro?Pensaropaís temsidotão simples quanto desligar aincômodamáquinade lavar,ouchorardoisminutospelascasasque desmancharam nas en-chentes, ou discutir na mesa debarquantoogovernoroubaporimpostos. Pensar o país tem si-do tão simples quanto virar apágina de um jornal.

Tereza transita peloscômodos como senada daquilo fosseresponsabilidade dela,e a casa se recriassetodos os dias com apura vontade própria.

jeto parece estar em seu lugarnão por acaso ou vontadealheia, mas por eleição própriade quem sabe bem suas miste-riosas utilidades. A cadeira deestofado velho e empoeiradono canto do sótão, só ela enten-de e cumpre a importantíssimaserventia de estar ali. E não é aconvencional,deescorartrasei-ros. Os objetos, reinventadosassim, realmente habitam. Eu,mera visitante, entrei em cadacômodo com uma sensação es-tranha, que revivo agora. Olhopra mesa e não quero interferir.Preciso limpá-la, liberar espa-ços, dar ordem aos papéis, masaí está esse aglomerado de coi-sas tão humanamente logrado.Há personalidade nesse bilhetede pontas amassadas, dias en-tranhadosnessasfolhasdearce,circunstância nesse gato caído.Bobagens. Aproximo-me damesa e ergo a cortina. Peço li-cença ao gato, e começo.

Renata Bomfim é poeta, ativista socioambiental,artista plástica e membro da AcademiaFeminina Espírito-Santense de [email protected]

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5PensarFale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected] A GAZETA Vitória (ES), sábado, 04 de junho de 2011

Á D

Documento:Terceiro_04_06_2011 1a. PENSAR_ET_Especial Tabloide_5.PS;Página:1;Formato:(277.64 x 315.74 mm);Chapa:Composto;Data:03 de Jun de 2011 13:51:08

Page 6: Caderno Pensar

6 7Pensar Fale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected] PensarFale com o editor:

José Roberto Santos Neves - [email protected] A GAZETA Vitória (ES), 04 de junho de 20116 7Pensar A GAZETA Vitória (ES), sábado, 04 de junho de 2011 PensarFale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected]

DEBATE. Luiz Tadeu Teixeira e Verônica Gomes expõem diferentes visões sobre a construção do espaço que promete ampliar a cena cultural local----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Cais das Artes:no compassoda espera

is que,nãomaisquederepente, despontam no

horizonte da Ilha de Vitória oi-to novos teatros, para deleite eglória de artistas e público quenelavivemetrabalhamouape-nas querem diversão e arte. Ofato merece júbilo porque ain-daseviveporaquisoboimpac-to da perda de espaços que du-rante décadas serviram paraviabilizar produções locais queneles poderiam permanecerem cartaz por um tempo quejustificasse suas temporadas.

Perdemos o Teatro daScav/Edith Bulhões e o TeatroGalpão acaba de se converterem igreja evangélica. É con-fortável saber saber que embreve teremos, em curto oumédio prazo, um teatro e umauditório da Secult no Caisdas Artes (Enseada do Suá),dois do Sesc no Glória (PraçaCostaPereira),doisdoSescnoantigo Clube Vitória (ParqueMoscoso), além da volta doTeatro Carmélia (Caratoí-ra/Vila Rubim) e uma prová-vel arena no Colégio São Vi-cente de Paula (Cidade Alta),os dois últimos prometidospela Prefeitura de Vitória. Sãoespaços de característicasbem diferentes, que deverãoabrigar espetáculos igual-mente diversificados.

DIVULGAÇÃO

PROJEÇÃO. De cima para baixo, perspectiva do projeto doCais das Artes, na Enseada do Suá, em Vitória; vistainterna do espaço, que terá museu, teatro, auditório epraça de convivência; o premiado arquiteto Paulo Mendesda Rocha, autor do projeto, em visita às obras no anopassado; no alto, à direita, desenho da área interna doteatro, que terá 1,3 mil lugares

Luiz Tadeu Teixeiraé jornalista, diretor deteatro e cinema.Atualmente apresentao programaCurtaVídeo na [email protected]

“A gente promete quenão vai falar alto...”

enina! Vitóriacresceu! Ficou

metida e não fala com a gentemaisnão!...”Éassimquemesin-to quando penso no Cais dasArtes.Nãoseisesoufavorávelasua construção, ou se sou con-trária... afinal, não posso dizerdaquilo que não conheço.

Outrodiamesmo,fiqueicomosolhosmarejadosquandoumaamiga me disse que havia co-nhecidootalCais.Porum“triz”o meu rio não tomou conta dosmeus olhos. Ouvindo ela falardaquele lugar, fiquei pensandonas casinhas de teatro que ou-trora existiam em nossa cidade.Me lembrei que a primeira queconhecifoiadaSCAV.Ficavanofinal da minha rua e tinha umquintal cheio de mangueiras...Adivinha quem era o mestre deobras que trabalhava em suaconstrução? Meu pai, o seu Ro-mu. Lembra dele, Tadeu? Poisé... Foi a primeira casinha queconheci e onde depois pudeapresentar o teatro àqueles me-ninos lá do Forte São João. Seráque eles conseguiram se tornarhomens e mulheres feitos? Seráque estão visitando outras casi-nhas? E minha amiga continua-

vaafalarcomtantoorgulho,quea cada palavra pronunciada,mais meus pensamentos iamlonge... foi aíque lembreideou-tra amiga: a Ana Lúcia Junquei-ra, que assessorou o secretáriode Cultura da Ufes, o queridoFrancisco Aurélio.

