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    GERALDO SERRANO NEVES(in memoriam)

    BRINQUEDO COM O DESTINO

    Editora Liber LiberDIREITOS RESERVADOS

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    Estes poemas foram compilados a partir de anotaes doautor e de recortes d' A Tribuna de Paracatu, anteriores a 1960.

    O autor faleceu em 1961 e esta edio uma homenagem

    aos amigos de Paracatu que no o esqueceram e ainda recitamseus poemas.

    Primeira edio idigital como homenagem de

    seus filhos

    Frederico Guilherme Serrano NevesPaulo Mauricio Serrano Neves

    seus netos: Frederico, rika, Glaucya, Paula; Tereza,Eduardo

    e seus bisnetos

    Iuri, Victor Hugo, Marcela, Maria Eduarda, Paulo Henrique

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    A CARTA......................................................................................................8

    POEMAS DA CARTA................................................................................31

    A MULHER DO DESTINO...................................................................32

    ESTRELA CADENTE...........................................................................33

    UM OLHAR APENAS...........................................................................34

    SUBLIME RAZO................................................................................35

    RESPOSTA.............................................................................................36

    NOSSA SENHORA DOS AFLITOS......................................................37

    SAUDADE.............................................................................................38

    GLENAURA..........................................................................................39

    BALANO.............................................................................................42

    VEM.......................................................................................................43MA VIE A SON SECRET......................................................................44

    TRANSCENDNCIA............................................................................45

    EXALTAO.........................................................................................46

    OUTROS POEMAS DE AMOR.................................................................47

    BENDITO OLHAR................................................................................484

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    BOM DIA...............................................................................................49

    CASTIGO...............................................................................................50

    DELRIO................................................................................................51

    DESPEDIDA..........................................................................................52

    EM TEMPO DE TANGO.......................................................................53

    ETERNA UNIO ..................................................................................54

    GALANTEIO.........................................................................................55

    LOURA E LINDA..................................................................................56

    MAIS UM ANO QUE PASSA...............................................................57

    MEU NICO POEMA...........................................................................58

    O BEIJO..................................................................................................59

    OFERENDA...........................................................................................60SONHO...................................................................................................61

    POR QU?..............................................................................................62

    VOC.....................................................................................................63

    VOLVEL.............................................................................................64

    UM SONHO QUE VIVE.......................................................................655

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    SEGREDO..............................................................................................66

    SEM TTULO.........................................................................................67

    SER NAMORADO................................................................................68

    SUSSURRO............................................................................................69

    UMA FLOR............................................................................................70

    NICA ORAO..................................................................................71

    VAYA CON DIOS...................................................................................72

    VERSOS A UMA DESCONHECIDA...................................................73

    VIDA......................................................................................................74

    VOC NUNCA PEDIU..........................................................................75

    SEPULTURA DE UM AMOR...............................................................76

    LTIMO SONETO................................................................................77POEMAS DIVERSOS................................................................................78

    ECCE FINIS...........................................................................................79

    PRIMAVERA.........................................................................................83

    EL NINO SOLO (Gabriela Mistral).......................................................84

    ALMAS GMEAS.................................................................................856

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    LOUVADO SEJA DEUS........................................................................86

    ORAO...............................................................................................87

    NOITE DE NATAL................................................................................88

    QUERO UMA ROSEIRA EM MINHA SEPULTURA.........................89

    BURITI SOLITRIO.............................................................................90

    PAISAGEM EM AQUARELA..............................................................91

    OLHAI O AZUL DO CU, MEUS IRMOS...................................92

    CARIDADE............................................................................................93

    OBRA PRIMA........................................................................................94

    O IP......................................................................................................95

    PARODIANDO......................................................................................96

    CREBRO INTIL................................................................................97LAGUNA...............................................................................................98

    LIO DE ANTROPOLOGIA..............................................................99

    CANTO DO MORTO VIVO................................................................102

    ULTIMA CARTA......................................................................................105

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    A CARTAGeraldo,

    sua carta veio tirar a poeira de vinte anos, que o

    silncio entre ns depositou em minha existncia.Confesso que eu renasci como um mvel que

    espanado e reaparece em todo o seu brilho. Muitoobrigada. Obrigada e desvanecida, porque alm deme acordar para a saudade boa e amiga da minha

    juventude, voc me eleva a alturas a que s mesmo

    voc - com a sua interminvel bondade - poderia meelevar.

    Pede-me um prefcio para um livro que pretendepublicar sob o ttulo "A Mulher do Destino". Apesarde desvanecida eu acredito que seria a nica pessoacapaz de prefaciar um livro seu, porque sei que

    ningum mais do que eu conhece a sua sensibilidadee acompanhou to de perto a sua vida.

    verdade que eu fui tambm uma "EstrelaCadente" mas, ao contrrio da "outra", eu deixeilembranas, talvez saudades, talvez uma docerecordao. Assim, vou satisfaz-lo, no com um

    prefcio formalizado - o que seria montono e sem8

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    sentido - mas com esta carta em que eu revelarei aosseus leitores uns pedacinhos de sua alma, essa alma

    que durante algum tempo foi muito minha. Direi tudocom aquela velha franqueza a que voc estevehabituado.

    Li, enternecida, os poemas que voc me mandou.Entristecida, porque, apesar de todas as splicas queeu fiz a todos os deuses do Universo - desde o meu

    verdadeiro Deus ao Vishn e ao T-Hai - voc noconseguiu se aninhar em uma das rvores da estradada vida, prosseguindo teimosamente em busca doseu ideal.

    Desgraadamente conseguiu encontr-lo...desgraadamente, porque, como voc diz: "os

    meus cabelos iam prateando e a minha face aospoucos se enrugava ...",e voc mesmo diz do seuideal: "como chegaste tarde, meu amor..."

    Se voc tivesse parado em uma dasencruzilhadas da vida (ainda que no fosse aquelaem que parei...) estaria livre de sofrer o que voc hoje

    sofre, vendo o amor que voc tanto buscou,caminhando alegre pela estrada do Destino, vivendotambm uma grande amor, sem se aperceber da suapresena e sem compreender a sua adorao. Ela nopode saber que voc andou "vagando uma existnciatoda em busca da mulher com que sonhava..."

    No a culpe, que ela inocente. J que voc nopode f-la feliz como era o seu desejo, contente-se

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    em desejar que ela seja feliz e cante-lhe o bolero:"...que Dios te de mucha vida y mucha felicidad..."

    Apesar dos contratempos, dos altos e baixos porque passei, ainda conservo junto de mim, como umarelquia muito querida, o livro de poemas que vocescreveu para mim: CATEDRAL. Voc me pediu quenunca o divulgasse, porque ele era s meu. Cumpro aminha palavra e o seu desejo; nunca o divulgarei.

    Relendo-o (como o releio sempre) verifico que de fatoeu nunca fui para voc o verdadeiro amor, aqueleamor desesperado com que voc sonhava.

    certo que fui uma de suas experincias, ou umdegrau na escada de rosas e de espinhos pela qual

    voc subia alucinadamente em busca do seu ideal.

    Longe de sentir-me humilhada ou diminuda comisso, ao contrrio, fao questo de frisar que meorgulho at de ter contribudo com uma lio de"vida" para que voc prosseguisse na sua "rotaascensional". Quando nos encontramos, quandonossos caminhos se cruzaram, (l vo bons vinteanos...) voc andava correndo mundo em busca da

    "mulher com que sonhava". A mim mesma voc disse,com uma dolorosa sinceridade, que o seu amorsurgiria em seus olhos e no em sua vida. A princpioeu no compreendi perfeitamente o sentido da sua

    triste profecia. Durante muitos anos andei pensandonaquela sua frase: "O meu amor nascer nos meus

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    S agora, lendo "Um olhar apenas", compreendiexatamente o que voc queria dizer:

    "foi num olhar apenas que vivemos o nossoamor imenso alucinanteterminando o olhar tudo acabou mas, vivodentro de ns continuou o menor e maioramor do mundo..."

    Meu pobre amigo! Ningum mais do que eusabe o quanto voc sofre. Vamos amainar um poucoesse sofrimento, falando de ns mesmos, porque eu

    tambm, se no estou na sua poesia, certamenteestarei na sua saudade. Durante a sua rota (no seise voc foi feliz ou infeliz, porque uma roseira tem

    sempre mais espinhos do que rosas), outros amores-experincias devem ter encantado ou desencantado asua vida. Eu, como no tinha e no tenho a suacapacidade de sonhar, parei na primeiraencruzilhada, fiz meu ninho e vivo burguesmentefeliz. Essa felicidade padronizada, comum, idiota, queconsiste, s vezes, em encontrar gua morna no

    banheiro...Voc seguiu estrada, depois de me daradeus; e eu o acompanhei com um olhar de saudadeat que voc desaparecesse na fmbria do horizonte.No chorei: as grandes dores so mudas. Senti,

    verdade, que voc no quisesse ficar na encruzilhada,mas, nossos destinos eram diferentes.

    Agora, lendo os seus versos cheios de11

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    desencantos, de mgoa e de saudade, eu vejo quevoc chegou desiludido ao fim da jornada. topou de

    repente com o "on ne passe pas". E est a, parado,esttico, estupefacto, sem saber se ainda pertence legio dos que podem caminhar para a frente. Mas, a

    verdade que voc topou a muralha final. Cedodemais, porque demais correu. O seu aodamento foia sua perdio. Voc verifica que no h maiscaminhos: nem para a frente nem para os lados.

    Voltar ? ... impossvel ... intil ... Voc s encontrariafantasmas palmilhando a estrada que voc, h tantosanos, percorreu alegremente.

    Voc mesmo no arriscaria a volta, pois notraria para os seus amores a sua exuberncia de vida,a alegria no olhar, o encanto na voz, o delrio noamor... a nsia devoradora do beijo... Tambm nadadisso encontraria nos seus velhos amores, cujosolhares j so baos e cansados, cujos passos j so

    vagarosos e cadenciados (passos de quem caminhapara o nada...). Voc no veria mais as flores azuis beira do caminho, embora elas existissem ainda.

    Apenas voc no as veria. Se voc quisesse beijarnovamente os seus amores, iria lhe faltar aquelecalor, aquele vibrao intensa, aquele desespero comque voc devorava lbios, como se devorasse almas.

