Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

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1 BRAPHUPADA FOI ANÍBAL BARCA E SÊNECA Luiz Guilherme Marques

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BRAPHUPADA FOI

ANÍBAL BARCA E SÊNECA

Luiz Guilherme Marques

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As revelações sobre vidas passadas podem

acontecer de muitas maneiras, mas é sempre

bom conferir os dados para não “embarcarmos

em canoa furada”, afirmando situações que

podem nos levar ao ridículo.

Acontece que um espírito que se

manifestou por meu intermédio ontem disse

que Prabhupada, o grande guru indiano, que

morreu envenenado há poucos anos atrás, foi

Aníbal Barca, o militar e político cartaginês

que suicidou por envenenamento há cerca de

vinte e dois séculos atrás.

De início procurei na Internet algum

retrato de Aníbal e encontrei a estátua acima.

Abaixo mostro uma fotografia de

Prabhupada para vocês, prezados leitores,

fazerem a comparação.

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Um militar e político tornar-se, em

relativamente pouco tempo, líder religioso pode

parecer impossível para quem olha tudo com

olhos da desconfiança ou faz uma pesquisa

superficial, sem enxergar nas entrelinhas das

informações que vai coletando.

Mas é preciso, para quem quer conhecer a

verdade, aprofundar realmente a análise

primeiro sobre a “índole” desse homem

extraordinário naquele tempo em que a

brutalidade era muito maior do que hoje.

Não era um brutamontes, mas um homem

instruído, versado em vários idiomas, tendo

escrito um livro de História, era adepto do

estoicismo, segundo o qual a autodisciplina

interior é regra inderrogável, e viveu

modestamente, primando sempre por intenções

nobres, mas, infelizmente, por uma visão

equivocada do que se deve entender como

“dever”, terminou por suicidar, porque não

queria que os romanos, que tanto o odiavam,

porque Cartago e Roma eram países inimigos,

perdessem tempo com um velho que não podia

mais guerrear contra eles.

Infelizmente, o que a maioria dos

historiadores e biógrafos registrou e faz

questão de ressaltar são as guerras que Aníbal

vivenciou e estratégias que utilizou, ora saindo

vitorioso ora derrotado.

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A leitura de suas biografias e as

referências que a ele se faz se tornam

fastidiosas pelo detalhamento entusiasta e

incomodativo das guerras e estratégias.

Sua verdadeira face era a de um homem

dedicado à evolução da humanidade.

As conjunturas daquele momento

histórico é que o levaram a guerrear, pois

Roma não sossegou enquanto não arrasou

Cartago.

Agora vamos dar um pulo de dois

milênios e dois séculos para a frente, quando

vamos encontrar Prabhupada tentando

encaminhar para a ponderação drogados e

desajustados de vários tipos sobretudo na nova

Roma, que são os Estados Unidos.

Como Aníbal tentou conter o

imperialismo avassalador dos romanos.

Foi criticado pelos estrategistas frios,

porque, depois de vencer o exército romano, na

Segunda Guerra Púnica, não invadiu e destruiu

a capital do inimigo, mas sim desviou-se para

cumprir outra meta, que era enfraquecer lhe o

poderio, sem destruir sua capital.

Com essa benevolência acabou permitindo

que o poderoso adversário ganhasse forças e

viesse, daí a algum tempo, a destruir Cartago.

A coragem de peito aberto e que quer

apenas neutralizar o inimigo, sem o destruir,

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perdeu para a mentalidade vingativa e

traiçoeira.

São coisas deste mundo onde a

perversidade ainda domina.

Deu para entender, prezados leitores?

Como Prabhupada cuidou do que muitos

chamariam de “restolhos podres” do

imperialismo cruel, ou seja, os egressos das

guerras e os perturbados de vários tipos, de que

a sociedade americana está cheia e que

considera como carga desagradável, da qual se

livraria, se pudesse, com a maior satisfação.

Mas, em outra ocasião, foi-nos revelado,

através da nossa própria mediunidade, que esse

espírito missionário, dos mais evoluídos que a

terra tem a honra de contar entre seus

habitantes, tinha sido o filósofo estoico e

político romano Sêneca, que viveu cerca de dois

séculos depois da encarnação como Aníbal e,

nessa oportunidade, depois de uma vida cheia

de realizações nobres, foi obrigado a suicidar

por ordem do imperador Nero, de quem tinha

sido preceptor.

Essa outra afirmação causa-lhes

estranheza mais uma vez, prezados leitores?

Vamos transcrever primeiro o que a

Wikipédia registra sobre Aníbal Barca.

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Se acharem que a citação é cansativa

podem ir pulando as referências que não lhes

interessarem.

Depois vamos transcrever o texto

intitulado SÊNECA E PRABHUPADA, O

MESMO MESTRE E SEUS ENSINAMENTOS

Luiz Guilherme Marques

Vera Lúcia Ribeiro Rodrigues

Frases de Clay Newman:

―Há uma grande diferença entre existir e

estar vivo.‖

―A primeira vez que me embebedei tinha

14 anos. A primeira vez que fumei um

baseado, 15 e meio. A primeira vez que fui

preso, 16, quase 17. A primeira vez que

tomei meu primeiro antidepressivo, 18

recém-completados.‖

Frase de Sêneca:

―A sabedoria é o único remédio que cura

as doenças da alma.‖

Frases dos autores:

―O único fator que define a conduta de

cada ser humano são suas intenções e elas

é que proporcionam a felicidade ou a

infelicidade.‖

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―Não olhamos em função de uma única

vida, mas sim da ideia de eternidade.‖

Frases de Prabhupada:

―Vida simples, pensamento elevado.‖

―A pureza é a força.‖

ÍNDICE

Introdução

1. A ideologia de Sêneca

1.1 – Honestidade

1.2 – Humildade

1.3 – Autoconhecimento

1.4 – Consciência

1.5 – Energia

1.6 – Silêncio

1.7 – Auto aceitação

1.8 – Responsabilidade

1.9 – Proatividade

1.10 – Compaixão

1.11 – Perdão

1.12 – Desapego

1.13 – Assertividade

1.14 – Aceitação dos outros

1.15 – Evolução

1.16 – Correspondência

1.17 – Equanimidade

1.18 – Gratidão

1.19 – Confiança

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1.20 – Obediência

1.21 – Aceitação da realidade

2. A ideologia de Prabhupada

3. A mesma base ideológica

Notas

INTRODUÇÃO

Este livro não pretende retratar as

biografias de Sêneca [1] e de Prabhupada

[2] no sentido de relato detalhado de fatos

e ideias relacionados com esses dois

homens, que, aparentemente, nada têm a

ver um com o outro.

Uma pessoa que leia a biografia de

um e do outro sem a ideia de unidade que

caracteriza o nosso estudo, achará que

estamos forçando uma similaridade

inexistente.

Todavia, através da percepção extra-

sensorial, viemos a tomar ciência de que

são a mesma individualidade espiritiual

em duas épocas e locais diferentes, com o

mesmo propósito de instruir as criaturas

terráqueas sobre a necessidade do auto

aperfeiçoamento espiritual.

Muitas das circunstâncias da

biografia de um e do outro se devem às

peculiaridades do meio onde viveram e da

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própria necessidade de utilizarem as

ferramentas disponíveis no momento.

Não se deve achar que a biografia de

um deva repetir exatamente a do outro.

Também temos de considerar que

inclusive os mestres evoluem enquanto

desempenham suas missões.

Queremos esclarecer, também, que, da

vida de Sêneca, interessa-nos apenas o que

ele realizou em função da aplicação da

Ciência Secreta [3] que aprendeu no

Egito, restringindo-nos aos seus

ensinamentos relacionados com esse tema.

Seus textos de Filosofia e de

Literatura não ligados diretamente à

Ciência Secreta estão fora de cogitação

para efeito deste nosso estudo.

Quanto a Prabhupada, igualmente

importam-nos apenas o seu trabalho e o

seu esforço de divulgar a ideologia de

Krishna [4].

Sêneca cumpriu sua missão em Roma

e Prabhupada nos Estados Unidos.

Os prezados leitores podem não

enxergar a correlação entre a Roma

antiga e os USA, mas a verdade é que os

remanescentes dos antigos romanos são os

atuais estadunidenses, além dos

britânicos.

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Muitos daqueles que tiveram a

oportunidade de conviver com Sêneca e

ouvir seus ensinamentos são os mesmos

que ouviram Prabhupada, dos quais um

foi quem o envenenou.

As vidas que esse grande trabalhador

da Luz viveu entre uma encarnação e

outra não serão abordadas aqui.

Alguns seguidores de Prabhupada

estranharão nossa afirmativa de que ele

foi um romano em época passada, mas o

mestre não está obrigado a seguir ―ad

aeternum‖ uma única linha de trabalho e

pensamento e, muito menos, encarnar

num único país, mas sim muda suas áreas

e locais de atuação conforme planos

estabelecidos pelo Conselho Cármico, no

caso da Terra.

Entenda-se que o Conselho Cármico é

a equipe de 42 espíritos superiores, que,

sob o comando de Jesus, dirige os destinos

da Terra.

Atualmente há uma tendência a

valorizar-se novamente Sêneca, mas

somente há um ou outro admirador desse

grande mestre como tal, dentre os quais o

psicólogo americano Clay Newman,

enquanto que os seguidores de

Prabhupada contam-se aos milhões,

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principalmente os que se autoqualificam

de adeptos do Hare Krishna.

É importante ficar bem claro que

Sêneca procurou ensinar não o Estoicismo

[5] no sentido restritivo de vitimismo que

lhe deram muitas mentes confusas e

outras mal intencionadas, ou seja, a

renúncia forçada e antinatural ao que é

necessário para se viver em condições

razoáveis.

Ele ensinou e exemplificou que a vida

deve ter como objetivo maior a evolução

espiritual própria e a contribuição à dos

outros.

O ser humano, segundo ensinou, deve

viver em função desse objetivo,

independente de ser rico ou pobre,

instruído ou analfabeto, sacrificado pela

maldade alheia ou benquisto pelos que lhe

compõem o ―entourage‖.

As deturpações que muitos filósofos e

religiosos pregam, em nome do

Estoicismo, com o isolamento da

sociedade, autopunições etc., não têm

nada a ver com a ideologia ensinada por

Sêneca.

Se houve ou há estoicos extremistas isso

não tem nada a ver com Sêneca: deve ficar

bem claro.

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Quanto a Prabhupada igualmente

priorizou o auto aprimoramento espiritual,

apesar de que há alguns discípulos que

acreditam que ele focou, como meta

máxima, a alimentação não carnívora.

Nosso objetivo não é atacar nenhuma

forma de crença, mas sim deixar claro o

que esse mestre quis ensinar nas duas

épocas.

Sempre seu público-alvo foi o mesmo, ou

seja, os decadentes romanos de

antigamente e de hoje.

Por isso, a enorme quantidade de

aderentes dependentes químicos ou

dominados por outros vícios igualmente

escravizantes.

O nível espiritual desse trabalhador da

Luz pode ser medido pelo grau de

dificuldade das suas missões.

Sêneca estudou no Egito do seu tempo a

Ciência Secreta e Prabhupada estudou o

Hinduísmo [6] (com profundidade) na

Índia.

As duas ramificações do Conhecimento

são, na verdade, uma só árvore, mudando

apenas os nomes utilizados por uma e pela

outra.

Os prezados leitores podem observar que

muito se escreveu sobre Sêneca, mas

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ninguém, pelo que conseguimos verificar,

abordou a mensagem principal da sua

vida, que foi baseada na Ciência Secreta.

Essa omissão é que pretendemos suprir

através deste livro.

Os temas mais relevantes abordados pelo

mestre foram abafados, esquecidos e

muitos engrandeceram justamente aquilo

que ele compôs como mero complemento

da sua obra notável.

Já Prabhupada concentrou sua atenção

apenas na divulgação da ideologia de

Krishna, no que fez melhor do que Sêneca,

que misturou ―alhos com bugalhos‖ e isso

possibilitou que as Trevas colocassem em

foco o que menos valia na sua obra.

Hoje em dia, Sêneca é lembrado apenas

como um filósofo estoico, de fisionomia

triste, que ele, na verdade, não tinha.

Apenas como lembrete final desta

introdução, temos a dizer aos prezados

leitores que nosso objetivo não é outro que

transmitir-lhes os ensinamentos desse

mestre.

Se o fez como Sêneca ou como

Prabhupada não importa.

O que vale é conhecer e aplicar as lições.

Da mesma forma diríamos que também

não faz diferença se foi ele quem abordou,

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de forma sábia, esses tópicos ou se foi

outro.

A Verdade é que interessa, mas a Verdade

a que Jesus se referiu quando disse:

―Conhecereis a Verdade e a Verdade vos

libertará.‖

Estamos ―forçando a barra‖ com esta

tese?

Os prezados leitores irão avaliar e

desejamos que aproveite bastante estas

informações para sua vida diária, pois este

estudo não é mera teorização, mas visa ser

útil para o aperfeiçoamento espiritual de

cada um, a começar pelo nosso.

Os autores

1. A IDEOLOGIA DE SÊNECA

Tentar resumir tudo de mais importante

que Sêneca ensinou é uma tarefa

hercúlea, mas há quem tenha feito isso e é

justamente o autor a quem nos referimos

linhas atrás: Clay Newman, que escreveu

―Mais Sêneca, Menos Prozac‖, publicado

no Brasil pela Editora Best Seller, em

2015.

Típico seguidor de Sêneca (portanto

daqueles do público alvo de Prabhupada),

relaciona vinte e um itens como

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importantes no processo de

aprimoramento espiritual.

Tomaremos, como ponto de referência,

como base, em linhas gerais, sua obra.

Então, vamos adiante.

1.1 – HONESTIDADE

A honestidade tem tudo a ver com a ideia

de intenção.

Não Queremos valorizar a honestidade

aparente, aquela que se faz apresentar

com a máscara da virtude, mas costuma

representar um simulacro.

Essa não resolve os problemas internos do

ser humano.

A única honestidade que dá a paz da

consciência é aquela baseada na intenção

pura.

Atentemos sempre para as nossas

verdadeiras e mais profundas intenções.

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Só é realmente feliz que tem intenções

puras.

1.2 – HUMILDADE

Humildade nada tem a ver com andar

esfarrapada, pedir desculpas por tudo que

faz e outras atitudes de aparente

humildade.

Humilde é que, mesmo sabendo das

próprias virtudes, inteligência e

superioridade, não se prevalece disso para

humilhar as outras criaturas.

A pessoa humildade pode ser firme e até

incisiva quando tal se faz necessário, mas

nunca transforma essas oportunidades em

pretexto para arrasar a autoestima de

ninguém.

1.3 – AUTOCONHECIMENTO

Ninguém precisa, necessariamente,

conhecer suas vidas passadas para

autoconhecer-se no sentido comum da

palavra.

O bom senso e a humildade nos

mostram quem somos, ou seja, qual o

nosso nível de inteligência e quais são

nossas virtudes e nossos defeitos.

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Há muito exagero e muita

desinformação quanto ao que diz respeito

ao autoconhecimento.

Basta ter vontade sincera de

autoanalisar-se para chegar-se à verdade

sobre si mesmo.

Mas há quem fique chocado com o

que descobriu sobre si mesmo e desiste de

continuar a procura do autoconhecimento.

A pessoa tem de baixar o próprio ego e

seguir adiante, auto avaliando-se para

poder superar os defeitos e aperfeiçoar as

próprias virtudes.

Para isso tem de ter coragem e

verdadeira humildade.

1.4 – CONSCIÊNCIA

Estar seguro de que pretende aperfeiçoar-

se como ser humano significa ter

consciência da sua condição de espírito

eterno.

Não somos o corpo, apesar de ele ser

importante para nossa vida neste planeta.

Devemos cuidar dele, mas não sermos seu

escravo.

1.5 – ENERGIA

Não queremos nos referir apenas à

energia no sentido de força de vontade,

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mas principalmente à substância eterizada

que cada criatura tem em si e que pode ser

direcionada a outras criaturas para ajudá-

las inclusive na cura.

Toda criatura tem essa energia a que nos

referimos e, pelo direcionamento que a

vontade lhe dá, transforma-se em

importante ferramenta para o

aperfeiçoamento e a cura alheios.

Aprender a usar essa ferramenta no Bem é

muito importante até para a gente gozar de

boa saúde, pois essa energia tem de

circular de criatura para criatura.

Quem não a doa aos outros acaba

adoecendo.

O egoísmo é altamente prejudicial até para

a própria saúde física e espiritual.

1.6 – SILÊNCIO

Nem sempre se devem rebater os pontos de

vista alheios.

Há ocasiões em que se deve esperar que o

tempo esclareça o impetuoso, o agressivo e

o inconsequente.

Nós mesmos devemos silenciar muitas

vezes ao invés de falarmos, porque a

palavra, depois de proferida, não volta à

boca de quem a falou.

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Há uma sequência muito boa: ―silenciar,

observar e agir.‖

Isso é sabedoria.

Infelizmente, pouca gente procede dessa

maneira.

1.7 – AUTOACEITAÇÃO

Auto aceitação não significa acomodação,

mas sim conformar-se com o que não pode

ser mudado em si.

Nem tudo conseguimos aperfeiçoar

em nós e devemos saber aceitar nossos

limites.

Querer o impossível e sofrer por isso é

sinal de falta de inteligência e, sobretudo,

hipertrofia do ego.

1.8 – RESPONSABILIDADE

Responsabilidade significa assunção do

compromisso de realizar o que nos

compete.

Querer eximir-se das próprias

responsabilidades com desculpismos é

uma das piores opções que podemos

adotar.

Quem pretende evoluir desse procurar

cumprir o que lhe deve e levar adiante

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suas tarefas, sem procrastinações nem

desculpismos ou vitimismo.

1.9 – PROATIVIDADE

Proatividade significa a capacidade de

encontrar as melhores possíveis soluções

para cada problema.

Ninguém precisa ser gênio para ser

proativo, bastando que tenha boa vontade

e perseverança.

Outrem pode apresentar melhores

soluções, mas dê conta da sua com a

presteza possível, pois mais importa uma

solução que ajude as pessoas quando elas

precisam do que outra que fique apenas

na promessa.

1.10 – COMPAIXÃO

Compaixão é sinônimo de bondade,

caridade etc.

A pessoa compassiva não deve ficar

somente no domínio da solidariedade

verbal, mas deve passar da palavra à ação.

Isso, todavia, varia de caso para caso.

Há situações em que se deve deixar a

iniciativa por conta do próprio

necessitado.

1.11 – PERDÃO

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Perdoar não significa que devamos ser

omissos e, indiretamente, incentivar o

ofensor a continuar abusando da força ou

da astúcia.

Tudo tem de ter uma finalidade

construtiva e neste caso igualmente.

O mestre nem sempre elogia o aprendiz e

nem sempre deixa de dizer-lhe umas

verdades até duras sob o pretexto do

perdão.

1.12 – DESAPEGO

O verdadeiro desapego é interno e está

dentro do capítulo das intenções.

Ninguém consegue saber se outrem é

desapegado ou não, pois o desapego está

dentro do coração de cada um.

Dentro do nosso coração devemos ser

desapegados.

Sêneca, apesar de milionário, era

desapegado de tudo.

1.13 – ASSERTIVIDADE

Assertividade significa que, sem

arrogância, alguém afirma seus pontos de

vista, seu modo de ser.

Devemos respeitar os sagrados pontos de

vista alheios, mas afirmarmos os nossos

para todos saberem o que somos.

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Isso contribui para o aperfeiçoamento do

meio onde vivemos, pois a multiplicidade

de pontos de vista sempre enriquece.

1.14 – ACEITAÇÃO DOS OUTROS

Mesmo as criaturas mais evoluídas têm

seus pontos fracos.

Devemos aceitar cada um com seus pontos

fracos, pois também temos os nossos.

O respeito mútuo faz com que cada um

mantenha certa tolerância para com as

fraquezas alheias e vice-versa.

Imagine-se se cada um cobrasse dos

outros a perfeição absoluta: seria uma

guerra permanente.

1.15 – EVOLUÇÃO

A evolução se processa a cada dia, mesmo

que pareça o contrário.

É como a plantícula, que cresce sem que

consigamos perceber.

Por isso as mudanças em cada um muitas

vezes surgem inesperadamente: é porque

não tínhamos percebido certo

amadurecimento que estava acontecendo.

Não devemos julgar nossos semelhantes

pelas aparências, porque ele pode estar, na

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verdade, mais pronto que nós para os

grandes saltos qualitativos.

1.16 – CORRESPONDÊNCIA

―Cada pessoa é um conjunto de fatores

inacessível às demais‖.

É possível conhecer alguns itens sobre

os outros, mas não tudo.

Costuma-se dizer que para ―conhecer

alguém devemos ter caminhado duas luas

com suas sandálias‖.

Mas devemos respeitar as vivências

alheias, pois elas são o seu acervo de

experiências, que, cedo ou tarde, levam

cada um à evolução espiritual.

Nós, que lidamos com os espíritos

voltados para o Mal, aprendemos que cada

um tem seu momento de despertamento

para a Luz.

Não devemos olhar apenas o

transcurso de uma encarnação, mas a

eternidade.

1.17 – EQUANIMIDADE

―Equanimidade significa serenidade de

espírito‖. É um estado natural e relaxado,

a capacidade de experimentar de maneira

estável as diferentes situações do mundo

físico, das sensações, da mente e dos

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fenômenos. É caracterizada pela profunda

tranquilidade, completamente livre de

oscilações.

Nada paga o preço de estarmos felizes por

nós mesmos. Alcançando esse estágio, até

mesmo os relacionamentos ficam mais

fáceis de lidar, de pensar usando a razão

ao invés do coração. ―Isso traz uma paz

incomensurável.‖

(http://www.dicionarioinformal.com.br/eq

uanimidade)

Com o estilo de vida estressante atual,

não é fácil manter-se equânime, mas

devemos tentar viver dessa forma a maior

parte do tempo possível.

1.18 – GRATIDÃO

As pessoas têm-se esquecido de ser gratas,

sobretudo aos pais, e a primeira coisa que

costumam fazer quando eles envelhecem,

é interná-las nas chamadas ―casas de

repouso‖, em vez de conviver com elas e

devolver-lhes o carinho e a atenção que

receberam deles nos tempos passados.

A ingratidão dói muito em que a recebe.

1.19 – CONFIANÇA

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Devemos confiar em Deus, em nós

mesmos e, até prova em contrário, nas

pessoas.

Se o nível de desconfiança nos outros

chegar às raias do absurdo, perderemos

até a condição de conviver em sociedade.

É claro que ninguém deve ser ingênuo e

colocar a própria vida nas mãos dos

outros.

1.20 – OBEDIÊNCIA

As pessoas têm vivido em pé de guerra,

porque ninguém está aceitando mais

obedecer nem aos próprios chefes.

Há ―muito cacique para pouco índio‖.

Mas quem obedece está obedecendo ao seu

conjunto de deveres e não à pessoa que

está dando as ordens.

Essa mudança de foco ajuda-nos a

obedecer ―numa boa‖.

1.21 – ACEITAÇÃO DA REALIDADE

A vida é o que é.

Estamos em um mundo primário

espiritualmente falando.

Poucos aqui vivem cumprindo missões

de esclarecimento.

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A maioria está em função da

satisfação dos objetivos básicos: ―comer,

dormir e reproduzir‖.

Querer obrigar a maioria à evolução

espiritual é ―malhar em ferro frio‖.

Devemos semear, mas a colheita fica

por conta de cada um, que vai despertando

gradativa e imperceptivelmente.

Quem cumpre sua missão, chega a

hora de ir para outros mundos e aqui as

criaturas responderão por suas próprias

intenções.

Essa é a regra que devemos compreender e

seguir.

2. A IDEOLOGIA DE PRABHUPADA

Resumir sua ideologia é impossível.

Por isso, transcreveremos algumas das

suas frases:

―Todo aquele que queira lograr uma vida

perfeita, deve buscar primeiro

conhecimento.‖

―A vida sexual é o principio básico da vida

material. E devido a isso pensamos: eu sou

este corpo e tudo o que está relacionado

com este corpo é meu.‖

―O verdadeiro objetivo da vida é regressar

ao mundo espiritual.‖

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―Primeiro de tudo faça com que sua vida

seja perfeita. Então tente ensinar aos

outros.‖

―Vida material significa tentar satisfazer

aos seus sentidos. E quando queira servir

a Deus, isso é vida espiritual.‖

―Inteligência significa: Saber quem eu sou

quem é Deus, e o que é este mundo.‖

―A verdadeira honestidade consiste em

não usurpar a propriedade dos outros‖.

―Quando o discípulo está satisfeito com o

mestre, se entrega e faz da sua vida um

sucesso.‖

―Devemos entender que é impossível ser

feliz no mundo material,

independentemente de quaisquer ajustes

que façamos, e não podemos ser felizes a

menos que levemos uma vida espiritual.‖

―Fazer simplesmente uma exibição de

ginástica não é a perfeição da yoga‖. Yoga

significa controlar os sentidos.

―Nunca terá êxito alguém que parece

praticar yoga, mas que satisfaça seus

sentidos, sem restrição.‖

―Baseado no Bhagavad-Gita, entendemos

que estamos mudando de um corpo para

outro, mesmo em nossa vida atual. Todos

tivemos antes o corpo de um bebê

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pequeno. Onde está o corpo agora? Esse

corpo se foi.‖

―Se você ama alguém, você sempre

pensará nele naturalmente.‖

―Se eu aceito que ―eu sou este corpo‖,

então eu não sou melhor do que os cães e

gatos, já que essa é a noção que eles têm

sobre a vida.‖

―A literatura védica completa abrange três

tópicos: o primeiro é o nosso

relacionamento com Deus, segundo,

depois de haver entendido essa relação,

aprendemos a praticá-la.‖

―Cada criatura viva tem uma relação

especial com Deus, mas agora se encontra

esquecida.‖

―O peixe não pode ser feliz fora da água,

pois é um animal aquático. Da mesma

forma, todos nós somos almas espirituais,

e não podemos ser felizes a menos que

levemos uma vida espiritual ou que

estejamos no mundo espiritual.‖

―Um pode continuar tentar ser feliz, mas a

vida materialista nunca produzirá

felicidade. Este é um facto.‖

―A vida materialista se passa mastigando o

mastigado.‖

―Não sabemos que estamos atados pelas

severas leis da natureza material.‖

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―Ego falso significa identificação falsa.

Nossa vida ignorante começou a partir

desta falsa identificação: pensar que sou

esta materia, apesar de todos os dias e

cada momento vejo que não sou esta

materia. A alma existe permanentemente,

enquanto que a materia está mudando.‖

―A verdadeira fórmula para a paz consiste

no que saber que Deus é o proprietário de

todo esse universo.‖

―Nosso tempo está sendo desperdiçado na

construção de muitos dispositivos que nos

dão um conforto temporário e artificial, o

preço de uma quantidade proporcional de

inconvenientes. Tudo isso é parte da lei do

karma, a lei de ação e reação. Pois tudo o

que fazemos, há uma reação pela qual nos

envolvemos.‖

―Este mundo material está destinado a

sofrer, a menos que existam os

sofrimentos, não poderemos voltar

conscientes do espiritual. Os sofrimentos

são em realidade um incentivo e nos

ajudam a elevar-nos para o espiritual.‖

―Devemos ser muito sérios para alcançar

a nossa vida eterna, plena de bem-

aventurança e conhecimento. Temos

esquecido que este é o verdadeiro

propósito da vida, nosso interesse real.‖

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―Como o mundo espiritual é real, este

mundo material, que é uma imitação,

parece ser real, devemos compreender o

significado da realidade: realidade

significa existência que não pode

desaparecer; realidade significa

eternidade.‖

―Um homem que está dormindo pode ser

acordado por uma vibração sonora.

Embora ele esteja praticamente

inconsciente, incapaz de ver, sentir,

cheirar etc., o sentido da audição é tão

proeminente que é possível acordar a esse

homem dormido com uma vibração

sonora. Da mesma forma, a alma

espiritual, ainda que já fosse vencida pelo

sono material, pode ser despertada com a

vibração do som transcendental do

mantra. ‖

3. A MESMA BASE IDEOLÓGICA

Ambos ensinaram que a única coisa

que importa na vida é evoluir

espiritualmente, de que faz parte ajudar os

outros nesse caminho.

Eis aí o resumo de tudo que fizeram e

falaram.

NOTAS

Page 31: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

31

[1]

―Lúcio Aneu Séneca (português europeu)

ou Sêneca (português brasileiro) (em

latim: Lucius Annaeus Seneca; Corduba,

4 a.C. — Roma, 65) foi um dos mais

célebres advogados, escritores e

intelectuais do Império Romano.

Conhecido também como Séneca (ou

Sêneca), o Moço, o Filósofo, ou ainda, o

Jovem, sua obra literária e filosófica, tida

como modelo do pensador estoico durante

o Renascimento, inspirou o

desenvolvimento da tragédia na

dramaturgia europeia renascentista.

Origens familiares

Oriundo de família ilustre, era o segundo

filho de Hélvia e de Marco Aneu Sêneca

(Séneca, o Velho). O irmão mais velho de

Lúcio chamava-se Lúcio Júnio Gálio e era

procônsul (administrador público) na

Acaia, onde, em 53, se encontrou com o

apóstolo cristão Paulo. Séneca, o Jovem,

foi tio do poeta Lucano.

Ainda criança (três anos), foi enviado a

Roma para estudar oratória e filosofia.

Page 32: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

32

Com a saúde abalada pelo rigor dos

estudos, passou uma temporada no Egito

para se recuperar e regressou a Roma por

volta do ano 31. Nessa ocasião, iniciou

carreira como orador e advogado e logo

chegou ao senado.

Exílio

Em 41, foi acusado por Messalina, esposa

do imperador Cláudio, de ter cometido

adultério com Júlia Livila, sobrinha do

imperador. Como consequência, foi

exilado para a Córsega. No exílio, em

meio a grandes privações materiais,

Séneca dedicou-se aos estudos e redigiu

vários de seus principais tratados

filosóficos. Entre eles, os três intitulados

Consolationes ("Consolos"), em que

expõe os ideais estoicos clássicos de

renúncia aos bens materiais em busca da

tranquilidade da alma mediante o

conhecimento e a contemplação.

Por influência de Agripina, a Jovem,

sobrinha do imperador e uma das

mulheres com quem este se casou, Séneca

retornou a Roma em 49. Agripina tornou-

o preceptor de seu filho, o jovem Nero, e

elevou-o a pretor em 50. Séneca contraiu

Page 33: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

33

matrimônio com Pompeia Paulina e

organizou um poderoso grupo de amigos.

Conselheiro de Nero

Logo após a morte de Cláudio, ocorrida

em 54, o escritor vingou-se com um escrito

que foi considerado obra-prima das sátiras

romanas, Apocolocyntosis divi Claudii

("Transformação em abóbora do divino

Cláudio"). Nessa obra, Séneca critica o

autoritarismo do imperador e narra como

ele é recusado pelos deuses. Seu irmão,

Lúcio Júnio Gálio, também ridicularizou

Cláudio, fazendo uma analogia com as

pessoas executadas, que eram levadas ao

Fórum Romano puxadas por ganchos: ele

disse que Cláudio havia sido elevado aos

céus puxado por um gancho

Quando Nero, aos dezessete anos, tornou-

se imperador, Séneca continuou a seu

lado, porém não mais como pedagogo e

sim como seu principal conselheiro

(ajudado por Afrânio Burro, prefeito do

Pretório). Sêneca procurou orientar para

uma política justa e humanitária. Se,

durante os primeiros sete anos, o governo

de Nero lembra o de Augusto, o mérito

exclusivo é desses dois homens que, na

Page 34: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

34

realidade, governaram ao lado do jovem

príncipe. A índole de Nero foi mitigada,

corrigida, freada. Mais tarde, porém, a

malvadez de Nero teve o predomínio.

Séneca, durante algum tempo, exerceu

influência benéfica sobre o jovem, mas,

aos poucos, foi forçado a adotar atitudes

de complacência. Chegou mesmo a redigir

uma carta ao senado na qual se alega que

tentou justificar a execução de Agripina

em 59. Séneca sabia que a maior culpa por

sua morte havia sido da própria Agripina,

que pretendia imperar e que se tornara

hostil por ambição, capricho e corrupção;

sua raiva crescente só fez aumentar a

vingança matricida de Nero, que não deu

mais ouvidos às palavras severas de seus

dois conselheiros. Séneca foi, então, muito

criticado pela fraca oposição à tirania e à

acumulação de riquezas de Nero,

incompatíveis com as concepções estoicas.

Conforme concluiu o emérito professor

Giulio Davide Leoni, o destino foi, em

parte, malvado para com Séneca, fazendo

chegar até nós as acusações e perdendo as

defesas. Da leitura atenta de suas páginas,

do modo como aceitou e caminhou para a

morte, como Sócrates, surge um juízo

sincero que as reticências dos

Page 35: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

35

historiadores e estudiosos, muitas vezes,

acabam por ofuscar.

Em De Beneficiis (II, 18), Séneca lembra

que "às vezes, mesmo contra a nossa

vontade, devemos aceitar um benefício,

quando é dado por um tirano cruel e

iracundo, que reputaria injúria que tu

desdenhasses seu presente. Não deverei

aceitar?" Assim, mais importante do que

saber que Séneca era rico, é saber se ele

era ávido de riquezas, se viveu no fausto e

na opulência.

Conforme suas Epistulae Morales ad

Lucilium, 18, seu pensamento era este: é

lícito ser rico, contudo é preciso viver de

tal modo que se possa, em cada

contingência, bastar a si próprio e

renunciar a qualquer bem que a sorte

pode dar, mas também tirar. Rico, Séneca

viveu com certo conforto, mas, conforme

acreditava e pregava, sempre de maneira

modesta.

"Séneca", no Museu Arqueológico

Nacional de Nápoles

O professor G.D. Leoni, da Sedes

Sapientiae, afirma, em seu estudo

Page 36: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

36

introdutivo ao volume XLIV da Biblioteca

Clássica da Atena Editora, São Paulo,

1957, que a posteridade foi injusta,

recolhendo contra Sêneca somente as

invejosas acusações dos seus inimigos.

Mas a perfeita intuição dos poetas define

aquilo que os críticos se esforçam por

esclarecer, mas amiúde ofuscam. Dante,

no limbo, vê, entre os sumos escritores e

heróis antigos - Sócrates, Platão,

Demócrito, Diógenes de Sinope,

Anaxágoras, Tales de Mileto, Empédocles,

Heráclito, Zenão de Cítio, Dioscórides,

Orfeu, Cícero, Lino e "Séneca morale".

Séneca, diferente de um filósofo, é um

entusiasta da filosofia, estudioso

apaixonado, informado de todas as

correntes filosóficas do seu tempo, mas

contrário a encerrar-se em qualquer

sistema ou fórmula. Nele, a filosofia era

viva, era a própria vida. "A prosa adere ao

pensamento, uniformiza-se se adapta a

ele; e muitas vezes um subentendido

produz um jogo de luzes e sombras cheios

de profunda beleza, amiúde a frase breve

produz inesperadas imagens pictóricas,

outras vezes antíteses, ou as anedotas

enriquecem as sentenças austeras, a

argúcia atenua a trágica solenidade do

Page 37: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

37

assunto". Poeta, humanista, mais que

filósofo, o elemento preponderante em

suas obras são os sentimentos, mais do

que as ideias, com as quais, na origem,

pouco contribuiu. Entretanto, na história

do pensamento, nunca ninguém foi tão

compenetrado do sentimento da nobreza

do espírito humano, e soube tão bem e

poderosamente transmitir esse sentimento

em palavras." Sua prosa é vivaz, variada,

alegre, moderna, eterna; como quando

procura mostrar como as desventuras

pelas quais passam os bons, devem ser

encaradas como provas para melhor

evidenciar suas virtudes, ajudar o

próximo: "Os deuses põem à prova a

virtude e exercitam a força de espírito dos

bons, que devem seguir seu destino

preestabelecido: o sábio, por isso, nunca

será infeliz."

Sêneca, busto em mármore, por um autor

anônimo do século XVII, Museu do

Prado.

Séneca retirou-se da vida pública em 62.

Entre seus últimos textos, estão a

compilação científica Naturales

quaestiones ("Problemas naturais"); os

tratados De tranquillitate animi (Sobre a

Page 38: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

38

tranquilidade da alma), De vita beata

(Sobre a vida beata) e, talvez sua obra

mais profunda, as Epistolae morales,

dirigidas a Lucílio, em que reúne

conselhos estoicos e elementos epicuristas

na pregação de uma fraternidade

universal mais tarde considerada próxima

ao cristianismo.

Morte

No ano 65, Séneca foi acusado de ter

participado da conspiração de Pisão, na

qual o assassínio de Nero teria sido

planejado. Sem qualquer julgamento, foi

obrigado a cometer o suicídio. Na

presença dos seus amigos, cortou os pulsos

com o ânimo sereno que defendia em sua

filosofia. Tácito relatou a morte de Séneca

e da mulher, que também cortou os pulsos.

Nero, com medo da repercussão negativa

dessa dupla morte, mandou que médicos a

tratassem, e ela sobreviveu ao marido

alguns anos.

Contemporâneo de Cristo

Ver artigo principal: Correspondência

entre Paulo e Séneca

Apesar de ter sido contemporâneo de

Cristo, Séneca não fez quaisquer relatos

Page 39: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

39

significativos de fenómenos milagrosos

que aparentemente anunciavam o advento

de uma poderosa nova religião;

entretanto, segundo Jerónimo ("De Viris

Illustribus", xii), Séneca teria trocado

correspondências com Paulo (apóstolo

com cidadania romana, também

conhecido por Saulo). Constata-se que os

cristãos, por intermédio de Lúcio Aneu

Séneca, assimilaram os princípios

estoicos, utilizando, inclusive, as mesmas

metáforas estoicas na Bíblia. Um facto

tanto mais curioso é que Séneca, como

filósofo, interessou-se por todos os

fenómenos da natureza, resultando nas

cartas intituladas posteriormente

"Questões da natureza", como observou

Edward Gibbon, historiador do

iluminismo do século XVIII, perito na

história do Império Romano e autor do

livro História do Declínio e Queda do

Império Romano.

A filosofia de Séneca

Séneca desenhado por Peter Paul Rubens

Sêneca ocupava-se da forma correta de

viver a vida (ou seja, da ética), da física e

da lógica. Via o sereno estoicismo como a

maior virtude, o que lhe permitiu praticar

Page 40: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

40

a imperturbabilidade da alma,

denominada ataraxia (termo utilizado a

primeira vez por Demócrito em 400 a.C.

Juntamente com Marco Aurélio e Cícero,

conta-se entre os mais importantes

representantes da intelectualidade

romana.

Sêneca via, no cumprimento do dever, um

serviço à humanidade. Procurava aplicar

a sua filosofia à prática. Deste modo,

apesar de ser rico, vivia modestamente:

bebia apenas água, comia pouco, dormia

sobre um colchão duro. Sêneca não viu

nenhuma contradição entre a sua filosofia

estoica e a sua riqueza material: dizia que

o sábio não estava obrigado à pobreza,

desde que o seu dinheiro tivesse sido

ganho de forma honesta. No entanto,

devia ser capaz de abdicar da riqueza.

Sêneca via-se como um sábio imperfeito:

"Eu elogio a vida, não a que levo, mas

aquela que sei dever ser vivida." Os afetos

(como relutância, vontade, cobiça, receio)

devem ser ultrapassados. O objetivo não é

a perda de sentimentos, mas a superação

dos afetos. Os bens podem ser adquiridos,

Page 41: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

41

à condição de não deixarmos que se

estabeleça uma dependência deles.

O pensamento de Sêneca, especialmente

suas críticas ao comportamento vulgar,

permite que se conheça melhor a

sociedade de Roma no século I d.C.

Para Sêneca, o destino é uma realidade. O

homem pode apenas aceitá-lo ou rejeitá-

lo. Se o aceitar de livre vontade, goza de

liberdade. A morte é um dado natural. O

suicídio não é categoricamente excluído

por Sêneca.

Sêneca influenciaria profundamente o

pensamento de João Calvino. O primeiro

livro de Calvino foi um comentário ao De

Clementia, de Sêneca.

A obra literária de Séneca

Ao se analisarem os escritos de Séneca, é

possível perceber a forma pela qual

alcançou o conhecimento e

desenvolvimento da ideia de fluxo de

energia, que advém, segundo ele, de algum

"princípio ativo" (termo utilizado em seu

livro "Questões Naturais"), o qual sujeita

à regra geral: "causa e efeito", ou "ação e

Page 42: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

42

reação", de tal forma que sugeria, em uma

de suas Cartas a Lucílio, que só tem

domínio de si aquele que não faz de seu

corpo um peregrinador por outros corpos.

Séneca destacou-se como estilista literário.

Numa prosa coloquial, seus trabalhos

exemplificam a maneira de escrever

retórica, declamatória, com frases curtas,

conclusões epigramáticas e emprego de

metáforas. A ironia é a arma que emprega

com maestria, principalmente nas

tragédias que escreveu, as únicas do

gênero na literatura da antiga Roma.

Versões retóricas de peças gregas, elas

substituem o elemento dramático por

efeitos brutais, como assassinatos em

cena, espectros vingativos e discursos

violentos, numa visão trágica e mais

individualista da existência.

Diálogos

(40) Ad Marciam, De consolatione

(41) De Ira - Estudo sobre as

consequências e sobre o controle da ira

(42) Ad Helviam matrem, De

consolatione

(44) De Consolatione ad Polybium

Page 43: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

43

(49) De Brevitate Vitæ ("Sobre a

brevidade da vida")

(62) De Otio ("Do ócio")

(63) De Tranquillitate Animi ("Sobre a

tranquilidade da alma")

(64) De Providentia ("Sobre a

Providência")

(55) De Constantia Sapientis ("A

constância do sábio")

(58) De Vita Beata

Tragédias

Hercules furens (Hércules furioso)

Troades (As Troianas)

Phoenissae (As Fenícias)

Medea (Medeia)

Phaedra (Fedra)

Oedipus (Édipo)

Agamemnon

Thyestes (Tiestes)

Hercules Oetaeus (Hércules no Eta)‖

(https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9ne

ca)

[2]

―Abhay Charanaravinda Bhaktivedanta

Swami Prabhupada (Bengali:

) (1 de

Page 44: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

44

setembro de 1896 - 14 de novembro de

1977) foi um líder religioso indiano,

fundador da Sociedade Internacional para

a Consciência de Krishna, comumente

conhecida como Movimento Hare

Krishna. Nascido em Calcutá,

Prabhupada migrou para os Estados

Unidos em 1965 e surgiu como uma figura

importante da contracultura ocidental,

apresentando a cultura védica a milhões

de pessoas em todo o mundo.

Apesar dos ataques de membros da

comunidade acadêmica e de grupos de

apologética cristã, Prabhupada recebeu

acolhida favorável de muitos estudiosos da

religião, tais como J. Stillson Judá,

Harvey Cox, Shinn Larry e Thomas

Hopkins, que elogiou as traduções de

Prabhupada e defendeu seu movimento

contra as imagens distorcidas e as más

apresentações veiculadas pela mídia.

Prabhupada foi descrito como um líder

carismático, no sentido usado pelo

sociólogo Max Weber, devido à sua bem-

sucedida aquisição de seguidores nos

Estados Unidos, Índia, Austrália, países

da Europa, da África e outras regiões.

Page 45: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

45

Após sua morte, o Movimento Hare

Krishna continuou a crescer e

desenvolver-se e está presente até os dias

de hoje, contando com diferentes sedes ao

redor do mundo que celebram a vida de

Prabhupada e seus discípulos.

Biografia

A. C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada

nasceu em 1896 em Calcutá, filho de Gour

Mohan e Rajani De. Seus pais eram

devotos de Krishna e deram-lhe o nome de

Abhay Charan ( "destemido por ter se

abrigado no Senhor" ). Seu pai, Gour

Mohan, educou-o à risca de acordo com a

etiqueta devocional (vaishnava) e deu-lhe

todos os ensinamentos básicos do

Bhagavad Gita, ensinou-o a cozinhar e a

tocar mridanga (instrumento de percussão

de origem indiana). Gour Mohan sempre

quis que o seu filho se tornasse um devoto

de Sri Radha e Krishna.

Srila Prabhupada concluiu em 1920 os

seus estudos em sânscrito, filosofia, inglês

e economia no Scottisch Churches

College. Por circunstâncias auspiciosas

ele encontrou em 1922 o seu mestre

Page 46: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

46

espiritual Bhaktisiddhanta Sarasvati

Maharaja, em Calcutá. Em 1932 ele

recebeu a primeira e segunda iniciação

por Bhaktisiddhanta Sarasvati Maharaja,

um proeminente erudito devocional e

fundador de sessenta e quatro Gaudiya

Mathas(institutos védicos), que lhe deu o

nome de Abhay Caranaravinda. Naquela

época, Srila Prabhupada ainda estava

enredado na vida familiar e nos negócios.

Quando pensava em abandonar os seus

afazeres materiais para viver no templo,

Bhaktisiddhanta Maharaja o

desencorajava. Alguns dos devotos

queriam que Srila Prabhupada assumisse

a direção de um dos maiores templos da

Gaudiya-Matha de Srila Bhaktisiddhanta,

mas o próprio Bhaktisiddhanta tinha

outros planos. Ele não queria que Srila

Prabhupada se envolvesse diretamente

com a Gaudiya-Matha. No primeiro

encontro que tiveram em 1922, Srila

Bhaktisiddhanta pediu que Srila

Prabhupada difundisse o conhecimento

védico na língua inglesa. Nos anos que se

seguiram, Srila Prabhupada escreveu um

comentário sobre o Bhagavad Gita e

ajudou a Gaudiya Matha no seu serviço de

pregação.

Page 47: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

47

Obras

Em 1944 ele publicou o primeiro número

duma revista quinzenal em inglês Back to

Godhead ( De volta para o Supremo) .Ele

próprio redigia, datilografava os

manuscritos e revia as provas, distribuindo

ele mesmo as revistas nas ruas de Nova

Délhi de forma gratuita. Lutava para

manter a publicação, pedindo doações de

papel e algumas moedas. Desde então, a

revista chamada "De Volta ao Supremo"

continua a ser publicada

ininterruptamente e é editada em mais de

trinta línguas. Em seguida, começou a

tradução do Bhagavad Gita e do Sri

Ishopanishad. Embora Srila Prabhupada

sempre tentasse organizar a pregação, não

sabia como transformá-la em realidade. A

sua ideia era inspirar devotos na Índia e ir

com eles para os Estados Unidos.Com esse

objetivo, ele fundou a League of Devotes

(Sociedade dos Devotos), por intermédio

da qual conseguiu alguns colaboradores.

"Pelo reconhecimento da erudição

filosófica e devoção, a Sociedade

vaishnava Gaudiya honrou, em 1947, Srila

Prabhupada com o título de

Page 48: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

48

'Bhaktivedanta'." Em 1954, com 58 anos,

Srila Prabhupada retirou-se da vida

familiar e tomou vanaprastha (ordem de

vida retirada), para poder dedicar-se mais

tempo aos estudos e às atividades

literárias. Srila Prabhupada dirigiu-se

para a cidade de Vrindavan, o famoso

lugar sagrado onde Krishna tinha

aparecido cinco mil anos atrás. Ele achou

abrigo no templo medieval de Radha-

Damodara, onde vivia em condições

humildes, dedicando-se profundamente

aos estudos por muitos anos.

Em 1959 entrou na ordem de vida

renunciada (sannyasa). No templo de

Radha-Damodara Srila Prabhupada

iniciou a obra da sua vida - a tradução dos

muitos volumes do Srimad-Bhagavatam

com comentários dos 18.000 versos! Ali

escreveu também o livro Easy Journey to

Other Planets (Fácil viagem a outros

planetas).

Sendo um sannyasi sem recursos

materiais, Srila Prabhupada teve

dificuldade em arranjar os meios

necessários para suas publicações. Apesar

disso conseguiu publicar até 1965, graças

Page 49: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

49

a donativos, o Primeiro Canto do Srimad-

Bhagavatam em 3 volumes. Além disso

Srila Prabhupada esforçava-se para

conseguir uma viagem grátis para os

Estados Unidos, que por fim lhe foi

concedida pro Sumati Morarji,

proprietária da Scindia Steamship

Company. E assim Srila Prabhupada

viajou, sozinho, para os Estados Unidos

no outono de 1965 a bordo do cargueiro

Jaladuta, para cumprir a missão do seu

mestre espiritual. Quando Srila

Prabhupada chegou com o navio no porto

de Nova Iorque, ele praticamente estava

sem recursos financeiros. Após um ano

cheio de dificuldades Srila Prabhupada

fundou em julho de 1966 a Sociedade

Internacional da Consciência de Krishna

(ISKCON), que sob sua direção pessoal se

desenvolveu numa década num

movimento mundial com mais de 100

ashramas, escolas, templos e comunidades

rurais. Em 1968 Srila Prabhupada fundou

nas colinas do Oeste da Virginia a

primeira comunidade rural da consciência

de Krishna, que serviu de exemplo para

projetos idênticos em todos os continentes.

Em 1972, com a fundação da escola

gurukula em Dallas, Texas, Srila

Page 50: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

50

Prabhupada introduziu o sistema védico

de ensino elementar e secundário no

Ocidente.

Com o constante aumento do número de

alunos formaram-se 10 outras escolas até

1978. A mais importante das suas escolas

está sediada em Vrindavan, Índia.

Também na Índia Srila Prabhupada criou

muitos projetos, como por exemplo o

impressionante templo de Krishna-

Balarama em Vrindavana, o Centro de

Congresso e Cultural junto com o templo e

casa internacional de hóspedes em

Bombay e o Centro Mundial da ISKCON

em Sridhama Mayapur (Bengala), onde se

projeta erguer uma cidade em moldes

védicos.

Além destas muitas atividades Srila

Prabhupada sempre via na publicação de

livros sua tarefa principal, e assim em

1972 ele fundou a Bhaktivedanta Book

Trust (BBT), hoje a maior editora na

Índia de literatura religiosa e filosófica.

Até seu desaparecimento em 14 de

novembro de 1977 em Vrindavana, Srila

Prabhupada, apesar da sua idade

avançada, viajou 14 vezes em viagens de

Page 51: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

51

pregação ao redor da Terra. Não obstante

desta apertada agenda, publicou

continuamente novos livros - num total de

mais de 80 volumes - que hoje em dia são

traduzidos em todas as línguas do mundo.

Nestes onze anos, de 1966 até 1977, Srila

Prabhupada iniciou milhares de discípulos

e escreveu, além dos seus livros, cinco mil

cartas que hoje estão disponíveis em forma

de livros, para seus seguidores.

Srila Prabhupada faleceu em Vrindavan,

Índia, no ano de 1977. Seus discípulos

continuam levando adiante o movimento

que ele iniciou e a mensagem que ele

trouxe da Índia para o Ocidente.‖

(https://pt.wikipedia.org/wiki/Bhaktivedant

a_Swami_Prabhupada)

[3]

―A religião no Antigo Egito refere-se ao

complexo conjunto de crenças religiosas e

rituais praticados no Antigo Egito. Não

existiu propriamente uma religião egípcia,

pois as crenças - frequentemente

diferentes de região para região - não

eram a parte mais importante, mas sim o

culto aos deuses, que eram considerados

Page 52: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

52

os donos legítimos do solo, terra que

tinham governado no passado distante.

Este conjunto de crenças foi praticado no

antigo Egito desde o período pré-dinástico,

cerca de 3000 anos a.C., até o surgimento

do cristianismo. Inicialmente, era uma

religião politeísta por crer em várias

divindades, como forças da natureza. Com

o passar dos séculos, a crença se

diversificou, sendo considerada henoteísta,

porque acreditava em uma divindade

criadora do universo, tendo outras forças

independentes, mas não iguais em poder a

este. Também pode ser considerada

monoteísta, pois tinha a crença em um

único deus, as outras divindades eram

neteru (plural de neter), participantes da

criação e manutenção da realidade, mas

ainda assim inferiores em poder ao grande

Ser supremo. Amenófis IV instaurou o

monoteísmo, que fenece

As fontes para o estudo da antiga religião

egípcia são variadas: templos, pirâmides,

estátuas, túmulos e textos. Em relação às

fontes escritas, os egípcios não deixaram

obras que sistematizassem, de forma clara

e organizada, as suas crenças. Em geral,

Page 53: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

53

os investigadores modernos centram seu

estudo em três obras principais: o Livro

das Pirâmides, o Livro dos Sarcófagos e o

Livro dos Mortos.

O Livro das pirâmides de Sacará. Do

ponto de vista cronológico, situam-se na

época da V dinastia;

O Livro dos Sarcófagos, uma recolha de

textos escritos em caracteres hieroglíficos

cursivos no interior de sarcófagos de

madeira da época do Império Médio, tinha

também como função ajudar os mortos no

outro mundo;

Por último, o Livro dos Mortos, que

inclui os textos das obras anteriores, para

além de textos originais, datando do

Império Novo. Esta obra era escrita em

rolos de papiro pelos escribas e vendida às

pessoas para ser colocada nos túmulos.

Outras fontes escritas são os textos dos

autores gregos e romanos, como os relatos

de Heródoto (século V a.C.) e Plutarco

(século I d.C.).

Divindades

Page 54: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

54

As várias divindades egípcias existentes

caracterizavam-se pela sua capacidade de

estar em vários locais ao mesmo tempo e

de sobreviver a ataques. A maioria delas

era benevolente, com exceção de algumas

divindades com personalidade mais

ambivalente como as deusas Sekhet e Mut.

Um deus poderia também assumir várias

formas e possuir outros nomes. O exemplo

mais claro é o da divindade solar Rá, que

era conhecido como Kepra, representado

como um escaravelho, quando era o sol da

manhã. Recebia o nome de Atom

enquanto sol do entardecer, sendo visto

como velho e curvado, um deus esperado

pelos mortos, que se aquecem com os seus

raios. Durante o dia, Rá anda pela Terra

como um falcão. Estes três aspectos e

outros setenta e dois são invocados numa

ladainha sempre na entrada dos túmulos

reais.

Estas divindades eram agrupadas de

várias maneiras, como em grupos de nove

deuses (as Enéades), de oito deuses (as

Ogdóades), ou de três deuses (tríades). A

principal Enéade era a da cidade de

Page 55: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

55

Heliópolis, presidida pela divindade solar

Rá.

Cosmologia e criação

O princípio do universo é a formação

única de Deus, que não se fez do nada, e

sim, autocriou seus aspectos. Os aspectos

de Deus, como dito anteriormente,

chamam-se neteru (no singular: neter no

masculino e netert no feminino). Tudo

vem a início de um líquido infinito

cósmico chamado Nun (Nu ou Ny): este é

o "ser subjetivo". Quando esse líquido se

autocria e torna-se real, é Atum, o "ser

objetivo". Essa passagem é semelhante à

passagem de inconsciente para consciente

do ser humano. Atum criou uma massa

única universal que deu origem a uma

explosão, porém pré-planejada. Atum

também tem o poder de "tornar-se a si

mesmo", que, segundo os antigos egípcios,

é algo muito complicado para um

humano, seria uma "obra divina". Mas

isto é o princípio da Terra. A oração para

a transformação de Atum é a seguinte:

Saudamos a vós, Atum!

Page 56: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

56

Saudamos a vós, aquele que torna a si

mesmo!

Vós sois em vosso nome o altíssimo!

Vós tornais em vosso nome Khepri, aquele

que se torna si mesmo!

Khepri é um nome dado ao primeiro neter

da Terra, Rá, o que é outra forma de

Atum. Para criar a Terra, Rá deu origem

ao Sol da manhã, enquanto o Sol da tarde

era Atum. Cuspiu Chu e Tefnut, que

deram origem a ar e a umidade. A seguir

outro texto de "obra divina":

Fui anterior aos dois anteriores que criei,

pois tinha prioridade sobre os dois

anteriores que criei.

Visto que meu nome é anterior ao deles,

porque os criei antes dos dois anteriores.