Ana nos disse que precisavade nossa ajuda para revitalizar oTeatro do Cemuni da Ufes. E láfomos nós. Eu, Robson de Paula,Alcione Dias, Inácia Freitas, aprópria Ana. Todos, juntos, en-volvidos nessa nova empreitada.

Outro momento que me re-cordomuitobem,foiatransfor-maçãodoGalpãodaRetadaPe-nha em Teatro Galpão... O ZéAugusto, com aquele seu jeitobonitão, pediu a mim, ao Rob-son de Paula e ao Renato Sau-dinopararealizarumsonhoco-letivo: transformar aquele es-paço num Teatro Alternativo.

Maisumavez,arregaçamosas mangas e pra lá fomos nós.Olha, gente, não existe genteno mundo que saiba fazer umurdimento de teatro tão per-feito como esse pessoal. Esseera e é o nosso ofício.

Depois, minha família, comdódagente,quisdarumpresen-teaonossogrupodeatores.FoiaíqueaminhatiaSulinhaempres-tou sua oficina pra gente cons-truir o Teatro Fábrica da Ilha. AFábrica de Sonhos! Até seu Ar-mojo foi visitar a gente. Estavasendo construído o primeiroTeatro de Bolso em Vitória.

Outro dia, recebi um convi-te para a solenidade do Edital

2011, da Secult. Nunca haviaido, mas, desta vez, fui. Entreinaquele salão nobre, bonitoque só! Me senti um peixinhofora dágua! Não via minhascaras-metades. O Seu Casa-grande tava lá. As falas forammuitas, mas diálogo que ébom, nadica de nada.

CASINHA GRANDE, BONITA...Caminhei para a porta, para irembora,masfoiaíqueviTadeue Valdir, olhando uma casinha.Fiquei curiosa. Fui dar uma es-piadinha. Gente! Não é que eramesmo uma casinha e que essaera a casinha do Cais das Artesquetantofalavam?Tadeufalavadali tão entusiasmado e comtanta propriedade, que era dedar inveja a qualquer um. Eutambém queria ficar empolga-da.Comeceiaolharparaaquelacasinha. Achei grande, bonita...Foi aí que me deparei com umagrande placa de vidro. Pergun-tei rápido ao Tadeu:

– Que é isso, Tadeu?– É a Baía de Vitória, Verôni-

ca! Não tá conhecendo não?E eu, então, disse:-NossaSenhora!Elespensa-

ram a fachada da casinha defrenteparaomaredefrentepraNossa Senhora da Penha...

É... agoraficomais tranquila,pois sei que essa casinha vai tera benção da nossa mãezinha.Mas moça, moça bonita! Nósainda temos um sonho: deixa,moça bonita, deixa a gente en-trar! A gente promete a vocêque não vai falar alto não!

E

jeto de luxuoso, elitista, umdesperdício. Agora tambémacusam o projeto do Cais dasArtes de elitista e até de cons-purcar a paisagem, apesar deerguido próximo à TerceiraPonte, que também mereceuesta classificação em outrostemposehojevirouumvaliosocartão-postal, uma referênciana paisagem de Vitória.

A obra do Cais das Artes se-gue em ritmo acelerado e asatenções estão agora voltadasparaosmecanismosdesuages-tão e principalmente os crité-rios que definirão sua progra-mação. Para nós, que trabalha-moscomasartescênicas,aoca-sião é propícia para tratar depropostas de ocupação da suaprincipal sala (será um teatrocom capacidade para 1300 pes-soas e um auditório para 225),dotada de moderna tecnologiautilizada nos principais teatrosdo Brasil e até do exterior.

Nacionalmente, nosso Caisdas Artes poderá integrar umcircuito do qual fazem parte osteatros Guaíra, de Curitiba; Pa-lácio das Artes, de Belo Hori-zonte; Castro Alves, de Salva-dor; Amazonas, de Manaus;TeatrodaPaz,deBelém,JosédeAlencar,deFortaleza,entreou-tros, só pra citar exemplos forado eixo Rio-São Paulo. E todossão maiores que o nosso.

Claro que para eventos deópera,músicasinfônicaegran-des balés já existe um certo pa-râmetro. Mas para o teatro épreciso alargar um pouco a vi-são. Por certo muitas ideias jásurgiram e poderão ainda serdiscutidas. E todas devem serconsideradas,poispodemcon-ter importantes lições.

Verônica Gomes émãe, atriz, jornalista epresidente do Sindicatodos Artistas e Técnicos emEspetáculos de Diversõesno ES. [email protected]

“M“Desperdício é nãosaber usar os teatros”nn Ésemprebombuscarexem-plos, locais ou não, que nos se-jam úteis. Uma experiência énossa;aoutra,vemdoParaná.Acapixaba,ocorreuduranteadé-cada de 80, quando o DEC (De-partamento Estadual de Cultu-ra, antecessordaSecult)criouaCompanhia Dramática Capixa-ba e contratou atores e técnicoscapixabas para grandes monta-gens, inclusive de textos vence-doresdoConcursoCapixabadeDramaturgia.

