BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 542 · exercia. O direito ao benefício deve ser avaliado...

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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 542

(ano VIII)

(18/02/2016)

 

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BRASÍLIA ‐ 2015 

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Boletim Conteúdo Jurídico n. 542 de 18/02/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

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SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

18/02/2016 Alexandre Triches 

» O benefício de Auxílio‐Acidente na Previdência Social

ARTIGOS 

18/02/2016 Marcela Batista Lopes » Dolo eventual, culpa consciente e o homicídio na direção de veículo automotor, em razão de 

embriaguez 

18/02/2016 Sahâmia Isabel Bezerra Ferreira 

» Bens jurídicos constitucionalizados: direito à imagem x direito à informação 

18/02/2016 Victor Barbosa Santos 

» Prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho: análise à luz da jurisprudência do STF e do 

TST 

18/02/2016 Wilmer Cysne Prado e Vasconcelos Neto 

» O acidente de trabalho e a responsabilidade civil do empregador 

18/02/2016 Rafaello Lamboglia Medeiros Correia 

» O fracionamento lícito de precatórios 

18/02/2016 Camilla Motta Meira Pires 

» O princípio da proteção e sua aplicação no Direito do Trabalho 

18/02/2016 Natanne Lira de Morais 

» A evolução do Direito Sumular no Brasil 

18/02/2016 Hugo Amoedo Vieira 

» Anti‐suit injunctions e Administração Pública 

 

 

 

 

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O BENEFÍCIO DE AUXÍLIO-ACIDENTE NA PREVIDÊNCIA SOCIAL

ALEXANDRE  TRICHES:  Advogado. Especialista em Direito Previdenciário.  

O auxílio-acidente é um benefício que o segurado do INSS pode ter direito quando, em razão de um acidente de qualquer natureza, for acometido de uma sequela permanente que reduza sua capacidade laborativa para o trabalho que habitualmente exercia. O direito ao benefício deve ser avaliado pela perícia médica do INSS e o benefício é pago como uma forma de indenização em função do acidente. Portanto, não impede o segurado de continuar trabalhando.

Para a obtenção do benefício não se faz necessário carência, ou seja, tempo mínimo de contribuição para eleição ao benefício; basta apenas a qualidade de segurado. E somente o empregado, seja urbano ou rural, o empregado doméstico (para acidentes ocorridos a partir de 01/06/2015), o trabalhador avulso e o segurado especial possuem direito a prestação. Logo, estão excluídos do direito ao benefício os segurados na condição de contribuinte individual (vulgarmente chamado de autônomo) e facultativo.

No dia da perícia médica deverão ser apresentados documentos médicos que indiquem as sequelas ou limitações de capacidade laborativa. Caso seja reconhecida a redução da capacidade laborativa com relação ao trabalho habitualmente exercido, mesmo que em grau mínimo, será concedido o benefício, sempre no patamar de 50% do salário de benefício que seria devido em caso de concessão de auxílio-doença. A prestação previdenciária encerra-se quando o trabalhador se aposenta ou solicitar Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) para fins de averbação em Regime Próprio de Previdência Social (RPPS).

 

 

 

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O mais interessante sobre o auxilio acidente são algumas nuances verdadeiramente importantes e, muitas vezes, desconhecidas dos segurados da Previdência Social. Primeiro, o auxílio-acidente não é concedido apenas para os casos de acidente do trabalho. Nos casos de acidente de qualquer natureza, desde que tenham deixado sequelas permanentes, e mesmo que mínimas, reduzam a capacidade laborativa do segurado para a atividade que habitualmente exercia fará jus ao benefício.

Outro aspecto não menos importante é que muitos segurados com sequela definitiva e desconhecedores do direito ao benefício de auxílio-acidente acabam postulando indevidamente auxilio doença e, diante da incapacidade para o trabalho que no caso é apenas parcial, acabam não conseguindo perceber nenhum dos dois benefícios. Portanto, é fundamental a consulta com um especialista em Previdência Social antes de postular benefício previdenciário a fim de verificar se o caso é de incapacidade total (impossibilidade de trabalhar em nenhuma função laboral) ou parcial (possibilidade de avaliação positiva do potencial laborativo para função diversa).

Por fim, é importante referir que na plataforma de serviços do INSS não existe a possibilidade de agendamento de auxílio-acidente. Isto ocorre porque a Previdência Social concede o benefício de ofício, quando da alta do auxílio-doença previamente concedido e da permanência das sequelas permanentes. Ou seja, de forma autônoma não há serviço de agendamento para o auxílio-acidente e isto não significa que o segurado não faça jus ao auxílio-acidente mesmo que antes não tenha recebido auxílio-doença. Para estes casos, o segurado deverá comparecer diretamente na Agência da Previdência Social e solicitar o auxílio-acidente.

Todavia, caso o INSS tenha dado alta para segurado, de benefício de auxílio-doença, com a constatação de sequela permanente que reduza a capacidade laborativa, o perito deve

 

 

 

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conceder de ofício o auxílio-acidente. Se assim não proceder, há duas alternativas possíveis ao segurado. No âmbito administrativo, agendar um pedido de revisão da decisão que deu alta no auxílio doença. No âmbito judicial, uma ação de cobrança de parcelas devidas e não pagas, a contar da data de cessação do auxílio doença.

Recomendo uma avaliação jurídica antes do requerimento, pois, se o caso é de incapacidade parcial, o benefício mais vantajoso poderá ser o auxílio-acidente, que é indenizatório e permite o retorno ao trabalho, além de ser devido até a aposentadoria do segurado.

 

 

 

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DOLO EVENTUAL, CULPA CONSCIENTE E O HOMICÍDIO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR, EM RAZÃO DE EMBRIAGUEZ

MARCELA BATISTA LOPES: Advogada. Graduada na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás. Pós-graduanda em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera.

RESUMO: É possível verificar a existência de julgados no sentido de se atribuir um conceito elástico ao dolo eventual de modo a abarcar homicídio no trânsito quando apresenta determinadas circunstâncias concretas, é o exemplo de o condutor estar sob o estado de embriaguez. Essa tendência de alguns julgamentos é completamente equivocada, vez que infringem toda uma teoria desenvolvida do crime adotada pelo ordenamento jurídico e decorre provavelmente em razão de pressões sociais e midiática ante a violência no trânsito.

PALAVRAS-CHAVE: Dolo. Culpa. Embriaguez. Homicídio na direção de veículo automotor.

SUMÁRIO: Introdução. 1.Dolo eventual, culpa consciente e a conduta praticada na direção de veículo automotor de que resulta homicídio, em razão de embriaguez. 1.1. Tênue limite entre dolo eventual e culpa consciente.1.2. Dolo eventual, culpa consciente e o homicídio no trânsito em razão da embriaguez. 1.3. Decisões do Supremo Tribunal Federal acerca do tema. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

A responsabilidade penal, no ordenamento jurídico brasileiro, é subjetiva. O Código Penal pátrio não admitiu a responsabilidade penal objetiva, isso porque consagra plena e integralmente o princípio donulum crimen sine culpa.[1] Desta

 

 

 

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forma, deve restar provada a existência do dolo ou da culpa em sentido estrito para a devida configuração do fato típico.

A aplicação do dolo eventual e da culpa consciente nos delitos de trânsito, sobretudo o homicídio na direção de veículo automotor, tem sido amplamente discutida pela doutrina e pelos tribunais pátrios. Entre os fatores responsáveis está o evidente aumento do número de infrações penais no trânsito e a grande pressão social e da imprensa brasileira.

No que concerne a algumas condutas, entre elas: a embriaguez ao volante, o excesso de velocidade e a participação em competição não autorizada, de que resultam homicídio, há uma tendência jurisprudencial e doutrinária no sentido de se atribuir o crime, a título de dolo eventual.

1. DOLO EVENTUAL, CULPA CONSCIENTE E A CONDUTA PRATICADA NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR DE QUE RESULTA HOMICÍDIO, EM RAZÃO DE EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA 1.1. TÊNUE LIMITE ENTRE O DOLO EVENTUAL E A CULPA

CONSCIENTE

Interpretando precisamente Juarez Tavares, o professor Nucci leciona:

“enquanto no dolo eventual o agente refletiu e está consciente acerca da possibilidade de causar o resultado típico, embora não o deseje diretamente, na culpa consciente, o agente está, igualmente, ciente da possibilidade de provocar o resultado típico, embora não se coloque de acordo com sua realização, esperando poder evitá-lo, bem como confiando na sua atuação para isso”.[2]

 

 

 

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Nesse diapasão, teoricamente, a linha divisória se apresenta pela aceitação ou rejeição da possibilidade de realização do evento danoso. A distinção, portanto, “deve processar-se no plano volitivo e não apenas no plano intelectivo do agente”.[3] Na culpa consciente, o resultado não é querido e sequer o agente assume o risco, tolera ou age indiferentemente a sua produção, ao contrário, ele entende que possui destreza suficiente para evitar o acontecimento do evento danoso. Já, no dolo eventual o agente pratica uma conduta visando determinado fim, lícito ou ilícito, vislumbrando, por meio da previsão, a possibilidade de atingir determinado resultado típico, que não deseja, porém assume (admite, aceita) o risco de produzi-lo ou, simplesmente, pouco se importa com sua efetiva materialização.

Cabe pontuar, “assumir o risco”, requisito disposto no artigo 18, inciso I, segunda parte, do Código Penal ao tratar do dolo eventual, é algo além de simplesmente ter consciência de correr o risco, é mais, seria anuir ou pouco se importar – previamente – com o resultado danoso, seria uma ratificação prévia, caso este aconteça efetivamente.

O dolo eventual é a forma menos grave de dolo, enquanto que a culpa consciente se manifesta como a forma mais grave de culpa[4], daí extrai-se que muito se aproximam. A culpa com representação é um “plus”, uma vez que marcada pela efetiva previsão do perigo introduzido pela conduta, sendo tal previsão (ato de prever) desnecessária para a configuração do tipo culposo.

É notório que diante de fato concreto, “esperar que se consiga prova daquilo que ocorreu na cabeça do autor da infração penal (assumiu o risco ou esperava que sinceramente não acontecesse?), exatamente no momento em que esta se deu”[5], é quase impossível. Por isso, impende ressaltar jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que para configuração do dolo eventual é desnecessário o consentimento explícito do agente,

 

 

 

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bem como sua concordância reflexiva em relação às circunstâncias do evento; deve ser extraído das circunstâncias do evento, e não da mente do autor, eis que não exige uma declaração expressa do agente. (HC 91.159, julgado em 02.09.2008, DJU 24.10.2008)

1.2. DOLO EVENTUAL, CULPA CONSCIENTE E O HOMICÍDIO NO TRÂNSITO, EM RAZÃO DA EMBRIAGUEZ

Assusta os números exibidos no Mapa da Violência do Instituto Avante Brasil:

“Segundo o Datasus, em 2010, foram registradas 42.844 mortes no trânsito do Brasil. Esse número, atualizado em 2011, chegou a 43.256 mortes (o ranking, no entanto, foi feito com base nos números de 2010 de todos os países). Em 2014, de acordo com projeção feita pelo Instituto Avante Brasil, o número de mortes no trânsito estimado é de 48.349”.

Contudo, impende ressaltar uma análise crítica preciosa sobre o tema feita pelo professor Israel Jorio, em seu artigo “O fetiche do dolo eventual”:

“A mídia, que vive uma relação de simbiose com a violência, narra que a sociedade sangra, fomenta o pânico e induz à revolta. Sempre existiram a manipulação da verdade e o direcionamento tendencioso da notícia, postos a serviço de um lucrativo sensacionalismo. (...) É fácil ver que se desenvolve, paralelamente à crescente demonização do condutor embriagado, um fetiche pelo dolo eventual. A partir disso, tudo é dolo eventual. Tudo importa em assumir o risco. Atualmente, parece difícil

 

 

 

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criar exemplos críveis de homicídio culposo na direção de automóvel. Beber, correr, ultrapassar, avançar sinal... Tudo isso é assumir o risco de matar. Mas só de matar? Ninguém tem medo de morrer? Será que todo condutor está efetivamente preparado para assumir seu pacote de desgraças? Não apenas a morte do outro, mas a sua própria; não apenas a morte do desconhecido, mas a do seu próprio filho ou cônjuge, que o acompanha. Isso, além das perdas financeiras e dos diversos aborrecimentos policiais e judiciais que serão enfrentados. Esse condutor, pior que um psicopata, é um psicopata suicida. E seria ele tão estranho a nós?”.[6]

Continua o professor:

“a leviana ‘popularização’ do dolo eventual é fruto de um misto de malícia, ignorância e hipocrisia. Malícia da mídia, ignorância do destinatário e hipocrisia de todos os que se arvoram paladinos da segurança. E o discurso é apelativo. Difícil combatê-lo com técnica e teoria.”.[7]

Por esse contexto delineado, já ponderava o mestre Lenio Streck, a figura do dolo eventual “não deve ser utilizada como pedagogia ou remédio contra a violência no trânsito. (...) Não se resolverá o problema do trânsito mediante o ‘enquadramento’ dos infratores no dolo eventual”.[8] Deste modo, é imperiosa a não conclusão automática pela provável existência de dolo eventual tão somente porque o sujeito ativo se encontrava embriagado no

 

 

 

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momento da infração penal, submetendo o acusado invariavelmente ao crivo do Tribunal do Júri.

Nos crimes de trânsito é regra a ocorrência de culpa em sentido estrito, devendo o dolo ser minuciosamente comprovado por meio de provas que demonstrem a flagrante indiferença, ultrapassando excessivamente os limites da normalidade, à vista do bem jurídico ofendido. Afinal, extrai-se do Código de Trânsito Brasileiro, artigo 302, parágrafo 2º, a punição pelo homicídio especificamente se decorrente de culpa, pelo contrário sendo o homicídio doloso, ainda que praticado no trânsito, incorrerá o agente nas penas do artigo 121, do Código Penal.

Isto posto, vale salientar constatação de Bitencourt:

“os tribunais pátrios não têm realizado uma reflexão adequada, decidindo quase que mecanicamente: se a embriaguez não é acidental, pune-se o agente. Se houve ou não previsibilidade do fato no estágio anterior à embriaguez não tem sido objeto de análise. É muito fácil: o Código diz que a embriaguez voluntária ou culposa não isenta de pena, ponto final. O moderno Direito Penal há muito está a exigir uma nova e profunda reflexão sobre esse aspecto, que os nossos tribunais não têm realizado”.[9]

Deste modo, é fundamental que o julgador se apegue ao requisito do “consentimento”, “aquiescência” ou até “total indiferença”, e não ao requisito “assumir o risco”, isso porque aquele é necessário à configuração da ficção jurídica do dolo eventual sendo o que o diferencia da culpa consciente.

 

 

 

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Questão relevante se torna a decisão de pronúncia do acusado pelos magistrados ante a ocorrência de homicídio no trânsito quando o agente estava embriagado. Não se discute que a constatação pela existência de dolo eventual ou culpa consciente, quando efetivamente há dúvida concreta entre ambos e não mera presunção pelo dolo eventual, exige amplo lastro probatório cabendo ao Júri à definição por um ou outro.

O problema é que em delitos de trânsito fatais, tem-se atribuído ao dolo eventual conceito por demais elástico. Embriagar-se e, por conseguinte, conduzir veículo ocasionando homicídio indicaria de antemão a previsão do risco pelo agente e sua indiferença com a vida de outra pessoa ou até com sua própria vida: uma fórmula absolutamente equivocada. Os julgadores o utilizam como forma de compensar uma legislação inadequada e insuficiente, no que tange a punição, visando o atendimento das pressões da mídia e sociais.

Nesse contexto, cumpre lembrar que no ano de 2014, foi acrescentado pela Lei 12971, o parágrafo segundo, no artigo 302 (homicídio culposo), do Código de Trânsito Brasileiro, alterando o tipo de pena privativa de liberdade de detenção para reclusão, de 2 a 4 anos. Contudo, ainda é possível a concessão de medidas alternativas com fim de evitar a efetiva execução do encarceramento.

Por outro lado, reconhecendo-se a probabilidade real de homicídio doloso (no caso, dolo eventual) a ser decidido pelo Conselho de Sentença – e não pelo magistrado, a pena é de 6 a 20 anos de reclusão, artigo 121, do Código Penal. Pena mais severa e que atenderia à hipérbole do “clamor social”. Por isso, a artimanha da utilização do dolo eventual, pautado por um conceito desvirtuado da teoria do consentimento adotada pelo direito brasileiro, visando sanar deficiência da legislação.

 

 

 

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Na opinião de Ádamo Brasil Dias, os magistrados estariam acatando um conceito errôneo de dolo eventual na busca, além de uma tentativa de penalização mais gravosa, de um meio de eximir-se de responsabilidade.

1.3. DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ACERCA DO TEMA

De acordo com o Ministro Luiz Fux, se omitida indevidamente a classificação do homicídio culposo para o doloso, na direção de veículo automotor, “importa em graves consequências para a defesa, deslocando o processo ao Júri, cujo julgamento é sabidamente atécnico e, às vezes, até mesmo apaixonado”[10], a depender do local em que ocorra. Essas implicações potencializam-se observada as evidentes diferenças de pena.

No julgado do ano de 2012, HC 109/210 RJ, de acordo com o voto do ministro relator, Marco Aurélio, “transmudar os delitos de trânsito em crimes dolosos contra a vida revela esforço jurídico conflitante com a Teoria Geral do Crime, na medida em que se afasta do direito penal da culpabilidade”.

CONCLUSÃO

Sobre o tema, observa Ádamo Brasil:

“Isso remete à reflexão sobre as intenções do motorista que se embriaga. É absurdo considerar mais razoável a presença de indiferença do condutor à vida humana do que a presença de um sentimento de supervalorização da própria habilidade, desconsiderando os riscos de um possível acidente de trânsito que resulte em uma morte”.[11]

 

 

 

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Os resultados pormenorizados de uma colisão no trânsito, em geral, são imprevisíveis ao homem comum. O agente não tem previsão exata das consequências de sua conduta na maioria dos casos que envolvam sinistros entre veículos. Conclui-se, nesse sentido, pela extrema dificuldade de comprovação do dolo eventual ante a casos concretos, isso porque como demonstrar que o sujeito ativo, ainda que em período anterior ou durante o estado de embriaguez, era indiferente ao risco de sua própria morte ou a de familiares que o acompanhavam no veículo?

Nesse contexto, se o objetivo é uma punição mais rigorosa, atendendo aos anseios sociais e da imprensa, deveria se dá por meio do poder legislativo, com a aprovação de lei elevando a pena em abstrato para o homicídio no trânsito, decorrente de algumas condutas altamente reprováveis de motoristas, como é o caso da embriaguez ao volante. Assim, jamais seria a opção correta deturpar o conceito de dolo eventual, desenvolvido ao longo dos anos por penalistas mundialmente reconhecidos e adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

REFERÊNCIAS

DIAS, Ádamo Brasil. Embriaguez e homicídio no trânsito: dolo eventual ou culpa consciente?. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1981, 3 dez. 2008 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/12036>.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral / Rogério Greco. – 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.

JORIO, Israel Domingos. O fetiche do dolo eventual. – Boletim do IBCCrim, nº 230, 2012.

 

 

 

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NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral / Guilherme de Souza Nucci. – 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri – Símbolos e rituais / Lenio Luiz Streck. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1998.

NOTAS:

[1] Cf. José Frederico MARQUES, Tratado de Direito Penal, 252.

[2] Guilherme de Souza NUCCI, Manual de direito penal – parte geral, 235.

[3] Juarez Tavares, Teoria do injusto penal, 284.

[4] Cf. José Frederico MARQUES, Tratado de direito penal – da infração penal, 243.

[5] Guilherme de Souza NUCCI, Manual de direito penal – parte geral, 235.

[6] Israel Domingos JORIO, O fetiche do dolo eventual, Boletim do IBCCrim, nº 230, janeiro de 2012, 10-11.

[7] Idem, ibidem.

[8] Lenio Luiz STRECK, Símbolos e rituais, 155.

[9] Cezar Roberto BITENCOURT, Código Penal Comentado,153.