Os próximos neteru a serem gerados eram

Geb e Nut, que criaram os dois ambientes

da Terra: o céu e a terra (plana). Estes

Page 57: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

57

também deram origem aos quatro neteru

da vida: Osíris, Ísis, Seth e Néftis. Osíris

criou a vida no além e todo o processo de

jornada até o céu. Ísis é responsável por

todos os seres vivos. Seth representa os

opostos, mas também coisas más, como

ódio e caos. Néftis representa o deserto, a

orientação, e o ato de morte. A história

desses quatro neteru é a origem do

próximo a ser gerado. Lembrando que as

próximas histórias são semelhantes aos

humanos porque esses neteru eram de

espécies bem próximas aos humanos.

Existem milhares de versões, no geral a

história é a seguinte: Osíris era o neter

que criou o ciclo de vida e morte, por isso

governava a terra. Seth, movido a inveja,

resolveu armar uma forma de matá-lo.

Então, de forma incerta, provavelmente

mostrando outra intenção, o trancafiou

em um caixão e jogou no Nilo para se

perder e ninguém nunca achar. Néftis

percebeu isso e avisou Ísis, quando

começaram a procurar e encontraram um

caixão, e recuperaram Osíris. Seth como

era uma forma do mal, esquartejou a

forma material de Osíris em 40 pedaços e

espalhou-os por todo o deserto e no Nilo.

Page 58: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

58

Ísis, depois de muito tempo, conseguiu

encontrar todos eles, exceto o pênis, que

foi devorado por três peixes. Então, Osíris

uniu-se a Ísis e gerou um filho, a primeira

ideia de "imaculada concepção", ela ficou

conhecida com "Virgem Ísis". O filho era

Hórus, o herdeiro que então lutou contra

Seth, perdendo um olho na batalha, mas

consegui vencê-lo. Esse olho ficou

conhecido como "Olho de Hórus", que foi

reconhecido como símbolo de proteção

pelos egípcios. A seguir uma oração

relacionada a isso:

Ó benevolente Ísis

que protegeu o seu irmão Osíris,

que procurou por ele incansavelmente,

que atravessou o país enlutada,

e nunca descansou antes de tê-lo

encontrado.

Ela, que lhe proporcionou sombra com

suas asas

Page 59: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

59

e lhe deu ar com suas penas,

que se alegrou e levou o seu irmão para

casa.

Ela, que reviveu o que, para o

desesperançado, estava morto,

que recebeu a sua semente e concebeu um

herdeiro,

e que o alimentou na solidão,

enquanto ninguém sabia quem era...

Hórus também era conhecido como o

"salvador da humanidade". Depois disso,

Seth se tornou um neter menor.

Também há histórias dizendo que Hórus

encarnou na terra e mostrou

ensinamentos à humanidade. Ele seria

guiado pela estrela Sirius e presenteado

em seu nascimento por três reis, que

seriam representados pelas Três Marias.

Também fez milagres na terra, como

andar sobre as águas do Nilo. Em outra

versão, teria ressuscitado um homem

Page 60: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

60

chamado El-Azar-Us. Foi morto pelo

faraó (por inveja deste) e também teria

ressuscitado alguns dias depois. Fora da

terra, teria se casado com Hator.

Os templos

Pilone do Templo de Luxor

Os templos no Antigo Egito eram

entendidos como os locais onde residia a

divindade (hut-netjer, "casa do deus"),

que poderia ser acompanhada pela sua

família e por outras Divindades, sendo,

por isso, muito diferentes dos modernos

edifícios religiosos.

Os templos dos períodos mais antigos da

história do Antigo Egito, como o Império

Antigo e o Império Médio, não chegaram

em bom estado até aos dias de hoje, pelo

que são as construções do Império Novo e

da época ptolomaica que permitem o

conhecimento da estrutura dos templos.

Na estrutura "clássica" dos templos

egípcios podem ser distinguidas três

partes: o pátio, as salas hipóstilas e o

santuário.

À entrada de um templo, encontravam-se

obeliscos e estátuas monumentais, que

Page 61: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

61

antecediam o pilone. Nos templos do

Império Novo, é comum a existência de

uma avenida de acesso ladeada por

esfinges com corpo de leão e cabeça de

carneiro (que se acreditava protegerem o

templo e o deus), na qual desfilava a

procissão em dias de festa.

Um pilone era uma porta monumental

composta por duas torres em forma de

trapézio, entre as quais se situava a

entrada propriamente dita. Nas paredes do

pilone, representavam-se as divindades ou,

muitas vezes, a cena clássica na qual se vê

o faraó a atacar os inimigos do Egito.

Passado o pilone, existia uma grande pátio

(uba), a única zona acessível ao público,

onde a estátua da Divindade era mostrada

nos dias de festa. O pátio era rodeado por

colunas e possuía por vezes um altar

(aba), onde se efetuavam os sacrifícios.

Este pátio precedia uma sala hipostila (ou

seja, uma sala de colunas), mais ou menos

imersa na escuridão, que antecedia outros

salas onde se guardavam a mesa de

oferendas e a barca sagrada. Finalmente,

achava-se o santuário do deus (kari). Se os

Page 62: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

62

faraós entendessem ampliar um templo

construíam-se novas salas, átrios e

pilones.

Os templos mais importantes poderiam

possuir um lago sagrado, nilómetros, per

ankh (casas de vida), armazéns e locais

para a residência dos sacerdotes.

Pilone do Templo de Edfu visto desde o

pátio

O culto nos templos

Teoricamente, o rei egípcio tinha o dever

de realizar a liturgia em cada templo. Uma

vez que era fisicamente impossível para o

rei estar presente em todos os templos que

existiam no Egito, o soberano nomeava

representantes para realizar as cerimónias

a Deus. Os reis só visitavam os templos em

ocasiões especiais associadas a festivais, o

que não impedia que fossem representados

nos templos fazendo oferendas às

Divindades.

A vida nos templos seguia o curso da vida

normal. Antes do nascer do sol, abatiam-

se os animais que seriam oferecidos as

Divindades. Os sacerdotes purificavam-se

com água, e, vestidos com trajes brancos,

Page 63: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

63

entravam em procissão no templo. No

pátio do templo, os sacerdotes

apresentavam as suas oferendas e

queimavam incenso. Um sacerdote dirigia-

se ao santuário da divindade, uma sala

especialmente consagrada, localizada na

parte mais reservada do templo. Aqui, o

sacerdote acendia um archote e abria o

naos, tabernáculo onde se guardava a

estátua da Divindade. O sacerdote

apresentava-se à divindade e anunciava

vir cumprir os seus deveres. Limpava o

tabernáculo, queimava incenso, lavava a

estátua e aplicava sobre ela óleos, vestia-a,

maquilhava-a e colocava-lhe a coroa.

Terminado este processo, o sacerdote

colocava a estátua no naos, abandonando

a sala e apagando o archote e as pegadas

que havia feito. Ao meio-dia, poderia ser

feita uma nova cerimónia na qual se

ofereciam alimentos.

Sacerdotes

Sacerdotes vestidos com pele de leopardo

realizam rituais de purificação. Túmulo de

Userhat. XIX Dinastia.

No Antigo Egito, não existiu uma

estrutura sacerdotal centralizada; cada

Divindade possuía um grupo de homens e

Page 64: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

64

mulheres dedicados ao seu culto. O termo

mais comum para designar um sacerdote

em egípcio era hem-netjer, o que significa

"Servo de Deus".

Não se sabe em que época da história

egípcia se estruturou o grupo sacerdotal.

Na época do Império Antigo, os sacerdotes

não estavam ainda organizados em corpos

fixos como sucederia no Império Novo. De

acordo com os Textos das Pirâmides,

datados do Império Antigo, os reis tinham

cinco refeições diariamente: três no céu e

duas na terra; estas últimas estavam a

cargo dos sacerdotes funerários.

As fontes do Império Novo mostram que

os sacerdotes estavam organizados em

quatro grupos (em grego: phyles), cada

um dos quais trabalhava durante um mês

cada três meses. Durante os oito meses

que tinham livres, os sacerdotes levavam

uma vida comum inserida na comunidade,

junto das suas esposas e filhos.

O clero egípcio estava estruturado de

forma hierárquica. O rei era, em teoria, o

líder de todos os cultos egípcios, mas,

como já foi referido, este delegava o seu

Page 65: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

65

poder a outro homem devidamente

preparado por Deus: o Sumo Sacerdote,

que, na hierarquia, era seguido do

segundo sacerdote, por sua vez seguido do

terceiro e quarto sacerdotes. O grupo

seguinte era o dos "pais divinos" e "dos

"puros". Existiam também os sacerdotes

leitores, os que calculavam o momento

ideal para realizar uma determinada

cerimónia através da observação do sol

("horólogos") e os que determinavam os

dias fastos e nefastos ("horóscopos").

Finalmente, pode distinguir-se um grupo

dedicado aos serviços de manutenção do

templo (imiu-seté).

As mulheres também trabalhavam nos

templos seguindo o mesmo regime de

rotatividade dos homens. Frequentemente,

estas mulheres eram esposas dos

sacerdotes. As mulheres poderiam ser

cantoras (chemait), músicas (hesit) ou

dançarinas (khebait). Durante o Império

Antigo e o Império Novo, muitas mulheres

da classe abastada serviram a deusa

Hathor. No culto de Amon, o cargo mais

importante ocupado por mulheres era o de

"Adoradora Divina". As mulheres que

Page 66: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

66

ocuparam este cargo foram filhas ou

irmãs do faraó governante.‖

(https://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%

A3o_no_Antigo_Egito)

[4]

―Krishna ou Críxena (em sânscrito: ,

pronunciado K a ou kr ) no

hinduísmo, é um avatar ou manifestação

de Brâma, Vishnu e Shiva, os três nomes

da divindade. Considerado o oitavo avatar

de Vishnu, é uma das divindades mais

cultuadas em toda a Índia possivelmente

por ser o interlocutor de Arjuna no

Bhagavad-Gitā e pelas comunidade Hare

Krishna de seus seguidores.

Krishna é muitas vezes descrito e retratado

como uma criança comendo manteiga, um

jovem rapaz tocando uma flauta como no

Bhagavata Purana, :56 ou como um

ancião que dá direção e orientação como

no Bhagavad Gita. :15 As histórias de

Krishna aparecem em várias tradições

filosóficas e teológicas hindus que o

retratam de vários modos: um deus-

criança, um brincalhão, um modelo de

amante, um herói divino e o Ser

Page 67: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

67

Supremo[7] As escrituras principais que

discutem a história de Krishna são o

Mahabharata, o Harivamsa, o Bhagavata

Purana e o Vishnu Purana.

Nome e títulos

A palavra em sânscrito k a é

essencialmente um adjetivo que significa

"negro", "azul" ou "azul-escuro". Como

um substantivo feminino, k a é usado

no sentido de "noite", "escuridão" no

Rigveda. Krishna é um nome de Deus que

significa "o todo atraente", a Verdade

absoluta.

O Mahabharata (Udyogaparva 71.4)

analisa a palavra K ishna da seguinte

maneira:

krishir bhu-vacakah sabdo nas ca

nirvriti-vacakah

tayor aikyam param brahma krishna ity

abhidhiyate

A palavra 'krish' é a característica atrativa

da existência divina, e 'na' significa

'prazer espiritual.' Quando o verbo 'krish'

é adicionado ao 'na', ele se torna

Page 68: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

68

'krishna', que indica a Suprema Verdade

Absoluta.

Krishna também é conhecido por diversos

nomes, epítetos e títulos, que refletem suas

múltiplas qualidades e atividades. Entre os

mais usados, estão Hari ("Aquele que

tira" [pecados, ou que afasta samsara, o

ciclo de nascimentos e mortes]), Govinda

("Aquele que dá prazer às vacas, à Terra e

aos sentidos") e Gopala ("Protetor das

vacas" ou, mais precisamente, "Protetor

da vida").

Iconografia

Krishna é facilmente reconhecido por suas

representações artísticas. Sua pele é

retratada na cor preta ou azul-escura,

conforme descrito nas Escrituras, embora

em representações pictóricas modernas ele

geralmente seja mostrado com pele azul.

Ele aparece usando um dhoti de seda

amarelo e uma coroa de penas de pavão.

Representações comuns mostram-no como

um bebê, um menino ou um jovem.

Normalmente, está com uma perna

dobrada na frente da outra, levando uma

Page 69: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

69

flauta aos lábios, esboçando um sorriso

misterioso, e acompanhado por vacas.

A cena no campo de batalha de

Kurukshetra, nomeadamente quando se

dirige a Arjuna no Bhagavad Gita, é outro

tema comum para sua representação.

Nessas cenas, ele é mostrado como um

homem de dois braços atuando como

cocheiro, ou com as típicas características

da arte religiosa hindu (tais como braços

ou cabeças múltiplas) e com atributos de

Vishnu, como o chakra.

Biografia

Este resumo se baseia no Mahabharata,

no Harivamsa, no Bhagavata Purana e no

Vishnu Purana . Os fatos narrados

ocorreram no norte da Índia, a maior

parte nos atuais estados de Uttar Pradesh,

Bihar, Haryana, Deli e Gujarat.

Nascimento e infância

Yashoda, a mãe adotiva de Krishna,

adornando-o, em pintura de Raja Ravi

Varma (1848-1906)

De acordo com o Bhagavata Purana,

Krishna nasceu sem uma união sexual,

mas por meio da "transmissão mental"

Page 70: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

70

ióguica da mente de Vasudeva no ventre

de Devaki. Baseado em dados das

escrituras e cálculos astrológicos, a data

de nascimento de Krishna, conhecida

como Janmastami, é o dia 18 de julho de

3228 a.C. Krishna pertencia ao clã Vrishni

dos Yadavas, de Mathura, capital dos clãs

Vrishni, Andhaka e Bhoja. Foi o oitavo

filho da princesa Devaki e seu marido

Vasudeva

O rei Kamsa subiu ao trono após mandar

prender o próprio pai, Ugrasena (rei da

dinastia Bhoja). Kamsa é tido como um

grande demônio, que pertencia à classe

dos Kshatriyas, mas que, de algum modo,

havia se desviado do Dharma universal.

No caminho que conduzia os noivos até a

nova casa, Kamsa escutou uma voz que

dizia que o oitavo filho de Devaki iria levá-

lo à morte. Imediatamente fez menção de

matar Devaki, mas Vasudeva implorou

pela vida da esposa, prometendo que cada

filho que nascesse, seria levado à presença

de Kamsa.

Receoso, mandou prender Vasudeva e a

esposa no porão do castelo, sendo vigiados

Page 71: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

71

dia e noite por guardas. Cada filho do

casal que nascia era morto por Kamsa,

que mesmo sabendo que a profecia se

cumpriria apenas no oitavo filho, não

tinha piedade de nenhum e matava a

todos.

Kamsa havia sido alertado por Narada

Muni que, em breve, Vishnu nasceria na

família de Vasudeva. Soube também,

através deste sábio, que, em uma

encarnação anterior, Kamsa havia sido

um demônio chamado Kalanemi que tinha

sido morto por Vishnu.

Conta a tradição védica que Kamsa,

temendo que Vishnu nascesse em

qualquer uma das famílias do reino,

mandou matar todos os meninos com até

dois anos de idade, a fim de evitar o

cumprimento da profecia.

E foi então que o oitavo filho de Devaki

nasceu - Bhagavan Sri Krishna. O local

do nascimento é conhecido atualmente

como Krishnajanmabhoomi, onde um

templo foi erguido em honra. Como sua

vida corria risco na prisão, foi tirado da

Page 72: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

72

prisão e entregue aos pais adotivos

Yashoda e Nanda em Gokula.

Juventude

Nanda, pai adotivo de Krishna, era o líder

de uma comunidade de pastores de gado.

As histórias da infância e juventude

contam a vida e relação com as pessoas da

região. Uma dessas histórias conta que

Kamsa, descobrindo que ele havia sido

libertado da prisão, enviou vários

demônios para impedir que isso

acontecesse. Todos falharam. São muitas

as façanhas de Krishna e as aventuras

com as Gopis da vila, incluindo Radha,

aventuras estas que se tornaram

conhecidas como Rasa lila.

Krishna, o Príncipe

Krishna, então um jovem homem, retorna

para Mathura, acaba com o governo de

Kamsa, e institui o pai, Vasudeva, que

havia sido aprisionado por Kamsa, como

rei de Yadavas. Em seguida declarou a si

mesmo príncipe da corte. Neste período,

iniciou a amizade com Arjuna e outros

príncipes de Pandava do reino de Kuru.

Casou-se com Rukmini, filha do rei

Bishmaka de Vidarbha. Ele também teve

Page 73: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

73

150 mil esposas, incluindo Satyabhama e

Jambavati.

A guerra de Kurukshetra

Ver artigo principal: Guerra de

Kurukshetra

Krishna possuía primos em ambos os

lados na guerra entre os Pandavas e os

Kauravas, porém ele tomou o lado dos

Pandavas e concordou em ser o cocheiro

da carruagem de Arjuna - o primo e

grande amigo - na batalha decisiva. O

Bhagavad Gita consiste nos conselhos

dados por Krishna a Arjuna, antes do

início do combate.

Últimos dias

Segundo o Mahabharata, a Batalha de

Kurukshetra resultou na morte de todos os

cem filhos de Gandhari. Na noite antes da

morte de Duryodhana, o Senhor Krishna

visitou Gandhari para oferecer suas

condolências. Pressentindo que Krishna

conscientemente não tinha posto fim à

guerra, Gandhari teve um acesso de raiva

e tristeza, e amaldiçoou Krishna e toda a

dinastia dos Yadu a morrerem no prazo de

36 anos.

Page 74: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

74

Em um festival, uma briga começou entre

os Yadavas, que exterminaram uns aos

outros. Balarama, o irmão mais velho de

Krishna, entregou conscientemente o

corpo usando yoga. Krishna se retirou

para a floresta e sentou-se debaixo de uma

árvore em meditação. Um caçador

chamado Jara confundiu o pé

parcialmente visível de Krishna com um

veado, e atirou uma flecha ferindo-o

mortalmente.

De acordo com os eruditos vaishnavas, o

corpo de Krishna é completamente

espiritual, e não seria corruptível nem

sujeito à morte e à deterioração. Mesmo

assim, na execução de seus passatempos

terrenos, ele "aparenta" nascer e morrer

como uma pessoa comum.

Ao ver que tinha ferido Krishna, o caçador

ficou muito perturbado e pediu perdão.

Krishna então respondeu-lhe: "Você era

Vali em seu nascimento anterior, e eu era

Rama, que o matei secretamente. Você

queria se vingar, e, assim, neste meu

aparecimento, estou cumprindo seu

desejo; tudo isso fazia parte do meu

Page 75: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

75

plano". Dizendo isso, Krishna partiu para

Goloka, sua morada celestial.

Segundo as Escrituras hindus, o

desaparecimento de Krishna ocorreu na

meia-noite de 17 para 18 de fevereiro de

3102 a.C. e marca o fim de Dwapara Yuga

e o início de Kali Yuga, a era da hipocrisia

e das desavenças. Devido à presença de

Krishna no planeta, o demônio Kali não se

atreveu a manifestar-se com toda a sua

força. Mas neste mesmo dia, Kali entra no

mundo na forma do delito de ferir uma

vaca - justamente o animal preferido de

Krishna.

Devoção a Krishna

Segundo o Srimad Bhagavatam, Krishna é

a forma original de Deus, superior a todas

as outras expansões divinas, já que todas

emanam dele. Krishna é um ser eterno,

sem nascimento nem morte, que adotou

uma manifestação temporária na terra

para poder agraciar seus devotos e

aniquilar os demônios - mas que

simultaneamente está presente

eternamente em seu planeta espiritual.

Gita Govinda

Page 76: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

76

Vários trabalhos foram importantes na

difusão da devoção a Krishna,

especialmente o Gita Govinda, escrito por

Jayadeva Goswami na Índia oriental, no

século XII. Trata a respeito da relação

íntima de Krishna com uma gopi em

particular, Radharani (que no

Mahabharata teve papel secundário).

Movimentos recentes de Krishna-bhakti

Derivações posteriores das primeiras

tradições de devoção a Krishna incluem a

que foi promovida pelo santo bengali

Caitanya Mahaprabhu, no século XVI.

Seus seguidores consideram-no uma

encarnação de Krishna e Radharani num

só corpo. Vários movimentos pertencem a

esta tradição, entre eles o Movimento Hare

Krishna.

Fundado em nova York pelo guru indiano

Bhaktivedanta Swami Prabhupada em

1966, o Movimento Hare Krishna é o

principal responsável pela disseminação

contemporânea da figura de Krishna no

Ocidente.‖

(https://pt.wikipedia.org/wiki/Krishna)

[5]

Page 77: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

77

―O estoicismo (do grego Στωικισμός) é

uma escola de filosofia helenística

fundada em Atenas por Zenão de Cício no

início do século III a.C. Os estoicos

ensinavam que as emoções destrutivas

resultam de erros de julgamento, e que um

sábio, ou pessoa com "perfeição moral e

intelectual", não sofreria dessas emoções.

O estoicismo afirma que todo o universo é

corpóreo e governado por um Logos

divino (noção que os estoicos tomam de

Heráclito de Éfeso e desenvolvem). A alma

está identificada com este princípio divino

como parte de um todo ao qual pertence.

Este logos (ou razão universal) ordena

todas as coisas: tudo surge a partir dele e

de acordo com ele, graças a ele o mundo é

um kosmos (termo grego que significa

"harmonia").

Busto de Zenão de Cítio (334 a.C. - 262

a.C.), fundador do estoicismo, em Atenas,

na Grécia

O estoicismo propõe se viver de acordo

com a lei racional da natureza e aconselha

a indiferença (apathea) em relação a tudo

que é externo ao ser. O homem sábio

obedece à lei natural, reconhecendo-se

Page 78: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

78

como uma peça na grande ordem e

propósito do universo, devendo, assim,

manter a serenidade perante tanto as

tragédias quanto as coisas boas. A partir

disso, surgem duas consequências éticas:

primeiro, deve-se "viver conforme a

natureza". Mas, sendo a natureza

essencialmente o logos, essa máxima é

prescrição para se viver de acordo com a

razão. Sendo a razão aquilo por meio do

que o homem torna-se livre e feliz, o

homem sábio não apreende o seu

verdadeiro bem nos objetos externos, mas

usando estes objetos através de uma

sabedoria pela qual não se deixa

escravizar pelas paixões e pelas coisas

externas.

Os estoicos preocupavam-se com a relação

activa entre o determinismo cósmico e a

liberdade humana, e com a crença de que

é virtuoso manter uma vontade

(denominada prohairesis) que esteja de

acordo com a natureza. Por causa disso,

os estoicos apresentaram a sua filosofia

como um modo de vida, e pensavam que a

melhor indicação da filosofia de uma

pessoa não era o que teria dito mas como

se teria comportado.

Page 79: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

79

Estoicos mais tardios, como Séneca e

Epicteto, enfatizaram que porque a

"virtude é suficiente para a felicidade",

um sábio era imune aos infortúnios. Esta

crença é semelhante ao significado de

"calma estoica", apesar de essa expressão

não incluir as visões "éticas radicais"

estoicas de que apenas um "sábio" pode

ser verdadeiramente considerado livre, e

que todas as corrupções morais são

igualmente viciosas. O estoicismo

floresceu na Grécia com Cleantes de Assos

e Crisipo de Solis, sendo levado a Roma no

ano 155 a.C. por Diógenes de Babilônia.

Ali, seus continuadores foram Marco

Aurélio, Séneca, Epiteto e Lucano.

Busto de Crisipo de Solis (c. 279 a.C. - c.

206 a.C.)

O estoicismo foi uma doutrina que

sobreviveu todo o período da Grécia

Antiga, até o Império Romano, incluindo

a época do imperador Marco Aurélio, até

que todas as escolas filosóficas foram

encerradas em 529 por ordem do

imperador Justiniano I, que percepcionou

as suas características pagãs, contrárias à

fé cristã.

Page 80: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

80

A escola estoica preconizava a indiferença

à dor de ânimo causada pelos males e

agruras da vida. Reunia seus discípulos

sob pórticos ("stoa", em grego) situados

em templos, mercados e ginásios. Foi

bastante influenciada pelas doutrinas

cínica e epicurista, além da influência de

Sócrates.

Princípios básicos do estoicismo

Cquote1.svg A filosofia não visa a

assegurar qualquer coisa externa ao

homem. Isso seria admitir algo que está

além de seu próprio objeto. Pois assim

como o material do carpinteiro é a

madeira, e o do estatuário é o bronze, a

matéria-prima da arte de viver é a própria

vida de cada pessoa. Cquote2.svg

— Epiteto

Os estoicos apresentavam uma visão

unificada do mundo consistindo de uma

lógica formal, uma física não dualista e

uma ética naturalista. Dentre estes, eles

enfatizavam a ética como o foco principal

do conhecimento humano, embora suas

teorias lógicas fossem de mais interesse

para os filósofos posteriores.

Page 81: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

81

Busto de Sêneca (4 a.C. - 65) em Córdoba,

na Espanha

O estoicismo ensina o desenvolvimento do

autocontrole e da firmeza como um meio

de superar emoções destrutivas. Defende

que tornar-se um pensador claro e

imparcial permite compreender a razão

universal (logos). Um aspecto

fundamental do estoicismo envolve a

melhoria da ética do indivíduo e de seu

bem-estar moral: "A virtude consiste em

um desejo que está de acordo com a

natureza". Este princípio também se

aplica ao contexto das relações

interpessoais; "libertar-se da raiva, da

inveja e do ciúme" e aceitar até mesmo os

escravos como "iguais aos outros homens,

porque todos os homens são igualmente

produtos da natureza".

A ética estoica defende uma perspectiva

determinista. Com relação àqueles que

não têm a virtude estoica, Cleanto uma vez

opinou que o homem ímpio é "como um

cão amarrado a uma carroça, obrigado a

ir para onde ela vai". Já um estoico de

virtude, por sua vez, alteraria a sua

vontade para se adequar ao mundo e

Page 82: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

82

permanecer, nas palavras de Epicteto,

"doente e ainda feliz, em perigo e ainda

assim feliz, morrendo e ainda assim feliz,

no exílio e feliz, na desgraça e feliz",

assim afirmando um desejo individual

"completamente autónomo" e, ao mesmo

tempo, um universo que é "um todo

rigidamente determinista".

Retrato de Epiteto (55 - 135) na capa de

uma tradução inglesa de 1751 do Manual

de Epiteto

O estoicismo tornou-se a filosofia mais

popular entre as elites educadas do mundo

helenístico e do Império Romano, a ponto

de, nas palavras de Gilbert Murray,

"quase todos os sucessores de Alexandre

[...] declararem-se estoicos."

História

Por volta de 301 a.C., Zenão de Cítio

ensinou filosofia no Pórtico Pintado, lugar

a partir do qual o nome da filosofia se

originou. Ao contrário de outras escolas

de filosofia, como a dos epicuristas, Zenão

escolheu ensinar a sua filosofia num

espaço público, que era uma colunata com

vista para o local central de manifestação

da opinião pública, a Ágora de Atenas.

Page 83: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

83

As ideias de Zenão desenvolveram-se a

partir do cinismo, cujo fundador,

Antístenes, foi um discípulo de Sócrates. O

seguidor mais influente de Zenão foi

Crisipo de Solis, responsável pela

moldagem do que actualmente é

denominado estoicismo. Estoicos

posteriores, da época do Império Romano,

focaram o aspecto da promoção de uma

vida em harmonia com o universo, sobre o

qual não se tem controlo directo.

Os académicos dividem, normalmente, a

história de estoicismo em três fases:

A primeira (estoicismo antigo)

desenvolveu-se no século III a.C., com

Zenão de Cítio, Cleanto, Crisipo de Solis e

Antíprato de Tarso, se preocupando com a

lógica, a física, a metafísica e a moral.

Na segunda (estoicismo médio), o

pensamento estoico combinou-se com o

espírito romano. Foi representado por

Panécio de Rodes (180 a.C. - 110 a.C.) e

Possidónio (135 a.C. - 51 a.C.).

A terceira (estoicismo imperial ou novo

estoicismo), com representantes como:

Caio Musónio Rufo, Séneca (nascido no

Page 84: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

84

início da era cristã e falecido em 65 d.C.,

Epicteto (50 d.C. - 125 d.C.) e Marco

Aurélio (121 d.C. - 180 d.C.), que foi

imperador romano em 161 d.C. As obras

de Séneca, Epicteto e Marco Aurélio

propagaram o estoicismo no mundo

ocidental. A última época do estoicismo,

ou período romano, caracteriza-se pela

sua tendência prática e religiosa,

fortemente acentuada como se verifica nos

"Discursos" e no "Enchiridion" de

Epiteto e nos "Pensamentos" ou

"Meditações" de Marco Aurélio.

Não sobreviveu, até a actualidade,

qualquer obra completa de um filósofo

estoico das duas primeiras fases. Apenas

textos romanos da última fase nos

chegaram completos.

Epistemologia

Os estoicos acreditavam que o

conhecimento pode ser atingido através do

uso da razão. A verdade pode ser

distinguida da falácia, mesmo que, na

prática, apenas uma aproximação possa

ser efetuada. De acordo com os estoicos,

os sentidos recebem constantemente

sensações: pulsações que passam dos

Page 85: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

85

objectos através dos sentidos em direcção

à mente, onde deixam uma impressão na

imaginação (phantasia). Uma impressão

originária da mente era designada de

phantasma.

A mente tem a capacidade de julgar

(sunkatathesis) — aprovar ou rejeitar —

uma impressão, permitindo que possa ser

feita uma distinção entre uma verdadeira

representação da realidade de uma falsa.

Algumas impressões podem ter um

assentimento imediato, enquanto que

outras podem apenas atingir diferentes

graus de aprovação hesitante, que podem

ser chamadas de crenças ou opiniões

(doxa). É apenas através da razão que

podemos atingir uma clara compreensão e

convicção (katalepsis). A certeza e o

conhecimento verdadeiro (episteme),

alcançável pelo sábio estoico, podem

apenas ser atingidos pela verificação da

convicção com a experiência dos pares e

pelo julgamento colectivo da humanidade.

Cquote1.svg Produz para ti próprio uma

definição ou descrição da coisa que te é

apresentada, de modo a veres de maneira

distintiva que tipo de coisa é na sua

substância, na sua nudez, na sua completa

Page 86: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

86

totalidade, e diz a ti próprio é seu nome

apropriado, e os nomes das coisas de que

foi composta, e nas quais irá resultar. Pois

nada é mais produtivo para a elevação da

alma, como ser-se capaz de examinar

metódica e verdadeiramente cada objecto

que te é apresentado na tua vida, e sempre

observar as coisas de modo a ver ao

mesmo tempo que universo é este, e que

tipo de uso tudo nele realiza, e que valor

todas as coisas têm em relação com o todo.

Cquote2.svg

— Marco Aurélio

Filosofia social

Uma característica distintiva do estoicismo

é o seu cosmopolitismo: todas as pessoas

seriam manifestações do espírito universal

único e deveriam, de acordo com os

estoicos, em amor fraternal, ajudarem-se

uns ao outros de maneira eficaz. Nos

Discursos, Epicteto comenta sobre a

relação do ser humano com o mundo:

"cada ser humano é, primeiro, um

cidadão da sua comunidade; mas também

é membro da grande cidade dos homens e

deuses..." Este sentimento ecoa o de

Diógenes de Sínope, que disse "Eu não

Page 87: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

87

sou nem ateniense nem coríntio, mas um

cidadão do mundo."

Apoiavam a ideia de que as diferenças

externas, como status e riqueza, não são

importantes nas relações sociais. Em vez

disso, advogavam a irmandade da

humanidade e a natural igualdade do ser

humano. O estoicismo tornou-se a mais

influente escola do mundo greco-romano.

O estoicismo produziu uma grande

quantidade de escritores e personalidades

de renome, como Catão, o Jovem e

Epicteto.

Em particular, os estoicos eram notados

pela sua defesa à clemência aos escravos.

Séneca exortava: "Lembra-te, com

simpatia, de que aquele a quem chamas de

escravo veio da mesma origem, os mesmos

céus lhe sorriem, e, em iguais termos,

contigo respira, vive e morre."

(https://pt.wikipedia.org/wiki/Estoicismo)

[6]

―Hinduísmo é uma tradição religiosa que

se originou no subcontinente indiano. É

frequentemente chamado de Sanātana

Page 88: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

88

Dharma ( ) por seus

praticantes, frase em sânscrito que

significa "a eterna (perpétua) dharma

(lei)". Num sentido mais abrangente, o

hinduísmo engloba o bramanismo, isto é,

a crença na "Alma Universal", Brâman;

num sentido mais específico, o termo se

refere ao mundo cultural e religioso,

ordenado por castas, da Índia pós-

budista.De acordo com o livro História das

Grandes Religiões, "o hinduísmo é um

estado de espírito, uma atitude mental

dentro de seu quadro peculiar,

socialmente dividido, teologicamente sem

crença, desprovido de veneração em

conjunto e de formalidades eclesiásticas

ou de congregação: e ainda substitui o

nacionalismo". Entre as suas raízes está a

religião védica da Idade do Ferro na Índia

e, como tal, o hinduísmo é citado

frequentemente como a "religião mais

antiga", a "mais antiga tradição viva" ou

a "mais antiga das principais tradições

existentes".

É formado por diferentes tradições e

composto por diversos tipos, e não possui

um fundador. Estes tipos de sub-tradições

Page 89: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

89

e denominações, quando somadas, fazem

do hinduísmo a terceira maior religião,

depois do cristianismo e do islamismo,

com aproximadamente um bilhão de fiéis,

dos quais cerca de 905 milhões vivem na

Índia e no Nepal. Outros países com

populações significativas de hinduístas são

Bangladesh, Sri Lanka, Paquistão,

Malásia, Singapura, ilhas Maurício, Fiji,

Suriname, Guiana, Trinidad e Tobago,

Reino Unido, Canadá e Estados Unidos.

O vasto corpo de escrituras do hinduísmo

se divide em shruti ("revelado") e smriti

("lembrado"). Estas escrituras discutem a

teologia, filosofia e a mitologia hinduísta,

e fornecem informações sobre a prática do

dharma (vida religiosa). Entre estes textos

os Vedas e os Upanixades possuem a

primazia na autoridade, importância e

antiguidade. Outras escrituras importantes

são os Tantras, os Ágamas, sectários, e os

Puranas (AFI: Purā as ), além dos

épicos Maabárata (AFI: Mahābhārata ) e

Ramáiana (AFI: Rāmāya a ). O

Bagavadguitá (AFI: Bhagavad Gītā ), um

tratado do Maabárata, narrado pelo deus

Críxena (Krishna), costuma ser definido

Page 90: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

90

como um sumário dos ensinamentos

espirituais dos Vedas.

Os hindus acreditam num espírito

supremo cósmico, que é adorado de muitas

formas, representado por divindades

individuais. O hinduísmo é centrado sobre

uma variedade de práticas que são vistos

como meios de ajudar o indivíduo a

experimentar a divindade que está em

todas as partes, e realizar a verdadeira

natureza de seu Ser. A teologia hinduísta

se fundamenta no culto aos avatares

(manifestações corporais) da divindade

suprema, Brâman. Particular destaque é

dado à Trimurti - uma trindade

constituída por Brama (Brahma), Xiva

(Shiva) e Vixnu (Vishnu).

Tradicionalmente o culto direto aos

membros da Trimurti é relativamente raro

- em vez disso, costumam-se cultuar

avatares mais específicos e mais próximos

da realidade cultural e psicológica dos

praticantes, como por exemplo Críxena

(Krishna), avatar de Vixnu e personagem

central do Bagavadguitá. Os hindus

cultuam cerca de 330 mil divindades

diferentes.

Page 91: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

91

Etimologia

Hindū é o nome em persa do rio Indo,

encontrado pela primeira vez na palavra

Hindu (h ndu) do persa antigo,

correspondente ao sânscrito védico

Sindhu. O Rigveda chama a terra dos

indo-arianos como Sapta Sindhu (a terra

dos sete rios no noroeste da Ásia

Meridional, um deles o Indo), que

corresponde ao Hapta H ndu no Avesta

(Vendidad or Videvdad, 1.18), escritura

sagrada do zoroastrianismo. O termo foi

utilizado para designar aqueles que viviam

no subcontinente indiano, ou para além do

"Sindhu".

O termo persa (persa médio Hindūk, persa

moderno Hindū) entrou na Índia pelo

Sultanato de Délhi e aparece nos textos do

sul da Índia, bem como da Caxemira, a

partir de 1323 d.C, e a partir daí é cada vez

mais utilizado, especialmente durante o

Raj britânico. Desde o fim do século XVIII

a palavra passou a ser usada no Ocidente

como um termo que abrange a maioria das

tradições religiosas, espirituais e culturais

do subcontinente, com a exceção do

Page 92: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

92

sikhismo, budismo e jainismo, religiões

distintas.

Divisões

O hinduísmo pode ser subdividido em

diversas correntes principais. Dos seis

darshanas ou divisões históricas originais,

apenas duas escolas, a vedanta e a ioga,

sobrevivem. As principais divisões do

hinduísmo hoje em dia são o vixnuísmo, o

xivaísmo, o smartismo e shaktismo. A

imensa maioria dos hindus atuais podem

ser categorizados sob um destes quatro

grupos, embora ainda existam outros,

cujas denominações e filiações variam

imensamente.

Alguns estudiosos dividem as correntes do

hinduísmo moderno em seus "tipos":

Hinduísmo popular, baseado nas

tradições locais e nos cultos das

divindades tutelares, praticado em nível

mais localizado;

Hinduísmo dármico ou "moral diária",

baseado na noção de carma, na astrologia,

nas normas de sociedade como o sistema

de castas, os costumes de casamentos.

Page 93: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

93

Hinduísmo vedanta, especialmente o

Advaita (smartismo), baseado nos

Upanixades e nos Puranas;

Bhakti, ou "devocionalismo",

especialmente o vixnuísmo;

Hinduísmo bramânico védico, tal como

é praticado pelos brâmanes

tradicionalistas, especialmente os

shrautins;

Hinduísmo iogue, baseado

especialmente nos Yoga Sutras de

Patandjáli. Com os principais templos

Hoysaleswara e Khajuraho.

Definições

Templo hinduísta em Mysore, Índia.

O hinduísmo não tem um "sistema

unificado de crenças, codificado numa

declaração de fé ou um credo", mas sim é

um termo abrangente, que engloba a

pluralidade de fenômenos religiosos que se

originaram e são baseados nas tradições

vêdicas.

Hindu é originalmente um termo persa,

em uso desde os tempos do Sultanato

Délhi, e que se referia a qualquer tradição

nativa da Índia, em contraste com o islã.

Page 94: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

94

Hindu é usado no inglês no sentido de

"pagão indiano" desde o século XVII,

porém a noção do hinduísmo como uma

tradição religiosa identificável,

qualificando uma das religiões do mundo,

surgiu apenas durante o século XIX.

A característica da tolerância

compreensiva às diferenças de credo e a

abertura dogmática do hinduísmo o torna

difícil de ser definido como uma religião

de acordo com o conceito ocidental

tradicional. Embora o hinduísmo seja um

conceito prático claro para a maior parte

de seus seguidores, muitos manifestam

algum tipo de problema ao tentar chegar a

uma definição do termo, principalmente

devido à ampla gama de tradições e ideias

incorporadas ou cobertas por ele. Embora

seja descrito como uma religião, o

hinduísmo costuma ser definido com mais

frequência como uma 'tradição religiosa'.

É descrito como a mais antiga das

religiões mundiais, e mais diversa em

tradições religiosas.

A maior parte das tradições hindus

reverenciam um corpo de literatura

sagrada ou religiosa, os Vedas, embora

Page 95: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

95

existem exceções; algumas tradições

religiosas acreditam que certos rituais

específicos sejam essenciais para a

salvação, mas diversos pontos de vista

sobre o assunto podem coexistir. Algumas

filosofias hindus postulam uma ontologia

teística da criação, sustento e destruição

do universo, enquanto outros hindus são

ateus. O hinduísmo por vezes é

caracterizado pela crença na

reencarnação (samsara), determinada pela

lei do karma (karma), e que a salvação é a

liberdade deste ciclo de sucessivos

nascimentos e mortes; outras religiões da

região, no entanto, como o budismo e o

jainismo, também acreditam nisto, mesmo

estando fora do escopo do hinduísmo. O

hinduísmo é visto como a mais complexa

de todas as religiões históricas vivas do

mundo, porém a despeito desta

complexidade é não apenas

numericamente a maior delas, como

também a mais antiga tradição em

existência na Terra, com raízes que se

estendem até a pré-história.

Uma definição do hinduísmo dada pelo

primeiro vice-presidente da Índia, o

reputado teólogo Sarvepalli

Page 96: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

96

Radhakrishnan, diz que ele não é "apenas

uma fé", mas que, por estar ele próprio

relacionado à união da razão e intuição,

não pode ser definido, apenas

experimentado.[30] De maneira similar,

alguns acadêmicos sugerem que o

hinduísmo pode ser visto como uma

categoria com seus limites pouco

definidos, e não uma entidade rígida e

bem-definida. Algumas formas de

expressão religiosa são centrais ao

hinduísmo, enquanto outras não são tão

centrais, porém ainda enquadram-se

dentro da categoria; com base nisto

desenvolveram-se algumas teorias acerca

da definição do hinduísmo, como a 'teoria

dos protótipos'.

Os problemas com uma única definição do

que realmente se quer dizer pelo termo

'hinduísmo' frequentemente são atribuídas

ao fato de que o hinduísmo não tem um

fundador histórico único ou comum. O

hinduísmo ou, como alguns dizem,

'hinduísmos', não tem um sistema único

de salvação, e apresenta diferentes metas

de acordo com a seita ou denominação. As

formas da religião vêdica são vistos não

como uma alternativa ao hinduísmo, mas

Page 97: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

97

como a sua forma mais antiga, e

praticamente não há justificativa para as

divisões estabelecidas pela maior parte dos

acadêmicos ocidentais entre o vedismo, o

bramanismo e o próprio hinduísmo.

Uma possível definição de hinduísmo é

ainda mais complicada pelo uso frequente

do termo "fé" como sinônimo para

"religião". Alguns acadêmicos e diversos

praticantes se referem ao hinduísmo com

uma definição nativa, como 'Sanātana

Dharma', uma frase em sânscrito que

significa "a eterna lei" ou "eterno

caminho".

Crenças

Escultura no templo de Hoysaleswara

representando a Trimurti: Brahma, Shiva

e Vishnu.

O hinduísmo é uma corrente religiosa que

evoluiu organicamente através dum

grande território marcado por uma

diversidade étnica e cultural significativa.

Esta corrente evoluiu tanto através da

inovação interior quanto pela assimilação

de tradições ou cultos externos ao próprio

hinduísmo. O resultado foi uma variedade

enorme de tradições religiosas, que vai de

Page 98: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

98

cultos pequenos e pouco sofisticados aos

principais movimentos da religião, que

contam com milhões de aderentes

espalhados por todo o subcontinente

indiano e outras regiões do mundo. A

identificação do hinduísmo como uma

religião independente, separada do

budismo e do jainismo, depende muitas

vezes da afirmação dos próprios fiéis de

que ela o é.

Temas proeminentes nas (porém não

restritos às) crenças hinduístas incluem o

darma (dharma, ética hindu), samsara

(samsāra, o contínuo ciclo do nascimento,

morte e renascimento), carma (karma,

ação e consequente reação), mocsa

(moksha, libertação do samsara), e as

diversas iogas (caminhos ou práticas).

Conceito de Deus

Ver artigo principal: Deus no hinduísmo

Brama, uma das principais divindades do

hinduísmo.

O hinduísmo é um sistema diversificado de

pensamento, com crenças que abrangem o

monoteísmo, politeísmo, panenteísmo,

panteísmo, monismo e ateísmo, e o seu

conceito de Deus é complexo, e está

Page 99: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

99

vinculado a cada uma das suas tradições e

filosofias. Por vezes é tido como uma

religião henoteísta (isto é, que envolve a

devoção a um único deus, embora aceite a

existência de outros), porém o termo é

visto, da mesma maneira que os outros,

como uma generalização excessiva.

A maior parte dos hindus acredita que o

espírito ou a alma - o "eu" verdadeiro de

cada pessoa, chamado de ātman — é

eterno. De acordo com as teologias

monistas/panteístas do hinduísmo (tais

como a escola Advaita Vedanta), este

Atman não pode ser distinguido, em

última instância, do Brâman, o espírito

supremo; estas escolas são, portanto,

chamadas de não-dualistas. A meta da

vida, de acordo com a escola Advaita, é

chegar à conclusão que o seu ātman é

idêntico ao Brâman, a alma suprema. Os

Upanixades afirmam que quem que tome

consciência do ātman como o âmago de si

próprio estabelece uma identidade com

Brâman, atingindo assim o moksha

("liberação" ou "liberdade").

Escolas dualísticas (Ver Dvaita e Bhakti)

compreendem Brâman como um Ser

Page 100: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

100

Supremo que possui personalidade, e o/a

veneram como Vishnu, Brahma, shiva ou

Shakti, dependendo da seita. O ātman é

dependente de Deus, enquanto o moksha

depende do amor a Deus e da graça de

Deus. Quando Deus é visto como um ser

supremo pessoal (em lugar do princípio

infinito), Deus é chamado de Ishvara ("O

Senhor"), Bhagavan ("O Auspicioso") ou

Parameshwara ("O Senhor Supremo" As

interpretações de Ishvara variam, no

entanto, da não-crença no Ishvara dos

seguidores do Mimamsakas, até a sua

identificação com Brâman, pelo

Advaita.[39] Na maior parte das tradições

do vishnuísmo Deus é Vishnu, e o texto

das escrituras desta denominação

identifica este Ser como Krishna, por vezes

chamado de svayam bhagavan. Também

existem escolas, como o Samkhya, que têm

tendências ateias.

Devas e avatares

Críxena (à esquerda), a oitava encarnação

(avatar) de Vishnu, ou svaym bhagavan,

com sua consorte, Rada - venerada como

Radha Krishna em diversas tradições.

Pintura tradicional do século XVII.

Page 101: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

101

As escrituras hindus se referem a

entidades celestiais chamadas devas (ou

devī, na sua forma feminina; devatā é

usado como sinônimo de Deva em hindi),

"os brilhantes", que pode ser traduzido

como "deuses" ou "seres celestiais". Os

devas são uma parte integrante da cultura

hindu, e foram retratados na sua arte,

arquitetura, e através de ícones, e histórias

mitológicas sobre eles foram relatadas nas

escrituras da religião, particularmente na

poesia épica indiana e nos Puranas.

Frequentemente são, no entanto,

dissociados de Ishvara, um deus pessoal

supremo que muitos hindus veneram de

uma forma particular, como seu i ṭa

devatā, ou "ideal escolhido". A escolha é

uma questão de preferência individual e

tradições regionais e familiares.

Os épicos hindus e os Puranas relatam

diversos episódios da descida de Deus à

Terra em sua forma corpórea para

restaurar o dharma da sociedade e guiar

os humanos ao moksha. Tal encarnação é

chamada de avatar. Os avatares mais são

os de Vishnu, e incluem Rama

(protagonista do Ramáyana) e Krishna

(figura central do épico Mahabárata).

Page 102: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

102

Karma e samsara

Ver artigo principal: Karma

Karma pode ser traduzido literalmente

como "ação", "obra" ou "feito" e pode

ser descrito como a "lei moral de causa e

efeito". De acordo com os Upanixades um

indivíduo, conhecido como o jiva-atma,

desenvolve samskaras (impressões) a

partir das ações, sejam elas físicas ou

mentais. O linga sharira, um corpo mais

sutil que o físico, porém menos sutil que a

alma, armazena as impressões, e lhes

carrega à vida seguinte, estabelecendo

uma trajetória única para o indivíduo.

Assim, o conceito de um carma infalível,

neutro e universal, relaciona-se

intrinsecamente à reencarnação, assim

como à personalidade, característica e

família de cada um. O carma une os

conceitos de livre-arbítrio e destino.

O ciclo de ação, reação, nascimento, morte

e renascimento é um contínuo, chamado

de samsara. A noção de reencarnação e

carma é uma premissa forte do

pensamento hindu. O Bagavadguitá

afirma que:

Page 103: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

103

― Assim como uma pessoa veste roupas

novas e joga fora as roupas antigas e

rasgadas, uma alma encarnada entra em

novos corpos materiais, abandonando os

antigos. (B.G. 2:22)‖

A samsara dá prazeres efêmeros, que

levam as pessoas a desejarem o

renascimento para gozar dos prazeres de

um corpo perecível. No entanto, acredita-

se que escapar do mundo da samsara

através do moksha assegura felicidade e

paz duradouras. Acredita-se que depois de

diversas reencarnações um atman

eventualmente procura a união com o

espírito cósmico (Brâman/Paramatman).

A meta final da vida, referida como

moksha, nirvana ou samādhi, é

compreendida de diversas maneiras

diferentes: como uma realização da união

de alguém com Deus; como a realização

da relação eterna de alguém com Deus;

realização da unidade de toda a

existência; abnegação total e

conhecimento perfeito do próprio Eu;

como o alcance de uma paz mental

perfeita; e como o desprendimento dos

desejos mundanos. Tal realização libera o

Page 104: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

104

indivíduo da samsara e termina com o

ciclo de renascimentos.

A conceitualização do moksha difere entre

as várias escolas de pensamento hindu. O

Advaita Vedanta, por exemplo, sustenta

que após alcançar o moksha um atman

não mais identifica a si próprio como um

indivíduo, mas sim como sendo idêntico a

Brâman em todos os aspectos. Os

seguidores das escolas Dvaita (dualísticas)

se identificam como parte de Brâman, e,

após atingir o moksha, esperam passar a

eternidade num loka (céu),[57] na

companhia de sua forma escolhida de

Ishvara. Assim, diz-se os seguidores do

Dvaita desejam "provar o açúcar",

enquanto os seguidores do Advaita querem

"se tornar açúcar".

Objetivos da vida humana

Ver artigo principal: Purusharthas

O pensamento hindu clássico aceita os

seguintes objetivos da vida humana,

conhecidos como os puru ārthas ou

"quatro objetivos da vida": dharma

"retidão", "ethikos", artha "sustento",

"riqueza", kāma "prazer sensual", mok a

"liberação", "liberdade" [do samsara]".

Page 105: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

105

No hinduísmo, acredita-se que todos os

homens seguem o kama e o artha, mas

brevemente, com maturidade, eles

aprendem a controlar estes desejos com o

dharma, ou a harmonia moral presente em

toda a natureza. O objetivo maior seria o

infinito, cujo resultado é a absoluta

felicidade, moksha, ou liberação (também

conhecida como mukti, samadhi, nirvana,

etc.) do samsara, o ciclo da vida, morte, e

da existência dual.

Ioga

Ver artigo principal: Ioga

Estátua de Xiva em meditação yogue.

Qualquer que seja a maneira na qual o

hindu defina a meta de sua vida, existem

diversos métodos (yôgas) que os sábios

ensinaram para se atingir aquela meta.

Textos dedicados ao ioga incluem o

Bagavadgitá (Bhagavad Gita), os Yôga

Sutras, o Hatha Yoga Pradipika, a

Gheranda Samhita, entre outros, e, como

sua base filosófico-histórica, os

Upanixades. Os caminhos que um

indivíduo pode seguir para atingir a meta

espiritual da vida (moksha ou samadhi)

incluem, entre outros:

Page 106: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

106

Bhakti Yoga (o caminho do amor e da

devoção)

Karma Yoga (o caminho da ação

correta)

Raja Yoga (o caminho da meditação)

Jnana Yoga (o caminho da sabedoria)

Raja Yoga (o caminho da união real)

Um indivíduo pode preferir um ou alguns

iogas sobre os outros, de acordo com a sua

inclinação e entendimento. Algumas

escolas devocionais ensinam que o bhakti

é, para a maior parte das pessoas, a único

caminho prático para se alcançar a

perfeição espiritual, com base em sua

crença de que o mundo atualmente estaria

no Kali Yuga (uma das quatro épocas que

formam o ciclo Yuga). A prática de um

yoga não exclui as outras, e muitos

estudiosos acreditam que os diferentes

yogas se misturam naturalmente e

auxiliam na prática das outros yogas. Por

exemplo, acredita-se que a prática da

Jñana Yoga inevitavelmente leve ao amor

puro (a meta do bacti-ioga), e vice-versa.

Alguém que pratica a meditação profunda

(como no raja-ioga) deve incorporar os

princípios centrais do karma-ioga, do

Page 107: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

107

jnana-ioga e do bacti-ioga, seja direta ou

indiretamente.

Práticas

As práticas hinduístas geralmente

envolvem a procura da consciência de

Deus, e por vezes também a procura de

bençãos dos devas. Assim, o hinduísmo

desenvolveu muitas destas práticas como

forma de ajudar o indivíduo a pensar na

divindade em meio à vida cotidiana. Os

hindus podem praticar a pūjā (culto ou

veneração) tanto em casa como num

templo. Em seus próprios lares os hindus

frequentemente costumam criar um altar,

com ícones dedicados às suas formas

escolhidas de Deus. Os templos costumam

ser dedicados a uma divindade primária e

às divindades subordinadas que lhe são

associadas, embora alguns templos sejam

dedicados a mais de uma divindade. A

visita a templos não é obrigatória, e muitos

os visitam apenas durante os festivais

religiosos. Os hindus realizam seu culto

através dos murtis, ícones; o ícone serve

como uma ligação tangível entre o fiel e

Deus. A imagem costuma ser considerada

uma manifestação de Deus, já que Ele é

imanente. O Padma Purana afirma que o

Page 108: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

108

mūrti não deve ser visto como apenas

pedra ou madeira, mas sim como uma

forma manifesta da Divindade. Algumas

seitas hindus, como o Ārya Samāj, não

acreditam em venerar Deus através de

ícones.

O hinduísmo possui um sistema

desenvolvido de simbolismo e iconografia

para representar o sagrado na arte,

arquitetura, literatura e em seu culto.

Estes símbolos ganham seu significado

das escrituras, mitologia ou tradições

culturais. A sílaba Om (que representa o

Parabrahman) e o sinal da suástica (que

simboliza auspiciosidade) acabaram

passando a representar o próprio

hinduísmo, enquanto outros símbolos,

como a tilaka, identificam um seguidor da

fé. O hinduísmo ainda apresenta diversos

símbolos que são costumeiramente

associados a divindades específicas, como

o lótus, chakra e veena.

Os mantras são invocações, louvores e

orações que, através de seu significado,

som e estilo de canto, ajudam um devoto a

focar a sua mente nos pensamentos

sagrados ou exprimir devoção a Deus ou

Page 109: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

109

às divindades. Muitos devotos realizam

abluções matinais às margens de um rio

sagrado, enquanto cantam o Gayatri

Mantra ou os mantras Mahamrityunjaya.

O poema épico Maabárata exalta o japa

(canto ritualístico) como o maior dever

durante o Kali Yuga (que os hindus

acreditam ser a era presente), e muitos

adotam o japa como sua prática espiritual

primordial.

Rituais

Tradicionais diyas e outros itens usados

em orações durante uma cerimônia de

casamento hindu.

A imensa maioria dos hindus praticam

rituais religiosos diariamente, porém a

observância destes rituais varia

enormemente de acordo com as regiões,

cidades ou aldeias e indivíduos. A maior

parte dos hindus segue estes rituais

religiosos em seus lares. Os hindus mais

devotos também executam tarefas diárias,

como venerar durante a alvorada, depois

de se banhar (normalmente num santuário

familiar, num ritual que também envolve o

acendimento de uma lâmpada e a

colocação de oferendas de alimentos

diante de imagens das divindades), recitar

Page 110: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

110

os escritos religiosos, cantar hinos

devocionais, meditar, cantar mantras,

entre outros. Um fator de destaque nos

rituais religiosos é a divisão entre o puro e

o impuro (ou poluído). Atos religiosos

pressupõem algum grau de impureza ou

poluição para o seu praticamente, que

devem ser anulados ou neutralizados antes

ou durante o decorrer do ritual. A

purificação, feita geralmente com água, é

portanto um aspecto típico da maior parte

dos atos religiosos do hinduísmo. Outras

características incluem a crença na

eficácia do sacrifício e do conceito de

mérito, ganho através da realização da

caridade ou de bons atos, que acumulam

com o tempo e reduzem o sofrimento no

próximo mundo. Os ritos védicos da

oblação pelo fogo (yajna) são atualmente

apenas práticas ocasionais, embora sejam

altamente reverenciadas na teoria. Nas

cerimônias de casamentos e funerais

hindus, no entanto, o yajña e o

entoamento de mantras védicos ainda são

a norma. Os rituais, upacharas, mudam

com o tempo; por exemplo, nas últimas

centenas de anos alguns rituais, como as

danças sagradas e as oferendas musicais

nos tradicionais conjuntos de Upacharas

Page 111: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

111

Sodasa, recomendados pelo Agama

Shastra, foram substituídos por oferendas

de arroz e doces.