Logo na terceira montagem,a CDC encerrou suas ativida-des,bombardeadaporcríticaseincompreensões da própriaclasseteatral.Suapropostapro-curava reunir profissionais ca-pacitados, selecionados deacordocomosespetáculos,querecebiam salários mediantecontrato (por tempo determi-nado) para se dedicarem inte-gralmenteaumaououtramon-tagem. Infelizmente, o rançoamadorístico da classe teatralcapixaba naquela ocasião faloumais alto e o projeto caiu no

abandono antes que pudesseconquistar uma sólida cumpli-cidade com o público.

O outro exemplo vem daFundação Teatro Guaíra, queadministra o Teatro Guaíra, emCuritiba. Em 1986, a entidadecontratou o ator Paulo Autran eo diretor Celso Nunes, ambospaulistas, para uma caprichadamontagem de “Galileu Galilei”,de Bertolt Brecht.

Todos os demais integrantesda equipe viviam no Paraná. Aover Paulo Autran no papel deGalileu, o público viu tambémum time de grandes atores doParaná,equandoPaulodeixouoelencoosucessojátinhaempla-cado e se tornou fácil mantê-lopara temporadas populares.

Se essas experiências pude-rem contribuir com as discus-sões que buscam encontrar umcaminho capaz de tornar o em-preendimento teatral viável emnossoEstado,semdúvida,serãomuito úteis. Desperdício não éconstruirbonsteatros.Énãosa-ber usá-los. Agora e sempre.

R$ 124milhões

Esse é o valor total daobra do Cais das Artes, deacordo com a Secretaria deGestão e RecursosHumanos (Seger) do ES.

Claro que para viabilizar aprodução local, a carênciamaior é de espaços que per-mitam temporadas mais lon-gas, capazes de disseminar oboca a boca, o mais eficazinstrumento de divulgaçãoque se conhece e termôme-tro para que o público exerçaseu sagrado direito de deci-dir quanto tempo um espetá-culo ficará em cartaz, se é su-cesso ou não.

OBJEÇÕESNeste elenco de novas atra-ções,oCaisdasArteséamaiorestrela, mas tem enfrentadoobjeções injustificadas, aexemplo do que ocorreu quan-doreconstruíramoTeatroCar-los Gomes, reaberto em de-zembro de 1970, após perma-necer fechado por vários anose superar diversos entraves es-truturais.Areconstruçãocriouos camarotes, reduzindo a ca-pacidade do teatro de 1.100 lu-gares para 450. Camarotes (so-luçãoparaisolaras janelasefa-vorecer o ar-condicionado,também fora do projeto origi-nal), veludos, cristais, apliquese lustres levaram muita gente atorcer o nariz, acusando o pro-

GILDO LOYOLA

Documento:Terceiro_04_06_2011 1a. PENSAR_ET_Especial Tabloide_6-7.PS;Página:1;Formato:(554.92 x 315.74 mm);Chapa:Composto;Data:03 de Jun de 2011 13:50:34

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8 Pensar A GAZETA Vitória (ES), sábado, 04 de junho de 2011Fale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected]

Formação de plateia éum dos desafios do Cais

Caderno Pensar levouquestões levantadas por

artistas capixabas para a coordena-doradoComitêGestordeAcompa-nhamento do Cais das Artes, DayseLemos,eogerentedeAçãoCulturalda Secretaria de Estado da Cultura(Secult), Maurício Silva, membrosda equipe que coordena o projetode construção do complexo cultu-ral e a sua futura gestão artística.Confira:

Em que estágio se encontram asobras do Cais das Artes?Maurício Silva: A construção foiiniciadaem5deabrilde2010ehojetemos em torno de 40% das obrasconcluídas. O teatro está com 44%,o museu tem 55%, e a praça, 4%.Dayse Lemos: A fundação – etapamais complexa da construção – jáfoi vencida. As pilastras do teatroestãodentrodomareaquilofoiumgrande desafio para a engenharia.

Qual a previsão de entrega?Dayse Lemos: Aobraestarácon-cluída no primeiro semestre de2012 e depois haverá um tempopara fazer a implantação.

Como será o direcionamento ar-tístico do Cais das Artes?Dayse Lemos: Para isso foi con-tratatada a Fundação Getúlio Var-gas.Eles têmumadiretoriadepro-jetos com pessoas experientes emimplantarinstituiçõescomooMu-seu da Língua Portuguesa (SP) e oMuseu da Pampulha (BH). O con-selhodecuradoresdefiniráa iden-tidade do museu e o perfil da suacoleção. Do Espírito Santo, fazemparteaAlmerindaLopeseoRonal-do Barbosa. Também temos oMoacir dos Anjos, diretor doMAM de Recife e curador da últi-ma Bienal de São Paulo; CarlosMartins, um dos curadores da Pi-nacoteca de São Paulo; Laymert

dos Santos, professor de sociolo-gia; e Ana Helena Curti, produtoraquefezinúmerasediçõesdaBienalde São Paulo. O Marcelo Araújo,diretor da Pinacoteca, ficou com aparte de museologia; e o Luiz Gui-lherme Vergara, que já esteve aquicom a exposição do Andy Warhol,no Maes, está encarregado do pro-grama de arte e educação.