[10] Cf. Habeas Corpus 107.801 / SÃO PAULO, 24

[11] Ádamo Brasil DIAS, Embriaguez e homicídio no trânsito: dolo eventual ou culpa consciente? , http://jus.com.br/revista/autor/adamo-brasil-dias#ixzz1vdz0fWnA.

 

 

 

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BENS JURÍDICOS CONSTITUCIONALIZADOS: DIREITO À IMAGEM X DIREITO À INFORMAÇÃO

SAHÂMIA ISABEL BEZERRA FERREIRA

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo a análise dos principais aspectos sobre o conflito entre os direitos fundamentais à imagem e à informação sob a perspectiva doutrinária e jurisprudencial, abordando as principais características de cada um desses direitos. O artigo chama a atenção para o conflito de normas constitucionais, apontando uma possível solução para essa dicotomia.

Palavras-chave: Direito à imagem. Direito à informação. Colisão de direitos fundamentais. Princípio da concordância prática.

1. INTRODUÇÃO

O Direito à Imagem e o Direito de Informação são direitos garantidos pela nossa atual Constituição Federal. O primeiro só alcançou autonomia com a promulgação da carta magna de 1988. Em pensamento construído por nossos tribunais e doutrinadores ao longo de muitas décadas, chegou-se a conclusão que a violação da imagem poderia ocorrer sem a violação da intimidade, assim, o direito à imagem passou a figurar com autonomia na nova Constituição Federal. Esse direito, hoje, alcança, graças ao extraordinário progresso das comunicações, importância relevante nas relações sociais, logo, a captação e a difusão de imagens na sociedade pós-moderna, em virtude do desenvolvimento tecnológico, causou uma grande exposição da imagem das pessoas.

Na outra ponta o direito à informação, que é um dos alicerces do Estado Democrático de Direito e ferramenta indispensável à concretização do princípio republicano e à consolidação da

 

 

 

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cidadania, pode ser entendido como direito de procurar, receber, compartilhar e publicar informações. Este no âmbito da comunicação, é um direito fundamental da liberdade de expressão, é direito oponível ao Estado, e também a qualquer pessoa, de não impedirem o acesso e a transmissão de informação.

Assim, diante destes direitos fundamentais e essenciais a pessoa, nessa dualidade de importâncias, que surgi o conflito.

2. NOÇÕES SOBRE O DIREITO À IMAGEM

Os direitos da personalidade, de que o direito à imagem é um deles, reveste-se das características comuns a esta. Este é um direito subjetivo de caráter privado, absoluto e irrenunciável; contudo ressalvam-se alguns aspectos que o tornam diferentes de alguns dos direitos da personalidade. Este direito pode ser dotado de caráter patrimonial, uma vez que o seu exercício pode gerar bens com valor monetário, e, em relação, como acima explanado, o seu caráter de disponibilidade, visto que este pode sofre concessão de uso.

Sidney Cesar Silva Guerra acredita que esse “Consiste no direito que a própria pessoa tem sobre a projeção de sua personalidade física ou moral em face da sociedade. Incidindo assim em um conjunto de caracteres que vai identificá-la no meio social.”. (GUERRA, 1999, p. 57).

Para Duval (1988, p. 105), Direito de imagem é a projeção da personalidade física (traços fisionômicos, corpo, atitudes, gestos, sorrisos, indumentárias etc.) ou moral (aura, fama, reputação etc.) do individuo (homem, mulher, criança ou bebê) no mundo exterior.

Segundo jurisprudência do STJ, o direito de imagem:

 

 

 

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DIREITO AUTORAL -DIREITO À IMAGEM - PRODUÇÃO CINEMATOGRÁFICA E VIDEOGRÁFICA - FUTEBOL - GARRINCHA E PELÉ - PARTICIPAÇÃO DO ATLETA - UTILIZAÇÃO ECONÔMICA DA CRIAÇÃO ARTÍSTICA, SEM AUTORIZAÇÃO - DIREITOS EXTRAPATRIMONIAL E PATRIMONIAL - LOCUPLETAMENTO - FATOS ANTERIORES ÀS NORMAS CONSTITUCIONAIS VIGENTES - PREJUDICIALIDADE - RE NÃO CONHECIDO - DOUTRINA - DIREITO DOS SUCESSORES À INDENIZAÇÃO - RECURSO PROVIDO – UNÂNIME.

I - O direito à imagem reveste-se de duplo conteúdo: moral, porque direito de personalidade; patrimonial, porque assentado no princípio segundo o qual a ninguém é lícito locupletar-se à custa alheia. II - O direito à imagem constitui um direito de personalidade, extrapatrimonial e de caráter personalíssimo, protegendo o interesse que tem a pessoa de opor-se à divulgação dessa imagem, em circunstâncias concernentes à sua vida privada. III - Na vertente patrimonial o direito à imagem protege o interesse material na exploração econômica, regendo-se pelos princípios aplicáveis aos demais direitos patrimoniais. IV - A utilização da imagem de atleta mundialmente conhecido, com fins econômicos, sem a devida autorização do titular, constitui locupletamento indevido ensejando a indenização, sendo legítima a pretensão dos seus sucessores. (STJ - 4ª T.; REsp nº 74.473-

 

 

 

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RJ; Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; j. 23/2/1999; STJTRF 125/153, JSTJ 8/318 e RSTJ 122/302). (grifos nossos).

Maria Helena Diniz diz que “O direito à imagem é o de ninguém ver sua efígie exposta em público ou mercantilizada sem seu consenso e o de não ter sua personalidade alterada material ou intelectualmente, causando dano à sua reputação.”. (DINIZ, 2000, p. 132).

Na atual magna carta a proteção à imagem está expressamente concebida em três dispositivos do artigo 5°: incisos V, X e XXVIII, alínea “a”.

Art. 5° - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V- É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem.

X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização por dano material, moral ou à imagem.

XXVIII – São assegurados, nos termos da lei:

 

 

 

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a) A proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades esportivas.(grifos nossos).

Nas Constituições posteriores a previsão legal implícita ao direito à imagem encontrava-se no artigo que versava sobre a proteção da intimidade. O Brasil, seguindo as legislações mais modernas à época, como a espanholas e a portuguesa, e por força dos nossos tribunais que se manifestavam favoráveis à indenização pecuniária em casos de violação da imagem, fora inseriu no seu texto constitucional de 1988 a proteção da imagem dentro do rol dos direitos fundamentais.

A presente Constituição consagrou proteção legal ao direito de imagem independentemente da lesão a outro direito da personalidade, assim, esses, passaram a ser um direito autônomo. (GUERRA, 1999, p.60) “A partir do momento em que o legislador cria previsão constitucional para cada um desses direitos, entende-se facilmente estes são completamente independentes [...].”.

Importante salientar que a autonomia dada ao direito de imagem respalda-se principalmente porque este pode ser lesado independentemente da violação a outros direitos como a privacidade ou a honra, por exemplo, o que, contudo, não impedi a sua correlação. Vejamos o seguinte exemplo:

Admitam, hipoteticamente, que uma pessoa estabelece um contrato com uma empresa para divulgar a sua imagem em um comercial de televisão; até aí nenhum problema. Imaginem, agora, que uma pessoa tenha a sua imagem difundida por uma empresa, sem a autorização, em um comercial que enaltece, por exemplo as qualidades de um pai perfeito; neste caso

 

 

 

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tivemos a violação do direito à imagem, mas não tivemos a violação do direito à honra. Agora partamos para o exemplo de uma pessoa que, da mesma forma, não autorizou o uso de sua imagem, que é veiculada em um comercial que mostra a pessoa de forma pejorativa, com comentários a ela desabonadores; teremos, aí, a invasão do direito à imagem e à honra. (GUERRA, 1999, p.61).

Assim, o legislador constituinte originário percebeu a importância deste direito e a sua necessidade de proteção legal autônoma. “O Direito à imagem é autônomo, não precisando estar em conjunto com a intimidade, [...], a honra etc., embora possam estar em certos casos, tais bens a ele conexos, mas isso não faz com que sejam partes integrantes um do outro.”. (DINIZ, 2010, p.133).

Vejamos conteúdo de Jurisprudência pátria do TST:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - DANO MORAL - USO COMERCIAL E NÃO AUTORIZADO DA IMAGEM DO EMPREGADO.

A garantia ao resguardo da própria imagem tem fundamento nos direitos da personalidade, que são absolutos e oponíveis a todos. O direito à imagem teve seu status elevado ao plano fundamental no art. 5º, X, da Constituição Federal e o direito à indenização nasceu em decorrência da utilização da imagem da empregada, para fins comerciais, sem a sua indispensável autorização, conforme consignado no

 

 

 

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acórdão regional. Nesse sentido, inclusive, é o comando da parte inicial do art. 20 do Código Civil, que estabelece, verbis : -Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais da utilização-. A análise acurada do referido dispositivo legal demonstra a necessidade de autorização prévia para utilização da imagem da empregada, quando destinada a fins comerciais e publicitários, não se verificando a apontada violação dos seus termos. Agravo de instrumento desprovido. (TST, AIRR 97403920095210007 9740-39.2009.5.21.0007 RS, Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 08/06/2011, 1 turma, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 17/06/2011). (grifos nossos).

Finalizando o entendimento, cabe aqui transcrever opinião de Zulmar Antônio Fachin:

O direito à imagem tem sua autonomia consagrada na própria Constituição, que o assegura independentemente de violação a outro direito da personalidade, Em razão disso não é necessário que a pessoa, cuja imagem foi captada ou publicada, sofra dano em sua honra,

 

 

 

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por exemplo. O dever de indenizar impõe-se pelo simples fato de ter sido violado o direito à imagem. (FACHIN, 1999, p. 67).

Fazendo, agora, referência ao dano do direito de imagem nas leis infraconstitucionais, podemos aqui colocar os artigos referentes à responsabilidade civil. Salienta-se que, uma vez violado tal direito, levando-se em consideração seu caráter personalíssimo, seria impossível devolver-se o “patrimônio” que se tinha antes do evento danoso; Logo a satisfação que se pleiteia é de cunho compensatório e não propriamente indenizatório.

Com isso em vista, pode-se afirmar categoricamente que pelo uso indevido da imagem, acarretará a correspondente Responsabilidade Civil. O artigo 186 do Código Civil de 2002 tem a seguinte redação: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”. (grifos nosso). Bem assim o artigo 927 “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”.

APELAÇÃO CÍVEL.RESPONSABILIDADE CIVIL. DIREITO À IMAGEM.FOTOGRAFIA. PUBLICAÇÃO EM JORNAL. MATÉRIA RELACIONADA AO CÂNCER DE MAMA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS CONFIGURADOS. - DIREITO À IMAGEM E VIOLAÇÃO- O direito à imagem consiste em direito de personalidade autônomo e expressamente consagrado como direito fundamental na Constituição da República. A utilização indevida da imagem sem autorização do seu titular gera, por si só, dano extrapatrimonial, independentemente da

 

 

 

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comprovação da afetação de outros direitos de personalidade como a honra e a...Constituição.

(70045518164 RS, Relator: Leonel Pires Ohlweiler, Data de Julgamento: 25/04/2012, Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/04/2012). (grifos nossos).

O atual Código Civil de 2002 incluiu em seu conteúdo um capítulo reservado aos direitos da personalidade, ajustando essa legislação civil à essência da Constituição Federal de 1988.

O Capítulo II, onde estes se encontram, começa no artigo 11 e finda no artigo 20. O artigo 11 inicia a regulamentação com uma disposição genérica, quanto às características dos direitos da personalidade, de sorte que os considera, salvo casos previstos em lei, como intransmissíveis e irrenunciáveis, não permitindo que seu exercício sofra limitação mesmo que voluntária.

O artigo 20 traz na sua redação a referência ao direito de imagem:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. (grifos nossos).

O citado artigo resta claro que a utilização da imagem de terceiros só pode ser feita mediante autorização, contudo vale

 

 

 

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ressaltar que essa autorização é restritiva ao titular desta, uma vez que a utilização de uma imagem fora dos limites autorizados constitui violação de direito. Assim, o consentimento atua como um legalizador da reprodução da imagem. Vejamos julgado referente à utilização da imagem fora do que foi autorizado.

DANOS MORAIS INDENIZAÇÃO Utilização da imagem do Autor, sem prévia autorização, em reportagem a respeito da "obesidade" Autor autorizara divulgação de sua imagem para reportagem relacionada ao "sono" Exposição do Autor a situação constrangedora, fora do contexto original da autorização Violação ao direito de imagem, com intuito de lucroCaracterizados os danos morais SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA, para condenar a Requerida ao pagamento de indenização, no valor de R$ 10.000,00, com correção monetária desde a data da sentença e juros moratórios de 1% ao mês desde a citação RECURSO DA REQUERIDA IMPROVIDO.

(1089467720118260100 SP 0108946-77.2011.8.26.0100, Relator: Flavio Abramovici, Data de Julgamento: 19/06/2012, 2ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/06/2012). (grifos nossos).

Ponto relevante cabe ao inicio desse artigo: “Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública [...].”. Logo, sobre tais ressalvas, a publicação da imagem de certo indivíduo, não necessitará de autorização prévia desde.

 

 

 

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Certo é que a imagem deve ser protegida, contudo, necessário também é estabelecer um critério que possibilite o resguardo da imagem e da mesma forma a garantia de outros direitos igualmente fundamentais. Neste sentido, observando-se o caso concreto, a utilização do princípio da proporcionalidade, onde os fatos devem ser vislumbrados mediante um juízo de ponderação, será de extrema relevância e fundamental no conflito destes direitos.

2. CONSIDERAÇÕES SOBRE DIREITO À INFORMAÇÃO

Para Agostinho Eiras citado por Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (1999, p. 54) o direito de informação é: “um verdadeiro direito fundamental, do interesse comunitário, constitucionalmente protegido, inerente ao funcionamento das sociedades democráticas.”. O direito de informação é sim entendido como um direito fundamental, vista sua previsão constitucional, contudo ressalva-se sua importância também na esfera privada, vez que tal direito está também inerente as atividades humanas.

Logo, exercendo-o, o sujeito desfruta de um direito que tanto pode ser exigido do Estado como também de particulares (pessoa física ou pessoa jurídica).

Evidentemente trata-se de um direito subjetivo público, exercível em fase do Estado, para exigir a proibição de qualquer embaraço estatal bem como para permitir a livre investigação. É também um direito subjetivo de ordem privada, exercível contra as demais pessoas físicas ou jurídicas, no sentido de exigir e de corrigir a informação. (CARVALHO, 1999, p. 55).

 

 

 

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Não é qualquer tipo de informação que merece proteção jurídica, e sim somente aquelas de caráter público, ou como bem acentua Carvalho (1999, p. 144) “informação pública significa, aqui, informação disposta ao público, acessível ao público.” Assim, à informação de dados, à informação oficial, a informação jornalística, por exemplo, são tipos de informação pública.

Os assuntos dessa informação pública devem versar, obviamente, sobre o interesse público, bem assim também, sobre o interesse privado que resvala no coletivo, sendo esses últimos considerados importantes para o desenvolvimento da sociedade.

Havendo o caráter público da informação, nada mais lógico que se faça necessário que esta informação alcance um grande número de sujeitos. Não seria crucial saber ao certo o número de pessoas que essas informações podem atingir, o relevante é que está seja repassada a muitos.

A informação a todos interessa, a todos submete, a todos é dirigida, a todos está acessível. Se não atinge todas as pessoas de dada comunidade, pelo menos está disponível, potencialmente, para atingi-las. Do mesmo modo, não é possível determinar quantas pessoas foram efetivamente atingidas, ou quantas serão as alcançadas pela informação. Uma vez difundida, a informação circula com força própria, não se podendo antever ou precisar quantas pessoas serão alcançadas. (CARVALHO, 1999, p. 146-147).

Assim, sendo, a informação deve influir no comportamento humano, contribuindo para a melhor tomada de decisões; é o poder que ela exerce nos humanos que a torna objeto de proteção; o direito cuida para que esta não seja transmitida de forma viciada ou

 

 

 

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deturpada. Assim, a informação jornalística, por exemplo, veiculada através de uma fotografia montada ou incoerente com a sua verdadeira realidade, pode gerar uma equivocada formação da opinião pública.

Assim, diante do exposto e levando em consideração o que fora apresentado acima, finalizaremos como a definição precisa de Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho sobre o que seria o Direito de informação:

É o sub-ramo do direito civil, com assento constitucional, que regula a informação pública de fatos, dados ou qualidades referentes à pessoas, sua voz ou sua imagem, à coisa, a serviço ou a produto, para um numero indeterminado e potencialmente grande de pessoas, de modo a poder influir no comportamento humano e a contribuir na sua capacidade de discernimento e de escolha, tanto para assuntos de interesse público, como para assuntos de interesse privado mas com expressão coletiva.(CARVALHO, 1999, p. 155).

Com referência ao quadro constitucional, o direito de informação tornou-se imprescindível ao cidadão, sendo matéria integrante dos direitos fundamentais, como vastamente dito ao decorrer deste trabalho.

Este direito vem elencado no artigo5° da CF/88 no inciso XIV: "É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional. ” No inciso XXXIII:

Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular,

 

 

 

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ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

E por fim, no inciso XXXIV “b”: “São a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal.

3. COLISÃO DE PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Surge a difícil questão sobre como aplicar o direito quando dois ou mais princípios constitucionais em um caso real se confrontam. “A colisão de direitos fundamentais são ‘aquelas hipóteses em que a contradição emerge do direito real e concreto de dois direitos, por titulares distintos, e que, em determinada medida, passam a se antagonizar’.”.(ARAUJO; NUNES JÚNIOR, 2005, p. 111).

Assim, somente diante do caso concreto será possível resolver o problema da aparente colisão de princípios, através de uma ponderação (objetiva e subjetiva) de valores. O intérprete, no caso concreto, terá que verificar qual o valor que o ordenamento, em seu conjunto, deseja preservar naquela situação, sempre buscando a conciliação dos princípios em conflito, ou seja, sempre que houver uma colisão entre estes, será necessária a mitigação de um deles, para que prevaleça, no caso concreto, a solução mais harmônica.

No fundo, a problemática da restrição dos direitos fundamentais supõe sempre um conflito positivo de normas constitucionais, a saber, entre uma norma consagradora de certo direito

 

 

 

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fundamental e outra norma consagradora de outro direito ou de diferente interesse constitucional. A regra de solução do conflito é da máxima observância dos direitos fundamentais envolvidos e da sua mínima restrição compatível com a salvaguarda adequada de outro direito fundamental ou outro interesse constitucional em causa.Por conseguinte, a restrição de direitos fundamentais implica necessariamente em uma relação de conciliação com outros direitos ou interesses constitucionais e exige necessariamente uma tarefa de ponderação ou de concordância prática dos direitos ou interesses em conflito. Não se pode falar em restrição de um determinado direito fundamental em abstrato, fora da sua relação com um concreto direito fundamental ou interesse fundamental diverso. (CANOTILHO; VITAL, 1991, p.134).(Grifos nossos).

Assim, a luz do conflito no caso concreto deve o julgador utilizar-se da ponderação tendo como respaldo os princípios constitucionais.

A ponderação é uma técnica de decisão empregada para solucionar conflitos normativos que envolvam valores ou opções políticas, em relação aos quais as técnicas tradicionais de hermenêutica não se mostram suficientes. É justamente o que ocorre com a colisão de normas constitucionais, pois, nesse caso, não se pode adotar nem o critério hierárquico, nem o cronológico, nem a especialidade para resolver

 

 

 

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uma antinomia de valores. (MARMELSTEIN, 2008, p. 386).

Logo, sendo essas normas de mesma hierarquia, ambas válidas, a decisão judicial final, deverá observar o imperativo da otimização e da harmonização dos direitos que elas conferem, vez que dos direitos aqui referidos têm previsão constitucional.

Vejamos as sábias palavras de Carvalho (1999, p. 107):

Se todos os direitos mencionados têm previsão constitucional, se o constituinte entendeu elevá-los todos à mesma categoria de direitos fundamentais, não há como estabelecer antecipadamente uma tabela para resolver os conflitos que podem surgir a esse respeito. Especialmente neste campo, a sensibilidade do interprete deve aflorar para sopesar, caso a caso, quando um direito deve preponderar e o outro ceder. Somente uma ponderação entre esses bens procedida casuisticamente, pode levar a bom termo a tarefa.