Ocasiões como nascimentos, casamentos e

mortes envolvem o que são

frequentemente conjuntos elaborados de

costumes religiosos. No hinduísmo, os

rituais que tratam do ciclo da vida incluem

o Annaprashan (a primeira ingestão de

comida sólida por um bebê), Upanayanam

("cerimônia do fio sagrado" pela qual

passam as crianças de castas elevadas em

sua iniciação na educação formal) e

Shraadh (ritual de conceder banquetes em

nome dos falecidos). Para a maior parte

das pessoas na Índia, o noivado de um

jovem casal e a data e hora exatas do

casamento são questões decididas pelos

pais, em consultas com astrólogos. Na

morte, a cremação, que é considerada

obrigatória para todos, com a exceção de

sanyasis, hijra e crianças abaixo de cinco

anos,[carece de fontes] costuma ser

executada envolvendo-se o corpo em

algum tecido e queimando-o sobre uma

pira.

Peregrinação e festivais

Ver artigo principal: Festivais hindus

Page 112: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

112

Diwali, o festival das luzes, é o festival

principal do hinduísmo. Aqui são

mostradas as tradicionais Diyas, que

frequentemente são acesas durante o

Diwali.

A peregrinação não é obrigatória no

hinduísmo, embora muitos de seus

seguidores as realizem. Os hindus

reconhecem diversas cidades sagradas na

Índia, incluindo Allahabad, Haridwar,

Varanasi e Vrindavan. Entre as cidades

que possuem templos famosos está Puri,

que abriga um dos principais templos

vixnuísta de Jagannath e a comemoração

de Rath Yatra; Tirumala - Tirupati, lar do

Templo Tirumala Venkateswara; e Katra,

onde se localiza o templo de Vaishno Devi.

Os quatro locais sagrados de Puri,

Rameswaram, Dwarka e Badrinath (ou,

alternativamente, as cidades de Badrinath,

Kedarnath, Gangotri e Yamunotri, no

Himalaia) compõem o circuito de

peregrinação de Char Dham (quatro

moradas). O Kumbh Mela (o "festival das

jarras") é uma das peregrinações hindus

mais sagradas, realizada a cada quatro

anos; a localização é alternada entre

Allahabad, Haridwar, Nashik e Ujjain.

Page 113: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

113

Outro importante grupo de peregrinações

são os Shakti Peethas, onde a Deusa Mãe

é cultuada, da qual as duas principais são

Kalighat e Kamakhya.

O hinduísmo apresenta diversos festivais

ao longo do ano. O calendário hindu

costuma prescrever estas datas. Estes

festivais tipicamente celebram eventos da

mitologia hindu, e coincidem muitas vezes

com as mudanças de estação. Existem

festivais que são celebrados

principalmente por seitas específicas ou

em certas regiões do Subcontinente

Indiano. Alguns dos festivais mais

importantes são o Maha Shivaratri, Holi,

Ram Navami, Krishna Janmastami,

Ganesh Chaturthi, Dussera e Durga Puja,

além do Diwali.

Escrituras

O Rig Veda é um dos mais antigos textos

religiosos. Este manuscrito do Rig Veda

em particular esta no alfabeto devanágari.

O hinduísmo baseia-se no "tesouro

acumulado de leis espirituais descobertas

por diferentes pessoas em diferentes

tempos." As escrituras foram transmitidas

oralmente, na forma de versos - para

Page 114: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

114

auxiliar na sua memorização, muitos

séculos antes de serem escritos. Ao longo

dos séculos diversos sábios refinaram estes

ensinamentos e expandiram o cânone. Na

crença hindu pós-védica e moderna a

maior parte das escrituras não costuma

ser interpretadas literalmente; dá-se mais

importância aos significados éticos e

metafóricos derivados deles. A maior parte

dos textos sagrados está em sânscrito, e os

textos se dividem em duas classes: Shruti e

Smriti.

Shruti

Ver artigo principal: Śruti

Shruti (lit: "aquilo que é ouvido") refere-

se primordialmente aos Vedas, que

compõem o mais antigo registro das

escrituras hindus. Enquanto muitos

hindus veneram os Vedas como verdades

eternas reveladas aos antigos sábios

(Ṛ is), alguns devotos não associam a

criação deles com qualquer divindade ou

pessoa, acreditando serem leis do mundo

espiritual, que existiriam mesmo se não

tivessem sido reveladas aos sábios. Os

hindus acreditam que, como as verdades

espirituais dos Vedas são eternas, eles

Page 115: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

115

estão sendo expressos continuamente, de

diferentes maneiras.

Vedas

Os Vedas são os textos mais antigos do

hinduísmo, e também influenciaram o

budismo, o jainismo e o sikhismo. Os

Vedas contêm hinos, encantamentos e

rituais da Índia antiga. Juntamente com o

Livro dos Mortos, com o Enuma Elish, I

Ching e o Avesta, eles estão entre os mais

antigos textos religiosos existentes. Além

de seu valor espiritual, eles também

oferecem uma visão única da vida

cotidiana na Índia antiga. Enquanto a

maioria dos hindus provavelmente nunca

leram os Vedas, a reverência por mais

uma noção abstrata de conhecimento

(Veda significa "conhecimento" em

sânscrito) está profundamente impregnada

no coração daqueles que seguem o Veda

Dharma.

Existem quatro Vedas: Rig Veda, Sama

Veda, Yajur Veda, Atharva Veda. O Rig

Veda é o primeiro e mais importante deles.

Cada Veda se divide em quatro partes: a

primeira, o Veda propriamente dito, é o

Saṃhitā, que contém mantras sagrados.

Page 116: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

116

As outras três partes formam um conjunto

em três camadas de comentários,

costumeiramente em prosa, tidos como

feitos numa data um pouco posterior ao

Saṃhitā. São os Brâmanas (Brāhma as),

Āra yakas e os Upanixades. As primeiras

duas partes foram chamadas

posteriormente de Karmakā ḍa (parte

ritualística), enquanto as últimas duas

formam a Jñānakā ḍa (parte do

conhecimento). Embora os Vedas tenham

como foco os rituais, os Upanixades se

concentram numa abordagem espiritual e

em ensinamentos filosóficos, discutindo

Brâman e a reencarnação.

Upanixades

Os Upanixades são denominados Vedanta,

porque eles contêm uma exposição da

essência espiritual dos Vedas. Entretanto é

importante observar que os Upanixades

são textos e Vedanta é uma filosofia. A

palavra Upanishad significa "sentar-se

próximo ou perto", pois os estudantes

costumavam sentar-se no solo, próximos a

seus mestres.

Os Upanixades organizaram mais

precisamente a doutrina védica de auto-

Page 117: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

117

realização, yoga, e meditação, karma e

reencarnação, que eram veladas no

simbolismo da antiga religião de mistérios.

Os mais antigos Upanixades são

geralmente associados a um Veda em

particular, através da exposição de uma

brâmana ou Aranyaka, enquanto os mais

recentes não.

Formando o coração da Vedanta (Final

dos Vedas), eles contêm a técnica de

adoração aos deuses védicos e capturam a

essência do dito do Rig Veda "A Verdade é

Uma". Eles colocam a filosofia hindu

separada e acolhendo uma única e

transcendente força imanente e inata na

alma de cada ser humano, identificando o

microcosmo e o macrocosmo como Um.

Podemos dizer que enquanto o hinduísmo

primitivo é fundamentado nos quatro

Vedas, o hinduísmo clássico, a ioga e

vedanta, e correntes tântricas do Bhakti

foram modelados com base nos

Upanixades.

Smritis

O Naradeya Purana descreve a mecânica

do universo; neste retrato vê-se Vishnu,

com sua consorte, Lakshmi, descansando

Page 118: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

118

em Shesha Nag. Narada e Brama também

aparecem.

Textos hindus além dos shrutis são

chamados coletivamente de smritis

("memória"). Os mais célebres dentre os

smritis são os poemas épicos, que

consistem do Maabárata (Mahābhārata) e

do Ramáiana (Rāmāya a). O

Bagavadguitá (Bhagavad Gītā), parte

integral do Maabárata, e um dos mais

populares textos sacros do hinduísmo,

contém ensinamentos filosóficos de

Krishna, uma encarnação de Vishnu,

narradas ao príncipe Arjuna às vésperas

de uma grande guerra. O Bhagavad Gītā,

narrado por Krishna, é descrito como a

essência dos Vedas. O Gītā, no entanto,

por vezes também chamado de

Gitopanishad ("Guitopanixade"), costuma

ser categorizado com maior frequência

entre os shrutis, por ter um conteúdo de

natureza upanixádica.[86] Os smritis

também incluem os Puranas (Purā as),

que ilustram ideias hindus através de

narrativas vívidas. Também existem textos

de natureza sectária, como o Devi

Mahatmya (Devī Mahātmya), os Tantras,

os Yoga Sutras, Tirumantiram, Shiva

Page 119: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

119

Sutras e Agamas (Āgamas). Um texto mais

controverso, o Manusmriti, é o livro de leis

que epitomiza os códigos sociais do

sistema de castas.

Puranas

Os Puranas são considerados smriti;

ensinamentos não escritos passados

oralmente de uma geração a outra. Eles

são distintos dos shrutis ou ensinamentos

em escritos tradicionais. Existem um total

de 18 Puranas maiores, todos escritos em

forma de versos. Acredita-se que estes

textos foram escritos muito anteriormente

ao Ramayana e ao Mahabarata. Acredita-

se que o mais antigo Purana provém de

cerca de 300 a.C., e os mais recentes de

1300-1400 d.C. Apesar de terem sido

compostos em diferentes períodos, todos os

Puranas parecem ter sido revisados. Tal

pode ser notado quando se observa que

todos eles comentam que o número de

Puranas é 18. Os Puranas variam muito: o

Skanda Purana é o mais longo com 81

000versos, enquanto o Brahma Purana e o

Vamana Purana são os mais curtos com

10 000 versos cada. O número total de

versos em todos os 18 Puranas é 400 000.

Ramayana e Mahabarata

Page 120: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

120

O Ramayana e o Mahabarata são os livros

épicos nacionais da Índia. São

provavelmente os poemas mais longos

escritos em todo o mundo. A obra conta a

história de um príncipe, Rama de

Ayodhya, cuja esposa Sita é abduzida pelo

demônio Rāvana, rei de Lanka.

O Mahabarata é atribuído ao sábio Vyasa,

e foi escrito no período entre 540 e 300

a.C.. A obra, que conta a lenda dos

báratas, uma das tribos arianas, discute o

tri-varga ou as três metas da vida humana:

kama ou desfrute sensorial, artha ou

desenvolvimento econômico e dharma a

religiosidade mundana que se resume em

códigos de conduta moral e ritual.

O Ramayana é atribuído ao poeta Valmiki,

e foi escrito no primeiro século d.C.,

apesar de ser baseado em tradições orais

que datam de seis ou sete séculos a.C.

Bhagavad Gita

A Bhagavad Gita (Bagavadguitá em

português) é considerado parte do

Maabárata (escrito em 400 ou 300 a.C.), é

um texto central do hinduísmo, um

Page 121: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

121

diálogo filosófico entre o deus Krishna e o

guerreiro Arjuna. Este é um dos mais

populares e acessíveis textos do

hinduísmo, e é de essencial importância

para a religião. O Gita discute altruísmo,

dever, devoção, meditação, integrando

diferentes partes da filosofia hindu.

As Leis de Manu

Manu é o homem lendário, o "Adão" dos

hindus. As leis de Manu, ou Manusmriti,

são uma coleção de textos atribuídos a ele.

História

O monte Kailash, no Tibete, é tido como a

morada espiritual de Shiva.

A mais antiga evidência de uma religião

pré-histórica na Índia data do fim do

Neolítico, no período harapano inicial

(5500-2600 a.C.). As crenças e práticas do

período pré-clássico (1500-500 a.C.) são

chamadas coletivamente de "religião

histórica védica". O hinduísmo moderno

cresceu a partir dos Vedas, dos quais o

mais antigo é o Rig Veda, que data de

1700-1100 a.C.. Os Vedas centralizam o

culto em divindades como Indra, Varuna e

Agni, e no ritual do soma[desambiguação

necessária]. Sacrifícios de fogo eram

Page 122: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

122

realizados, chamados de yagna (yajña), e

entoavam mantras védicos, porém não

construíam templos nem ícones.[carece de

fontes] As tradições védicas mais antigas

mostram fortes semelhanças com o

zoroastrianismo e outras religiões indo-

europeias.

Os principais épicos em sânscrito, o

Ramáiana e o Maabárata, foram

compilados durante um período extenso

que abrangeu os últimos séculos antes de

Cristo, e os primeiros da Era Comum, e

contêm histórias mitológicas sobre os

governantes e as guerras da antiga Índia,

intercaladas com tratados religiosos e

filosóficos. Os Puranas posteriores

recontam histórias sobre os devas e devis,

suas interações com os humanos e suas

batalhas contra demônios (rakshasas).

Origens históricas e aspectos sociais

Pouco é conhecido sobre a origem do

hinduísmo, já que a sua existência

antecede os registros históricos. É dito que

o hinduísmo deriva das crenças dos

arianos, que residiam nos continentes sub-

indianos, ('nobres' seguidores dos Vedas),

dravidianos, e harapanos. Alguns dizem

Page 123: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

123

que o hinduísmo nasceu com o budismo e

o jainismo, mas Heinrich Zimmer e outros

indólogos afirmam que o jainismo é muito

anterior ao hinduísmo, e que o budismo

deriva deste e do Sankhya que em

consequência afetaram o desenvolvimento

de sua religião mãe. Diversas são as ideias

sobre as origens dos Vedas e a

compreensão se os arianos eram ou não

nativos ou estrangeiros na Índia. A

existência do hinduísmo data de 4000 a

6000 mil anos a.C.

Historicamente, a palavra hindu antecede

o hinduísmo como religião; o termo é de

origem persa e primeiramente referia-se

ao povo que residia no outro lado (do

ponto de vista persa) do Sindhu ou rio

Indo. Foi utilizado para expressar não

somente a etnicidade mas a religião védica

desde o século XV e século XVI, por

personalidades como Guru Nanak

(fundador do sikhismo). Durante o

Império Britânico, a utilização do termo

tornou-se comum, e eventualmente, a

religião dos hindus védicos foi

denominada "hinduísmo". Na verdade, foi

meramente uma nova vestimenta para

Page 124: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

124

uma cultura que vinha prosperando desde

a mais remota Antiguidade.

Distribuição geográfica atual

A Índia, a Maurícia, e o Nepal, assim

como a ilha indonésia de Bali têm como

religião predominante o hinduísmo;

importantes minorias hindus existem em

Bangladesh (11 milhões), Myanmar (7,1

milhões), Sri Lanka (2.5 milhões), Estados

Unidos (2,5 milhões), Paquistão (4,3

milhões), África do Sul (1,2 milhão),

Reino Unido (1,5 milhão), Malásia (1,1

milhão), Canadá (1 milhão), Ilhas Fiji

(500 mil), Trinidad e Tobago (500 mil),

Guiana (400 mil), Países Baixos (400 mil),

Singapura (300 mil) e Suriname (200 mil).

Filosofia hindu: as seis escolas védicas

As seis escolas filosóficas ortodoxas

hindus (Astika, que aceitam a autoridade

dos Vedas) são Nyaya, Vaisheshika,

Sankhya, Yoga, Purva Mimamsa (também

denominada Mimamsa) e Uttara

Mimamsa (também denominada Vedanta).

As escolas não-védicas são denominadas

Nastika, ou heterodoxas, e referem-se ao

budismo, jainismo e Lokayata. As escolas

que continuam a influenciar o hinduísmo

Page 125: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

125

hoje são Purva Mimamsa, Yoga, e

Vedanta.

Nyaya

A escola Nyaya é de importância ímpar no

desenvolvimento da filosofia indiana

devido ao seu papel na construção de um

sistema lógico e analítico, do qual nasceu

todo o resto da filosofia lógica indiana,

além de influenciar o desenvolvimento

paralelo em diversas outras áreas do

pensamento.

O Nyaya foi fundado por Aksapada

Gautama, conhecido como Aksapada ("o

de olhos fixos nos pés"), que escreveu o

texto de maior importância dessa escola, o

Nyaya Sutra, por volta do século II a.C.

Inicialmente vista com suspeita pelo clero

hindu, passou logo depois a ser promovido

por este como ferramenta de debate contra

os heterodoxos (materialistas, budistas e

jainistas). A escola teve seu prestígio

incrementado, e o seu sistema passou a ser

visto como um dos meios para se levar à

salvação.

Vaisheshika

Page 126: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

126

A escola Vaisheshika representa uma

linha de pensamento intimamente

associada com a da Nyaya, e

originalmente proposta pelo sábio Kanada

(ou Kana-bhuk'", literalmente, comedor

de átomos), em torno do século II aC.

Basicamente, a Vaisheshika expressa uma

forma de atomismo e postula que todos os

objetos do universo físico são redutíveis a

um número finito de átomos.

Samkhya

A filosofia Sámkhya é anterior ao

bramanismo, filosofia que deu origem ao

hinduísmo, como coloca o indólogo

Heinrich Zimmer em seu clássico

Filosofias da Índia. Patandjali, monge do

sul da Índia, onde até hoje a tradição tamil

preserva elementos das filosofias pré-

védicas, tinha formação no sistema

Saámkhya-yoga, indissociável. O Sámkhya

foi compilado bem antes de Patandjali

(que viveu no século II a.C., por Kapila,

que viveu pouco tempo antes de Buda.

Uma diferença importante entre o

Sámkhya e o bramanismo é que o primeiro

é dualista, e o segundo monista, mas

ambos vêem o espírito, ou Deus, como

Page 127: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

127

imanente e transcendente ao mesmo

tempo.

Inicialmente vista com suspeita pelo clero

hindu, passou logo depois a ser promovido

por este como ferramenta de debate contra

os heterodoxos (materialistas, budistas e

jainistas). A escola teve seu prestígio

incrementado, e o seu sistema passou a ser

visto como um dos meios para se levar à

salvação.

A diferença mais significante do Sámkhya

é que a escola de yoga não somente

incorpora o conceito do Ishvara (ou

"Deus pessoal") numa visão do mundo

metafísica mas também sustenta Ishvara

como um ideal sobre o qual meditar. A

razão é que Ishvara é o único aspecto de

purusha (do infinito Terreno Divino) que

não foi mesclado com prakrti (forças

criativas temporárias). Também utiliza as

terminologias Brahman/Atman e conceitos

profundos dos Upanixades, adotando uma

visão vedântica monista. A realização do

objetivo do ioga é conhecido como moksha

ou samadhi. E como nos Upanixades,

busca o despertar ou a compreensão de

Atman como sendo nada mais que o

Page 128: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

128

infinito brâmane, através da (mente) ética,

(corpo) físico e meditação (alma), o único

alvo de suas práticas é a "verdade

suprema".

Purva Mimamsa

A escola Purva Mimamsa (ou

"investigação anterior") estabeleceu as

bases para a formulação de regras de

interpretação dos Vedas. O principal

questionamento da Purva Mimamsa se

refere à natureza das lei naturais (ou

dharma). Segundo esta linha de

pensamento, a natureza do dharma não é

acessível à razão ou observação, e deve ser

inferida a partir da autoridade da

revelação contida nos Vedas. Este método

empírico e eminentemente sensível de

aplicação religiosa é a chave para

Sanatana Dharma e foi especialmente

desenvolvido por racionalistas como

Sankaracharya e Swami Vivekananda.

A Purva Mimamsa, sendo fortemente

ligada à exegese textual dos Vedas, deu

origem ao estudo da filologia, ou da

filosofia linguagem na Índia. A

introdução da noção de shabda

("discurso") como unidade indivisível de

Page 129: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

129

som e significado é devido ao sábio

Bhartrhari (século VII).

Ioga

O sistema do ioga é geralmente

considerado como tendo surgido a partir

da filosofia Sankhya. Entretanto o ioga

referido aqui, é especialmente o raja-ioga

(Raja Yoga, ou união através da

meditação). E é baseada em um texto (que

exerceu grande influência) de Patandjali

intitulado Yoga Sutras, e é essencialmente

uma compilação e sistematização da

filosofia do Ioga meditacional. Os

Upanixades e o Bhagavad Gita também

são textos indispensáveis ao estudo da

ioga.

Uttara Mimamsa ou Vedanta

Ver artigo principal: Vedanta

A escola Uttara Mimamsa (ou

"investigação posterior"), também

conhecida como Vedanta, é talvez a pedra

angular dos movimentos do hinduísmo, e

certamente foi responsável por uma nova

onda de investigação filosófica e

meditativa, renovação da fé, e reformas

culturais. A maior parte da atual filosofia

hindu está relacionada a mudanças que

Page 130: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

130

foram influenciadas pelo pensamento

vedanta, o qual é focalizado na meditação,

moralidade e centralização no Eu uno, ao

invés de rituais ou distinções sociais como

as castas. Primeiramente associada com os

Upanixades e seus comentários por

Badarayana, e Vedanta Sutra, o

pensamento vedanta dividiu-se em três

grupos, descritos a seguir.

Puro monismo: Advaita Vedanta

Advaita literalmente significa "não dois";

isto é o que referimos como monoteístico,

ou sistema não-dualístico, que enfatiza a

unidade. Seu consolidador foi

Shankaracharya (788-820). Shankara

expôs suas teorias baseadas amplamente

nos ensinamentos dos Upanixades e de seu

guru Gaudapada. Através da análise da

consciência experimental, ele expôs a

natureza relativa do mundo e estabeleceu

a realidade não dual ou Brahman no qual

Atman (a alma individual) ou Brahman (a

realidade última) são absolutamente

identificadas. Não é meramente uma

filosofia, mas um sistema consciente de

éticas aplicadas e meditação, direcionadas

a obténção da paz e compreensão da

verdade. Sankaracharya acusou as castas

Page 131: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

131

e rituais como tolos, e em sua própria

maneira carismática, suplicou aos

verdadeiros devotos a meditarem no amor

de Deus e alcançarem a verdade.

Monismo qualificado: Vishistadvaita

Vedanta

Ramanuja (1040 - 1137) foi o principal

proponente do conceito de Sriman

Narayana como Brahman o supremo. Ele

ensinou que a realidade última possui três

aspectos: Ishvara (Vixnu), cit ("alma") e

acit ("matéria"). Vixnu é a única

realidade independente, enquanto alma e

material são dependentes de Deus para

sua existência. Devido a esta qualificação

da realidade última, o sistema de

Ramanuja é conhecido como não

dualístico.

Dualismo: Dvaita Vedanta

Madhva (1199 - 1278) identificou deus

com Vishnu, mas a sua visão da realidade

era puramente dualista, pois ele

compreendeu uma diferenciação

fundamental entre o Deus supremo e a

alma individual, e o sistema

consequentemente foi denominado Dvaita

(dualístico) Vedanta.

Page 132: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

132

Filosofia hindu: as escolas não védicas

As principais escolas não-védicas ou

heterodoxas (Nastika) do pensamento

hindu são o budismo, o jainismo e

Lokayata (ou Carvaka).

Culturas alternativas de adoração

As escolas Bhakti

A escola devocional Bhakti tem seu nome

derivado do termo hindu que evoca a ideia

de "amor prazeroso, abnegado e

estupefante de Deus como Pai, Mãe, Filho

Amados", ou qualquer outra forma de

relacionamento que encontre apelo no

coração do devoto. A filosofia de Bhakti

procura usufruto pleno da divindade

universal através da forma pessoal, o que

explica a proliferação de tantas divindades

na Índia, frequentemente refletindo as

inclinações particulares de pequenas áreas

ou grupos de pessoas. Vista como uma

forma de Ioga ou união, ele preconiza a

necessidade de se dissolver o ego em Deus,

na medida em que a consciência do corpo

e a mente limitada, como individualidade,

seriam fatores contrários à realização

espiritual. Essencialmente, é Deus que

promove toda mudança, que é a fonte de

Page 133: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

133

todos os trabalhos, que a idade através do

amor e da luz. 'Sins' e mal - fazendo da

devoto são mencionado cair embora da

sua próprio acorde , o entusiasta enrugar

limitedness já transcendido , através do

amor de Deus. Os movimentos Bhakti

rejuvenesceram o hinduísmo ao longo da

sua intensa expressão de fé e receptividade

às necessidades emocionais e filosóficas

da Índia. Pode-se dizer corretamente que

influenciaram a maior onda de mudança

em orações e rituais hindus desde tempos

remotos.

A mais popular forma de expressão de

amor a Deus na tradição hindu é através

do puja, ou ritual de devoção,

frequentemente utilizando o auxílio de

murti (estátua) juntamente com canções

ou recitação de orações meditacionais em

forma de mantras. Canções devocionais

denominadas bhajan (escritas

primeiramente nos séculos XIV-XVII),

kirtan (elogio), e arti (uma forma filtrada

do ritual de fogo Védico) são algumas

vezes cantados juntamente com a

realização do puja. Este sistema orgânico

de devoção tenta auxiliar o indivíduo a

conectar-se com Deus através de meios

Page 134: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

134

simbólicos. Entretanto, é dito que bhakta,

através de uma crescente conexão com

Deus, é eventualmente capaz de evitar

todas as formas externas e é inteiramente

imerso na bênção do indiferenciado amor

a Verdade.

Tantrismo

A palavra tantra significa "tratado" ou

"série continua", e é aplicada a uma

variedade de trabalhos místicos, ocultos,

médicos e científicos bem como aqueles

que agora nos consideramos como

"tântricos". A maioria dos tantras foram

escritos no final da Idade Média e

surgiram da cosmologia hindu.

Temas e simbolismos importantes no

hinduísmo

Ahimsa e as vacas

Ahimsa

É vital uma nota sobre o elemento ahimsa

no hinduísmo para compreender a

sociedade que se formou à volta de alguns

dos seus princípios. Enquanto o jainismo,

à medida que era praticado, era

certamente uma grande influência sobre a

sociedade indiana - que dizer da sua

exortação do veganismo e da não-

Page 135: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

135

violência como ahimsa - o termo primeiro

apareceu nos Upanixades. Assim, uma

influência internamente enraizada e

externamente motivada levou ao

desenvolvimento de uma grande

quantidade de hindus que acabaram por

abraçar o vegetarianismo numa tentativa

de respeitar formas superiores de vida,

restringindo a sua dieta a plantas e

vegetais. Cerca de 30% da população

hindu actual, especialmente em

comunidades ortodoxas no sul da Índia,

em alguns estados do norte como o

Guzerate e em vários enclaves brâmanes à

volta do subcontinente, é vegetariana.

Portanto, enquanto o vegetarianismo não

é um dogma, é recomendado como sendo

um estilo de vida sátvico (purificador).

Os hindus abstêm-se predominantemente

de carne, e alguns até vão tão longe

quanto evitar produtos de pele. Isto

acontece provavelmente porque o

largamente pastoral povo Védico e as

subsequentes gerações de hindus ao longo

dos séculos dependiam tanto da vaca para

todo o tipo de produtos lácteos, aragem

dos campos e combustível para fertilizante,

que o seu estatuto de "cuidadora"

Page 136: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

136

espontânea da humanidade cresceu ao

ponto de ser identificada como uma figura

quase maternal. Assim, enquanto a

maioria dos hindus não adora a vaca, e as

instruções escriturais contra o consumo de

carne surgiram muito depois dos Vedas

terem sido escritos, esta ainda ocupa um

lugar de honra na sociedade hindu. Diz-se

que Krishna é tanto Govinda (pastor de

vacas) como Gopala (protector de vacas), e

que o assistente de Xiva é Nandi, o touro.

Com a força no vegetarianismo (que é

habitualmente seguido em dias religiosos

ou ocasiões especiais até por hindus

comedores de carne) e a natureza sagrada

da vaca, não admira que a maior parte das

cidades santas e áreas na Índia tenham

uma proibição sobre a venda de produtos

de carne e haja um movimento entre os

Hindus para banir a matança de vacas

não só em regiões específicas como em

toda a Índia.

Formas de adoração: murtis e mantras

O hinduísmo prático é simultaneamente

politeísta e enoteísta, pois professa a

crença na existência de 33 milhões deuses

que dividem graus hierárquicos, crendo na

existência um deus supremo uma

Page 137: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

137

infinidade de deuses secundários.Segundo

algumas interpretações de caráter

monoteísta a variedade de deuses e

avatares que são adorados pelos hindus

são compreendidos como diferentes

formas da Verdade Única, algumas vezes

vistos como mais do que um mero Deus e

um último terreno Divino (Brahman),

relacionado mas não limitado ao

monismo, ou um princípio monoteístico

como Vixnu ou Xiva.

Acreditando na origem única como sem

forma (nirguna brahman, sem atributos)

ou como um Deus pessoal (saguna

Brahman, com atributos), os Hindus

compreendem que a verdade única pode

ser vista de forma variada por pessoas

diferentes. O hinduísmo encoraja seus

devotos a descreverem e desenvolverem

um relacionamento pessoal com sua

deidade pessoal escolhida (ishta devata) na

forma de Deus ou Deusa.

Enquanto alguns censos sustentam que os

adoradores de uma forma ou outra de

Vishnu (conhecido como Vaishnavs) são

80% dos Hindus e aqueles de Shiva

(chamados Shaivaites) e Shakti compõem

Page 138: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

138

o restante dos 20%, tais estatísticas

provavelmente são enganadoras. A

maioria dos Hindus adora muitos deuses

como expressões variadas do mesmo

prisma da Verdade. Entre os mais

populares estão Vishnu (como Krishna ou

Rama), Shiva, Devi (a Mãe de muitas

deidades femininas, como Lakshmi,

Sarasvati, Kali e Durga), Ganesha,

Skanda e Hanuman.

A adoração das deidades é geralmente

expressa através de fotografias ou imagens

(murti) que são ditas não serem o próprio

Deus mas condutos para a consciência dos

devotos, marcas para a alma humana que

significam a inefável e ilimitada natureza

do amor e grandiosidade de Deus. Eles são

símbolos do princípio maior, representado

mas nunca presumido ser o conceito da

própria entidade. Consequentemente, a

maneira hindu de adoração de imagens as

toma apenas como símbolos da divindade,

opostos à idolatria, geralmente imposta

(erroneamente) aos hindus.

Mantra

Recitação e mantras originaram-se no

hinduísmo e são técnicas fundamentais

Page 139: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

139

praticadas até os dias de hoje. Muito da

chamada Mantra Yoga, é realizada através

de japa ("repetições"). Dizem que os

mantras, através de seus significados, sons

e recitação melódica, auxiliam o sadhaka

(aquele que prática) na obtenção de

concentração durante a meditação. Eles

também são utilizados como uma

expressão de amor a deidade, uma outra

faceta da Bhakti Yoga necessária para a

compreensão de murti. Frequentemente

eles oferecem coragem em momentos

difíceis e são utilizados para a obtenção de

auxílio ou para 'invocar' a força espiritual

interior. As ultimas palavras de Mahatma

Gandhi enquanto morria foi um mantra

ao Senhor Rama: "Hey Ram!"

O mais representativo de todos os mantras

Hindu é o famoso Gayatri Mantra:

ॐ : | | | : Aum bhūrbhuvasvah | tat

savitūrvare yam | bhargo devasya

dhīmahi | dhiyo yo naha pracodayāt

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140

Significa, literalmente: "Om! Terra,

Universo, Galáxias (invocação aos três

mundos). Que nós alcancemos a excelente

glória de Savitr, o Deus. Que ele estimule

os nossos pensamentos/meditações."

O mantra Gayatri é considerado o mais

universal, o mais importante (maha

mantra) de todos os mantras hindus, e

invoca o Brâman universal como um

princípio de conhecimento e iluminação

do sol primordial, mas somente em seu

aspecto feminino. Muitos hindus até os

dias de hoje, seguindo uma tradição que

permanece viva por pelo menos 5.000

anos, realizam abluções matinais às

margens do rio sagrado (especialmente do

rio Ganges. Conhecido como um mantra

sagrado, é reverenciado como sendo a

forma mais condensada do

"Conhecimento Divino" (Veda). E

governado pelo princípio, Ma ("Mãe")

Gayatri, também conhecido como Veda

Mata ("mãe dos Vedas") e intimamente

associado à deusa do aprendizado e

iluminação, Sarasvati.

O maior objetivo da religião védica é

alcançar moksha, ou liberação, através da

Page 141: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

141

constante dedicação a Satya (Verdade) e

uma eventual realização de Atman (Alma

Universal). Não importa se atingido

através de meditação ou puro amor, este

objetivo universal é alcançado por todos.

Deve ser observado que o hinduísmo é

uma fé prática, e é incorporado em cada

aspecto da vida. Acredita igualmente no

temporal e no infinito, e somente encoraja

perspectivas destes principios. Os grandes

rishis (sábios, considerados espécies de

santos hindus) e também denominados

como samsárico (aquele que vive no

samsara, i.e. plano temporal ou terrestre)

aquele que segue um meio de vida honesto

e amável (dhármico) é um jivanmukta

(alma vivente liberta). As verdades

fundamentais do hinduísmo são melhores

compreendidas na frase dos Upanixades,

Tat Twam Asi (Assim És Tu), e na última

aspiração como segue:

Aum Asato ma sad gamaya, tamaso ma

jyotir gamaya, mrityor ma aamritaam

gamaya

"Aum Conduza-me da ignorância para

a verdade, das trevas para a luz, da morte

para a imortalidade."

Page 142: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

142

(https://pt.wikipedia.org/wiki/Hindu%C3%

ADsmo)

-----------------------------------------------------

―Aníbal, filho de Amílcar Barca 1 ;

Cartago, 248 a.C. - Bitínia, 183[2] [3] [4]

ou 182 a.C.,[n 1] conhecido comumente

apenas como Aníbal (em púnico: ḤNBʻL,

Ḥannibaʻal ou Ḥannibaʻl, 5 6 lit.

"Ba'al é/foi bondoso"[6] [7] ou "Graça de

Baal"[5] ou "recebi a graça de Baal",[8]

talvez também nas formas Ḥannobaʻal, 9

ou ʼDNBʻL, ʼAdnibaʻal, lit. "Ba'al é meu

senhor"; 9 em em grego: Ἁννίβας,

Hanníbas) foi um general e estadista

cartaginês considerado por muitos como

um dos maiores táticos militares da

história. Seu pai, Amílcar Barca (Barca,

"raio"[10] ), foi o principal comandante

cartaginês durante a Primeira Guerra

Púnica, travada contra Roma; seus irmãos

mais novos foram os célebres Magão e

Asdrúbal, e seu cunhado foi Asdrúbal, o

Belo.

Sua vida decorreu no período de conflitos

em que a República Romana estabeleceu

supremacia na bacia mediterrânea, em

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143

detrimento de outras potências como a

própria Cartago, Macedônia, Siracusa e o

Império Selêucida. Foi um dos generais

mais ativos da Segunda Guerra Púnica,

quando levou a cabo uma das façanhas

militares mais audazes da Antiguidade:

Aníbal e seu exército, onde se incluíam

elefantes de guerra, partiram da Hispânia

e atravessaram os Pirenéus e os Alpes com

o objetivo de conquistar o norte da

península Itálica. Ali derrotou os romanos

em grandes batalhas campais como a do

lago Trasimeno ou a de Canas, que ainda

se estuda em academias militares na

atualidade. Apesar de seu brilhante

movimento, Aníbal não chegou a capturar

Roma. Existem diversas opiniões entre os

historiadores, que vão desde carências

materiais de Aníbal em máquinas de

combate a considerações políticas que

defendem que a intenção de Aníbal não

era tomar Roma, senão obrigá-la a render-

se.[11] Não obstante, Aníbal conseguiu

manter um exército na Itália durante mais

de uma década, recebendo escassos

reforços. Por causa da invasão da África

por parte de Cipião, o Senado púnico lhe

chamou de volta a Cartago, onde foi

Page 144: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

144

finalmente derrotado por Públio Cornélio

Cipião Africano na Batalha de Zama.

O historiador militar Theodore Ayrault

Dodge o chamou "pai da estratégia".[12]

Foi admirado inclusive por seus inimigos

— Cornélio Nepos o batizou como «o

maior dos generais»[13] —, assim sendo,

seu maior inimigo, Roma, adaptou certos

elementos de suas táticas militares a seu

próprio arsenal estratégico. Seu legado

militar o conferiu uma sólida reputação

no mundo moderno, e tem sido

considerado como um grande estrategista

por grandes militares como Napoleão ou

Arthur Wellesley, o duque de Wellington.

Sua vida tem sido objeto de muitos filmes e

documentários. Bernard Werber lhe rende

homenagem através do personagem do

«Libertador»,[14] e de um artigo em

L’Encyclopédie du savoir relatif et absolu

mencionada em sua obra Le Souffle des

dieux.[15]

Em meados do século III a.C., a cidade de

Cartago, onde nasceu Aníbal,[2] estava

fortemente influenciada pela cultura

helenística derivada dos vestígios do

império de Alexandre Magno.[16] Cartago

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145

ocupava então um lugar importante nos

intercâmbios comerciais da bacia

mediterrânea, e em particular nos

empórios da Sicília, Sardenha e nas costas

da Ibéria e da África do Norte. A cidade

dispunha igualmente de uma importante

frota de guerra que protegia suas rotas

marítimas, que transportavam o ouro

procedente do Golfo da Guiné e o estanho

procedente das costas britânicas.

A outra potência mediterrânea da época

era Roma, com a qual Cartago entrou em

guerra durante vinte anos em um conflito

conhecido como a Primeira Guerra

Púnica,[17] a primeira guerra de grande

envergadura em que Roma saiu vitoriosa.

Este enfrentamento entre a República

Romana e Cartago foi provocado por um

conflito secundário em Siracusa, e se

desenvolveu por terra e mar, em três fases:

combates na Sicília (264-256 a.C.),

combates na África (256-250 a.C.) e de

novo na Sicília (250-241 a.C.). Durante

esta última fase, e sobretudo com a guerra,

nasceu a fama de Amílcar Barca, pai de

Aníbal, que dirigia a guerra contra Roma

desde o ano 247 a.C.. Com a grande

derrota naval nas ilhas Égadi, ao noroeste

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146

da Sicília, os cartagineses se viram

obrigados a firmar um tratado na

primavera de 241 a.C. com o cônsul Caio

Lutácio Cátulo.[18] Entre os termos

impostos a Cartago por este tratado se

encontravam a cessão dos territórios da

Sicília e Sardenha,[16] e o

desmantelamento de sua frota.

Ao final da Primeira Guerra Púnica,

apesar das precauções adotadas por

Amílcar Barca, Cartago encontrou

problemas na hora de dispersar seus

regimentos armados de mercenários, que

não tardaram em assaltar à cidade e

provocar um conflito da envergadura de

uma guerra civil.[18] Este episódio

histórico é conhecido como a Guerra dos

Mercenários. Amílcar conseguiu reprimir

esta rebelião depois de três anos, depois de

vencer aos rebeldes no rio Bagradas e de

novo, com um grande derramamento de

sangue, no desfiladeiro da Serra. Políbio o

nomeia como o "desfiladeiro da

serra",[19] mas Gustave Flaubert, que

utiliza a tradução de Vincent Thuillier, o

chama "o desfiladeiro do machado".[20]

Da sua parte, Roma havia aproveitado a

falta de oposição para tomar a Sardenha,

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147

anteriormente em mãos dos

cartagineses.[21] Para compensar esta

perda, Amílcar marchou à Ibéria, onde se

apoderou de vastos territórios no sudeste

do país. Durante uma década, Amílcar

dirigiu a conquista do sul da Ibéria,

apoiado militar e logisticamente por seu

genro Asdrúbal.[18] Esta conquista

restabelecia a situação econômica de

Cartago, graças à exploração das minas de

prata e estanho.

Juventude

Caricatura do juramento que fez Aníbal a

seu pai de ser sempre inimigo de Roma.

Aníbal Barca era o filho mais velho do

general Amílcar Barca e de sua mulher

ibérica.[21] [22] Ainda que «Barca» não

era um sobrenome, senão um apelido (de

barqä, "raio" em língua púnica), foi

adotado como tal por seus filhos.[23] Os

historiadores designam à família de

Amílcar com o nome de Bárcidas, a fim de

evitar a confusão com outras famílias

cartaginesas com os mesmos nomes

(Aníbal, Asdrúbal, Amílcar, Magón, etc.).

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148

Sobre a educação de Aníbal é pouco o

recolhido pelos autores greco-romanos. É

sabido que aprendeu de um preceptor

espartano, chamado Sosilos, as letras

gregas,[24] a história de Alexandre

Magno e a arte da guerra. Assim adquiriu

o modo de raciocínio e de ação que os

gregos chamavam Métis, fundado na

inteligência e a astúcia.

Depois de haver incrementado seu

território, Amílcar enriqueceu sua família

e, por extensão, Cartago.[18] Ao perseguir

tal objetivo, Amílcar se apoiou na cidade

de Gadir (atual Cádis, Espanha), próxima

ao Estreito de Gibraltar, e começou a

submeter as tribos iberas. Naquele

momento, Cartago se encontrava em tal

estado de empobrecimento que sua

marinha era incapaz de transportar o

exército à Hispânia. Amílcar se viu, pois,

obrigado a fazê-lo marchar até as Colunas

de Hércules a pé, para cruzar ali em barco

o Estreito de Gibraltar, entre o que

atualmente seriam Marrocos e Espanha.

O historiador romano Tito Lívio menciona

que quando Aníbal foi ver ao seu pai e lhe

rogou que o permitisse acompanhá-lo, este

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149

aceitou com a condição de que jurasse que

durante toda sua existência nunca seria

amigo de Roma.[2] [21] [22] [25] Outros

historiadores referem que Aníbal declarou

a seu pai:

Juro que enquanto a idade me permita

… empregarei o fogo e o ferro para

romper o destino de Roma.

— Aníbal[12] [26]

Seu aprendizado tático começou sobre o

terreno, baixo a égide de seu pai.

Continuou aprendendo de seu cunhado,

Asdrúbal, o Belo,[27] quem sucedeu a

Amílcar, morto no campo de batalha

contra os rebeldes iberos[22] em 229

a.C.[16] ou em 230 a.C.,[28] momento em

que o nomeia chefe da cavalaria.[2] [29]

neste domínio, Aníbal revela de imediato

sua resistência e seu sangue frio,[30] e sua

capacidade para se fazer apreciar e

admirar por seus soldados.[31] Asdrúbal

perseguiu uma política de consolidação

dos interesses ibéricos de Cartago.[16]

Para isso, casou Aníbal com uma princesa

ibera[32] de nome Imilce,[33] com a qual

teve um filho.[34] [35] No entanto, esta

aliança matrimonial é considerada

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150

improvável e não está atestada por

todos.[35] Por outro lado, Asdrúbal

assinou em 226 a.C. um tratado com

Roma pela qual a Península Ibérica ficava

dividida em duas zonas de influência.[28]

O rio Ebro constituía a fronteira:[28]

Cartago não devia expandir-se mais ao

norte deste rio, na mesma medida que

Roma não se estenderia ao sul do curso

fluvial.[29] Em 221 a.C., Asdrúbal fundou

a nova capital, Qart Hadasht, hoje

Cartagena, situada no que é atualmente a

província de Múrcia (ao sudeste da

Espanha).[16] Porém, um pouco mais

tarde, um escravo gaulês, que acusou

Asdrúbal de haver assassinado seu

amo[29] [36] o assassinou por sua vez em

torno do ano 221 a.C..[34]

Governo da Hispânia

Após ter assumido o comando, Aníbal

passou dois anos consolidando suas

aquisições e completando a conquista da

Hispânia ao sul do Ebro.[12] Contudo,

Roma, temendo a força crescente de

Aníbal na Ibéria, fez aliança com a cidade

de Sagunto, que fica a uma distância

considerável ao sul do rio Ebro e

Page 151: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

151

proclamou a cidade como seu protetorado.

Aníbal entendeu isso como um

rompimento do tratado assinado com

Asdrúbal, fazendo assim um cerco na

cidade, que caiu após oito meses. Roma

reagiu a essa aparente violação do tratado

e demandou justiça de Cartago. Em vista

da grande popularidade de Aníbal, o

governo cartaginês não repudiou as ações

de Aníbal, e a guerra que ele buscava foi

declarada no final do ano. Aníbal agora

estava determinado a levar a guerra até o

coração da Itália com uma rápida marcha

através da Hispânia e sul da Gália.

Segunda Guerra Púnica na Itália (218–

203 a.C.) Preparativos para atacar Roma

Aníbal e seus homens cruzando os Alpes.

A missão romana retorna ciente da

hostilidade da Hispânia, da neutralidade

dos gauleses e do apoio de Massília.

Quando os dois novos cônsules foram

escolhidos, Cipião foi incumbido de

considerar a Hispânia como sua

"província", e que desenvolvesse uma

nova frota, pois o sítio e a pilhagem de

Sagunto não poderia ser tolerado, sob a

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152

pena de abalar sua reputação entre

gauleses e iberos.

Os cartagineses iberos possuíam apenas

alguns navios de guerra para a proteção

da navegação entre a península Ibérica e a

África do Norte. Cientes de sua

supremacia marítima, os romanos se

prepararam para transportar suas legiões,

via Massília, para uma invasão dos

territórios de Nova Cartago ao sul do

Ebro. Contudo, Aníbal não se preparava

para defender seus novos territórios, nem

planejava cruzar o rio para prosseguir

com sua campanha ao norte. Os próprios

romanos também não consideravam o

ataque pelos Alpes, pois tal jornada

implicaria nada menos do que quinze

centenas de milhas.

Aníbal instruiu Asdrúbal para assumir o

comando na Hispânia caso se ausentasse

durante um ataque romano, além de

conseguir o apoio da maior parte da

Península Ibérica, deixou seu irmão

comandando o forte e nova cidade-porto e

ainda reuniu a tropa que julgava

necessária. Devido à sua estratégia, a

guerra havia sido declarada pelos

Page 153: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

153

romanos, que seriam vistos como

causadores do rompimento do tratado com

Cartago. Isso foi mostrado às tribos

gaulesas como um exemplo da falta de

palavra de Roma.

Aníbal dispôs tropas para salvaguardar

tanto a África quanto a península Ibérica,

e para assegurar-se de que seu irmão não

enfrentaria problemas de lealdade

enquanto ele estivesse distante, adotou a

política de transferir tropas iberas para a

África e tropas africanas para a Ibéria.

Na primavera de 218 a.C. as tropas foram

deslocadas dos quartéis de inverno para o

norte onde cruzaram o rio Ebro com doze

mil cavaleiros e noventa mil soldados de

infantaria. Na Catalunha, entre o Ebro e

os Pirenéus, encontraram resistentes

tribos das montanhas. Sua passagem foi

fortemente impedida, e muitas aldeias

precisaram ser arrasadas antes que eles

conseguissem prosseguir. Essa resistência

não era esperada, contudo, ficou claro que

ele havia partido com uma força maior do

que a pretendida para a campanha, haja

vista que deixara encarregados do novo

território e de manter guarda sobre os

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154

desfiladeiros entre a península Ibérica e a

Gália mil cavaleiros e dez mil soldados de

infantaria, sob o comando de seu irmão

Hanão.

Contornando o porto grego de Ampúrias,

o exército foi em direção aos Pirenéus.

Após Aníbal ter exposto seu plano de

campanha às tropas, qualquer demora

mais prolongada do que o necessário à

conclusão das preparações finais para a

marcha deveria ser evitada, pois possuía

informações de que a época ideal para

transpor os Alpes era o verão. Contudo, o

tempo necessário para alcançá-los foi

maior do que o pretendido.

Apesar de contar com grande número de

cavaleiros, as tropas também levavam 37

elefantes que seguiram desde a península

Ibérica, através dos Pirenéus e do rio

ródano, sobre os Alpes, até à península

Itálica. Não há registro de que algum

deles tenha morrido durante a marcha,

mas está escrito que, quando o Aníbal

chegou ao destino, seus elefantes ainda

permaneciam com ele.

Page 155: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

155

A utilização de elefantes de guerra era

bastante antiga no oriente, embora só

tivessem sido mencionados nas

campanhas de Alexandre, o Grande,

quando em 313 a.C. derrotou Dario III,

que tinha quinze elefantes em seu exército

na batalha de Gaugamela.

O que não era esperado era que os

gauleses boios, no norte da Itália,

entusiasmados pela notícia de que Aníbal

estava em marcha, se rebelassem contra

Roma e, conclamando seus aliados, os

ínsubres, para se unirem a eles,

invadissem a terra que os romanos haviam

colonizado. Os gauleses, valendo-se de seu

habitual poder de fogo, apanharam os

romanos desprevenidos, obrigando-os a

revisar seus planos prévios. As legiões que

partiriam para a península Ibérica não

poderiam ser dispensadas até que o

problema na Gália Cisalpina fosse

contornado.

O retorno dos cavaleiros númidas teria

sido suficiente para confirmar a pressa de

Aníbal. Em sua jornada de

reconhecimento, eles haviam encontrado

uma força de trezentos cavaleiros de

Page 156: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

156

Cipião, enviados numa missão similar.

Após esse encontro, os númidas, que se

saíram mal, bateram em retirada seguidos

pelos romanos. Acuados por dois fogos,

eles se puseram a correr

desordenadamente. Aníbal cuidou deles

com rapidez, e é significativo que em suas

campanhas tenha utilizado mão-de-obra

gaulesa de um modo cínico, exaltando sua

bravura mas nunca os colocando num

posto onde não estivessem cercados por

tropas treinadas, tampouco sem uma

retaguarda que os detivesse se eles

resolvessem desertar e fugir.

Os gauleses fugiram assim que a força

total dos cartagineses desembarcou.

Aníbal havia estabelecido sua cabeça-de-

praia na margem oriental do Ródano, e as

outras tropas ficaram para seguirem assim

que um transporte regular por balsas foi

organizado. Enquanto os últimos

preparativos eram feitos e a travessia dos

elefantes realizada, Aníbal se reunia com

chefes tribais das planícies do Pó, que

haviam lutado contra os romanos e que

agora insistiam para que não atrasasse

sua passagem para a Itália.

Page 157: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

157

Cipião regressou para Massília com suas

legiões. Mas a Hispânia lhe fora

designada como sua esfera de operações,

assim como toda a península Ibérica ainda

permanecia sendo a chave de toda a

guerra. Com Aníbal e seu exército

afastados, os romanos poderiam alcançar

a vitória e destruir o poder cartagineses.

Quanto a ele, estava claro que deveria

retornar à Itália para se encarregar

pessoalmente das tropas ao norte. Ele

enviou sua frota e seu exército à Hispânia

sob o comando de seu irmão Cneu e

embarcou para a Itália. Se as tropas de

Aníbal conseguissem atravessar os Alpes,

elas o encontrariam à sua espera.

Com os elefantes e uma retaguarda de

cavalaria seguindo o corpo principal das

tropas, o exército deslocava-se ao longo do

rio Ródano no sentido ascendente,

marchado o mais rápido possível, de modo

a escapar dos romanos.[carece de fontes]

Há um corredor escarpado na provável

rota de Aníbal durante os estágios iniciais

de seu avanço em direção aos Alpes que

tem sido aceitavelmente identificado ao

lugar onde os cartagineses tiveram seu

Page 158: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

158

primeiro conflito com os gauleses das

montanhas. É o desfiladeiro de Gás, que

por ser muito estreito era potencialmente

uma armadilha mortal, e se foi através

dessa rota que o exército passou, é possível

supor que Aníbal não havia feito qualquer

reconhecimento e fora enganado por seus

guias, ou que ele simplesmente resolveu

arriscar. Nenhuma dessas suposições

parece provável, mas a geografia da rota

de Aníbal tem originado inúmeros livros e

teses, nenhum com efetiva comprovação, a

menos que algum dia alguma evidência

arqueológica seja encontrada para provar

que "os cartagineses um dia passaram por

esse caminho"; o máximo que se pode

dizer é "devem tê-lo feito". À luz do dia, o

exército começou a se posicionar para a

passagem através da garganta. A essa

altura, os alóbrogos já haviam descoberto

que seus pontos estratégicos tinham sido

ocupados durante a noite.

Rota da invasão de Aníbal

Aníbal estava agora a meio caminho de

seu destino, aproximadamente, numa

travessia dos Alpes que ninguém jamais

pensara que um grande exército pudesse

realizar. De modo a não deixar o comboio

Page 159: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

159

de animais de carga e bagagens indefeso

na retaguarda, Aníbal, rápida e

cuidadosamente, posicionou-o atrás do

corpo principal da cavalaria, na

vanguarda; depois vinha o grosso do

exército, seguido da nata da infantaria

pesada como retaguarda. É quase certo

que, se não tomasse essas sábias

providências, teria perdido todo o seu

exército. Dois dias de marcha adiante, os

gauleses, que silenciosamente haviam se

concentrado nas montanhas ao redor,

prepararam seu ataque. O exército

passava através de uma estreita garganta,

seguindo a trilha que acompanhava o

curso de um pequeno e rápido rio

(possivelmente o rio Guil), que desagua no

rio Durance, o qual haviam deixado para

trás. Era outubro, e naquela tardia estação

do ano os cartagineses talvez tivessem

pouca noção de direção básica — sem

contar que desconheciam a área específica

daquele território. Aníbal sabia que a

Itália ficava em algum lugar a sudeste,

mas mesmo coordenadas elementares, tais

como o nascer e o pôr-do-sol, eram

mascaradas pelas montanhas. Os guias,

como ele suspeitava todo o tempo,

Page 160: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

160

provaram ser traiçoeiros.

Então, finalmente, "após uma subida de

nove dias, Aníbal atingiu o cume (…)". Lá

embaixo se revelava o território verde-

escuro da Itália. Para isso muitos tinham

morrido, e somente a impossibilidade de

retorno e a impetuosa inspiração de seu

líder haviam mantido esse exército

multirracial e poliglota em movimento

através da imensidão dos Alpes. Ele

esperou por dois dias no ponto onde a

trilha não ia mais acima.[carece de fontes]

Consta que Aníbal saiu de Cartagena

aproximadamente na metade de junho de

218 a.C. e passou cinco meses entre

Cartagena e as planícies do Pó. Portanto,

foi em meados de outubro que ele se deteve

ante a linha divisória de águas acima da

Itália e fitou o sul.

Contrariando o otimismo expressado no

discurso de Aníbal, a descida desde a linha

d'água foi até mesmo pior do que a longa

subida até ali. O inimigo não era mais o

gaulês das montanhas, mas sim as

condições impostas pelo inverno — a

queda de neve nas primeiras nevascas

Page 161: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

161

daquele ano, sob a qual, naquela altitude,

jazia a dura e compacta neve do ano

anterior.

A cavalaria deteve-se ali — parecia-lhes

que haviam finalmente alcançado o fim da

estrada, uma posição sem chances de

avanço — e foi comunicado a Aníbal que

o caminho era intransponível. Não

somente um deslizamento de terra, mas

também o volume de neve acumulada

bloqueavam o exército. A neve fresca

encobrindo as velhas trilhas fazia com que

os animais, quando rompiam a superfície,

afundassem as patas no leito mais abaixo,

enquanto a neve mole se fechava ao redor

deles, segurando-os como uma garra

gelada. Os homens se saíam pouca coisa

melhor: quando tentavam erguer-se sobre

as mãos e joelhos, eles não conseguiam

apoio na neve velha e profundamente

congelada, e escorregavam pelas escarpas

que serviam como degraus. Aníbal

percebeu que não havia como fazer

qualquer desvio, mas que o estreito

desfiladeiro da montanha podia ser

reforçado e toda a trilha nivelada.