    Voc s lhes beijaria as mos. S lhes beijaria asmos. E bem possvel que, ao afastar os lbios,ficasse uma lgrima tremulando na mo tambm friado seu antigo amor... No, meu amigo, no se volta

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    nunca. Nunca mais. No incio da estrada do Destinoh uma advertncia: "Para a frente, s para a frente".

    Lamento sinceramente que voc tenhacaminhado demais. s o que eu posso fazer por

    voc, lamentar... Lembra-se daquela nossa angustiosae terrvel interrogao: "E agora...?". No sei, meuamigo; francamente no sei o que voc far agora;nem sei o que devo lhe aconselhar. A encruzilhada

    em que voc se despediu de mim, fica to longe...Tolonge ficam as encruzilhadas em que voc sedespediu de todos os seus outros amores...

    Agora, meu grande amigo, s resta um refgio:Deus. O maior, o mais amplo, o mais acolhedor de

    todos os refgios. No chore debruado na muralha

    que fechou o caminho. Rena as migalhas defelicidade, os pedacinhos de satisfao, os grozinhosde alegria que voc teve durante a sua caminhada efaa deles a "sua vida". Pode dar a isso o nome dePASSADO, porque esse mesmo o verdadeiro nome.

    Agarre-se a ele e entre firme e confiante no ReinoEncantado das Recordaes, onde impera uma fada

    linda e carinhosa, meiga e acolhedora, chamadaSAUDADE.

    Esquea os espinhos que lhe feriram o corpodurante a longa jornada e lembre-se apenas da rosasque colheu margem do caminho. No s as rosas,mas tambm das florezinhas azuis, humildemente

    escondidas no recesso carinhoso da relva macia e13

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    orvalhada. Mas - pelo amor de Deus - no volte; novolte porque os fantasmas de seu amores to lindos,

    dos seus desejos to ardentes, de suas iluses topuras, at mesmo os fantasmas do seu sorriso, da suaalegria de viver, do seu entusiasmo e do seuencantamento pela vida, rir-se-o de voc...Esse corode gargalhadas o far chorar. E eu no quero que

    voc chore nunca, porque voc nunca chorou. Eu oconheci sorrindo para a vida e essa imagem que euquero conservar de voc. No volte, porque asplantinhas humildes de flores azuis, so hojefrondosas rvores. Sua mo no as alcanar; seusolhos no as vero mais. Ainda que consiga v-las,elas perguntaro curiosas:

    - Quem voc ?... de onde vem ?... engraado....como ele tem os cabelos brancos, os olhos cansadose os passos indecisos... Quem ser ele ?... e sairocorrendo alegres, gargalhando pela estrada da vida,sem tomarem conhecimento das suas mgoas e dosseus queixumes. Elas so o PRESENTE. E voc, oPASSADO. No so as mesmas que voc colheu e

    beijou apaixonadamente, delirantemente... so outrasque tambm esto caminhando para a frente, comovoc caminhava...

    No volte, porque aquele marulhar alegre ecantante do regato travesso, que provocara em voc

    verdadeiras exploses de incontida alegria, hoje

    apenas um ronco surdo e grave, que os seus ouvidos,14

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    afinados s para o que belo, no o suportariam.No volte, porque voc no ver mais o azul

    magnfico do cu, mas uma nuvem cinzenta, pesadae ameaadora; onde voc s via cor, luz, beleza ebrilho, ver apenas negrumes, troves e tempestades.No volte, porque aquelas criancinhas louras e lindasque brincavam de roda margem da estrada -quando voc passou - fugiro espavoridas ante ofantasma do passado. Elas tambm so presente. Elasno o reconhecero, porque nunca o viram. Esobretudo (pense bem nisso...) h milhes de pessoascaminhando para a FRENTE e no lhe daro caminho.

    Vo alegres, saltitantes, cheias de entusiasmo eencantamento pela vida... cheias de alegria, de fora,de desejo... elas esto caminhando inelutavelmente

    para a frente e no lhe daro caminho. O PRESENTEnunca d caminho ao PASSADO.

    E, s agora, meu grande e querido amigo, sagora que voc encontra o seu amor, por tanto

    tempo querido, procurado e desejado:

    " e agora vens, Mulher do meu Destino,como o Toso de Ouro, o Velocino,que desejei com todo o meu ardor

    Agora, que eu me vou, tu vens chegando,s para ouvir eu te dizer chorando:- Como chegaste tarde, meu amor...! "

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    No, meu amigo. Infelizmente o seu amorno chegou tarde. Ele no chegar nunca... O seu

    amor est caminhando para a frente, na estrada doDestino... impossvel que ele passe por voc sem over. Voc no o deter porque voc PASSADO esabe que no pode voltar. Resta-lhe apenas lamentar:

    " Saudade de um amor que nunca tive,saudade de algum que nem me v,

    saudade imensa que em meu peito vive.essa saudade imensa de voc... S voc sabe que ela o seu amor...

    O amor por que voc tanto lutou, o amor quevoc desejou com todas as suas foras, com toda a

    sua vontade, com todo o seu entusiasmo pela vida.Mas...ela no sabe disso. Ela caminha para a frente,

    tambm vivendo um amor que a sua vida. Elatambm ter encruzilhadas, como voc teve as suas. possvel que j tenha parado em uma delas, porqueela no sabe que voc perdeu toda a sua vida a

    procur-la. E agora ? O " Passado pode amar oPresente ". O Presente nunca amar o Passado. Voccompreende isso perfeitamente e ento decide comcoragem inaudita matar simbolicamente o seuGrande Amor, preferindo estar com ele apenas emesprito:

    " Tu foste para sempre e eu no lamento16

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    a tua ausncia, o teu afastamento,e nem sequer desvelo a minha dor... "

    Voc parou ao p da muralha final e olha defrente a estrada, pela qual voc no pode voltar. Voc

    v o seu amor caminhando para a vida e finge queno v. Ento voc, desistindo de acariciar-lhe a facelinda, voc a coloca no cu. mais fcil para voc,que sabe que "ela" nunca chegar:

    " Pois l do cu, tu sabes com certezaque pelas leis fatais da natureza,uma saudade dura mais que o amor..."

    Renunciou, meu amigo? No. Voc no renuncia.Voc nunca renunciou. Voc apenas compreendeu. De

    fato, uma saudade todo, todo o amor. assim quese procede...agarre-se saudade, lembrana de tudoo que a vida lhe deu de bom e continue repetindo:

    " Saudade de um amor que nunca tive,saudade de algum que nem me v...

    saudade imensa que em meu peito vive,essa saudade imensa de voc..."

    E, agora, pea perdo. lindo pedir perdo.Confesse o seu delicioso pecado e ajoelhe-se aos psde Nossa Senhora dos Aflitos:

    " Perdoai-me Senhora dos Aflitos,

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    Me dos que amam, Me dos sofredores...

    Eu juro, minha me, eu no pequei,Apenas eu amei, amei, amei...Amei com devaneios infinitos.

    esse o meu pecado, e se pecado,Eu vos suplico, humilde, ajoelhado:

    - Perdoai-me Senhora dos Aflitos..."No desespere. Seja forte, como sempre foi.

    natural que voc sinta cansao, desencanto,desiluso. natural. Mas - pelo amor de Deus - nodiga:

    " eu sei que o fim chegou, j sinto a morte..."

    No. Voc no sente a morte, porque ela aindademorar muito. O que voc sente desencanto, desapontamento, desiluso. No a morte fsica. a morte dos seus sonhos, dos seus anseios, das suasiluses... enfim... do seu "amor imenso", que s agorasurge em sua vida, depois de tanta luta, de tantosofrimento, de tanta procura, e que voc sabe queno ser seu...Que nunca ser seu...Ento vocdesespera:

    " Agora espero s que a morte desae destrua de vez esta cabea,

    ninho dos sonhos lindo que sonhei..."18

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    No vejo razo para que voc crie esse conflitoentre o Presente e o Passado. Voc sabe a fartar que

    voc fisicamente, biologicamente, no passado.Apenas, no pas do seu sonho, voc foi condenado aviver entre os Desiludidos. Nada mais. A morte quevoc pede, que voc deseja, que voc anseia, no amorte fsica, porque fisicamente, voc moo. O que

    voc quer, que caia uma cortina pesada sobre opalco dos seus sonhos. O que voc quer, que a suamemria se entorpea, que o seu raciocnio estaque,que a sua sensibilidade se aniquile, que a sua mentese anule. isso o que voc quer. Porque voc sabeque o seu aodamento fez com que voc seadiantasse ao Amor que a vida lhe havia reservado.Ela no caminhava com tanto aodamento; por isso

    ficou atrs. verdade que "ela" caminha fatalmente,inelutavelmente, irremediavelmente, para voc. Mas,no lhe era possvel voltar, porque a estrada dodestino no h volta. Se vocs no se encontraram naencruzilhada que a vida marcou, continuarocaminhando para a frente, cada um na sua estrada.

    Voc no poder voltar para desmanchar o que avida j construiu. Da o desespero que o leva a querervoltar... para a terra:

    " pois a essncia divina que ela encerrafar com que eu renasa numa flor..."

    Voc compreendeu que eu no estou sendo mpara voc. Estou apenas dizendo tudo aquilo que

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    voc sabe de sobra. verdade que h em tudo issoum pouco de cime. E esse cime extemporneo -

    cime de vinte anos de idade - leva-me a ter invejada outra que lhe inspirou os sonetos. Tambm pensoque, apesar de voc ter composto estes poemasinspirado por ela, h neles um pedacinho para cadauma de ns, que o ajudamos a caminhar na estradado sonho e da fantasia, at que voc chegasse a

    triste realidade. Mas, voltemos ao ponto em queestvamos. Voc quer voltar para a terra e renascernuma flor. O que voc quer :

    " afagar mansamente, carinhosamente,o rosto lindo da mulher amada..."