3.1. PRINCÍPIO DA CONCORDÂNCIA PRÁTICA OU DA HARMONIZAÇÃO

Segundo Coelho (1997, pág. 91) "Os bens constitucionalmente protegidos, em caso de conflito ou concorrência, devem ser tratados de maneira que a afirmação de um não implique o sacrifício do outro, o que só se alcança na aplicação ou na prática do texto.".

Em se deparando com uma situação de concorrência entre bens constitucionalmente protegidos, o princípio da harmonização ou da concordância prática fundamenta-se na recomendação, para

 

 

 

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que o aplicador das normas em conflito, adote uma solução harmônica, buscando otimizar a realização das normas que se digladiam, mas ao mesmo tempo não acarrete a negativa de nenhum deles.

Para Morais (2003, p. 61):

Quando houver conflito entre dois ou mais direitos e garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização de forma a coordenar ou combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios) sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua.

Assim, significa dizer que, somente no momento da aplicação do texto, e no contexto dessa aplicação prática, é que se podem ponderar e, afinal, conciliar os bens ou valores constitucionais conflitantes.

Vejamos o que a jurisprudência pátria relata a respeito deste principio:

DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. SISTEMA ÚNICO DA SAÚDE - SUS. EFICÁCIA IMEDIATA. PRESTAÇÃO POSITIVA DE FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO. PROPORCIONALIDADE.CONSTITUIÇÃO1. O direito à saúde é direito fundamental, dotado de

 

 

 

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eficácia e aplicabilidade imediatas, apto a produzir direitos e deveres entre as partes, superada a noção de norma meramente programática, sob pena de esvaziamento da força normativa da Constituição. 2. A doutrina e a jurisprudência constitucionais contemporâneas admitem a eficácia direta da norma constitucional que assegura o direito à saúde, ao menos quando as prestações são de grande importância para seus titulares e inexiste risco de dano financeiro grave, o que inclui o direito à assistência médica vital, que prevalece, em princípio, inclusive quando ponderado em face de outros princípios e bens jurídicos. 3. O princípio de interpretação constitucional da concordância prática exige que se concretizem os direitos fundamentais emprestando-lhes a maior eficácia possível e evitando restrições desnecessárias a outros princípios constitucionais, bem como a ofensa a direitos fundamentais de outros indivíduos e grupos. [...]

(20922 SC 2008.04.00.020922-2, Relator: ALCIDES VETTORAZZI, Data de Julgamento: 17/02/2009, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: D.E. 15/07/2009). (grifos nossos).

Contudo, existem casos, que essa harmonização revela-se impossível. Vejamos límpida explicação de Marmelstein (2008, p. 394):

É nessas situações em que a harmonização se mostra inviável que o sopesamento/ ponderação é, portanto, uma atividade

 

 

 

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intelectual que, diante de valores colidentes, escolherá qual deve prevalecer e qual deve ceder. E talvez seja justamente aí que reside o grande problema da ponderação: inevitavelmente, haverá descumprimento parcial ou total de alguma norma constitucional. Quando duas normas constitucionais colidem fatalmente o juiz decidirá qual a que “vale menos” para ser sacrificada naquele caso concreto.

Logo, a observação dos limites dos princípios é necessária e bastante árdua para saber se existe conflito realmente ou não. É extremamente difícil delimitar um princípio, por essa razão, é indispensável que essa verificação se dê a partir de um determinado caso concreto.

4. A APLICAÇÃO DA CONFRONTAÇÃO DESSES DIREITOS Á LUZ DAS JURISPRUDÊNCIAS BRASILEIRAS

Como assim explanado, a ponderação será necessária ao embate de princípios constitucionalmente tutelados. É nesse exato sentido que se encontram a liberdade de informação e o direito de imagem. A divulgação de imagens na imprensa, por exemplo, estão condicionada as limitações decorrentes do respeito ao direito de imagem das pessoas e à existência de direito público relevante, significa dizer que o direito à imagem poderá ser mitigado. Ambos os direitos, não constituem direitos absolutos, sendo passiveis de relativização quando se colidem.

DIREITO CONSTITUCIONAL. PERSONALIDADE. VIOLAÇÃO DO ECA. ARTIGO 247, CAPUT. IDENTIFICAÇÃO DE MENOR EM MATÉRIA JORNALÍSTICA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. REFORMA.ECA"A liberdade de informação e

 

 

 

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de manifestação do pensamento não constituem direitos absolutos, sendo relativizados quando colidirem com o direito à proteção da honra e da imagem dos indivíduos, bem como ofenderem o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (REsp 783.139/ES, Rel. Ministro Massami Uyeda, 4ª Turma, julgado em 11/12/2007, DJ 18/02/2008 p. 33)". Em que pese tal conceito, verifica-se, de todo o conteúdo dos autos, que inexistiu qualquer violação ao citado dispositivo, já que não restou identificado o menor em comento, tendo sido feita a divulgação de informação verdadeira e obtida por meios lícitos, isto é, com base em decisão judicial, e que envolve fatos de interesse público. Inexistência de abuso de direito. Exercício regular de direito. Ademais, os pais dos envolvidos na briga ocorrida autorizaram a divulgação da entrevista dada ao jornal, no intento de defender os seus filhos, não tendo havido, em qualquer momento, menção ao nome, imagem ou demais qualificações do menor em comento. RECURSO PROVIDO.

(4374242820088190001 RJ 0437424-28.2008.8.19.0001, Relator: DES. ANDRE RIBEIRO, Data de Julgamento: 23/05/2012, SETIMA CAMARA CIVEL).(grifos nossos).

O primeiro ponto, a saber, é que se deve ter em mente é que a imagem enquanto informação transmitida e veiculada sem autorização deve ter algum interesse público, ou seja, por exemplo,

 

 

 

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no fotojornalismo, deve-se verificar se a fotografia que virará a ser notícia possui no seu escopo interesse de cunho público.

Há que se considerar interesse público como a soma daqueles interesses superiores de uma dada sociedade na consecução dos objetivos comuns por ela tracejados em sua Constituição, no seu sistema legal e na sua cultura, no funcionamento normal e correto dos órgãos públicos a quem cometeu o exercício de funções para o alcance daquele fim e no regular exercício dos direitos consagrados aos cidadãos. (CARVALHO, 1999, p.92).

Assim, neste sentido, o maior problema nesse tipo de ponderação é apontar se tal imagem não autorizada pertence ou não ao interesse coletivo, fazendo-se relevante a sua propagação e superioridade frente ao privado.

Vejamos ainda também o trecho retirado da Apelação n° 994.04.034045-7, do TJ-SP, que teve como relator o desembargador De Santi Ribeiro:

Vale transcrever trecho da obra "Direito à Privacidade", texto de André Ramos Tavares, sob coordenação de Ives Gandra da Silva Martins e Antônio Jorge Pereira Jr.: [...] Tem-se ainda outra inconsistência no raciocínioque pretende amparar a mídia no conhecido chavão 'interesse público', com menoscabo do direito à privacidade. Trata-se da dificuldade (senão impossibilidade) de se distinguir, para fins de liberdade de comunicação, o que, de fato, é o real interesse público, da alcunhada curiosidade

 

 

 

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coletiva. Desnecessário dizer que ambos são profundamente diversos.(...). (grifos nossos).

Contudo apesar dessa dificuldade, muitos tribunais sempre vêem adotando a mesma postura e linha de raciocínio em relação ao assunto. Tal entendimento considera que o interesse público prevalece ao interesse privado na medida em que a este não prejudica, sendo necessário haver um real prejuízo do interesse privado quando em confronto ao interesse público, e que, na seara da informação jornalística, a informação pública deve vir necessariamente atrelada a sua veracidade.

Carvalho (1999, p. 230-231) diz que:

Assim, só haverá responsabilidade se o informador desbordar daquela pauta estabelecida. Isso acontecerá, por exemplo, se a notícia não for de interesse público, o que ocorre quando devassa a intimidade, é indiscreta ou revela fatos privados ou segredos familiares. Isso não impede que a revelação de tais intimidades, na medida da relevância social do assunto.

Assim, os magistrados entendem que não há violação ao direito de imagem se está estiver em plena consonância com a real verdade dos fatos, ou seja, a ocorrência do exercício regular do direito de narrar fatos verídicos e relevantes à sociedade não induz em violação ao direito de imagem.

"Indenização - Danos morais e à imagem - Abuso à liberdade de informação jornalística - Inocorrência - Se os fatos desagradáveis são verídicos, não há como impedir que a imprensa os divulgue ou seja

 

 

 

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responsabilizada por ter noticiado o que infelizmente ocorreu, porque, assim procedendo, não estará praticando nenhum abuso, pois não age com culpa - Pertinência da matéria jornalística divulgada com a pessoa cuja imagem é reproduzida na ilustração do noticiário - Recurso provido" (Apelação nº 92.669-4/5, Rel. Guimarães e Souza, j. 22.02.2000). (grifos nossos).

Recurso redistribuído com base na Resolução n.º 542/2011. Meta 2 observância do princípio da duração razoável do processo.- Indenização por danos morais. Apelante ingeriu bebida alcoólica, bem como conduzia veículo. Situação fática demonstra a ocorrência de atropelamento. Matéria narrada se limita exclusivamente ao episódio. Fotografia do recorrente originária de local público, apenas dá ênfase à reportagem. Ausência de afronta ao direito de imagem. Interesse público se faz presente. Susceptibilidade exacerbada do apelante não dá suporte à sua pretensão. Apelo desprovido.

(525189420058260000 SP 0052518-94.2005.8.26.0000, Relator: Natan Zelinschi de Arruda, Data de Julgamento: 04/08/2011, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 06/08/2011).(grifos nossos).

JUSTIÇA. GRATUITA. Falta Interesse de agir. A impugnação deve ser formulada em incidente próprio e não nos autor principais.USO DE IMAGEM. Utilização desautorizada da

 

 

 

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imagem do autor em obra literária. Dano material não demonstrado. Fotografia que não tinha mero caráter informativo. Dano moral reconhecido pela simples divulgação da imagem independentemente da prova do constrangimento moral. Indenização reduzida. Recurso do autor desprovido e provido em parte o recurso dos réus.

(9096036782005826 SP 9096036-78.2005.8.26.0000, Relator: Sang Duk Kim, Data de Julgamento: 09/09/2011, 5ª Câmara de Direito Privado B, Data de Publicação: 14/09/2011). (grifos nossos).

Cabe destacar que na fotografia é muito mais complicado saber se sua procedência é de fato uma verdade, a imagem engana com muito mais facilidade que um texto escrito, vez que, está, pode sofrer diversas alterações que o deturpem do original, cabe, assim, para a melhor análise do caso, analisá-la junto ao contexto da situação bem como a sua conexão com um texto escrito ou outros fatos relacionados.

Não havendo a veracidade dos fatos, ficaria constatada a violação da imagem, mesmo havendo o interesse público. Vejamos jurisprudência a este respeito:

Indenização - Responsabilidade Civil - Lei de Imprensa - Dano moral - Imagem - Exposição indevida pela imprensa - Suspeita de autoria de crime hediondo não confirmada -Publicação de nova notícia sobre ausência de prova do delito - Irrelevância - Culpa manifesta - Ação procedente - Sentença confirmada.

 

 

 

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Responsabilidade Civil. Dano moral. Divulgação, pela imprensa, de fotografia do autor, como suspeito de latrocínio. Autoria do crime, logo em seguida, não confirmada, com alusão ao atingido. Ofensa à honra e à dignidade da pessoa atingida. Irrelevância de publicada outra notícia, mais tarde, pelo mesmo órgão, dando conta de não obtida prova de autoria contra o demandante. Culpa manifesta, na divulgação da primeira notícia e da fotografia do apontado como suspeito, antes do desenvolvimento das investigações sobre o crime. Dano moral manifesto e de intuitivo reconhecimento. Indenização fixada, dentro de parâmetros aceitáveis, não comportando aumento nem redução. Recursos principal e adesivo não providos. (TJSP - 10ª Câm. de Direito Privado; AC nº 83.675-4-Franca; Rel. Des. Quaglia Barbosa; j. 29/6/1999; v.u.) JTJ 228/68. (grifos nossos).

Logo, a veiculação da imagem sem autorização só será permitida quando esta for entendida como uma informação de cunho público, de relevância para a sociedade, e que não extrapole ou deturpe a veracidade desta.

Havendo inverdade, ofensa ou deturpação da realidade da imagem, são perfeitamente cabíveis danos morais pela violação ao direito de imagem, mesmo havendo interesse público à informação na causa, como oportunamente relata Carvalho (1999, p. 91)“[...] a legitimidade da notícia ofensiva será aferida na medida em que for condizente e inseparável de sua narração. Caso seja

 

 

 

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desproporcionada ou desnecessária, aí não há que se falar em legitimidade de divulgação e, sim, em abuso de poder.”.

INDENIZAÇÃO- Dano moral - Lei de Imprensa(Lei nº 5.250/67) - Matéria jornalística que veiculou insinuações ofensivas à honra de vereadora do Município de Guaimbê, além de violar seu direito à imagem - Extrapolação do direito-dever de informar - Ausência de interesse público na espécie - Indenização devida - Quantum indenizatório, entretanto, reduzido - Sentença reformada somente neste aspecto - Recurso provido em parte. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - Inocorrência na espécie - Pleito de condenação da autora afastado .Lei de Imprensa5.250(994040340457 SP , Relator: De Santi Ribeiro, Data de Julgamento: 02/03/2010, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/03/2010). (grifos nossos).

Também não se fala de violação quando pela imagem não é possível a nítida identificação do sujeito.

INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL- Autora que alega ter sido fotografada em praça pública beijando seu então namorado - Utilização de tal fotografia em capa de uma das revistas da editora-ré - Improcedência da demanda -Inconformismo - Inadmissibilidade - Não demonstração de que a pessoa fotografada é mesmo a autora- Testemunhas que foram contraditadas - Ausência de provas - Danos não comprovados - Casal fotografado em praça pública, de

 

 

 

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longe e com os rostos parcialmente cobertos - Ato ilícito não configurado - Requerente que não logrou êxito em demonstrar a ocorrência das ofensas alegadas- Art. 333, inc. I, do Código de Processo Civil - Sentença mantida - Recurso desprovido.333ICódigo de Processo Civil

(1039550920078260000 SP 0103955-09.2007.8.26.0000, Relator: J.L. Mônaco da Silva, Data de Julgamento: 05/09/2012, 5ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 12/09/2012).(grifos nossos).

A súmula 403 do STJ que tem o seguinte teor diz: “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.”.

Logo, caracterizada a veiculação da imagem com fim econômico, restará evidenciada a indenização, vez que não ouve a autorização da pessoa. Este é o entendimento sumulado e rigorosamente comprido pelos tribunais.

INDENIZAÇÃO - USO INDEVIDO DE IMAGEM -AUTORA FOTOGRAFADA PARA PUBLICAÇÃO EM REVISTA - REPUBLICAÇÃO DA MESMA FOTOGRAFIA, MUITOS ANOS DEPOIS, QUE DEPENDIA DE AUTORIZAÇÃO ESPECÍFICA, A QUAL NÃO RESTOU COMPROVADA NOS AUTOS - DEVER DE INDENIZAR QUE DECORRE DO PRÓPRIO USO DESAUTORIZADO DA IMAGEM, NÃO HAVENDO DE SE COGITAR DE PROVA DA EXISTÊNCIA DE PREJUÍZO

 

 

 

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OU DANO - AÇÃO JULGADA PROCEDENTE - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO.

(1233358620058260000 SP 0123335-86.2005.8.26.0000, Relator: Erickson Gavazza Marques, Data de Julgamento: 24/01/2012, 5ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 24/01/2012). (grifos nosso).

PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DIREITO À IMAGEM. IMPROCEDENTE. FOTOGRAFIA RETIRADA EM ESPAÇO PÚBLICO SEM IDENTIFICAÇÃO PESSOAL DO FOTOGRAFADO E SEM CARÁTER PEJORATIVO NÃO CAUSA DANO. SENTENÇA CONFIRMADA.

(9130790462005826 SP 9130790-46.2005.8.26.0000, Relator: AntonioVilenilson, Data de Julgamento: 19/04/2011, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/04/2011). (grifos nosso).

Cabe lembrar que a autorização de que se permite fotografar não necessita ser necessariamente expressa, há julgados no sentido de que ela pode esta implícita no comportamento do mesmo, uma vez que este pode se deixar fotografar, não ensejando, pois necessidade de autorização expressa.

Contudo, como ao longo deste trabalho foi destacado, não se pode estabelecer premissas absolutas, pois, apesar da jurisprudência ter posicionamentos consolidados sobre determinadas situações identificáveis, é a interpretação e avaliação a luz da concretude e singularidade do caso que o conflito será

 

 

 

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solucionado, até porque ambos os direitos em questões são positivamente fundamentais.

5. CONCLUSÃO

Pode-se afirmar que mesmo seguindo um padrão de raciocínio na solução dos conflitos destes direitos fundamentais, e possuindo, estes, as peculiaridades de cada caso, bem como, a interpretação que cada julgador terá é que de fato vai ser determinante para a solução das divergências que irão surgindo.

Isso acontece, como restou evidenciado ao longo deste artigo, porque as questões envolvidas possuem características peculiares e que dependem muito de interpretações que vão além do universo jurídico. Na ponderação de valores sempre um daqueles que se digladiam abrirá espaço para o outro, ou seja, naquela circunstância, um será levado mais em consideração que o outro.

O papel deste artigo foi a de analisar e levantar uma discussão sobre um tema que é cada dia mais atual e relevante para a comunidade jurídica. A revolução nas formas de se comunicar, bem assim, na tecnologia aplicada para tal fim tornou a situação ainda mais conflitante, necessitando averiguar a relação entre imagem e informação.

Os entendimentos mais atuais da doutrina e jurisprudência acerca dessa ponderação revelam que o interesse público é sempre privilegiado em relação à imagem; contudo como fora pincelado, faz-se necessária a correta compreensão e entendimento sobre o que seria este interesse público, e também de que a imagem veiculada corresponde com a verdade da situação; eis aí talvez, o maior problema encontrado pela jurisprudência, que deve utilizar mais uma vez do seu poder de interpretação e analise do caso concreto.

 

 

 

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Posto ademais se concluiu que, segundo estes entendimentos jurisprudenciais, não sendo identificado o interesse público na veiculação da imagem, ou sendo constatada sua aferição econômica, em ambas os casos sem autorização, é estritamente vedada à veiculação da imagem, sendo perfeitamente possível uma indenização a luz do que prega o nosso Código Civil.

Assim, mas do que nunca a interpretação de cada julgador se fará necessária com o fulcro de aplicar e ponderar esses direitos fundamentais na medida certa buscando sempre a solução mais justa e pacifica.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal. 1988.

CANOTILHO, J. J. Gomes e MOREIRA Vital.Fundamentos da constituição. Coimbra: Editora Coimbra, 1991.

CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Direito de Informação e Liberdade de Expressão. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris Editor, 1997.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro; v.1: teoria geral do direito civil. 27ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

DUVAL, Hermano. Direito à Imagem. São Paulo: Saraiva, 1988.

FACHIN, ZulmarAntonio. A Proteção Jurídica da Imagem. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999.

 

 

 

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GUERRA, Sidney Cesar Silva. A liberdade de impressa e o Direito à Imagem. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008.

MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2003.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2005.

 

 

 

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PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NA JUSTIÇA DO TRABALHO: ANÁLISE À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO STF E DO TST

VICTOR BARBOSA SANTOS: Advogado; Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (2013); Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade de Tecnologia de Palmas (2015); Aprovado em concursos para os cargos de Procurador do Estado da Bahia (2014), Procurador do Estado do Paraná (2015), Procurador do Estado do Piauí (2014), Procurador do Estado do Rio Grande do Norte (2015), Procurador do Município de Salvador (2015), Procurador do Município de São Paulo (2014), Procurador do Município do Recife (2014), Procurador do Município de Cuiabá (2014) e Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (2014).