Page 162: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

162

Por qual desfiladeiro Aníbal conduziu seu

exército na descida até as planícies do rio

Pó é pergunta que tem gerado muita

controvérsia no decorrer dos séculos e

ocasionado vários escritos diferentes, de

muitos monógrafos. Alguns desfiladeiros,

tais como o Grande St. Bernard e o

Pequeno St. Bernard, são relativamente

fáceis de se descartar, uma vez que eles

não levam ao país habitado pelos taurinos

— tribo em cujo território as forças de

Aníbal emergiram em sua descida dos

Alpes. O que é perfeitamente claro nos

relatos da travessia de Aníbal pelos Alpes é

que o desfiladeiro utilizado por ele está

entre os altos e perigosos que conduziam

de modo íngreme à Itália. Após

verificarmos todos os dados, sem contar as

teorias, os quatro mais cotados continuam

sendo o monte Cenis (tornado famoso por

Carlos Magno e Napoleão), o passo

Clapier, o Montgenèvre e o passo de

Traversette. O desfiladeiro Monte Cenis e

o Passo Clapier possuem ambos locais

próximos ao cume onde o exército poderia

ter acampado, mas o Passo Clapier tem

preferência, sendo um desfiladeiro alto e

rústico. Ele também possui uma saliente

espora no início de sua descida em direção

Page 163: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

163

à Itália, de onde se tem uma esplêndida

vista das planícies abaixo. O Montgenèvre,

que através dos anos ganhou muitos

partidários, oferece um bom local para

acampamento, mas é o mais baixo de

todos os desfiladeiros e não está de acordo

com o retrato da perigosa rota tomada por

Aníbal.

O desfiladeiro mais alto de todos os

quatro, o passo de Traversette, preenche

quase todos os requisitos das narrativas,

mas falta um local de acampamento

adequado. Fortes argumentos podem ser, e

têm sido, adaptados para cada uma dessas

quatro rotas de acesso. A escolha final

parece recair entre o desfiladeiro de

Clapier e o de Traversette, com ligeira

diferença em favor do passo Clapier.

Monte Cenis

Monte Montgenèvre

Monte Clapier

Para que não possam restar dúvidas,

quando chegaram as notícias a Roma de

que o impossível acontecera — Aníbal e

seu exército cartaginês haviam irrompido

Page 164: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

164

tal qual uma águia nos desfiladeiros dos

Alpes — houve pânico na cidade. Era,

contudo, uma águia esfarrapada e magra,

que então alisava suas asas sob a pálida

luz do sol de inverno do norte italiano e

tentava tirar algum proveito do que restou

da horrível marcha.

Reunidas uma vez mais em uma terra que

fornecia pasto, cereais e animais para

abate, as tropas, que em aparência e

condição mais se assemelhavam a animais

do que a homens, poderiam, pela primeira

vez em muitos meses, desfrutar de algum

conforto — ainda que não por muito

tempo — e recuperar suas forças. Aníbal

podia agora proceder a uma cuidadosa

análise e saber com exatidão o que o seu

inacreditavelmente arriscado

empreendimento havia lhe custado. Pela

vantagem da surpresa e para assegurar a

ligação da sua causa à dos gauleses na

Itália, ele havia pago tão caro que a

maioria dos generais teria considerado a

campanha já perdida. De acordo com

Políbio, a mais notável autoridade no

assunto, ele havia cruzado o Ródano com

cerca de cinquenta mil soldados de

infantaria e nove mil cavaleiros[19] e,

Page 165: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

165

uma vez que não há registro de quaisquer

perdas após ou durante a travessia do

Ródano, presume-se que fora com um

número aproximado — levando-se em

conta as perdas naturais devido a

acidentes e doenças — que ele tenha

iniciado sua subida aos Alpes.

Quinto Fábio Pictor, primeiro dos

historiadores latinos, conhecido como o

"Pai da História Romana", lutou contra

Aníbal na guerra que estava para começar

e reconheceu que naquele período os

romanos e seus Estados aliados eram

capazes de mobilizar setecentos e

cinquenta mil homens. Aníbal sabia, pois

fora avisado previamente pelos gauleses

na Itália, que muitos milhares deles iriam

se sublevar, aclamando-o como libertador,

e se uniriam às suas forças na guerra

contra Roma. Ele conhecia a bravura

deles (bem como sua falta de disciplina),

mas o que não poderia saber, enquanto

contemplava seu maltratado exército

recuperando-se no sopé dos Alpes, era

quantos deles exatamente se uniriam sob

seu estandarte. Havia subjugado as tribos

do norte da Hispânia, e tudo o que

precisavam da península Ibérica

Page 166: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

166

constituía agora colônia cartaginesa;

cruzara os Pirenéus e o rio Ródano; e

podia olhar para trás em direção aos

luzentes picos alpinos, que conquistara

com tão severas perdas, como a última

grande aventura entre ele e seu objetivo.

Porém agora deveria enfrentar os fortes e

disciplinados exércitos de Roma — e

naquele momento ele tinha não mais do

que vinte mil semidefinhados soldados,

seis mil cavaleiros em esqueléticos cavalos,

e trinta e sete extenuados elefantes. Era

muito pouco com que medir forças contra

o maior poderio do mundo mediterrâneo.

Primeiras batalhas contra os romanos

A batalha de Ticino, travada em novembro

de 218 a.C., foi uma batalha da Segunda

Guerra Púnica, na qual Aníbal derrotou

os Romanos sob Públio Cornélio Cipião

numa luta de cavalaria. A batalha do

Trébia deu-se em dezembro do ano 218

a.C., junto das margens do rio Trébia, na

atual região italiana da Emília-Romanha,

na qual o general romano Públio Cornélio

Cipião foi derrotado pelo exército

cartaginês comandado por Aníbal, em um

dos sucessos bélicos mais importantes das

Guerras Púnicas onde se confrontaram

Page 167: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

167

romanos e cartagineses. A batalha do

Lago Trasimeno, travada na primavera de

217 a.C., foi uma batalha da Segunda

Guerra Púnica, na qual Aníbal destruiu o

exército romano de Caio Flamínio numa

emboscada, matando-o.

A ditadura de Fábio

Estátua de Quinto Fábio Máximo, ditador

romano durante a Segunda Guerra

Púnica.

A derrota de Caio Flamínio no lago

Trasimeno, deixou Roma à mercê de

Aníbal. Esperava-se que o cartaginês, em

seguida, investisse contra a cidade para

tomá-la e terminar, vitoriosamente, a

guerra. Diante dessa séria ameaça, o

senado romano decidiu nomear um

ditador para dirigir a defesa, e a escolha

recaiu sobre o senador e ex-cônsul, Fábio

Máximo, que já exercera essa função

extraordinária, anteriormente.

Supondo que Aníbal marcharia contra

Roma, Fábio concentrou seus esforços em

preparar a cidade e seus cidadãos para a

resistência ao invasor. Mas como o

exército cartaginês não apareceu ele

concluiu que Aníbal não dispunha dos

Page 168: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

168

equipamentos necessários para cerco e

assalto, e que esperava que os romanos

reunissem suas últimas reservas para

esmagá-las em campo de batalha.

Mas o ditador não se dispôs a dar a Aníbal

o que ele queria. Ao contrário, consciente

da superioridade militar do inimigo,

decidiu evitar uma nova batalha campal,

preferindo fustigar as forças púnicas,

numa guerra de desgaste. Para tanto,

ordenou que todas as pessoas residentes

na linha de marcha de Aníbal

abandonassem suas casas e fazendas,

queimassem todas as suas propriedades e

destruíssem suas colheitas, para privar os

invasores de quaisquer meios locais de

manutenção. Por adotar essa tática, tão

estranha à tradição militar romana, Fábio

foi apelidado, pejorativamente, de

"cunctator" (contemporizador), sendo

alvo de muitas críticas por parte de seus

concidadãos e, sobretudo, de seus

adversários políticos.

Quando Aníbal moveu-se para o sul,

Fábio o seguiu, mantendo seus homens no

sopé dos Apeninos, de onde ele poderia

despachar grupos de ataque para isolar

Page 169: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

169

forrageadores e acossar os flancos do

inimigo. E todas as vezes que o cartaginês

lhe ofereceu uma oportunidade de

combate, ele, cautelosamente, a ignorou.

Nem mesmo quando Aníbal atacou

Cápua, esperando que Fábio usasse suas

legiões para defender a cidade, nem assim

o ditador abandonou a estratégia que

decidira adotar.

Quando se esgotou o tempo (limitado) de

sua ditadura, Fábio Máximo devolveu o

comando aos cônsules Servílio e Régulo

(que havia substituído Flamínio). Pouco

tempo depois, foram eleitos os cônsules de

216 a.C.: Lúcio Emílio Paulo, membro de

uma renomada família patrícia, e Caio

Terêncio Varrão, um plebeu de opiniões

radicais, que se tornara um dos maiores

críticos da estratégia contemporizadora de

Fábio Máximo. Eles dariam a Aníbal o

que Fábio lhe negara: uma grande

batalha, que talvez decidisse a guerra.

Canas

Ver artigo principal: Batalha de Canas

Aníbal contando os anéis dos cavaleiros

romanos caídos na Batalha de Canas (216

Page 170: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

170

a.C.). Mármore de 1704 esculpido por

Sébastien Slodtz, atualmente exposto no

Museu do Louvre.

Na primavera de 216 a.C., Aníbal

começou a movimentar-se. Os suprimentos

de Gerônio estavam quase esgotados e não

havia mais nada a ser tirado da terra

conquistada. Enquanto os romanos

mantinham um firme sistema de

suprimento para os seus exércitos em

campo, Aníbal sempre era forçado a

capturar algum rico depósito ou deixar o

país, uma desvantagem que ele iria sentir

ao longo de suas campanhas. Marchou

para o sul e, cruzando o Rio Aufido

(Ofanto), desceu sobre a cidade de Canas.

Apesar de ser um lugar sem importância

em si, era um dos principais depósitos de

grãos que os romanos usavam para

abastecer o exército. A cidade situava-se

em uma colina que se erguia

abruptamente de uma indistinta planície,

através da qual o Aufido fluía de modo

tortuoso para o Adriático, cerca de seis

milhas distante.

Apoderando-se de Canas, Aníbal privara o

exército romano de uma importante fonte

Page 171: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

171

de suprimentos, assegurando, além disso,

alimentação mais do que adequada para

seu próprio exército. Depois, o precoce

milho da Apúlia estava amadurecendo e

ele encontrava-se, assim, em posição de

isolar os romanos dessas futuras colheitas.

Servílio e Atílio, os cônsules do ano

anterior que ainda estavam com o

exército, defrontavam-se com um dilema.

Até que fossem rendidos pelos dois novos

cônsules, Lúcio Emílio Paulo e Caio

Terêncio Varrão, estavam tecnicamente no

comando. Eles certamente não tinham o

desejo de travar batalha contra o

formidável cartaginês, particularmente

porque sabiam que o exército que iria se

juntar a eles significava, praticamente, a

única esperança que os romanos possuíam

de derrotar o inimigo. Fora a batalha,

suas únicas opções reais eram seguir

Aníbal a uma distância segura e conseguir

seus suprimentos de armazéns distantes,

ou retirar o exército inteiramente até que

fossem reforçados pelas novas legiões.

O senado havia determinado aquele ano

para a batalha. Eles tinham o apoio não só

do povo como também dos equites, a

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172

cavalheiresca casta aristocrática. Todos os

segmentos da população, embora houvesse

grande divisão entre eles — divisão

fomentada por homens como Varrão —

estavam decididos a vingar as derrotas que

Roma sofrera nas campanhas dos dois

anos prévios, e apagar o desprezo lançado

sobre o nome romano pela presença desse

general cartaginês e seu exército

improvisado nas terras da Itália.

Não apenas sua honra e suas tradições os

exortavam a oferecerem seus serviços, mas

consta que tanto plebeus quanto

aristocratas perceberam que Roma, não só

a cidade mas também todo o conceito da

Roma eterna, havia chegado a um ponto

crítico. Embora ainda fosse uma

república, era fato que a Roma imperial já

havia começado a despontar — e nenhum

império pode sobreviver se não consegue

lidar com os invasores de sua própria

terra. Era essencial, para manter o

respeito dos países sob seu poder, e dos

que ainda viriam a estar, que o invasor

fosse aniquilado. Determinado, então, a

uma decisiva batalha em larga escala, o

Senado deu ordens para os procônsules

permanecerem com o exército existente e

Page 173: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

173

não fazerem qualquer movimento até que

fossem reforçados pelos cônsules Lúcio

Emílio Paulo e Caio Terêncio Varrão — e

o novo exército de 216 a.C..

Contra eles, Aníbal colocou quarenta mil

homens de infantaria e dez mil de

cavalaria. Parte da discussão a respeito do

número exato de romanos engajados em

Canas parece ter vindo do fato de os

comentadores não aceitarem de bom grado

a possibilidade de tamanha desproporção

entre a extensão dos dois exércitos: no

máximo, os romanos teriam o dobro de

homens que o inimigo e, na pior das

hipóteses, seriam um quarto mais

numerosos. Porém, exemplos suficientes

existem, ao longo dos tempos, de pequenas

forças triunfando sobre grandes, e em

Canas havia muitas vantagens do lado de

Aníbal que de longe sobrepujavam

qualquer superioridade numérica

ostentada pelos romanos. Sucede que ele

não era somente um génio da guerra, mas

também estava num comando solitário e

sem divisões. Ademais, seus outros

comandantes eram excepcionalmente

brilhantes, tinham trabalhado e lutado

juntos em muitos campos de batalha, e

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174

conheciam e respeitavam a qualidade de

seu líder. (Como o "bando de irmãos" de

Nelson, eles não necessitavam de

quaisquer ordens, uma vez que a ação

tivesse iniciado, pois se entendiam

completamente.)

Não bastasse isso, o exército cartaginês,

embora misto, consistia inteiramente de

soldados experientes, que gozavam de

completa confiança, vantagem que os

sucessos prévios lhe proporcionaram,

enquanto a maioria dos romanos e seus

aliados, por outro lado, era formada de

inexperientes grupos. Ainda um último

fator de vantagem, de modo algum menos

importante, foi terem chegado primeiro ao

local; assim tiveram tempo de se refazer e

explorar a área inteira ao redor de Canas

e do rio Aufido, ao passo que os romanos

vinham de uma longa marcha por um

lugar estranho, e com comandantes em

discordância um com o outro.

Apesar da desproporção numérica,

portanto, a verdadeira desigualdade agia

em favor do cartaginês e é improvável que

Aníbal tenha ficado mais intranquilo do

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175

que qualquer general que estivesse prestes

a mandar seu exército para a batalha.

Aníbal primeiro acampou às escondidas

ao sul da colina de Canas. Ao ouvir sobre

a aproximação dos romanos, deslocou

suas tropas através do Aufido e montou

um novo acampamento na margem oeste.

Uma vez que a terra, daquele lado, era

ainda mais plana e adequada para a

cavalaria, ele esperava poder enfrentá-los

onde a superioridade de seus cavaleiros

mais facilmente se fizesse sentir.

No dia em que os dois exércitos, pela

primeira vez, ficaram à vista um do outro,

Lúcio Emílio Paulo estava no comando e,

reconhecendo que a terra adiante

favorecia claramente uma ação de

cavalaria, alertou Caio Terêncio Varrão

de que as legiões levariam maior

vantagem se elas se deslocassem para um

solo mais acidentado. Varrão não

concordou e, no dia seguinte, estando no

comando, decidiu levar as legiões pelo

Aufido e enfrentar Aníbal do outro lado da

planície. Embora Políbio atribua o

pronunciamento às tropas a Paulo,[19]

não pode haver dúvidas de que as

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176

palavras, a seguir, refletiam a opinião de

Varrão: (…) Seria estranho ou certamente

impossível que, após enfrentarem seus

inimigos em termos de igualdade em

tantas escaramuças diferentes, e na

maioria dos casos saindo vitoriosos, agora

que vão confrontá-los com suas forças

unidas, as quais superam as deles em mais

de dois por um, vocês fossem batidos.

Varrão estava bastante consciente de que

o novo exército tinha sido enviado para

conquistar uma grande vitória e livrar

Roma do cartaginês de uma vez por todas.

Ele não utilizava qualquer tática ao gosto

de Quinto Fábio Máximo, o Protelador, e

falar sobre deslocamento por solo

acidentado só o deixava mais determinado

a descer até a planície.

Então, todo o exército romano moveu-se

para a margem oeste do Aufido, onde

estabeleceram seu acampamento

principal, em frente às tropas de Aníbal,

cerca de duas milhas distante deles ao

norte.

Ao mesmo tempo, parte do exército foi

enviada através de um vau para

estabelecer um acampamento secundário

Page 177: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

177

menor na margem oriental do rio. Quando

os romanos estavam em coluna de

marcha, foram atacados por alguns dos

cavaleiros ligeiros númidas, sofrendo

algumas poucas baixas. Esse encontro não

foi de grande consequência e os númidas

retiraram-se quando se viram frente à

cavalaria pesada romana reforçada pelas

legiões. Quando muito, os romanos

ficaram com a vantagem nesse primeiro

choque, o que deve ter gerado certo

otimismo, "não tendo os cartagineses

alcançado o sucesso que esperavam".

No dia seguinte, Lúcio Emílio Paulo

reassumiu o comando e "vendo que os

cartagineses em breve teriam que trocar de

acampamento de modo a obter

suprimentos, permaneceu imóvel, após

garantir seus dois acampamentos com

forças de cobertura." Nisso ele estava

totalmente correto, pois, deslocando-se

através do rio, Aníbal estava agora do

outro lado de Canas e de seus

suprimentos. Ele novamente enviou os

númidas, que tinham ordens de acossar os

destacamentos romanos de abastecimento

de água ocupados em trabalho fora do

acampamento menor, no lado leste do rio.

Page 178: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

178

Os romanos tiveram seu moral desgastado

quando viram aquele acampamento

distante assediado por esquadrões volantes

de cavaleiros e seus suprimentos de água

negados.

Estratégia arquitetada por Aníbal para

destruir o exército romano durante a

Batalha de Canas, cortesia do

Departamento de História da Academia

Militar dos Estados Unidos.

Era junho. O quente verão se instalara; a

água era importantíssima, e a planície ao

redor do rio Aufido começava a rachar

com o calor. Durante aquela noite, ou no

começo do dia seguinte, o vento mudou

para o sul e um siroco (conhecido

localmente como Volturno) começou a

soprar. Bafejando preguiçosamente ao

longo do Adriático, e atingindo os dois

exércitos acampados milha após milha

através da Itália, do mar Jônio e do

distante golfo de Taranto chegava o ar

úmido, trazendo a poeira da terra consigo.

Vento desgastante, o siroco deixa uma

cobertura de poeira e umidade mesmo

sobre o viajante sem cargas; as novas

legiões, pouco acostumadas a levar armas

e armaduras, ao contrário dos veteranos

Page 179: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

179

de Aníbal, suavam à medida que subia o

sol. Já era o cruel "sol leão" de verão e os

homens teriam que se defrontar não

apenas com o adversário, mas também

com o maior inimigo de todos nas terras

sulinas, o calor do meio-dia. Naquele dia,

o quarto desde que os exércitos haviam se

avistado, era a vez de Caio Terêncio

Varrão assumir o comando, "e logo após

nascer o sol começou a deslocar-se, com

suas forças, de ambos os acampamentos".

Cruzou o rio com a parte principal do

exército e reuniu-se ao acampamento

menor na margem leste. Suas razões para

agir assim não foram investigadas pelos

historiadores primitivos e, todavia, esse

movimento que determinou o local do

campo de batalha é logicamente

importante. Em primeiro lugar, o segundo

acampamento fora inicialmente

estabelecido de modo a prover um local

para abastecimento de água de um vau

adequado, e a água seria crucial num dia

de verão. Em segundo, movendo-se pelo

lado em que se elevava a colina de Canas e

seus celeiros, Caio Terêncio Varrão

ameaçava os suprimentos de alimento de

Aníbal. Em terceiro lugar, sendo o

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180

primeiro a mover-se e a ter forças

dispostas em linha diante do calor do dia

que se iniciava, deve ter esperado

surpreender Aníbal e, antevendo que as

forças deste último naturalmente se

deslocariam para enfrentar os romanos,

pilhar o exército cartaginês enquanto

ainda estivesse em desordem após ter

atravessado o rio. Finalmente, a terra na

margem leste do Aufido, embora bastante

plana, possuía uma quantidade de

ondulações e irregularidades que

tornariam as coisas difíceis para a

cavalaria. Varrão não agiu com estupidez

precipitada.

Tão logo viu os romanos a mover-se

naquele tórrido dia, Aníbal enviou suas

tropas com armas leves — os

fundibulários e os lanceiros — através do

rio. Ele sabia quem estava no comando do

exército romano e que, mesmo antes de o

corpo principal das tropas oponentes

começar a desfilar em direção do rio, após

uma longa demora, ele havia trazido o

corpo principal das armas romanas para a

batalha. Desde o lago Trasimeno esperava

por esse momento, e o ano de espera —

sempre frustrado pela inteligente

Page 181: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

181

temperança de Quinto Fábio Máximo

talvez agora pudesse ser levado à

necessária e dinâmica conclusão.

Os romanos posicionaram-se em formação

de batalha quando Aníbal e a corporação

de seu exército cruzaram o Aufido em dois

locais separados e entraram no padrão

tátíco que seu general lhes havia

designado. Se estivesse lutando na

margem oeste do Aufido, teria colocado os

cavaleiros ligeiros númidas em seu flanco

esquerdo, onde sua mobilidade poderia ser

melhor utilizada, e sua cavalaria pesada à

sua direita, bem próximo do rio, onde não

importaria tanto se seu ataque fosse

restrito.

Como estava, posicionando seu exército

na terra abaixo da colina de Canas,

colocou os númidas no seu flanco direito,

onde eles novamente poderiam fazer uso

do terreno aberto, e a brigada pesada,

consistindo de iberos e gauleses, à sua

esquerda, perto do sinuoso rio. Eles

estariam de frente para a cavalaria da ala

direita romana e ele esperava que sua

maior habilidade e a superioridade

numérica o capacitassem a enfrentar os

Page 182: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

182

romanos na margem do rio. Próximo a

eles, estacionou metade de seus veteranos

africanos, a infantaria de armas pesadas

locupletada de equipamento bélico tomado

dos romanos em Trasimeno. No centro,

onde ele próprio comandava, posicionou o

corpo de suas tropas, os iberos e gauleses,

com a outra metade dos africanos à sua

direita, e além deles os cavaleiros

númidas. Os africanos "estavam armados

à moda romana.

Cquote1.svg Os escudos dos iberos e dos

celtas eram muito similares, mas suas

espadas eram inteiramente diferentes: as

dos iberos trespassavam mortalmente

devido ao seu corte, mas as gaulesas eram

apenas capazes de talhar, precisando de

um longo movimento para fazê-lo. Do

modo como estavam dispostos em

companhias alternadas, com os gauleses

despidos e os iberos em túnicas curtas

bordadas em púrpura, sua vestimenta

nacional, eles representavam uma

estranha e impressionante visão.

— Políbio[19]

O irmão de Aníbal, Magão, estava junto

dele no comando do núcleo; Asdrúbal,

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183

oficial da equipe de Aníbal, comandava a

esquerda cartaginesa; Hanão, à direita,

com o grande comandante da cavalaria

Maárbal liderando os cavaleiros númidas.

Enquanto isso, o maior exército que Roma

jamais enviou a campo estava disposto

contra ele do modo convencional, com a

cavalaria em cada uma das alas, os

cavaleiros aliados à esquerda, de frente

para os númidas, e os romanos à direita,

próximo do rio, enfrentando a cavalaria

pesada de Aníbal. No centro estavam as

legiões, fileira após fileira: "os manipules,

mais próximos um do outro do que de

costume, fazendo com que a profundidade

de cada um muitas vezes excedesse sua

frente". Era esperado que, como em

muitos campos de batalha, o peso blindado

dos disciplinados legionários abrisse um

buraco através do núcleo de Aníbal.

Emílio Paulo, relutante porém apto para

essa ação que ele considerava imprudente,

comandava a cavalaria romana, enquanto

Caio Terêncio Varrão liderava a cavalaria

aliada. Gemino Servílio, o cônsul do ano

anterior, comandava o núcleo romano

composto pelas legiões.

Page 184: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

184

Naquele instante, quando ambos os

exércitos se encararam e o abrupto peso e

superioridade numérica dos romanos

ficaram evidentes aos olhos de todos, deve

ter ocorrido um momento de tremor entre

os cartagineses, e entre o pequeno grupo

de oficiais de comando em volta de Aníbal.

O escudo de Henrique II de França

representando a vitória de Aníbal em

Canas, uma ilusão do conflito da França

com o Sacro Império Romano Germânico

durante o século XVI.

O pequeno grupo, então, desatou a rir, a

tensão foi quebrada, e as fileiras atrás

deles sentiram sua confiança restaurada

pelos risos dos líderes ecoando no ar do

verão. No momento em que os exércitos

colocaram-se em ordem de batalha — as

tropas com armas leves, fundibulários,

atacantes e lanceiros, avançando para

iniciarem os primeiros ataques — o sol

estava a pino. Assim que começou a

inclinar-se para o sul, os romanos ficaram

com o sol nos olhos, e os cartagineses, de

costas para ele. O siroco começou a soprar

mais fortemente à medida que o dia

avançava, "um vento", como Lívio diz,

"que sopra nuvens de poeira sobre a seca

Page 185: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

185

aridez das planícies".[37] Levantando-se

sobre a terra atrás das linhas cartaginesas,

soprou rispidamente no rosto dos romanos

e de seus aliados. Quando o trote de

milhares de homens e cavalos, o alarido de

armaduras e espadas, o relincho dos

cavalos e os brados de comando de oficiais

e centuriões haviam acalmado, os dois

exércitos se defrontaram no penoso semi-

silêncio que precede uma tempestade. Ao

som das trombetas de bronze, as tropas

leves avançaram através do ar denso para

desferirem seus primeiros golpes

exploratórios umas contra as outras, como

boxeadores procurando por uma brecha.

Assim que os exércitos começaram a

mover-se, foi notável que o núcleo

cartaginês se lançasse à frente numa

curiosa disposição em formato de um

crescente, com a cúspide desse crescente

projetando-se em direção ao inimigo, "a

linha das companhias laterais ficando

mais afilada à medida que se prolongava".

Aníbal abriu a batalha propriamente dita

com os iberos e gauleses, deixando os

africanos armados com armas pesadas

como reservas em cada ala. Eles

formavam, por assim dizer, fortes

retângulos flanqueando o saliente

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186

crescente. Sombrias e tenebrosas,

equipadas com armas romanas, as tropas

africanas eram como sombras em cada

lado da sanguinária meia-lua guerreira

que se projetava além deles.

O verdadeiro combate começou com os

cavaleiros iberos e gauleses e a cavalaria

pesada romana, ambos constringidos pelo

rio. Somente um ataque frontal poderia

sobrevir, e os romanos — os cavaleiros de

armadura ávidos para provar sua virtude e

patriotismo, à frente dos legionários

plebeus — tinham a desvantagem de, ao

contrário dos seus oponentes, não terem

vivido e lutado na sela por vários meses,

para não dizer anos. "Ambas as partes

investiram direto à frente", escreve

Lívio,[37] "e assim que os cavalos

pararam, emaranhados na multidão, os

cavaleiros se atracaram com seus inimigos

e os arrastaram para fora das selas.

Combatiam, agora, em sua maioria, sobre

seus pés (…)". Os romanos, há apenas

cerca de uma semana fora dos quartéis de

inverno, muitos deles pacatos homens da

cidade, não foram páreo para seus

inimigos. "(…) Mesmo tendo sido severa,

a batalha logo terminara, e a derrotada

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187

cavalaria romana voltou-se e fugiu". A

cavalaria pesada atacou através da lacuna

deixada pelo colapso da ala direita

romana. O cônsul Lúcio Emílio Paulo,

que estava no comando, escapou incólume

dessa selvagem ação e cavalgou para o

núcleo, onde se colocou na vanguarda dos

legionários, "encorajando e exortando

seus homens". Ele era da velha linhagem

romana, conservador, porém preparado

para lutar mesmo onde ele próprio não

teria travado batalha.

À direita cartaginesa os númidas tinham

agora entrado em ação contra os

cavaleiros aliados de Roma com os

africanos usando o espaço livre do terreno

além deles para impedir qualquer ataque

frontal, mas dando a volta e atacando seu

inimigo em turnos de mergulhos e

retiradas, como aves de rapina. Enquanto

isso, os corpos principais dos dois

exércitos, as esforçadas infantarias,

haviam entrado em colisão. Aníbal, "que

havia estado nessa parte do campo desde o

início da batalha", despreocupado, como

sempre, com sua própria segurança,

liderava as mesmas tropas que ele enviara

ao sacrifício. A linha estreita de iberos e

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188

gauleses não suportaria muito mais tempo

os golpes duros como de clavas que a

densa massa das legiões em avanço

desferiam contra ela. Vagarosa, mas

constantemente, a cúspide do crescente

sucumbia e retrocedia, primeiramente em

corte, e depois em forma de U. As legiões,

bastante amontoadas desde o início e sem

a mobilidade que sua formação aberta de

manipulo normalmente lhes

proporcionava, começavam agora a afluir

para trás, uma após a outra, de modo que

pareciam uma torrente de armaduras

arrebentando-se sobre um dique em

desmoronamento. Mas em ambos os lados

do núcleo que recuava as muralhas de

ferro dos africanos permaneciam firmes.

Ao contrário dos legionários que

lideraram o ataque e dos legionários que

os seguiam (comprimidos, ombro a ombro,

dificilmente capazes de erguerem os

braços armados com espadas), os

africanos não tinham até agora tomado

parte na luta.

Na ala direita cartaginesa, os númidas

haviam triunfado da cavalaria aliada

romana, não sendo essa última páreo para

os mais habilidosos cavaleiros do mundo,

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189

que agora perseguiam o inimigo enquanto

este dispersava.

Entre os que fugiam estava o cônsul Caio

Terêncio Varrão, o homem cuja confiança

mal direcionada havia levado a esse

sangrento encontro no campo de Canas.

Durante todo o tempo, as legiões romanas

continuavam a forçar o núcleo de Aníbal.

Elas haviam penetrado tão fundo que a

infantaria africana nos flancos projetava-

se de cada lado como margens cercando

um movimentado rio de armaduras.

Asdrúbal, oficial da equipe de Aníbal, à

frente da cavalaria pesada cartaginesa,

tinha, enquanto isso, destroçado

completamente a ala direita romana e, em

seguida, guiou seus cavaleiros para trás

das legiões romanas, atacando a cavalaria

aliada em seu flanco esquerdo. Já em

desordem, ou em fuga diante dos númidas,

esse trovão da cavalaria pesada em sua

retaguarda completava o colapso da ala

esquerda romana.

Uma trombeta soou. O momento havia

chegado. A tática de Aníbal de duplo

envolvimento das legiões romanas estava

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190

concluída. As tropas africanas,

pesadamente armadas, disciplinadas e

robustas, fizeram seu movimento: "os da

ala direita volvendo para a esquerda, e os

da ala esquerda, volvendo para a direita

(…)". Sobre a massa de romanos que se

debatia entre os cartagineses, agora

apanhados no núcleo das tropas, os

africanos se movimentaram como os dois

lados de um torno se fechando. Para

completar essa terrível armadilha dentro

da qual as legiões haviam mergulhado na

perseguição ao núcleo de Aníbal em

colapso, suas linhas de retaguarda agora

viam-se atacadas. A cavalaria pesada,

tendo completado a destruição da

cavalaria aliada, havia deixado que os

númidas os perseguissem enquanto

fugiam, para surpreender a retaguarda

das legiões romanas.

Cercados, uma vez que os iberos e

gauleses que formavam o núcleo de

Aníbal ainda lutavam ferozmente,

disputando cada pedaço de solo, os

romanos foram totalmente atingidos pelo

arrocho das duas alas formadas pelos

africanos. Por toda aquela tarde quente, a

Page 191: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

191

planície abaixo da colina de Canas se

transformara num matadouro.

Lívio escreve que quarenta e cinco

centenas de soldados de infantaria e dois

mil e setecentos cavaleiros foram mortos

numa proporção quase igual de cidadãos e

aliados.[37] Apiano e Plutarco dão um

total de cinquenta mil homens;[38]

Quintiliano, sessenta mil homens, e

Políbio eleva o grande total de romanos

mortos a setenta mil.[19] Os cartagineses

perderam aproximadamente quatro mil

gauleses, mil e quinhentos iberos e

africanos, e duzentos cavaleiros.

Assim como o cônsul Lúcio Emílio Paulo,

os dois cônsules dos anos anteriores,

Servílio e Atílio, foram ambos mortos,

além de Minúcio, o chefe dos cavaleiros de

Quinto Fábio Máximo|Fábio. Oitenta

senadores, dois questores (tesoureiros do

Estado) e vinte e nove tribunos militares

— mais da metade do total daqueles

descendentes de sangue nobre romano —

morreram naquele dia.

Após a batalha

Page 192: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

192

Caio Terêncio Varrão, junto com um

pequeno grupo de cavaleiros aliados,

cavalgou para Venusia (atual Venosa)

trinta milhas adiante. Políbio comenta que

"ele desgraçou a si mesmo com tal fuga; o

exercício do seu mandato tinha sido o

menos proveitoso possível para o seu

país".[19] O mais espantoso é que, ao

chegar, por fim, a Roma, foi recebido por

uma grande multidão que o congratulava

por não ter perdido a esperança na

república. Seria essa flexibilidade — a

pura força e vitalidade — das instituições

políticas de Roma que no fim derrotaria

Aníbal. Em Cartago, o destino de um

general malsucedido e covarde era bem

conhecido — ele era crucificado.

Da infantaria sobrevivente um número

não especificado conseguiu chegar a

Canusio (atual Canosa di Puglia), entre

eles um dos tribunos militares, o jovem

Cipião. Este era testemunha da

genialidade de Aníbal, a qual ele iria

estudar e aproveitar. Anos mais tarde, no

campo de batalha norte-africano de Zama,

ele demonstraria ter absorvido bem as

lições. Dez mil homens que haviam sido

deixados para guardar o acampamento

Page 193: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

193

romano e, se possível, atacar e tomar o

acampamento principal dos cartagineses,

foram apanhados após a batalha; foram

mortos dois mil, e os restantes,

aprisionados. A pilhagem do

acampamento romano e do campo de

Canas foi considerável: armas e

armaduras, arreios de cavalos, prata e

ouro, cavalos e bagagem. Diz-se que

somente os anéis com sinetes de ouro,

tirados dos cavaleiros romanos que

haviam tombado em batalha, somavam

três bushels de peso. Aníbal, como de

costume, tentou recuperar os corpos de

seus líderes oponentes, mas somente o do

cônsul Lúcio Emílio Paulo pôde ser

identificado, e a ele foi dado um honroso

funeral.

Naquele momento de triunfo, quando

parecia que seus inimigos estavam

irreversivelmente derrotados, dificilmente

haveria surpresa se alguns dentre os

cartagineses sentissem ter chegado a hora

de marchar sobre Roma. Ainda menos

surpreendente seria que esse sentimento

tivesse sido externado por Maárbal, um

comandante de cavalaria sem igual, que

com justiça achava que muito do êxito

Page 194: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

194

obtido pelos cartagineses desde a chegada

à Itália podia ser atribuído aos seus

soberbos cavaleiros. É natural para um

cavalariano ter o sangue quente e ser

cheio de ela, e Maárbal agora clamava ao

seu líder para fazer uso da oportunidade

que tão devastadora vitória lhe

proporcionara. "No quinto dia a partir de

agora", ele teria dito, segundo Lívio,

"você irá jantar como um vitorioso na

colina do Capitólio. Meus cavaleiros irão à

sua frente, e os romanos saberão que você

chegou, mesmo antes de imaginarem que

viria".[37] Aníbal respondeu que, embora

tais palavras fossem boas de se ouvir, ele

ainda precisava de tempo para considerar.

Ao que veio a famosa e irada resposta de

Maárbal, ressoando através dos tempos:

"Aníbal, vejo que os deuses dão a um

homem muitas dádivas, mas não todas.

Você sabe como vencer, mas não sabe o

que fazer das suas vitórias!"[nota 1]

Aníbal não tinha opção. Seu exército não

era grande o bastante para investir sobre

uma cidade do tamanho de Roma e

cerceá-la, e ele não possuía maquinário

para um cerco.

Page 195: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

195

Cquote1.svg Os cartagineses, com essa

ação (em Canas), tornaram-se, de uma vez

por todas, senhores de quase todo o resto

da costa. Com Tarento rendendo-se

imediatamente, enquanto Argiripa e

algumas cidades campanianas

convidavam Aníbal para vir até elas (…)

Os romanos, por seu lado, devido a essa

derrota, abandonaram de vez todas as

esperanças de reter sua supremacia na

Itália, apreensivos que estavam por sua

própria segurança e a de Roma, com a

expectativa de que Aníbal aparecesse a

qualquer momento.

— Políbio[19]

As razões pelas quais ele não o fez são

conhecidas, mas naquele momento parecia

inconcebível para os romanos que ele não

seguisse adiante com seu triunfo. As

primeiras notícias que chegaram à cidade

depois que os mensageiros foram enviados

para ver o que tinha acontecido em Canas

eram que o exército havia sido destruído e

ambos os cônsules mortos. Ainda não se

sabia que Caio Terêncio Varrão estava

reunindo "algo semelhante a um exército

consular" em Canúsio. Não havia sinal do

acampamento romano, e o inimigo parecia

Page 196: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

196

estar de posse de toda a região. Era como

se aquelas orgulhosas legiões novas, que

haviam marchado para o sul para

destruírem Aníbal de uma vez por todas,

terminassem elas próprias varridas da face

da Terra.

O tratamento de Aníbal a seus prisioneiros

diferiu ligeiramente nessa ocasião, uma

vez que ele não permitiu de pronto que os

aliados retomassem livres para os seus

lares. Ele separou uns dos outros, mas

ofereceu tanto aos aliados quanto aos

romanos a liberdade em troca do

pagamento de um resgate — sendo o

pagamento imposto aos romanos

cinquenta por cento superior ao exigido

pelos aliados. Ele já tinha prisioneiros e

escravos mais do que suficientes e, apesar

da riqueza armazenada pelo campo de

batalha, sentiu provavelmente ser a hora

certa para adquirir tanto dinheiro quanto

possível, em vista do futuro pagamento de

suas tropas. Ele tomou, uma vez mais, o

cuidado de enfatizar aos aliados que sua

guerra não era contra eles, mas contra

Roma, e permitiu que uma delegação de

dez romanos partisse para a cidade deles

em companhia de um nobre cartaginês,

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197

Cartalão. Quaisquer que fossem as

expectativas de Aníbal, ele ficaria

desapontado: Cartalão não foi recebido

em Roma e, sob advertências, precisou

deixar os limites da cidade antes do cair da

noite. Se Aníbal esperou com tal

generosidade ter uma oportunidade de

descobrir o estado do moral romano, o

Senado estava igualmente convencido de

que ele deveria aprender que não houvera

qualquer fraqueza. Após muito debate,

decidiu-se que os delegados deveriam ser

enviados de volta a Aníbal com a

mensagem de que Roma não tinha

qualquer intenção de pagar resgates por

seus soldados capturados.

Nesse momento de desastre, Roma exibia

aquela face dura e resistente que faria

dela a cabeça de um grande império.

Embora pudesse bem ter utilizado esses

soldados, sentia-se e proclamava-se que

era o dever de um romano morrer a

render-se. A cidade abraçara o código

espartano. Dificilmente haveria dentro dos

muros de Roma uma mãe que não tivesse

perdido um marido ou filho nas

campanhas de Aníbal: não foi permitido

que elas deixassem suas casas de luto.

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198

Quinto Fábio Máximo, o Protelador, uma

vez mais sustentou o velho código romano,

encarregando-se do moral, bem como do

trabalho nas defesas. O luto público foi

proibido; o rumor e o falatório foram

eliminados pela imposição do silêncio em

locais públicos; todos os portadores de

notícias vindos de fora da cidade eram

imediatamente trazidos à presença dos

pretores para que revelassem suas

informações (mas não lhes era permitido

discuti-las depois disso), e sentinelas

foram postados nos portões para impedir

que qualquer um deixasse a cidade. A

necessidade dessas medidas severas foi

reforçada quando as últimas notícias

terríveis chegaram: um exército consular

no norte da Itália, sob o comando do

cônsul eleito Lúcio Postúmio, havia caído

numa emboscada armada pelos boios e

tinha sido massacrado.

Lívio, volvendo o passado nesse momento

da história romana, avalia acuradamente

a situação:

No ano anterior, um cônsul e seu exército

foram perdidos em Trasimeno; não se

tratava agora meramente de um golpe

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199

seguido de outro, mas de uma calamidade

muitas vezes mais grandiosa que sucedia a

anterior. Dois cônsules e dois exércitos

consulares tinham sido perdidos (em

Canas) e não havia mais qualquer

acampamento romano, ou general, ou

soldado. Aníbal era o senhor da Apúlia, do

Sâmnio e de quase toda a Itália (…) Seria

comparável a isso o desastre das Ilhas

Egates, que os cartagineses sofreram no

combate marítimo, quando o seu moral foi

atingido pela perda da Sicília e da

Sardenha e por terem se tornado

tributários e pagadores de impostos? Ou à

derrota na África, à qual esse mesmo

Aníbal mais tarde iria sucumbir? Em

nenhum aspecto sequer eles podem ser

comparados com essa calamidade, exceto

o de terem sido suportado com menos

vigor.

— Tito Lívio[37]

Aníbal não podia investir e destruir Roma,

mas Canas lhe permitiu colher os frutos

da vitória em termos políticos. Uma

quantidade de cidades na Apúlia abriram

os portões para ele, incluindo Arpi e

Salápia, enquanto todo o Brútio (atual

Calábria) — com a notável exceção das

Page 200: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

200

cidades gregas — e quase toda a Lucânia

deixaram a confederação romana para se

juntarem aos cartagineses. A maior parte

do Sâmnio o fez, seguida no devido curso

por Cápua, na Campânia — a segunda

maior cidade em toda a península Itálica,

a mais rica depois da própria Roma e a

mais importante da confederação. Cápua

era capaz de comportar um exército de

cerca de trinta mil soldados de infantaria e

quatro mil cavaleiros, e parecia destinada

a ser a capital dessa nova coalizão de

Estados que, sob o controle de Aníbal,

poderia formar um bloco italiano e

expandir-se desde o rio Volturno, a oeste,

até o monte Gargano na costa adriática.

Contudo, algo significativo — e que

dificilmente poderia ter escapado à

observação de Aníbal — era que nenhuma

das colônias latinas na região tinha aberto

seus portões para ele e que as cidades

gregas, igualmente, mantinham sua

fidelidade a Roma. Esse último fato foi de

maior consequência, uma vez que eram os

"aliados navais" gregos, como eles eram

denominados, que forneciam a espinha

dorsal da frota de Roma. Seus portos de

Nápoles, Régio da Calábria, Tarento e

Page 201: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

201

Túrio não somente eram prósperos por si,

mas também essenciais para o controle do

mar Tirreno, dos acessos à Sicília e,

certamente, de todo o oeste mediterrâneo.

Políbio antecipou os fatos quando se

referiu a "Tarento se rendendo

imediatamente".[19] Isso aconteceu meses

antes de esse grande porto marítimo sulino

cair nas mãos de Aníbal, e até o momento

ele não tinha nenhum real acesso ao mar.

Ele, contudo, conseguiu enviar seu irmão

caçula Magão de volta a Cartago com as

notícias sobre Canas e um relato da

situação geral na Itália. Magão marchou

pelo "dedo do pé" da Itália, onde as tribos

brútias saudavam qualquer um que os

tivesse libertado da intrometida dominação

de Roma, e embarcou presumivelmente em

alguma embarcação cartaginesa que havia

se destacado de uma frota que ainda

explorava vigorosamente as defesas da

Sicília.

Aníbal necessitava muito de reforços,

particularmente para a cavalaria e a

treinada infantaria norte-africana. A

brilhante força escolhida a dedo, com a

qual ele havia deixado a península Ibérica

dois anos antes, havia sofrido severas

Page 202: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

202

perdas — mesmo excluindo os muitos

homens perdidos na passagem dos Alpes

— e os gauleses e outros aliados não eram

substitutos para soldados profissionais.

Aníbal também precisava de dinheiro. Os

mercenários tinham que ser pagos, e os

espólios de Canas e sucessos políticos que

se seguiram não vieram sem o lado reverso

da moeda: Aníbal precisava, agora, de

homens para reforçar guarnições,

dinheiro para subornar cidadãos idóneos

e, acima de tudo, de um equipamento para

sítio. Com seu exército de conquista, ele

havia feito uma brilhante demonstração

que nunca mais seria repetida na história

da guerra. Agora estava frente a algo que

nem ele nem seu pai, e certamente

ninguém do Senado de Cartago, jamais

havia considerado: a exigência de uma

consolidação. Não tendo meios para

assediar cidades fortificadas e sem tropas

disponíveis para guarnecê-las mesmo se

elas caíssem, encontrava-se diante de um

problema insolúvel: não poderia reter um

país inteiro.

O pensamento de Aníbal — pensamento

cartaginês — estava ultrapassado. Tendo

feito o impossível, cruzando os Alpes para

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203

atacar o Estado romano por terra e

derrotando-o com sucesso no norte, Roma

deveria ter-se rendido. Tendo marchado

para o sul e aniquilado um exército

consular no lago Trasimeno, Roma

deveria ter-se rendido. Tendo marchado

ainda mais para o sul e destruído

completamente os exércitos da república,

Roma deveria ter-se rendido. Aníbal e os

cartagineses pensavam nos moldes do

passado. Pelos séculos de guerra, primeiro

tribal e depois extraterritorial, os romanos

tinham aprendido que uma batalha não

faz uma conquista. Aníbal era um

comando-líder, e ele havia alcançado seus

objetivos. Ninguém lhe havia dito — nem

ele havia previsto — que teria então de

comandar um exército de ocupação.

O irmão de Aníbal, Magão, deve ter

esperado que sua recepção em Cartago

fosse, no mínimo, calorosa e estimada. Ele

viera para relatar aos senhores de

Cartago, e aos do seu senado, que seu

general Aníbal, o filho de Amílcar,

fundador de seu império na península

Ibérica, havia vingado as injúrias da

primeira guerra contra Roma, e que a

nação que os havia humilhado com os

Page 204: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

204

termos de um infame tratado de paz estava

agora caída de joelhos. Tinha evidências

do campo de batalha — os anéis de ouro

dos cavaleiros romanos, entre outras

coisas —, dando conta da extensão da

vitória que acabara de ser conquistada.

Se trouxera esplêndidas notícias, Magão

também tinha algumas requisições a fazer.

Aníbal precisava muito de reforços na

forma de homens de infantaria treinados,

de mais cavaleiros númidas e dinheiro. O

partido de oposição em Cartago, liderado

por Hanão, descendente do Hanão que

havia sido obscurecido por Amílcar Barca

e representante de uma das mais ricas

famílias de Cartago, estava preparado com

objeções contra o envio de assistência a

Aníbal. Se ele havia alcançado tão

grandes vitórias, por que precisava tanto

de mais dinheiro e homens? Se ele fazia

semelhantes demandas quando a maioria

da Itália estava sob seu poder, o que

pediria se tivesse sido derrotado? Agora,

certamente, depois de uma vitória tão

conclusiva, era a hora de fazer a paz, já

que parecia duvidoso que sua posição

pudesse de alguma forma ser melhorada

para se obter bons termos.

Page 205: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

205

Embora frequentemente desacreditado por

historiadores subsequentes, o partido da

paz tinha marcado sua posição — que os

eventos posteriores justificariam. Contudo,

não surpreende que ele tenha sido vencido

e que se tenha tomado a decisão de enviar

a Aníbal substanciais reforços. A maior

parte deles, uns vinte mil homens de

infantaria, viriam da Espanha, enquanto

do território cartaginês foi acertado o

envio de quatro mil cavaleiros númidas e

quarenta elefantes. Mas a maioria desses

reforços jamais alcançou a Itália. A

posição na Espanha havia se debilitado

seriamente durante os dois anos em que

Aníbal se tornara o senhor da arena

italiana. Após a derrota de Hanão, em 218

a.C., Públio Cornélio Cipião e seu irmão

Cneu haviam partido para combater

Asdrúbal, irmão de Aníbal, ao sul do

Ebro, e os romanos também ganharam o

controle do mar ao longo da costa ibérica.

Por todo o ano de 216 a.C., enquanto

Aníbal dominava a Itália e concluía a

humilhação de Roma em Canas, os

romanos tinham consolidado seu domínio

no norte da península Ibérica, bem como

fomentado a agitação tribal no sul.

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206

Asdrúbal, mesmo reforçado por Cartago,

tinha dificuldades em manter a suserania

cartaginesa ao sul até Guadalquivir, de

modo que não poderia dispensar tropas

para enviar em assistência a Aníbal na

Itália.

Frente a isso, contudo, à medida que o

ano 216 a.C. se encaminhava para o fim,

parecia aos governantes cartagineses que

as perspectivas de uma derradeira vitória

eram boas. Houve uma revolta na

Sardenha contra os romanos, e isso podia

ser encorajado; o norte da Hispânia ainda

poderia ser reconquistado; Hierão II,

governante de Siracusa, aliado de Roma,

estava morrendo, e no devido curso tais

eventos poderiam oferecer a oportunidade

da reconquista de toda a ilha — ou tanto

dela quanto lhes fosse conveniente. Os

sucessos de Aníbal deram ânimo a um

Senado sempre inclinado a julgar as

coisas muito mais pela perspectiva de

retorno financeiro imediato. Três forças

expedicionárias foram despachadas, uma

para a Sardenha, e duas para Aníbal, na

Itália. Somente a menor delas o alcançou

— os númidas e os elefantes, pois a

Hispânia, principal fonte dos recursos de

Page 207: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

207

Cartago, estava destinada a receber a

maior parte. É significativo que os

reforços que Aníbal estava para receber,

como resultado da decisão cartaginesa

tinham que desembarcar em Lócris

Epicefíria, um pequeno porto no afastado

sudoeste da Itália, porque nenhum porto

maior estava em suas mãos.

Pretendendo capitalizar sua vitória, Aníbal

entrou em contato com Filipe V da

Macedônia, um governante perspicaz e

enérgico que mantinha uma pendência de

longa duração com Roma por sua

interferência nos assuntos adriáticos, e

que viu nos sucessos cartagineses na Itália

uma chance de aumentar sua própria

posição na Grécia. Para ele, como para

tantos outros na Grécia e no leste, Roma

era o inimigo, a principal ameaça para a

independência de ação, e ele compreendia

bem o velho ditado "O inimigo de meu

inimigo é meu amigo." No verão de 215

a.C., ele e Aníbal assinariam um tratado

(preservado por Políbio) no qual ambas as

partes, ainda que de modo algum

comprometidas, concordavam com uma

aliança contra Roma.

Page 208: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

208

O senado romano não tinha motivo senão

para estar bastante alarmado nos últimos

meses do que seria chamado "O Ano de

Canas". A miséria e as trevas que

encobriam a cidade levaram o povo

daquela região a regredir, de avançada

república, para um estado mais sombrio,

que remontava às primitivas raízes de uma

velha raça camponesa cujo pragmatismo

nunca totalmente perdera de vista a

religião e as superstições dos etruscos que

haviam dominado há tantos anos. Os

sagrados Livros Sibilinos foram

consultados e uma comitiva enviada para

Delfos para aconselhar-se com um dos

mais antigos oráculos do mundo

mediterrâneo. Assim como aconteceria

cerca de dois mil anos mais tarde, em meio

a guerras mais sofisticadassofistiscadas, as

pessoas achavam que seus erros e pecados

haviam trazido a calamidade sobre elas, e

os templos ficavam lotados, todos se

esforçando para descobrir o motivo da

fúria dos deuses — e apaziguá-la. Duas

Virgens Vestais, que em outros tempos não

teriam seus pecados da carne descobertos,

foram reveladas indignas de seu título de

celibato: uma cometeu suicídio e a outra

foi enterrada viva. Os romanos, mesmo

Page 209: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

209

alguns educados no racionalismo da

Grécia, voltaram-se aos mais antigos e

sombrios dos deuses (tais como aqueles

que os cartagineses ainda adoravam) e

reverteram à expiação pelo sacrifício

humano: dois gregos e dois gauleses

foram enterrados vivos para satisfazer essa

arcaica sede de sangue.

"Após se aplacar essa erupção, contudo",

escreve B. H. Warmington em Carthage,

"aquela feroz determinação que havia

marcado os romanos nos piores dias da

Primeira Guerra Púnica retornou. Quanto

à direção da guerra, os eleitores, de agora

em diante, escolheriam regularmente

candidatos que tivessem o apoio do

senado, uma vez que dois dos cônsules

escolhidos contra o desejo dele foram, pelo

menos em parte, responsáveis pelas

derrotas de Trasimeno e Canas.

Formidáveis esforços eram demandados

deles e dos aliados; o imposto de guerra

foi dobrado em 215 a.C., por volta de 212

a.C. havia vinte e cinco legiões em campo,

e durante todo o tempo foi mantida uma

frota de duzentos navios com cinquenta

mil remadores". Roma, que havia se

recusado a pagar resgate por seus

Page 210: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

210

soldados capturados em Canas, mostrava

agora sua disposição de ferro: prisioneiros

foram libertados da cadeia com a condição

de que se juntassem às legiões e estivessem

dispostos a lutar por seu país, e vários

milhares de escravos jovens e saudáveis

foram comprados de seus proprietários e

ganhavam sua liberdade se então se

alistassem.

Templos e casas particulares foram

despojados de armas e armaduras

guardadas como troféus de batalha de

guerras anteriores, e todos os artífices e

artesãos foram recrutados para a

fabricação de armamentos. A cidade não

tinha esquecido seu dever para com os

deuses e não esqueceu sua obrigação com

a exigência material de uma guerra até a

morte. Um outro ditador, Marco Júnio

Pêra, foi escolhido com Tibério Semprônio

Graco como seu Chefe de Cavalaria. No

Trébia, no Trasimeno e em Canas, os

romanos pagaram amargamente por uma

política de ação agressiva. Agora

demonstravam que foram sábios o

bastante para terem aprendido a lição.

Quinto Fábio Máximo, o "Protelador",

havia-lhes mostrado o correto curso de

Page 211: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

211

ação, que passaria doravante a ser

seguido.

Aníbal começava a assentar, até onde

podia, aquele reino do sul que a vitória em

Canas parecia ter colocado em seu poder.

Cápua era, logicamente, o principal alvo

de suas considerações primárias, pois essa

cidade rica, embora politicamente

dividida, parecia oferecer uma capital da

qual ele poderia conduzir sua guerra

contra Roma. A cidade não viera até ele

sem uma respeitável divergência entre

seus líderes, mas o fato decisivo que os

levara a fazê-lo talvez tenha sido um

pedido de Roma para que os capuenses os

ajudassem com dinheiro, grãos e tropas.

Diz-se que os capuenses eram um povo

auto-indulgente, que se esquivava do fardo

de se ligar a uma má causa —

especialmente quando o exército de Aníbal

estava em seus portões. Por outro lado,

logo deixaram claro ao cartaginês que sua

amizade não implicava qualquer

colaboração mais ativa. Ele não poderia

convocar qualquer elemento de suas

forças armadas, embora fosse permitido

aos capuenses serem voluntários para o

serviço com ele, e em toda a região da

Page 212: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

212

Campânia somente oficiais locais

poderiam ter qualquer jurisdição. Da

mesma forma, as leis e costumes

cartagineses só se aplicariam ao exército

de Aníbal; elas não teriam nenhuma

autoridade sobre os campanianos. No

entanto, Aníbal, que havia esperado pelo

grande porto de Nápoles e seu quartel-

general, mas tinha sido dissuadido por

seus portões fechados e fortes muralhas,

encontrara uma cidade-capital adequada e

basicamente bem-disposta para sua

conquista.