    No verdade, confessa...? Que mais voc

    poderia querer, agora que voc encontrou aquela queresume o seu sonho, o seu ideal ? Claro que voc noa mataria mais, como o fez em SUBLIME RAZO eRESPOSTA. Voc no a colocaria no cu para ador-lade longe, como fez em GLENAURA. Voc sabe quem Glenaura ? Glenaura o seu sonho e o seu

    desespero; o seu ideal e o seu tormento ? O seu amore a sua tragdia ? A sua nsia e o seu delrio.Glenaura "ela". Glenaura a sua vida...Voc teriacoragem de matar a sua vida ? No. Voc nem parecemais aquele Homem das grandes realizaes e dosgrandes cometimentos. O Homem que enfrentava, depeito aberto, toda as conspiraes que o mundoformasse contra a realizao dos seus ideais... Voc

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    no fraquejar, justamente agora, no momento dereceber o prmio de sua constncia, de sua

    perseverana em procurar o seu verdadeiroamor...Voc viver exclusivamente para ele. Sei quevoc no ousar se aproximar do seu amor, porque oPassado receia o Presente. Mas voc a adorar delonge, e sonhar com ela todos os dias e todas asnoites. Todos os dias e todas as noites. E assim,(perdoe meu amigo) voc receber o seu prmio emforma de castigo. Castigo pelo crime de ter queridocontrariar o Destino, de ter querido brincar com oDestino.

    Agora faremos um curto hiato para dar umpasseio pelo meu passado... :

    " havia flores beira do caminho no dia emque voc chegou...havia mais luz no cu, mais cor na vidamais vida na minha prpria vidano dia em que voc chegou..."

    Voc ainda se lembra ? um dos lindos poemasde CATEDRAL. Daquela CATEDRAL que voc construius para mim, quando voc iniciava esse perigosobrinquedo com o Destino. Um dia... Assim comea

    todas as estrias tristes e alegres. Um dia... (eu entromansamente no Reino Triste das Recordaes). Umdia... de fato havia mais luz no cu, mais vida em

    minha prpria vida, mais calor em meu corao...foi o21

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    dia em que nos encontramos. Sem nunca me tervisto; sem saber ao menos o meu nome, ou quem eu

    era, voc disse naturalmente, como se, de h muito,nos conhecssemos com intimidade:

    -" Voc j reparou como so lindas essasflorezinhas azuis que esto margem daestrada?"

    Assustei-me. Quem seria esse desconhecido quechegava assim to mansamente, querendo entrar emminha vida e que vinha de maneira to suave, tosimples, to acolhedora, e to meiga que me dava

    vontade de abra-lo com muito amor e dizer-lhebaixinho ao ouvido:

    -" Sim, meu amor, so mais azuis que o azuldo cu, essas florezinhas que ns vemos margem da estrada..."

    Depois, com a mesma naturalidade, voc tomoudelicadamente a minha mo, como se j estivessehabituado a faz-lo h anos, e...comeamos acaminhar juntos, juntinhos, olhando as flores, ouvindoo canto dos pssaros... e ento, como que movidospelo mesmo impulso irreprimvel, nos beijamosapaixonadamente, demoradamente, delirantemente,desesperadamente, como se estivssemos habituadosa nos beijar assim h anos. Depois, ainda trmula de

    emoo, eu perguntei (voc se lembra):22

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    -" Mas...afinal de contas, quem voc, queapenas chega e j enche o meu Destino de

    flores azuis, mais azuis que o prprio cu?"E voc respondeu:

    -" Eu sou a minha vida , e...de agora em diante,sou tambm um pedao da sua vida..."

    Compreendi ento que ns ramos, ns dois,uma frao da vida Universal e me entreguei a voccom simplicidade, com naturalidade, como se euestivesse convencida de que era necessrio viverintensamente a minha, a sua, a nossa vida... Depois,quantas coisas lindas aconteceram...Quantas vezes,eu, de olhos fechados, a alma em verdadeira festa de

    amor, deixei que voc me afagasse mansamente,carinhosamente, a minha face escaldante e beijasseno os meus lbios que ansiavam loucamente por

    voc, mas a minha prpria alma, to grandes, toprofundos, to devoradores eram os seus beijos...

    Talvez voc nem se lembre mais...Deus lhe deu o

    destino de deixar fundas marcas de saudade poronde voc passa. a sua sina: fazer saudades e levarsaudades. Mas, continuemos o nosso passeio demos dadas pelo passado. Um dia...ns andvamospor uma estrada to longa como a estrada doDestino...Vamos, ao longe, recortada sobre ohorizonte, a silhueta de uma palmeira redouradapelos ltimos raios de sol. Tivemos ambos a

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    impresso de que a palmeira marcavaimplacavelmente o fim da estrada.

    Voc parou de repente e disse, como se estivessesonhando:

    -" Mas...minha querida...ainda falta tanto..."

    -" Tanto para qu ? perguntei. Para chegarmos palmeira ? Para voltarmos ? Para qu...?

    -" No...no sei para qu...mas falta tantoainda..."

    Ento compreendi que voc nunca pararia naencruzilhada; que voc iria sempre para a frente eque um dia voc me diria adeus, no porque no me

    quisesse, mas porque voc sonhava com qualquercoisa inatingvel...voc sonhava com "ela"... Quando eusupliquei que voc ficasse porque ns seramos osmesmos pela vida afora, voc apenas me disse, comos olhos perdidos no horizonte:

    -" Os mesmos...? No. Nunca seremos osmesmos ".

    Seremos como eu sou: diferentes um do outro ediferentes de tudo... Existe no mundo uma pessoaigual a mim... eu sinto que existe... possvel que eu aencontre um dia e ento, ns eu e Ela, seremos os

    mesmos para toda a vida e para toda a eternidade.24

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    Ela eu; eu sou Ela. Ns nos uniremosirremediavelmente, numa comunho carnal e

    espiritual que nada separar. Ns nos fundiremos eseremos um s corpo. Ns nos entrosaremosprofundamente num amlgama que nem aeternidade conseguir desfazer. Realizaremosnovamente o maravilhoso milagre daconsubstanciao e seremos um s corpo e uma salma... nosso primeiro beijo ser to grande, toprofundo, to penetrante, que unir nossas almaspara todo o sempre. Eu e "ela" estamos marcadospelo Destino. Num dia em que nos encontramos,ficaremos sabendo que ns dois somos UM. Quandonossos olhares se cruzarem, ficaremos sabendo tudo.E seremos profundamente felizes...

    Ento voc fechou os olhos, deu um longosuspiro, e terminou:

    -"...ou profundamente infelizes..."

    Depois, ainda de olhos fechados, repetiubaixinho:

    -"...profundamente felizes... ou profundamenteinfelizes..."

    Hoje, que ns ambos vivemos no Reino Tristedas Recordaes, que eu percebo como no era euo seu verdadeiro amor. E, no entanto, eu fui - tenho a

    certeza de que fui - um pouco do seu amor. Era25

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    comigo, afagando cariciosamente a minha face ebeijando mansamente os meus olhos, que voc

    sonhava com o seu grande amor. Esse grande, esseimenso amor, que s agora surgiu em sua vida, nomomento em que voc j PASSADO, em que eu souPASSADO, e em que "ela" radiante PRESENTE...

    Eu sou apenas aquela a quem voc disse adeusna encruzilhada...mas estou dentro de sua vida,

    embora voc no perceba. Eu sou um pedacinho dasua saudade, do seu arrependimento, da suaamargura, da sua tragdia, com voc tambm umpedacinho da minha vida. Sou eu - representando oseu passado - quem no quer que voc acariciemansamente, apaixonadamente, o rosto lindo deoutra mulher, embora seja "ela" a mulher do seuDestino...

    " uma existncia inteira andei vagandoem busca da mulher com que sonhava......e agora vens mulher do meu destino,...agora que eu me vou tu vens chegando..."

    Voc no a beijar, porque nesta altura da vida,s mais alma do que corpo; voc antes de tudo,alma; antes de tudo, sonho; antes de tudo, ideal.

    voc mesmo quem o diz:

    " no sou apenas corpo atoa pelo mundo,

    nem apenas matria endurecida e bruta.26

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    H em mim uma essncia no mago profundoque por se libertar constantemente luta...

    ...quantas vezes j fui na angstia de umsegundoo ser imaterial que a lgica refuta..."

    Da, ento a sua vontade de subir, de abandonaras planuras do mundo e se elevar a alturassupremas:

    " eu amo o alcantil dos penhascais,o pice eminente das palmeiras...eu amo o cimalho das cordilheiras,e os altos picos culminanciais...

    ...para ficar mais perto da verdade,perto da luz azul da Eternidade,perto do cu, do sol, perto de Deus..."

    No, meu amigo...s voc, que brincou com oDestino, ser profundamente infeliz. Como Homem de

    verdade que voc , voc nunca lhe dir do seugrande amor, da sua desesperada adorao,unicamente voc quer v-la feliz...

    E voc, chora:

    "...E o tempo passa impiedosamente

    ...e a vida a se esvair a pouco e pouco..."27

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    Ao ler os seus versos cheios dela, e ao ler estacarta em que eu revelo a sua dolorosa tragdia, ela

    perguntar, inocentemente:"- Quem teria sido essa Mulher ?"

    S resta lamentar:

    "Se verdade que amei ardentementetambm verdade que ningum me amou...

    e eu me credito uma saudade docede tudo aquilo que eu quis que fosse,de tudo aquilo que no pode ser

    Passou apenas sem deixar lembrana

    de um beijo seu, um sonho, uma esperananem um carinho...um aperto de mo...

    s deixou para mim esta saudadeque h de ficar toda eternidadetorturando meu pobre corao..."

    E voc volta soluo desesperada, que mat-la simbolicamente, para ador-la de longe:

    " agora tu s fluido, s p, nadamas assim mesmo vives sublimadana adorao constante do meu verso..."

    Como eu sinto por voc, meu grande amigo... eu28

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    que quis lhe dar um pouco de felicidade e noconsegui... este o prefcio que voc pediu. Eu o fiz

    de um flego, sem pensar, sem raciocinar, dando asasa lembrana e, (porque no diz-lo) saudade. Umasaudade apagada, mortia, nebulosa, mas que nodeixa de ser saudade. Se este prefcio for umdesiluso para os seus leitores, resta-me a

    tranqilidade (eu lhe pelo que seja assim) doanonimato.

    S voc sabe quem sou eu.

    Agora, j tarde, voc compreende que afelicidade no aquilo que se busca, mas aquilo quese encontra no caminho, enquanto se anda a procuradela. (Sugiro que voc mude o ttulo do livro, em lugar

    de Mulher do Destino, ponha " Brinquedo Com ODestino ").