RESUMO: Vislumbrando uma hipótese conciliatória dos entendimentos emanados pelo STF e pelo TST, passou-se a defender corrente intermediária segundo a qual a prescrição intercorrente é, em regra, inaplicável no processo trabalhista, mas ela incide quando a execução tiver que se dar por atuação exclusiva do credor e este se mantiver inerte.

Palavras-chave: Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Execução trabalhista, Jurisprudência por órgão

SUMÁRIO: Resumo e Palavras-chave - 1. Introdução – 2. Posicionamento do Supremo Tribunal Federal no que tange à aplicabilidade da prescrição intercorrente na justiça do trabalho – 3. Posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho no que tange à aplicabilidade da prescrição intercorrente na justiça do trabalho – 4. Terceira vertente: aplicabilidade da prescrição intercorrente apenas em algumas situações na justiça do trabalho – 5. Considerações finais. - Referências.

1. INTRODUÇÃO

 

 

 

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A prescrição é instituto a serviço da segurança jurídica e da pacificação social, tendo por função extinguir a pretensão de exigir um direito por parte daqueles que não o exercem durante determinado lapso temporal previamente estabelecido em lei[1].

Verifica-se, dessa maneira, que a prescrição não afeta o direito em si, mas tão somente a exigibilidade deste. Dito de outra maneira, o direito permanece hígido, mas não pode ser cobrado pelo seu titular.

Costuma-se identificar duas formas de prescrição: (i) aquisitiva, que cria direitos em razão do prolongamento de situações no tempo, como, por exemplo, a usucapião; e (ii) supressiva, que extingue a pretensão em virtude do transcurso temporal.

O objeto de estudo do presente capítulo será a prescrição supressiva, mais especificamente a prescrição intercorrente, que ainda hoje suscita intensos debates nas searas doutrinária e jurisprudencial no que tange à sua (in)aplicabilidade na Justiça do Trabalho.

A prescrição intercorrente ocorre no curso do processo executivo, quando este fica parado por muito tempo por culpa do exequente[2], e tem por escopo evitar a perpetuação da execução[3].

Adiante será analisada a prescrição intercorrente na justiça do trabalho, dando-se relevo ao conflito sedimentado na jurisprudência sumulada do Supremo Tribunal Federal - STF e do Tribunal Superior do Trabalho - TST.

2. POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO QUE TANGE À APLICABILIDADE DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NA JUSTIÇA DO TRABALHO.

 

 

 

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O Supremo Tribunal Federal tem súmula bastante antiga que afirma que a prescrição intercorrente é aplicável ao direito do trabalho:

Súmula nº 327 do STF: “O direito trabalhista admite a prescrição intercorrente.”.

Ademais, a Lei nº 11.051/04 alterou o art. 40 da Lei nº 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais), incluindo o parágrafo 4º em seu texto. Veja-se o teor do art. 40:

Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

§ 1º - Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.

§ 2º - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.

§ 3º - Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.

§ 4o Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)

§ 5o A manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no § 4o deste artigo será

 

 

 

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dispensada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato do Ministro de Estado da Fazenda. (Incluído pela Lei nº 11.960, de 2009). – destacou-se.

Vale ressaltar que o dispositivo supratranscrito se aplica de forma subsidiária ao processo do trabalho, de acordo com o art. 889 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, in verbis:

Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.

Assim, diante da aludida alteração legislativa, houve um revigoramento da antiga súmula nº 327 da Suprema Corte, de forma que o entendimento de que a prescrição intercorrente se aplica ao processo trabalhista tornou a ganhar forças.

No ponto, Ferreira Filho et al (2010, p. 431) assevera que: Como o art. 899 da CLT impõe a aplicação

subsidiária da LEF às execuções trabalhistas, e como, também, a Lei nº 11.280/2006, que alterou o § 5º do art. 219 do CPC, passou a permitir ao juiz, de ofício, decretar a prescrição., pode-se afirmar que, hoje, a prescrição intercorrente é fenômeno observado em todo o processo civil, incluindo o ramo trabalhista. E que, de certa forma, o enunciado da Súmula nº 327 do STF foi revigorado pelas recentes alterações do CPC e da LEF[4]. – destacou-se.

Dessa forma, partindo-se do pressuposto que a prescrição intercorrente se aplica no âmbito das execuções trabalhistas, deve-se analisar qual o lapso temporal necessário sua configuração.

 

 

 

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Nessa esteira, a súmula nº 150 do STF[5]afirma que a execução prescreve no mesmo prazo de prescrição da ação.

Cotejando o mencionado enunciado sumular com o inciso XXIX do art. 7º da Constituição Federal - que trata da prescrição das ações trabalhistas -, logo se verifica que a prescrição intercorrente ocorre após dois anos de inércia do exequente, o que equivale ao prazo que o empregado possui para pleitear verbas rescisórias na Justiça do Trabalho após o seu despedimento.

É o que destaca Correia (2015, p. 576): A prescrição intercorrente ocorre no curso da

execução, após o trânsito em julgado da sentença. Assim sendo, em razão da inércia do exequente, que deixou o processo paralisado por mais de 2 anos, houve a prescrição. A paralisação, portanto, do processo levaria à perda da exigibilidade do direito já conquistado via sentença judicial.

Destarte, adotando-se o entendimento no sentido da aplicabilidade da prescrição intercorrente ao processo do trabalho, verifica-se que o exequente – e aqui não importa que seja empregador ou empregado – que não der seguimento à sua execução no prazo supracitado, estará fadado a ter sua pretensão prescrita.

A situação, entretanto, não é tão simples. E isso porque o Tribunal Superior do Trabalho firmou posição em sentido contrário ao delineado no presente tópico, no que foi seguido por parte da doutrina. É o que se passa a expor a seguir.

3. POSICIONAMENTO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO NO QUE TANGE À APLICABILIDADE DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NA JUSTIÇA DO TRABALHO.

Primeiramente, cumpre ressaltar que o princípio do impulso oficial se aplica ao processo do trabalho, de forma que o juiz trabalhista pode dar início à execução de sentença de ofício[6].

 

 

 

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Em razão do aludido princípio o TST não admite a prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho. Com efeito, sua súmula nº 114 dispõe que “É inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente.”.

Nessa senda, confira-se ementa de recente julgado da lavra do TST, que reiterou a aplicabilidade do entendimento sumulado:

RECURSO DE REVISTA. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INAPLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO. SÚMULA Nº 114 DO TST. Viola o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, a decisão que extingue a execução trabalhista, aplicando a prescrição intercorrente. A despeito do período pelo qual o processo fora arquivado, a previsão de impulso oficial do art. 878 da CLT afasta qualquer necessidade de iniciativa do exequente para o efetivo cumprimento da sentença transitada em julgado. Razão pela qual, a prescrição intercorrente não se aplica, nos moldes da Súmula nº 114 do TST. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. – destacou-se.

(TST, 1ª T., RR - 104800-93.1995.5.02.0254, Rel. Min. Walmir Oliveira da Costa, DEJT 06.06.2014)

O TST sustenta sua posição, ainda, no fato de que o empregado – credor na imensa maioria dos processos trabalhistas – é hipossuficiente na relação jurídica trabalhista.

Por fim, argumenta-se que a falta de higidez econômica de diversas empresas, a deixar os empregados sem garantias de que receberão suas verbas rescisórias, fez com que a legislação brasileira conferisse ao juiz a incumbência de impulsionar o

 

 

 

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processo de execução na Justiça do Trabalho, de forma que fosse assegurada a efetividade de suas decisões.

Nesse sentido, o Ministro Lelio Bentes Corrêa afirmou, quando do julgamento do Recurso de Revista nº 104800-93.1995.5.02.0254, “que, pela falta de higidez econômica de empresas que surgem e desaparecem rapidamente no mercado, sem integralizar capital nem patrimônio, deixando os empregados a descoberto, é que a legislação brasileira confere ao juiz a incumbência de impulsionar o processo de execução na Justiça do Trabalho. É também para assegurar a efetividade das decisões judiciais que não se admite, pela dificuldade na execução, que o devedor possa, após o transcurso do período prescricional de dois anos, simplesmente requerer o arquivamento da ação[7].”.

4. TERCEIRA VERTENTE: APLICABILIDADE DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE APENAS EM ALGUMAS SITUAÇÕES NA JUSTIÇA DO TRABALHO

Vislumbrando uma hipótese conciliatória dos entendimentos emanados pelo STF e pelo TST, alguns doutrinadores passaram a sustentar a aplicabilidade da prescrição intercorrente, no processo do trabalho, apenas em algumas hipóteses.

Com efeito, conquanto sustentassem a inaplicabilidade - como regra geral - da prescrição intercorrente no processo trabalhista, passaram a defender sua aplicação quando a execução tiver que se dar por atuação exclusiva do credor e este se mantiver inerte.

É válido ressaltar que este entendimento, inclusive, foi encampado pelo TST em alguns casos, conforme se pode observar da ementa do AIRR 949/1990-008-05-40.3, a seguir colacionada:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. PROCESSO DE EXECUÇÃO. ARTIGOS DE LIQUIDAÇÃO. PRESCRIÇÃO BIENAL. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 5º, INCISOS LIV, LV, E 7º, INCISO

 

 

 

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XXIX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. INCIDÊNCIA DO ART. 896, § 2º, DA CLT, E DA SÚMULA 266, DO C. TST. A admissibilidade do Recurso de Revista, em Processo de Execução, depende de demonstração inequívoca de ofensa direta e literal à Constituição Federal, nos termos do artigo 896, § 2º, da CLT e da Súmula 266, do C. TST, o que não lograram demonstrar os Recorrente, na forma dos dispositivos constitucionais invocados. Com efeito, não se configura, in casu, violação direta e literal à Carta Magna, ante o posicionamento assumido pela Corte a quo, no tocante a aplicação ao caso da prescrição bienal estabelecida no artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal, desde que configurada a inércia dos Exequentes que, devidamente intimados pelo Juízo Executório, em 22/11/94, para promover a liquidação do Julgado, somente em 17/12/96, mais de 02 (dois) anos após, é que peticionam para apresentar Artigos de Liquidação visando comprovação de fatos novos. Este entendimento do Regional, no sentido da ocorrência da prescrição do próprio direito de Ação, atinente ao Processo Executório, não promove, repita-se, violação direta e literal ao artigo 7º, inciso XXIX, da Carta Magna, este de todo preservado. Agravo de Instrumento a que se nega provimento. – (destacou-se). (TST-AIRR-949/1990-008-05-40.3, Relator: Josenildo dos Santos Carvalho, Data de Julgamento: 09/11/2005, 2ª Turma).

 

 

 

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Diante do exposto, verifica-se que esta corrente mista busca harmonizar o entendimento há muito consolidado na Suprema Corte, no sentido da aplicabilidade da prescrição intercorrente no processo do trabalho, com o preceituado no art. 878 da CLT, que confere ao juiz do trabalho a possibilidade de impulsionar de ofício a execução trabalhista.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo foi abordado um tema que ainda causa muita polêmica entre os estudiosos do Direito processual do trabalho e na jurisprudência dos tribunais superiores, mormente o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior do Trabalho.

Viu-se que a Suprema Corte mantém vigente o entendimento consubstanciado em sua súmula nº 327, principalmente após a alteração legislativa que acrescentou o § 4º ao art. 40 da Lei de Execuções Fiscais, aplicável ao processo do trabalho em virtude da norma contida no art. 899 da CLT.

Ademais, analisou-se o entendimento prevalente do TST no que tange ao assunto ora analisado, sendo certo que esse colide frontalmente com a posição firmada pelo STF.

Por fim, verificou-se o surgimento de uma corrente mista, que procura contornar a divergência existente entre os tribunais superiores supracitados. Referida corrente parece bastante ponderada, sendo relevante a menção ao fato de que já fora acolhida em alguns julgados isolados do TST.

Espera-se que o Tribunal Superior do Trabalho passe a adotá-la de maneira incisiva, de forma a andar em consonância com a jurisprudência do Pretório Excelso.

REFERÊNCIAS

FERREIRA FILHO, Roberval Rocha. et al. Súmulas do Supremo Tribunal Federal. Organizadas por assunto, anotadas e comentadas. 3ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2010.

 

 

 

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LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 8ª Ed. São Paulo: LTr, 2010.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense; modelos de petições, recursos, sentenças e outros. 30ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010.

SARAIVA, Renato. Curso de direito processual do trabalho. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

______. Processo do trabalho. Série concursos públicos. 8ª Ed. São Paulo: Método, 2012.

SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. São Paulo: LTr, 2010.

NOTAS:

[1] A prescrição é sempre legal, ao contrário da decadência, que também pode ser convencionada pelas partes.

[2] Súmula nº 106 do STJ: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência.”.

[3] Nesse sentido, cf. Martins (2010, p. 789).

[4] No mesmo sentido, Saraiva (2010, p. 572-573) entende ser: “[...] plenamente possível a aplicação da prescrição intercorrente no processo do trabalho, principalmente em função do disposto no art. 40, § 4º da Lei 6.830/80 e das Súmulas 327 do STF e 314 do STJ.

[5] Súmula 150do STF: Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação.

[6] Art. 878 - A execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio Juiz ou Presidente ou Tribunal competente, nos termos do artigo anterior.

 

 

 

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[7] Excerto extraído do site www.tst.jus.br. Disponível em < http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/turma-confirma-que-prescricao-intercorrente-nao-se-aplica-a-justica-do-trabalho> Acesso em: 06.08.2015.

 

 

 

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O ACIDENTE DE TRABALHO E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR

WILMER CYSNE PRADO E VASCONCELOS NETO: Advogado. Graduado pelo Centro Universitário Christus (turma de 2012.1). Aprovado nos seguintes concursos: Procurador do Estado do Paraná e Procurador do Município de Salvador.

RESUMO: A presente pesquisa visa analisar a responsabilidade civil decorrente dos acidentes que ocorrem dentro de uma empresa. Assim, diante do constante crescimento dos acidentes laborais, busca-se esclarecer pontos indispensáveis para o estudo do tema. Ao longo do trabalho, pretendeu-se demonstrar os prejuízos que um acidente de trabalho acarreta para toda a sociedade, a legislação vigente no país sobre o tema, os princípios que asseguram os direitos dos trabalhadores, as noções de responsabilidade civil e a dicotomia existente em relação à espécie de responsabilidade civil que deve-se aplicar na indenização do trabalhador.

Palavras-chave: Acidente de trabalho. Meio ambiente de trabalho. Responsabilidade civil. Responsabilidade civil objetiva e subjetiva nos acidentes de trabalho.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto de estudo a responsabilidade civil do empregador nos acidentes laborais. Sendo, dessa forma, imprescindível a análise do conceito de acidente de trabalho que enseja a responsabilização do empregador, bem como das doenças ocupacionais, que, quando equiparadas ao acidente de trabalho, também gerarão os mesmos efeitos pra fins de responsabilização.

Desse modo, pode-se dizer que o tema em ora em análise desperta incessantes debates desde o início da civilização, uma vez

 

 

 

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que a preocupação com os acidentes de trabalho já existe desde os primórdios, como é o caso das corporações de ofício que já demonstrava interesse no tema, tendo em vista que já recolhia valores em forma de contribuições com o fim de custear os trabalhadores que sofressem acidentes, ficando incapacitados para o trabalho.

Com o passar do tempo e com a evolução da sociedade, as relações de trabalho foram ficando mais complexas, o que desencadeou na revolução industrial, que representou um marco histórico nessas relações. De modo que a intensificação do trabalho nas indústrias, bem como as precárias condições desse trabalho, tendo em vista a desvalorização do trabalhador como pessoa humana e a supervalorização do crescimento econômico, chamaram a atenção das autoridades e despertaram o interesse do povo, o que contribuiu para gerar, na sociedade brasileira, uma preocupação social com os riscos existentes no meio ambiente laboral.

Assim, é, nesse cenário de preocupação com o indivíduo, que surgem entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, cada vez mais inovadores, na busca constante por uma aplicação justa e eficaz do direito ao caso concreto.

A partir da premissa de que a saúde e a segurança são direitos fundamentais do trabalhador e, consequentemente, dever do empregador, justifica-se a importância do presente trabalho na necessidade de assegurar a essas pessoas os seus direitos básicos.

Assim, tem-se como objetivo principal o estudo do prejuízo que um acidente de trabalho pode causar para toda a sociedade, visto que um trabalhador inválido total ou parcialmente acarreta um ônus para toda a sociedade. Para isso, faz-se necessário estudar o ambiente de trabalho, seus conceitos e peculiaridades, a legislação

 

 

 

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que regulamenta o tema no país, bem como os instrumentos de que o empregador dispõe para proteção de seus empregados e as hipóteses que geram responsabilização daqueles.

É, nesse contexto, que se defende a imposição de uma responsabilidade civil mais alargada ao empregador, visto que é ele o responsável pelo meio ambiente de trabalho, devendo garantir, dessa forma, um local adequado, com condições mínimas para que o obreiro possa realizar suas atividades de forma segura e saudável.

1 DIREITO AO MEIO AMBIENTE LABORAL HÍGIDO X ACIDENTE DE TRABALHO

Tendo em vista a evolução da situação jurídica dos trabalhadores frente ao ambiente de trabalho, percebe-se o lento progresso rumo à fase da qualidade de vida dos empregados, onde se valoriza o bem-estar do trabalhador de forma ampla e, para atingir esse objetivo, faz-se necessário garantir um meio ambiente de trabalho seguro, limpo e harmônico, visto que é lá que os operários passam maior parte de suas vidas.

O homem passa a maior parte da sua vida útil no trabalho, exatamente no período da plenitude das suas forças físicas e mentais, daí porque o trabalho, freqüentemente, determina o seu estilo de vida, influência nas condições de saúde, interfere na aparência e apresentação pessoal e até determina, muitas vezes, a forma da morte. É o instrumental multidisciplinar, com certeza, dará mais condições de alcançar as melhorias necessárias para a segurança e a saúde do trabalhador.[1]

 

 

 

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Nesse sentido, sob o prisma dos direitos fundamentais, constata-se a evolução do direito ambiental com enfoque no meio ambiente de trabalho, de modo que, em 1972, com a Conferencia das Nações Unidas sobre o meio ambiente humano consagrou-se o pensamento de que o meio ambiente é um direito fundamental.[2]

No meio ambiente do trabalho, o bem jurídico tutelado é a saúde e a segurança do trabalhador, o qual deve ser salvaguardado das formas de poluição do meio ambiente laboral, a fim de que desfrute de qualidade de vida saudável, vida com dignidade [...].[3]

O direito fundamental ao meio ambiente é um direito de terceira geração, visto que esta se caracteriza por agrupar direitos de solidariedade e fraternidade, como o direito ao desenvolvimento, o direito ao patrimônio comum da humanidade, o direito à paz, o direito à autodeterminação dos povos e o direito à preservação do meio ambiente, passando, dessa forma, ao Estado o dever de respeitar interesses individuais, coletivos e difusos.

Nesse diapasão, a Constituição Federal consagrou em seu artigo 225, caput, o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem comum de toda a sociedade, havendo, assim, um rompimento com o pensamento individualista do Estado Liberal vigente até então.

Assim, a nossa Carta Magna busca garantir muito além de um bem-estar individual e social, pretende garantir à sociedade mundial um bem-estar ambiental, assim entendido como o direito a uma vida saudável com qualidade ambiental.

O meio ambiente, de acordo com a Lei 6.938/1981, artigo 3º, inciso I, é ´´o conjunto de condições, leis, influências e interações

 

 

 

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de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas``.

É importante salientar que o direito ambiental classifica o meio ambiente em quatro espécies, o meio ambiente natural ou físico, o meio ambiente cultural, o meio ambiente artificial e, o que nos interessa nesse tópico, o meio ambiente do trabalho.

Sobre o tema em debate, estabelece a Constituição Federal em seu artigo 200, inciso VIII que é dever do Sistema Único de SAÚDE – SUS – a proteção do meio ambiente do trabalho.

Desse modo, considerando que meio de ambiente de trabalho é o local onde o empregado realiza suas atividades laborais e que este é compreendido pelo conjunto de fatores internos e externos que influenciam na saúde física e mental do trabalhador, percebe-se a intrínseca relação existente entre ele e o meio ambiente gênero, visto que os danos causados ao meio ambiente laboral atingem diretamente a sociedade como um todo.