Umaparceladeartistascapixabasteme que o Cais das Artes não abraespaço para a produção local, priori-zando atrações nacionais. Existe ra-zão para essa inquietação?Maurício Silva: A Orquestra Filar-mônica vai se hospedar lá e toda asua programação será desenvolvidanolocal.NossasproduçõesdeóperatambémocuparãooCaisdasArtesehaverá um fosso de orquestra parafacilitaressaprodução.Acreditoqueasproduçõesdeteatroedança,prin-cipalmente a dança, irão se utilizar

ENTREVISTA.Coordenadores do espaço querem investir em projetos----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

de arte e educação e em oficinas de capacitação para artistas locais----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

ROMERO MENDONÇA/SECOM

Entrevistaconcedida aJosé RobertoSantos [email protected]

O

DayseLemos écoordenadorado ComitêGestor doCais dasArtes.

MaurícioSilva égerente deAçãoCultural daSecretariade Estado daCultura.

muito do Cais. Há o sonho na cate-goriadadançadesecriaroCorpodeBaile,oquetambémémercadoparao artista capixaba. A música vai na-turalmente ocupar o espaço porcausa da tecnologia de luz, de sono-rização, a acústica de nível interna-cional. É um palco maior. O TeatroCarlosGomestem8metrosdebocadecena,oTeatrodaUfestem10me-tros, e o Cais terá 16 metros.Dayse Lemos: A ideia é que o Caisdas Artes seja um catalizador e irra-diadordaculturanoEstado.Seráumespaço para os capixabas estabele-cerem uma relação de troca compessoas de várias partes do mundo.

Um dos grandes desafios para aevolução da cena cultural no Estadoé a formação de plateia. Essa é umadas pautas do Cais das Artes?Dayse Lemos: Sim,por issoopro-grama de arte e educação será vol-tado para todas as idades, todas asclasses sociais, todas as preferên-ciasartísticas,exatamenteparaquea gente consiga fazer com que esseespaço seja bem democrático e pa-raminimizaracontraposiçãoentreo erudito e o popular.

Outroreceiodaclasseartísticaésobre uma possível elitização doCais das Artes. O que será gratuitoe o que será pago?Dayse Lemos: Quando você esta-beleceumdiálogoentreoeruditoeo popular você começa a entendermelhor para onde vai o mundo doséculoXXI.Caberámúsicaerudita,folclore, jazz, samba; a ideia é con-templar os mais variados públicos.Quanto aos ingressos, a FGV estáfazendoumplanodenegócios.Serádefinida qual a porcentagem deshows locais, de música, teatro; aporcentagem de ingresso livre, deingressopopularedeingressoparao poder aquisitivo mais alto. Tudoisso está sendo acompanhado pelocomitêdegestãoquereúneaSecre-taria de Estado de Gestão e Recur-sosHumanos(Seger)eaSecretariade Estado da Cultura (Secult).

Haverá um projeto de capacita-ção para os artistas locais?Maurício Silva: Teremos salaspara receber artistas em processode residência, com espaço paracursos, oficinas, atelier, cenogra-fia, figurino, além de sonorizaçãoe iluminação cênica de última ge-ração para facilitar a elaboraçãode projetos mais ousados.

CONSTRUÇÃO. A conclusão das obras está prevista para o primeiro semestre de 2012

Documento:Terceiro_04_06_2011 1a. PENSAR_ET_Especial Tabloide_8.PS;Página:1;Formato:(277.64 x 315.74 mm);Chapa:Composto;Data:03 de Jun de 2011 13:49:49

Page 8: Caderno Pensar

9PensarFale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected] A GAZETA Vitória (ES), 04 de junho de 2011

VANGUARDA. Cenas de “O segredo de seus olhos”, de Juan José Campanella, e de “A menina santa”, de Lucrecia Martel: projeção internacional para um cinema em ascensão

CINEMA. Jornalista e pesquisadora analisa a nova e talentosa safra da----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

produção argentina, marcada pelo apuro técnico e roteiros delicados----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

O segredo dos hermanos

os anos 90, a Argentinaassistiu a sua economia

afundar em meio à hiperinflação,ao desemprego e à instabilidadepolítica. Mas a grave crise econô-mica que desestruturou a socieda-deportenhagerouaomenosumfi-lho brilhante: o chamado Novo Ci-nema Argentino.

Aexemplodotango,queconver-teuemrigorosaestéticaamelanco-lia portenha por meio de uma sériede movimentos corporais, o NovoCinemaArgentinoseapegaaoapu-ro técnico dos movimentos de câ-merapararevelarroteirosdelicadose diretamente mergulhados noscostumesdasociedade.Nosprinci-pais festivais de cinema do mundo,setornaramfrequentesosnomesdeLucreciaMartel,PabloTrapero,Da-nielBurman,JuanJoséCampanella,Marcelo Piñeyro, entre outros. Es-ses nomes representam produçõesmuito diferentes entre si, mas tra-zem o traço contemporâneo quecongrega temas herdados do con-texto político-econômico do país: oindivíduo,onúcleofamiliar,aques-tão da identidade e a classe média.