    Sua grande amiga...

    ???????

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    Nota do autor margem da carta:

    " Minha querida amiga, adotei a sua sugesto,mudando o ttulo do livro. Apesar de cruel eimpiedosa, a est a sua carta na ntegra. Noomiti uma vrgula sequer. Quero que fique

    assim para meu castigo. Castigo por terbrincado com o Destino ".

    Seu amigo,

    Geraldo.

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    POEMAS DA CARTA.

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    A MULHER DO DESTINOUma existncia toda andei vagando,Em busca da mulher com que sonhava;Por todos os recantos procurando

    Aquela que existia e no achava

    E o tempo pouco e pouco foi passando

    E eu, delirante, nem sequer notavaQue os meus cabelos iam prateando,E a minha face aos poucos se enrugava

    E agora vens, mulher do meu destino,Como Toso de Ouro, o Velocino,

    que procurei com todo o meu ardor...Agora que eu me vou, tu vens chegando,S para ouvir eu te dizer, chorando:- Como chegaste tarde, meu amor

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    ESTRELA CADENTEMinha vida foi simples e singela,

    Vivi-a toda amando ternamenteOra uma flor encantadora e bela,Ora o tanger de uma cano dolente.

    Veio o dia porm em que aquelaQue eu deveria amar profundamente,

    Passou por minha vida como a estrelaQue apenas passa...uma estrela cadente;

    Passou apenas, sem deixar lembranaDe um beijo seu, um sonho, uma esperana,Nem um carinho, um aperto de mo...

    S deixou para mim esta saudade,Que h de ficar por toda a eternidadeTorturando meu pobre corao.

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    UM OLHAR APENASNo nos veremos mais de hoje em diante,

    Nem um olhar sequer ns trocaremos.Sei que a princpio ambos sentiremosE eu, que te adoro, sofrerei bastante.

    Ns nos amamos s por um instanteE esse instante nunca esqueceremos;

    Foi num olhar apenas que vivemosO nosso amor imenso, alucinante...

    Um castelo sem base, um sonho instvel,Sonho impossvel, irrealizvel,Que sonhamos na angstia d'um segundo...

    Terminado o olhar, tudo acabou;Mas vivo dentro em ns continuouO menor e maior amor do mundo...

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    SUBLIME RAZOS agora, passados tantos anos,

    Depois de tanto eu lamentar em vo,Depois de mil tormentos sobre-humanos,Compreendo, afinal, tinhas razo...

    Quantos malogros, quantos desenganos,Deixaram de pungir meu corao.

    Quanto te separaste dos humanos,Para essa eterna glorificao...

    Tu foste para sempre, e no lamento,A tua ausncia, o teu afastamentoE nem sequer desvelo a minha dor...

    Pois l do cu tu sabes com certeza,Que pelas leis fatais da natureza,Uma saudade dura mais que o amor...

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    RESPOSTAAlgum que l meus versos, perguntou-me um

    diaQuerendo por ardil levar-me confidncia:- Que estranha criatura inspira a poesia,Que a tua vida cardeal essncia ?

    Ser um ser real ? Ter mesmo existncia ?

    Ou ser por acaso mera fantasia,Que o seu sonho criou, que formou naardncia,De seu temperamento em nsia de estesia ?

    Mas como responder se unicamente existe,

    Essa saudade enorme, essa saudade triste,Que do nada onde ests, tua alma irradia.

    S fazendo o que fiz, num gesto displicente,Eu disse olhando o cu indiferentemente:- Ela nunca existiu... mera fantasia.

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    NOSSA SENHORA DOS AFLITOSPerdoai-me, Nossa Senhora dos Aflitos,

    Me dos que amam, Me dos sofredores. vs que por amor, milhes de doresSofreste sem que ouvissem os vossos gritos.

    Perdoai-me, Senhora dos Aflitos.No me lanceis no turbilho de horrores,

    Para onde vo os mpios, os proscritos,Para onde vo os maus, os pecadores.

    Eu juro, minha Me, eu no pequei,Apenas eu amei, amei, amei,Amei com devaneios infinitos.

    este o meu pecado, e se pecado,Eu vos suplico, humilde, ajoelhado:- Perdoai-me Senhora dos Aflitos...

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    SAUDADESaudade de um amor que nunca tive,

    Saudade de algum que nem me v;Saudade imensa que em meu peito vive:Essa saudade imensa de voc...

    Agora, j dos anos no declive,Quando minh'alma em quase nada cr,

    Cada dia que passa, mais reviveEssa saudade imensa de voc...

    Saudade dos passeios que no demos,Dos colquios de amor que no tivemos,Dos beijos que voc nunca me deu;

    Da vida linda que no desfrutamos,Das doces juras que ns no trocamos...Saudade de um amor que no foi meu...

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    GLENAURANas Noites eternas das minhas viglias, viglias

    sem fim,Sozinho no mundo, envolto na bruma daminha tortura,Relembro, Glenaura, aquela meiguice toterna, to pura,Com que recostavas a loira cabea bem juntoao meu peitoE assim tu ficavas deitada em meu leito, anoite inteirinha juntinho de mim...Tu lembras, Glenaura?Bem junto de mim.

    E quando corrias no prado florido, perdidaentre as cores,Correndo entre as flores, borda do lago maisverde que o mar?Depois tu caas, Glenaura, eu me lembro,deitada entre as flores

    O peito a arquejar39

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    E ento me beijavas, um beijo sublime, umbeijo sem fim...

    Depois tu ficavas a tarde inteirinha juntinho demim...Tu lembras, Glenaura?Bem junto de mim.Manh bem cedinho, na relva florida, dourada

    de sol,Em pleno arrebol,O cu penetrando teus olhos azuis, tornando-os mais doces,O sol redoirando teus lindos cabelos,enchendo-os de albores...

    E olhando o teu corpo deitado entre flores,pensava que fossesUm trecho florido da verde campina juncadade flores...E assim tu passavas manhs inteirinhas

    juntinho de mim...Tu lembras, Glenaura?Bem junto de mim..,

    Agora tu foste, deixando a saudade das tuascarcias,Das ternas blandcias com que me afagavas,

    deitada entre as tlias?40

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    Deixando a saudade sozinha comigo, nasminhas viglias,

    Viglias sem fim...E eu me lembro do tempo em que tu ficavas odia inteirinho juntinho de mim...Tu lembras, Glenaura?Bem junto de mim...

    Eu tenho cime, Glenaura, eu confesso quetenho cimeDos anjos que voam, to puros, to lindos, emvolta de tiSentindo o perfumeQue outrora, Glenaura, somente eu senti...

    E eu c da terra, em longas viglias, vigliassem fim,Espero que um dia de encontre no cu, no cuentre santosE possa de novo fruir teus encantosE ter-te de novo juntinho de mim...

    Assim como outrora...Tu lembras Glenaura?Bem junto de mim...

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    BALANONada levo da vida, felizmente;

    Nada a vida me deu nem me tomou.Este o balano, resumidamente:- Assim como cheguei, assim eu vou.

    Se verdade que amei ardentemente,Tambm verdade que ningum me amou.

    Se passei pela vida inutilmente,Inutilmente ela por mim passou.

    Ao fechar o balano, noto agora,Que uma parcela ia ficando foraDas contas feitas neste deve-haver,

    E eu me credito uma saudade doce,De tudo aquilo que eu quis que fosse,De tudo aquilo que no pde ser...

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    VEME o tempo passa impiedosamente...

    E a vida a se esvair a pouco e pouco...Eu a procur-la como um louco,E voc a esperar pacientemente...

    J dos meus olhos, a expresso dolente,Traduz um desencanto que magoa;

    Busco-a em vo, deambulando a toa......e voc a esperar pacientemente...

    Porque no sabe quanta coisa lindaVoc perdeu; quanta coisa lindaEu lhe direi quando estivermos ss..

    No tardes mais, que o tempo no descansa !Vem, antes que morra esta esperana,

    Antes que tudo acabe para ns..

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    MA VIE A SON SECRET...-" Ele teve um amor...(voc falou,

    ao ler meus versos com ternura)-" Mas quem teria tido essa venturaDe ser amada assim como ele amou ?"

    E voc nunca saber, querida,Como eu a quis com nsia, com loucura;

    Que voc foi para mim, da minha vida,A iluso mais doce e terna e pura...

    E, em ler meus versos voc sempre insiste,Se, recordar daquele moo triste,Que at hoje, j velho, inda te quer...

    E ento, perguntar aos conhecidosDos nossos velhos e bons tempos idos:-" Quem teria sido essa mulher...?"

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    TRANSCENDNCIANo sou apenas corpo, atoa pelo mundo,

    Nem apenas matria endurecida e bruta.H em mim uma essncia no mago profundo,Que por se libertar constantemente luta.

    Quantas vezes j fui, na angstia de umsegundo

    O ser imaterial que a lgica refuta;Nascido em mim mesmo, de mim mesmooriundo,Separando meu ser da massa informe e bruta.

    Fui idias, fui som, fui luz, fui cor, fui vida,

    E por mais que em fraes meu ser divida,Aos pramos que anseio, nunca me conduz.

    Sou escravo da terra, aguilhoado ao cho;Entre o ser e o no ser sou mera relao:Eu tenho os ps no lodo e a alma em plena

    luz...45

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    EXALTAOEu amo o alcantil dos penhascais,

    O pice eminente das palmeiras;Eu amo o cimalho das cordilheirasE os altos picos culminanciais;

    Eu amo as grimpas alticolunais,Amo o cspide altivo das cimeiras

    Onde as guias pujantes, altaneiras,Erigem ninhos como catedrais.

    Alando o vo em reta ascensional,Quero atingir o porte supernal,

    A estatura excelsa dos Anteus

    Para ficar mais perto da Verdade,Perto da luz azul da Eternidade,Perto do Sol, do Cu, perto de Deus !

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    OUTROS POEMAS DEAMOR

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    BENDITO OLHARBendito seja aquele olhar, querida,Que tu me deste um dia docemente;Deu novo alento, imediatamente

    Ao meu soturno e triste fim de vida.

    Bendito seja aquele olhar, querida,

    Que me deu a iluso resplandecenteDe ter achado o amor de minha vida,Que sempre procurei inutilmente.