Com isso, o meio ambiente e o ambiente de trabalho aproximam-se com o fim de ampliar o conceito de saúde colocando como seu pressuposto a proteção ao meio ambiente laboral.

O meio ambiente do trabalho adequado e seguro é um dos mais importantes e fundamentais direitos do cidadão trabalhador, o qual, se desrespeitado, provoca agressão a toda a sociedade, que no final das contas, é quem custeia a previdência social.[4]

Nesse sentido, faz-se mister esclarecer que a proteção dada pela Constituição Federal ao meio ambiente, incluindo-o no rol dos direitos fundamentais, aplica-se ao meio ambiente de trabalho, depositando no empregador a responsabilidade pelas condutas

 

 

 

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lesivas ao meio ambiente, sujeitando-os a sanções de natureza penal, civil e administrativa.

[...] Pode-se dizer, pois, que nosso ordenamento constitucional elegeu novos valores, que o Direito Individual do Trabalho precisa com urgência assimilar, dentre os quais se destaca o dever do empregador de oferecer aos trabalhadores um meio ambiente de trabalho saudável e seguro. Cabe salientar que as Normas Regulamentadoras hoje existentes constituem um roteiro eficaz para a detenção de riscos ambientais do trabalho [...][5]

Cumpre destacar aqui alguns dispositivos legais constitucionais e infraconstitucionais garantidores da proteção ao meio ambiente de trabalho, como o capítulo da Consolidação das Leis do Trabalho que fala da segurança e medicina do trabalho, artigos 153 a 201, bem como o artigo 7º, incisos XXII e XXIII da Constituição Federal, que estabelece a redução dos riscos inerentes ao trabalho.

Assim, como forma de fundamentar a responsabilização do Estado e de toda a sociedade, principalmente do empregador, como será visto em capítulo seguinte, importante destacar a existência de vários princípios que embasam os deveres da sociedade perante o meio ambiente.

Destarte, no direito ambiental, destacam-se alguns princípios que visam à proteção do meio ambiente, como o princípio da prevenção, que estabelece o dever de evitar qualquer dano ao meio ambiente e o princípio da participação que estabelece que é dever tanto do Estado como da coletividade a preservação e a defesa do meio ambiente.[6]

 

 

 

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Frente a importância do meio ambiente de trabalho na vida da sociedade, destacam-se algumas formas de solução para o problema dadas por Raimundo Simão de Melo.

A solução desses problemas depende, antes de tudo, da conscientização de todos: do Estado, da coletividade (enfatizada a atuação da representação dos trabalhadores), das empresas, dos fabricantes, importadores e fornecedores de máquinas e equipamentos, o que deve passar antes por um processo educativo em todos os níveis (CF, art. 225, inciso VI). Além disso, devem as empresas desembolsar dinheiro para a adequação do meio ambiente dentro de níveis razoáveis, para se eliminar ou, ao menos, diminuir os riscos ambientais, como vem sendo a tendência nacional na eliminação dos riscos para a saúde do trabalhador.[7]

Assim, para chegar o mais próximo possível de um ideal de prevenção do meio ambiente é necessário manter os trabalhadores informados acerca dos riscos ambientais e das condições de trabalho, bem como proporcionar a eles a oportunidade de apresentar aos seus empregadores mecanismos para eliminar ou reduzir os riscos ambientais, tendo em vista que ele é que tem contato direto com o meio ambiente laboral.[8]

2 RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1 Evolução histórica da concepção de responsabilização

Nos primórdios, a justiça se fazia pelas próprias mãos, ou seja, aquele que sofria um dano, vingava-se do ofensor da maneira que quisesse, sem interferência de terceiros.[9]

 

 

 

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Em seguida, surge a fase em que o poder público passou a intervir nas relações privadas, autorizando ou proibindo que a justiça fosse feita com as próprias mãos. Assim, essa fase encontra assento no Código de Hamurabi, bem como no Código de Manu, onde se vingava um mal com outro mal da mesma espécie.[10]

Logo depois, surge uma fase em que se substitui a idéia de que um dano deve ser vingado com um mal da mesma espécie, pela possibilidade de se exigir um bem como forma de reparação pelo dano sofrido. Num segundo momento, passa a vigorar, por meio da Lei das Doze Tábuas, 450 a.C, o entendimento de que aquele que causasse um dano teria que pagar uma quantia ao ofendido, sendo esse valor previamente estabelecido em casos concretos por meio da referida lei.[11]

Numa próxima fase, conhecida como Lex Poetelia Papiria, século IV a.C, extingui-se totalmente a possibilidade de vingar o dano sofrido com as próprias mãos, sedimentando-se o entendimento de que é o patrimônio do ofensor que deve responder pelos danos por ele causado, e não ele pessoalmente.[12]

É, na Lei Aquília, criada por volta do século III a.C, que surge a concepção de culpa. Assim, por meio dessa lei, nasce a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Entretanto, a Lex Aquília não criou um princípio geral de responsabilidade civil, mas foi de suma importância para a evolução desse instituto, uma vez que substituiu a forma de reparação do dano, que passou de multas fixas para penas proporcionais ao dano causado, mensurado de acordo com a análise da culpa do agente.[13]

Destarte, foram sendo estabelecidos princípios que, especialmente com a influência do Código de Napoleão, de 1804, deram força para a aplicação da responsabilidade civil fundada na culpa em todo o mundo, surgindo um princípio geral que afirmava que aquele que causasse dano a alguém tinha o dever de repará-

 

 

 

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lo. Foi nessa fase que a responsabilidade civil passou a ser considerada um instituto jurídico fundamentado na culpa.[14]

O Código de Napoleão serviu de base para vários códigos civis modernos, inclusive o Código Civil brasileiro de 1916.[15]

Todavia, com o desenvolvimento econômico e social, as proporções e a quantidade de danos foram se intensificando e, na mesma medida, foi ficando cada vez mais difícil para as vítimas obterem a indenização devida, visto que ficava difícil provar a culpa do agente.[16]

Assim, foi nesse cenário que Raymond Saleilles e Louis Josserand publicaram obras defendendo a aplicação da teoria fundamentada na responsabilidade objetiva, sem culpa.[17]

Tendo em vista as dificuldades enfrentadas pelas vítimas dos acidentes laborais, foram surgindo novas teorias que mudava, o fundamento da responsabilidade, que agora passava a se configurar independente da comprovação da culpa, podendo-se concluir que a teoria subjetiva é aplicada de forma absoluta até o século XIX, porém, com o advento de um Estado social, no início do século XX, os doutrinadores começam a interpretar o instituto da responsabilidade civil sob outro ângulo, passando-se a dar prioridade ao ressarcimento do dano sofrido. [18]

A teoria do risco surgiu como principal fundamento da responsabilidade objetiva, que beneficiou os obreiros em detrimento dos seus patrões, que passaram a indenizar aqueles não em virtude de ter agido com dolo ou com culpa, mas pelo simples fato de ser dono do empreendimento, assumindo, assim, os riscos do mesmo.[19]

Baseada nos princípios da equidade, justiça e moralidade, a responsabilidade objetiva é vista como uma tendência no direito

 

 

 

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moderno, tomando o lugar da responsabilidade subjetiva, que baseada na culpa do empregador, dificulta bastante a efetiva reparação do ofendido e mostra-se insuficiente para atender aos anseios sociais.[20]

Entretanto, apesar de a teoria objetiva ter se tornado cientificamente autônoma, a regra geral ainda é a aplicação da responsabilidade civil fundada na culpa, porém, é cada vez maior o número de julgados que aplica a responsabilidade objetiva ao caso concreto.[21]

2.2 Conceito de responsabilidade civil

A responsabilidade civil do empregador no acidente de trabalho é fundamentada a princípio no artigo 7º, XXVII da Constituição Federal, desse modo, se baseia na responsabilidade civil do direito comum, restando evidente que para se chegar na responsabilidade civil do empregador, é necessário passar pelos princípios básicos da responsabilidade civil.[22]

A responsabilidade, assim entendida como o dever de indenizar os danos causados a terceiros, por fato próprio ou de terceiros, sob seu enfoque teleológico, pode ser considerada como um eficaz mecanismo de manutenção do equilíbrio social, pois permite o restabelecimento da diminuição causada ao patrimônio do lesado pelo causador do dano, quer se trate de patrimônio físico, moral ou material, por meio da sistemática da indenização.[23]

Assim, a responsabilidade civil tem o fim precípuo de restabelecer o equilíbrio existente antes do dano causado, ou seja, busca devolver àquele que sofreu o dano a situação fática moral e

 

 

 

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material existente antes de ser violada, violação esta que gera um dever legal para o seu agente.

[...] O dano causado pelo ato ilícito rompe o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vítima. Há uma necessidade fundamental de se restabelecer esse equilíbrio, o que se procura fazer recolocando o prejudicado no statu quo ante [...].[24]

Diante disso, importante destacar que responsabilidade civil é a ´´[...] sistematização de regras e princípios que objetivam a reparação do dano patrimonial e a compensação do dano extrapatrimonial causados diretamente por agente - ou por fato de coisas ou pessoas que dele dependam [...]``.[25]

Ainda sobre o conceito de responsabilidade civil, salienta-se a dificuldade de estabelecer um conceito exato, tendo em vista as diversas modalidades existentes no ordenamento jurídico brasileiro, que se estabelecem levando em consideração a conduta do agente e os aspectos abrangidos.

Para Maria Helena Diniz a responsabilidade civil é:

[...] A aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal [...]. [26]

Nesse contexto, ao se responsabilizar um indivíduo, pretende-se puni-lo e sancioná-lo, a fim de desestimulá-lo a repetir a conduta sancionada. Assim com a responsabilidade civil busca-se reparar

 

 

 

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as consequências do ato danoso, bem como manter a segurança jurídica da sociedade.

3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR NO ACIDENTE DE TRABALHO

3.1 Interpretação lógico-sistemática do art. 7º, XXVIII, da CF e a responsabilidade civil objetiva decorrente de acidente do trabalho

A responsabilidade civil objetiva ganhou força com a dificuldade em provar a culpa do empregador nos acidentes de trabalho, o que fazia com que o empregado e seus familiares ficassem desamparados.

Assim, o fundamento da indenização, nesses casos, encontra-se no princípio que norteia o direito do trabalho, que é o principio protetivo do empregado cumulado com o princípio da dignidade da pessoa humana, que juntos buscam assegurar ao trabalhador uma indenização mais justa.

Com isso, diante das peculiaridades das relações trabalhistas, que se configuram principalmente em razão da hipossuficiência do empregado frente ao empregador, entende-se que a responsabilidade civil baseada no direito comum não satisfaz às necessidades dessa relação, devendo o legislador juntamente com o aplicador do direito buscar novas soluções capazes de garantir à vitima o ressarcimento adequado pelo dano sofrido.

É diante dessa busca pela correta aplicação da norma ao caso concreto que surge a divergência doutrinária acerca de qual o tipo de responsabilidade civil deve-se aplicar, no caso concreto, na ocorrência de um acidente de trabalho.

 

 

 

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O artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal estabelece a responsabilidade civil subjetiva do empregador em casos de infortúnios trabalhistas, não prevendo nenhuma ressalva ou exceção de acordo com o tipo de atividade desenvolvida.

Entretanto, diante da concepção de que as normas jurídicas devem acompanhar a evolução social, constata-se a necessidade de os doutrinadores e aplicadores da lei enxergarem o ordenamento jurídico como um todo, de forma que possibilite a sua interpretação ampla capaz de alterar o significado de algumas normas a fim de aplicá-la de forma eficaz ao caso concreto.

Nesse sentido, o Código Civil de 2002 previu, no seu parágrafo único, do artigo 927, a possibilidade de aplicação da responsabilidade civil objetiva em casos de atividade de risco no meio ambiente laboral, despertando nos doutrinadores e aplicadores da norma a dúvida sobre qual norma aplicar.

Destarte, diante dessa ideia, José Cairo Júnior interroga:

A indagação que surge neste momento é a seguinte: o retrocitado dispositivo legal, prevendo a responsabilidade objetiva, poderá ser aplicado às relações de trabalho, mesmo em conflito com o disposto no artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal de 1988, que só admite a responsabilização direta do empregador quando este agir com dolo ou culpa?[27]

Assim, visando respeitar o princípio protetivo do trabalhador e a dignidade da pessoa humana, os legisladores, juntamente com os doutrinadores, buscam, por meio de uma interpretação lógico-sistemática, aplicar a responsabilidade civil objetiva na atividade de risco, acarretando o dever de reparar àqueles que causarem dano aos seus empregados independente de verificação de culpa.

 

 

 

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Tratando-se de norma mais favorável para o trabalhador, posto que exclui o elemento subjetivo da responsabilidade civil, a regra contida no Código Civil teria preferência na aplicação ao caso concreto, em detrimento da norma constitucional que exige a culpa ou dolo para reconhecer a responsabilidade civil do empregador em caso de acidente do trabalho.

Ora o direito do trabalho surgiu com o objetivo de, criando uma desigualdade jurídica inclinada para a proteção do operário, equilibrar a desigualdade existente na relação fática entre empregado e empregador, que pende para este último. Trata-se do princípio da proteção do qual deriva o princípio da norma mais favorável.[28]

Ao contrário do direito comum, que defende a isonomia entre as partes, o direito do trabalho nasceu com o fim precípuo de dar amparo à parte mais fraca da relação trabalhista, que é o trabalhador.

O princípio de proteção se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador. Enquanto no direito comum uma constante preocupação parece assegurar a igualdade jurídica entre os contratantes, no Direito do Trabalho a preocupação central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes.[29]

 

 

 

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Em virtude disso, decorre do direito do trabalho a possibilidade de aplicação da norma mais favorável à relação existente entre empregador e empregado, uma vez que esses encontram-se em situação de desigualdade, onde o mais forte é o empregador, surgindo daí o princípio protetivo do trabalhador, o qual possibilita uma interpretação do ordenamento jurídico compatível com situação de desvantagem do empregado, ou seja, a aplicação da norma mais favorável.

Entretanto, há quem entenda que a aplicação do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil vai de encontro com norma expressa da Constituição Federal, que estabelece como requisito da indenização a comprovação da culpa do empregador, artigo 7º, inciso XXVIII, visto que possibilitaria a aplicação de uma norma inferior em detrimento da norma constitucional.

Porém, faz-se mister destacar a previsão legal contida no caput do artigo 7º da Constituição Federal, que estabelece que ``são direitos dos trabalhadores, além de outros que visem à melhoria de sua condição social``. Dessa forma, referido dispositivo defende que os direitos dos trabalhadores não estão limitados àquele estabelecidos no citado artigo, ao contrário, prevê que qualquer outra previsão legal, de qualquer natureza, que traga um maior benefício ao trabalhador, deverá ser aplicada.

Nem se diga, contudo, que o parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil é inconstitucional por suposta afronta à parte final do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal. A melhor exegese sistêmica da ordem constitucional garante legitimidade ao parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, uma vez que o caput do art. 7º da Constituição Federal assegura um rol de direitos mínimos sem

 

 

 

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prejuízo de outros que visam a melhor condição social do trabalhador.[30]

No mesmo sentido, estabelece Raimundo Simão de Melo.

[...] não se podendo olvidar que a própria Constituição deixa claro que os direitos nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e princípios por ela adotados (art. 5º, § 2º), o que afirma a necessidade de buscar uma interpretação sistemática e uniforme dos seus preceitos. Portanto, quando o referido inciso XXVIII alude à culpa ou dolo do empregador como fundamento da responsabilidade civil pelos acidentes de trabalho, não está estabelecendo a responsabilidade subjetiva como questão fechada, porque parece óbvio, do quanto disposto nocaput do art. 7º, que o legislador ordinário está autorizado a criar e modificar os direitos inscritos nos seus incisos, desde que como melhoria para os trabalhadores.[31]

Assim, diante da importância do princípio da proteção para o direito do trabalho, não aceitar essa interpretação das normas constitucionais é ir de encontro a tudo aquilo que o Direito do Trabalho defende.

3.2 Nexo Técnico Epidemiológico e o Fator acidentário de Prevenção

Cumpre destacar que o NTEP surgiu com a Lei 11.430/2006, estabelecendo que, para identificar o nexo causal das doenças ocupacionais, a perícia do INSS deverá levar em consideração dados estatísticos, ou seja, sendo o trabalhador atingido por uma

 

 

 

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doença ocupacional, deve-se verificar se há relação entre a enfermidade e a atividade desenvolvida por ele em seu local de trabalho, tendo por base a quantidade de infortúnios semelhantes diagnosticados em outros empregados que desenvolvam a mesma atividade.[32]

Assim, constatado o nexo de causalidade entre a doença que acomete o empregado e a atividade por ele desenvolvida, por meio da verificação do auto grau de incidência da referida doença em determinado ramo de atividade, haverá uma inversão do ônus da prova em favor da vítima, visto que a doença será considerada ocupacional, equiparando-se ao acidente de trabalho.

Por exemplo, o perito do INSS, ao examinar um trabalhador, diagnostica a presença da doença denominada de síndrome do túnel do carpo, cujo CID-10 é G 56.0 e tem como agente etiológico ou fator de risco as posições forçadas e gestos repetitivos (CID – 10 Z.57.8). Se o trabalhador/segurado é empregado de uma empresa que tenha o Código Nacional de Atividade Empresarial relacionado com a ocorrência frequente de determinada enfermidade, o perito do INSS concluirá pela concessão do benefício do auxílio-doença acidentário (B-91), pela aplicação do NTEP. (grifos nossos)[33]

Antes do advento da Lei 11.430/2006, o nexo causal entre a enfermidade e a atividade desenvolvida, no meio ambiente laboral, era determinado por um perito do INSS, que examinava, individualmente, cada caso, decidindo de acordo com o seu convencimento sem levar em consideração casos semelhantes ocorridos previamente.

 

 

 

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Antes da criação do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário, a identificação do nexo entre o meio ambiente de trabalho e a enfermidade (Nexo Técnico Previdenciário) efetivava-se através dos procedimentos estabelecidos pelo art. 337 do Regulamento da Previdência Social (Decreto n. 3048/99): Art. 337. O acidente de que trata o artigo anterior será caracterizado tecnicamente pela perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social, que fará o reconhecimento técnico do nexo causal entre: I – o acidente e a lesão; II- a doença e o trabalho; e II- a causa mortis e o acidente. Cabia ao perito-médico do INSS identificar, de forma individual, a relação existente entre a enfermidade e atividade desenvolvida pelo obreiro no seu local de trabalho, sem levar em consideração o número de eventos semelhantes diagnosticados entre os trabalhadores da mesma empresa.[34]

Destarte, referida presunção relativa do NTEP, aplicada pelo perito do INSS, também deve ser levada em consideração nas ações de indenização trabalhista, uma vez que resta provada a caracterização do acidente de trabalho, como consequência de condições ambientais de trabalho que apresentam risco para a saúde e segurança do trabalhador.

Com isso, é cediço concluir que a configuração do NTEP enseja claramente a aplicação do parágrafo único, do artigo 927, do Código Civil para fins de responsabilização do empregador nas ações de indenização acidentária.

É possível chegar a tal entendimento, uma vez que, nas hipóteses em que se constatar a ocorrência de doença ocupacional

 

 

 

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baseada em estatísticas epidemiológicas, pressupõe-se que a atividade desenvolvida é de risco, devendo o empregador ser responsabilizado independentemente de verificação da sua culpa, exceto nos casos de culpa exclusiva da vítima, caso fortuito e força maior.[35]

Faz-se mister destacar ainda o Fator Acidentário Previdenciário, mecanismo que surgiu com o advento da Lei 6.042/2007 e que tem como objetivo principal estimular os empresários a aplicar, nos seus estabelecimentos, medidas condizentes com a saúde e segurança de seus trabalhadores.[36]

Assim, importante esclarecer que o seguro contra acidente de trabalho é pago pelo empregador, levando em consideração o nível do risco da empresa para a saúde do empregado, assim classificado em leve, médio e grave, ensejando contribuições de 1%, 2% e 3%, respectivamente, de acordo com o artigo 22 da Lei 8.212/91.[37]

O Fator Acidentário Previdenciário incide diretamente no cálculo do valor dessa contribuição, podendo referido valor diminuir em até cinquenta por cento ou aumentar em até cem por cento, conforme o desempenho das empresas levando em consideração outras que desenvolvam a mesma atividade.[38]

Resta claro, portanto, o papel preventivo que exerce o Fator Acidentário Previdenciário nas relações de trabalho, uma vez que as empresas que atenderem às regras de saúde e segurança serão premiadas com a redução do valor a ser pago e, em contrapartida, as empresas que desobedecerem as regras, arcarão com alíquotas mais elevadas.