Era evidente que todo o conceito da guerra

nos limites do qual ele havia aluado era

falso. Não era suficiente uma dramática

conquista em campo e, então, ditar uma

paz que confinaria Roma às suas antigas

fronteiras e restauraria ao mundo

mediterrâneo o status quo que prevalecia

antes da Primeira Guerra Púnica.

Recusando-se a se render mesmo depois

de suas retumbantes derrotas, os romanos

haviam introduzido um novo elemento na

guerra e não cumpriam "as regras" que

há muito vigoravam entre as antigas

civilizações. Aníbal tem sido

frequentemente comparado a Napoleão,

Page 213: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

213

mas uma das inovações de Napoleão foi

desatrelar sobre os reinos da Europa do

século XVIII um novo conceito — a

guerra total ou "de povos". Eram os

romanos quem agora faziam isso a Aníbal,

recusando-se a aceitar que a derrota em

campo de batalha implicava derrota na

guerra.

Ele teve tempo durante o inverno de 216

a.C. para perceber que estava diante de

algo totalmente novo: uma guerra de

desgaste contra uma república

politicamente bem equilibrada. O

Alexandre do mundo afro-semita estava

diante de um problema que nunca

confrontara o grego Alexandre em suas

campanhas contra os reinos do leste.

A noroeste de Cápua, dominando aquela

fértil planície, ergue-se a mil e oitocentos

pés o topo de monte Tifato (monte Virgo)

que iria servir como uma das principais

bases de Aníbal nos anos que viriam.

Existia a grande vantagem de que seu

cume era um platô adequado para o pasto

de cavalos e outros animais, e que ele

dominava não somente a planície a oeste

mas também o vale do Volturno, rumando

Page 214: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

214

para o leste através dos desfiladeiros pelo

Sâmnio e pela Apúlia. Seria bastante bom

para as tropas, e mesmo para o próprio

Aníbal, passar o inverno em Cápua, mas é

duvidoso (e ele tinha bons motivos, a crer

em Lívio) que ele confiasse na maior parte

dos cidadãos de Cápua. Sugerir, como

escritores romanos posteriormente o

fizeram, que o exército, e mesmo o próprio

Aníbal, tivessem sido "corrompidos" pela

vida branda no primeiro inverno em

Cápua significa dizer que os generais e

exércitos romanos que o enfrentaram

durante os anos seguintes tenham sido de

uma qualidade muito medíocre.

O ano de 216 a.C. foi o de maior sucesso

de Aníbal na península Itálica; contudo,

não seria antes do outono de 203 a.C. que

ele deixaria finalmente essas praias.

Durante todos aqueles anos, apesar de um

ou dois contratempos, ele iria manter seu

controle sobre toda essa terra com um

exército composto de uma quantidade

decadente de norte-africanos e ibéricos, e

principalmente de gauleses e nativos do

Brútio (atual Calábria) e outras províncias

do sul, onde a influência de Roma nunca

tinha sido profundamente sentida. Apesar

Page 215: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

215

dos mais de dois mil anos que se passaram

desde que o reino do sul fora conquistado

por Aníbal, é possível sentir que sua

sombra ainda pairava sobre toda aquela

terra. Africa comincia a Napoli ("A África

começa em Nápoles"), dizem os modernos

romanos quando querem depreciar todo o

território ao sul. É provável que a frase

tenha se originado durante aqueles tardios

séculos quando os piratas mouros,

sarracenos, africanos e otomanos

devastavam toda essa área. É tentador,

contudo, pensar que a lembrança de

Aníbal, que corroeu tão profundamente a

consciência romana durante o período

clássico, nunca tenha sido totalmente

apagada.

No início do ano 215 a.C., Aníbal

dominava monte Tifato, de onde ele

comandava toda a planície campaniana.

Os romanos, que apesar de todas as suas

perdas possuíam oito legiões em campo,

estavam preocupados principalmente em

vigiar as rotas ao norte. Assim, Quinto

Fábio Máximo, não mais ditador, pois que

fora escolhido como um dos cônsules para

o ano, estava estacionado com seu exército

a cerca de dez milhas ao norte de Cápua,

Page 216: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

216

em Cales. O segundo cônsul, Tibério

Semprônio Graco, estava próximo da costa

ocidental em Sinuessa guardando a Via

Ápia para Roma em um ponto estreito

onde as colinas a empurravam para a

costa. Em Nola, a sudeste de Cápua e

guardando as cidades e portos ao redor da

baía de Nápoles, estava o procônsul

Marcelo com duas legiões. Na Apúlia,

protegendo Brundísio (Brindisi) e Tarento

— já que se temia, com razão, que Aníbal

poderia tentar atacar um ou outro desses

valiosos portos marítimos — estava

estacionado um quarto exército sob o

comando de Marco Valério. Todas as rotas

importantes permaneciam guardadas e

outros exércitos menores mantinham

vigilância na Sicília e Sardenha, ambas as

áreas à espera de que os cartagineses

fizessem um desembarque. Roma estava

totalmente espalhada, e Aníbal, confiante

após seu sucesso do ano prévio e em suas

negociações com o rei Filipe V da

Macedônia, bem como com Siracusa na

Sicília, poderia esperar progressos.

Vendo o resultado de seu trabalho

amadurecendo dessa maneira, Aníbal

sentou-se serenamente no cume do Tifato,

Page 217: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

217

para irromper como o lampejo de um

relâmpago quando a tempestade estivesse

totalmente armada.

— Arnold[39]

Durante aquele ano, Nápoles foi atacada

em três ocasiões, mas uma vez mais a

situação desprivilegiada de Aníbal — sua

falta de equipamento de sítio — ficou

evidente para todos. Os romanos não

demoraram para notar que qualquer

cidade bem murada e bem defendida

estaria protegida contra os cartagineses.

Sem dúvida, uma igual sensação de alívio

foi sentida na própria Roma, muito

embora uma parte tão grande da Itália

ainda fosse negada a eles. As cidades

interioranas de Casilino e Nucéria caíram

sob seu domínio — mas através de ataques

e não de sítio, enquanto a pequena cidade

grega de Petélia, no sudoeste do golfo de

Tarento, conseguiu resistir por oito meses

antes de render-se. A ela logo se seguiria

Cosência e o proveitoso porto de Crotona,

outrora a cidade grega que dominava o

golfo, a qual, com a derrota e destruição

de sua rica rival Síbaris em 510 a.C., havia

passado para a história.

Page 218: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

218

Pelo fim de 215 a.C., o exército cartaginês

no Brútio (a atual Calábria) invadira toda

a região sudoeste da Itália, tendo somente

Régio, no estreito de Messina, resistido,

em lealdade a Roma. Assim como os

outros portos importantes de Nápoles e

Cumas, contra os quais Aníbal não tinha

tido sucesso, o Régio deveu sua resistência

não apenas ao resguardo de suas

muralhas que confinavam com a terra,

mas ao fato de que poderia ser abastecida

por mar, e a frota romana tinha o

completo domínio daquele

importantíssimo canal estreito que divide o

continente da Sicília. Nos últimos anos da

guerra, quando a força do exército

cartaginês encontrava-se em declínio e as

táticas do "Protelador" eram aplicadas em

todos os lugares contra ele, a região do

Brútio iria mostrar-se o derradeiro reduto

de Aníbal na península Itálica. Nessas

etapas relativamente precoces,

proporcionou um centro de recrutamento

para os cartagineses, agora que estavam

tão separados de seus aliados gauleses no

norte. Hanão, que estava no comando no

sul, é mencionado como tendo conseguido

um exército de cerca de vinte mil homens

da Calábria, principalmente entre os

Page 219: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

219

vigorosos nativos das montanhas, que

tinham aversão a Roma e que não se

ressentiam dos cartagineses como o faziam

os gregos das cidades costeiras. Embora

despercebido por qualquer um naquela

ocasião, o nível de maré alta do sucesso de

Aníbal havia sido atingido, e — tão

lentamente a ponto de ser impercetível por

alguns anos — a inexorável maré da

fortuna começava a afastar-se dele. A

atmosfera em Roma é bem descrita por

Lívio, que, embora escrevendo tanto tempo

após os acontecimentos, possuía fontes

mais recentes e contemporâneas para

abastecer-se:

Cquote1.svg Prodígios em grande

número — e quanto mais créditos

recebiam de homens simples e devotos,

mais eram contados — foram relatados

naquele ano: que em Lanúvio os corvos

(sempre um pássaro de mau agouro)

tinham feito um ninho dentro do templo de

Juno Protetora; que na Apúlia uma

palmeira verde se incendiara; que em

Mântua um lago, transbordado do Rio

Míncio, apareceu ensanguentado; e em

Cales choveu greda, e sangue em Roma no

Mercado de Gado; e que na aldeia Insteio

Page 220: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

220

uma fonte subterrânea jorrou com tal

volume de água que a força da torrente

entornou os jarros, grandes e pequenos,

que estavam ali e os levou para longe; que

o Átrio Público do Capitólio, o templo de

Vulcano na Campua, aquele de Vacuna, e

uma rua pública no país Sabino, a

muralha e o portão de Gábios foram

atingidos por raios. Outras maravilhas

circulavam amplamente: que a lança de

Marte em Palestrina moveu-se sozinha;

que um boi na Sicília falou; que entre os

marrucinos um bebê no útero de sua mãe

gritou "Salve o Triunfo!"; que em

Espoleto uma mulher tinha se

transformado em homem; que em Ádria

um altar foi visto no céu, e sobre ele as

formas de homens em trajes brancos.

— Tito Lívio[37]

O ano chegou ao fim com alguma

vantagem para o lado dos romanos. Um

velho e experiente soldado, Torquato,

havia debelado com sucesso um levante de

inspiração cartaginesa na Sardenha;

Cláudio Marcelo, operando de sua base na

colina sobre Suéssula, havia desviado as

tentativas de Aníbal em Nola, e a captura

dos embaixadores de Filipe V da

Page 221: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

221

Macedônia pela frota romana no Adriático

havia colocado os romanos em guarda

contra qualquer ação imediata vinda da

aliança entre Aníbal e Filipe. Por outro

lado, a morte de Hierão, governante de

Siracusa e fiel aliado de Roma, abria uma

nova estrada na guerra, pois o reino fora

deixado para seu neto, um jovem de

quinze anos, que abriu comunicações com

Aníbal e prometeu-lhe a ilha inteira em

troca de sua assistência.

Com o encerramento da estação das

campanhas, Aníbal uma vez mais deslocou

suas tropas pela costa leste da Itália e

armou quartéis de inverno em Arpi, na

Apúlia. Monte Tifato era um admirável

acampamento de verão, mas inadequado

para o inverno, e é provável que ele não

desejasse impor seu exército aos

habitantes de Cápua uma segunda vez.

Cápua, cuja secessão de Roma parecera

um triunfo, se mostraria uma pedra de

moinho em volta do pescoço de Aníbal,

pois sem sua ajuda a cidade não poderia

se defender; o general púnico seria

conclamado constantemente para auxiliá-

la nos anos seguintes. Apesar do continuo

brilhantismo de suas táticas, a estratégia

Page 222: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

222

completa ora adotada por Roma era

superior, e aquele ano marcou claramente

a data a partir da qual ele fora compelido

a seguir um esquema defensivo. Isso

dificilmente agradaria a seu génio

agressivo, embora ele viesse a demonstrar

que, mesmo neste papel incompatível, era

um mestre. É significativo que, embora os

romanos continuassem a segui-lo onde e

quando quer que seu exército se movesse,

eles não o atacavam quando estava em

marcha. Haviam já visto o suficiente de

sua excepcional habilidade em

desembaraçar-se de situações

aparentemente insustentáveis.

O conflito na bacia mediterrânea e terras

circunvizinhas — coração da civilização

ocidental — iria em breve abranger toda a

região. No espaço de um ano desde o

começo da guerra, a península Ibérica

tinha se tornado um rinhadeiro disputado

entre os dois antagonistas; a invasão da

Itália por Aníbal trouxera Cartago e Roma

a um conflito direto, pela primeira vez, em

solo romano; a Sicília iria agora se tornar

um teatro mais importante na guerra; e a

aliança de Filipe V da Macedônia com

Aníbal finalmente colocaria os Estados e

Page 223: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

223

reinos da Grécia dentro da esfera romana

de influência. Nessa guerra, a guerra

anibálica, os quatro cantos do

Mediterrâneo, em maior ou menor grau,

estariam todos envolvidos.

O mundo semita e africano ao sul havia

desafiado o mundo europeu ao norte —

envolvendo o oeste, desde a península

Ibérica até o vale do Ródano. Os

desfiladeiros dos Alpes haviam sido

tomados, e os gauleses da própria Gália e

do norte da Itália haviam sido arrastados

para dentro do conflito. Em breve, a

Primeira Guerra Macedônica iria

começar, pois Marco Valério cruzaria o

Adriático e destruiria o exército que Filipe

preparava para a invasão da Itália,

queimando a frota macedônica. Por todo o

Mediterrâneo, os estaleiros estariam

permanentemente ocupados pelos

próximos dez anos, enquanto, da Hispânia

até a própria Cartago, Itália e Grécia, as

potências visavam estabelecer seu domínio

do mar — posição que não poderia ser

negligenciada por qualquer adversário,

especialmente em um teatro onde tudo

dependia das comunicações marítimas e,

em última instância, da supremacia naval.

Page 224: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

224

Pelo ano de 214 a.C., o Senado decretou

que a frota romana deveria somar cento e

cinquenta navios de guerra, com a

deficiência de material humano na

marinha compensada por meio de

impostos aos ricos em proporção para a

provisão de marinheiros e seu pagamento.

Cquote1.svg Os marinheiros obtidos de

acordo com esse edital subiram a bordo

armados e equipados por seus chefes, e

com rações preparadas para trinta dias.

Era a primeira vez que uma frota romana

era tripulada com equipes sustentadas por

pagamento privado.

— Tito Lívio[37]

O efeito mais importante desses anos

selvagens foi a lenta, porém sistemática,

devastação de todo o sul da Itália. À

medida que o território mudava de mãos, o

novo conquistador — cartaginês ou

romano — também o espoliava para

alimentar suas tropas ou o devastava para

negar sustento ao inimigo. Em 215 a.C.,

Quinto Fábio Máximo estabeleceu que

todas as colheitas de grãos deveriam ser

trazidas dos campos para dentro das

cidades fortificadas mais próximas no

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225

começo de junho. A recusa em fazê-lo

acarretaria a penalidade de destruição da

fazenda em questão e a venda forçada de

todos os escravos do fazendeiro. No ano

seguinte, Aníbal, enfurecido pela falta de

resposta das cidades napolitanas à sua

causa, devastou todas as terras ao redor

delas e tomou o gado e os cavalos. No

mesmo ano, Quinto Fábio Máximo

destruiu as colheitas e fazendas do

território dos irpinos e dos samnitas, como

advertência àqueles que quisessem

demonstrar amizade aos cartagineses. No

decorrer do conflito, toda a face sul da

Itália seria mudada, o fazendeiro

camponês praticamente eliminado, e o

caminho aberto para o longo futuro dos

latifúndios — vastas propriedades

pertencentes a donos de terra ausentes e

trabalhadas por escravos.

A força de Roma não residia apenas na

estabilidade de suas associações políticas,

mas também em seu poderio humano. Ela

provou isso colocando em armas, pelo ano

de 214 a.C., a melhor parte de seus

duzentos e cinquenta mil homens — com a

plena contribuição dos aliados. Aníbal,

com suas diminutas forças que não

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226

deviam somar, numa estimativa deveras

otimista, mais de cem mil soldados — a

maioria deles gauleses, lucanianos ou

brútios — era agora confrontado por não

menos do que vinte legiões. É verdade que

as tropas romanas achavam-se espalhadas

por toda a península Itálica e Sicília, mas

era um formidável esforço de guerra da

parte de Roma que Cartago nunca

conseguiria igualar.

A fúria de Roma pela deserção de Cápua

não conheceu limites: estava determinada

a ameaçar essa "capital" do cartaginês e

levar os capuenses, devidamente

castigados, de volta para o curral da

aliança no primeiro instante possível. Por

um apelo dos capuenses, aterrorizados

pela ameaça preparada para ser aplicada

contra eles, Aníbal deslocou-se de Arpi,

trouxe seu exército até a cidade, expulsou

habilmente o cônsul Tibério Semprônio

Graco em Lucéria e retornou para o seu

quartel-general no platô de monte Tifato.

Lívio escreve: "Então, deixando os

númidas e espanhóis para defenderem o

acampamento e Cápua ao mesmo tempo,

desceu com o restante de seu exército para

o lago de Averno, sob o pretexto de

Page 227: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

227

oferecer sacrifícios, mas tendo na

realidade a intenção de atacar Putéolos e a

guarnição que estava lá".[37] O estranho

sobre essa afirmação de Lívio é que ele faz

supor que Aníbal precisasse de algum

pretexto para atacar Putéolos. Ele já havia

atacado ou ameaçado muitas cidades da

Itália — e não necessitava de desculpas

para quaisquer de suas ações, que já

tinham levado ao massacre de dezenas de

milhares de homens. Por que, então, pode-

se perguntar, essa visita a Averno?

Averno era um dos mais sagrados locais

da Itália. O lago, uma milha e meia ao

norte de Baias, ficava próximo das

importantes cidades e portos fundados

pelos gregos, Nápoles e Cumas. Tinha

mais de duzentos pés de profundidade,

sendo formado pela cratera de um vulcão

extinto. Como os lagos sagrados da

América do Sul, onde havia sacrifícios

humanos, o Lago Averno era escuro,

profundo e, para os comuns, não apenas

misterioso, mas impregnado de um muito

especial numen. Rodeado por altas

margens, cobertas por uma densa, e

lúgubre floresta consagrada a Hécate

(deusa tríplice associada à lua, mas

Page 228: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

228

predominante uma deidade do mundo

inferior), Averno era a entrada para

aquele misterioso mundo das sombras

através do qual tanto Ulisses quanto

Eneias teriam passado. Vapores

pestilentos subiam das águas, segundo a

lenda, nenhum pássaro conseguia voar

seguramente sobre o lago, donde vem seu

nome, que em grego significava "sem

pássaros". A exata entrada do mundo

inferior era supostamente a caverna da

profetisa de Cumas — a última das quais

vendera Livros Sibilinos ao rei Tarquínio,

o Soberbo, livros esses que Roma, agora,

estava habituada a consultar em

momentos da mais grave angústia. É

muito provável que Aníbal tenha se

encaminhado para tal lugar por razão

semelhante; ele tinha muito sangue em

suas mãos, e também desejava saber o que

o futuro lhe reservava. Homens consultam

oráculos quando são presas da dúvida e

desejam obter alguma indicação divina

acerca de qual direção tomar, ou uma

confirmação de que o curso que seguem é

o correto. Pela primeira vez desde que

emergiu no palco da história, parece

possível que Aníbal estivesse inseguro.

Educado por um instrutor grego, devia

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229

estar familiarizado com Homero desde a

infância, e sem dúvida havia algum ritual

prescrito em um templo que fosse

semelhante àquele adotado por Ulisses:

Com minha espada em punho

Eu cavei o poço votivo, e derramei

libações ao seu redor para os incontáveis

mortos:

doce leite e mel, depois vinho doce, e por

último

água limpa; e espalhei cevada.

Então eu me dirigi aos velados e

desalentados mortos (…)

— Ulisses

Pareceu que o sacrifício de Aníbal, nas

sombrias regiões do lago escuro, havia

dado frutos quando um pequeno grupo de

nobres de Tarento veio visitá-lo. Eles lhe

disseram que representavam um partido

da cidade favorável à causa cartaginesa e

que, se ele levasse seu exército para o sul e

ficasse à vista das muralhas de Tarento,

Page 230: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

230

não haveria demora para a sua rendição.

Tarento não era somente o maior rico

porto no extremo sul da Itália, mas

também apresentava localização ideal

para servir de centro de comunicações e

base se os cartagineses pudessem trazer

uma frota do Norte da África. Mais ainda,

na eventualidade de Filipe V da

Macedônia deslocar frota e exército

através do Adriático para invadir a Itália,

Tarento serviria como porto de

desembarque e centro de abastecimento.

Mas o momento ainda não era oportuno, e

embora Aníbal se deslocasse tardiamente

no ano — depois de ver o milho colhido e

guardado dentro das muralhas de Cápua

— os previdentes romanos tinham se

antecipado. As muralhas foram equipadas

contra ele, e uma vez mais Aníbal retirou-

se para o inverno na costa adriática.

O que quer que os sombrios deuses dos

portões do Hades possam ter dito a Aníbal,

é difícil que tenha sido algo confortador

— se é que a verdade foi dita. Não

somente deixaria de capturar Tarento

naquele ano, mas também suas forças

sofreriam o primeiro, e único, golpe

desastroso jamais recebido em solo

Page 231: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

231

italiano. Aníbal enviara ordens para

Hanão, com os reforços cartagineses e o

exército recém-recrutado de Brútio (atual

Calábria)], para marcharem rumo ao

norte e se juntaram a ele na Campânia.

Com seu exército aumentado, sem dúvida

pretendia novamente mediar forças com

Nápoles ou Cumas: a falta de um eficiente

porto marítimo atalhava toda a sua

campanha. Quinto Fábio Máximo,

contudo, ordenara que Tibério Semprônio

Graco avançasse de sua posição em

Lucéria para Benevento e que seu filho

tomasse Lucéria em seu lugar. Hanão, que

marchava ao norte de Benevento, foi

surpreendido pela chegada de Graco e

uma batalha extraordinária foi travada,

na qual o general de Aníbal sofreu dura

derrota.

Embora as legiões romanas fossem, em

grande parte, compostas de escravos (com

a promessa de liberdade se lutassem bem),

eram superiores aos até então destreinados

recrutas brútios de Hanão, um pequeno

grupo de homens de infantaria

cartagineses e cavaleiros númidas. O

próprio Hanão escapou, mas o exército de

reforço com o qual Aníbal contava foi

Page 232: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

232

destruído. A vitória de Graco iria dar novo

ânimo aos romanos e os levaria a sitiar e

finalmente retomar Casilino.

Subsequentemente, um número de

pequenas cidades no Sâmnio e na Lucânia

Basilicata foi atacado e capturado por

Fábio, Marcelo e Graco: elas pagaram por

sua deserção a Roma com muitas vidas e

com severo confisco de propriedades.

Aníbal poderia comandar o respeito, a

confiança e a admiração das heterogéneas

tropas que o seguiram através dos anos,

mas não lhe seria possível comandar o

dedicado apoio da confederação latina a

Roma. A austera vontade e disciplina de

Roma foram demonstradas pelo fato de

que, embora Graco tivesse derrotado

decisivamente a Hanão, achou-se que nem

todos os legionários haviam lutado tão

bem quanto deveriam. Pelo resto daquele

ano ordenou-se que eles fizessem suas

refeições noturnas em pé.

"Suave Tarento" e "pacífico" era como o

poeta Horácio descreveria o porto sulino

anos mais tarde nos dias do imperador

Augusto. Certamente essa cidade, que em

seu apogeu grego havia sido a mais

próspera em toda a Magna Grécia, não

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233

estava apta a oferecer uma resistência

forte contra um ataque determinado. Aqui,

na ponta do golfo de Tarento, o indolente

mar Jônio e o predominante vento sul não

criaram uma raça vigorosa. Em 281,

quando os tarentinos haviam resistido ao

poder de Roma, eles o tinham feito tão-

somente com a ajuda de Pirro, rei do

Épiro, cujas atividades em solo italiano

haviam dado aos romanos uma remota

prelibação do que eles iriam enfrentar nas

mãos de Aníbal.

Situada em terra baixa e plana, Tarento

era um porto de natureza incomum. A

bacia principal era larga e protegida do

mar por duas ilhotas, mas havia também

uma pequena bacia cercada de terras — o

Pequeno Mar — que seguia para dentro

da terra com uma entrada estreita. Perto

da garganta dessa bacia ficava uma

pequena elevação, não mais do que setenta

pés acima da cidade vizinha, mas

suficientemente forte para ter se

transformado na cidadela de Tarento. O

Pequeno Mar protegia um lado da cidade,

o Mediterrâneo o outro, e o terceiro lado,

em direção à terra, era fortemente murado

e fortificado. Este não era o tipo de lugar

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234

que Aníbal sonharia enfrentar sob

circunstâncias normais. Os tarentinos,

contudo, ao contrário de seus

companheiros gregos de Nápoles e Cumas,

eram considerados suspeitos pelos

romanos, provavelmente em vista de sua

conduta anterior, por serem aliados não

confiáveis. Por essa razão, tinham sido

forçados a enviar reféns a Roma como

garantia de seu bom comportamento.

Alguns destes foram tolos o bastante para

tentarem escapar para sua cidade e,

recapturados pelos romanos, foram mortos

com grande crueldade — algo que tornou

o partido anti-romano em Tarento ainda

mais hostil. Eles chegaram à conclusão de

que se dariam melhor com o cartaginês,

cuja generosidade com outras cidades e

aldeias tais como Cápua era bem

conhecida a esta altura.

Com a abertura da temporada de

campanha em 213 a.C., Tarento começou

a parecer ainda mais desejável para

Aníbal, pois tivera o infortúnio de perder o

importante centro de comunicações de

Arpi para o cônsul Quinto Fábio Máximo

e — um raro golpe em seu ânimo —

algumas das guarnições espanholas

Page 235: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

235

tinham desertado frente aos romanos.

Informado de que havia um partido pró-

cartaginês dentro de Tarento, Aníbal

moveu-se para o sul mas permaneceu bem

distante da cidade. Nessa posição,

ameaçava potencialmente não apenas

Tarento como também Brundísio

(Brindisi), os dois mais importantes portos

no sul da Itália e os únicos, com exceção

do Régio no estreito de Messina, que ainda

permaneciam em mãos romanas. Sabendo

da chegada do grande cartaginês, treze

jovens nobres tarentinos, liderados por um

certo Filêmeno, deixaram a cidade

fortificada, cujos portões certamente eram

fechados à noite, e encaminharam-se para

o acampamento de Aníbal sob o pretexto

de estarem numa expedição de caça.

Capturados pelas sentinelas nas

proximidades do acampamento cartaginês,

Filêmeno expôs seu parecer, e o início de

um conluio para a traição de Tarento foi

tramado. Para fazerem sua ausência

parecer plausível após o seu retorno,

Aníbal permitiu aos jovens levarem com

eles algum gado, que diriam terem

encontrado extraviados, arrebanhando-os.

O mesmo pretexto foi utilizado em várias

outras ocasiões. Sendo Filêmeno bem

Page 236: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

236

conhecido como exímio caçador, seu

retorno com gado ou caça — alguns dos

quais ele tinha o cuidado de dar às

sentinelas romanas — era aceito como

algo perfeitamente normal. Aníbal, que se

fingira doente como desculpa para sua

atividade incomum e, assim permanecia

em sua tenda, aguardou até que todos os

preparativos para a tomada de Tarento

tivessem sido concluídos. Ele havia

prometido a Filêmeno e seus

companheiros conspiradores que os

cartagineses nem guarneceriam a cidade

nem pediriam qualquer tributo de seus

habitantes. Seu exército seria proibido de

praticar pilhagens, com a acertada

exceção daquelas casas que fossem

apontadas a Aníbal como pertencentes a

cidadãos romanos ou pró-romanos.

Uma vez que a rotina de caça noturna de

Filêmeno tornara-se tão constante que as

sentinelas romanas não suspeitavam de

nada, e prontamente abriam os portões

quando ouviam seu assobio de retorno, o

momento mostrava-se perfeito para Aníbal

agir. Levando dez mil homens de

infantaria e alguns cavaleiros com ele, e

enviando oitenta cavaleiros númidas para

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237

avançarem como escolta, ele deixou o

corpo principal de seu exército e moveu-se

a uma distância de cerca de quinze milhas

de Tarento. Os númidas receberam ordens

de matar qualquer pessoa que

encontrassem, para que ninguém soubesse

do avanço das tropas de Aníbal. Ao mesmo

tempo, fariam incursões fortuitas pela

zona campestre, para assim confirmarem

a crença dos romanos de que não

passavam de um grupo de forrageadores, e

não anunciariam o avanço de um exército.

Lívio reconta os eventos daquela noite:

O guia de Aníbal era Filêmeno, com sua

usual carga de caça. O resto dos traidores

esperava como previamente arranjado.

Assim que ele se aproximou do portão, um

sinal de fogo foi dado por Aníbal, como

tinha sido combinado, e vindo de Nícon

outro líder conspirador dentro da cidade o

mesmo sinal resplandeceu; então, de

ambos os lados, as chamas foram extintas.

Aníbal guiou silenciosamente seus

homens até o portão. Nícon e seus homens

atacaram as sentinelas que dormiam em

suas camas, mataram-nas e abriram os

portões - a principal entrada de Teminits.

Aníbal e sua coluna de infantaria

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238

entraram. Enquanto isso, do outro lado da

cidade, Filêmeno se aproximava do portão

de trás, pelo qual habitualmente ia e

vinha. Sua voz bem conhecida e o já

familiar sinal acordaram a sentinela;

Filêmeno lhe disse que haviam trazido um

varrão tão grande que mal podiam

carregá-lo. Enquanto dois jovens

carregavam o varrão, ele próprio seguiu

com um caçador que não trazia carga. No

momento em que a sentinela se

maravilhava com o tamanho do animal e

olhava na direção dos homens que o

carregavam, Filêmeno o transpassou com

uma lança de caça. Então, cerca de trinta

homens armados investiram e, abatendo o

restante das sentinelas, abriram o portão

adjacente. A coluna cartaginesa surgiu e

encaminhou-se silenciosamente para o

foro, onde Aníbal foi se juntar a eles. Ele,

então, despachou dois mil gauleses,

divididos em três unidades, pela cidade,

cada grupo acompanhado por dois

tarentinos que aluavam como guias.

Aníbal ordenou que ocupassem as ruas

principais e, quando o tumulto começasse,

que matassem os romanos sem exceção,

poupando porém os cidadãos de Tarento.

Foi dito aos guias que avisassem a todos

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239

de seu próprio povo que se mantivessem

quietos e não temessem nada.

— Tito Lívio[37]

Ainda assim houve grande tumulto mas

ninguém sabia ao certo o que estava

acontecendo. Os tarentinos achavam que

os romanos estavam saqueando a cidade,

enquanto os romanos acreditavam estar às

voltas com algum tipo de levante traiçoeiro

iniciado pelo povo da cidade. Seu

comandante, despertado logo ao começou

do tumulto, fugiu para o ancoradouro,

onde foi recolhido por um esquife e

navegou rápido para a cidadela. Mais

confusão foi causada pelo som de uma

trombeta vindo do teatro. Era uma

trombeta romana roubada pelos traidores

justamente para esse propósito; sendo

tocada de modo errado por um grego,

ninguém poderia dizer que sinal estava

sendo dado, e para quem. Quando rompeu

o dia, as armas púnicas e gaulesas foram

reconhecidas, o que acabou com a

incerteza dos romanos, e ao mesmo tempo

os gregos, vendo romanos mortos por toda

parte, perceberam que a cidade havia sido

capturada por Aníbal. Os romanos que

não tinham sido massacrados fugiram

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240

para a cidadela e, à medida que a ordem

era gradualmente restaurada, Aníbal

ordenou a todos os cidadãos, exceto

àqueles que haviam seguido os romanos

em sua fuga para a cidadela, que se

reunissem sem armas. Então, falou-lhes

com palavras amistosas, relembrando

como libertara os seus concidadãos

capturados em Trasimeno ou Canas. Ele

invetivou contra o arrogante jugo dos

romanos, depois ordenou que cada

cidadão fosse para sua casa e escrevesse

na porta a palavra "tarentino". Após essa

assembleia ter sido desfeita e todas as

portas marcadas, Aníbal permitiu que suas

tropas saqueassem as casas dos romanos,

e o espólio foi considerável.

As táticas de comando de Aníbal,

auxiliado por sua quinta coluna de dentro

dos muros, asseguraram a ele um grande

porto e uma próspera cidade, embora sua

vitória tivesse sido, de certo modo, anulada

pelo fato de que a guarnição romana e

seus simpatizantes ainda detinham a

cidadela, e não seriam desalojados dali.

Um ataque a ela falhou, e Aníbal foi

forçado a tentar efetuá-lo com um

trabalho por terra. Isso se mostrou sem

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241

efeito, pois a posição da cidadela num

promontório dominando a entrada para o

porto interno significava que a guarnição

e seus demais convivas poderiam ser

reforçados e alimentados por mar aberto,

onde a frota romana possuía

superioridade naval. Ainda mais, todos os

navios tarentinos estavam, agora, retidos

no porto interno, no Pequeno Mar, e à

primeira vista pareciam permanentemente

presos. Aníbal resolveu o problema

trazendo os navios para terra firme,

transportando-os então pelas ruas de

Tarento sobre rodas, para depois lançá-los

novamente ao mar pelo porto externo.

A traição e a captura da cidade, e mesmo o

engenhoso método de livrar os navios,

tudo tinha a marca de Aníbal. O fato de

que Tarento caíra por traição seria um dos

argumentos mais tarde utilizados pelos

romanos para acusarem Aníbal de "fé

púnica" ou conduta desonesta. Resta dizer

que, ao longo de toda a história da guerra,

a traição de uma cidade feita no seu

interior por um partido favorável aos

sitiantes foi sempre prática comum. A

história primitiva da Grécia e abundante

em relatos de tais estratagemas. Não há

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242

nada de modo algum peculiarmente

"púnico" a esse respeito.

Deixando que os próprios cidadãos

tratassem do problema da guarnição na

cidadela, Aníbal retirou suas tropas (como

ele havia prometido aos tarentinos) e

pouco depois levou-as de volta aos

quartéis de inverno. O Metaponto, no

golfo de Tarento e ligeiramente a oeste, em

breve caiu sob seu poder enquanto Túrio,

outro porto grego, do outro lado do golfo,

caiu frente a um exército comandado por

Hanão e Magão, com o povo da cidade

abrindo seus portões aos cartagineses.

Apesar da perda de Arpi, o ano finalmente

se mostrava favorável a Aníbal, e os

únicos grandes portos no sul da Itália,

abaixo da baía de Nápoles, que ainda

permaneciam nas mãos dos romanos eram

Brundísio, na costa adriática, e o Régio,

no estreito de Messina.

O comentário de Políbio, "de tudo que

sobreveio aos romanos e aos cartagineses,

a causa foi um homem e uma mente —

Aníbal",[19] estava claramente

justificado. Quase todo o mundo

mediterrâneo, com a exceção da Grécia,

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243

onde Filipe V da Macedônia hesitava,

estava agora envolto em chamas. O

principal evento na Sicília tinha sido a

ascensão ao reinado de Siracusa do jovem

Jerônimo, que de pronto, declarara-se

favorável aos cartagineses — somente

para ser quase imediatamente assassinado

pelo partido pró-romano. Isso, por sua vez,

fez com que os siracusanos que

favoreciam Cartago matassem ou

expulsassem os ricos mercadores e outros

que favoreciam Roma. É significativo que

ali, e em toda a Itália, era o partido

popular — hostil àqueles que

enriqueceram graças às suas conexões

romanas — que favorecia Aníbal. Os

pobres e sem posses viam nele um líder

que os libertaria da pesada mão de Roma,

mas que, depois disso, não se preocuparia

muito, se o fizesse, com o modo como

governariam suas cidades. E, talvez,

curioso ver o autocrático senhor da guerra

ser bem-vindo pelos plebeus, mas vemos

isso acontecer vez por outra ao longo da

história.

Na Hispânia a guerra estava indo bem

para as armas romanas, de tal modo que

um dos principais aliados de Cartago, o rei

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244

númida Sífax, agora voltava sua fidelidade

em prol de Roma. Uma vez que os

cartagineses dependiam tão grandemente

da habilidade e superioridade dos

cavaleiros númidas, este era um amargo

golpe, mas que seria compensado por mais

variações de apoios políticos. A guerra,

agora, espalhava-se pelo Norte da África,

e um outro rei númida, Gaia, da Argélia

oriental, encorajou-se a marchar contra

seus companheiros e impedir os romanos

de garantirem uma base no continente. O

filho de Gaia, o jovem príncipe Masinissa,

teria grande participação na história

posterior às campanhas de Aníbal. Em

combinação com o irmão de Aníbal,

Asdrúbal, que havia sido compelido a

levar suas tropas para a África a fim de

acabar com a ameaça em sua retaguarda,

destruiu o rebelde Sífax, permitindo assim

a Asdrúbal retornar à Espanha para

enfrentar a ameaça romana naquelas

paragens.

A guerra explodia agora na Sicília. Não

pode haver dúvidas de que Aníbal, embora

constantemente engajado na Itália contra

a sempre crescente maré de armas

romanas, nunca deixava de perceber o

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245

quanto seria importante para sua causa

um triunfo cartaginês naquela rica e

poderosa região do sul. A Sicília tinha

sido, por séculos, o pomo da discórdia

entre gregos e cartagineses, e a perda da

Sicília para os romanos — não por culpa

de seu pai Amílcar — havia levado à

humilhante paz que concluíra a Primeira

Guerra Púnica. Dois emissários de Aníbal,

Hipócrates e Epícides, encontraram-se,

então, com o governo da grande cidade e

porto de Siracusa após a expulsão do

partido pró-romano. Era essencial para

sua estratégia global que os cartagineses

não apenas detivessem o poder sobre

Siracusa, mas também ganhassem o

controle sobre a maior parte da ilha. Com

os portos e embarcadouros que uma vez

tinham sido seus — particularmente no

oeste — tinham uma chance de quebrar o

domínio romano sobre o mar entre a

Sicília e a própria Cartago. A real

dificuldade era que, tendo os romanos

conquistado a supremacia sobre a área

que já fora sinónimo do nome Cartago,

eles não iriam nunca cedê-la. Como sua

cidade, a Rainha do Mar, nunca fosse

capaz de mandar-lhe reforços

convenientes, nem de desafiar os romanos

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246

com sucesso, todos os anos que Aníbal

passaria na Itália resultariam inúteis ao

fim. A influência do poderio marítimo

sobre a história nunca havia sido mais

claramente demonstrada do que nesta

grande guerra entre Cartago e Roma.

Siracusa havia sido, uma dia, a mais

próspera e importante cidade do

Mediterrâneo central. No século V a.C., à

época das guerras greco-persas — que

determinaram o destino do oeste —

Siracusa seria capaz de colocar em campo

mais homens de infantaria armados com

armas pesadas e mais navios do que toda a

Grécia. Agora, embora ainda importante,

tornara-se uma espécie de força

represada, porém enriquecida pelo

dinheiro e pelos tesouros artísticos da mais

grandiosa era de seus antepassados

gregos.

Os romanos que visitavam a cidade

deslumbravam-se com a beleza da

arquitetura, a visível riqueza, o grande

teatro e a soberba posição do local. A

aliança com o governante anterior,

Hierão, dera aos romanos não apenas

uma promessa de estabilidade em uma

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247

ilha sempre atormentada, mas também

uma relação com os ricos tesouros da

Grécia colonial. O grande porto, com

aproximadamente cinco milhas de

circunferência, havia testemunhado a

destruição do poderio ateniense em 413. O

pequeno porto, que ficava entre a ilha de

Ortígia e a capital, era capaz de abrigar

uma frota. Sua importância para os

romanos como base naval na guerra

contra Cartago era bastante óbvia; porém

sua perda, caso ela fosse ocupada por uma

frota cartaginesa, seria um duro golpe

para Roma, e um triunfo da maior valia

para Aníbal. Se os cartagineses pudessem

garantir e reter Siracusa, teriam uma

linha aberta até sua capital e uma

importantíssima base de suprimentos para

o exército de Aníbal.

Por essas razões, o cônsul Cláudio

Marcelo foi enviado à Sicília. Na confusão

que se seguiu à morte de Hierão, um

número de cidades voltou-se para a causa

cartaginesa, notavelmente Leonte, um

pouco ao norte de Siracusa, que dominava

a mais rica e fértil área da ilha. Marcelo

era um soldado notável e vigoroso, a quem

Aníbal aprendera a respeitar como o

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248

homem que por várias vezes o havia

bloqueado na Campânia, sempre que ele

se movia de Monte Tifato. Absolutamente

destemido, Marcelo, em seu primeiro

consulado, em 222 a.C., pessoalmente se

batera com um chefe tribal gaulês,

matando-o com suas próprias mãos.

Dedicou, então, seus espólios, os spolia

opima, no templo de Júpiter Ferétrio — a

terceira e última vez na história romana

em que tão proeminente oferenda foi feita.

Impiedoso para com os derrotados e na

imposição da lei militar, Marcelo era

amado por suas tropas devido à sua

preocupação com o bem-estar delas. Após

retomar Leonte, onde ele mandou degolar

cerca de dois mil homens da tropa

oponente por sua rebeldia contra Roma,

deslocou-se para o sul a fim de sitiar

Siracusa por terra e mar. Os romanos

eram mestres em guerras de sítio e

Marcelo tinha todas as razões para estar

confiante. As defesas de Siracusa eram

muito extensas, particularmente ao norte

da ilha-fortaleza de Ortígia, onde uma

ampla área triangular pouco habitada era

cercada por maciças muralhas que

necessitariam de muito mais homens para

sua defesa do que ora possuía.

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249

Aníbal, inteiramente ciente da importância

do combate que acontecia ao sul dele,

mantinha correspondência com Cartago a

respeito da necessidade de se desembarcar

um exército na Sicília para auxiliar na

insurreição. Com a Sicília em mãos

cartaginesas, a dominação romana do

estreito de Messina estaria ameaçada —

revertendo, assim, o processo da Primeira

Guerra Púnica e fornecendo a base

garantida a partir da qual poderia tomar

as cidades da baía de Nápoles. Enquanto a

Sicília fosse basicamente pró-romana, sua

posição no sul da Itália estaria

constantemente ameaçada. Alguns

historiadores pósteros têm-se referido ao

mau uso de navios e homens cartagineses

na campanha siciliana, argumentando que

eles teriam sido melhor empregados como

reforços para Aníbal. É muito duvidoso

que ele próprio visse o problema dessa

forma. Aníbal não somente era um mestre

da tática, mas também um respeitado

estrategista: a Sicília constituía a chave

para seu derradeiro sucesso na Itália, uma

vez que o auxílio que esperava de seu

irmão Asdrúbal não parecia prestes a

chegar. Com Tarento assegurado e com os

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250

romanos relutando em desafiá-lo em

qualquer campo de batalha,

aparentemente poderia manter sua

posição na Itália por anos, se necessário

(o que ele de fato iria fazer). Demandava

agora um sucesso no sul: conquistar a

Sicília, terra rica como um celeiro e com

excelentes portos para o uso da frota

cartaginesa. Com tal base firme a

respaldá-lo, seria capaz de se deslocar

para o norte na ocasião oportuna, após

assegurar Nápoles e Cumas, e eliminar a

ameaça naval romana em sua retaguarda,

confrontando, finalmente, o coração do

adversário — Roma e a confederação

latina que, estava claro, jamais seria

destruída em um único campo de batalhas.

Por esses motivos, a frota cartaginesa, ao

chegar, não se dirigiu ao grande porto de

Tarento, mas, em vez disso, rumou para as

longas praias do sul da Sicília, onde, por

muitas milhas de território quase

inabitado, a frota romana não poderia

manter permanente vigília e proteção. O

porto de Heracleia Minoa, na foz de um

pequeno rio, foi escolhido como ponto de

desembarque, e ali o almirante Himilcão

trouxe à terra vinte e cinco mil homens de

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251

infantaria, três mil de cavalaria, e doze

elefantes — força grande o suficiente, em

aparência, para assegurar todo o sul da

ilha antes do deslocamento para render

Siracusa. Tudo parecia ir bem a princípio

e a mais importante cidade do sul,

Agrigento, caiu sob os invasores. Mas

generais da envergadura de Amílcar e

seus filhos sempre foram raros entre os

cartagineses, e esse exército iria, na devida

ocasião, confrontar Marcelo.

O sítio de Siracusa, empreendido com

tanta confiança, iria se prolongar: em

grande parte devido a um só homem.

Entre os habitantes da cidade, encontrava-

se o grande matemático e cientista grego

Arquimedes. Educado na escola

matemática alexandriana, na época em

que Euclides lá ensinava, Arquimedes

(amigo, se não parente, de Hierão)

enriquecera a cidade com suas dádivas

intelectuais, e construíra para os

governantes numerosos e incomuns

engenhos de guerra. Como Leonardo da

Vinci, séculos mais tarde, ele pagava pelo

ócio e pela liberdade de especular com o

trabalho prático que poderia garantir a

segurança de seu protetor. Marcelo tinha

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252

decidido atacar a cidade pelo lado do mar

de Acradina, subúrbio da velha cidade no

lado norte. A própria Ortígia parecia

quase inexpugnável.

Arquimedes havia equipado as muralhas

com uma artilharia tão poderosa que

esmagava os romanos antes mesmo que se

aproximassem o suficiente para que seus

projéteis fossem eficazes; e quando eles

chegavam mais perto, descobriram que

toda a parte inferior da muralha estava

equipada com seteiras: seus homens eram

derrubados, com fatal pontaria, por um

inimigo que não podiam ver, e que atirava

suas setas em perfeita segurança. Se eles

ainda perseveravam, tentando colocar

escadas nas muralhas do lado do mar,

subitamente viam longos postes saindo do

topo da muralha como os braços de um

gigante, de onde eram atiradas sobre eles

pedras enormes e grandes massas de

chumbo que faziam suas escadas em

pedaços e quase afundavam os seus

navios. Em outras ocasiões, máquinas

como guindastes projetadas da muralha,

com um arpão de ferro afixado na ponta

de uma alavanca, eram baixadas sobre os

navios romanos. A descrição de Lívio

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253

inspirou inúmeros artistas em séculos

posteriores:

Tão logo o arpão se enganchasse, a outra

ponta da alavanca era forçada para baixo

por grandes pesos e o navio erguia-se da

água até ficar quase em pé sobre a popa;

então, o arpão era subitamente solto, e o

navio caía na água com violência tal que

ou era virado ou se enchia de água (…) Os

soldados romanos, valentes como eram,

ficavam tão atemorizados diante desses

estranhos e irresistíveis dispositivos, que

bastava porém os olhos em algo como uma

corda ou pau pendurado ou projetado de

uma parede para que se virassem e

saíssem correndo, gritando "Arquimedes

vai usar um de seus engenhos contra

nós!"

— Tito Lívio[37]

Este foi um dos primeiros exemplos, na

história da guerra, de um inimigo superior

em quantidade e determinação, sendo

frustrado e vencido por tecnologia

superior. "Assim, o génio de um homem,

Arquimedes, derrotou os esforços de

inumeráveis mãos".

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254

A tenaz perseverança, com a qual Roma

iria construir o seu império, finalmente

triunfou sobre a engenhosidade científica

grega e suas defesas muradas, que

tornavam os siracusanos confiantes de

estar numa "cidade inconquistável".

Rechaçado no seu ataque marítimo,

Marcelo voltou sua atenção para a terra e

— numa noite em que se sabia que os

siracusanos estariam celebrando uma

grande festa de Ártemis — invadiu as

débeis fortificações do norte, atacando a

cidade. Esta pagou caro por ter

descuidado do confronto com os romanos,

como países desde a Pérsia até a Bretanha

iriam aprender nos séculos seguintes. O

combate que se seguiu foi longo e

complicado. Uma frota cartaginesa

estacionada no porto retirou-se de modo

irresoluto quando parecia que iria ser

encurralada ali pelos navios romanos

vindos do mar. Parte do exército

cartaginês que desembarcara no sul,

incapaz de reforçar as defesas da cidade,

foi compelida a aquartelar-se no

pantanoso delta do rio Anapo, que

chegava até o grande porto. Como havia

acontecido anteriormente na longa

história de Siracusa, o delta impregnado

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255

da febre do Anapo, cobrou seu preço do

exército acampado ali, matando milhares

de soldados e dois generais cartagineses.

Um emissário de Aníbal, Epícides, que

vinha conduzindo a defesa da cidade,

percebeu que tudo estava perdido e fugiu

para Agrigento, ao sul.

Em 212 a.C., a cidade de ouro e mármore

caiu frente a Marcelo e seus romanos —

homens que haviam absorvido a coragem

de Esparta, sem a destreza dos atenienses,

mas que possuíam uma disciplina

organizada que faltava à maioria dos

gregos. Allcroft e Masom resumiram

assim a conclusão do sítio a Siracusa —

conclusão, pode-se dizer, de séculos de

colonização grega da Sicília, a grande ilha

que pareceu aos primeiros navegantes

gregos a "terra recém-descoberta",

perfeita e rica além de suas expectativas:

No outono, um oficial espanhol abriu os

portões de Ortígia e Acradina, e os

romanos tornaram-se senhores de

Siracusa, após um sítio de mais de dois

anos. As usuais atrocidades marcaram sua

queda; a cidade foi pilhada, e muitos de

seus tesouros de arte levados embora para

Page 256: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

256

Roma. Arquimedes foi morto por um

soldado romano. A guerra na Sicflia

durou mais dois anos devido à energia de

Mutino, oficial líbio que financiou uma

guerra de guerrilha contra os romanos,

até que as repetidas desfeitas de um colega

invejoso o levaram, em vingança, a trair

Agrigento, em 210 a.C. Depois disso, a

ilha tornou-se uma vez mais uma

província pacífica, cujo destino seria

produzir milho para seus senhores e

submeter-se pacientemente às extorsões

dos governadores, coletores de impostos e

agiotas da vitoriosa Roma.

— Allcroft e Masom[40]

O padrão da ilha, pode-se dizer, estava se

configurando para toda a sua história

futura, e a natureza do temperamento

siciliano se estabelecia irrevogavelmente

num molde de ressentimento e de

determinação a esquivar-se das leis de

qualquer conquistador por quaisquer

meios possíveis.

Marcelo havia dado ordens para que

Arquimedes fosse poupado a qualquer

custo, mas, segundo a lenda, o grande

matemático estava tão absorvido em

resolver algum problema em um tabuleiro

Page 257: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

257

de areia que, quando os soldados

invadiram seu quarto e ele ignorou suas

ordens para que declarasse sua identidade,

foi transpassado por uma lança. Ele não

foi a única grande perda de Siracusa, pois

incontáveis tesouros de arte eram agora

despachados para Roma. Diz-se que esta

primeira grande introdução da arte grega

foi, de algum modo, responsável pelo

crescimento da subsequente admiração

romana e emulação da cultura helénica.

De um modo muito semelhante, séculos

mais tarde, os despojos de Constantinopla

iriam adornar Veneza e fertilizar a

imaginação dos artistas e artesãos daquela

cidade.

As consequências da queda de Siracusa

foram estrategicamente muito prejudiciais

para Aníbal. Com os romanos de posse do

grande porto, e com seu domínio sobre o

estreito de Messina fortalecendo seu

controle das vias marítimas para a Sicília

e Itália, Aníbal e seu exército ficaram

ainda mais isolados de sua cidade-mãe,

Cartago. A menos que reforços chegassem

até ele da Hispânia por meio dos Alpes, ele

estaria mais ou menos abandonado na

Itália. Somente o seu gênio militar e o

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258

temor que suas vitórias anteriores haviam

infundido nos romanos poderiam salvá-lo

da derrota.

Na primavera do ano seguinte, Aníbal

preocupava-se muito com o destino de

Cápua, onde quatro exércitos romanos

posicionaram-se com a intenção de

subjugar a cidade por sítio e não através

de ataque. O usual pedido de ajuda dos

capuenses já havia chegado até ele. Uma

vez que ele próprio ainda se encontrava na

região de Tarento, enviara Hanão do

Brútio (Calábria) para Benevento para

tentar livrar a cidade. Hanão, tendo

evitado brilhantemente o exército de

Graco na Lucânia (Basilicata), assim

como o de Nero em seu flanco, havia

conseguido escapulir e estabelecer um

acampamento fortificado que transformou

em depósito de grãos. Foi pedido aos

capuenses que enviassem cada carroça e

animal disponível para transportar o

cereal que ele havia coletado. Fatalmente

sujeitos à inércia e à incapacidade, os

capuenses somente conseguiram obter

quatrocentas carroças, ao que Hanão

exclamou: "Nem mesmo a fome, que

estimula animais estúpidos a se

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259

esforçarem, pode instigar os capuenses a

alguma atividade".

Os capuenses foram enviados de volta com

ordens de conseguir mais transporte; mas,

no momento em que retornavam com duas

mil carroças, os romanos, que haviam

tomado conhecimento da atividade,

esperavam preparados. Enquanto Hanão

estava fora com um grupo de

forrageadores, eles atacaram o

acampamento e, apesar de uma

empenhada resistência dos cartagineses

remanescentes, a posição foi tomada e os

grãos, as carroças e outros depósitos

capturados. Hanão e seu grupo

conseguiram escapar, retirando-se

frustrados para o Brútio. Cápua, não por

culpa de seus aliados cartagineses, foi

ainda deixada sem suprimentos.

Ao ouvir as notícias, Aníbal despachou

dois mil númidas para irem em socorro a

Cápua, ordem que esses admiráveis

cavaleiros do deserto executaram,

esquivando-se do cerco à cidade,

conseguindo adentrar Cápua de noite.

Animados por essa evidência de apoio, os

capuenses saíram a cavalo quando os

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260

confiantes romanos juntavam o milho fora

da cidade. À frente deles cavalgavam os

númidas. Quinze centenas de romanos

foram mortos nessa investida e os

restantes, desmoralizados pela inesperada

chegada da grande arma de cavalaria de

Aníbal, buscaram refúgio detrás de suas

fortificações. Ao mesmo tempo, sofreram

um choque adicional. Graco, a ponto de

deixar sua província para vir reforçar o

bloqueio de Cápua, foi colhido numa

emboscada e morto. Aníbal,

tradicionalmente atento às cortesias de

guerra, deu ao cadáver do líder romano

um honroso funeral.

Ele enviara seus númidas adiante apenas

para que atuassem como força de avanço,

e isso não ocorreu muito antes de o

cônsul, Fúlvio Flaco, ser informado de

novidades muito desagradáveis. monte

Tifato estava lotado de homens, e seu topo

plano fora uma vez mais ocupado. Aníbal,

movendo-se do sul da Itália com

extraordinária velocidade (mais rápido do

que a cavalaria romana que havia sido

convocada da Lucânia, local relativamente

próximo), surgira em cena mais uma vez.

Adentrou Cápua em triunfo, pois os dois

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261

exércitos consulares se retiraram antes

dele — evidência do temor ainda sentido

pelos romanos diante de sua presença,

bem como de algum acordo velado entre

eles para aderirem a Quinto Fábio

Máximo, ainda que este último não mais

ocupasse um alto cargo. Aníbal, todavia,

não podia aquartelar seu exército na

cidade por causa da falta de suprimentos e

quando os exércitos romanos se retiraram,

seguiu a tropa que estava sob o comando

de Apio Cláudio que rumava para a

Lucânia, de modo a ameaçar o sul da

Itália. Tão logo o exército cartaginês se

retirou, Flaco retornou para investir

contra Cápua; não muito depois, Cláudio

despistou Aníbal e também retornou para

a cidade. Ao fim do ano, seis legiões

romanas encontravam-se em Cápua para

iniciarem a prática romana de

circunvalação; cercando o local sitiado

com terraplenagens e trincheiras,

impediam os habitantes de saírem e as

forças de auxílio de entrarem.

Aníbal voltou a Tarento, onde a guarnição

romana na cidadela ainda resistia; ele,

sem dúvida, esperava que, terminados os

meses de inverno, pudesse conseguir

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262

desalojá-la, já que os tarentinos haviam

falhado. Talvez o grande cartaginês tenha

se desesperado com a qualidade dos

aliados tarentinos e capuenses em tempos

de guerra. Era evidente que somente os

pouco corajosos e os que nutriam rancor

contra Roma vieram até ele. Nenhum

membro da confederação latina desertou

de sua velha aliança e, se os gauleses e os

brútios lutaram bem ao seu lado, eram

porém povos indisciplinados e semi-

selvagens que não poderiam ser utilizados

contra Roma até que tivessem sido

treinados por seus oficiais e homens

cartagineses — e assim mesmo de modo

tosco, para servirem como "bucha de

canhão", enquanto as reais infantaria e

cavalaria fizessem o serviço profissional.