Há uma motivação existencia-lista no Novo Cinema Argentino.A preocupação é filmar sutilezasquerepresentemsignosda identi-dade de um país devastado pelacrise.Em“Opântano”,longadees-treia de Martel, pode-se enxergar,por meio de uma cena que mostrao debater de uma vaca atolada na

lama, todo um sentimento de im-potência de uma classe média es-vaziada de ação.

Acríticasocial ficaresguardadapela subjetividade; a real crise estáno personagem, como o Ariel deDaniel Burman, em “Esperando oMessias” (2000), “O abraço parti-do” (2004) e “As leis de família”(2006). Há aqui um interesse emfazer um retrato do país comenta-do pelas escolhas individuais.

Em uma inevitável comparaçãocomocinemacontemporâneobra-

sileiro–quepassoupelamesmase-ca cinematográfica que o país vizi-nho nos anos 90 – há que se notarque a produção argentina evoluiuse recuperando muito mais rápido(ou ao menos em maior escala). Seno Brasil, o Cinema da Retomadainiciou um movimento que viriadesencadearaeraGloboFilmesco-mo a mais bem-sucedida da nossacinematografia, na Argentina fo-ram os estímulos do Instituto Na-cional de Cinema e Artes Audiovi-suais (INCAA), junto a uma multi-

A NOVA GERAÇÃO DE CINEASTAS ARGENTINOS

Carolina Ruasé jornalista,pesquisadora decinema e trabalhacom produçãocultural nacoordenação dacomunicação doFora do [email protected]

N plicação de escolas de cinema, osresponsáveis pelo surgimento des-sa geração que acumula prêmios.

Comacriaçãodeumaleiqueco-bra taxa sobre a bilheteria dos cine-mas, a venda de DVDs e a publici-dadedaTV,foiinstituídoummode-lo de fomento à produção nacionalquehojecontacomumarededesa-las de exibição, além das leis de in-centivos e cotas de tela. A produçãosaltoude24filmeslançadosem1997,para 69 só em 2004, sendo que maisdametadedosdiretoressãoestrean-tes recém-saídos da universidade.

Oresultadodessaspolíticassãofilmes e diretores premiados nosprincipais festivais do mundo, co-mo “O Segredo de seus olhos”(2009),querendeuoOscardeMe-lhor Filme Estrangeiro em 2010para Juan José Campanella.

Enquanto na Argentina o focoestánocotidianodoindivíduo,oci-nema brasileiro (com exceções)tentacomporumpaineldasocieda-de em torno de uma teoria moral: ocrimeorganizado,apolícia, a favelasão temas de produções que que-remdemonstrarumquadro,massóalcançam um julgamento moral deum ângulo distanciado da questão.

Para o Novo Cinema Argentino,opersonagemcriaocontexto;noci-nema brasileiro, o contexto cria opersonagem.Eenquantooespecta-dordecinemaformaispersonagemdoquecontexto,osportenhoscon-tinuam uns passos à frente.

Daniel Burman (foto). Um dos maisjovens representantes do novo cinemaargentino, também é dos maisreconhecidos internacionalmente. Osfilmes de Burman como “O abraçopartido” (2004) e “Ninho vazio” (2008),entre outros, versam sobre o sentimentofamiliar em diversas instâncias.

Lucrecia Martel. Martel surge para ocinema argentino e internacional revelando anatureza da sociedade argentina. O premiadofilme de estreia, “O pântano” (2001), é umtratado sobre as relações de classe do país,espelhando o vazio do núcleo familliar de umaclasse média em crise. Os costumes dasociedade portenha voltam a ser exploradosem “A menina santa” (2004) e “A mulher semcabeça” (2008).

Juan José Campanella. Com “O segredode seus olhos” (2009), Juan José Campanellaganhou um Oscar e ficou internacionalmente

conhecido por um melodrama bem dosadocom elementos de humor e policial. Antes,porém, ele dirigiu “O filho da noiva” (2001),outro sucesso do cinema argentino que focanas relações interpessoais para refletirsentimentos universais em época de crise.Pablo Trapero. Pablo Trapero costuma fazercinema com histórias acessíveis e universais eao mesmo tempo traz uma profundamelancolia. “Família rodante” (2004) faz esseretrato com precisão, utilizando atoresamadores em uma viagem que revela asfissuras do relacionamento familiar. Valedestacar ainda “Mundo Grua” (1999) e“Leonera” (2008).