3.3 Meio ambiente do trabalho e responsabilidade civil objetiva

O estudo do meio ambiente inclui o meio ambiente do trabalho, como prevê o artigo 200, VIII da Constituição. Nesse sentido, a CF

 

 

 

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assegura a todos o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado [art. 225].

Buscando o reconhecimento dos direitos fundamentais minimamente assegurados pela nossa Carta Magna, o princípio da dignidade da pessoa humana, como corolário do respeito à vida e à integridade física e moral do ser humano, fundamenta o direito do trabalhador de trabalhar em um ambiente onde lhe seja assegurada a sua integridade física e moral.

Desse modo, quando se trabalha na busca do meio ambiente de trabalho adequado, efetiva-se, consequentemente, o direito à vida e à saúde dos trabalhadores.

Os fundamentos constitucionais da proteção ao meio ambiente do trabalho têm como fulcro a dignidade da pessoa humana, erigindo o ambientalismo como direito fundamental da pessoa humana. A qualidade do meio ambiente constitui-se, dessa forma, um bem ou patrimônio, cuja preservação, recuperação e revitalização tomam-se um imperativo do Estado.[39]

Assim, é dado ao Estado o dever de proteção do meio ambiente, que o faz com a elaboração de normas de saúde e segurança do trabalhador e por meio da fiscalização feita por Auditores Fiscais do Trabalho.

Entende-se por meio ambiente de trabalho o conjunto de bens móveis ou imóveis utilizados na atividade laboral, ou seja, o local interna ou externamente considerado, onde os trabalhadores desempenham suas atividades, assim englobado pelas condições básicas de higiene necessárias para preservar a saúde e a segurança dos obreiros inseridos nesse ambiente.

 

 

 

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Isso posto, advém desse conceito a interpretação de que devem ser aplicadas ao meio ambiente laboral as mesmas normas aplicas ao meio ambiente geral.

Defendemos, portanto, que todos os avanços obtidos no campo do Direito Ambiental devem ser estendidos para beneficiar o trabalhador e o meio ambiente do trabalho. Não faz sentido a norma ambiental proteger todos os seres vivos, mas não contemplar o trabalhador, o produtor direto dos bens de consumo, que, muitas vezes, se consome no processo produtivo, sem a proteção legal adequada.[40]

No azo, entende-se que todas as normas que visam proteger o meio ambiente devem ser, da mesma maneira, aplicadas ao meio ambiente de trabalho, inclusive as que tratam da responsabilidade civil objetiva do causador do dano. A nossa Carta Magna estabelece que aquele que causar dano ao meio ambiente, aqui também incluído o meio ambiente de trabalho, responderá civilmente independente da comprovação da culpa.

Ocorre, porém, que há entendimentos doutrinários e jurisprudenciais contrários à aplicação da responsabilidade objetiva em caso de dano ao meio ambiente do trabalho, fundamentando esse entendimento no artigo 7º, XXVIII, da CF.

Entretanto, pelas mesmas razões supracitadas no tópico anterior, o artigo 7º, inciso XXVIII, da CF deverá ser analisado em consonância com o dispositivo constitucional que estabelece a responsabilidade objetiva do causador do dano, artigo 225 da CF, uma vez que este é mais benéfico ao empregado.

Estamos convictos de que não se pode fazer uma leitura tópica isolada do inciso XXVIII do

 

 

 

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art. 7º da Constituição, como o fazem a doutrina e jurisprudência tradicionais. É necessário buscar uma interpretação desse dispositivo em conjunto e de forma harmônica com o disposto no § 3º do art. 225 da mesma Lei Maior.

Com efeito, sem abstração da possibilidade de inconstitucionalidade daquele, deve-se procurar para o caso vertente, adotando os princípios da unidade e da harmonização das normas constitucionais, soluções de lege lata e de lege frenda, estas ultimas, com a alteração do texto do inciso XXVIII para dele se excluir a idéia de culpa e, assim, compatibilizá-lo por completo com a regra geral do § º do art. 225, que se trata mesmo de uma norma de maior amplitude ou, como diz Bachof, de uma norma supralegal.

A solução definitiva para a questão é o reconhecimento da responsabilidade na modalidade objetiva por todo e qualquer tipo de indenização por acidente de trabalho, seja a cargo da Previdência Social, do empregador ou de eventual segurador privado, levando-se em conta o risco criado, como tendência inafastável do Direito contemporâneo.[41]

Nesse sentido, Raimundo Simão de Melo estabelece com maestria que a aparente antinomia existente entre as normas constitucionais deve ser solucionada com base nos princípios da unidade e da harmonização, que defendem a aplicação do direito de forma conjunta, visto que uma norma jurídica analisada isoladamente, fora do ordenamento jurídico, é desprovida de significado. Assim, o referido artigo 225, § 3º da Constituição, em virtude de sua abordagem mais ampla, deve ser aplicado em todos

 

 

 

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os casos de infortúnios laborais, consolidando-se a responsabilidade objetiva.

Cabe ainda destacar que, conforme a doutrina que defende a aplicação da responsabilidade objetiva, não só o supracitado dispositivo constitucional deve ser aplicado nesses casos, mas todo os dispositivos legais que disciplinam o meio ambiente, como o artigo 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, que impõe ao poluidor o dever de reparar ou indenizar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, independente da comprovação de sua culpa.

3.4 Responsabilidade do empregador por fato de terceiro

É bastante discutida, na doutrina, a questão da responsabilidade do empregador quando um empregado causa dano a outro, seja por discussão, seja por agressões físicas, ou por qualquer outro motivo.

Em regra, a responsabilidade civil recai sobre aquele que praticou o ato, a conduta ilícita, o que se entende por responsabilidade direta, como o próprio nome sugere. Todavia, o Código Civil estabeleceu a possibilidade de aplicação da responsabilidade indireta, ou seja, aquele que não concorreu para o dano deverá repará-lo no lugar daquele que o praticou diretamente, mas somente nos casos previsto em lei.

Assim, referido fato de terceiro ocorre quando uma pessoa, estranha a relação empregado-empregador, pratica ato que provoca um acidente de trabalho. Desse modo, apesar do agente ser entranho a relação trabalhista, a sua conduta causadora do acidente decorre da relação de trabalho entre empregado e empregador.

 

 

 

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De modo que, se em virtude de uma discussão no ambiente laboral, um empregado dá um murro no outro lhe causando danos, restará configurado o acidente, devendo ser tratado como tal.

Com isso, em virtude do disposto no artigo 932, III, do Código Civil, que estabelece que o empregador é civilmente responsável pelos atos dos seus empregados serviçais e prepostos no exercício laboral ou em razão do mesmo, surge a divergência que mitiga a quebra do nexo causal nos casos de fato de terceiro.

[...] as disposições do art. 932, inciso III, do Código Civil estabelecem a responsabilidade objetiva do empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele. Nesse caso, deve o empregador responder integral e objetivamente pelos danos que, sob a forma supra, vier a causar à saúde de seus empregados.[42]

Com o mesmo entendimento Raimundo Simão de Melo estabelece que se extrai dos dispositivos legais a possibilidade de se responder por ato de terceiro ainda que não se tenha concorrido para a conduta danosa, responsabilidade objetiva.

Deflui dos dispositivos legais mencionados que alguém, mesmo não tendo praticado diretamente ato danoso para outrem, pode ter que responder pelas consequências desse ato, praticado por um terceiro com quem mantenha alguma relação jurídica estabelecida por lei ou contratualmente, sendo essa responsabilidade de natureza objetiva (art. 933).[43]

 

 

 

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Assim, é possível concluir, por meio da leitura do artigo 933 do Código Civil, que o empregador, além de responder pelos atos de terceiros, ainda terá que responder objetivamente pelo ato daquele, devendo ser provado somente o dano e o nexo causal entre o dano e o fato de terceiro.

Em sentido contrário, defende José Affonso Dallegrave Neto que além do dano e do nexo causal, deve o empregado que sofreu o infortúnio provar que o terceiro, agente causador do dano, agiu com culpa em sentido amplo.

O terceiro (vítima) terá sempre que provar o dano e o nexo causal, ou seja, que a lesão se deu por ato culposo do preposto da empresa. O que se presume legalmente é a culpa (in vigilando ou in eligendo) do empregador e não a do empregado.[44]

Destarte, tendo em vista a relação contratual existente entre empregado e empregador, bem como os dispositivos 932, III, e 933 do Código Civil, a responsabilidade civil do empregador por fato de terceiro é objetiva.

CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto no presente trabalho, percebe-se, em virtude da importância da matéria, bem como da sua complexidade, que foi levantada a questão para uma maior reflexão, tendo em vista que, apesar de ter importância fundamental para a preservação da dignidade da pessoa humana do trabalhador, ainda é muito controvertida a posição dos legisladores e dos aplicadores do direito em relação ao tema.

Assim, apesar de todo o aparato legislativo dispensado ao empregado, ou seja, apesar de existirem princípios destinados à

 

 

 

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proteção do empregado [o princípio da proteção do trabalhador e o da dignidade da pessoa humana], bem como normas de saúde e segurança do trabalhador, ainda é grande a ocorrência de acidentes laborais.

Com isso, verifica-se que a aplicação das normas protetoras do trabalhador ainda é pequena, ensejando a ocorrência freqüente de acidentes, o que acarreta a necessidade premente de a sociedade se mobilizar no sentido de tomar alguma atitude capaz de frear o desejo compulsivo dos empresários de lucrar mais e mais em detrimento dos direitos humanos dos seus empregados.

Todo desenvolvimento do trabalho teve como cerne analisar qual a espécie de responsabilidade civil deve ser aplicada na ocorrência de um infortúnio laboral. Assim, aqueles que se mostram adeptos à aplicação da responsabilidade subjetiva fundamentam seus posicionamentos principalmente no artigo 7º, inciso XXVII, da Constituição Federal, defendendo que a aplicação de uma responsabilidade objetiva, nesses casos, violaria diretamente norma expressa da CF.

Entretanto, com o apoio de muitos doutrinadores, bem como do entendimento de vários tribunais regionais, defende-se, aqui, que os acidentes de trabalho e as doenças ocupacionais a ele equiparadas devem ser indenizados com fundamento na responsabilidade civil objetiva do empregador, com exceção dos casos de excludentes do nexo causal, como caso fortuito, força maior e culpa exclusiva da vítima.

Na contramão do que defende a corrente contrária, a aplicação da responsabilidade objetiva não contraria nenhum preceito constitucional, visto que a Constituição defende, no caput do artigo 7º, a aplicação da norma mais favorável ao empregado, estabelecendo o disposto naquele artigo como um mínimo legal a ser aplicado ao trabalhador.

 

 

 

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Nesse sentido, é fácil perceber que a aplicação da responsabilidade objetiva é mais favorável ao empregado, uma vez que em virtude de sua hipossuficiência, já reconhecida pelo Direito do Trabalho, torna-se mais fácil provar a ocorrência do infortúnio, acarretando indenizações mais justas e capazes de sancionar de forma efetiva os empregadores.

Essa questão exige uma ampla discussão, entretanto, não resta dúvida que a aplicação da responsabilidade objetiva diminuiria o número de acidentes laborais, de modo que a certeza do dever de pagamento de indenizações pelos empregadores os levaria a repensar suas atitudes e a investir mais na prevenção.

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NOTAS:

 

 

 

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 ‐ 1984‐0454 

[1] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador. 5. ed. São Paulo: Ltr, 2010.

[2] FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de.Direito Ambiental e a Saúde dos Trabalhadores. 2. ed. São Paulo: Ltr, 2007.

[3] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo: Ltr, 2010, p. 1079.

[4] MELO, Raimundo Simão de. Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador. 3. ed. São Paulo: Ltr, 2008, p. 27.

[5] FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de, op. cit., p. 56.

[6] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Meio ambiente do trabalho e direitos fundamentais: responsabilidade civil do empregador por acidentes do trabalho, doenças ocupacionais e danos ambientais.Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, Porto Alegre, ano 35, n.136, p 34 – 50, jan. 2010.

[7] MELO, Raimundo Simão de, op. cit., p. 59.

[8] Ibid.

[9] Ibid.

[10] Ibid.

[11] Ibid.

[12] Ibid.

[13] Ibid.

[14] Ibid.

[15] Ibid.

[16] Ibid.

 

 

 

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[17] Ibid.

[18] Ibid.

[19] Ibid.

[20] Ibid.

[21] Ibid.

[22] CECILIA, Silvana Louzada Lamattina.Responsabilidade do empregador por danos à saúde do trabalhador. São Paulo: Ltr, 2008, p.43.

[23] Ibid., p. 50.

[24] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 13.

[25] DALLEGRAVE NETO, José Affonso.Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho. 4.ed. São Paulo: LTr, 2010, p.100.

[26] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 23.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.34.

[27] CAIRO JÚNIOR, José. O Acidente de trabalho e a responsabilidade civil do empregador.4. ed. São Paulo: Ltr, 2008, p. 106.

[28] Ibid.

[29] RODRUIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1993, p. 28.

[30] DALLEGRAVE NETO, José Affonso, op. cit., p. 392.

[31] MELO, Raimundo Simão de, 2004 apud GAMBA, Juliane Caravieri Martins. Responsabilidade civil objetiva do empregador pelos danos à saúde do trabalhador: visão constitucional do meio ambiente do trabalho. Revista de direito constitucional e

 

 

 

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internacional, São Paulo, ano 18, n. 71, p. 127- 164. abr./jun. 2010.p.160.

[32] DALLEGRAVE NETO, José Afonso. Nexo técnico epidemiológico e seus efeitos sobre a ação trabalhista indenizatória. Revista do Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região, Belo Horizonte, v. 46, n. 76, p. 143- 153. jul./dez. 2007.

[33] CAIRO JÚNIOR, José, op. cit., p. 74.

[34] Ibid, p. 73.

[35] DALLEGRAVE NETO, José Afonso, op. cit.

[36] Ibid.

[37] SANTOS, Marco Fridolin Sommer. Acidente do trabalho entre a seguridade social e a responsabilidade civil. 2.ed. São Paulo: Ltr, 2008.

[38] Ibid.

[39] SANTOS, Enoque Ribeiro dos,Responsabilidade objetiva e subjetiva do empregador. 2. ed. São Paulo: Ltr, 2008, p. 167.

[40] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de, op. cit., p.119.

[41] MELO, Raimundo Simão de, op. cit., p. 276.

[42] Ibid. p. 94.

[43] MELO, Raimundo Simão de, op. cit., p. 301.

[44] DALLEGRAVE NETO, José Affonso, op. cit., p. 250.

 

 

 

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O FRACIONAMENTO LÍCITO DE PRECATÓRIOS

RAFAELLO LAMBOGLIA MEDEIROS CORREIA: Advogado militante, com atuação nas áreas cível e previdenciária. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará - UFC e especialista em Direito e Processo Constitucional. Aprovado nos concursos públicos para provimento de cargo de Procurador do Município de São Paulo - SP (PGM/SP 2014), de Procurador do Estado do Paraná (PGE/PR 2015) e de Analista Judiciário, com área de especialidade em Execução de Mandados, do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJ/CE 2014);

RESUMO: Trata-se, genericamente, de estudo que perpassa sobre breve análise acerca da sistemática de precatórios, em especial, o seu regramento conferido pela Constituição Federal de 1988, a sua razão finalística, a causa para a sua existência, bem assim as hipóteses em que é aplicável, com enfoque, a despeito da disposição constante do artigo 100, §8º, da Constituição Federal de 1988, para a possibilidade, ou não, de fracionamento de precatórios nas hipóteses em que a Fazenda Pública, respondendo execução de pagar quantia contra ela movida, opõe embargos parciais, caracterizados estes por pretenderem desconstituir apenas parte do título, ante a alegação de excesso de execução, deixando incontroversa, a partir de então, parte da quantia perseguida pelo credor da Fazenda.

Palavras-chave: Precatório. Sistemática. Regramento. Aplicação. Finalidades. Fracionamento. Possibilidade. Execução. Fazenda Pública. Embargos parciais. Intuito fraudulento. Inocorrência.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. A sistemática do precatório – 3. O fracionamento vedado pela Constituição Federal de 1988 – 4. O fracionamento lícito de precatórios – 5. Considerações finais.

1. INTRODUÇÃO

 

 

 

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O presente estudo, ao mesmo tempo em que explicitará o funcionamento do regime de precatórios, cuidará, ao diante, de estabelecer os limites e os parâmetros para a correta aplicação do artigo 100, §8º, da Constituição Federal de 1988, que, convém adiantar, veda o fracionamento, a repartição ou a quebra do valor da execução para fins de desvirtuamento da sistemática de precatórios, prevista esta na Carta da República como uma garantia tanto ao Poder Público, cujos bens não estarão passíveis de penhora, quanto ao credor do Estado, que, em caso de eventual inadimplemento da Fazenda, tem a seu favor diversos mecanismos de proteção do seu direito.

Sendo a impossibilidade de fracionamento do precatório a regra, premente investigar, portanto, quais seriam as suas eventuais exceções, os casos em que, muito embora o pagamento, ou o valor representativo da execução restasse dividido em mais de uma parcela sem que isto necessariamente configurasse burla à sistemática de execução contra a Fazenda Pública idealizada pelo constituinte.

E é para a aferição de tais conclusões que se prestará este estudo, notadamente nos casos em que, em meio ao processo de execução de título judicial movido em face do Estado, este opõe embargos sob o argumento de excesso do valor da execução, de sorte a tornar incontroversa parte do valor perseguido pelo exequente, apesar de remanescer a discussão com relação à outra parcela da dívida.

Como restará delineado no transcorrer deste capítulo, os embargos parciais opostos pela Fazenda Pública não seriam suficientes para suspender toda a execução e impedir a expedição do precatório da parcela incontroversa, justamente porque, com relação a esta parte da execução, não há mais qualquer discussão entre as partes, tendo, por isso mesmo, ocorrido o trânsito em julgado da referida parcela, marco temporal autorizador da expedição de precatório contra o Poder Público, nos termos do próprio artigo 100, da

 

 

 

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Constituição Federal, não havendo que se falar em violação do §8º do mesmo dispositivo.

2. A SISTEMÁTICA DO PRECATÓRIO

A Fazenda Pública, nos casos em que, litigando em juízo, seja condenada ao cumprimento de determinada obrigação de pagar, não se submete ao rito executivo previsto para a realização de direitos entre particulares. Ao revés, goza de certos e relevantes privilégios para fazer frente ao pagamento pretendido pelo credor, o que, no final das contas, acaba por redundar na formulação e estruturação de uma sistemática própria de execução e pagamento para os casos em que a Fazenda Pública figure como devedora da relação.

Trata-se do regime de precatórios, instituído e disciplinado no artigo 100 da Constituição Federal de 1988[1], consistindo, nada mais nada menos do que em uma ordem judicial de inclusão, no orçamento do Ente devedor, da quantia necessária ao pagamento integral da dívida cujo pagamento compete ao Poder Público.

Segundo explicita Harrison Leite, em sua obra, o precatório:

Consiste numa requisição formal de pagamento em que o Poder Público é condenado judicialmente a realizar. Dito de outro modo, o precatório é ato jurisdicional de cunho mandamental, decorrente de decisão judicial transitada em julgado contra a Fazenda Pública. Seu montante se constitui em dívida consolidada do Poder Público correspondente.

Desse modo, com o Executivo envia o Projeto da LOA até 31 de agosto, tem como, em tese, se organizar para receber os precatórios em até 1º de julgo e organizar a sua inclusão para efetuar o

 

 

 

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pagamento até o final do ano seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente [2].