Aníbal encerrou um ano que, se não havia

sido muito satisfatório para ele, tinha

certamente sido infeliz para Roma. Em

sua rota de volta a Tarento cruzou com

um exército romano que barrava seu

caminho. Superior em cavalaria — e

largamente superior devido às qualidades

de seus númidas — ele os dispôs

cuidadosamente nos flancos. Os romanos,

avançando à sua velha (e a essa altura já

Page 263: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

263

ultrapassada) maneira, confiantes na

força de suas legiões blindadas, foram

feitos em pedaços, e o general, Marco

Sentênio Pênula, morto. Como se não

fosse suficiente para um invasor

estrangeiro em sua marcha de volta para

os quartéis de inverno, após a conclusão

de uma temporada de campanha bem-

sucedida, Aníbal soube que Herdônia, na

costa leste da Apúlia, estava sendo sitiada

pelo irmão do cônsul, Fúlvio Flaco, e

voltou seu exército para o nordeste da

Itália. Chegou para pegar os desavisados

romanos pela retaguarda e, tendo

colocado uma típica armadilha anibálica

no flanco em direção do qual ele deduziu

que os romanos deveriam se voltar,

aniquilou o inimigo. Dois mil — ou menos

— desse exército escaparam, e Aníbal

assegurou sua posição territorial,

novamente voltando para o sul para

garantir às suas tropas suprimentos

adequados e bons abrigos para o inverno.

Dois exércitos romanos foram destruídos e

dois generais mortos — tudo em uma

campanha feita às pressas. Algum país, ou

mesmo o Senado de Cartago, poderia

demandar mais de um homem — sem

nenhum auxílio e longe de casa? O ano

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264

seguinte, 211 a.C., provaria ser um dos

mais singulares e alarmantes da história

romana. Aníbal dividia-se entre o desejo

de capturar a cidadela em Tarento, a qual

ainda impedia os cartagineses de utilizar o

porto como base de frota e suprimento

para a campanha italiana, e a necessidade

de assegurar Cápua. Como escreve Lívio:

Contudo, prevaleceu o cuidado com

Cápua, uma cidade na qual viu que a

atenção de todos os seus aliados e inimigos

se concentrava, destinada a ser um

exemplo notável, qualquer que fosse o

resultado de sua revolta contra os

romanos. Consequentemente, deixando na

terra dos brútios grande parte de sua

bagagem e toda arma pesada, com

infantaria e cavalaria selecionada,

precipitou-se pela Campânia na melhor

condição possível para uma marcha

rápida. A despeito de sua movimentação

veloz, trinta e três elefantes conseguiram

acompanhá-lo. [Fizera a mesma coisa

antes, em sua marcha pela margem leste

do Ródano.] Ele acampou em um vale

fechado atrás de Tifato (…) Quando ele se

aproximou, capturou primeiro o forte de

Galátia, subjugando sua guarnição, e

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265

então dirigiu sua marcha contra os

sitiantes de Cápua. Mandando comunicar

antecipadamente a Cápua a ocasião em

que pretendia atacar o acampamento

romano, de modo a dar-lhes tempo de se

prepararem para uma investida conjunta,

irrompendo ao mesmo tempo de todos os

portões, ele inspirou grande rebuliço.

Assim, de um lado ele próprio atacaria, de

outro todos os capuenses, cavalaria e

infantaria, irromperiam para fora, e com

eles a guarnição cartaginesa comandada

por Bóstar e Hanão. Cquote2.svg

— Tito Lívio[37]

Na batalha que se seguiu, a franqueza da

posição de Aníbal ficou patente: eles não

poderiam transpor uma posição defendida.

Embora seus rígidos homens de infantaria

iberos tivessem rompido as linhas

romanas, eles foram incapazes de forçar

caminho até Cápua, sendo detidos e

mortos. A cavalaria cartaginesa

permaneceu, como sempre, suprema em

combate, mas isso não era suficiente

quando em ataque contra legionários

romanos em suas trincheiras. Aníbal fez

tudo o que pôde para provocar a saída dos

romanos para uma batalha aberta, mas

eles não cederam. Haviam aprendido a

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266

lição nos primeiros dois anos de

campanhas na Itália. Políbio, ele próprio

um comandante de cavalaria, reconhece

que mesmo essa poderosa arma era inútil

quando se tratava de desalojar um tenaz e

entrincheirado inimigo.[19] Além do mais,

a operação coordenada com os capuenses

mostrou uma lúgubre falha, sendo seus

aliados facilmente rechaçados pelos

romanos, determinados a fazer a cidade de

renegados pagar o preço por sua deserção

da aliança latina. Aníbal atirou todas as

forças à sua disposição no ataque às

linhas romanas, menos seus númidas e

iberos, que "irromperam dentro do

acampamento romano inesperadamente".

Os elefantes foram à carga com eles e "em

seu caminho pelo acampamento iam

devastando as tendas com um barulho

terrível, e fazendo os animais de carga

romperem seus cabrestos e fugirem".

Lívio concluiu: "(…) os elefantes foram

tirados de suas posições mediante o uso de

fogo. Seja lá como tenha começado ou

acabado, esta foi a última batalha antes da

rendição de Cápua".[37] Os romanos

descobriram que os elefantes possuíam

suas fraquezas; o fogo era uma, e a outra

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267

era deixá-los ir em desatino através das

linhas e então atacá-los por trás.

Com o benefício da visão posterior aos

eventos, parece-nos hoje que Aníbal havia

cometido um erro estratégico em sua

tentativa de livrar Cápua. Trouxera contra

as posições romanas um peso de forças

que teriam se desempenhado melhor

contra a guarnição de Tarento, libertando,

assim, aquele grande porto para a frota

cartaginesa. Por outro lado, elefantes e

superioridade numérica significavam

pouco contra uma cidadela fortificada,

com um suprimento interno de água e um

grande depósito de grãos. É por isso que

as cidadelas, guarnições e castelos

sobreviveram por milhares de anos na

história da guerra. Somente projéteis

explosivos e métodos científicos de

colocação de minas ameaçariam o "ponto

forte". Suficientemente rápido para

perceber seu erro após essa fracassada

operação combinada para livrar Cápua,

Aníbal recuou. Só lhe restara um lance

estratégico, que tem sido usado por muitos

grandes capitães, inclusive Napoleão (o

qual aprendeu muito com Aníbal). Este

era levar suas forças embora e ameaçar a

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268

peça principal do tabuleiro de xadrez —

Roma. Ele devia saber, em vista de seu

fracasso contra cidades menos

fortificadas, que só constituiria uma

ameaça, nada mais, mas estariam as

legiões romanas ao redor de Cápua

totalmente confiantes de que a capital

sobreviveria ao ataque do grande

cartaginês?

A marcha de Aníbal sobre Roma, um

acontecimento tão aterrorizante que

continuava a ser lembrado por poetas e

historiadores mesmo séculos mais tarde,

levanta a interessante questão da rota que

ele teria tomado. Lívio é pouco claro,

afirmando que ele se utilizou da grande

Via Latina nas últimas etapas de sua

marcha, enquanto Fúlvio Flaco tomou a

Via Ápia mais para o oeste, chegando a

Roma antes dele.[37] Políbio — muito

mais confiável no que se refere a assuntos

militares — mostra Aníbal levando seu

exército diretamente através do Sâmnio

para leste e descendo sobre Roma, vindo

do nordeste.[19] Conhecendo, por suas

outras manobras, a inclinação de Aníbal

pelo inesperado, essa rota parece a mais

provável. Sir Gavin de Beer acrescenta um

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269

ponto: "Marchando através do Sâmnio

para Sulmona, e então através de regiões

hostis a Roma, Aníbal passou por Alba,

onde sua passagem foi marcada por dois

elefantes de pedra toscamente esculpidos,

inequivocamente africanos, dado o grande

tamanho de suas orelhas". Queimando e

pilhando, com os númidas devastando o

campo adiante de seu exército, Aníbal

suscitou um pânico tal que a cidade nunca

antes conhecera. Finalmente, ele acampou

na margem direita do rio Ânio, e a apenas

três milhas de Roma — os cavaleiros do

deserto, a infantaria pesada cartaginesa,

os selvagens gauleses e brútios, todos

visíveis aos observadores nas muralhas.

Após uma inconsequente escaramuça de

cavalaria, na qual Flaco parece ter se

saído melhor, os dois exércitos

confrontaram-se, tendo a cidade como o

prêmio da aposta. Mas, como Lívio conta,

"depois que os exércitos se posicionaram

(…) um grande aguaceiro, misturado a

uma chuva de pedras, confundiu de tal

modo as linhas de batalha que, agarrando-

se às suas armas com dificuldade, eles

retornaram ao acampamento".[37]

Aconteceu de a terra na qual acampara o

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270

cartaginês estar à venda e, mesmo

enquanto o exército de Aníbal a ocupava,

diz-se que a negociação prosseguiu — e

sem qualquer redução no preço. Tais

histórias não devem ser verdadeiras —

elas exaltam os romanos das gerações

posteriores, exibindo confiança igual à de

seus ancestrais, mas permanece o fato de

que, em nenhum momento a defesa

romana acreditou que a cidade estivesse

em grande perigo. Era sempre a mesma

história — sem equipamento de sítio,

Aníbal não pôde tomar Cumas ou

Nápoles, logo era impossível para ele

capturar a que era talvez a mais

rigidamente fortificada e bem defendida

capital do mundo mediterrâneo. Depois de

mais um dia em que a violência do clima

novamente fez com que ambos os exércitos

se retirassem para seus acampamentos,

Aníbal recuou para uma posição seis

milhas atrás. Ele tinha visto Roma; é bem

possível, como diz a lenda, que tenha

atirado uma azagaia na Porta Colina para

zombar da impotência de seus defensores.

Mas nunca adentrou a cidade de seus

inimigos, e nunca mais a veria novamente.

Um entusiasta sem igual de Aníbal foi

Sigmund Freud, o qual idolatrava o

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271

cartaginês tão fervorosamente que por

muitos anos foi incapaz de entrar em

Roma — porque Aníbal nunca havia

colocado os pés ali.

A tentativa de Aníbal de livrar Cápua

ameaçando Roma havia falhado. Nenhum

exército romano tinha se deslocado de

Cápua para verificar sua ameaça; os dois

cônsules permaneciam em Roma e, com

eles, duas, possivelmente mais, legiões por

detrás das resistentes fortificações. Ele

aproveitou sua marcha ao máximo,

contudo, saqueando todo o campo ao

redor, violando o antigo relicário de

Ferônia, onde oferendas de ouro e prata

datados de tempos imemoriais iriam pagar

o serviço de seus mercenários. Deve-se

lembrar sempre que o magnífico exército

poliglota de Aníbal tinha de ser pago, pois

ele não consistia numa corporação de

cidadãos, como o de Roma, e não tinha

qualquer fidelidade a não ser para com

um único homem. Cápua, evidentemente,

estava perdida, e Aníbal sabia disso

quando voltou de Roma. Inevitavelmente,

ele foi seguido em sua marcha, e alguns

na sua "cauda", carregados com bagagem

e saques, foram mortos. Fracassando em

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272

Roma, manteve-se intacto porém seu usual

espírito indomável; voltando-se de novo

contra os romanos em ataque noturno,

castigou-os tão severamente que eles

nunca mais o acossaram em sua marcha.

Em muitos aspectos, assemelhava-se a um

grande e nobre animal saído da África,

sempre forte o suficiente para, volvendo-

se, atacar selvagemente os predadores em

seu encalço.

Aníbal moveu-se para o leste em direção

ao Adriático e, então, fez uma falsa

investida contra Tarento, onde a indómita

guarnição romana ainda resistia, antes de

deslocar-se rapidamente para sudeste,

através do Brútio, chegando

inesperadamente ao Régio. É provável que

fossem se unir a novas tropas que haviam

invernado em Brútio (atual Calábria); de

qualquer modo, sua marcha é considerada

uma das mais rápidas e memoráveis da

história da guerra. No entanto, ainda que

tenha chegado subitamente à cidade, de

modo a capturar muitos dos habitantes

ainda trabalhando fora nos campos,

tratando-os com cortesia, na esperança de

causar uma impressão favorável, o Régio

fechou seus portões e permaneceu fiel a

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273

Roma. Apesar de sua impressionante

sequência de marchas, apesar de seu

castigo aos romanos no ataque noturno e

da rapidez de seus movimentos, que

sempre os deixava confusos quanto às

intenções dele, a campanha da primavera

de 211 a.C. não rendeu coisa alguma.

Cápua estava condenada a cair, junto com

o sonho de Aníbal de uma federação

italiana independente de Roma.

Politicamente, ele havia falhado, e as

esperanças cartaginesas de isolar Roma

para então destruí-la quase com

tranquilidade, se despedaçaram.

Assim que os capuenses souberam que

Aníbal havia se retirado de Roma e se

deslocado para o sul, deram conta de seu

destino. Um decreto do senado romano de

que as vidas de todos os capuenses que se

rendessem a Roma seriam poupadas caiu

em descrédito, pois os que agiram na

conspiração perceberam que nada além da

morte os aguardava. Cercados pelas

legiões, à beira da fome, não lhes restava

nada a fazer a não ser abrirem os portões.

Vinte e oito dos senadores que haviam

votado contra a resolução cometeram

suicídio por veneno e pela espada.

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274

Estavam certos em crer que Roma

desejava vingar-se: setenta dos que

haviam se comprometido na decisão de

receber Aníbal foram executados, junto

com muitos outros cidadãos líderes. A

secessão de Roma foi encarada como o

que de fato era: conspiração com o

inimigo. Embora Cápua não tivesse sido

saqueada, todos o seus edifícios e terras

públicas foram declarados propriedade do

povo romano. Cápua deixou de existir

como entidade independente, e os

senhores romanos da Campânia iriam,

dali em diante, ver aquelas terras ricas e

férteis trabalhadas para o benefício de

seus senhores romanos. Toda a Itália,

salvo o extremo sul e Brútio (atual

Calábria), estremeceu; e as cidades e

fazendas que haviam recebido as forças

cartaginesas, em algumas das quais

Aníbal havia posicionado pequenas

guarnições, tornaram-se pró-romanas

outra vez e voltaram a hostilizar o invasor.

De um só golpe, Aníbal ficou desprovido

de suas conexões com o Sâmnio e a Apúlia

e mais ou menos confinado ao Brútio e ao

litoral sul. Assim, com seu fracasso no

Régio e sua incapacidade de subjugar a

guarnição em Tarento, ele foi deixado com

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275

pouco campo para manobras. Sem um

porto adequado e com os romanos

controlando o mar, restavam-lhe poucas

esperanças de receber reforços.

A queda de Cápua e a captura de Siracusa

pareciam indicar um desastroso ano para

os cartagineses. A única boa notícia,

talvez, a alcançar Aníbal na região que se

tornaria sua derradeira fortaleza na Itália

foi o triunfo de seu irmão Asdrúbal na

Espanha — um triunfo tão grande que

quase eclipsou essas outras perdas. O dois

Cipiões haviam avançado pelo coração da

Espanha, ao sul do Ebro, conseguindo, a

princípio, considerável sucesso. Públio

Cornélio Cipião em particular foi hábil em

conquistar a lealdade de muitos espanhóis

e incorporá-los em uma aliança com

Roma. Mas o retorno de Asdrúbal, após

debelar a revolta marroquina, e sua união

com Asdrúbal Gisgão e Magão foram

fatais para a sorte dos irmãos Cipião. A

influência de Asdrúbal sobre os celtiberos

em breve se mostraria valorosa e os

Cipiões viram-se privados de linhas de

comunicação, e mais ou menos

abandonados por seus aliados espanhóis.

Aparentemente incapazes de unir suas

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276

forças, os dois generais romanos

envolveram-se em ações separadas. Seus

exércitos foram feitos em pedaços, sendo

ambos os Cipiões mortos. O desastre com

as armas romanas e a morte desses dois

destacados generais contribuíram muito

para reverter o equilíbrio da grande

guerra anibálica contra Roma. Enquanto

isso, o próprio Aníbal, embora sem apoio,

permaneceu sem derrotas, na terra

italiana. Uma constante ameaça a Roma e

contínua preocupação para seus generais,

ele ainda permaneceria ali por mais sete

anos.

O ritmo da guerra só poderia diminuir. As

perdas sofridas por ambos os lados foram

suficientes para enfraquecê-los tanto pelo

sangue derramado quanto pela falta de

determinação. O exército que Aníbal

trouxera para a Itália pelas montanhas há

muito havia mudado seu temperamento e

constituição; nove anos não poderiam

deixar de exigir um alto preço daqueles

veteranos da Espanha, França e Alpes,

que tinham um dia contemplado de cima

das montanhas, com muita expectativa, o

rico prémio: a Itália.

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277

Não existem registros, e apenas pode-se

presumir que, após tantos embates, a força

original dos cartagineses encouraçados

tenha-se exaurido bastante — embora

vitoriosos em todas as suas principais

batalhas. Fica claro que a cavalaria

númida fora reforçada por transporte da

África. Esta brigada ligeira de cavalaria

permanece em evidência até o fim da

longa guerra mas, muito curiosamente,

não há mais referências à brigada pesada

de cavaleiros — embora seja possível que

Políbio e Lívio simplesmente suponham

que eles estiveram sempre presentes. O

corpo principal da infantaria havia

certamente se transformado sem medida,

sendo os espanhóis substituídos por

gauleses e estes, por sua vez, pelos brútios.

Também é possível que houvesse muitos

fugitivos do acampamento romano —

desertores (não o melhor dos soldados),

etruscos que há muito odiavam a cidade

que arruinara seu próprio Estado e, desde

a queda de Cápua, campanianos que não

mais ousavam retornar à sua própria

terra. Era uma força heterogénea a ser

lançada contra aquele formidável

composto de Estados que Roma reunira.

Aníbal, com a queda de Cápua, também

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278

havia perdido seus aliados e existia pouca

ou nenhuma probabilidade de que fossem

substituídos. Roma demonstrara o quão

cruel era seu julgamento contra os

desertores, e somente outra vitória da

amplitude de Canas poderia convencer os

Estados da Itália de que Aníbal seria o

potencial governante de toda a península.

Roma também se ressentia do esforço de

sustentar uma guerra por tanto tempo. A

fadiga da guerra, evidente do lado

romano, assim como a carga dos pesados

impostos, para o que parecia não haver

fim, contribuíram para uma atmosfera

geral de derrotismo.

Cquote1.svg Queixas começaram a ser

ouvidas entre os latinos e seus aliados em

suas reuniões: já era o décimo ano em que

eles se exauriam com as levas de tropas e

seu pagamento; e quase todos os anos

sofriam alguma derrota desastrosa.

Alguns, diziam eles, foram mortos em

batalhas, outros caíram por doença.

O aldeão alistado pelos romanos estava

perdido para eles mais completamente do

que um homem capturado pelos

cartagineses. Pois, sem demandar resgate,

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279

o inimigo o mandava de volta para sua

cidade nativa; os romanos o

transportavam para fora da Itália (…) Se

os soldados antigos não retornassem a

seus locais de origem, e novos soldados

continuassem a ser recrutados, em breve

não haveria mais nenhum.

Conseqüentemente, o que a situação

demandasse de recursos deveria ser

recusado ao povo romano, sem que se

esperasse chegar ao extremo da desolação

e da pobreza. Se os romanos vissem os

aliados unânimes nisso, certamente

pensariam em fazer a paz com os

cartagineses. De outro modo, nunca,

enquanto Aníbal vivesse, estaria a Itália

livre da guerra.

— Tito Lívio[37]

Doze colônias romanas, das trinta que

compunham o Estado romano,

revoltaram-se em 209 a.C., informando

aos cônsules de que não tinham meios de

fornecer mais soldados ou dinheiro. A fim

de pagar os exércitos, até mesmo o tesouro

sagrado de Roma, recurso que só deveria

ser usado na mais grave das emergências,

teve de ser desprovido de seu ouro. Os

senadores foram solicitados — e

atenderam — a trazer ouro, prata e jóias

Page 280: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

280

particulares de suas famílias de modo a

reabastecer os cofres do Estado. Nunca em

sua história Roma se reduzira a tal

penúria, e parecia que a ameaça

representada por Aníbal e seu exército de

modo algum retrocederia.

Embora as cidades que haviam se voltado

aos cartagineses fossem reintegradas à

aliança romana — Salápia, na Apúlia,

primeiro, e Meles e Maroneia, no Sâmnio

— a temível sombra do invasor ainda

assombrava grandes áreas da Itália.

Quando os romanos eram imprudentes o

bastante para enfrentá-lo, como

acontecera em Herdônia, aprendiam a

costumeiramente sangrenta lição. Ali o

procônsul Fúlvio Centumalo havia

acampado contra a cidade, enquanto

negociava com um partido pró-romano

dentro das muralhas. Quando Aníbal

soube da ameaça, deslocou-se do Brútio

por marchas forçadas e enfrentou as duas

legiões de Centumalo; sua cavalaria

atacou a retaguarda das legiões, enquanto

sua infantaria pesada os segurava pela

frente. O resultado foi outra daquelas

mortíferas derrotas romanas que, até o fim

da guerra na Itália, fizeram cada general

Page 281: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

281

romano ver estremecida sua reputação

quando confrontados pelo cartaginês.

Marcelo, que havia retornado de sua

vitória sobre Siracusa na Sicília, era um

dos cônsules para o ano de 210 a.C. e um

dos generais romanos por quem Aníbal

demonstrava verdadeiro respeito, dizendo

sobre ele: "Marcelo é o único general que,

quando vitorioso, não dá descanso ao seu

inimigo, e, quando derrotado, não dá

descanso a si mesmo". O modo sarcástico

e impessoal de Aníbal expressar-se é

revelado numa comparação, a ele

atribuída, entre Quinto Fábio Máximo, o

Protelador, e Marcelo: "Fábio era um

professor a quem eu respeitava, mas

Marcelo era um virtuoso inimigo: o

primeiro não me deixou causar qualquer

dano, mas o outro me fez sofrê-lo".

Marcelo iria participar de parte da

campanha de 209 a.C., na qual Aníbal

perderia sua última possessão importante

na Itália, a cidade portuária de Tarento. O

outro cônsul para o ano era o velho

Quinto Fábio Máximo, que pela primeira

vez ganharia algum predomínio sobre o

homem que o havia desafiado com sucesso

em ocasiões prévias. Enquanto Quinto

Page 282: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

282

Fábio Máximo trazia suas forças o norte e

prosseguia em marcha para Tarento,

Marcelo acossava Aníbal e perseguia suas

pegadas, marchando no verdadeiro estilo

"fabiano". Além desses dois exércitos,

Roma colocou em campo, naquele ano,

mais um, sob o comando de Fúlvio Flaco,

para subjugar as cidades na Lucânia e no

Sâmnio que se mostrassem favoráveis aos

cartagineses.

A campanha de abertura de Aníbal, que

esteve tão próxima do sucesso, fora

projetada para quebrar o espírito de Roma

por uma série de vitórias maciças em

campo. Ele havia conseguido as vitórias,

mas Roma teimosamente ainda recusava-

se a se render. Sua segunda campanha,

com fins políticos, tinha sido projetada

para quebrar o espírito dos aliados de

Roma e, ao fazê-lo, destruir a

confederação latina com a qual Roma

necessariamente teria que contar para

obter dinheiro e poderio humano. Todavia,

após mais de nove anos de guerra, dezoito

dos trinta aliados continuavam fiéis a

Roma e os doze que a haviam renegado só

o fizeram porque seu poderio humano se

exaurira e seus tesouros encontravam-se

Page 283: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

283

vazios. Dois fatores principais sempre

afligiram Aníbal desde que percebera que

deveria lutar uma guerra de desgaste em

solo inimigo. O primeiro era a falta de um

equipamento de sítio e o segundo a falta

de infantaria pesada treinada, que

somente poderia vir da própria Cartago ou

da Espanha. O comando romano do mar,

estabelecido na Primeira Guerra Púnica,

havia demonstrado claramente que um

Estado como o cartaginês, tão dependente

de negócios ultramarinos, deve comandar

o mar ou perecer. Esta foi uma lição que

os estadistas e comandantes britânicos,

educados nos clássicos, haviam absorvido

bem na época de suas guerras contra a

França no século XVIII.

Era aterrador que Aníbal, com seu

pequeno corpo de oficiais cartagineses e

seus definhados grupos de soldados

profissionais, tivesse sido capaz de utilizar

a força humana de rudes gauleses e

primitivos brútios para tal. Ao mesmo

tempo, enquanto seu próprio exército,

mesmo com Hanão e outros recrutando

substitutos, declinava em força, os

romanos recrutavam homens em

quantidade na extensa e relativamente

Page 284: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

284

próspera terra da Itália. Somente um

grande reforço de vigorosos e treinados

soldados poderia devolver a Aníbal a

iniciativa que ele havia tido quando

adentrara a Itália, e que havia

subsequentemente confirmado em Canas.

Os reforços deveriam vir ou pelos Alpes,

da Hispânia, ou pelo mar, de Cartago,

para o sul da Itália. Os romanos da

república haviam aprendido muito com

seus erros anteriores em campo contra um

génio da guerra e tinham agora adotado

permanentemente as táticas de desgaste

contra ele. Eles também tinham aprendido

muito da estratégia necessária para lidar

com uma guerra englobando uma grande

área — neste caso toda a bacia

mediterrânea. Enquanto enfrentavam o

inimigo na Espanha, calcularam que a

primeira coisa a ser feita na península

italiana era impedir que Aníbal recebesse

qualquer reforço da Grécia ou de Cartago.

A chave para isso era Tarento, onde a

guarnição romana na cidadela havia

impedido a plena utilização do porto pelo

cartaginês.

Enquanto Marcelo seguia o exército de

Aníbal e tentava atraí-lo para o norte

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285

rumo à Apúlia, distraindo-o o suficiente

para fazê-lo virar de lado em pelo menos

duas ocasiões, Quinto Fábio Máximo

deslocava-se velozmente para o antigo

porto marítimo grego. No final das contas,

Aníbal voltou-se e atacou Marcelo,

obrigando seu exército a se retirar para

seu quartel em Venúsia. Marcelo

conseguira seu objetivo e, enquanto

Aníbal o enfrentava, o exército do cônsul

Quinto Fábio Máximo chegava diante das

muralhas de Tarento. Como os cidadãos

de Cápua, os tarentinos não haviam se

empenhado muito pela causa cartaginesa

(ambos estavam simplesmente à espera de

uma vida fácil e de menos impostos) e

fracassaram visivelmente contra a,

cidadela sob domínio romano. É evidente

que Aníbal, naquele ano, esperava

reforços da África do Norte, pois ele agora

se desviara do problema de Tarento por

um sítio do porto de Caulônia, na

extremidade sudeste do Brútio, executado

por tropas que se desencumbiram da ação

na Sicília. Após castigar Marcelo tão

duramente que ele foi obrigado a se

retirar, Aníbal marchou diretamente

através do centro do Brútio e acabou com

o sítio de Caulônia.

Page 286: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

286

Teria agido melhor se antes olhasse para

Tarento, mas pode-se presumir que ele

havia designado Caulônia como o ponto

de desembarque para as tropas

cartaginesas, uma vez que aquele era um

obscuro e insignificante porto no extremo

sul, bem no meio de território amigo.

Havia espiões por todos os lados naqueles

dias e, assim como os cartagineses

possuíam seus próprios agentes dentro das

muralhas de Roma, em cada porto onde

mercadores iam e vinham havia

provavelmente olhos atentos que

forneciam informação para um lado ou

outro nessa luta pelo mundo

mediterrâneo. Com a posse do estreito de

Messina e sua ocupação de Siracusa, os

romanos estavam numa boa posição para

saber quando e onde uma frota

cartaginesa deveria ser esperada. Aníbal

não recebeu nenhum reforço naquele ano,

por mar ou terra. Estava para perder seu

último e único grande porto, Tarento.

Deixando Caulônia restituída às mãos dos

cartagineses e seus simpatizantes, Aníbal

marchou de volta ao longo do "pé", do sul

da Itália, e ao redor do grande Golfo de

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287

Tarento — para alcançar a cidade logo

após a sua queda. Apesar de seu

contratempo contra Marcelo no norte e do

desvio adicional para livrar Caulônia no

sudeste, ele estava há apenas cinco milhas

da cidade quando Tarento foi traída por

elementos do próprio local. As tropas de

Quinto Fábio Máximo, que nunca haviam

sido capazes de enfrentar Aníbal com

alguma firmeza de ânimo em campo,

agora, das muralhas, contemplavam e

zombavam do seu inimigo. Cartalão, o

comandante cartaginês, havia sido morto

na luta que se seguiu à invasão dos

romanos, assim como os dois tarentinos

principais responsáveis pela traição

anterior da cidade. Assim que ele ficou

visível das muralhas, diz-se que Aníbal

teria sido avisado por um batedor sobre os

acontecimentos e feito o frio comentário:

"Então, os romanos também possuem um

Aníbal. Eles tomaram Tarento, como

nós".

Tarento permaneceria como mais um

monumento à determinação romana;

todos deveriam saber que acolher o

cartaginês era inútil.

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288

Cquote1.svg Soldados chacinavam

homens em toda parte, tanto os armados

como os desarmados, fossem cartagineses

ou tarentinos. Por toda a parte, brútios

também eram mortos, muitos deles, por

engano, por velhos rancores inatos ou a

fim de apagar a ideia de traição, para que

Tarento parecesse ter sido capturada pela

força das armas. Então, da matança

partiram ao saque da cidade. Trinta mil

escravos, diz-se, foram capturados, uma

imensa quantidade de prata, trabalhada e

cunhada, três mil e oitenta libras de ouro,

estátuas e pinturas de modo a quase

superar os adornos de Siracusa.

— Tito Lívio[37]

Aníbal e seus homens cruzando os Alpes,

de Joseph Mallord William Turner, na

galeria Tate Britain, Londres.

É notável que Lívio, descrevendo a

história e grandeza de sua cidade e sua

ascensão ao poder, não omita tais detalhes

da crueldade ferrenha que finalmente

asseguraria o império romano. Quando

Aníbal capturou a cidade, tivera o cuidado

de assegurar que houvesse o mínimo de

derramento de sangue e que somente as

casas dos tarentinos pró-romanos fossem

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289

saqueadas. Ele, então, seguiu em retirada

na direção do Metaponto, através da baía

de Tarento, onde ordenou a um grupo de

cidadãos destacados que fossem até

Quinto Fábio Máximo e oferecessem a

traição de sua cidade se os romanos se

movessem contra ela. Aníbal escondera

seu exército de cada lado da estrada para

o Metaponto e resta pouca dúvida de que,

se Quinto Fábio Máximose deslocasse,

teria caído numa típica armadilha

anibálica — da qual nem ele nem seu

exército teriam escapado. Nessa ocasião,

contudo, os romanos foram salvos por

suas observâncias religiosas, pois Quinto

Fábio Máximo, um homem da velha

escola, nunca marcharia sem verificar os

presságios, e o sacerdote, na ocasião, após

analisar o sacrifício, achou-os

desfavoráveis e avisou Quinto Fábio

Máximo] de que ele deveria estar em

guarda "contra o ardil de um inimigo".

Conhecendo a relutância de uinto Fábio

Máximo em fazer qualquer movimento

que pudesse expor seus homens a perigos

desconhecidos, é mais do que provável que

ele próprio tenha tomado parte na

interpretação dos sacrifícios. Suas

suspeitas foram confirmadas quando,

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290

tendo os cidadãos do Metaponto retornado

numa segunda ocasião para inquirirem

por que os romanos demoravam em

avançar contra a cidade deles, foram

presos e ameaçados com torturas,

confessando o plano.

A perda de Cápua e agora a perda de

Tarento foram acuradamente

interpretadas por Aníbal como

desastrosas. Dele é dito ter observado aos

seus oficiais: "A menos que possamos

adquirir nova força, nós perdemos a

guerra na Itália".

Ele havia esperado que Tarento servisse

como porto de desembarque para reforços

de Cartago, assim como para o uso de seu

aliado macedônio. Com sua perda,

restava-lhe ainda menos esperança de

incitar Filipe a deslocar tropas através do

Adriático para apoiar a invasão da Itália.

Ele permanecia sem derrotas no campo,

mas isso, em si, pouco significava. Só

poderia olhar em direção da Espanha e de

seu irmão Asdrúbal — mas as notícias

vindas da Hispânia eram más.

Page 291: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

291

Cipião, o mais jovem[editar | editar

código-fonte]

O homem que então despontava como um

dos maiores soldados da Roma

republicana vinha de uma ilustre família

patrícia à qual Roma devia mais gratidão

do que qualquer outra pelo império

mundial. Como a tumba dessa família nos

revela, os Cipiões haviam sido homens da

maior distinção na história romana desde

o remoto século IV a. C., uma sequência

de cônsules com uma longa série de

méritos em campos de batalha e em

assuntos civis.

Públio Cornélio Cipião era filho do Públio

que recentemente havia sido morto junto

com seu irmão Cneu Servílio, durante a

luta na Hispânia. Ainda jovem, aos

dezessete anos, salvara a vida de seu pai

quando este fora ferido na batalha de

Ticino, a primeira grande vitória de

Aníbal na Itália. Dois anos mais tarde,

após o desastre de Canas, tinha sido um

dos poucos sobreviventes que não

arrefeceu, ajudou a reagrupar os demais e

persuadiu alguns dos jovens nobres a não

fugirem do país em desespero, como se

preparavam para fazer. Sua experiência

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292

era em alguns aspectos semelhante à de

Aníbal — aristocrata e rico, vigoroso e

inteligente — e ele havia tido a

oportunidade, a partir do momento em que

Aníbal irrompeu sobre a Itália, de estudar

as táticas e estratégias de seu grande

oponente. Outro curioso ponto de

semelhança que iria manifestar-se era o

fato de que, se a família Barca, desde a

chegada de Amílcar Barca na península

Ibérica, parece ter considerado aquela

terra quase como uma província particular

de sua propriedade, os Cipiões também

adquiriram uma associação de algum

modo semelhante com aquela terra quente

e estranha — provavelmente selada pelo

sangue dos dois irmãos que recentemente

ali tombaram. Cipião, o mais jovem, havia

sido eleito edil (um dos magistrados de

Roma) três anos depois de Canas, embora

fosse extremamente jovem para a posição

e tivesse a ferrenha oposição de muitos dos

tribunos, aparentemente por causa de sua

pouca idade, mas na verdade porque eles

defendiam os interesses de outras famílias

patrícias. Em 210 a.C., Cipião, embora

com pouco mais de vinte anos, foi

escolhido para assumir o comando na

Hispânia.

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293

Houve aqueles que quase imediatamente

acharam imprudência designar um

homem tão jovem para tão importante

posto (ele tinha aproximadamente a

mesma idade de Aníbal quando este último

reuniu seu exército para a invasão da

Itália), ainda que essa decisão em breve

mostrasse ter sido uma das mais sábias

que Roma jamais tomara.

Chegando à península Ibérica no final de

210 a.C. com onze mil reforços, Cipião

Africano imediatamente se deslocou para

Tarraco (Tarragona). Durante todo aquele

inverno, encontrou-se com tantos

representantes das tribos ibéricas quanto

possível, homens confusos com a

constante variação de sorte na guerra

entre Cartago e Roma, mas que parecem

ter ficado seguros com o ar confiante e as

invariáveis boas maneiras de Cipião

Africano. Como o próprio Aníbal, ele

parece ter possuído uma habilidade inata

para tratar com o povo nativo de outros

países: nenhum desses dois aristocratas

mostrava a arrogância dos generais

comuns ou a jactância dos políticos

plebeus. Assim, o brilhantismo de Cipião

Page 294: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

294

Africano, como em breve se mostraria,

não repousava apenas no campo da

guerra, mas também em um tratamento de

estadista para s com os habitantes locais.

As tribos ibéricas, passionais, orgulhosas e

sensíveis a desprezos, já portavam a

inequívoca marca da nação que havia se

desenvolvido na península através dos

séculos. Durante aquele primeiro inverno,

Cipião Africano aprendeu a compreender

sua natureza, a fazer amigos entre seus

chefes e a colocar a pedra fundamental

naquela poderosa e próspera província

que viria a ser no final a Hispânia

romana. Na primavera de 209 a.C., ele

cruzou o Ebro com trinta mil homens e

marchou ao sul para Cartagena, com seu

exército sendo acompanhado ao longo da

costa por uma frota romana. Era uma bem

planejada operação anfíbia e Cipião

Africano não se movera sem boas

perspectivas de sucesso. Ele soube por

seus informantes que as forças

cartaginesas estavam divididas em três e

posicionadas bem distantes umas das

outras: uma sob o comando de Asdrúbal,

perto de Sagunto; outra comandada por

Magão, no interior; e a terceira de

Asdrúbal Gisgão, a sudoeste, em Gades.

Page 295: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

295

Essa separação de comando deveu-se não

somente a ambições rivais entre os líderes,

mas também à própria natureza do país.

Não havia, naquela época, uma única

região onde grande concentração de

homens pudesse fixar base e se sustentar

da terra. "A Espanha", como Henrique IV

da França observaria séculos mais tarde,

"é um país onde grandes exércitos

morrem de fome e pequenos exércitos são

batidos". Cipião Africano deslocou-se com

a segurança que Wellington iria um dia

demonstrar quando confrontado por

marechais franceses igualmente vorazes e

em desavença uns com os outros. A

guarnição de Cartagena, pequena mas

confiante por causa da suposta

inexpugnabilidade da cidade, lançou uma

brava investida contra o exército romano,

mas foi repelida. A frota cartaginesa

bloqueou-os pelo mar, e Cipião Africano,

fazendo uso do conhecimento do local,

descobrira que uma lagoa que protegia a

capital cartaginesa a oeste poderia ser

escoada através de certos baixios com o

vento do norte, diminuindo seu nível em

um pé ou mais. Totalmente confiantes na

proteção proporcionada por essa lagoa, os

cartagineses haviam deixado as muralhas

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296

daquele lado bem menos fortificadas do

que as da ponta de terra peninsular, onde

Cartagena então se situava (a garganta

dessa península há muito foi encoberta e

não é mais discernível). Tendo testado a

força das muralhas principais e descoberto

que eram altas demais e muito bem

definidas para um assalto bem-sucedido,

Cipião Africano] esperou até que um forte

vento soprasse do norte e, então, enquanto

a guarnição mantinha-se ocupada do lado

da terra, fez com que parte do exército

atacasse Cartagena através da lagoa. A

manobra foi bem-sucedida, os romanos

irromperam dentro da cidade e logo

abriram os portões para o corpo principal

de seu exército.

O comandante cartaginês retirou-se para a

cidadela, enquanto a cidade era entregue à

usual rapina e ao massacre. Então, vendo

que a situação estava perdida tanto em

terra quanto no mar — a frota atacante

havia logrado destruir e capturar os

navios no porto — ele se rendeu. Nova

Cartago, a capital da rica província da

Hispânia que consolidara tão amplamente

os esforços de guerra de Aníbal, estava

perdida. Naquele momento, o controle de

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297

Cipião Africano sobre as tropas, tão

diferente do de Marcelo em Siracusa, foi

acionado de imediato : as tropas

obedeceram totalmente e daí em diante

Cipião Africano exibiu sua cortesia junto

aos conquistados, especialmente os iberos,

que se tornaria o símbolo de seu sucesso.

"(…) Da população masculina livre, cerca

de dez mil foram capturados. Desses,

Cipião Africano libertou os cidadãos de

Nova Cartago e restituiu-lhes sua cidade,

bem como todas as propriedades que a

guerra lhes havia tirado."[37] Lívio

prossegue relatando como vários milhares

de artesãos treinados foram declarados

escravos do povo romano, mas foram

encorajados a continuar trabalhando com

a perspectiva de liberdade no futuro

próximo se eles se empenhassem na

fabricação de armamentos. Eram também

muito necessários na manutenção das

docas e na construção naval.

Cartagena era um grande prêmio em todos

os sentidos. Além da pilhagem, dividida

entre os soldados romanos, havia uma

imensa quantidade de ouro e prata que

reabasteceu além do suficiente os cofres

vazios do tesouro romano. Havia, também,

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298

um vasto estoque de cevada e trigo,

quantidades de bronze e ferro, e todas as

reservas necessárias para sustentar uma

frota — bem como a frota em si. Dezoito

navios de guerra cartagineses foram

capturados e Cipião Africano arrolou

muitos dos escravos para servirem como

remadores. Sessenta e três navios

mercantes com toda sua carga intacta

também estavam no porto. Os romanos,

indubitavelmente, estenderam seu controle

das rotas marítimas do Mediterrâneo, e

agora dominavam as regiões central e

ocidental, bem como o Adriático e o Jônio.

Entre a extensa quantidade de material de

guerra que caiu em mãos romanas

achavam-se cerca de cem catapultas de

tipo grande, bem como instrumentos de

arremesso de rochas e arpões, além de

todo o equipamento para um grande

comboio de sítio — aquilo que havia

faltado para Aníbal em todos os seus anos

na Itália e que os cartagineses nunca

foram capazes de transportar através do

mar dominado pelos romanos.

Cipião Africano tirou bom proveito

político dos reféns espanhóis tomados em

Cartagena como garantia para um bom

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299

comportamento de suas tribos.

"Aprendendo os nomes de seus Estados,

ele fez uma lista dos cativos, mostrando

quantos pertenciam a quais povos, e

enviou mensageiros aos seus lares,

propondo que cada homem viesse e

recuperasse seus próprios filhos. Se

acontecesse de embaixadores de quaisquer

Estados se encontrarem lá, os reféns

seriam devolvidos diretamente a eles".

Quando a cunhada de Indíbilis, príncipe

da importante Ilergetes, caiu em prantos a

seus pés suplicando que garantisse a

segurança de suas lindas e jovens filhas,

Cipião Africano "confiou-as a um homem

de comprovada integridade" e ordenou

que ele as protegesse como a si mesmo.

"Então", prossegue Lívio, "foi trazida a

ele uma donzela de tal beleza que, onde

quer que ela fosse, atraía os olhares de

todos".[37] Os companheiros oficiais de

Cipião Africano sabiam muito bem o

quanto ele era afeiçoado às mulheres e

pensaram que lhe estavam dando um

presente mais do que adequado. Cipião

Africano, contudo, não se esquecera de

que era não somente o conquistador de

Cartagena, mas também o homem de

quem dependia a futura política dos novos

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300

interesses de Roma na Hispânia. Tendo

inquirido sobre o parentesco da jovem e

descoberto que ela estava prometida a um

jovem celtibero de certa importância, ele o

convocou à sua presença e confiou a ele

sua futura noiva, esclarecendo que não

queria qualquer agradecimento, mas que o

jovem deveria ser um amigo do povo

romano. Os pais dela, entretanto,

pensando resgatá-la, trouxeram para

Cipião Africanouma grande quantidade de

ouro: ele, por sua vez, deu o ouro ao jovem

nobre como presente de casamento. Esta, e

outras ações semelhantes, contribuíram

em grande parte para assegurar a

transferência aos romanos da lealdade das

tribos que, até então, tinham fornecido

tantos dos homens do exército cartaginês.

Grandes levas de tribos que serviam no

exército de Asdrúbal Barca desertaram

dos cartagineses ao longo dos meses que

se seguiram.

Tendo mostrado sua habilidade como

general e estadista, Cipião Africano

voltou-se para os aspectos práticos

imediatos da guerra. Observara na Itália e

na Hispânia as vantagens da espada

ibérica, que poderia ser usada tanto para

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301

cortar como para perfurar, sobre os

gládios romanos, adequados

principalmente para perfurar. Durante

aquele inverno, enquanto as armarias de

Cartagena ressoavam com batidas de

martelos, Cipião Africano exercitava as

legiões em táticas mais flexíveis do que o

velho ataque frontal romano, que contava

em demasia com o peso abrupto das

legiões. Ele presenciara o fracasso em

Canas. Ao mesmo tempo, não

negligenciou a frota, e os remadores e

marinheiros eram exercitados

regularmente em batalhas simuladas

sempre que o clima permitia.

A morte dos cônsules

Dez anos se passaram desde que Aníbal

assolara a Itália para desmantelar os

exércitos romanos e fazer com que as

primeiras dúvidas surgissem entre seus

aliados sobre Roma ser a senhora e futura

governante do Mediterrâneo. Por volta de

208 a.C., contudo, com o ímpeto de seu

assalto há muito passado e as rachaduras

na confederação latina consertadas,

Aníbal vislumbrava um cenário muito

diferente.

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302

Cápua estava perdida, e Tarento também.

As cidades no Sâmnio e na Campânia que

haviam abjurado da aliança romana

voltando-se para o que parecia ser a

estrela nascente de Cartago estavam agora

renegando-a, e muitas outras começavam

a pensar em seguir seu exemplo, porque

observavam a maneira como Roma punia

qualquer desertor. Aníbal não tinha portos

dignos do nome para manter ligações

marítimas com Cartago, e a

importantíssima Ilha da Sicília estava

irreversivelmente perdida. A Sardenha

nunca conseguira se libertar de Roma e

todas as proximidades da Itália estavam

vigiadas e guardadas por vitoriosas frotas

romanas. Filipe V da Macedônia, quase

convencido, após Canas, de que valeria a

pena desembarcar assistência aos

conquistadores cartagineses, logo se

lembrou do controle romano do Adriático.

(Ele estava agora engajado na Grécia

contra os etolianos que, com o apoio de

Roma, iriam mante-lo ocupado em casa

até que a ameaça de Aníbal estivesse

acabada.) Aníbal certamente não obteria

qualquer conforto das notícias vindas da

Espanha, onde seu irmão Asdrúbal seria

batido em Bécula naquele ano pelo jovem

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303

Cipião Africano. Ele tinha pouco para

sustentá-lo e às suas tropas, além do

reconhecimento de que ainda estava na

Itália após tantos anos — e ainda não fora

derrotado. Ainda assim, o ano de 208 a.C.,

que deve ter parecido sinistro para os

cartagineses, iria se encerrar com uma

extraordinária inversão na sorte romana.

Os cônsules para o ano de 208 a.C. eram o

duro e velho soldado Marcelo, agora no

seu quinto mandato, e Tito Quíncio

Crispino, que tinha sido o braço direito de

Marcelo na captura de Siracusa. Cada um

estava no comando de duas legiões.

Crispino iniciou as campanhas daquele

ano com ataque a Lócris Epicefíria, um

dos poucos portos ainda nas mãos de

Aníbal, no sul, onde ele ainda poderia

esperar reforços pelo mar, vindos de

Cartago. Forçado a desistir do sítio por

Aníbal, recuou para o norte até a cidade

de Venúsia, onde ele e Marcelo

acamparam com os seus exércitos

separados apenas por poucas milhas.

Disposto a trazê-los para a batalha se,

como ele tinha motivos para suspeitar, os

romanos tivessem recobrado

suficientemente sua coragem para

Page 304: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

304

enfrentá-lo em campo aberto, Aníbal

dirigiu-se a norte deles. Em seu caminho,

soube que uma legião de Tarento tinha

sido enviada para marchar até Lócris e

recomeçar o sítio, com a esperança de

capturar a cidade-porto em sua ausência.

Ele armou uma típica armadilha anibálica

abaixo da colina de mil pés de altura de

Petélia, ocultando seus cavaleiros e

infantaria de cada lado da estrada — o

tipo de laço no qual ele antes havia

esperado pegar as tropas de Quinto Fábio

Máximo. Os romanos, presumindo que

Aníbal estava distante ao norte,

avançaram descuidadamente e sem

quaisquer batedores à frente, e

aprenderam a lição que já deveria há

muito ter sido absorvida por todos os

comandantes inteligentes: "Nunca

subestimar o cartaginês". A armadilha foi

acionada; dois mil romanos foram mortos,

mil e quinhentos aprisionados; o restante

fugiu de volta para Tarento, felizes ao ver

os portões da cidade abertos para deixá-los

entrar.

Quando Aníbal finalmente chegou a uma

posição não muito distante de Venúsia e

dos exércitos romanos, armou

Page 305: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

305

acampamento e preparou-se para o que

prometia ser um duro combate. Como

narra Lívio, "ambos os cônsules estavam

com um espírito feroz e saíam diariamente

pela linha de batalha com a esperança

certa de que, se o inimigo viesse a arriscar

uma batalha, com dois exércitos

consulares unidos, seria possível finalizar

a guerra".[37] Entre os dois exércitos

ficava uma pequena colina coberta de

vegetação que os romanos, posicionados

muito antes da chegada de Aníbal,

certamente deviam ter tomado. O mestre

da guerra não perdeu tempo; durante a

noite, enviou um número de esquadrões da

cavalaria númida para verem se a colina

estava ocupada e, se não, se esconderem lá

e permanecerem sem qualquer

movimentação durante as horas de luz do

dia. Decidira que, por seu formato e

tamanho, a colina era mais adequada para

alguma forma de emboscada do que para

um acampamento do exército.

Como de costume, seu modo de pensar

deixou-o um passo à frente do oponente.

"No acampamento romano", escreve

Lívio, "havia um clamor geral de que a

colina devia ser ocupada e defendida por

Page 306: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

306

um forte, de modo que eles não tivessem o

inimigo sobre seus pescoços, o que

aconteceria se a colina fosse ocupada por

Aníbal".[37] Não sabendo o que já havia

acontecido à legião saída de Tarento, nem

que as tropas de Aníbal estavam cheias de

disposição e confiança, e nem lembrando,

pelos fatos passados, que somente os

ignorantes e tolos tratariam a presença de

Aníbal sem o devido cuidado, Marcelo e

seu companheiro cônsul Crispino

decidiram sair a cavalo e dar pessoalmente

uma olhada na colina. Talvez as notícias

da Espanha e a situação geral do

Mediterrâneo tenham insuflado neles uma

descuidada confiança. Levando não mais

do que duzentos e vinte cavaleiros com

eles, junto com uns poucos homens de

infantaria e alguns oficiais da equipe,

inclusive Marco Marcelo, filho do cônsul,

eles cavalgaram para fora do campo.

Quando deixaram o acampamento,

Marcelo deu ordens para que os soldados

ficassem preparados e, se a colina fosse

considerada adequada para o

estabelecimento de um acampamento ou

posto de observação, deveriam deslocar-se

para lá imediatamente. O sinal para que

fizessem isso jamais viria.

Page 307: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

307

Os númidas, esperando poder capturar

uns poucos homens que saíssem em busca

de forragem ou lenha, ficaram atónitos ao

verem os mantos militares vermelhos e as

brilhantes armaduras de oficiais

graduados movendo-se através da pequena

planície na sua direção e adentrando as

rudes escarpas. Imaculadamente

disciplinados, esperaram até que todo o

grupo estivesse ao seu alcance e, então,

como sombras à retaguarda dos romanos e

nos seus flancos, os cavaleiros da África

do Norte fizeram seu movimento.

"Aqueles que, de frente para o inimigo,

teriam de irromper da encosta não se

mostraram antes que os que isolariam a

estrada em sua retaguarda voltassem para

os flancos do inimigo. Então, surgiram ao

mesmo tempo, de todos os lados e, com um

grande brado, fizeram seu ataque".

Marcelo foi quase de imediato atingido

por uma lança e caiu morto de seu cavalo;

Crispino, ferido por duas azagaias,

conseguiu escapar, enquanto o jovem filho

de Marcelo, também ferido, juntou-se a ele

na fuga dos sobreviventes — uns poucos

oficiais da equipe e um punhado de

Page 308: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

308

cavaleiros etruscos que parecem ter tido

pouca coragem para o confronto.

O súbito alarido vindo da colina colocou

ambos os exércitos em alerta, sendo os

romanos os primeiros a saber de seus

ensanguentados sobreviventes o que

acontecera naquele dia ensolarado de

verão. Aníbal, tão logo soube das notícias

por um dos númidas, moveu seu exército

adiante e ocupou a colina. Ele próprio

cavalgou pelos arbustos até encontrar o

corpo de Marcelo; cremou-o com as

devidas honras e enviou as cinzas para o

filho do falecido em uma urna de prata.

Ele havia respeitado Marcelo como

oponente enquanto estava vivo e prestou-

lhe, depois de morto, como sempre foi de

seu costume para com oponentes abatidos,

os sinais de respeito devidos a um homem

digno de honra.

Enquanto Crispino, seriamente ferido,

encarregava-se dos exércitos consulares e

deslocava-se pelas montanhas "para um

lugar alto que fosse seguro de todos os

lados", Aníbal cogitava seu próximo

movimento. Ele tinha agora, em seu poder,

o anel do cônsul morto: seu selo e

Page 309: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

309

autoridade para qualquer mensagem

enviada. Aníbal imediatamente pensou em

Salápia na costa adriática da Apúlia;

Salápia, que havia rompido sua aliança

cartaginesa e se bandeado para Roma. Ele

precisava de uma guarnição segura na

costa leste, já que aparentemente soube

que Asdrúbal, seu irmão na Hispânia,

pretendia a qualquer momento cruzar os

Alpes e juntar-se a ele para uma investida

final contra Roma. Os acontecimentos

daquele ano iriam confirmar o pessimismo

de Asdrúbal quanto à posição cartaginesa

na Espanha e ele via claramente que

somente uma combinação de Aníbal com

ele próprio, e seus dois exércitos, um cheio

de sangue novo e ávido por conquistas,

outro talhado pela experiência, poderiam

salvar Cartago por meio de um ataque

direto ao coração de Roma.

Para Salápia, então, Aníbal enviou um

mensageiro com a autenticação do selo de

Marcelo dizendo que este chegaria na

noite seguinte e que os portões da cidade

deveriam ser abertos para recebê-lo. Era

um artifício engenhoso e poderia ter

funcionado, não fosse o fato de Crispino,

mesmo estando à morte, ter-se antecipado

Page 310: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

310

a ele e enviado mensageiros para todas as

cidades próximas dizendo que Marcelo

estava morto, e que não se confiasse em

qualquer mensagem que ostentasse o seu

selo. Os homens de Salápia enviaram de

volta o mensageiro de Aníbal, um desertor

romano, dizendo que tudo estaria

preparado para Marcelo quando ele

chegasse. Quando Aníbal aproximou-se de

Salápia à noite, enviou adiante um grupo

avançado de desertores romanos, todos

falando latim e portando armas romanas,

marchando como os legionários que

haviam sido um dia, de modo a convencer

o povo de Salápia de que o cônsul estava

chegando. As sentinelas dos portões,

ouvindo seu chamado, fingiram estar

preparadas para darem as boas-vindas e

levantaram a porta de grade levadiça. Mas

quando várias centenas dos desertores

haviam adentrado a cidade, a porta de

grade fechou-se atrás deles e o grupo

avançado foi massacrado.

Derrotado pela primeira vez por uma

inteligência tão aguçada quanto a sua

própria, Aníbal abandonou a tentativa de

tomar a cidade para a esperada chegada

de seu irmão e retirou-se para o sul. Tinha

Page 311: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

311

descoberto que Lócris estava novamente

sitiada e era muito importante para ele

manter aquela linha de comunicação com

Cartago aberta. A sempre versátil

cavalaria númida chegou à frente das

colunas de Aníbal em marcha,

surpreendeu o exército romano que fazia o

sítio pela retaguarda, e Lócris foi salva.

Tito Quíncio Crispino morreu pouco

tempo depois devido aos ferimentos

recebidos naquela emboscada fatal na

colina. "Assim, dois cônsules — e isso

nunca acontecera numa guerra anterior

— perdendo a vida sem ser numa batalha

notável, haviam deixado o Estado, por

assim dizer, despojado". Em Trasimeno e

em Canas, Aníbal matara um dos cônsules

então no cargo, e já havia matado muitos

generais romanos, cavaleiros, inúmeros

oficiais de Estado-Maior e outros

valorosos cidadãos de Roma. Mas agora,

no ano que parecia ter iniciado com a

mais tenebrosa das perspectivas, ainda

cavalgava pela paisagem da Itália — uma

figura implacável, vingadora, que os

romanos nunca haviam derrotado.