    Quantos castelos fiz! Que sonhos lindosSonhei contigo, em xtases infindos,

    - De corao em festa e alma florida...Pelo amor que sonhei e no me deste,Por todo bem que em sonho me fizeste:- Bendito seja aquele olhar, querida!

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    BOM DIABom dia, meu amor...seria assim

    Que eu te diria quando o sol raiasse,E entrando em nosso quarto te encontrasseSorridente e feliz perto de mim...

    E te beijava amor, e me beijavas,Um beijo enorme, eternal, sem fim...

    E por horas e horas tu ficavas,Sorridente e feliz perto de mim...

    Mas Deus no quis amor que fosse assimE a deusa sorte se mostrou mesquinhaNo me brindando com o que eu tanto quis;

    Mas mesmo assim eu vivo conformado;Amando tanto e nunca sendo amada.Eu sou feliz sabendo que s feliz.

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    CASTIGOHoje no vi voc. AcostumadoQue sempre estive a v-la todo dia,Senti um mal-estar desesperado,Um misto de saudade e nostalgia.

    E perguntei-me: "Onde ela estaria?

    Quem seria o prncipe encantadoQue, feliz, junto a ela, lado a ladoO seu encanto agora usufrua?

    E j desiludido e j descrente,Eu jurei ao meu Deus Onipotente,

    Esse Deus em que creio e voc cr -Que hoje e por castigo, eu no fariaO soneto que fao todo dia-E que feito s para voc...

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    DELRIONesga de cu azul ! Flor de ternura !Encanto, perfeio, mimo, fulgncia,Donaire, louania e formosura !Quem s tu, afinal, de que essncia

    Foste feita, sublime criatura ?Donde tiraste tanta resplandecncia,Tanta beleza, tanta formosura,E to sublime magnificncia ?

    De Vennus, de Afrodite, de Citria ?

    De Heros, Hebe ou talvez Egria ?E no mistrio mais e mais me enfronho

    Pois mesmo certo de que s tangvel,Prefiro acreditar no impossvel:- Que tu no s mulher. Tu s um sonho...

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    DESPEDIDATudo acabado. Nada mais existe,

    Daquele imenso amor que nos uniu.Nem um liame apenas j persiste;Tudo que havia, o tempo destruiu.

    A nossa vida agora s consiste,Em relembrar aquilo que existiu.

    Entre ns dois e j no mais existeDesde o momento em que voc partiu.

    Mas um detalhe faltou na despedida,Voc se retirou to ressentida,To ressentida que at eu notei,

    Que na devoluo dos meus presentes,No entregou aqueles beijos quentes,Que com tanto ardor eu te beijei.

    Nota do editor: o ltimo verso do soneto foi perdido durante astranscries e foi recomposto, pelo que Paulo Mauricio pede desculpas pela

    ousadia.

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    EM TEMPO DE TANGOHoje rasguei meus versos. Nem memria

    H de ficar desse romance lindo.Ningum jamais recontar a histriaDo nosso amor, to tristemente findo.

    No houve sacrifcio e nem h glriaNesta renncia. Se no a fao rindo,

    Tambm no choro. Embora adore-a,Deixo-a; que o seu destino v seguindo...

    Mas voc nunca esquecer de mimE o nosso amor jamais h de ter fim,Eis que seus sonhos so os sonhos meus.

    Deixa comigo apenas a saudadeE corre em busca da felicidadeQue lhe desejo. V depressa. Adeus!

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    ETERNA UNIOSomos assim; nascemos conjugados,

    Pelo destino da eternizao,Que nos mantm unidos, enlaadosEm supernal consubstanciao.

    E tal destino que no fez fadadosA essa eterna conglutinao,

    Nos manter assim entreligadosE no afetar nossa unio.

    Agora tu s fluido, p, s nada,Mas, assim mesmo, vives sublimadaNa adorao constante do meu verso,

    At os irmanarmos novamente,At que a morte possa, finalmente,Unir-nos para sempre no Universo.

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    GALANTEIO

    No levarei as rosas que pediste

    Para adornar teu colo alvinitente;Mas como a um dito teu ningum resiste,Eu direi a razo, sinceramente:

    Vamos! Confessa! Por acaso existe,Sob este cu azul, aurifulgente,

    Uma rosa sequer to resplendente,Que junto a ti no seja feia e triste?

    No levarei as rosas, pois receioQue ao abra-las em suave enleioE aconcheg-las junto do teu peito,

    As rosas fiquem tmidas, desfeitas,Envergonhadas, tristes, contrafeitas,Emurchecidas, rubras de despeito...

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    LOURA E LINDADesiludido e j desencantado,

    Sem nada mais a esperar da vida,Tinha de meu apenas meu passadoE minha pobre lira emudecida.

    Voltei-me para Deus, desesperado,Num gesto de revolta desmedida

    E supliquei que me extinguisse a vidaQue destrusse este meu ser fanado.

    Ontem, porm, ao v-la loira e lindaSenti que minha alma vibra aindaE que meu corao ainda cr.

    E supliquei a Deus sua clemncia,Pois eu quero viver toda a existncia,Fazendo versos s para voc.

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    MAIS UM ANO QUE PASSANasci quando Centauro passava pr Urano;

    Sob a fora estelar de um signo tremendoDe criar iluses, num lan sobre-humano,E de ver, uma a uma, as iluses morrendo.

    De tropeo, em tropeo eu assim vou vivendo,Dia a dia a contar o fluir de outro ano,

    At ouvir a voz do Criador, dizendo:"Terminou a trajetria! Est descendo o pano!"

    E uma coisa somente eu lamento com dor: ver esperdiado este infinito amor,Este anseio minaz de faz-la feliz;

    ver esperdiado este mar de ternura,Esta sede de amar, to cristalina e puraQue o Criador me deu e que voc no quis.

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    MEU NICO POEMACinqenta, cem, talvez uns mil poemas,

    Eu os fiz e destru por imperfeitos,Pois os queria belos, escorreitos,Focos de luz ou verdadeiras gemas.

    Idias eu as tenho e tenho esquemas.A par e normas, regras e preceitos,

    Mas, no encadear dos diademas que os brilhantes mostram seus defeitos.

    Que importa a mim porm no ser poeta,Se sinto em mim fulguraes de estetaE vejo as coisas como ningum v.

    Um consolo porm se me depara, que nada na vida se compara

    Ao meu poema vivo que voc.

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    O BEIJOQuero vestir o teu corpo de beijos,

    De beijos to suaves e to quentes,Que ora sintas vibraes frementesE ora desmaies em sutis arpejos.

    Quero vestir o teu corpo de beijos,Beijar teus seios tmidos candentes,

    Beijar teu rosto rubro de desejos,E tuas doces mos, febris, ardentes.

    Depois beijar tua boca com delrio,E abraando teu corpo alvo de lrio,Vou beij-la com tanta exaltao,

    Que esse beijo - o maior do mundo -Ser to ardente, to profundo,Que o sentirs no prprio corao.

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    OFERENDAEstes versos, que o nosso amor ensalma,

    Que retratam minh'ultima iluso,So pedaos candentes de minh'alma,Retalhos vivos do meu corao.

    No so versos, so splicas dolentes,Desiluses, anseios, desenganos,

    Sonhos desfeitos, lgrimas silentes,Que acumulei co'o perpassar dos anos.

    Eu no os fao, nascem j perfeitos;E para v-los, puros, escorreitos,Eu os burilo apenas com meu pranto:

    Basta evocar o verde dos seus olhos,E os versos vem aos borbotes, aos molhos,E os versos brotam como por encanto...

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    SONHONa solido da minha pobre vida,

    Nos momentos de tdio e de cansao,Horas e horas a sonhar eu passo,Com a alma solta, na amplido perdida.

    Vejo-a no cu, de nuvens revestida,Ou dourada de sol em pleno espao,

    E para t-la junto a mim querida,Em sonho estendo a mo e alongo o brao.

    Quando volto de novo realidade,Vejo comigo apenas a saudade,Cada vez mais acerba e mais pungente.

    E voc nem suspeita quanto a quero,E h tanto tempo, pacientemente espero,

    A sonhar com voc inutilmente.

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    POR QU?Voc sabe que eu sinto e voc sente

    Que h qualquer coisa que nos une e enlaa:Um fluido etreo que envolve e abraaE que faz de ns dois um ser somente.

    Porque esperar mais, se a vida passa,E o tempo corre inexoravelmente?

    Se tudo se desfaz como fumaaAo sopro do olo impenitente?

    Porque chorar mais tarde arrependidos,De no haver vivido os tempos idos,Que nunca mais ns recuperaremos?

    Voc velhinha e eu tambm velhinho,Tristes e ss, chorando de mansinho,

    A vida linda que ns no vivemos...

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    VOCNo cantarei mais luas nem poentes,

    Nem a graa das flores deslumbrantes;No cantarei as tardes esplendentes,Nem as lindas estrelas cintilantes;

    Nem os lrios gentis, alvinitentes,Nem as rosas suaves e fragrantes;

    Nem as longas palmeiras imponentes,Nem os lagos quietos, repousantes;

    Eu cantarei seus olhos, seus cabelosE essa aura de amor que sinto ao v-los,Enquanto voc passa e nem me v...

    E lhe farei poemas, quantos queira;Hoje, amanh e pela vida inteira,Pois fao versos s para voc...

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    VOLVELJ no a quero mais como queria,

    Nem sonho mais em t-la para mim; certo que, mais dia menos dia,Nosso Romance chegaria ao fim.

    Percebo agora que no mereciaFelicidade to completa assim;

    No Houve nada; aconteceu enfimAquilo que, de incio, eu j previa.

    Para mim resta agora uma saudade,Menos um pouco de felicidadeE um corao que bate: "esquece, esquece..."

    Para voc, eu peo a Deus, querida,Toda a felicidade desta vida,Toda a ventura que voc merece.

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    UM SONHO QUE VIVEO tempo, rude vndalo inclemente,

    Que se compraz em destruir a vida,Encontrou em voc, minha querida,S em voc quem lhe fizesse frente...

    Seu corpo grcil, seu olhar ardente,Sua beleza ideal, nunca excedida,

    Ho de passar indiferentemente,Resistindo, do tempo, investida...