Em linhas gerais, a sistemática de precatórios acaba por exercer forte influência e por delimitar o próprio regime jurídico aplicável aos bens públicos, já que a obrigatoriedade de o pagamento ser feito por meio de precatório, que é fato imposto pela própria Constituição Federal, implica na impenhorabilidade dos bens de titularidade do Poder Público, não podendo ser objeto de expropriação em processo executivo.

Nesse sentido leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:

4. Os bens públicos, no Direito brasileiro, marcam-se pelas seguintes características de regime:

(...).

b) Impenhorabilidade – bens públicos não podem ser penhorados. Isto é uma consequência do disposto no art. 100 da Constituição. Com efeito, de acordo com ele, há uma forma específica para a satisfação de créditos contra o Poder Público inadimplente (v., a respeito o Capítulo XX, ns. 105 e 106). Ou seja, os bens públicos não podem ser praceados para que o credor neles se sacie. Assim, bem se vê que também não podem ser gravados com direitos reais de garantia, pois seria inconsequente qualquer oneração com tal fim [3].

No mesmo sentido, alertando sobre a finalidade do instituto do precatório no ordenamento jurídico brasileiro, Harrison Leite ensina que:

 

 

 

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Sua finalidade é satisfazer o credor da dívida pública decorrente de decisões judiciais transitadas em julgado, uma vez que no Brasil é proibida a penhora de bens públicos.

De fato, a sistemática do precatório deve ser aplicada sempre que a Fazenda Pública restar condenada judicialmente ao cumprimento de obrigação de pagar, não havendo espaço para que a execução se opere segundo os moldes tradicionais, em que a parte credora avança sobre o patrimônio do devedor e, mediante constrição judicial, retira o valor de que necessita para saldar a dívida com o produto da alienação do bem penhorado.

É de bom alvitre apenas ressalvar que, tomando-se como base o valor da execução, é possível que o pagamento fuja à regra do precatório quando o numerário devido pela Fazenda Pública venha a ser considerado de pequeno valor, caso em que o pagamento se processará mediante a expedição de Requisição de Pequeno Valor – RPV, nos moldes do artigo 100, §3º, da Constituição Federal de 1988.

Em casos que tais, não há necessidade de inclusão do valor no orçamento do exercício financeiro seguinte, operando-se o pagamento de imediato, tão logo se verifique o trânsito em julgado da sentença que condene a Fazenda Pública ao pagamento de determinada quantia, gozando o Poder Público do prazo de 60 (sessenta) dias para efetivar o pagamento, nos termos do artigo 100, §3º, da Constituição Federal de 1988 [4].

Trazidas à tona algumas noções gerais sobre o regime de precatórios, passa-se, adiante, a lançar mão da vedação constitucional ao fracionamento do valor da execução, adentrando, assim, ao tema central objeto do presente estudo.

3. O FRACIONAMENTO VEDADO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

 

 

 

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A Constituição Federal de 1988 veda expressamente o fracionamento do valor da execução quando, a pretexto de possibilitar ao credor receber parte do valor mediante Requisição de Pequeno Valor – RPV e a outra parcela através da expedição de Precatório, tal operação se der com o intuído de burlar a sistemática de precatórios.

Tal vedação se dá porque o fracionamento deliberado do valor da execução imporia ao Poder Público, no mais das vezes, realizar imediatamente o pagamento de suas dívidas, ou, pelo menos, de parcela considerável delas, esvaziando quase que por completo a regra estatuída no artigo 100 da Constituição Federal.

É por isso que o §8º, do artigo 100 da Carta da República prevê que:

Art. 100. (...).

(...).

§8º. É vedada a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução para fins de enquadramento de parcela do total ao que dispõe o § 3º deste artigo

Essa regra, no entanto, não é absoluta, comportando algumas exceções, notadamente nos casos em que o fracionamento não se dá com o ânimo de fraudar a sistemática de precatório imposta pela Constituição, o que está em plena consonância com a interpretação teleológica que se deve extrair da referida norma constitucional.

No tópico seguinte, será analisada a possibilidade de fracionamento do valor da execução nos casos em que a Fazenda Pública apresenta embargos parciais à execução, contestando apenas parte do valor perseguido pelo autor, tornando, por outro lado, incontroversa a outra parcela da dívida.

 

 

 

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4. O FRACIONAMENTO LÍCITO DE PRECATÓRIOS

Transitada em julgado a decisão judicial que condenou a Fazenda Pública ao pagamento de determinada quantia, dá-se a formação do título executivo e, por iniciativa do credor, instaura-se o processo autônomo de execução, nos moldes dos artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil [5].

Inicialmente, convém esclarecer que, nos casos em que a Fazenda Pública, ao opor embargos, afirme apenas o excesso de execução como matéria de defesa, é de se registrar que inexiste discordância do Poder Público, pelo menos, com relação a parte dos valores indicados nas planilhas de cálculos apresentadas pelo credor e acostadas aos autos em que se processa a sua pretensão executiva, tendo-se, por certo e evidente, que, neste instante, exsurge como incontroverso o valor não impugnado pelo Estado.

A partir de então, apresenta relevância para o prosseguimento do estudo, a demonstração da possibilidade de se dar prosseguimento à execução, com a expedição da Requisição de Pequeno Valor – RPV ou do Precatório na exata extensão do valor da parcela que, após a oposição dos embargos parciais à execução, tornou-se incontroversamente devida pelo Poder Público.

Tratando sobre a matéria, o artigo 739-A, §3º, do Código de Processo Civil, com redação determinada pela Lei nº 11.382, de 06 de dezembro de 2006, é absolutamente inequívoco ao afirmar que:

Art. 739-A. (...).

(...).

§3º. Quando o efeito suspensivo atribuído aos embargos disser respeito apenas a parte do objeto da execução, essa prosseguirá quanto à parte restante.

 

 

 

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Sobre a aplicação de tal dispositivo às execuções movidas em face da Fazenda Pública, a melhor doutrina não diverge quanto à possibilidade de prosseguimento da execução quando esta, alegando excesso de execução, opõe-se apenas parcialmente ao valor deduzido em juízo pelo credor, afirmando, nos próprios embargos, o valor que entende ser correto, o que faz por ordem do artigo 475-B do CPC.

Conveniente, inclusive, evidenciar alguns excertos da lição de Leonardo Carneiro da Cunha, sem dúvidas, autor de alto renome no País, que, com incontestável propriedade para tratar da matéria, afirma, categoricamente que:

O que não se permite é o fracionamento do valor, ou seja, não se admite que um credor de valor equivalente a, por exemplo, 150 (cento e cinquenta) salários mínimos fracione a execução, cobrando 100 (cem) salários mínimos mediante precatório e 50 (cinquenta) salários mínimos por meio de requisição de pequeno valor. Ou ele renuncia ao excedente, ficando com 60 (sessenta) salários mínimos, para evitar a sistemática do precatório, ou ele executa o valor total, submetendo-se à requisição por precatório.

(...).

Essa situação não ocorre no caso de execução de parte incontroversa da dívida. Em outras palavras, quando os embargos forem parciais, a execução, nos termos do art. 739, parágrafo 2º, do CPC (que, a partir da Lei nº 11.382/2006, passou a corresponder ao art. 729-A, parágrafo 3º, do CPC),prosseguirá quanto à parte não embargada.

(...).

 

 

 

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Em tal situação, não está havendo o fracionamento vedado no parágrafo 8º do art. 100 da Constituição, eis que não se trata de intenção do exequente de repartir o valor para receber uma parte por RPV e a outra, por precatório [6].

Em outro trecho de sua obra, o mesmo autor ratifica a possibilidade de se dar prosseguimento à execução nos casos de embargos parciais, sem que tal procedimento configure qualquer violação ao regime constitucional de precatório:

(...) a Fazenda Pública, quando embargar alegando excesso de execução, deve demonstrar em que consiste o excesso, indicando o valor que entende ser devido. Os embargos serão parciais, podendo a execução prosseguir na parte incontroversa, já com a expedição do precatório (...)[7].

Ainda na doutrina, o referido entendimento é referendado por Guilherme Freire de Melo Barros, que, sobre a questão, leciona:

(...) não é possível a execução provisória da sentença (exceção feita à liquidação da sentença), uma vez que a expedição do precatório somente pode alcançar o valor acerca do qual não haja mais litígio. Disso resulta que, se os embargos da Fazenda Pública forem parciais, o valor do montante não questionado torna-se definitivo, sendo possível a expedição do precatório para essa parcela. (...). O valor incontroverso permite, inclusive, a expedição de requisição de pequeno valor. Nessa hipótese não há violação da regra do fracionamento [8].

 

 

 

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Diga-se de passagem, como não haveria de ser diferente, o mesmo entendimento vem sendo espelhado na jurisprudência pátria, notadamente do Superior Tribunal de Justiça, que, com bastante clareza, enfrentou o referido tema:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO CONTRA O INSS.IMPUGNAÇÃO PARCIAL. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO PELA PARTE INCONTROVERSA. POSSIBILIDADE.

1. Em se tratando de execução contra a Fazenda Pública, fundada em sentença transitada em julgado, a impugnação parcial não impede o seu prosseguimento, com a expedição de precatório (ou, se for o caso, de requisição de pequeno valor), relativamente à parte não impugnada, como prevê o art. 739, § 2º, do CPC. Tratando-se de parcela incontroversa, tanto na fase cognitiva, quanto na fase executória, está atendido, em relação a ela, o requisito do trânsito em julgado previsto nos §§ 1º e 3º do art. 100 da CF.

2. Não se aplica à hipótese a vedação constitucional de expedição de precatório complementar, estabelecida no §4º, do art. 100, da CF (EC nº 37/2002). A interpretação literal desse dispositivo – de considerar simplesmente proibida, em qualquer circunstância, a expedição de precatório complementar ou suplementar –, levaria a uma de duas conclusões, ambas absurdas: ou a de que estariam anistiadas de pagamento todas e quaisquer parcelas ou resíduos de dívidas objeto da condenação judicial não incluídas no precatório original; ou a de que o pagamento de tais resíduos ou parcelas seria feito imediatamente, sem

 

 

 

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expedição de precatório, qualquer que fosse o seu valor. Assim, a proibição contida no citado dispositivo deve ter seus limites fixados por interpretação teleológica, de conformidade, aliás, com a expressa finalidade para que foi editado: a de evitar que, na mesma execução, haja a utilização simultânea de dois sistemas de satisfação do credor exequente: o do precatório para uma parte da dívida e o do pagamento imediato (sem expedição de precatório) para outra parte, fraudando, assim, o §3º, do mesmo art. 100, da CF.

3. Recurso especial a que se nega provimento [9].

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. EMBARGOS PARCIAIS. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO PELA PARTE INCONTROVERSA. POSSIBILIDADE.

1. Em se tratando de execução contra a Fazenda Pública, fundada em sentença transitada em julgado, a propositura de embargos parciais não impede o seu prosseguimento, com a expedição de precatório (ou, se for o caso, de requisição de pequeno valor), relativamente à parte não embargada, como prevê o art. 739, § 2º, do CPC. Tratando-se de parcela incontroversa, tanto na fase cognitiva, quanto na fase executória, está atendido, em relação a ela, o requisito do trânsito em julgado previsto nos §§ 1º e 3º do art. 100 da CF.

2. Não se aplica à hipótese a vedação constitucional de expedição de precatório

 

 

 

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complementar, estabelecida no §4º, do art. 100, da CF (EC nº 37/2002). A interpretação literal desse dispositivo - de considerar simplesmente proibida, em qualquer circunstância, a expedição de precatório complementar ou suplementar -, levaria a uma de duas conclusões, ambas absurdas: ou a de que estariam anistiadas de pagamento todas e quaisquer parcelas ou resíduos de dívidas objeto da condenação judicial não incluídas no precatório original; ou a de que o pagamento de tais resíduos ou parcelas seria feito imediatamente, sem expedição de precatório, qualquer que fosse o seu valor. Assim, a proibição contida no citado dispositivo deve ter seus limites fixados por interpretação teleológica, de conformidade, aliás, com a expressa finalidade para que foi editado: a de evitar que, na mesma execução, haja a utilização simultânea de dois sistemas de satisfação do credor exequente: o do precatório para uma parte da dívida

e o do pagamento imediato (sem expedição de precatório) para outra parte, fraudando, assim, o §3º, do mesmo art. 100, da CF.

3. Embargos de divergência a que se nega provimento [10].

PROCESSUAL CIVIL. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. EMBARGOS. ALEGAÇAO DE PRESCRIÇAO. NECESSIDADE DE TRÂNSITO EM JULGADO.

1. O Tribunal de origem enfrentou a questão a respeito da existência de alegação de prescrição e da impossibilidade de se determinar o

 

 

 

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prosseguimento da execução, motivo pelo qual, não há que se falar em violação do art. 535 do CPC.

2. Quando os embargos forem parciais, a execução, nos termos do art. 739-A, 3º, do CPC, prosseguirá quanto à parte não embargada – regra que se aplica também à Fazenda Pública.

3. Todavia, se no objeto do embargo houver questionamento que possa afetar o título executivo como um todo, e a alegação de prescrição da pretensão executória tem essa finalidade, a execução deve ficar suspensa até o julgamento dos embargos.

4. Isso porque, nas Execuções propostas contra a Fazenda Pública, a oposição de embargos gera efeito suspensivo, pois a expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor depende do prévio trânsito em julgado, de sorte que somente pode ser determinado o pagamento se não houver mais qualquer discussão quanto ao valor executado.

Agravo regimental improvido.

(...).

É correto o entendimento de que, quando os embargos forem parciais, a execução, nos termos do art. 739-A, §3º do CPC, prosseguirá quanto à parte não embargada – regra que também se aplica à Fazenda Pública.

(...) [11].

Ora, apenas para reforçar tudo quanto já exposto, é clarividente a possibilidade de se dar prosseguimento à execução

 

 

 

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movida contra a Fazenda Pública quando há valores incontroversos deduzidos em juízo.

Isso se dá porque a vedação constante do §8º, do artigo 100, da Constituição Federal de 1988, é específica, relativa aos casos em que o credor, deliberadamente, pretende fracionar, repartir ou quebrar o valor da execução, com a finalidade precípua de burlar o regime de precatório previsto no texto constitucional, o que não se afigura na hipótese em que o credor apenas pugna pela expedição da RPV ou do precatório do valor incontroverso, é dizer, afirmado pelo próprio Poder Público como devido, suspendendo-se, assim, apenas a execução da quantia contestada.

De mais a mais, no particular, não resta infringida também a vedação à expedição de precatórios complementares ou suplementares, porquanto o texto constitucional também torna tal conduta defesa quando direcionada ao mesmo fim alhures apontado, isto é, quando destinada também a fraudar o sistema constitucional de precatório, situação também não contemplada na hipótese dos autos.

Fazendo também uma interpretação teleológica do dispositivo que contempla a vedação ao fracionamento da execução, Guilherme Freire, em outro ponto de sua obra, partilha do mesmo entendimento acima exposto, ao afirmar que:

(...) quanto ao valor incontroverso, estão devidamente atendidos os requisitos necessários à expedição do precatório ou da requisição de pequeno valor. De fato, parece-nos que a previsão constitucional de vedação do fracionamento de valores tem o objetivo de coibir uma manobra jurídica tendente a burlar o sistema constitucional da ordem cronológica. Tal vedação, porém, não pode impedir a parte vencedora de ter seu crédito satisfeito quanto à parcela incontroversa, uma vez

 

 

 

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que não há razão para se protelar a prestação jurisdicional desse montante [12].

Não havendo qualquer vedação expressa do texto da Constituição Federal de 1988, há de se aplicar o quanto disposto no artigo 739-A, §3º, do Código de Processo Civil, já transcrito acima, posto que não faz qualquer distinção à Fazenda Pública.

Feitos tais esclarecimentos, não restam quaisquer dúvidas acerca da possibilidade de se dar prosseguimento à execução naquilo que é incontroverso no processo, rendendo ensejo à expedição de Requisição de Pequeno Valor – RPV ou do Precatório em favor do credor no montante que cabe a ele, até o limite do valor indicado pela Fazenda Pública como correto – e, portanto, incontroverso – para a execução.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As considerações feitas acerca da sistemática de precatórios, tipicamente utilizada para o processamento dos pagamentos dos valores devidos pelo Poder Público em virtude de condenação judicial, permite concluir que, malgrado a previsão constante do artigo 100, §8º, da Constituição Federal de 1988, é plenamente possível o fracionamento do valor da execução quando o próprio Poder Público reconhece, por meio de embargos parciais à execução, que parte do valor perseguido pelo credor é realmente devido.

Tal conclusão de extrai da interpretação finalística que deve ser dada à norma definidora da exceção, de sorte que o fracionamento do valor da execução apenas pode ser vedado nos casos em que se pretende deliberadamente fraudar o regime de precatórios, burlando a ordem cronológica para o pagamento dos débitos do Poder Público, não se assemelhando a essa hipótese os casos em que há a oposição de embargos parciais pela Fazenda, encerrando o litígio quanto a parte do valor da execução.

 

 

 

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Por derradeiro, é de bom alvitre afirmar que tal entendimento densifica ainda as garantias constitucionais da duração razoável do processo e da efetividade da prestação jurisdicional, apresentando-se, por isso mesmo, como uma exceção constitucional à vedação prevista no §8º, do artigo 100, da Constituição Federal de 1988.

REFERÊNCIAS

BARROS, Guilherme Freire de Melo. Poder Público em juízo. Ed. Juspodivm. 4ª Edição. Revista, ampliada e atualizada. Salvador – BA, 2014.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4ª. Edição. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p. (Série Legislação Brasileira).

BRASIL. Lei nº. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>.Acesso em 07/12/2015.

DA CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda Pública em Juízo. 10ª edição, revista e atualizada. Ed. Dialética. São Paulo, 2012.

DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. Malheiros Editores. 27ª Edição. Revista e atualizada. São Paulo, 2010.

LEITE, Harrison. Manual de Direito Financeiro. Ed. Juspodivm, 2ª Edição. Revisada, ampliada e atualizada. Salvador – BA.

NOTAS:

[1] Eis a atual redação do artigo 100, da CF/1988: “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão

 

 

 

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exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim”.

Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 07/12/2015.

[2] LEITE, Harrison. Manual de Direito Financeiro. Ed. Juspodivm, 2ª Edição. Revisada, ampliada e atualizada. Salvador – BA, 2013, p. 230.

[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Malheiros Editores. 27ª Edição. Revista e atualizada. São Paulo, 2010, p. 916.

[4] Eis o que dispõe o artigo 100, §3º, da Constituição Federal de 1988: “Art. 100. (...). §3º. O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado”.

Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 07/12/2015.

[5] Eis o que prevê os referidos dispositivos: “Art. 730. Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, citar-se-á a devedora para opor embargos em 10 (dez) dias; se esta não os opuser, no prazo legal, observar-se-ão as seguintes regras: I - o juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do tribunal competente; II - far-se-á o pagamento na ordem de apresentação do precatório e à conta do respectivo crédito. Art. 731. Se o credor for preterido no seu direito de preferência, o presidente do tribunal, que expediu a ordem, poderá, depois de ouvido o chefe do Ministério Público, ordenar o seqüestro da quantia necessária para satisfazer o débito”.

Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>. Acesso em 07/12/2015.

 

 

 

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[6] DA CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda Pública em Juízo. 10ª edição, revista e atualizada. Ed. Dialética. São Paulo, 2012, p. 341.

[7] Idem, p. 301.

[8] BARROS, Guilherme Freire de Melo. Poder Público em juízo. Ed. Juspodivm. 4ª Edição. Revista, ampliada e atualizada. Salvador – BA, 2014, p. 145.

[9] STJ – REsp. 680.674/SC. Rel. Min. Teori Albino Zavaski. Órgão Julgador: 1ª Turma. Julgado em 20/06/2006.

[10] STJ – EREsp. 551.991/RS. Rel. Min. Teori Albino Zavaski. Órgão Julgador: 1ª Seção. Julgado em 22/06/2006.