Page 312: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

312

Cipião e Asdrúbal na Hispânia[editar |

editar código-fonte]

Do outro lado do Mediterrâneo, na

península Ibérica, seu irmão Asdrúbal,

ávido para reunir-se a Aníbal na Itália há

vários anos, teve sua escolha resolvida por

ele. Se vacilara, no passado, dividido entre

a necessidade de preservar o império

cartaginês e auxiliar no ataque de Aníbal,

agora receberia o golpe que traria a

decisão. Em Bécula, guardando as

importantíssimas minas de prata de

Cástulo, Asdrúbal foi colocado em apuros

por Cipião. A guerra anibálica, como

todas as outras, girava em torno de metais

e dinheiro — metais para os materiais de

guerra e dinheiro para manter as tropas

em campo e pagar pelo apoio dos aliados.

Amílcar havia fundado seu império ibérico

para reabastecer os cofres de Cartago

depois da desastrosa paz que se seguiu à

Primeira Guerra Púnica, e foi a riqueza

mineral da península Ibérica o que

encorajara Cartago a apoiar a assombrosa

aventura de Aníbal contra o Estado

romano. A última batalha de Asdrúbal na

Hispânia foi significativa pelo fato de que

ele foi derrotado pela utilização, por

Cipião Africano, de uma tática de

Page 313: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

313

aproximação na qual nenhum outro

comandante romano no passado teria

pensado, e possivelmente nem mesmo o

próprio Cipião Africano, se ele não tivesse

estado presente em Canas.

Asdrúbal se posicionara abaixo da cidade

de Bécula, numa cordilheira que tinha um

pequeno rio abaixo dela. Para chegar até

o inimigo, Cipião Africano teria que

vencer o rio e então fazer um ataque

frontal subindo por uma escarpa: duas

desvantagens que comandantes romanos

anteriores teriam enfrentado, contando

com o peso das legiões para abrir caminho

através das defesas do inimigo. Contudo,

Cipião Africano tinha observado que, em

qualquer dos lados do platô, havia valas

secas descendo desde o topo. Depois de

suas tropas cruzarem o rio, subitamente

deslocou o peso principal de seu ataque,

enviando uma grande corporação de

tropas leves escarpa acima para enfrentar

o inimigo de frente, enquanto ele e seu

segundo-no-comando levavam as legiões

pesadamente armadas pelas valas de

ambos os lados. Ao fazer isso, imitou

Aníbal em Canas, com suas tropas ligeiras

e aliados espanhóis retendo o choque no

Page 314: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

314

centro, enquanto seus veteranos armados

com armas pesadas cerravam fileiras nos

flancos para a matança. "E não mais",

escreve Lívio,[37] "restou espaço aberto,

nem mesmo para fuga (…) a entrada do

acampamento foi obstruída pela fuga do

general e oficiais-chefes e, mais ainda,

pelo pânico dos elefantes, aos quais,

quando apavorados, eles temiam muito

mais do que ao inimigo. Cerca de oito mil

homens foram mortos". Restou o fato de

que Asdrúbal, colocado à prova em muitos

campos de batalha, conseguiu evadir-se

com o núcleo principal de seu exército —

todas as suas tropas pesadas, assim como

a cavalaria e também trinta e dois

elefantes. Como o próprio Aníbal, e como

Cipião Africano, ele era impiedoso no

sacrifício de suas tropas locais quando

chegava à ação principal. E para

Asdrúbal, tendo decidido que a Espanha

deveria ser finalmente abandonada,

mesmo que apenas a curto prazo —o mais

importante ato seria deslocar suas forças

para a Itália.

Asdrúbal parte para a Itália

No outono de 208 a.C., Asdrúbal levou

suas tropas pela Gália, tendo escapado dos

Page 315: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

315

romanos na Hispânia oriental seguindo os

vales altos do Tejo e do Ebro. A fama

subsequente de Cipião Africano parece ter

obscurecido o fato de que ele deixara

Aníbal escapar e, em consequência,

permitiu que seu país ficasse mais exposto

ao perigo do que em qualquer outra

ocasião desde que Aníbal cruzara os

Alpes.

Ele deve ter sabido — pois os rumores

haviam se espalhado aos quatro ventos —

que o objetivo de Asdrúbal era deixar a

Hispânia e cooperar com seu irmão na

Itália: o primeiro objetivo do general

romano, consequentemente, deve ter sido

certificar-se de que Asdrúbal não o

enganaria; se não estava suficientemente

forte para atacar o inimigo, certamente

deveria ter encalçado seu avanço para os

Pirenéus e não tê-lo deixado chegar à

Gália intacto e sem ser vigiado. Ele não

fez nada parecido; cometeu um imenso

engano e simplesmente não é verdade que

tenha sido obrigado a confrontar os

cartagineses com grande força no Ebro,

pois Magão e Asdrúbal Gisgão, quando

Asdrúbal partiu, deslocaram-se, o

primeiro para as Ilhas Baleares e o outro

Page 316: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

316

para Portugal, centenas de milhas

distante; eles eram claramente incapazes

de enfrentar os romanos na Hispânia.

— O'Connor Morris[41]

É uma infelicidade que nossos estudiosos

antigos não tenham comentado mais

aprofundadamente essa marcha feita por

Asdrúbal, a segunda maior realizada pela

"ninhada do leão", os filhos de Amílcar,

que por tanto tempo ameaçaram e

aterrorizaram Roma. Foi uma jornada

épica digna de seu irmão. Escapando de

Cipião Africano, deixou os romanos

vigiando em vão os desfiladeiros dos

Pirenéus enquanto ele, a sua infantaria

cartaginesa, os iberos, a cavalaria númida

e os laboriosos elefantes africanos

moviam-se a oeste, passando pela baía de

Biscaia e o grande oceano acinzentado

que poucos homens mediterrâneos jamais

haviam visto. Antes de partir para a Gália

reuniu-se com Magão, e este seu irmão

mais jovem foi para as Baleares a fim de

levantar uma força daqueles formidáveis

"fundibulários" que mais tarde cruzariam

o mar rumo à Itália. Os três filhos de

Amílcar Barca, assim foi planejado, iriam

então encontrar-se pela primeira vez em

muitos anos e executar a vingança sobre

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317

Roma que os votos feitos ao seu pai e aos

enfumaçados altares de Cartago há muito

demandavam.

Aníbal e Asdrúbal sabiam que, com sua

situação em declínio na Hispânia, o ano

de 207 a.C. deveria ser decisivo na guerra

contra Roma. Somente pela união de seus

exércitos e a total derrota dos romanos —

algo mais devastador até mesmo do que

em Canas — poderia ser atingido o

objetivo da longa guerra. Desde o início, o

grande empreendimento iria mostrar-se

arriscado e, numa posterior reflexão,

quase impossível. Comandando o centro

da Itália, os romanos tinham o benefício

de linhas internas de comunicação e eram

capazes de posicionar suas forças de modo

que uma parte mantivesse os olhos sobre

Aníbal ao sul enquanto a outra vigiasse o

norte e a esperada chegada de Asdrúbal.

Naqueles dias de comunicações primitivas,

o grande obstáculo entre os dois irmãos

era a extensão territorial da Itália.

Asdrúbal invernou na Gália, bem ao oeste,

onde não havia qualquer amigo de Roma

ou de Massala, e então provavelmente

cruzou o rio Ródano comodamente acima,

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318

perto de Lyon. Embora não fosse segredo

que Asdrúbal pretendia reunir-se ao seu

irmão na Itália, nenhuma tentativa, em

qualquer caso, poderia ser feita para detê-

lo, uma vez que ele tivesse cruzado os

Pirenéus e penetrado na Gália. Massala

era distante e os chefes gauleses estavam

como nunca hostis a Roma. Segundo

Lívio, apesar de Asdrúbal ter escapado de

Bécula com não mais do que quinze mil

homens é provável que ele tenha chegado

aos Alpes com quase o dobro desse

número.[37] Aníbal, bem distante ao sul,

devia ser capaz de reunir um exército de

quarenta a cinquenta mil homens, a

maioria, porém, de tropas de qualidade

bem baixa.

Na primavera de 207 a.C., assim que a

neve derreteu, Asdrúbal partiu: ele não

demorou nem um pouco, como seu irmão

havia feito, e nem aparentemente foi

incomodado por tribos hostis. Cruzando o

território do Arverno seguiu

provavelmente o curso do rio Isère e quase

certamente não tomou a difícil rota

seguida por Aníbal. Tanto Lívio quanto

Apiano afirmam que ele o fez,[37] mas

parece muito improvável, uma vez que a

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319

bacia do Isère segue pelo desfiladeiro do

monte Cenis e o historiador romano Caio

Terêncio Varrão parece, sem dúvida,

descrever o desfiladeiro de Asdrúbal como

sendo distinto do de Aníbal, e ao norte

dele. O Passo do Monte Cenis corresponde

perfeitamente à descrição, e a ideia de que

Asdrúbal tenha seguido as pegadas do

irmão não é mais do que metáfora. Em

todo caso, como Lívio aponta, as tribos

alpinas que antes pensaram ter Aníbal

intenções quanto ao seu pobre território já

haviam tomado conhecimento da "Guerra

Púnica, devido à qual a Itália estivera em

chamas por onze anos, e perceberam que

os Alpes não eram mais do que uma rota

entre duas poderosíssimas cidades em

guerra uma com a outra (…)". 37 Logo,

não havia motivos para atacarem os

cartagineses em marcha, nem enganá-los

com informações que poderiam levá-los a

altos e traiçoeiros desfiladeiros. Asdrúbal

rumou para a Itália no tempo exato de um

ano, com uma segurança que se traduz

pelo fato de nenhum contratempo ter sido

atribuído à sua expedição.

Os romanos estavam bem cientes de que

aquele ano era crucial. A República

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320

Romana fortaleceu-se e, sem dúvida,

revestiu-se de tão nobre disposição que,

mesmo após gerações, isso foi

rememorado como inspiração. Embora a

notícia de que Asdrúbal estava em marcha

tenha produzido cenas em Roma

remanescentes do pânico inspirado por

Aníbal nos primeiros estágios da guerra, o

Senado nunca hesitou em tomar medidas

sábias e sensíveis para defender o Estado.

Os homens já estavam então acostumados

com a guerra, enrijecidos e treinados a

ponto de enfrentarem todas as vicissitudes.

Em alguns aspectos, também poderiam

confortar-se com a situação geral: Cipião

Africano, indubitavelmente, obtivera a

vantagem na Espanha; não havia ameaça

na Sardenha, e a guerra na Sicília havia

finalizado satisfatoriamente. O aliado

inativo de Aníbal, Filipe V da Macedônia,

permanecia na defensiva na Grécia e

preparava-se para negociar a paz; por

todo o mar Mediterrâneo, a marinha

romana navegava triunfante. Os aliados

romanos farejaram a mudança dos ventos,

e aqueles que antes haviam se mostrado

covardes ou traiçoeiros agora tinham

aprendido a lição. Logo, era com alguma

confiança que, a despeito da dupla ameaça

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321

de Aníbal e Asdrúbal, os romanos

encaravam aquele ano. Prova disso, e de

seu poderio humano disponível, é dada

pelo fato de que não menos de vinte e três

legiões tinham sido recrutadas. Dessas,

somente oito foram requisitadas para

serviço fora do país: duas na Sicília, duas

na Sardenha e quatro na Hispânia. As

quinze restantes ficaram todas na Itália,

representando setenta e cinco mil cidadãos

romanos aos quais se somava uma igual

quantidade de aliados. Não é surpresa,

contudo, Lívio observar que o número de

jovens aptos para o serviço estivesse

começando a decair.[37]

Mais difícil do que reunir tropas era

encontrar homens para comandá-las.

Quinto Fábio Máximo estava agora muito

velho e Marcelo, a "Espada de Roma",

morto. As perdas sofridas através dos

anos, e particularmente em Canas, eram

por demais perceptíveis nas fileiras dos

líderes de Roma. Após muito debate,

Cláudio Nero e Marco Lívio foram

finalmente eleitos cônsules, o primeiro

assumindo o comando do exército do sul

frente a Aníbal em Venúsia, e o outro o

comando do exército do norte em Sena

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322

Gálica, na costa adriática. Fúlvio Flaco,

vitorioso em Cápua, apoiou Nero com um

exército no Brútio, e um outro exército

estava em Tarento. No norte, Lúcio Pórcio

Licino comandava um exército na Gália

Cisalpina, enquanto Caio Terêncio Varrão

(ainda popular junto ao povo, apesar de

tudo) detinha a instável região da Etrúria.

No começo daquela primavera, Asdrúbal

rumou para o sul, quase certamente antes

do esperado. Se o exército que ele trouxe

consigo da Hispânia não estava exausto

como o de Aníbal, nem necessitando do

mesmo tempo para descanso, também não

era da mesma qualidade nem tão forte

naquela arma que havia causado tanto

estrago aos romanos, a soberba cavalaria

da África do Norte. Mesmo assim,

reforçado por vários milhares de lígures

que haviam se juntado a ele, e agitando

uma vez mais o espírito rebelde dos

gauleses cisalpinos, Asdrúbal movia-se

como uma tenebrosa nuvem de tempestade

pela terra da Itália. Cruzando o rio Pó e

transpondo o desfiladeiro de Estradela, ele

marchou contra Placência. Ali hesitou e

perdeu tempo, demorando para sitiar a

colónia fiel aos romanos que fechara os

portões diante dele, tendo notado que,

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323

como Aníbal, ele não possuía

equipamentos para executar um sítio.

Asdrúbal tem sido criticado, por alguns

historiadores, por se demorar em

Placência, ao invés de contorná-la e

marchar adiante para se encontrar com

seu irmão antes que os romanos pudessem

concentrar todas as suas forças. Contudo,

ele estava diante do fato de que Placência

parecia ser uma guarnição forte demais

para deixar em sua retaguarda e de que —

talvez ainda mais importante — as tribos

gaulesas locais demoraram para vir em

seu favor. Ele precisava esperar até que

número suficiente de lígures tivesse se

juntado a ele e tantos gauleses quantos

possíveis tivessem sido recrutados.

Finalmente, desviando de Placência, ele

marchou pelo caminho de Arímino rumo à

costa oriental. Pórcio, que não tinha

tropas suficientes para resistir a ele,

retirou-se. Tais foram os lances iniciais

daquela primavera no norte.

Aníbal, que tinha passado o inverno na

Apúlia como de costume, foi primeiro para

a Lucânia levantar mais tropas e então

voltou para a sua fortificação no Brútio,

sem dúvida para obter a maior quantidade

Page 324: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

324

possível de reservas dessa região há tanto

tempo fiel à sua causa. De acordo com

Lívio, as tropas romanas de Tarento

caíram sobre as suas levas enquanto eles

estavam em marcha, e no combate que se

seguiu ele perdeu cerca de quatro mil

homens, com os sobrecarregados

cartagineses sendo mortos pelos

legionários livres de carga.[37] Enquanto

isso, o cônsul Cláudio Nero, com um

exército de quarenta e dois mil e

quinhentos homens, deslocava-se de

Venúsia para barrar a marcha de Aníbal

do Brútio para a Lucânia. "Aníbal

esperava", diz Lívio, "recuperar as

cidades que haviam sucumbido pelo medo

aos romanos",[37] mas também tinha que

marchar para o norte de modo a

encontrar-se com o irmão. A confusão dos

movimentos cartagineses se devia às

comunicações primitivas da época: Aníbal

nada mais sabia além de que Asdrúbal

deveria, naquela altura, ter cruzado os

Alpes, e Asdrúbal, que já se encontrava na

Itália, não sabia nada além de que Aníbal

estava em algum lugar ao sul. Os

romanos, por outro lado, trabalhando com

suas linhas interiores de comunicações e

sistemas de suprimentos, achavam-se

Page 325: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

325

numa posição admirável para manter os

dois inimigos separados e atacá-los um

por vez com suas forças superiores.

Em Grumento, na Lucânia, os exércitos de

Nero e Aníbal se enfrentaram pela

primeira vez, algo notável pelo fato de que

o cônsul romano, "imitando as

artimanhas de seu inimigo", escondeu

parte de suas tropas atrás de uma colina

de modo a cair sobre a retaguarda

cartaginesa no momento adequado do

confronto. Era nessas horas que Aníbal

sentia a necessidade de suas treinadas

tropas púnicas e iberas e cavaleiros

númidas, que nunca chegaram a ele de

Cartago. Seu agrupamento, forças

semitreinadas — superadas

numericamente pelos romanos — não

foram páreo para as disciplinadas legiões

de Nero. Ainda mais, foi a utilização pelo

cônsul do estilo tático próprio de Aníbal,

embora desdenhado como "não romano"

por Lívio,[37] que lhe assegurou a vitória.

Aníbal perdeu, como nos é dito, nove mil

homens, nove estandartes e seis elefantes.

Ainda assim, não parece ter sido um

combate decisivo, pois, ao invés de

retroceder, Aníbal continuou sua marcha

Page 326: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

326

para o norte em direção a Canúsio, na

Apúlia, e é significativo que Nero,

enquanto o perseguia, era incapaz de

impedir que ele se movimentasse quando e

como lhe conviesse.

Batalha de Metauro

A Batalha do Metauro, travada em 207

a.C., próximo ao rio Metauro, na região

italiana das Marcas, foi uma batalha da

Segunda Guerra Púnica, na qual o

comandante cartaginês Asdrúbal, irmão

de Aníbal, foi derrotado e morto pelos

exércitos romanos combinados dos

cônsules Marco Lívio Salinator (que

posteriormente receberia o cognome de

Salinator, e Caio Cláudio Nero.

Após Metauro

Com a morte de seu irmão, Aníbal perdera

a última esperança de derrotar Roma. A

cabeça decepada significava o fim do

bravo empenho para colocar o maior

poderio militar do Mediterrâneo de joelhos

por meio de um ataque ao coração da

terra romana. Pela primeira vez em doze

anos, Aníbal tinha perdido a iniciativa na

guerra. Retrocedeu para o Brútio (atual

Calábria), região selvagem e montanhosa

Page 327: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

327

da qual havia retirado a maioria de seus

recrutas nos últimos anos e onde ainda

detinha os dois pequenos portos de

Crotona e Lócris Epicefíria. A tentação de

retornar a Cartago deve ter sido quase

irresistível, pois Aníbal podia ver que a

perda de Asdrúbal e seu exército

significava que a guerra na Itália estava

chegando ao fim. Sabia, também, que a

península Ibérica provavelmente sairia do

controle cartaginês, e que o golpe seguinte

dos romanos após aquele seria a invasão

da terra natal cartaginesa. Ao mesmo

tempo, evidentemente concluiu que a sua

presença na Itália, mesmo que

enfraquecido e com seu exército

praticamente ineficaz, restringiria muitas

legiões e evitaria que os romanos concen-'

trassem seu poder e sua frota em um

ataque à própria Cartago. Deveria

permanecer onde estava, representando

uma permanente ameaça a Roma. A

notícia da batalha do rio Metauro foi

recebida com uma alegria que a cidade

não havia conhecido em todos aqueles

longos anos. Era, como observa o poeta

Horácio, o primeiro dia, desde que Aníbal

irrompera dos Alpes, em que a vitória

sorria para o povo romano. Ambos os

Page 328: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

328

cônsules foram recebidos em triunfo, com

maior aclamação merecidamente dada a

Cláudio Nero do que a seu companheiro,

pois estava claro que sua iniciativa e

brilhante decisão — em desobediência a

todas as regras e regulamentos — havia

lhes proporcionado uma vitória de

imensas consequências. A ameaça a Roma

estava eliminada e já se tinha evidenciado

que Aníbal, por si só, embora general

inigualável, não possuía homens ou

equipamento para colocar a cidade em

perigo. Quatro legiões foram

desmobilizadas e nenhuma outra ação

realizada naquele ano, a não ser manter

vigilância e guarda sobre o cartaginês em

sua toca na Calábria. Filipe V da

Macedônia, sentindo que a cortina descia

sobre o grande empreendimento anibálico,

acertou a paz com os etolianos,

encerrando, assim, sua curta e trabalhosa

aliança com o cartaginês.

O ano de 206 a.C. não viu maiores

operações na Itália, e os dois cônsules,

Quinto Metelo e Lúcio Filo, contentaram-

se em manter Aníbal encurralado na

Calábria. O centro principal da guerra

encontrava-se agora na Hispânia, onde

Page 329: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

329

Cipião Africano continuava a demonstrar

seu costumeiro brilhantismo, derrotando

decisivamente o irmão mais novo de

Aníbal, Magão, e Asdrúbal Gisgão em

Bécula. Na guerra anterior, outros

exércitos sob o comando de Hanão e

Magão haviam sido vencidos e estava

claro que a Hispânia inteira, todo aquele

império cartaginês fundado por Amílcar,

fugia do seu domínio. Isso ficou bastante

evidente para os próprios iberos e

celtiberos, que rapidamente se aliaram

quase todos à causa romana. Para os que

resistiram, assim como o poderoso chefe

tribal Indíbilis, a reação romana foi rápida

e sangrenta. Cidades fortificadas, como

Áspata e Ilirúrgia, foram destruídas, tribos

que haviam conspirado contra o pai e o tio

de Cipião foram dizimadas, e Cástulo, a

fortaleza onde se diz que Aníbal, muitos

anos antes, encontrara uma esposa,

rendeu-se às máquinas de sítio e espadas

romanas.

As ações de Cipião Africano na Hispânia

anteciparam a posterior história do

Império Romano (que ele tanto ajudou a

fundar) como "sendo misericordioso para

com os derrotados, porém massacrando os

Page 330: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

330

revoltosos". Sua disciplina não foi

aplicada somente às tribos selvagens da

Hispânia, pois quando irrompeu um

motim em uma de suas legiões, este foi

esmagado com igual rigor, e seus líderes

prontamente aniquilados. Em breve ficaria

claro que, com a partida de Asdrúbal para

a Itália a fim de se juntar ao seu irmão, a

mão unificadora cartaginesa na Hispânia

havia sido retirada. A perda do controle

cartaginês sobre o país aconteceu ainda

mais rapidamente do que sua imposição.

Somente Gades (atual Cádis) permanecia

como um último posto avançado do poder

cartaginês e, antes do fim de 206 a.C.,

mesmo esse antigo posto de trocas dos

povos púnicos preparava-se para dar as

boas-vindas aos romanos. Embora isso

tenha ocorrido muitos anos antes que

todas as tribos da selvagem e montanhosa

península Ibérica fossem pacificadas (um

eufemismo para a espada), toda a

Hispânia, com efeito, estava em mãos

romanas. Após cerca de trinta anos, o

domínio estabelecido pela família Barca

chegara ao fim.

Ainda que Aníbal permanecesse na Itália

por mais três anos e nunca fosse derrotado

Page 331: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

331

em solo italiano, agora se encontrava

privado da base de onde havia partido

para sua longa marcha. Além disso ele e

seu país perderam a prata e a riqueza

mineral da península Ibérica, e mesmo o

material humano que abastecera sua

gigantesca aventura. Descobriria que a

estratégia usada contra os romanos

quando ele havia decidido invadir o país

seria voltada contra os cartagineses. Todo

o tempo Cipião Africano percebera que

privar o inimigo de sua fonte de poder era

a melhor maneira de derrotá-lo, e tinha

atingido seu primeiro objetivo com o

sucesso na Hispânia. Ele agora se

preparava para seu segundo objetivo — a

África.

Lívio escreve que Cipião Africano

"considerou a conquista da Hispânia algo

insignificante comparado com tudo o que

imaginava em suas magnânimas

esperanças. Seus olhos já estavam sobre a

África e a grande Cartago, e para a glória

de tamanha guerra (…)". 37 Sua política

não ficou sem oposição no Senado e está

claro que havia dois partidos principais no

debate: um pressionando pela paz

primeiro na Itália e pela remoção de

Page 332: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

332

Aníbal; e o outro para que se levasse a

guerra mar afora. Os fabianos, liderados

pelo filho do velho ditador, eram a favor

de uma política italiana — colocando sua

própria casa em ordem antes de estender a

guerra — enquanto Cipião Africano era

pela expansão. Seu pai e seu tio haviam

morrido na Espanha, e ele finalmente

conseguira conquistá-la, mas olhando

mais adiante considerava a conquista da

África mediterrânea. A maioria do Senado

foi contra ele. Naquele décimo terceiro

ano da guerra, o país inteiro achava-se

exausto, suas terras devastadas, seu

poderio humano definhando, e cada

cidadão e aliado cambaleava sob uma

intolerável carga de impostos. A razão pela

qual Cipião Africano conseguiu êxito em

seu ambicioso plano foi que seu triunfante

retorno a Roma, precedido por centenas de

libras de prata e muitos nobres cativos

como evidência de seu sucesso,

obscureceu os argumentos de seus

oponentes. Numa onda de entusiasmo

popular ele foi eleito para um mandato

consular para o ano de 205 a.C.. Em todo

caso, ele já havia começado a fazer

sondagens na África, antecipando, assim,

a reação dos oponentes.

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333

Cipião propõe invadir a África

Alguns meses antes de seu retorno a

Roma, confiante de que tudo estava

terminado na Hispânia, Cipião Africano

cruzara rumo à África para encontrar

Sífax, o rei númida, com a intenção de

trazê-lo a uma aliança com Roma contra

Cartago. No porto de Cirta (Constantina),

vizinho ao território cartaginês, Cipião

Africano encontrou navios de guerra

inimigos e ninguém menos que Asdrúbal

Gisgão, o qual, junto com filho de

Amílcar, Magão, havia recentemente

travado combate com ele. Foi um estranho

encontro (possivelmente engendrado pelo

ardiloso rei númida), mas, uma vez que

aconteceu em território neutro, não havia

a possibilidade de qualquer demonstração

de hostilidade entre os visitantes romanos

e cartagineses.

Lívio escreve[37] que "para Sífax pareceu

esplêndido — como certamente o era —

que os generais dos dois povos mais ricos

daquela época tivessem vindo no mesmo

dia para pedirem sua paz e amizade". Ele

convidou a ambos para jantar com ele, e

"(…) na mesmíssima poltrona, assim

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334

disposto pelo rei, Cipião Africano e

Asdrúbal se sentaram. Além disso, tais

eram as galantes maneiras de Cipião

Africano, sua esperteza inata em enfrentar

cada situação, que com seu modo

eloquente de se portar conquistou não

apenas a Sífax, o bárbaro ignorante das

maneiras romanas, mas também o seu

mais amargo inimigo. Asdrúbal mostrou

claramente que, ao encontrá-lo face a

face, Cipião Africano] pareceu-lhe ainda

mais admirável do que em suas atividades

na guerra, e que ele não duvidava de que

Sífax e seu reino deveriam em breve estar

em poder dos romanos; tal era a

habilidade daquele homem em converter

indivíduos à sua causa". Logicamente, o

fato é que o inteligente númida perceberia

a direção em que o vento soprava no

Mediterrâneo. "Então, Cipião Africano,

após fazer um tratado com Sífax, navegou

para fora da África (…)"

Durante aquele inverno, enquanto Cipião

Africano era aclamado em Roma, o irmão

de Aníbal, Magão, encontrava-se nas ilhas

Baleares. Após realizar uma ousada,

porém ineficaz, tentativa de capturar Nova

Cartago, ele se desesperara com a situação

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335

na Hispânia. Deixara Gades e levara a

frota cartaginesa, antes de mais nada,

para Pitiússa (Ibiza), uma velha colónia

cartaginesa, pretendendo recrutar

soldados de infantaria e os famosos

fundibulários baleárides entre os ilhéus.

Mesmo nessa tardia etapa da guerra, fica

claro que Cartago não havia perdido a

esperança de vencê-la na Itália. Magão

havia recebido ordens de "contratar o

maior número possível de jovens gauleses

e lígures para se juntarem a Aníbal e não

permitir que uma guerra, que havia

começado com o maior vigor e ainda

maior boa sorte, declinasse agora". O

Senado em Cartago havia lhe enviado

uma grande soma de dinheiro para esse

propósito. A frota de Magão também foi

abastecida com ouro e prata de Gades,

onde saqueara os templos e o tesouro

antes de partir. Havia pilhado até mesmo o

famoso e imensamente rico templo de

Melcarte, durante séculos, o último onde

os marinheiros fenícios faziam as suas

oferendas antes de suas jornadas pelo

grande oceano. Um cartaginês,

descendente dos fenícios fundadores

daquele relicário sagrado há cerca de

novecentos anos, profanando-o agora,

Page 336: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

336

evidenciava o desespero que Magão e seus

homens devem ter sentido com a perda da

Espanha. Durante aquele inverno, embora

repelido em Mallorca, Magão conseguiu

recrutar cerca de doze mil soldados e dois

mil cavaleiros em Minorca. Com essas

tropas faria um ataque na costa lígure na

primavera de 205 a.C., no decorrer do

qual capturou as importantes cidades de

Savo (Savona) e Genoa (Génova).

Naquele estágio de complexidade da

guerra anibálica, que envolvia todo o

Mediterrâneo central e ocidental e todas

as terras adjacentes, é relativamente fácil

ver o objetivo de Cipião Africano|Cipião.

Seu colega para o ano era Públio Lícino

Crasso, a quem foi confiada a guarda

sobre o Brútio e Aníbal, enquanto Cipião

Africano ficou na província da Sicília com

a previsão de que dali poderia cruzar para

a África "se ele julgasse vantajoso para o

Estado". Este, a despeito da objeção do

partido fabiano a mais envolvimentos

além-mar, era um claro convite para que

levasse a guerra até as portas de Cartago,

pois toda a Sicília estava agora tranquila e

subserviente a Roma. Ao mesmo tempo,

seus oponentes no Senado fizeram tudo o

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337

que podiam para evitar que ele agisse —

negando-lhe o direito de levar para além-

mar quaisquer legiões da própria Itália

por causa da ameaça do Brútio ("Onde

está Aníbal, ali está o centro da guerra").

Foi deixado para o próprio arbítrio de

Cipião Africano se ele levaria a guerra à

África do Norte. Se fracassasse, seria

considerado culpado de exceder-se em

suas instruções.

Enquanto é possível discenir os objetivos

romanos naquela altura do longo conflito,

é extremamente difícil entender os dos

cartagineses. Não existem registros, e

Lívio não poderia conhecê-los; Políbio —

que bem pode tê-lo feito e é mais confiável

como historiador — não pode ajudar, pois

essa seção de sua história está perdida. As

instruções para Magão avançar até a costa

lígure após alistar um pequeno núcleo de

um exército nas ilhas Baleares, e então

seguir até a Gália Cisalpina alistando

mais gauleses, como o fizera Asdrúbal,

sugerem que algum tipo de operação

duplicada estaria planejada — um voo do

norte para juntar-se a Aníbal surgindo do

sul. Por outro lado, embora pobres como

eram as comunicações naqueles dias, seria

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338

surpreendente se o Senado cartaginês não

tivesse evidências suficientes de como essa

estratégia havia fracassado com Asdrúbal.

Eles certamente também devem ter sabido

(já que havia espiões cartagineses em toda

parte) que a Etrúria estava descontente e

potencialmente pronta para uma rebelião

contra seus antigos inimigos, os romanos.

Se o irmão de Aníbal, Magão, pudesse

levantar tropas suficientes entre os lígures

e os gauleses cisalpinos para aumentar

essa revolta etrusca — e então consolidá-

la reunindo-se com os etruscos — Roma,

com certeza, estaria ameaçada como

nunca desde que Aníbal havia cruzado os

Alpes. Em tal momento, Aníbal,

deslocando-se do Brútio, revelaria o poder

de sua estratégia contra os exércitos que o

vigiavam no sul.

Cartago e seus governantes (e eles, como

Roma, sempre possuíam dois partidos

conflitantes, um demandando a paz

negociada e o outro a guerra) não

falharam a Aníbal ou a Magão mesmo

nessa hora tardia. No decorrer daquele

ano de 205 a.C., dois grandes comboios

foram despachados da África do Norte

para a Itália, um destinado a Magão e

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339

outro a Aníbal. Era uma evidência da

capacidade de construção naval de

Cartago que, mesmo depois da sua

humilhação desde a Primeira Guerra

Púnica, ainda podia enviar frotas para os

mares. O comboio designado para reforçar

Aníbal no sul jamais chegaria até ele:

oitenta navios cartagineses foram

capturados naquele verão quando

navegavam através dos tranquilos mares

da Sardenha. Uma vez mais os romanos

mostravam sua superioridade naval e

demonstravam o quanto eles

compreendiam bem a importância do

poderio naval. O comboio para Magão,

contudo, alcançou-o e trouxe o reforço de

vinte e cinco navios de guerra, seis mil

homens de infantaria, oitocentos de

cavalaria e sete elefantes. Ele também

recebeu uma soma adicional de dinheiro

para comprar os serviços de tropas

mercenárias.

Enquanto seu irmão reunia tropas no

norte, Aníbal continuava retido e inativo

no Brútio e pouco tomou parte nessa

frente, exceto por esparsas pilhagens em

território romano. A qualidade dos

homens de Aníbal agora era tal que é

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340

duvidoso que pudesse ter apresentado um

exército capaz de um combate maior.

Prova disso pode ser vista nas

circunstâncias sob as quais ele perdera

Lócris Epicefíria, um de seus dois únicos

portos (e de longe o melhor), para um

ataque marítimo lançado por Cipião

Africano de sua base na Sicília. Embora

Lócris estivesse tecnicamente fora de sua

esfera de comando, Cipião Africano

percebeu que seu companheiro cônsul ao

norte não poderia nunca abrir caminho

através do Brútio para capturar a cidade, e

então sabiamente agiu por seu próprio

julgamento. Três mil homens foram

despachados do Régio sob o comando de

um dos oficiais de Cipião Africano, Quinto

Plemínio, para atacarem Lócris por terra,

ao mesmo tempo que — da maneira usual

— um grupo de dissidentes dentro da

cidade se preparava para traí-la. O

pequeno porto de Lócris ficava protegido

entre duas elevações, ambas defendidas

por cidadelas. Os romanos conseguiram

tomar uma delas, enquanto os

cartagineses recuavam para dentro da

outra. Ao ouvir as notícias, Aníbal

imediatamente marchou do norte,

mandando antes dizer aos cartagineses

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341

que saíssem com ferocidade assim que

vissem seu exército se aproximando.

Cipião Africano, prevendo que Aníbal se

deslocaria para o resgate da cidade, veio

por mar de Messina na Sicília e

desembarcou tropas, que esperaram na

cidade até que o exército cartaginês fosse

avistado. Ao invés de ser recebido pela

guarnição cartaginesa, Aníbal encontrou

uma frota romana no porto, tropas

revigoradas e prontas para a batalha. Sua

confiança em Lócris foi frustrada, e suas

tropas inexperientes foram batidas em um

primeiro confronto. Nada mais lhe restava

a não ser retroceder.

Havia perdido Lócris Epicefíria, e agora o

único porto que lhe restava era Crotona.

Nos dois anos restantes de Aníbal na

Itália, essa antiga cidade grega tornou-se

sua principal base. Outrora lar do filósofo

Pitágoras e do famoso atleta Milo (seis

vezes vencedor da luta romana nos jogos

olímpicos), Crotona era agora pouco mais

do que uma cidade provincial sem

importância, com uma pequeno

ancoradouro. Sua mais famosa atração

era o grande templo da deusa Hera,

conhecido como Hera Lacínia por causa

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342

do promontório onde se localizava. Por

séculos aquele havia sido um dos

principais pontos de referência para

marinheiros quando se aproximavam da

Itália vindos da Grécia, ou quando

partiam do sul do golfo de Taranto rumo

às ilhas Jónicas. Ali, no meio dos ex-votos

de marinheiros, Aníbal mais tarde erigiria

a grande placa de bronze (mencionada por

Políbio) na qual deixara gravado, em

púnico e em grego, a força de seu exército

ao cruzar os Alpes e suas ações durante os

quinze anos que passou na Itália.

Foi em Lócris que Aníbal e Cipião

Africano encontraram-se pela primeira

vez como comandantes. Muitos

curiosamente, era com os contingentes de

sobreviventes ao desastre romano em

Canas (Cipião era um deles) que Cipião

Africano agora começava a preparar seu

ataque à África. Na Sicília, que ele

pretendia utilizar como sua base de

invasão, o excelente porto de Lilibeu

(Marsala) no oeste era o mais próximo

ponto de partida para a região de Cartago.

As duas legiões na província tinham sido

formadas a partir daqueles desacreditados

soldados de Canas, mandados para ali em

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343

desgraça após sua derrota, e como a

facção anti-Cipião do Senado que se

opunha a Cipião Africano sem dúvida

pensou, iriam mostrar-se inadequados

para qualquer projeto ambicioso que

Cipião Africano arquitetasse. Contudo,

aqueles legionários, reforçados pelos

veteranos de Marcelo vitoriosos em

Siracusa, ainda se condoíam por sua

humilhação e não queriam outra coisa

senão esquecer o passado e levar a guerra

ao campo inimigo. Cipião Africano, que

sofrera com eles, compreendia seus

sentimentos e era o homem certo para

liderá-los. Mais do que isso, apelando ao

desejo de vingança de seus antigos

inimigos, Cipião Africano excitou a ajuda

voluntária de várias comunidades da

Itália, muitas das quais, tais como os

etruscos, sem dúvida ávidas para

provarem a Roma sua lealdade, agora que

parecia claro que a causa cartaginesa

estava arruinada.

Lívio relaciona os lugares e detalhes onde

o auxílio espontâneo foi prestado ao jovem

e ambicioso cônsul quando se preparava

para levar a guerra ao território inimigo:

"Primeiro, as comunidades etruscas

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344

disseram que ajudariam o cônsul, cada

qual segundo os seus recursos. Os homens

de Cere prometeram alimento para as

tropas e suprimentos de todo tipo; os

homens de Populônia, ferro; os

Tarquínios, linho para as velas;

Volaterras, o equipamento do interior dos

navios e também grãos (…)". 37 Arécio

forneceu três mil escudos e um igual

número de elmos; cinquenta mil azagaias,

arpões curtos e lanças; também machados,

pás, foices, cestos e moinhos manuais

suficientes para equipar quarenta navios

de guerra; cento e vinte mil sacas de trigo,

e pagamento suplementar para suboficiais

e remadores. Uma grande quantidade de

grãos veio de Perúgia, Clúsio e Ruselas,

assim como madeira de pinho para a

construção naval. A Úmbria e o distrito

Sabino forneceram soldados, enquanto os

marsos, pelígnos e marrucinos

ofereceram-se voluntariamente em grande

número para a frota. A cidade de Caméria

enviou uma coorte de seiscentos homens

totalmente armados. Vinte quinquerremes

e dez quadrirremes, prontos e equipados,

foram lançados ao mar "no quadragésimo

quinto dia após a madeira ter sido trazida

das florestas".

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345

Na primavera de 204 a.C., Cipião Africano

embarcou em Lilibeu com trinta mil

homens em quatrocentos transportes

escoltados por quarenta navios de guerra.

Não mais cônsul, mas procônsul com

comando sobre a Sicília, Cipião Africano

levava a vingança da República Romana

para dentro da África.

A invasão de Cipião e a estadia de Aníbal

na Itália

Durante seu último ano no continente

europeu, Aníbal fora capaz de fazer pouco

mais do que assegurar que as legiões

romanas permanecessem na Itália. Nada

além do medo ao próprio Aníbal retinha

tantos milhares de homens, pois seu

exército, naquele momento, era tão

paliativo que, em quaisquer outras mãos,

não representaria qualquer ameaça a

Roma. O foco de interesse da guerra fora

dirigido, primeiramente, para a Espanha

e, então, depois que a brilhante estratégia

de Cipião Africano desbaratou os

cartagineses, voltara-se para a África.

Quando se tornou patente que a própria

Cartago em breve seria objeüvo de ataques

e que o poder cartaginês enfraquecia por

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346

toda parte, as várias tribos habitantes da

linha costeira do Mediterrâneo no

continente africano começaram a se

preparar para romper com sua fidelidade

aos seus antigos senhores.

Quando Cipião Africano deixou a África,

após seu encontro com o rei númida Sífax,

pôde ter o gosto de saber que atingira o

seu objetivo e que Sífax era agora um

aliado de Roma. Cipião Africano sabia,

através da guerra na Hispânia e Itália,

que uma temível e eficiente parte dos

exércitos cartagineses era representada

pelos cavaleiros númidas. Esperava poder

contar com essa aliança para dar ao seu

próprio exército invasor a cavalaria na

qual os romanos eram sempre deficientes.

Mesmo antes de deixar a Sicília,

entretanto, ouviu de Sífax que não poderia

contar com qualquer apoio dele e, com

certeza, Sífax cautelosamente o advertiu

para que não invadisse ou ele encontraria

o desastre. O que aconteceu foi que,

durante a ausência de Cipião Africano em

Roma e na Sicília, Asdrúbal Gisgão havia

reconquistado a fidelidade de Sífax a

Cartago, oferecendo-lhe em casamento

sua bela filha Sofonisba. O rei númida,

Page 347: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

347

"enquanto sob a influência do primeiro

êxtase do amor", abandonou sua aliança

romana e tornou-se um fiel servo de

Cartago. Masinissa, outro poderoso rei

númida e inimigo mortal de Sífax, após

longa luta pelo trono do reino númida, foi

derrotado por Sífax e forçado a fugir.

Somente uma coisa era certa quando

Cipião Africano partiu com sua força de

invasão para o norte da África: havia

perdido o apoio de Sífax, com o qual

contava, mas tão grande era o ódio entre o

rei e Masinissa, que este último bem

poderia vir a ajudar os romanos, se isso

significasse vingança sobre o homem que

o havia humilhado.

Na primavera de 204 a.C., as tropas de

Cipião Africano desembarcaram no cabo

Farina (o promontório de Apoio), cabo

que formava o braço ocidental da grande

baía na qual se situava Cartago. Bem

perto, ficava a cidade de Útica, que Cipião

Africano esperava utilizar como sua

principal base e porto para a campanha

africana. A chegada da frota e do exécito

romano tão perto de sua cidade causou tal

pânico entre os cartagineses que pode ter

excedido até mesmo o estado ao qual

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348

Roma foi lançada pelas primeiras

façanhas de Aníbal. Ao contrário dos

romanos, eles não tinham um grande

exército fixo, sempre dependendo

demasiadamente de mercenários; não

possuíam aliados confiáveis, e nenhum

grande general para conduzi-los, com

Aníbal tão longe, do outro lado do mar, no

Brútio. Suspeita-se que mesmo neste início

da guerra africana devem ter havido vozes

pedindo para chamar de voltar o filho de

Amílcar. Os cartagineses só conheciam a

reputação dos feitos de Aníbal na Europa,

mas devem ter se lembrado de como seu

pai os havia salvo antes. Nesse meio

tempo, Asdrúbal Gisgão começou a

levantar um exército (de qualidade

medíocre), enquanto Sífax, ainda

enamorado de sua noiva e

consequentemente de Cartago, preparava-

se para auxiliar com sua cavalaria. Como

era de se esperar, seu arquiinimigo,

Masinissa, surgiu no acampamento de

Cipião Africano, prometendo a ajuda de

seus próprios cavaleiros númidas. Diz-se

que o ódio entre os dois reis norte-

africanos havia aumentado ainda mais

porque Masinissa também tinha sido

pretendente da filha de Asdrúbal Gisgão,

Page 349: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

349

Sofonisba, e, citando Lívio, "os númidas

ultrapassam todos os outros povos

bárbaros na violência de seu apetite".[37]

Parece que o sexo, assim como o política,

desempenhou seu papel na guerra.

Tendo atingido seu objetivo, a invasão do

território cartaginês com exército e frota

adequados, era de se esperar que Cipião

Africano agisse com o mesmo ímpeto e

determinação que lhe havia rendido Nova

Cartago e depois toda a península Ibérica.

Em vez disso, parece ter hesitado, quase

como se tivesse sido intimidado pela terra

estranha e pela vastidão da África do

Norte. Ao contrário de Aníbal em sua

travessia dos Alpes, Cipião Africano

conseguira transportar equipamentos de

sítio em seus navios desde a Sicília, e tinha

muitos engenheiros treinados para sitiar

entre os homens que auxiliaram na

captura de Siracusa. Mas Cartago, em sua

cintilante baía, era indubitavelmente

muito mais assombrosa, e talvez ele não

soubesse do miserável estado moral no

interior da cidade e desconhecesse suas

inadequadas forças. Parece nunca ter

considerado a hipótese de atacá-la, mas,

em lugar disso, iniciou o sítio a Útica.

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350

Também é possível que Cipião Africano

estivesse tomado pela lembrança do

famoso Régulo que, após um sucesso

inicial na mesma região durante a

Primeira Guerra Púnica, tinha sido

decisivamente derrotado e morrido sob

tortura nas mãos dos cartagineses. Fora

advertido sobre o destino de Régulo pelos

fabianos no Senado e ele sabia quantos

dos seus inimigos em Roma ficariam

felizes em ver os seus planos

desmoronarem.

De qualquer modo, Cipião Africano

decidiu assegurar sua base em Útica antes

de considerar um ataque à capital. Mesmo

nesse objetivo, entretanto, não foi bem-

sucedido: por aproximadamente quarenta

dias, as torres e muralhas de Útica foram

atacadas por terra e mar, e ainda assim os

defensores resistiram. Então, as forças de

resgate, comandadas por Asdrúbal Gisgão

e Sífax, chegaram — um exército maior

do que o de Cipião Africano e com uma

formidável quantia de cavaleiros.[19]

Obrigado a levantar o sítio, Cipião

Africano retrocedeu suas forças para um

acampamento no cabo, onde montou seu

quartel-general de inverno. A campanha

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351

do primeiro ano em terra inimiga não fora

um sucesso e ele ainda estava retido na

cabeça-de-praia onde desembarcara tão

confiante naquele ano.

Enquanto Cipião Africano continuava

engajado na África, os dois cônsules para

o ano estavam na Itália; um, Cornélio

Cetego, vigiando a Etrúria e o norte, no

caso de Magão fazer algum movimento, e

o outro, Semprônio Tuditamo, guardando

o Brútio e Aníbal. Semprônio, ambicioso e

ávido para tentar uma definição com o

cartaginês, marchou para ameaçar a

última fortificação de Aníbal, a cidade de

Crotona. No primeiro e confuso embate,

enquanto ambos os exércitos pareciam

estar em marcha, os romanos foram

surrados, perdendo cerca de mil e

duzentos homens. Não desejando correr

mais nenhum risco, Semprônio convocou

o procônsul Públio Lícino com suas duas

legiões. Havia, então, quatro legiões

romanas e quatro aliadas movendo-se

sobre Crotona, e Aníbal, cujas forças

naquele momento deveriam consistir em

apenas metade dessa quantia, preparou-se

para responder à batalha, pela simples

razão de que não poderia, naquela altura,

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352

abandonar a cidade e o porto. Com uma

cavalaria númida insuficiente e

praticamente nenhum soldado de

infantaria treinado da Hispânia ou de

Cartago, seu inábil exército foi forçado a

retroceder para dentro dos muros da

cidade, perdendo cerca de quatro mil

homens.[37] Talvez o cônsul pudesse

alegar que fora ele o primeiro a ter

expulsado Aníbal do campo de batalha

durante todos os seus anos na Itália, mas

seu objetivo, Crotona, permanecia nas

mãos de Aníbal, que continuava atrás dos

portões fechados. Ele só poderia esperar.

Tivesse Aníbal sido capaz de se retirar

naquele ano com quaisquer exércitos e

navios que pudesse angariar e sua

aparição na costa da África teria mudado

o curso da guerra. O Senado e o povo de

Cartago teriam seu ânimo revigorado;

apenas seu nome teria reanimado os

homens das tribos e cavaleiros em seus

milhares; o moral romano teria

desmoronado. Cipião Africano havia sido

malsucedido em Útica e feito pouco mais

do que assolar o campo ao redor; a

chegada de Aníbal pelo mar por detrás

dele teria colocado os romanos em tal

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353

desvantagem que eles poderiam ter sido

forçados a se evadir. Porém, nenhuma

palavra chegou convocando Aníbal de

volta à cidade.

O papel de Magão, naquela fase da

guerra, não está bem documentado, mas,

nas informações disponíveis, consta que

Magão não pretendia fazer uma

conjunção com Aníbal, e, sim, desviar a

atenção romana para o norte, evitando o

deslocamento de uma força de invasão

romana para a África do Norte. Foi bem-

sucedido no recrutamento de líderes para

a sua causa, principalmente depois de

mostrar como poderia dominar todo o

golfo de Génova pela ocupação dos dois

maiores portos e como estava a atividade

de sua frota naquela região. Os gauleses

cisalpinos, contudo, um tanto relutantes

em se unirem a Asdrúbal quando ele

descera pelos Alpes, estavam ainda menos

desejosos de se juntar a uma causa que já

viam como em declínio. Seus pais haviam

brandido armas após Aníbal, esperando

ver Roma destruída, mas apesar dos

sucessos de Aníbal, haviam tombado por

toda a Itália, e os poucos que

permaneceram com ele continuavam

Page 354: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

354

encurralados, centenas de milhas distante,

no selvagem Brútio. Os gauleses

testemunharam o fracasso de Asdrúbal no

rio Metauro, e aquele irmão caçula da

família, Magão, dificilmente poderia

persuadi-los a enfrentar a fúria de Roma.

Eles também tinham visto os benefícios

das áreas de agricultura possibilitados

pelos romanos, e a guerra homérica de

seus pais tornara-se menos atrativa.

No verão de 203 a.C., Magão parece ter

cruzado a região do Pó, assim

concentrando a atenção das legiões

romanas ao norte. Esperava

evidentemente por um levante na Etrúria

contra os romanos. Qualquer que losse a

sua intenção, Magão engajara-se numa

grande batalha cornos romanos em solo

italiano em 203 a.C.. Parece ter sido uma

luta feroz, com perdas consideráveis de

ambos os lados, mas com as forças

cartaginesas levando a pior. Durante essa

ação, o próprio Magão foi seriamente

ferido e retirou-se com os outros

sobreviventes para a Ligúria. Este seria o

último grande combate na Itália entre

cartagineses e romanos no decorrer da

guerra. Em sua chegada à Ligúria,

Page 355: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

355

aguardavam por Magão instruções para

que retornasse com seus navios e homens

a Cartago. A cidade-mãe, ameaçada por

Cipião Africano, estava agora na

defensiva. A aventura italiana, para todos

os efeitos, seria abandonada. Magão

morreu, devido aos ferimentos, quando

sua frota passava pela Sardenha — a ilha

repleta de madeira e minerais, agora sob

controle romano, mas, outrora, uma das

maiores das muitas ilhas-colônia

cartaginesas que haviam ameaçado Roma.

Durante o inverno de 204-203 a.C.,

enquanto Aníbal permanecia em Crotona

e seu irmão Magão preparava-se para a

ofensiva de primavera que o levaria à

morte, Cipião estava ocupado na África do

Norte. Fracassara na captura de Útica, e a

abertura de sua campanha não obtivera o

sucesso que ele devia ter esperado após

sua experiência com os cartagineses na

Hispânia, mas nunca deixou de trabalhar

em sua estratégia geral — a derrota de

Cartago com a incorporação, como

derradeiro objetivo, do império norte-

africano da cidade ao império de Roma.

Nenhum homem pode reclamar para si

maior crédito — ou culpa — pela

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356

fomentação do império romano do que

Cipião Africano, aclamado no século XX

pelo historiador militar britânico B. H.

Lidell Hart como "maior do que

Napoleão".

Percebendo que o númida Sífax

possivelmente era mais importante do que

Masinissa, comandando mais forças —

forças das quais Cartago dependia

bastante — Cipião decidiu tentar demovê-

lo de sua aliança. Durante todo o inverno,

enviados se deslocaram para lá e para cá

entre o romano e o númida, com Cipião

Africano fingindo ter uma autoridade que

nunca possuíra — a de fazer um tratado

de paz sem qualquer consulta a Roma, e

Sífax sugerindo um fim para a guerra por

meio de um acordo entre Cipião Africano

e Aníbal em que um deveria deixar a

África e outro a Itália. As negociações

foram prolongadas, pois Cipião Africano

podia facilmente pressentir que Sífax

queria apenas os romanos fora do

caminho para que pudesse finalmente

destruir seu odiado rival Masinissa e

tomar todo o seu reino. Quando os

enviados romanos iam visitar os

acampamentos de seus inimigos, eram

Page 357: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

357

frequentemente acompanhados por

centuriões experientes, disfarçados como

lacaios e servos, que aproveitavam a

oportunidade, enquanto seus "senhores"

se reuniam em conferências, para fazerem

um cuidadoso estudo dos acampamentos e

da disposição dos inimigos. Ao

retornarem, relataram que a disciplina

estava relaxada, o moral baixo e que os

cartagineses estavam abrigados em

cabanas de madeira, enquanto os númidas

estavam em tendas de junco, muitas das

quais nem mesmo ficavam no interior da

paliçada do acampamento.

No início da primavera de 203 a.C., Cipião

Africano estava preparado para sua

ofensiva. Enviou uma mensagem para

Sífax de que estava prestes a concluir um

tratado, embora ainda sofresse alguma

oposição — que esperava vencer — por

parte de seus oficiais graduados. Isso

significava que, no momento, deveria

interromper as negociações. Sífax e

Asdrúbal Gisgão entenderam isso como se,

no devido tempo, Cipião Africano pudesse

convencer seus companheiros do bom

senso de um tratado, e enviaram uma

resposta pela qual, da parte deles,

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358

desejavam muito aceitar os termos

discutidos. Cipião Africano agora

conhecia não apenas a disposição do

inimigo, mas também sabia que seu moral

estava baixo e que eles ansiavam pela paz.

Todo o seu procedimento estava longe de

ser conforme a velha tradição romana de

boa-fé, que seus historiadores gostavam de

contrapor, injustamente, à assim chamada

"fé púnica". Com certeza, parecia que os

cartagineses com frequência se

comportavam mais escrupulosamente do

que os romanos. A concepção de Aníbal

sobre as honras no campo de batalha, por

exemplo, sempre assegurou a prestação

das honras devidas ao inimigo morto,

enquanto Cláudio Nero, após sua vitória

no rio Metauro, havia descido ao ponto de

cortar a cabeça do irmão de Aníbal, e

guardá-la, para então jogá-la nas linhas

de Aníbal na calada da noite.

Cipião Africano, tendo induzido um

sentimento de relaxamento da guarda

entre seus inimigos, começou a se

movimentar. Reiniciou o sítio de Útica por

terra e mar, enviando sua frota — recém-

lançada, após o inverno — para o

bloqueio, enquanto as máquinas de guerra

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359

principais foram trazidas de seu

acampamento para o ataque terrestre. Isso

tudo apenas para desviar os cartagineses

de sua verdadeira intenção, e

possivelmente convencer Sífax e Asdrúbal

Gisgão de que ele continuava a atuar

numa guerra que não os ameaçava,

enquanto esperava que a sua oposição

romana fosse convencida de que um

tratado de paz deveria ser conseguido. Sua

esperta distração funcionou, e os

cartagineses e númidas sentiram-se

seguros de que ele não mais do que repetia

suas táticas do ano anterior. Então Cipião

Africano atacou.

Numa noite, os oficiais romanos

começaram a deslocar seus homens do

acampamento assim que o toque de clarim

anunciando o cair da noite soou. Havia

umas sete milhas entre eles e os

acampamentos do inimigo, aonde

chegaram por volta da meia-noite. O

homem que era o braço direito de Cipião

Africano, Lélio, foi designado junto com

Massinissa e seus cavaleiros, para atacar o

acampamento númida enquanto Cipião

Africano atacava os cartagineses. Com as

atenções dos líderes cartagineses e

Page 360: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

360

númidas concentradas sobre Utica, e

relaxando em seus deveres esperando

pelas demoradas negociações de paz, como

demonstrava o seu despreparo, os

acampamentos eram alvos vulneráveis. Os

númidas de Massinissa não tiveram

dificuldade para invadir o acampamento

de Sífax e atear fogo às tendas de junco —

eles próprios estavam acostumados a viver

nelas e sabiam com que facilidade

queimavam. O vento soprava,

possivelmente um meridional, naquela

época do ano, e logo todo o acampamento

ficou em chamas. Quando os sonolentos

ocupantes das tendas saíram correndo

para fora, pensando tratar-se de não mais

que um acidente, eram abatidos pelos

cavaleiros de Masinissa. Alertados pelas

sentinelas sobre o holocausto no

acampamento vizinho, os cartagineses

começaram a sair de suas cabanas de

madeira — apenas como espectadores

desarmados. Assim que o fizeram, os

romanos de Cipião Africano (muitos ainda

com a lembrança de Canas) caíram sobre

eles. O acampamento cartaginês também

foi totalmente incendiado, e os

cartagineses foram mortos aos milhares.