Documento:Terceiro_04_06_2011 1a. PENSAR_ET_Especial Tabloide_9.PS;Página:1;Formato:(277.64 x 315.74 mm);Chapa:Composto;Data:03 de Jun de 2011 13:48:52

Page 9: Caderno Pensar

10 Pensar A GAZETA Vitória (ES), sábado, 04 de junho de 2011Fale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected]

O

MÚSICA. Líder da Nueva Trova Cubana continua fiel a Cuba e a----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Fidel Castro, mas defende revisões de conceito no país comunista----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

O lirismo de Silvio Rodriguez,entre a revolução e a evolução

Aausênciade SilvioRodriguezempalcosnacionaisnãocorrespondeao altoapreço demúsicosbrasileirospelocubano

“Especial Chico &Caetano” e suas nove

edições foram luxo só. Roteirode Nelsinho Motta, direção deRoberto Talma, estreou emabril de 1986 e marcou as pazesentre a Globo e Chico, apósanos de estranhamento de umlado e boicote do outro. O mú-sico cubano Silvio RodriguezDominguez esteve por lá parauma participação sem muitoalarde, algo clandestino. Nãosem motivos. O Brasil aindanão havia reatado relações di-plomáticas com Cuba, o que sóocorreria no dia 14 de junho da-quele ano. Silvio seguia para aArgentina com a turnê do disco“Cauzas y azares”. Chico pe-diu-lhe gentilmente uma esca-la no Brasil. Aceitou. Gravou“Chico & Caetano” e ainda rea-lizou dois shows no Scala, Le-blon. Apresentações fechadas,para artistas e a imprensa. Nun-ca mais voltou ao Brasil.

A ausência de Silvio Rodri-guez em palcos nacionais e ainexistência de seus CDs em lo-jas físicas e virtuais não corres-pondem ao alto apreço de mú-sicos brasileiros pelo cubano.De Chico a Milton, passandopelo MPB4, Selma Reis, NaraLeão, Tânia Alves, Zizi Possi,Beth Carvalho e Clara Sandro-ni, todos emprestaram suas vo-zes à poética de Silvio. Sua sim-biose com nosso universo mu-sical é tanta que chegou a pro-duzir o CD “Identidad” (1982),de Olivia Byington. Sem contarcom a batida bossa-novísticade “Pequeña serenata diurna”,uma pérola gravada por Chico.

VETADO NOS EUALíder da Nueva Trova Cuba-

na, Silvio é considerado “a vozda Revolução”. Pouco apro-priado, creio. Daquele movi-

mento foi o menos panfletárioe o mais lírico. Mesmo suas en-gajadas “canciones urgentes”jamais soam hoje como data-das. Em compensação, vale-ram-lhe do governo nor-te-americano um veto de en-trada naquele país por mais de30 anos, situação agravada pe-la interrupção do intercâmbiocultural Cuba-EUA nos anosBush, que declarou Silvio per-sona non grata. Ano passadoobteve o visto e realizou seteconcorridos concertos nos Es-tados Unidos para divulgar seumais recente CD, o delicado“Segunda cita”.

Silvio mantém-se fiel a Cuba

e a Fidel. Mas, ultimamente,tem dado declarações forte-mente revisionistas e autocrí-ticas. Ano passado, em entre-vista coletiva na Casa de lasAméricas, disse que Cuba cla-ma por mudanças de conceitosa instituições. “Precisamossubstituir o ‘R’ de revoluçãopelo ‘E’ de evolução”, respon-deu aos jornalistas, não semantes criticar o bloqueio nor-te-americano, para ele algosem mais qualquer sentido, atéporque, a cada dia “as frontei-ras (entre EUA e Cuba) bei-jam-se e ficam ardentes”. MaisSilvio que isso impossível.Não lhe parece?

DIVULGAÇÃO

VOZ. Silvio Rodriguez apresenta-se com o retrato de Che Guevaraao fundo: cantor recuperou a grande forma no CD “Segunda cita”

Segunda cita.“Segunda cita” é o mais jazzista dostrabalhos de um Silvio em grande forma. Oprojeto é executado por um sofisticado triode músicos cubanos da novíssima geraçãoformado por Roberto Carcasés (piano),Feliciano Arango (contrabaixo) e OliverValdés (bateria). “Segunda cita” nos chegadepois de uma desinteressante fasemarcada por violão e flauta (pilotada por suamulher, Niurka González) nos discos“Expedición” (2002), “Cita con ángeles(2003)” e “Érase que se era” (2006).

Chico Buarque.Silvio e Chico mantêm uma sólida e longevaamizade. O brasileiro já se apresentouinúmeras vezes com o cubano emconcertos em Cuba, Costa Rica e Nicarágua.Chico fez pelo menos duas versões decanções de Silvio: “Imagina só”(“Imaginate”) e “Supõe” (“Supon”), gravadaspor Nara Leão. Chico foi, inclusive, citado porSilvio em uma de suas canções, “QuienFuera”, do álbum “Silvio” (1992).

Cinema.A Nueva Trova Cubana é um movimentomusical surgido no início dos anos 70 econcebido por Silvio e Pablo Milanés. Eletem origem no Grupo de ExperimentaçãoSonora do ICAIC (Instituto Cubano de Artese Indústria Cinematográfica), criado paracompor e gravar trilhas sonoras para filmese documentários cubanos.

Trovadores.Os músicos do ICAIC e, posteriormente, daNueva Trova promoveram uma original ecriativa fusão de elementos da músicatradicional cubana e brasileira, rock, jazz,erudito e eletrônico. Fazem parte daprimeira geração da “Nova Trova”, além deSilvio e Pablo, os músicos Noel Nicola,Eduardo Ramos, Augusto Blanca, PedroLuís Ferrer, Santiago e Vicente Feliú, SaraGonzález e Pancho Amat.