    Voc nasceu num sonho de poeta,Num devaneio onrico de esteta,Que por sua obra apaixonou, depois;

    E, unindo o corpo fsico ao seu nume,Criou um mito que nisto se resume:- Eu e voc, voc e eu, ns dois...

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    SEGREDO"Fecha os olhos, querida. Ouve o que (eu) digo;

    Recosta em mim tua cabea amigaE assim juntinho deste peito amigoRespira apenas; deixa que eu prossiga.

    Quero dizer-te tanto e no consigo,Mas farei tudo para que consiga;

    Fique assim mesmo minha doce amigaPois s posso falar junto contigo.

    O que eu quero dizer-te to pequeno,Mas to doce e suave, to amenoQue para ouvi-lo outra vez te imploro

    Agora vou diz-lo ao teu ouvido:( Oua quietinha; atenda ao meu pedido )-" Eu te quero. Eu te amo. Eu te adoro."

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    SEM TTULOEu sei quanto sou feio, com certeza

    Sou o homem mais feio que j viste;Mas em minh'alma, por contraste, existeUm mar imenso de luz e beleza.

    Eu amo o belo, adoro a natureza,E quem s v este meu rosto triste,

    Nunca ter noo dessa grandezaQue h em minh'alma e que tu nunca viste.

    Esta feira esconde o esplendorDe um'alma imensa feita s de amor,Por tudo que belo e esplendente;

    E sou feliz, feliz por ser poeta,Pois essa minha formao de esteta,Me traz belezas que ningum pressente.

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    SER NAMORADOSer namorado entrever na vida

    Uma estrada de flores sem espinhos achar belos todos os caminhos,Belas as flores e suave a lida...

    Afagar a mozinha to queridaE entre beijos suaves e carinhos,

    Sentir a alma nova e revivida,Como um jardim de alegre rosmaninhos.

    Ser namorado ser dono do cu,Dono da noite calma e enluarada.,E das estrelas puras, rebrilhando...

    sentir-se mais leve que um vu,E sentir dentro d'alma enamoradaEssa delcia de viver sonhando..

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    SUSSURROFecha os olhos, querida. Ouve o que eu digo;

    Recosta em mim tua cabea amigaE, assim, juntinho deste peito amigoRespira apenas; deixa que eu prossiga.

    Quero dizer-te tanto e no consigo,Mas farei tudo para que consiga.

    Fique assim mesmo, minha boa amiga,Pois se posso pensar junto contigo.

    O que quero dizer-te to pequeno,Mas to doce e suave, to ameno,Que para ouvi-lo outra vez te imploro;

    E vou diz-lo agora ao teu ouvido:( fique quietinha; atende ao meu pedido )- " Eu te quero, eu te amo, eu te adoro..."

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    UMA FLORQue adianta fugir, se esta saudade

    Ir comigo para onde eu for;Talvez me siga at a eternidade,Pois nunca houve amor como este amor.

    Finjo que existe apenas amizadeE isto me traz uma profunda dor.

    Para provar-lhe do afeto a imensidade,S uma coisa fiz - dei-lhe uma flor.

    Era uma flor singela, abandonada,Que cara do vaso sobre a mesaE j perdera todo esplendor;

    Mas assim mesmo dei-a a minha amadaE ao dar-lha, a flor adquiriu beleza,Simbolizando o meu imenso amor.

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    NICA ORAOSonhei que entramos numa Catedral;

    Era cedinho e o sol brilhante,Transpondo os arabescos do vitralTornava a nave multicintilante.

    De mos dadas chegamos ao umbralDo grande altar de luz esfuziante

    E ajoelhamos ante o oficianteQue dava incio ao sacro ritual.

    Ainda de mos dadas, lado a lado,Segredei a voc, emocionado,

    Apertando de leve a sua mo:

    "Vamos rezar unidos, bem juntinhos,Para que Deus, no seu jardim de arminhos,Receba uma nica orao...

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    VAYA CON DIOS melhor que ns dois nos separemos,

    E nunca mais na vida nos vejamos;Pois com o passar do tempo esqueceremos,O imenso amor com que nos amamos.

    necessrio apenas que troquemos,Mais um olhar dos muitos que trocamos,

    E a essa despedida no choremos,Pois nunca no passado ns choramos.

    Para marcar este momento eu quero,Ouvir mais uma vez nosso bolero,Que sintetiza toda a nossa dor;

    E quando voc for h de ficar,Aquela frase triste a ressoar:- Vaya con Dios, mi vida, mi amor...

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    VERSOS A UMA DESCONHECIDAUm dia, h muitos anos, nem sei quantos,

    Num lugar que nem sei mais onde ficaEu encontrei algum, cujos encantosTornaram minha vida alegre e rica.

    Amei-a muito; como se amam santos,Como se amam luas, e poentes...

    E fiz-lhe versos, delirantes, quentesE fiz-lhe versos, j nem sei quantos

    E ela sempre indiferente e fria,Recebia os versos nem liaOu se os lia nunca os compreendeu.

    Ah! Se eu pudesse lhe dizer baixinho,Afagando seu rosto com carinho:- O que tanto te amou meu em, fui eu...

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    VIDALonge esto as quimeras, longe as esperanas,

    Longe os sonhos azuis da minha mocidade;Aqui recordaes, alm vagas lembranas,Enchem meu corao em plena ancianidade.

    To grande a assolao, to fundas asmudanas

    Que em meu ser processou o avanar daidade,Que j nem me recordo aquela alacridadeCom que enxergava o ouro em tuas tranas...

    Catedral em runas, templo destrudo,

    Palcio de cristal e cacos reduzido,Do tempo, pela fria, a migalhar medonho!

    Mas nem tudo se foi, no est tudo acabadoPois sobre essa runa inda dorme um passadoE sobre esse passado inda palpita um sonho!

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    VOC NUNCA PEDIUVoc nunca pediu: - "Faa um poema

    Que seja meu, completamente meu,Que seja deste amor, singelo esquema,Como uma jia, um mimo, um camafeu.

    Escolha voc mesmo qual o tema:Seja qual for, eu sei que ser seu

    E para mim ser eterno emblemaDo amor imenso que voc me deu".

    Mas voc no pede e eu espero,Aprimorando o amor com que te quero,Nascido da feio com que te quis,

    No chore um dia por no ter pedidoQue eu lhe desse o poema to querido:- Seu poema de amor que eu nunca fiz...

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    SEPULTURA DE UM AMORFoi bem melhor que terminasse assim,

    Sem um adeus, um aperto de mo,O grande amor que hoje chaga ao fimSem ter sado do meu corao.

    Eu o criei, nasceu dentro de mim,Filho que foi s sonho e iluso;

    Foi toda a minha vida; foi, enfimMinha ventura e minha redeno...

    Foi um amor sublime e deliranteQue teve vida apenas um instanteComo a vida to curta de uma flor...

    Hoje o sepulto aqui neste poemaE em vez de um epitfio, deixo um tema:- " esta a sepultura de um amor".

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    LTIMO SONETOEu sei que o fim chegou. J sinto a morte

    A correr, a minar meu corao;E to ciente estou da minha sorte,Que no me abala a mnima emoo.

    Eu sei que nada h mais que me conforte,Que tudo que sonhei era iluso;

    E essa descrena minha de tal porte,Que destruiu at meu corao;

    At mesmo voc - a minha vida;Voc - to adorada e to querida,Voc que sobre todas eu amei...

    Agora espero s que a morte desa,E destrua de vez esta cabea,Ninho dos sonhos lindos que sonhei.

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    POEMAS DIVERSOS78

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    ECCE FINISMeu adeus para vs, plidas meninas detranas esem tranas.Puras at na cor virginalmente branca da pelebranca.Meninas que j viveram no meu sonho eperpassarampelos meus poemasContinuai sonhando com prncipesencantados, plidas meninas,

    E casando melancolicamente com caixeiros-viajantes.Meu adeus para vs donzelas irrequietas desemi-desejos,De seios trgidos, morenos, compactosQue j vibraram dentro do meu desejo

    ululante dos79

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    vinte anosVestidas de noiva

    Despidas de noivaDeitadas na camaE para vs, meninas-sem-juzo, bailarinas econgneresQue usam a mesma carinha catita

    Para sair da Missa de Natale entrar no rendez-vouzPara vs tambm o meu adeus,prostitutas honestasVs que ainda sabeis rezar oPadre-nosso-que-estais-no-cu

    Vs, cujos noivos, aps colher-vos as primciasVos deixaram envolvidas em uma acariciadorapromessa de casamentoEu me lembrarei das vossas histrias tobonitas queeu no acreditava

    Agora eu vos digo que elas eram verdadeirasE para vs, para vs, grandes prostitutasnatasDe linguagem desativiada e cabelos malpenteados

    Gritando nomes horrveis e rasgando a roupa80

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    dosamantes

    De lbios escandalosamente vermelhosE olhos sublinhados de roxoMeu adeus, meu caloroso adeus para vs,polacase francesas do mundo

    Guaycurus, Santa-Luzia, Carmelitas,Conde de Lage,Timbiras, Coqueiro e Rua TaylorBeco do Puxa-Faca e rua do Escorrega,Filhinha Caolha, madame Colette,Bastiana do padre,

    Dolores, Nizette, Lili, Bertolina, Maria Galinhae Maria Tomba HomemMeu grande adeus para todas vs queinjetaram

    grandes impulsos de vida em meu pobre corpoTodasTodas vs

    Aquelas em cujo lbum de poesias eu deixeium poemade amor

    Aquelas em cujos lbios eu deixei um beijo

    apaixonado81

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    Aquelas em cujo seio eu deixei uma rosa roxaQuando vos lembrardes de mim

    Mandei-me um livro de poesiasUma mecha de cabelos amarrada com um fiode linhaOu uma flor murcha, amarelecida, entre asfolhas de

    um brevirio.

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    PRIMAVERASenhor! eterno Deus! Seu filho espera,

    Ajoelhado no altar da natureza,Que engalanes su'alma co'a belezaQue hs nas flores gentis da primavera.

    Senhor! Eterno Deus! Seu filho espera.Que tu confiras a toda humanidade

    Essa deliciosa faculdadeDe reviver a alma em primavera.