Page 361: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

361

Com este duplo golpe, tão brilhante, ainda

que traiçoeiramente executado, Cipião

Africano destruíra as forças combinadas

do exército cartaginês. Asdrúbal Gisgão e

Sífax conseguiram escapar levando

apenas uns poucos milhares de homens

com eles. Asdrúbal, como comandante

geral, tinha sido culpado de grave

negligência ao se deixar enganar por um

sentimento de segurança. Suas

experiências em combates contra Cipião

Africano na Hispânia deveriam tê-lo

alertado para o fato de que o romano não

somente era um grande estrategista, mas

também um astuto e duro comandante em

campo. Ele, então, prosseguiu com seu

ataque noturno, perseguindo Asdrúbal

Gisgão e os remanescentes de'seu exército,

expulsando-o da cidade em que haviam se

refugiado e devastando vários povoados

locais. Houve medo e confusão em

Cartago mas, apesar dos clamores do

partido da paz, tomaram a resolução de

que a guerra prosseguisse. Imensa riqueza

de Cartago foi empregada no envio a

Asdrúbal e Sífax do dinheiro necessário

para a formação de outro exército. A

chegada de quatro mil celtiberos,

recrutados na Hispânia, proporcionou um

Page 362: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

362

núcleo de combate para a nova força, e em

um curto espaço de tempo, Asdrúbal e

Sífax haviam levantado um exército de

cerca de trinta mil homens que eles

reuniram em uma região conhecida como

Grandes Planícies no rio Bagradas. Cipião

Africano não perdeu tempo e, deixando

uma força de sítio ao redor de Útica,

marchou rapidamente ao encontro do

inimigo. Quando se bateu contra eles,

destruiu esse segundo exército em uma

magnífica batalha. Mais uma vez,

Asdrúbal e Sífax escaparam na confusão

geral, o primeiro para Cartago e o outro

para Cirta.

Cipião Africano, mais do que Aníbal,

nunca relaxava após um sucesso, mas

procurava consolidar sua vantagem.

Avançou sobre um número de cidades da

África do Norte, algumas das quais

sucumbiram por temor e outras por

antigas pendências com Cartago. Depois,

Cipião começou o sítio a Útica — dessa

vez para valer — com metade de seu

exército, enviando a outra metade

comandada por Lélio e Massinissa, ao

longo da costa norte-africana até a

Numídia. Masinissa estava ansiso para

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363

acertar as contas novamente com seu

inimigo Sífax, tanto para capturar para si

Sofonisba quanto para retomar Cirta que,

embora fosse agora a capital de Sífax, já

havia pertencido ao pai de Masinissa.

Numa batalha duramente disputada, ele e

sua cavalaria, mais os vigorosos

legionários romanos, não apenas

destroçaram o exército de Sífax como

ainda o capturaram vivo. O triunfo de

Masinissa foi completo, pois ele não só

reconquistou Cirta mas também,

demonstrando um senso de vingança

verdadeiramente norte-africano, tomou a

esposa de seu inimigo, Sofonisba, para si.

Cipião Africano, mais tarde, repreendeu-o

por isso, uma vez que Sífax e sua esposa

eram prisioneiros de Roma, e para Roma

deveriam ir. Sofonisba, para não cair

prisioneira e abrilhantar um triunfo

romano, envenenou-se. A história dessa

jovem da nobreza cartaginesa, enredada

pelas guerras e políticas, é curiosa e

movimentada. Guardando algumas

semelhanças com as histórias de Dido e

Cleópatra, essa é outra das tragédias

norte-africanas.

Page 364: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

364

Os sucessivos desastres na primavera e

começo do verão de 203 a.C. haviam

alarmado muito toda Cartago. O mesmo

Hanão que havia comandado a cavalaria

pesada de Aníbal em Canas foi totalmente

encarregado da defesa, e emissários

cartagineses foram enviados a Roma para

tentarem negociar os termos da paz. Como

derradeiro golpe na sorte cartaginesa,

uma tentativa de livrar Útica falhou.

Todos esses desastres sucessivos geraram

um clamor em todos os níveis, desde o

conselho de Birsa até os lares, oficinas e

armazéns da cidade — "Chamem Aníbal

de volta!". Infelizmente, como os eventos

demonstrariam, eles o haviam feito tarde

demais.

A despeito da superioridade naval de

Roma, três frotas cartaginesas

conseguiram cruzar o Mediterrâneo entre

a Itália e a África do Norte durante aquele

ano. Uma conduzia o moribundo Magão

de volta da costa lígure com sua força

mista de tropas baleárides, lígures e

gaulesas; a segunda foi despachada de

Cartago para evacuar Aníbal; e a terceira

foi essa mesma frota, aumentada pelos

navios que Aníbal possuía em Crotona,

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365

trazendo-o de volta para defender Cartago

em seu momento de necessidade. O mar é

vasto, e nos dias de comunicações

primitivas era bastante difícil para os

romanos vigiar todas as rotas de

navegação. Séculos mais tarde, até mesmo

Nelson, que procurava avidamente pela

frota de Napoleão, fracassou em avistá-lo

enquanto ele navegava triunfantemente

em direção ao Egito.

A frota de Aníbal, inadequada para suas

necessidades, e o exército que finalmente

trouxe consigo de volta para a África

provavelmente somava não mais do que

quinze mil homens (as estimativas se

situam entre doze mil e vinte e quatro mil).

O exército da Itália era um estranho

composto. Deviam existir poucos dos

veteranos que cruzaram os Alpes com ele

cerca de quinze anos atrás. Os brútios,

gauleses e desertores romanos que então

compunham a maior parte de suas tropas

claramente não eram da mesma

qualidade, mas ainda seguiam de bom

grado o mesmo homem, seu general

cartaginês de um só olho. É evidente que

não possuía muitos meios de transporte,

pelo fato de que não pôde levar de volta os

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366

cavalos que o ajudaram em tantas de suas

vitórias e de que ele tanto necessitaria no

ano seguinte. Todos tiveram de ser

sacrificados para que não ficassem para

os romanos.

No outono de 203 a.C., Aníbal viu pela

última vez o pequeno porto de Crotona e,

além da velha cidade, as escarpadas

elevações da cordilheira de Sila, cobertas

de árvores, uma paisagem de lobo

selvagem. Durante os poucos anos antes

de partir, teve que fazer daquela região

seu lar, mas antes já havia percorrido toda

a Itália; do vale do Pó, no extremo norte, à

sorridente Etrúria, até a costa oeste e a

baía de Nápoles, onde as cidades gregas

estavam incrustadas, e daí muitas vezes até

as mais selvagens praias do Adriático. Ele

conhecia a terra e seus povos como poucos

italianos jamais conheceriam: cidades e

povoados, as carrancudas muralhas de

Roma — as quais nunca havia penetrado

— planícies quentes, como Canas, vales

domesticados, a indolente Cápua,

camponeses e carvoeiros, rudes

montanheses e disciplinados romanos —

todo um mundo que ele quase havia feito

seu. Agora, ele estava indo embora, para

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367

uma cidade da qual ele mal podia lembrar-

se. Ainda assim, era por Cartago que

havia lutado por tanto tempo e sofrido

tanto — por Cartago e por um juramento

feito por um menino diante de um altar

enevoado.

Conclusão da Segunda Guerra Púnica

(203–201 a.C.)

No outono de 203 a.C., antes de Aníbal

deixar a Itália, os termos de um tratado

proposto por Cipião aos cartagineses já

haviam sido aceitos por eles e enviados a

Roma para discussão. Em vista da longa

amargura da guerra, e da desolação que

causaram a grandes regiões da Itália,

foram moderados. Primeiramente, todas

as forças cartaginesas deveriam deixar a

Itália, e a Hispânia deveria ser

abandonada. Todos os desertores, escravos

fugitivos e prisioneiros de guerra deveriam

ser enviados de volta a Roma. Todos os

navios de guerra cartagineses, exceto

vinte, deveriam ser entregues. Uma

quantidade muito grande de trigo e cevada

seria fornecida para alimentar as tropas

romanas e, finalmente, uma pesada

indenização seria paga. Não é surpresa

que Cartago aceitasse tais termos, que

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368

eram favoráveis se comparados aos da

Primeira Guerra Púnica, e um armistício

fosse concluído, restando uma ratificação

do tratado por parte de Roma.

Cipião também enviou Massinissa para

Roma em companhia de Lélio, o primeiro

para obter o reconhecimento de seu

reinado númida e o outro, que conhecia as

ideias de Cipião Africano, para aumentar

os termos propostos e agir como porta-voz

dos interesses de Cipião no tratado. É

significativo que Masinissa fosse a Roma

para a confirmação de seu reinado. No

passado, Cartago havia sido o centro

natural de autoridade para todos os reis

locais e suas tribos. A ação de Cipião

Africano já havia garantido o domínio de

Roma sobre a África do Norte. Mais

ainda, ele presenteava seus inimigos

fabianos com um fait accompli, e tornava

Roma responsável pelos assuntos norte-

africanos.

No mesmo ano em que Aníbal deixou a

Itália, seu velho e honorável oponente

Quinto Fábio Máximo faleceu, o homem

que havia feito mais do que qualquer

outro para ensinar aos romanos que o

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369

único modo de desgastar — e finalmente

derrotar — tamanho génio militar era à

maneira do "Protelador". Os romanos,

exceto em umas poucas desastrosas

ocasiões, haviam seguido os seus preceitos

até manter Aníbal confinado na selvagem

terra do sul, e, por fim, em uma estreita

área ao redor de Crotona. A notícia de que

Aníbal havia finalmente deixado sua terra

naturalmente trouxe regozijo a Roma e

uma efusão de esperança, mas ainda

persistia uma grande ansiedade, como

relata Lívio:

Os homens não sabiam se começavam a

regozijar-se por Aníbal ter-se retirado da

Itália após dezesseis anos, deixando o povo

romano livre para apossar-se dela, ou se

ficavam ainda apreensivos com o fato de

ele ter seguido para a África com seu

exército intacto. Sem dúvida, mudara o

local, pensavam eles, mas não o perigo.

Prenunciando aquele poderoso conflito,

Quinto Fábio Máximo, recentemente

falecido, havia frequentemente predito,

não sem razão, que em sua própria terra

Aníbal seria um inimigo mais terrível do

que em um país estrangeiro. E Cipião teria

que lidar (…) com Aníbal, que nascera,

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370

pode-se dizer, no quartel-general de seu

pai, o mais bravo dos generais, e fora

criado e educado em meio às armas;

aquele que ainda na infância já era um

soldado e na tenra mocidade um general;

que, envelhecendo como um vitorioso

[Aníbal tinha cerca de quarenta e cinco

anos], havia coberto as terras espanholas e

gálicas, e a Itália dos Alpes aos Estreitos,

com a evidência de suas poderosas

façanhas. Ele estava no comando de um

exército cujas campanhas se igualavam às

suas próprias em quantidade; endurecera-

se por esforços tão grandes que

dificilmente pode-se acreditar que seres

humanos tivessem resistido; havia sido

salpicado por sangue romano centenas de

vezes e carregado os espólios, não só de

soldados -mas de generais. Muitos homens

que enfrentariam Cipião em batalha

haviam matado com suas próprias mãos

pretores, generais comandantes, cônsules

romanos; haviam sido condecorados com

coroas por bravura ao escalar muralhas

de cidades e de acampamentos protegidos;

haviam vagueado por campos e cidades

capturadas dos romanos. Todos os

magistrados do povo romano juntos não

tinham, naqueles tempos, tantas faces

Page 371: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

371

(símbolos de autoridade) quanto Aníbal

poderia ostentar à sua frente, por tê-los

capturado de generais caídos.

— Tito Lívio[37]

Esse relato, ao mesmo tempo que revela o

grande pavor que Aníbal ainda infligia

aos romanos, engana-se na descrição de

seu exército. Lívio, ou suas fontes, fala do

exército que marchou pelos Alpes, e que

há muito tinha desaparecido.[37] Aníbal

agora tinha sob seu comando a

esfarrapada e mista força que ocupara

Crotona durante os poucos anos passa

dos. Todavia, sua chegada à África,

trazendo qualquer exército que fosse, teve

tanto efeito sobre o moral cartaginês que o

partido bárcida começou quase

imediatamente a buscar um recomeço da

guerra.

Aníbal desembarcou em Léptis, perto de

Adrumeto, onde montou acampamento

para o inverno e começou a reorganizar

suas forças e recrutar mais soldados e

cavaleiros. Ali foi reforçado pelos

remanescentes do exército de Magão e

soube que seu irmão caçula estava morto.

Deve haver pouca dúvida de que Aníbal

tivesse aceitado os termos de paz de Cipião

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372

como a melhor coisa para Cartago, muito

embora pouco soubesse das facções

políticas e intrigas da cidade. Porém, era

astuto demais para não ver que a situação

geral cartaginesa era sem esperança, em

vista da perda da Hispânia, do crescente

poder de Roma por mar e terra e do

poderio humano nativo que abastecia suas

legiões. Havia derrotado os romanos

muitas vezes em batalha, é verdade, mas

sabia que os romanos eram vigorosos e

bravos soldados e que eles já estavam —

perigosamente — começando a aprender

suas táticas, adotando métodos mais

flexíveis no campo de batalha. Em seus

primeiros anos na Itália, tirara proveito

dos desatualizados sistemas por meio dos

quais os cônsules eram automaticamente

encarregados das legiões e, uma vez que

eles eram mudados a cada ano, nunca

tinham tempo para aprender a perícia

profissional ou adaptar suas táticas. Ele

também tinha sido capaz de fazer uso de

conhecidas divisões e diferenças de

temperamento entre dois cônsules. Mas

viu claramente no surgimento de Cipião a

sombra do futuro, onde outros generais;, à

sua própria maneira surgiriam — homens

totalmente dedicados à guerra,

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373

aprendendo pela experiência em campo de

batalha e familiarizando-se não somente

com a natureza do terreno de batalha, mas

com a qualidade e caráter racial de seus

adversários. Seja lá o que Aníbal possa ter

pensado sobre aceitar as condições de paz,

a facção de guerra de Cartago, fazendo

uso de seu nome e fama, havia agora

assumido o controle.

Recomeça a guerra

No inverno de 203 a.C., um comboio de

provisões da Sicília destinado às forças de

Cipião Africano foi colhido numa

tempestade e encalhou na região de

Cartago, e navios de guerra cartagineses

foram enviados para capturá-lo e trazer as

provisões para a cidade. Isso era

totalmente contrário à trégua, e Cipião

Africano despachou enviados por mar

para registrar um protesto. Em sua viagem

de volta, os navios transportando os

enviados foram traiçoeiramente atacados

por trirremes cartagineses, mandados para

esperá-los e por pouco escaparam com

vida. Cipião Africano acertadamente viu

isso como uma declaração de que a trégua

estava acabada e a guerra reiniciada.

Aqui, certamente, se evidenciava a fé

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374

púnica, embora seja muito duvidoso que

Aníbal, setenta milhas distante em

Adrumeto, tivesse qualquer conhecimento

disso. Foi uma ação tola, algo a que ele

não era propenso.

Cipião Africano recomeçou a guerra e

atacou todos os povoados da região ainda

sob jurisdição de Cartago. Por todo o

verão de 202 a.C., enquanto Aníbal,

percebendo que uma batalha maior era

agora inevitável, continuava a reunir e

treinar mais recrutas para o seu exército,

Cipião sitiava as cidades cartaginesas, não

demonstrando qualquer piedade quando

elas sucumbiam, e escravizando os

habitantes. Estava determinado a mostrar

aos cartagineses que aqueles que

quebravam tratados colocavam-se fora das

considerações normais da guerra.

Também estava ciente de que o teste final

ainda estava por vir, e que Cartago não

poderia ser forçada a se render até que ele

e Aníbal se enfrentassem no campo de

batalha, estabelecendo conclusivamente o

resultado da guerra. Masinissa, tendo

retornado de Roma com a confirmação de

seu reinado, estava longe, na Numídia,

consolidando seu poder sobre o país;

Page 375: Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

375

recebeu uma convocação urgente de

Cipião Africano para arregimentar todos

os homens que pudesse e reunir-se aos

romanos.

Aníbal, então, recebeu ordens de Cartago

para marchar e desafiar Cipião antes que

fosse tarde demais. O conselho e a cidade

estavam profundamente preocupados com

a devastação de sua terra, que ocorria

desenfreadamente, e com a perda de

cidades e povoados pagadores de tributos:

testemunhavam a destruição de terras

férteis que por séculos haviam sustentado

a grande cidade mercantil. Aníbal

recusou-se a se apressar e respondeu que

lutaria quando estivesse preparado. Tinha

um bom motivo para tal resposta, uma vez

que ainda aguardava reforços de sua

cavalaria, ainda muito deficiente, e ele

sabia suficientemente bem que grande

parte de suas ações bem-sucedidas se

devia aos númidas. Ele tentava suprir

aquela deficiência com o treinamento de

elefantes e, à época da batalha final,

possuía cerca de oitenta deles em seu

exército. Eram, contudo, animais novos,

que nunca haviam estado em ação e, como

os fatos mostraram, constituíam mais um

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376

risco do que um recurso. A verdade é que,

muito embora os próprios romanos

viessem a utilizar elefantes séculos mais

tarde, essa já era uma arma de guerra

obsoleta. Os elefantes haviam obtido

sucesso no passado através do pavor que

causavam quando soltos em grandes

bandos sobre povos primitivos e fileiras

indisciplinadas de infantaria. Mas os

romanos na Itália já haviam tomado suas

providências e descoberto que, quando

atacados por chuvas dos formidáveis

piíum, eles quase sempre se voltavam para

trás e disparavam para dentro de seu

próprio exército. Elefantes semitreinados,

que eram tudo o que Aníbal tinha sido

capaz de conseguir, iriam provar essa

verdade na batalha crucial.

Alguns historiadores têm comentado que

Aníbal cometeu um erro tático ao contar

com eles, mas a verdade é que ele fora

obrigado a fazê-lo em vista da falta de

cavalaria. Ele, todavia, recebera no fim

daquele verão alguns reforços úteis na

forma de dois mil cavaleiros de um

príncipe númida, Tiqueu, rival de

Masinissa e que, sem dúvida, esperava

fazer a Masinissa o que este havia feito a

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377

Sífax, e então tomar o reino para si

próprio. Essas rivalidades e intrigas norte-

africanas, ainda que difíceis de se decifrar

depois de tanto tempo, não obstante

desempenharam um grande papel na

batalha que estava por decidir o destino do

mundo ocidental. O exército que Aníbal

finalmente conduziu para combater Cipião

era ainda mais heterogéneo do que de

costume: baleárides, lígures, brútios,

gauleses, cartagineses, númidas, e (muito

estranhamente nesse momento tardio)

alguns macedônios enviados pelo rei

Filipe que, talvez, por fim, tenha percebido

que a derrota de Roma era

importantíssima para a liberdade de seu

próprio país.

Deixando Adrumeto, Aníbal marchou

para oeste na direção de uma cidade

chamada Zama, que provavelmente se

identifica com a posterior colónia romana

Zama Régia, noventa milhas a oeste de

Adrumeto. Chegaram até ele relatos de

que Cipião Africano incendiava vilarejos,

destruindo colheitas e escravizando os

habitantes de toda aquela fértil região da

qual Cartago dependia para seus cereais e

outros alimentos. Só pode ter sido tal

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378

necessidade imperiosa o que fez Aníbal

marchar atrás de Cipião, pois

aparentemente seria mais lógico que ele

levasse seu exército na direção de Cartago

e se interpusesse entre Cipião e a cidade.

Mas a sistemática destruição de cidades e

vilarejos por este último, e suas atividades

no interior cartaginês, claramente

impediam que a cidade pudesse alimentar

um adicional de quarenta mil ou mais

homens, junto com seus cavalos e

elefantes, bem como as suas próprias e

prolíferas massas. Logo, a principal causa

para que a batalha tivesse lugar onde

ocorreu surgiu de uma urgência de

suprimentos para a capital. Cipião sabia o

que estava fazendo, e havia

deliberadamente atraído Aníbal para

longe da cidade de modo a decidir o

resultado da guerra numa região

escolhida por ele próprio. É irónico que o

grande cartaginês não conhecesse seu

próprio país, nada tendo visto dele desde

os nove anos de idade, ao passo que Cipião

e os romanos, a essa altura, já estavam

bem familiarizados com o terreno

cartaginês. Mas Cipião não deixava de ter

suas preocupações: seu exército,

provavelmente um tanto menor que o de

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379

Aníbal, embora bem treinado e experiente

no clima e condições da África do Norte,

ainda carecia de uma arma de cavalaria.

Ele aguardava desesperadamente a

chegada de Masinissa e seus númidas, sem

os quais dificilmente poderia engajar-se

numa batalha maior — particularmente

contra um adversário como Aníbal.

Ao alcançar Zama, Aníbal, como era

bastante natural, enviou adiante espiões

para tentarem descobrir a natureza e

quantidade do exército romano: em

particular, deve ter se preocupado em

tentar descobrir quão forte era a cavalaria

de Cipião Africano. Esses homens foram

descobertos e levados perante o general

romano, que os recebeu, mostrou-lhes

todo o acampamento, e então libertou-os

para que reportassem tudo ao seu chefe.

Alguns historiadores têm colocado em

dúvida a veracidade disso, mencionando

entre outras coisas que a mesma história é

contada por Heródoto sobre Xerxes I e os

espiões gregos, anterior à grande invasão

persa da Grécia. Não há nada

propriamente improvável nisso, porém, e o

fato é atestado por Políbio,[19] o que lhe

dá uma certa autenticidade. Cipião

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380

Africano, sem dúvida, desejava deixar seu

inimigo saber que ele estava

supremamente confiante no resultado da

batalha iminente. Havia outra coisa que

aquele astuto romano deve ter desejado

revelar a Aníbal: Masinissa e seus

númidas não se encontravam no

acampamento. Era isso, logicamente, o

que Aníbal desejava descobrir mais do que

tudo, e a notícia de que Cipião estava

enfraquecido em sua cavalaria deve ter

sido encorajadora. O que ele desconhecia,

é claro, e Cipião indubitavelmente sabia

muito bem, era que Masinissa e seus

númidas encontravam-se a apenas dois

dias de cavalgada.

Sem desconfiar que Masinissa se

aproximava, e pensando que ele ainda se

ocupava em estabelecer seu domínio um

tanto precário sobre o reino númida,

Aníbal possivelmente sentiu que estava

numa posição de superioridade frente aos

romanos. Aquele seria um bom momento,

então, para tentar negociar e ver se ele

poderia obter condições favoráveis para

Cartago — termos similares àqueles que

Cipião Africano havia dado previamente

aos cartagineses porém, se possível, algo

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381

melhorados. Assim, enviou uma

mensagem para Cipião solicitando-lhe um

encontro pessoal para discutirem termos,

com o que este concordou. À parte de

qualquer outra coisa, deve ter existido

considerável curiosidade de ambos os

lados a respeito da natureza e mesmo da

aparência do adversário. Os dois homens

nunca haviam visto um ao outro antes,

embora em três ocasiões, nos últimos

anos, tivessem ficado próximos no campo

de batalha. Primeiro, o jovem Cipião havia

estado presente na batalha de Ticino, logo

depois de Aníbal irromper na Itália

(quando Cipião havia logrado salvar seu

pai ferido do campo de batalha); depois,

estivera em Canas e testemunhara toda a

ira e a genialidade do cartaginês como

tempestade contra as legiões romanas; por

último, havia iniciado o bem-sucedido

avanço contra o porto de Lócris Epicefíria

no sul da Itália, quando frustrara as

tentativas de Aníbal para recuperá-lo.

Tivera três oportunidades, assim, de

confrontar o grande inimigo de Roma, e

em cada ocasião havia tido a perspicácia

de observar exatamente como Aníbal

reagia perante cada situação determinada.

O cartaginês, por outro lado, nunca se

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382

conscientizara do penetrante par de olhos

de um jovem a observá-lo nas

proximidades. Era como se um velho

mestre de xadrez estivesse para encontrar,

em breve, um aluno que por anos estudara

seus "lances", detectado suas fraquezas,

decidindo implementar as jogadas do

mestre. Aníbal, por sua vez, só conhecia

por meio de relatos os triunfos do jovem

na guerra ibérica, embora fosse

suficientemente estrategista e tático para

reconhecer como era brilhante aquele que

capturara Nova Cartago e vencera vários

combates contra homens tão capazes

quanto seu falecido irmão Asdrúbal, seu

falecido irmão Magão e Asdrúbal, o filho

de Gisgão. Ele havia observado como os

romanos estavam mudados, aprendendo a

se mover sem o velho comando consular e

adquirindo flexibilidade no campo de

batalha, e estava provavelmente tão

curioso quanto Cipião para encontrar seu

oponente cara a cara.

Os relatos factícios, tanto de Políbio

quanto de Lívio, compostos muitos anos

após os eventos, devem ser considerados

suspeitos, mas não deve restar dúvidas

quanto ao resultado do encontro entre os

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383

comandantes — dois dos mais distintos

soldados não só do mundo antigo, mas de

todos os tempos. Aníbal, além da

habilidade de falar púnico, vários dialetos

ibéricos e gálicos, também sabia falar

grego e latim fluentemente; Cipião

Africano, além de falar latim, foi também

educado no grego. Os dois homens bem

poderiam ter escolhido tanto latim quanto

grego como linguagem de conversação,

mas (como muitos líderes modernos) eles

preferiram fazer uso de seus intérpretes de

modo a terem flexibilidade e tempo para

elaborarem suas respostas. Se nós

ignorarmos a retórica de Lívio, o conteúdo

de seu encontro foi breve e direto. Aníbal

ofereceu a Cipião Africano "a entrega de

todas as terras outrora em disputa entre as

duas potências, especialmente a Sardenha,

Sicília e Hispânia", juntamente com um

acordo segundo o qual Cartago nunca

mais faria guerra contra Roma. Ele

também ofereceu todas as ilhas

"localizadas entre a península Itálica e a

África", isto é, as ilhas Égadi ao largo da

Sicília ocidental as ilha Lípara, lugares

como Lampedusa, Linosa, Gozo e Malta

— mas não incluiu as ilhas Baleares

ocidentais, que haviam se mostrado tão

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384

úteis a Cartago. Ele não fez menção de

indenizações, nem de controle sobre quase

toda a frota, nem de retorno de

prisioneiros e fugitivos romanos.

Cipião dificilmente se impressionaria com

a oferta, e disse "se, antes de os romanos

rumarem para a África, você tivesse se

retirado da Itália, haveria esperança para

suas proposições. Mas agora a situação

está manifestadamente mudada (…) Nós

estamos aqui e você foi relutantemente

forçado a deixar a Itália (…)". Cipião

Africano não poderia aceitar termos

inferiores para a rendição cartaginesa

àqueles que haviam sido aceitos por

Cartago antes da recente traição do

tratado. Nada mais havia para ser dito.

Cipião havia ganho um inestimável tempo

com o seu encontro com Aníbal: sabia que

Masinissa e seus cavaleiros númidas

vinham cruzando o terreno rapidamente

para estar ao seu lado quando o grande

embate acontecesse. O retardamento havia

propiciado a garantia da chegada de

Masinissa a tempo para a batalha. Era

Aníbal quem estava aturdido com a

imensidão da África, e não Cipião

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385

Africano, e era Aníbal — acostumado por

tantos anos ao relativo tamanho da Itália

— que tivera seu serviço de inteligência

enganado pela ausência da cavalaria de

Masinissa no acampamento de Cipião, e

pela falta de conhecimento sobre os

eventos na Numídia. O encontro entre

Aníbal e Cipião tem sido comparado

àquele entre Napoleão Bonaparte e

Alexandre I da Rússia, dois mil anos mais

tarde. "A admiração mútua deixou-os

mudos", escreveu Lívio.[37] É duvidoso

que Aníbal tivesse ficado mudo, pois ele

certamente sentia-se confiante, enquanto

Cipião, por seu lado, sabia que o grande

expatriado cartaginês estava desejoso de

fazer a paz, e saber que o adversário tem

algo mais em seu coração do que a vitória

é sempre um considerável conforto em

qualquer disputa.

A Batalha de Zama

A Batalha de Zama, travada em 19 de

outubro de 202 a.C., foi uma batalha

decisiva da Segunda Guerra Púnica. O

exército da República Romana, liderado

por Cipião Africano, derrotou as forças de

Cartago lideradas por Aníbal. Logo após

essa derrota, o senado de Cartago assinou

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386

um tratado de paz, terminando assim uma

guerra de quase vinte anos.

A rota da invasão da Europa por Aníbal.

Aníbal correu de Adrumeto para Cartago

para comunicar ao conselho que, o que

quer que se dissesse, não haveria mais

esperança de sucesso em prolongar a

guerra. Muitos dos cartagineses, cientes de

que sua cidade ainda era a mais rica do

mundo e permanecia relativamente

intocada pela guerra, acharam difícil de

acreditar que tudo estava perdido. Uma

história típica conta que Aníbal, presente

em uma reunião na qual um jovem nobre

incitava seus concidadãos para que

guarnecessem suas defesas e recusassem

os termos romanos, subiu no palanque do

discursante e atirou-o ao chão.

Desculpou-se imediatamente, dizendo que

estivera longe por muito tempo e,

acostumado à disciplina dos

acampamentos, não estava familiarizado

com as regras de um parlamento. Ao

mesmo tempo, pediu-lhes, agora que

estavam à mercê dos romanos, que

aceitassem "termos tão clementes quanto

os que lhes foram oferecidos, e orassem

para os deuses que o povo romano

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387

ratificasse o tratado". Achava que os

termos que Cipião Africano propusera

quando de sua chegada diante das

muralhas de Cartago eram melhores do

que se poderia esperar de um conquistador

que lidava com um povo que já havia

traído um tratado anterior. O conselho

reconheceu as palavras de Aníbal como

"sábias e acertadas, e eles concordaram

em aceitar o tratado nas condições

romanas, despachando emissários com

ordens de concordar com ele".[19]

Vendo que o grande general dos

cartagineses e seu último exército estavam

derrotados, e que a cidade jazia indefesa

— muito embora o sítio tenha sido longo e

difícil, como a Terceira Guerra Púnica um

dia iria mostrar — as condições de Cipião

Africano para a paz eram razoáveis. Como

antes, todos os desertores, prisioneiros de

guerra e escravos deveriam ser entregues,

mas dessa vez os navios de guerra seriam

reduzidos a não mais do que dez trirremes.

Cartago, por outro lado, poderia manter

seu território inicial na África, e suas

próprias leis dentro dele, mas Masinissa

teria total controle de seu reino, e Cartago

nunca mais poderia fazer guerra com

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388

quem quer que fosse, tanto dentro da

África quanto fora, sem permissão

romana. Isso efetivamente garantia que o

reino númida cresceria às custas de

Cartago, algo que um dia provocaria a

última Guerra Púnica. Uma vez que

haviam quebrado a trégua, a indenização

de guerra original foi dobrada, embora

lhes fosse permitido pagar em parcelas

anuais durante cinquenta anos. Todos os

elefantes cartagineses deveriam ser

entregues, e nunca mais treinados,

enquanto, ao mesmo tempo, uma centena

de reféns, escolhidos por Cipião Africano,

seriam despachados para Roma. Desse

modo, ele se garantiria contra quaisquer

atentados a traição. Como antes, o

exército romano deveria ser suprido com

cereal por três meses e receber seu

pagamento durante o tempo em que o

tratado de paz era ratificado.

Poderia se esperar que Roma exigisse a

rendição do próprio Aníbal, considerando

tudo o que ele havia causado por tantos

anos. Não teria sido uma condição

incomum após a conclusão de uma guerra

como aquela, e o fato de não ter sido feita

só pode ser atribuído ao próprio Cipião

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389

Africano que, como muitos generais sob

circunstâncias de algum modo similares,

havia adquirido uma enorme admiração e

respeito por seu oponente. Em todo caso,

deve ter ficado claro para Cipião Africano

que a condição de Cartago era tal que,

sem um homem forte no comando, todo

aquele edifício mercantil iria se

transformar em ruínas. Viria o tempo,

dentro de pouco mais de cinquenta anos,

em que esse seria o desejo de Roma, mas

no momento a república estava exaurida

demais para juntar os pedaços. Para

garantir que Cartago cumpriria os termos,

pagaria as reparações e se acomodaria

tranquila outra vez na África do Norte, era

necessário um homem que reconhecesse

totalmente como a cidade havia sido

afortunada por lhe serem permitidos

termos tão aceitáveis. Esse homem era

Aníbal.

Havia, com certeza, considerável oposição

em Roma aos termos aparentemente

brandos impostos aos derrotados. Isso era

bastante compreensível, pois Roma, na

primavera de 201 a.C., quando o tratado

foi finalmente ratificado, sofrera dezessete

anos de guerra incessante. Cipião

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390

Africano, um jovem, desaprovado por

muitos de seus oponentes, o homem que

havia conseguido suas vitórias em países

estrangeiros muito distantes da desolação

da Itália, dizia aos desolados e quase

falidos senadores que eles não deveriam

pressionar Cartago — na frase de uma

guerra de séculos mais tarde — "até o

último grito". Mas pela instigação dos

partidários de Cipião Africano|Cipião]], a

decisão foi encaminhada do senado para a

Assembleia Popular, e o povo quis a paz.

Em Cartago, as coisas seguiram quase o

mesmo padrão; os ricos do conselho se

apavoraram quando perceberam que o

dinheiro para a primeira parcela das

reparações teria que vir de seus próprios

bolsos; e o povo, sentindo que Cartago

havia sofrido o suficiente, queria mais do

que tudo um fim para a guerra. Eles eram

extremamente afortunados por terem

encontrado em Aníbal um estadista capaz

e incorruptível em tempos de paz, assim

como havia sido um grande líder na

guerra.

Enquanto Cipião Africano e seu exército

embarcavam para Roma, Aníbal, que

tinha sido indicado Magistrado Chefe de

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391

Cartago, começou sua gigantesca tarefa

de reconstrução. Apesar de todos os anos

de guerra, a prosperidade comercial da

cidade nunca havia sido colocada em

perigo seriamente, mesmo depois da perda

da Espanha. Uma das razões para isso era

que o comércio entre o Levante e o

Mediterrâneo ocidental sempre havia

continuado a fluir ao longo da costa norte-

africana, onde os romanos pouco podiam

interferir. Inevitavelmente, desde o começo

de sua tarefa Aníbal defrontou-se com o

ódio de seus inimigos — o partido da paz,

que sempre havia declarado que o

comércio, e não a guerra, era o negócio de

Cartago. Eles ignoravam deliberadamente

o fato de que a expansiva Roma nunca

deixaria sua cidade em paz. Ironicamente

(algo que tem acontecido em guerras

posteriores), os vencidos se encontravam

na posição de não terem nada para se

preocupar, a não ser reconstruir suas

fábricas e fortunas, enquanto os vitoriosos

se confrontaram imediatamente com uma

série de problemas que exigiam quase toda

a sua atenção. Roma iria, agora, envolver-

se numa guerra contra Filipe V da

Macedônia, com problemas no Egito,

revoltas entre muitas das tribos da

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392

Hispânia e a crescente resistência dos

gauleses na Itália, bem como na própria

Gália. Haviam descoberto que um império

não é algo que possa ser facilmente

controlado, e sim um vulcão em irrefreável

expansão até que alguma fraqueza em

suas bordas permita que o fogo transborde

— vindo, em seguida, um derradeiro

colapso e inércia. Quando Cipião Africano

retornou a Roma naquele ano, foi

naturalmente recebido em triunfo. Seus

feitos na África haviam sido formidáveis, e

nem mesmo seus inimigos poderiam negar

que ele havia levado a guerra a uma

conclusão triunfante. À frente de suas

tropas conquistadoras, ele cavalgou

através de ruas enfeitadas, enquanto os

elefantes de guerra da África, que haviam

sido trazidos de Cartago, assombravam o

povo com sua estranheza e seu barrido. A

Cipião foi dado o cognome "Africano",

"O primeiro general que era distinguido

por um nome derivado do país que ele

havia conquistado". Compreensivelmente,

era o herói do momento e provavelmente

teria sido feito cônsul perpétuo ou mesmo

ditador, como Júlio César, cento e

cinquenta anos mais tarde. Sabiamente,

recusou quaisquer dessas honrarias e

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393

parece ter se contentado em viver a vida de

um cavalheiro ocioso, entregando-se à sua

paixão pela literatura grega e pela boa

conversação, ambas características que

devem ter ficado evidentes quando esteve

em Siracusa e que o haviam tornado

suspeito para uma geração mais velha e

mais obstinada de romanos. Desde o fim

da guerra e pelos sete anos que se

seguiram, Aníbal dedicou-se aos assuntos

de seu país e a reconstruir a prosperidade

mercantil de Cartago. Não sendo mais o

grande expatriado, devotava-se

exclusivamente aos assuntos domésticos

cartagineses e a garantir que seu país

mantivesse sua palavra junto aos

romanos. Pode-se questionar se ele ainda

nutria ou não pensamentos de vingança,

pois a base de poder de Cartago na

península Ibérica estava perdida, eles não

tinham marinha, e os romanos

controlavam o mar, bem como dominavam

a bacia do Mediterrâneo por terra. Ao

mesmo tempo, deve ter mantido um olho

sobre o progresso romano no leste, onde a

batalha de Cinoscéfalas, em 197 a.C., deu

a Roma sua grande vitória sobre Filipe V

da Macedônia, destruindo o poder

macedônio para sempre. Filipe foi forçado

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394

a entregar sua frota, suas possessões na

Grécia, e a pagar uma grande indenização

de guerra, como Cartago havia feito e

ainda fazia. Foi provavelmente a

habilidade financeira de Aníbal que

garantiu que Cartago saldasse os seus

compromissos — compromissos que os

romanos esperavam não serem cumpridos,

o que lhes daria motivos para uma invasão

— e isso fez com que o ódio dos romanos

por ele revivesse. Tinha, também, muitos

inimigos entre os cidadãos ricos da casa,

pois havia denunciado muitos oficiais de

altos postos cujo peculato descobrira.

Aníbal deixa Cartago

A família Barca, por todos os seus serviços

a Cartago, sempre havia tido rivais e

inimigos, e também havia aqueles que se

apraziam em colocar a culpa pela recente

guerra inteiramente sobre Aníbal. O

reaquecimento comercial de Cartago,

inspirado e dirigido por ele, havia então

levantado ciúmes e ressentimento em

Roma. Não seria surpresa, assim, que

essas duas facções se aliassem no desejo

de vê-lo removido do cargo. Foi Cipião

Africano quem interveio em favor de seu

antigo inimigo, lembrando a eles que não

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395

lhes diziam respeito os assuntos

puramente cartagineses, mas o

ressentimento contra Aníbal não poderia

ser contido permanentemente. Em 195,

uma comissão foi enviada de Roma a

Cartago alegando que Aníbal estava

favorecendo um inimigo de Roma. Esse

inimigo era Antíoco, o Grande, da Síria,

cuja ambição era recriar o império

oriental de Alexandre, o Grande, e que

quase havia estabelecido seu domínio

sobre a Palestina, Fenícia e Chipre. E

mais do que provável que Aníbal vira em

Antíoco o único governante do leste capaz

de desafiar Roma e de restaurar um

equilíbrio de poder no Mediterrâneo que

permitiria a Cartago, uma vez mais,

assegurar sua antiga supremacia sobre a

península Ibérica, a Sicília e as outras

ilhas centrais do mar. Se houve ou não

qualquer correspondência entre eles é algo

que nunca será conhecido. Certamente os

romanos afirmavam que sim, e foi por isso

que seus enviados rumaram para Cartago.

Catão, o Ancião, que havia servido a

Cipião Africano na Sicília e que invejava

profundamente sua fama e posição, era

agora cônsul e estava determinado a

arrastar Aníbal para Roma.

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396

Quando soube do que se passava, Aníbal

não teve qualquer ilusão de que seus

inimigos em Cartago não viessem a traí-lo

junto aos romanos. Conseguiu deixar o

país através de uma série de evasões

notáveis, fruto de sua habilidade no campo

de batalha. Tendo recebido os enviados

romanos e os escoltado aos seus quartéis

em Birsa, ele foi visto pela cidade, como de

costume, durante o dia. Ao cair da noite,

contudo, sob pretexto de sair para uma

cavalgada no frescor da noite, ele

escapuliu para uma vila sua não muito

longe de Adrumeto, onde tinha um navio

preparado, com seus pertences pessoais e

fortuna particular já embarcados, e uma

tripulação fiel aguardando por ele.

Chegando no dia seguinte à ilha de

Cercina, não muito distante da costa,

Aníbal foi surpreendido com a presença de

outros navios ali a caminho de Cartago, e

ele logicamente foi reconhecido pelas

tripulações dos navios. Tendo convidado

os capitães e tripulações dos navios para

jantar consigo, sugeriu que eles, então

lisonjeados pelo convite, trouxessem para

a terra as velas e mastros de seus navios

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397

para que fossem usados como proteção

para o sol. O entretenimento durou todo o

dia e adentrou a noite, quando Aníbal

silenciosamente embarcou e se pôs a

caminho. Quando os convidados

acordaram no dia seguinte, seu anfitrião

havia partido, e, mesmo se eles tivessem

alguma intenção de segui-lo e soubessem

de seu destino, teriam levado algum tempo

para reequipar os navios e segui-lo.

Algumas semanas mais tarde, Aníbal

desembarcou no velho lar dos fenícios,

Tiro, berço de Dido e cidade-mãe de

Cartago.

Os treze anos restantes da vida de Aníbal

são tristes de se contemplar, embora não

tão vazios quanto os últimos anos de

Napoleão, pois Aníbal permaneceu em

liberdade até o dia em que deu cabo de sua

própria vida. Foi no ano de 195 a.C.,

quando o grande herói do Mediterrâneo

oriental colocou os pés no berço de sua

raça, para ser aclamado por todos aqueles

do Levante e da Ásia Menor que viram sua

liberdade ameaçada pela sombra de Roma.

Logo após a derrota de Filipe V da

Macedônia, Roma proclamou-se protetora

da Grécia — um ato judicioso que

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398

agradou aos gregos e ao mesmo tempo

garantiu sua servidão. Somente em

Antíoco Aníbal podia ver alguma

esperança para o ressurgimento de uma

guerra contra a Itália. Antíoco, porém,

não desejava envolver-se numa guerra

distante no Mediterrâneo central; só

estava preocupado em assegurar e ampliar

seu império oriental. Ambicionava ser

reconhecido na Grécia, mas uma pequena

força que enviou para lá foi severamente

castigada naquele desfiladeiro de memória

clássica, Termópilas, e ele mal conseguiu

assegurar a Ásia Menor para si.

A reputação de Aníbal não o fazia popular

entre os militares e conselheiros que

cercavam o rei sírio, e nunca lhe foram

dadas a frota e as tropas que pedira para

invadir a Itália. Antíoco, com certeza,

possuía muitos homens e armas, mas não

eram do calibre dos romanos sob nenhum

aspecto. Em 189, na Batalha de Magnésia,

ele foi conclusivamente derrotado e

forçado a desistir da maior parte da Ásia

Menor, deixando-a para os romanos e

seus aliados. Numa prévia revista ao

exército do rei, ainda que fosse

aproximadamente duas vezes maior que o

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399

exército do inimigo, Aníbal respondera

secamente quando perguntaram sua

opinião sobre tal grande hoste: "Sim, isso

será suficiente para os romanos, mesmo

ávidos como eles devem estar".

Umas poucas anedotas sobre Aníbal

sobreviveram nesses anos em que partiu

como exilado de seu próprio país e um

declarado "inimigo do povo romano",

através das cortes e insignificantes reinos

do leste. O seu estilo era lacónico, o

imperatoria brevitas, revelado antes em

observações como "Roma tem seu Aníbal

em Fábio" e "Marcelo era um bom

soldado, mas um general imprudente".

Convidado em certa ocasião para escutar

uma conferência de um velho académico

especializado em estudos militares, ele não

fez qualquer comentário até que sua

opinião fosse especificamente solicitada,

quando ele observou tranquilamente: "Em

minha vida eu tenho tido que ouvir alguns

velhos tolos, mas esse supera a todos eles".

Houve um segundo encontro entre Aníbal

e Cipião Africano algum tempo antes de

Antíoco começar a guerra no leste. Foi

enviada uma missão a Éfeso, vinda de

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400

Roma, para tentar descobrir a atitude do

governante sírio e suas intenções. Cipião

Africano, que a liderava, mandou

perguntar a Aníbal se ele desejava

encontrá-lo, ao que este prontamente

assentiu. Os relatos a esse respeito

descrevem os dois homens falando de

velhos tempos, e Cipião Africano

perguntando a Aníbal quem ele pensava

ser o maior general da história.

"Alexandre, o Grande", Aníbal

respondeu, acrescentando que com

somente uma pequena força ele derrotou

exércitos muito maiores em quantidade do

que o seu próprio, e que ele chegara até as

mais remotas regiões da Terra.

Perguntado sobre quem ele achava ser o

próximo, Aníbal pensou por um momento

e respondeu: "Pirro" (o rei do Épiro, que

havia invadido a Itália em 280), citando

seu brilhante julgamento ao escolher o

terreno e a cuidadosa disposição de tropas.

O romano (era visível que Cipião Africano

buscava um elogio) insistiu: "E o

terceiro?" "Eu mesmo, sem dúvida."

Cipião Africano riu: "E o que você teria

dito se tivesse me vencido?" "Então",

replicou o cartaginês, "eu teria me

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401

colocado como o primeiro de todos os

comandantes".

Isso se tornou um agradável elogio que

sem dúvida deleitou Cipião Africano, o

que é o provável motivo de ter sido citado

tanto por Lívio[37] quanto por

Plutarco.[38] Desses dois grandes

soldados-estadistas Arnold comenta que

Cipião Africano parecia "o Aquiles de

Homero, a mais alta concepção do herói

individual, confiante em si e eficiente. Mas

o mesmo poeta que concebeu o caráter de

Aquiles também concebeu o de Heitor; do

herói verdadeiramente nobre porque

altruísta, que emprega seu génio para o

bem de outros, que vive para suas

relações, seus amigos e seu país. E como

Cipião Africano vivia para si mesmo,

assim como Aquiles, então a virtude de

Heitor é merecidamente representada pela

vida de seu grande rival, Aníbal, que, da

sua infância até a última hora, na guerra

ou na paz, através da glória e do

esquecimento, entre vitórias e

desapontamentos, sempre se lembrou do

propósito ao qual seu pai o havia

devotado, e não se rendeu a qualquer

pensamento, desejo ou feito que o

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402

desviasse do serviço que prometera ao seu

país".

Esses dois destacados homens, tão

semelhantes em muitos aspectos, tão

dessemelhantes em outros, terminaram

suas vidas no exílio. Cipião Africano, a

quem Catão havia sempre odiado — por

seu amor pela cultura grega quase acima

de tudo — foi acusado por esse último e

seus amigos no senado de negligência nos

fundos públicos. Cipião Africano, em

resposta, trouxe seus livros de anotações

perante o senado, rasgou-os e disse aos

seus acusadores que rastejassem

procurando provas entre os pedaços. Ele,

então, disse que milhares de talentos de

prata haviam adentrado o erário público

sob sua representação, e que suas vitórias

haviam dado a Roma não somente a

Hispânia, mas a África, e agora a Ásia

(pois ele também havia atuado em

Magnésia). Ele deixou Roma com grande

amargura e nunca mais retornou.

Aníbal, após a derrota de Antíoco e a

conclusão de um tratado de paz entre o rei

e Roma, sem dúvida presumiu, e

acertadamente, que tal tratado conteria

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403

uma cláusula exigindo a sua entrega aos

vitoriosos. Rápida e secretamente, partiu

de navio para Creta, então uma ilha

selvagem e indomada, lar de piratas e de

homens que não reconheciam qualquer

monarca ou Estado. Ainda ali, não seria

deixado em paz. Roma, à medida que se

expandia para o leste, e que suas rotas de

navegação se tornavam mais extensas,

preocupava-se crescentemente com a

segurança de sua marinha mercante. Era

natural que, no devido tempo os romanos

ficassem interessados naquela grande ilha

entre o Egeu e o Egito, potencialmente

próspera e útil, mas àquela época

infestada de piratas.

Aníbal havia se estabelecido em Cortina,

uma antiga cidade, só perdendo em

importância para Cnossos, nos tempos

antigos, e situada perto de um pequeno rio

cerca de três milhas distante da costa sul.

Uma divertida, mas possivelmente apócrifa

história, conta como Aníbal, quando ali

construiu seu lar, fez questão de depositar

abertamente seu tesouro no templo local

de Ártemis. Corretamente suspeitando da

honestidade cretense (como o apóstolo

Paulo, alguns séculos mais tarde), o

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404

"tesouro" que ele enviou para ser

guardado no templo era não mais que uma

decepção; grandes vasos de argila cheios

de chumbo com um punhado de moedas

de ouro espalhadas bem visivelmente por

cima. O grosso de sua fortuna restante foi

escondido em algumas estátuas de bronze

ocas no jardim de sua casa. No devido

tempo, um esquadrão romano visitou

Creta em disfarces de piratas, investigando

o potencial dos recursos e portos da ilha.

Aníbal, em seu retiro, permanecia

imperturbável, mas sabia que era questão

de tempo até que os romanos soubessem

do rico cartaginês vivendo em retiro em

Cortina, e descobrissem seu nome. Como

ele havia feito em Cartago, e como fizera

na corte de Antíoco, Aníbal partiu secreta

e rapidamente. Com ele foram as estátuas

do seu jardim. Quando os sacerdotes

cretenses de Artemis ou os soldados

romanos abriram os jarros guardados no

templo, pode-se imaginar sua risada

irónica ecoando ao vento.

Então, Aníbal foi para a remota Bitínia,

para o reino de Prúsias I. Mesmo a sua

morte não colocou fim à sua influência.

Sua memória iria atormentar Roma por

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405

todos os séculos da existência do império.

Certa vez, estivera próximo aos portões da

cidade; certa vez, chegara perto de

subjugar o Estado que agora comandava

praticamente todo o mundo conhecido.

Historiadores e poetas nunca o

esqueceram; mesmo os mais ásperos,

como Juvenal, lembravam-se daquele

horrendo brado: "Aníbal está aos

portões!"

Lista de batalhas

218 a.C.

Novembro: Batalha de Ticino - Aníbal

derrota os romanos sob Cipião Africano

numa pequena luta de cavalaria.

Dezembro: Batalha do Trébia - Aníbal

derrota os romanos sob Tibério Semprônio

Longo, que atacou de forma

inconsequente.

217 a.C.

Batalha do Lago Trasimeno - Aníbal

destrói o exército romano de Caio

Flamínio numa emboscada, matando

Caio.

216 a.C.

Agosto: Batalha de Canas - Aníbal destrói

o exército romano liderado por Lúcio

Emílio Paulo e Caio Terêncio Varrão

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406

naquilo que foi considerada uma das

obras-de-arte em estratégia militar.

Primeira Batalha de Nola - O general

romano Marco Cláudio Marcelo contém

um ataque de Aníbal.

215 a.C.

Segunda Batalha de Nola - Marcelo

repulsa novamente um ataque de Aníbal.

214 a.C.

Terceira Batalha de Nola - Marcelo trava

nova batalha, desta vez inconclusiva,

contra Aníbal.

212 a.C.

Primeira Batalha de Cápua - Aníbal

derrota os cônsules Q. Fúlvio Flaco e Ápio

Cláudio, mas o exército romano consegue

escapar.

Batalha do Sílaro - Aníbal destrói o

exército do pretor M. Centênio Pênula.

Primeira Batalha de Herdónia - Aníbal

destrói o exército romano do pretor Cneu

Fúlvio.

211 a.C.

Batalha de Bétis - Públio e Cneu Cornélio

Cipião Calvo são mortos na batalha com

os cartagineses sob o irmão de Aníbal,

Asdrúbal.

Segunda Batalha de Cápua - Aníbal falha

em quebrar o cerco da cidade de Roma.

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407

210 a.C.

Segunda Batalha de Herdónia - Aníbal

destrói o exército romano de Fúlvio

Centúmalo, que morre em batalha.

Batalha de Numistro - Aníbal derrota

Marcelo mais uma vez.

209 a.C.

Batalha de Ásculo - Aníbal derrota

novamente Marcelo, numa batalha

indecisiva.

208 a.C.

Batalha de Bécula - Na Hispânia, os

romanos sob Cipião Africano derrotam

Asdrúbal Barca

207 a.C.

Batalha de Grumento - O general romano

Caio Cláudio Nero trava uma batalha

indecisiva contra Aníbal, e marcha para

norte para confrontar-se com o irmão,

Asdrúbal, que entretanto invadiu a Itália

Batalha do Metauro - Asdrúbal é

derrotado e morto pelos exércitos

combinados de Lívio e Nero.

206 a.C.

Batalha de Ilipa - Cipião Africano destrói

as forças cartaginesas que restavam na

Hispânia; nesta batalha usou a versão

inversa da formação usada por Aníbal na

batalha de Canas.

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408

204 a.C.

Batalha de Crotona - Aníbal trava uma

batalha inconclusiva com o general

Semprônio, no Sul da Itália.

203 a.C.

Batalha de Bagbrades - Os romanos sob

Cipião Africano derrotam o exército

cartaginês de Asdrúbal Gisco e Sífax.

Aníbal é chamado a África.

202 a.C.

Batalha de Zama (19 de outubro) - Cipião

Africano derrota definitivamente Aníbal

no Norte de África, terminando a Segunda

Guerra Púnica.

Legado

Cinema e televisão

Ano Filme Notas

2008 Hannibal the Conqueror Filme

estadunidense dirigido e protagonizado

por Vin Diesel no papel de Aníbal.[42]

2006 Hannibal - Le pire cauchemar

de Rome Filme produzido pela BBC com

Alexander Siddig no papel de Aníbal.[43]

2005 Hannibal V Rome

Documentário televisivo produzido

por Richard Bedser e veiculado pelo

National Geographic Channel[44] com

Tamer Hassan no papel de Aníbal.[45]

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409

2005 The True Story of Hannibal

Documentário televisivo produzido

por Mark Hufnail com Benjamin

Maccabee no papel de Aníbal.[46]

2001 Hannibal: The Man Who Hated

Rome Filme britânico produzido por

Patrick Fleming.[47]

1997 The Great Battles of Hannibal

Documentário britânico.[48]

1959 Annibale Filme italiano

produzido por Edgar George Ulmer e

Carlo Ludovico Bragaglia com Victor

Mature no papel de Aníbal.[49]

1955 Jupiter's Darling Produzido

por George Sidney com Howard Keel no

papel de Aníbal.[nota 2]

1937 Scipione l'africano Filme

italiano.[50]

1914 Cabiria Filme mudo

produzido por Giovanni Pastrone com

Emilio Vardannes no papel de Aníbal.[51]

Notas

Ir para cima ↑ A famosa frase latina da

última sentença da conversa é a seguinte:

"Vincere scis, Hannibal; victoria uti

nescis."

Ir para cima ↑ Neste filme, o personagem

de Aníbal tem uma participação

secundária.

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Ir para cima ↑ A data de morte de Aníbal

costuma ser citada com maior frequência

como sendo 183 a.C., porém existe a

possibilidade de que ela tenha ocorrido no

ano anterior.‖

(https://pt.wikipedia.org/wiki/An%C3%ADbal

)