+ SOBRE RODRIGUEZ

ManinhoPacheco éjornalista,designer gráficoe publicitá[email protected]

Documento:Terceiro_04_06_2011 1a. PENSAR_ET_Especial Tabloide_10.PS;Página:1;Formato:(277.64 x 315.74 mm);Chapa:Composto;Data:03 de Jun de 2011 13:48:26

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11PensarFale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected] A GAZETA Vitória (ES), sábado, 04 de junho de 2011

BIOGRAFIA. Livro revela que Américo Vespúcio tirou proveito da----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

amizade com Cristóvão Colombo para inscrever o nome na História----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

O anti-herói queinspirou a América

o dia a dia, nos rela-cionamos com uma

infinidade de instituições, cos-tumes e convenções de modoquase automático, sem atentarpara a complexidade por vezesoculta em um gesto, uma ima-gem ou um vocábulo. Essa émais ou menos a situação dotermoAmérica,empregadopa-ra designar uma ampla porçãoocidental de terra que se esten-dedoHemisférioNorteaoSuleque abriga muitos países, den-tre os quais o Brasil.

Nesse caso, valeria a pena in-terrogar quantos brasileiros sa-bemarazãopelaqualoterritórioem que habitam possui o nomede América e não de Columbia,porexemplo,umavezqueodes-cobridordoNovoMundo,comose sabe, foi Cristóvão Colombo.Revelar a trama dos aconteci-mentosquelevaramocontinen-teareceberonomedeAmérica,em homenagem ao florentinoAméricoVespúcio,éoprincipaldesafiodohistoriadoringlêsFe-lipe Fernández-Armesto no li-vro “Américo – O homem quedeu seu nome ao continente”.

Aliando o rigor próprio da li-teratura acadêmica com umaprosaatraenteeaomesmotem-po repleta de ironia, o autormergulhanasfontesdisponíveispara o estudo da vida de Amé-rico Vespúcio com o propósitonão apenas de reconstituir o

AMÉRICO – O HOMEMQUE DEU SEU NOMEAO CONTINENTEEDITORA: COMPANHIA DAS

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FELIPEFERNÁNDEZ-ARMESTO

Gilvan Ventura édoutor em História pelaUSP e professor de pós-graduação em História eem Letras da [email protected]

N

ambiente histórico da Europano início da Idade Moderna,masdetraçar tambématrajetó-ria de um indivíduo que se fez,ao longo da vida, comerciante,navegador, cartógrafo e mago,conforme as circunstâncias.

Um dos principais méritosdaobraénosrevelaroquantoaHistória contém, nela mesma,uma grande dose de acaso, deequívocoedeinvenção.Defato,aassociaçãoentreoNovoMun-do e Américo Vespúcio não re-sultou de nenhuma contribui-ção significativa que este tenhadado às Grandes Navegações,até porque Vespúcio nunca foiumcapitãodenavioexperiente,ao contrário de Colombo.

A homenagem a ele prestadase deveu a uma leitura apressa-da que os sábios de Saint Dié,uma cidadezinha da região daLorena, fizeram dos relatos de

viagem de Vespúcio, toman-do-o como um notável cartó-grafo. Atribuir ao Novo MundoonomedeAméricafoi ideiade-les,emboraadecisãotenhades-de então suscitado um vívidodebatesobreaquemcaberia ta-manha honraria, se a Vespúciomesmo ou a Colombo.

Fernández-Armesto é bas-tante enfático em demonstrarque a atuação de Vespúcio co-mo navegador não comportounada de excepcional, nem mes-mo em termos literários, umavez que os seus relatos de via-gem seguem de perto as narra-tivas do próprio Colombo, porquem nutria profunda admira-ção. Ao longo da obra, o biogra-fado desponta como um an-ti-herói, um oportunista quesoube tirar partido da sua ami-zadepessoalcomColomboparaseapresentarcomoumexpoen-te da arte náutica.

Vespúcio teria sido tão hábilem convencer os contemporâ-neos da sua perícia como car-tógrafoqueterminouporiludiraté mesmo os sábios de SaintDié. Nesse sentido, o livro deFernández-Armesto é um óti-mo exemplo de como umamentirarepetidamilvezesbempode adquirir, ao fim e ao cabo,o estatuto de verdade.

Documento:Terceiro_04_06_2011 1a. PENSAR_ET_Especial Tabloide_11.PS;Página:1;Formato:(277.64 x 315.74 mm);Chapa:Composto;Data:03 de Jun de 2011 13:48:11

Page 11: Caderno Pensar

12 Pensar A GAZETA Vitória (ES), sábado, 04 de junho de 2011Fale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected]

LETRAS. Professor relata seu encontro com o imortal para quem----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

“alegria” e “aurora” eram os mais belos verbetes do dicionário----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Com apalavra,AntônioOlinto

(...) Semrelutar,JorgeAmadoelegeusuapreferida:safada.Masmudoupara“saudade”a pedidodoencabuladoOlinto.

uando encontrei Antô-nioOlintopelaprimeira

vezeletinha89anosenenhumain-tençãodemorrer.Quemmuitopla-neja a vida, tem pouco tempo parapensarnaprópriamorte.Eprojetosnão faltavam para o escritor minei-ro.Umdeleserarepublicarumaen-quete que fez na década de 50 emsua coluna em “O Globo”: As 10 pa-lavras preferidas de 180 escritores.Sem relutar, Jorge Amado elegeusua preferida: safada. Mas mudoupara“saudade”apedidodoencabu-lado Olinto. Já Guimarães Rosa es-colheu “Urucututu”: “Veja, Olinto:U-ru-cu-tu-tu. Não é uma belezaumapalavracomcincoUs?”.Olintotevequeserenderaoargumentodoromancista.Paraele,noentanto,eraa “alegria” seguida de “aurora” quedesbancavam todas as outras pala-vras do dicionário.