    O que eu peo, Senhor, to singelo:- Eu quero apenas que exista um eloEntre a Mulher, o Homem e a natureza.

    renovar o amor todos os anos?E destruir angstias, desenganos encher noss'alma sempre de beleza.

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    EL NINO SOLO (Gabriela Mistral)(Traduo de Geraldo Serrano Neves )

    Andava distrada e ao escutar um pranto,Parei e me acerquei de um rancho de capim;Do leito, um garotinho olhou-me com espantoE uma ternura imensa se aposso de mim.

    Como No visse a Me, sedento de acalanto,

    Faltando-lhe calor do seio de marfimO menino chorou. Movida por seu pranto,Cantei-lhe uma cano e ele sorriu enfim.

    E o menino dormiu em meu peito que arfavaConhecendo o calor desta nova emoo,

    Enquanto, da janela, a lua nos olhava...E quando a Me chegou, j quase emdesatino,

    Ao ver em meu olhar tanto enlevo e paixoDeixou que eu prosseguisse embalando o

    menino.84

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    ALMAS GMEASEu fao versos como o ip florido,

    Que, pintalgando o verde da floresta,Se enfeita todo em verdadeira festaE alegra a mata com seu colorido

    Tambm no sei falar, emudecido este o artifcio que me resta,

    Que ao meu mutismo natural empresta,Uma certa expresso, certo sentido...

    Como o ip tambm eu apresentoEm lugar de palavras, sentimento,Em lugar de rudos, harmonia;

    E nessa sede infrene de beleza,Eu me aprofundo alm da natureza,Pelo sublime umbral da poesia.

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    LOUVADO SEJA DEUSLouvado seja Deus, a Suma Sapincia,

    A Mxima Perfeio do Amor e da Bondade.Louvado seja Deus, que em Sua Santidade,Representa o Esplendor, o Sumo, aQuintessncia.

    Louvado seja Deus, em Sua Inteligncia,

    Dos males e dos bens de toda Humanidade.Louvada a Perfeio, louvada a Excelncia,Com que regala os bons e fulmina a maldade.

    Louvado seja Deus, por todo sofrimentoPor todo dissabor, por todo o meu tormento,

    Por toda desfortuna e desespero meus.Por toda acerbidade e toda desventura,Por todo desprazer que me punge e amargura,Por tudo que padeo, louvado Seja Deus...

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    ORAOPadre Nosso dos Cus, que das alturas,

    O destino do mundo orientais,Mitigai, por favor, minhas agruras,Como as agruras dos pios mitigais!

    Estendi sobre mim vossas mos puras,E, neste gesto com que abenoais

    Todo as Vossas frgeis criaturas,Mostrai que a mim, a mim tambm amais!

    Para provar-Vos quanto eu Vos respeito,Venho trazer-Vos neste humilde preitoMinha humildade a mais serena e pura;

    E num supremo anseio de perdo,Quero beijar, contrito a Vossa mo,Beijando assim a mo que me tortura!

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    NOITE DE NATALLembrai-vos dos que choram nesta noite,

    Dos que tem frio, dos que no tem po,Dos que sentem da vida o fero aoite,Dos que sofrem sem ter consolao.

    dos que vagam sozinhos pela noiteDeambulando em plena escurido,

    Sem uma casa que os abrigue e acoiteSem lar, amor, ou sonho ou iluso.

    Lembrai-vos dos famintos, dos leprosos,Dos que sofrem tormentos horrorosos,E dai-lhes quanto do que vos sobeja;

    Se nada tendes, dai carinho e alento,Cumprindo assim o lindo mandamentoQue nos legou a Santa Madre Igreja...

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    QUERO UMA ROSEIRA EMMINHA SEPULTURAFui amigo do belo e do esplendente;

    Amei a luz, a flor, o cu, a vida;Toda beleza foi por mim queridacom devoo a mais sincera e ardente.

    pois com emoo quase incontidaCom emoo profunda, atroz, premente,Que deixo aqui a minha despedida,Pois sinto que preciso ir para a frente.

    Devo integrar-me em plena natureza,Para tambm ser parte da beleza,Que est no cu, na luz, no som, na cor;

    E sendo assim eu volto para a terra,Pois a essncia Divina que ela encerraFar com que eu renasa numa flor.

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    BURITI SOLITRIOMeu pobre buriti, to triste e solitrio,

    Na chapada deserta, imensa e descampada,Quanta mgoa ters, retida acumuladaNeste teu corao, qual verde relicrio.

    E me ponho a pensar no destino to vrio,Nessa fora tenaz, cruel, desnaturada,

    Que te plantou sozinho no ermo da chapada,Como ilha perdida em meio do esturio.

    Um consolo te resta, rvore querida,Se a noite ameaa ensombrar tua vida,

    A lua em teu socorro surge na amplido,

    Redoirando teu corpo de luz cintilante,Enquanto tudo em volta negro, apavorante,S tu brilhas sozinho em plena escurido.

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    PAISAGEM EM AQUARELASilncio e Paz. O dia desfalece...

    Tudo quietude, mansido e calma;Um suave torpor invade a almaE pouco a pouco se transforma em prece.

    Do cu cambiante, mansamente desceUma luz lirial que envolve e acalma

    Que purifica, suaviza e ensalma,E nossas mgoas todas esvanece...

    Tudo sossego, paz, beatitude;Um rudo sequer quebra a quietude, hora calma do morrer do dia.

    Apenas um planger quase dolentePenetra nossas almas mansamente:- O triste badalar d'Ave Maria...

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    OLHAI O AZUL DO CU, MEUSIRMOSQuando a inveja, o dio e a maldade,Num consrcio infernal, derem-se as mos,Para leva-los ao crime e impiedade,Olhai o azul do cu, meus irmos!

    Sede sempre impolutos, retos, sos,E sentireis, da vida, a suavidade;Mas, se periga a vossa integridade,Olhai o azul do cu, meus irmos.

    Por ele passam nuvens carregadas,Mas depois dos ribombos, das trovoadas,s sempre o mesmo azul manso e sereno;

    Nada lhe afeta a ntima pureza,Ele o exemplo fiel da natureza,Do manso e suave olhar da natureza.

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    CARIDADEAbre teu Corao aos desvalidos,

    Aos que do mundo vivem no desvo;Ampara todos os desprotegidos;Aos que tm fome, d-lhes do teu po.

    O bom caminho mostra aos pervertidos,Ao que claudica, estende a tua mo

    E aos injustamente perseguidosAcolhe dentro do teu corao.

    No olhe nunca indiferentementeO que da agrura da vida se ressente,O que chora, o que clama, o que lamenta.

    A caridade as foras nos renova,Pois o bom corao como a cova:- Quando mais se lhe tira, mais aumenta.

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    OBRA PRIMADeus, que perfeito em toda a sua obra,

    Ao compor a mulher - mais caprichoso -Em pequenas mincias se desdobra,Em busca de um conjunto harmonioso.

    Com arte supernal ele manobraO seu cinzel em talhe to mimoso,

    Que, em pouco surge, linda, a prima obraQue alegra e encanta o Todo-Poderoso.

    Numa, porm, se aprimorou o esteta:- Pondo-lhe o nome em mtrica perfeitaMostrou que alm de Deus ele poeta...

    E ao dar-lhe a graa etrea de um Giotto,Chamou-a em potica escorreita:

    Alzira Vargas do Amaral Peixoto.

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    O IPCai a semente em terra amena e pura,

    Surge o rebento, tmido e medroso,Que pouco a pouco mais se apresta e apura,Se enfolha, e esgalha, magno e garboso.

    Da Terra Mater, na estranha escura,Extra a seiva do filo humoso

    E cada vez mais forte e glorioso,Encorpa o tronco, sobe e ganha altura.

    Depois, num gesto nobre de grandeza,Numa homenagem a Deus e a NaturezaQue lhe deram a forma, a vida, as cores,

    Abre-se todo em beijos coloridos

    E erguendo ao Cu os galhos refloridos

    Atira a Deus um turbilho de flores...

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    PARODIANDOSe a ingratido, o orgulho e a maldade

    Num belo rosto, um dia, se estampassem,Se os negrumes da minh'alma sem piedade,Neste rosto seus traos desenhassem...

    Se a intolerncia, o dio e a impiedade,Dessa alma, um dia, se afastassem

    E nesse rosto belo retraassem,Os garranchos da fealdade...

    Quanta figura bela e atraente,Cuja beleza parece resplendente,S nos traria repulso, desgosto...

    Quanta gente que passa por beldade,Sentiria o horror da fealdade,Quando passasse a mo no prprio rosto...

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    CREBRO INTILHouve comigo uma tragdia imensa,

    Que supera de Tntalo o suplcio;Mais negra que a mais negra treva densa,Mais negra que o mais negro precipcio.

    Daquela minha exaltao intensaHoje no resta o mnimo resqucio;

    Minha cabea exausta, j no pensa; tudo em mim tortura e sacrifcio.

    Quanta vez, ante o belo que me exaltaA inspirao se apouca e foge e falta:S vejo a lauda branca minha frente.

    Em vo a mo se crispa, a pena fremeDe desespero o corpo todo treme......E a lauda fria e branca minha frente.

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    LAGUNASe eu pudesse viver tranqilamente

    superfcie mansa deste lago;Tendo por luz este poente vago,Por companhia a luz deste poente...

    Se eu pudesse viver tranqilamente,Sentindo desta brisa o manso afago;

    Eu viveria sempre neste lagoE viveria aqui eternamente...

    Mas se chegasse a hora da partida,Quando Deus extinguisse a minha vidaNum sopro manso, quase num afago,

    Eu queria morrer tranqilamente,Envolvido na luz deste poente,

    Abraado nas guas deste lago...