Alegria era certamente a palavraquemaiscombinavacomoseumo-do de trabalhar. Certa vez, na reda-ção do “Última Hora”, Nelson Ro-drigues finalizava sua coluna “A vi-dacomoelaé”quandoochamaramparaatenderumtelefonema.Olintoespiouotexto inacabadodocolega:“Ele chegou e se olhou no espe-lho...”. Sem que Nelson percebesse,deucontinuidade:“...Abriuagaveta,pegou um revólver e não chegounem a pensar. Colocou a arma natesta,deuumtiroecaiu”.Voltandoàmesa, Nelson perguntou se alguémtinhamexidoemsuamáquina.Comanegativageral,continuoubatendo:

“O corpo caiu e quando Maria en-trou e viu o morto deu um grito”,aceitando assim a morte inexplicá-veldesuapersonagemsemsaberdaparticipação de Olinto na tragédia.

Como adido cultural nos anos60, divulgou com afinco a litera-tura brasileira na África e na Eu-

ropa. Jorge Amado o visitava naInglaterra justamente quandoOlinto faria uma palestra sobresua obra. Ao final da comunica-ção, quiseram saber como o autorera fisicamente e Olinto, olhandopara Jorge sentado à sua frente, odescreveu para o público. Quan-

INSTITUTO CULTURAL ANTÔNIO OLINTO

MESTRE. Antônio Olinto em diferentes momentos dacarreira: acima, com Carlos Drummond de Andrade; naAcademia Brasileira de Letras, com Paulo Coelho; e no ritualdo candomblé com a esposa, Zora, e o amigo Jorge Amado

O começo. Antônio Olinto nasceu emUbá (MG) em 1919. Estudou emSeminários católicos, onde já searriscava na escrita de alguns poemas.Abandonou o Seminário Maior de SãoPaulo e rumou para o Rio de Janeiro.O jornalista. Atuou como professor delatim nos anos 30, beneficiando-se dafalta de professores para a disciplinacom o novo currículo escolar da ReformaCapanema. Fundou o Grupo Malraux, quepromoveu a primeira exposição depoesias do Brasil. Tornou-se colunistaliterário, atividade exercida por toda avida em grandes jornais, como O Globo,Última Hora e Tribuna da Imprensa.O imortal. Foi adido cultural na África eInglaterra durante a década de 60,divulgando a literatura brasileira pelomundo. Apaixonou-se pela cultura africana,formando a maior coleção brasileira depeças daquele continente. Após ganhar oprêmio Machado de Assis, pelo conjunto desua obra, foi eleito em 1997 para a cadeira8 da Academia Brasileira de Letras,substituindo Antonio Callado. Publicou maisde 50 livros, traduzidos para vários idiomas.

UMA CARREIRA BRILHANTE

GabrielLabanca édoutorando emHistória,professor deComunicaçãoSocial e sócio doconglomeradoQuase [email protected]

Odo saíam, Amado teve apenasuma dúvida: “Você acha mesmoque estou gordo?”.

De volta a 2008 em seu aparta-mento em Copacabana, Olinto fa-lava orgulhoso de um livro sobre asua vida que seria lançado: “Brasi-leiro com alma africana”, de JoséLuis Lira. Já um pouco fraco, pediuque eu lhe alcançasse um volume.“A cabeça está boa, mas as perni-nhas são fracas”, disse risonho, eme pediu para ler o trecho de umpoemadeMaiakóvisk impressonaúltima página: “Dizem/que em al-guma parte/parece que no Bra-sil/existe/umhomemfeliz”,aoqueele mesmo completou, abaixo: “Eeuvosdigo/queéverdade:/eusouesse homem/ com meus/ oitenta eoito anos/ de plena felicidade”.Olinto parecia mesmo uma fon-te inesgotável de entusiasmo, oque levou Paulo Coelho, a quemdefendeu para que se tornasseseu colega na Academia Brasi-leira de Letras, a chamá-lo de“incansável”.

Incansável ou imortal, infeliz-mente os adjetivos que criamos pa-ra nos distanciarmos da morte nãonosfazemimunesaotempo.Emse-tembro de 2009, Antônio Olinto fi-nalmente descansou. Foi emboracheio de alegria antes mesmo dechegar a aurora. Deixou saudades.

Documento:Terceiro_04_06_2011 1a. PENSAR_ET_Especial Tabloide_12.PS;Página:1;Formato:(277.64 x 315.74 mm);Chapa:Composto;Data:03 de Jun de 2011 13:47:43