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    LIO DE ANTROPOLOGIA...E no meio do campo inculto e agreste, o

    msculo reteso do escravo

    ...E no cho rubro e escarvado, o sanguequente do escravo que regou a terra virgem efecunda

    Ouvindo a msica soturna da noite eternaEterna de banzo e de saudadeEterna de soluos e de rilhar de dentesDe um arrastas macabro de correntes

    Atleta da submisso que escreveu na terra

    Com lgrimas e sangueO poema enorme da liberdade escrava...Pendendo p'ra frenteOs olhos no choNa Taba distanteDa terra de OgunDo coco

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    Do sambaMaxixe

    QuilomboMacumbaMucama...Cadncia no passo, deixando na trilhaO sangue que pinga marcando caminho

    p'ro branco estouvado(E desbravou a mata cerrada que a ousadia doLusitano descobriu num canto do mundo porcausadas calmarias da costa d'frica)Saudade, tristeza

    Chicote que bateQue bate na bota de couro de antaCadncia de sambaSoturno, suave, sangrando, sangrado

    ... E a raa nasceu do choro de escravo

    Da carne lanhadaDo sangue que pingaDo banzoDo banzoBanzando, banzando...Na Taba, Tupan, Saci Perer, vov Anhang

    Entrando n meio da raa da gente100

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    Trazendo calor p'ro que estuaQue vibra, que rola, rompendo, rolando...

    Agora j brota na terra ubertosaa verde folhagem de vidaE a mo calejada do branco opiladoQue sonha acordado(No monte, no vale, no grande planalto)

    Arranca da terra, suando, suando,As gotas de sangue do escravo enterradoQue pendem gostosasMaciasPolpudasDos ps de caf

    ...E troca por ouro na terra distante...

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    CANTO DO MORTO VIVOHavia flores margem dos caminhos

    No dia em que eu cheguei;Trazia dentro de mim uma alegria imensa deviverPorque a vida tinha todas as coresPorque a luz tinha mais brilhoE havia mais azul no cu...Parecia-me que todas as coisas entoavam paramim

    A deliciosa sinfonia da beleza UniversalE minh'alma, cheia de sons, de cores e de luzRefletia toda a musicalidade primaveril da vida:

    O trinado alegre dos pssaros,A luz inundante do sol,A cor maravilhosa das flores;E eu transbordava de alegria

    Ante a alegria travessa do regatoSaltando alegre de pedra em pedra;

    E refletia nos olhos toda a luz do sol102

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    Na alma, todas as cores da vida;Minha voz era clara e suave,

    Meus passos eram leves e elsticos;E eu me continhaPara no cantar como os pssarosPara no brilhar como o solPara no saltar como o regato...

    E criei a mstica da eternidadedas coisas lindas..Desde entocomecei a sentir como eu era feioNa minha fraquezaNa minha falibilidade

    Na minha pequenez de coisa passageira...Hoje meus olhos so cinzentos e enevoadosE a minha tristeza contagianteFez murchar as floresQue havia beira do caminho,no dia em que eu cheguei;E no ouvi mais o canto dos pssaros,E o cu ficou cinzento e escuroE o regato alegre e travessoSe transformou em guagua suja

    gua verdoenga103

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    Rolando preguiosamente pela lamaNum rolar moroso e desajeitado...

    Meus passos so tardos e pesados,Cadenciados e montonosPassos de que caminha irremediavelmentePara um destino fatal e inevitvel,Passos de quem se integra no caos universal,

    Passos de quem caminha para o nada,De quem volta para o zeroabsoluto do infinito...

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    ULTIMA CARTApor Geraldo Serrano Neves

    Devo a V. uma explicao. Dou-a por escritoporque, como V. percebe, so pouqussimas asocasies que ns temos para uma palestra maisdemorada. Voc tem toda a razo na censura que mefez. Em verdade no foi voc quem interpretou mal apoesia. Passou mesmo por mim o desejo de beij-la,

    no por uma vez somente, mas por um milho devezes. Voc tem sido para mim, h dez anos, a razode minha vida, a minha inspirao e o mau encantode viver. No fosse voc e eu j teria desertado hmuito desta vida. A explicao simples e voc no

    tem culpa de nada. No tem culpa de que o Destino

    tivesse colocado em voc todos os requisitos morais,fsicos e intelectuais daquela com que eu sonhei portoda uma existncia e que s agora apareceu emminha estrada...quando j era tarde demais. A culpaNo sua. A explicao a seguinte: - levei, desde a

    juventude, uma vida de dissipao e de prazeresfceis. Vivia apenas o momento presente e sonhavacom um futuro. Todos as mulheres que passaram por

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    minha vida constituram para mim apenas ilusesmomentneas. Assim o tempo foi passando e eu a

    procurar aquela que resumia o meu sonho e o meuideal. Voc no tem culpa alguma. Queria apenas,como um ltima ato de bondade sua, que vocreconhecesse ao menos, por piedade, quanto eu sofrocom esta constante renncia a uma felicidade queno nasceu para mim. Voc testemunha da minhahonestidade e da minha retido de carter em nunca

    ter falado a voc sobre este assunto. Suportei tudodurante dez anos (desde voc menina) sem umapalavra, uma insinuao, um ato qualquer quepudesse demonstrar o amor imenso que tenho por

    voc. Essa conduta cavalheiresca que mantivesempre, pode constituir motivo bastante para que

    voc perdoe, com largueza de corao, a veladainsinuao que se contm na poesia sobre o deliciosoe inesquecvel momento da lagoa. Considere o meuestado d'alma; considere a minha capacidade desonhar; considere o meu gnio romntico, lrico esentimental; considere a circunstncia criada pelo

    Destino e perdoe. Perdoe "este algum" cujo nicopecado gostar excessivamente de voc. Considere-me doravante como um seu amigo, um seu grande eincondicional amigo. Quero dizer a voc comfranqueza honesta e sadia, que todas as demaispoesias podem ser interpretadas no mesmo sentidoda que voc interpretou, porque todas elas foram

    feitas para voc. Desde "Voc imortal" (Lembra-se),106

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    "A Mulher do Destino", Saudade, etc. Algumas de ummodo velado para que ningum (nem mesmo voc)

    compreendesse; outras mais incisivas e mais diretas.Todas porm nasceram desse desespero de sencontrar voc tarde demais aquela que resume todoo meu ideal e todo o meu sonho. Confesso a vocque nunca, em tempo algum, tinha feito uma poesia,antes de conhecer voc. Juro por Deus que verdade.Se eu dizia que tinha poesias antigas, feitas emoutros tempos, mentia para que nem voc nemningum percebesse o drama que se passava comigo.

    Vamos porm esquecer tudo e nunca maispensar no que aconteceu. S no garanto que euesquea. impossvel e est acima de minhas foras.Deus testemunha da verdade e da sinceridade de

    tudo o que agora te escrevo. S peo a voc, tambmpelo amor de Deus, que me permita continuar seuamigo e visit-la de vez em quando apenas para v-lae nada mais. Creio no uma exigncia excessiva.Lembra-se de que vrias vezes voc chegou a seaborrecer comigo pela insistncia com que eu ia

    sua casa, sem motivo algum, uma, duas e trs vezesao dia? que eu no podia passar um dia sem v-la.Durante o perodo em que V. esteve em BeloHorizonte, fui l duas vezes. Minha inteno eraapenas estar uns minutos em sua companhia e nadamais. Garanto a voc que tenho feito tudo o que estao meu alcance para esquec-la; e continuarei afazer o mximo que estiver em minhas foras. Juro a

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    voc, com sinceridade que no tenho outro motivopara viver. Nem meus filhos. Voc sabe que eu, fora

    daqui teria timas oportunidades para progredir epara aparecer; o que acontece que eu no possosair daqui. Peo a voc, no que me tenha amizade,porque isso no se pede nem se impes; o que eusuplico que voc apenas me suporte; procurarei sersempre agradvel, no te importunar com a minhapresena e fazer tudo que estiver ao meu alcancepara que voc seja feliz, muito feliz. Sempresupliquei a Deus pela sua felicidade e continuarei afaz-lo todos os dias. Destrua este papelimediatamente e faa de conta que nunca houvenada. Foi um sonho. Voc se deitou, numa tarde de

    vero, ouvindo um violino ao longe e adormeceu

    tranqilamente. Sonhou ento que havia acontecidoisso. Foi um sonho como tantos outros que voc jsonhou. Seja boazinha e me perdoe. Perdoe tambma Deus que o Autor desse delicioso sonho cor-de-rosa que eu No vivi.

    Esta uma resoluo que tomei empenho em

    fazer por carta para evitar sentimentalismo elgrimas.

    Quero dar fim quilo que um dia constituiu aminha vida, aquilo que foi para mim o cu, o inferno,o po de cada dia.

    No posso acabar com tudo, dou fim apenas s

    situaes que envolvem este fato, porque as108

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    lembranas no se apagam e muito menos o amor.Peo encarecidamente que esqueas que me amou,

    tenha por mim agora amizade de um bom dia.Sofri por um pedao que no foi meu, perdoo-o,

    mas foi o mesmo que aquecer um serpentemoribunda de encontro ao peito.

    Tu no s culpada de possuir a malciaincipiente das mulheres que nasceram para amar

    como beija-flores. Eu fui apenas uma flor que pousas-te em teus vos, errei em almejar t-la s para mim,considerei pecado o teu vo para outra flor.

    Creia, j me perdoei por este erro.

    No creio mais no amor, perdi a f nas palavrasromnticas. Meu corao petrificou-se pela crueza deuma experincia.

    No sou mais capaz de amar e nem tampoucoquero ser amado. Quero viver em paz entre os livros ea natureza. Os livros so um punhado de matriainerte, s vezes cheios de mentiras, mas soincapazes de trair algum. A natureza acolhe com

    sabedoria e carinho aqueles que sofreram e queremagora viver consigo prprios.

    Se no dia em que eu morrer, num arroubo depiedade lembrares de mim, coloque um cravo brandoe uma rosa vermelha no meu tmulo

    Do teu amor

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    NOTA: este texto foi encontrado dentro de um

    envelope em branco, datilografado em um papel semassinatura. Analisando o acervo deixado pelo autor,parece que No enviou a explicao, pois o textoestava acabado, diferentemente da ltima Carta,encontrada na forma de um rascunho datilografado.

    O autor chegou a ensaiar uma compilao de

    seus poemas, reunindo os manuscritos, os rascunhosdatilografados e alguns recortes de poemaspublicados. No trabalho que no terminou foiencontrada uma anotao lpis: PARA SERPUBLICADO DEPOIS DE 1960. O ano assinalado passaa ter significado aps a leitura de alguns poemas que

    tem como tema a morte ou algum plano alm davida. Falecido em 1961, tem-se a impresso de quetemia vir a ser a amada descoberta no conjunto desua obra, preferindo estar longe se isso viesse aacontecer