[11] STJ – AgRg no REsp. 1.264.564/PR. Rel. Min. Humberto Martins. Órgão Julgador: 2ª Turma. Julgamento em 01/09/2011.

[12] BARROS, Guilherme Freire de Melo. Poder Público em juízo. Ed. Juspodivm. 4ª Edição. Revista, ampliada e atualizada. Salvador – BA, 2014, p. 146.

 

 

 

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O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO E SUA APLICAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO

CAMILLA MOTTA MEIRA PIRES: Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte; Pós-graduada em Direito Público pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus.

RESUMO: O presente trabalho traz a lume a importância dos princípios no cenário jurídico atual. Dando um maior enfoque à seara trabalhista, apresenta a forma que os princípios gerais influenciam nesse ramo, explicando como deve ser feita a aplicação deles na relação empregado-empregador. Em seguida, destaca os mais relevantes princípios do direito do trabalho, finalizando com uma explanação acerca do princípio da proteção, tema este tão relevante em âmbito trabalhista, tendo em conta a importância que adquiriu com a Consolidação das Leis do Trabalho e com a Constituição Federal de 1988.

Palavras-chave: Princípios – Direito do Trabalho – Proteção – Trabalhador – Empregador.

1. INTRODUÇÃO

Realizado há muito tempo no estudo do direito, o debate de qualquer tema jurídico passa necessariamente pelo termo princípio, não sendo diferente quando tratamos de Direito do Trabalho.

Direito do trabalho é o conjunto de normas jurídicas que regem as relações entre empregados eempregadores e os direitos resultantes da condição jurídica dos trabalhadores. Neste diapasão, tendo em vista a importância do seu estudo, por albergar questões e debates inerentes da vida em sociedade, decorrentes das relações entre empregados e empregadores, este ramo também

 

 

 

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passa a se utilizar, quando necessário, dos princípios visando o alcance da melhor interpretação da norma trabalhista.

Devido a disparidade existente entre as partes que compõe a relação de trabalho, caracterizada pela hipossuficiência do empregado em relação ao empregador, é que se passou a aplicar o princípio da proteção ao trabalhador com o intuito de compensar a mencionada diferença e garantir o respeito aos direitos fundamentais do trabalhador.

Desta forma, no correr deste estudo, se buscará demonstrar uma tentativa de conceituação de princípios, perpassando ao significado dos princípios gerais aplicáveis a Ciência do Direito, e os princípios específicos ao Direito do Trabalho, até chegar especificamente ao princípio da proteção em uma análise crítica de sua aplicação no Direito do Trabalho.

2. OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO

O Direito acha-se fundamentado em princípios universais ou restritos à sua área de estudo, os quais são relevantes para a lógica normativa e aplicação aos casos concretos. Dispõe, consequentemente, de verdades válidas próprias da sua área de saber, compondo seus enunciados lógicos.

Paulo Bonavides (2008, p. 257/258) traz em suas lições a conclusão da investigação doutrinária feita pelo italiano Ricardo Guastini na tentativa de definir princípios. Segundo Guastini princípios são normas de caráter programático, que possuem alto grau de generalidade e indeterminação, razão pela qual requerem concretização por via interpretativa, para fins de aplicação a casos concretos. Segundo ele, os princípios tem posição considerável na hierarquia das fontes de direito, tendo em conta que desempenham função relevante e fundamental no sistema jurídico ou político unitariamente considerado, ou num ou noutro subsistema do

 

 

 

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sistema jurídico conjunto. Acrescenta, ainda, que os princípios são normas direcionadas aos órgãos de aplicação, cuja especial função é fazer a escolha dos dispositivos ou das normas aplicáveis nos diversos casos.

Tendo em vista a fundamental importância conferida aos princípios no âmbito da área de estudo do direito, idealizaram-se princípios gerais que trazem a esta ciência parâmetros basilares para sua compreensão, a serem utilizados como forma orientadora de todo um sistema jurídico.

Quando se trata de princípios gerais de direito, a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 4º, reza que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”

Da mesma forma, o Código de Processo Civil dispõe sobre os princípios gerais do direito, quando, ao tratar dos poderes, deveres e responsabilidades do juiz, traz em seu art. 126 que “o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito” (disposição semelhante está prevista no art. 140 do Novo CPC).

Ainda, a Consolidação das Leis do Trabalho versa em seu art. 8º que:

As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito

 

 

 

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comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Miguel Reale define princípios gerais de direito como sendo “enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas” (2002, p. 304). São eles as “bases teóricas ou as razões lógicas do ordenamento jurídico” (2002, p. 317), um modelo teórico ou dogmático que diz qual é o significado do modelo jurídico (legais, costumeiros, jurisprudenciais ou negociais) (2002, p. 316).

Para Luiz Regis Prado “os princípios gerais de direito não são normas jurídicas stricto sensu e não integram o repertório do ordenamento jurídico, mas tomam parte em sua estrutura, isto é, na relação entre as normas de um sistema, conferindo-lhes coesão” (2006, p. 188)

Segundo o civilista Sílvio de Salvo Venosa, “por meio dos princípios gerais do direito o intérprete investiga o pensamento mais elevado da cultura jurídica universal, buscando orientação geral do pensamento jurídico” (2004, p. 162)

Na óptica de Castro, citado por Plá Rodriguez (1993, p. 67), os princípios gerais de direito têm três funções:

Informadora, ou seja, a que serve de inspiração ao legislador e de fundamento para o ordenamento jurídico; normativa, atuando como fonte supletiva, na ausência da lei, nesse caso constituindo meio de integração do direito; e interpretadora, para orientar o intérprete ou o julgador. A consequência imediata dessa tríplice função é que alguns mais servem como

 

 

 

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inspiradores do legislador, do criador da lei, e outros melhor são aproveitados pelo intérprete, evidenciando a utilidade e a eficácia dos princípios.

Neste sentido, percebe-se que os princípios gerais do direito são enunciações de caráter normativo que dão sustentação ao sistema jurídico, apresentando-se como um modelo primordial para a compreensão e interpretação do direito quando aplicado ao caso concreto.

3. PRINCÍPIOS JURÍDICOS GERAIS APLICADOS AO DIREITO DO TRABALHO

Os princípios gerais do direito, por se irradiarem a todos os segmentos da ordem jurídica, aplicam-se, segundo as lições de Maurício Godinho Delgado, a todos os segmentos especializados do Direito, preservando a noção de unidade da ordem jurídica e mantendo o Direito como um efetivo sistema, isto é, um conjunto de partes coordenadas (2010, p. 177).

Portanto, tendo em vista a importância da utilização dos princípios para o alcance da interpretação e aplicação da norma jurídica, analisar-se-á a óptica de como os princípios gerais do direito são aplicados no âmbito especializado do Direito do Trabalho.

Desta maneira, cabe evidenciar que quaisquer destes princípios aplicados ao Direito do Trabalho deverão compatibilizar-se com os princípios e regras próprias a este ramo jurídico especializado, de forma que aqueles não venham a chocar-se com os preceitos estabelecidos pelo Direito Trabalhista.

Um dos princípios gerais do direito mais importante e aplicável ao Direito do Trabalho é o da inalterabilidade dos

 

 

 

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contratos, ou pacta sunt servanda, no qual aduz que uma vez celebrado o contrato, com observância de todos os pressupostos e requisitos necessários à sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos. Adaptado a aplicabilidade no Direito Trabalhista, este principio passou a chamar-se de princípio da inalterabilidade contratual lesiva.

Outros três importantes princípios também aplicáveis ao ramo justrabalhista são os princípios da lealdade e boa-fé, da não alegação da própria torpeza e do efeito lícito do exercício regular do próprio direito. O primeiro e o terceiro são encontrados em normas que tratam dos limites impostos à conduta de uma parte em confronto com os interesses da outra parte contratual daquela relação trabalhista. O segundo, ao ser adequado a este ramo do direito e a ser aplicado apenas em certas situações trabalhistas, aduz que a bilateralidade da conduta irregular não inviabiliza, necessariamente, a alegação judicial do ilícito perpetrado, já que, diferentemente do Direito Civil, no Direito do Trabalho imperam as normas a ele inerentes e o princípio da proteção ao trabalhador.

Tais princípios citados no parágrafo anterior, de acordo com as palavras do já aludido Maurício Godinho Delgado, sintetizam a noção de que “a ordem jurídica deve apenas acolher e conferir consequências compatíveis em favor de uma pessoa com respeito a condutas lícitas e de boa-fé por ela praticadas” (2010, p. 178).

Outro princípio geral largamente utilizado no Direito do Trabalho é o da razoabilidade, determinando a obediência a um juízo de verossimilhança, ponderação, sensatez e prudência na avaliação das condutas das pessoas.

Há também o princípio da tipificação legal de ilícitos e penas, que define que não pode haver ilícito nem a respectiva

 

 

 

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penalidade sem a prévia norma legal que os determine. Há, contudo, uma exceção a aplicação deste princípio quando se trata da penalidade advertência, já que não se encontra prevista na CLT. Tal punição foi essencialmente criada pelos costumes trabalhistas e trazida por poucas legislações heterônimas estatais.

Por fim, também são bastante aplicados ao ramo justrabalhista os princípios da dignidade da pessoa humana, da não discriminação, da proporcionalidade, entre tantos outros.

4. PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS AO DIREITO DO TRABALHO

Os princípios do direito apresentam-se como guias para a elaboração, interpretação e aplicação das leis. Neste sentido, o Direito do Trabalho, assim como os demais ramos do direito, também é orientado por princípios jurídicos próprios.

Assim, faz-se referência ao conceito de Manuel Alonso Garcia citado por Alice Monteiro de Barros (2006, p.168), explicitando que “os princípios de Direito do Trabalho são linhas diretrizes ou postulados que inspiram o sentido das normas trabalhistas e configuram a regulamentação das relações de trabalho conforme critérios distintos dos que podem encontrar-se em outros ramos do Direito”.

Como o Direito Material do Trabalho distingue-se em dois ramos, o individual e o coletivo, cada um apresenta-se possuindo regras, institutos e princípios próprios.

Na esfera do Direito Individual do Trabalho a norma jurídica é estruturada pela constatação fática da diferenciação social, econômica e política básica entre os sujeitos da relação jurídica central. Ou seja, o trabalhador apresentando-se como um ser individual e subordinado de um lado e o empregador e sua superioridade econômica e jurídica do outro.

 

 

 

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Nesta perspectiva, como o trabalhador não é capaz, individualmente, de produzir ações de impacto coletivo, é que surgiu a necessidade, segundo Maurício Godinho Delgado, de “emergir um Direito Individual do Trabalho largamente protetivo, caracterizado por métodos, princípios e regras que buscam reequilibrar, juridicamente, a relação desigual vivenciada na prática cotidiana da relação de emprego” (2010, p. 181).

Em contrapartida, o Direito Coletivo do Trabalho consubstancia-se pela relação em que ambos os pólos são seres coletivos, ou seja, teoricamente equivalentes. De um lado o empregador e do outro os trabalhadores coletivos, representados pelas organizações sindicais. Diante a mudança nas características desta relação jurídica, é que se justifica a aplicação de princípios diferentes daqueles aplicados ao ramo individual.

A razão de ser das relações coletivas está na necessidade de união dos trabalhadores para que possam defender, em conjunto, as suas reivindicações perante o poder econômico. Não se pode olvidar que em toda a história do direito do trabalho, o trabalhador, individualmente, não tem a necessária força para defender seus interesses, o que, em conjunto, aumenta muito o seu poder de ação.

5. PRINCÍPIOS DO DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO

O trabalhador, no que tange ao vínculo de subordinação com o empregador, sempre se manteve em situação delicada, sofrendo com a inaplicabilidade de suas garantias. Essa realidade é decorrente, principalmente, da desigualdade econômica existente entre as partes, pois enquanto trabalhador só tem a oferecer a sua força de trabalho, o empregador detém o capital aplicado o que causa um vínculo de subordinação deste para com aquele. Atento a esse fato, o legislador procurou traçar um rol de normas públicas que devem ser cumpridas nas relações trabalhistas com o intuito de

 

 

 

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compensar a mencionada disparidade e garantir o respeito aos direitos fundamentais do trabalhador, que dessa maneira, não fica totalmente a mercê da vontade de seu patrão.

Nesse ínterim, aplicam-se os princípios de direito individual do trabalho que, segundo leciona Maurício Godinho Delgado (2010, p. 182), “por possuírem abrangência ampliada e generalizante, não se confrontam de modo generalizado com os importantes princípios jurídicos gerais, externos ao ramo jurídico especializado”.

6. O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO AO TRABALHADOR

Dentre os princípios que permeiam o âmbito trabalhista, destaca-se o da proteção ao trabalhador, na medida em que é considerado, pela maioria dos juristas, o guardião dos direitos fundamentais do obreiro. Tal concepção decorre de seu conteúdo permitir a existência e concretização de outros princípios do direito do trabalho. Renato Saraiva (2013, p.62) chega até a afirmar que o princípio da proteção desmembra-se em três outros, o in dubio pro operário, o da aplicação da norma mais favorável e o da condição mais benéfica. Maurício Godinho Delgado (2010, 183/184), por sua vez, opta por conceituar cada princípio em sua individualidade, não deixando, todavia, de afirmar que os princípios em sua totalidade formam o corpo normativo trabalhista. É importante analisar o motivo pelo qual alguns doutrinadores optam por sistemática semelhante à adotada pelo primeiro jurista supra citado, o que se fará adiante.

Ao se tratar o princípio da proteção ao trabalhador em sua individualidade, pode-se conceituá-lo como aquele que assegura uma rede mínima de garantias ao hipossuficiente, através da edição por parte do Estado de normas de ordem pública, cujo propósito é diminuir a desigualdade no pacto de emprego celebrado com o empregador, impedindo a exploração de capital em cima do

 

 

 

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trabalho humano e possibilitando melhoria na qualidade e no bem estar social dos obreiros.

Verifica-se que a conceituação desse princípio, por si só, caracteriza a razão de existência do Direito do Trabalho. Justamente por isso ele é considerado o mais importante dos princípios. Nesse âmbito, argumenta com propriedade o Procurador Regional do Ministério Público do Trabalho, Carlos Henrique Bezerra Leite (2006, p. 3 apud OLIVEIRA):

O princípio da proteção deriva da própria razão de ser do processo do trabalho, o qual foi concebido para realizar o Direito do Trabalho, sendo este ramo da árvore jurídica criado exatamente para compensar a desigualdade real existente entre empregado e empregador, naturais litigantes do processo laboral.

No que tange a relação contratual existente entre empregado e empregador, verifica-se que “impera o dirigismo contratual, que nada mais é do que a proteção conferida pelo Estado ao dispor regras mínimas em determinadas espécies de contrato, buscando a equidade” (SCANDOLIERI, 2004, p. 36). Nesse âmbito, é importante deixar claro que a interferência do Estado nas relações trabalhistas como meio equacionar a disparidade presente entre trabalhador e empregador, através de aparato jurídico, não agride a esfera do princípio da igualdade, uma vez que se encontra em total consonância com o conceito atual de isonomia, segundo o qual é necessário tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam[1].

A desigualdade na relação trabalhista já foi por demais explanada, cabendo acrescentar, ainda, que o princípio da proteção, com o objetivo de ver sua efetividade alcançada, se faz

 

 

 

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presente no ordenamento jurídico como um todo, seja na Constituição Federal (arts. 6º a 8º), na Consolidação das Leis de Trabalho (normas que regulam a duração da jornada de trabalho, o salário mínimo, férias, segurança do trabalho, dentre outras), bem como na legislação esparsa.

Concluída a conceituação e caracterização do princípio tratado, faz-se necessário expor a forma como tal norma se exterioriza. Adotando a definição do já citado Renato Saraiva, também defendida por Amauri Mascaro do Nascimento, Américo Plá Rodriguez, Júlio Ricardo de Paula Amaral e Alfredo J. Ruprecht, far-se-á a fixação dos conceitos dos sub-princípios in dúbio pro operario, da aplicação da norma mais favorável e da condição mais benéfica.

Em consonância com o princípio in dúbio pro reo abordado pelo direito penal e com o princípio favor debitoris do direito civil, o in dubio pro operário estabelece que o intérprete, ao analisar um preceito trabalhista em que haja dúvida sobre qual o seu sentido e alcance, deve sempre optar pela interpretação mais favorável ao empregado, seja mediante restrição de um prejuízo ou ampliação de um benefício. Essa definição, por si só demonstra a relação do sub-princípio com o principio da proteção, uma vez que é um meio de beneficiar o hipossuficiente no que tange ao seu direito material.

É importante verificar que a aplicação desse princípio depende do preenchimento de determinados requisitos, quais sejam: é necessário que realmente haja dúvida sobre o alcance da norma e a interpretação não pode ir contra a vontade do legislador. Nesse quesito, preceitua Júlio Ricardo de Paula Amaral (2000, p. 3) que:

Não pode o intérprete estabelecer interpretação extensiva onde essa não é cabível,

 

 

 

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nem pode procurar interpretações que fujam da sistemática da norma, já que somente poderá ser aplicada a regra in dúbio pro operário, quando efetivamente existir uma dúvida acerca do alcance da norma legal e, ainda assim, sempre em consonância com amens legislatoris.

No que tange a possibilidade de se aplicar essa norma quanto à prova de fatos, verifica-se uma divergência doutrinária. A corrente majoritária rechaça tal aplicação, alegando que não há como se aceitar a aplicação de um princípio de direito material no campo processual.

O sub-princípio da aplicação da norma mais favorável estabelece que nos casos em que há pluralidade de normas aplicáveis a uma relação de trabalho, deve-se optar pela que for mais favorável ao trabalhador. É importante verificar que esse preceito normativo não se atém a escala hierárquica das normas jurídicas, já que em se tratando de Direito do Trabalho o objetivo é beneficiar o hipossuficiente, bastando que a norma que cumpra esse papel esteja válida.

A aplicabilidade dessa norma deve usada com precaução, com o intuito de evitar que o empregado seja considerado isoladamente, pois é necessário que haja preservação do bem coletivo e de sua classe profissional, não sendo permitida, ademais, afronta ao interesse público em prol do operário individual.

Por fim, o princípio da condição mais benéfica estabelece que as condições mais vantajosas estabelecidas nas cláusulas do contrato do trabalhador e do regulamento da empresa devem prevalecer nos casos em que haja norma superveniente que trate da mesma matéria. A superveniência de outra cláusula só é permitida nos casos em que a primeira for suplantada por cláusula posterior ainda mais benéfica. A título exemplificativo pode-se citar

 

 

 

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as súmulas 51 e 288 do Tribunal Superior do Trabalho, que determinam, respectivamente:

Súmula 51: I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento; II – Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico da renúncia às regras do sistema do outro [2].

Súmula 288: I - A complementação dos proventos da aposentadoria é regida pelas normas em vigor na data da admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores desde que mais favoráveis ao beneficiário do direito. II - Na hipótese de coexistência de dois regulamentos de planos de previdência complementar, instituídos pelo empregador ou por entidade de previdência privada, a opção do beneficiário por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do outro.

Finda a explanação acerca dos sub-princípios do princípio da proteção ao trabalhador, cabe a título conclusivo ressaltar que, em alguns casos, é necessário que ocorra a sobreposição de uma norma de direito coletivo do trabalho ao mencionado preceito normativo. Isso decorre do fato da aplicação absoluta e desprovida de adequação ao caso concreto do referido princípio muitas vezes poder vir a acarretar uma desigualdade ainda maior, beneficiando aquele que não faz jus a tutela pleiteada.

O trabalhador é, de fato, considerado parte hipossuficiente. Isso, todavia, não significa que em todos os casos

 

 

 

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ele está com a razão, motivo pelo qual cabe ao magistrado, quando se encontrar diante de uma lide composta por empregador e empregado, analisar os fatos, decidindo, ao fim, se deve imperar as normas de direito coletivo ou o disposto no princípio da proteção ao trabalhador, evitando, portanto, possíveis injustiças.

A esse respeito, Fábio Fernandes Scandolieri (2003, p. 40) estabelece que:

O Princípio da Proteção deve ser aplicado com bom senso. Baseado nele não se pode fazer qualquer ato a favor do trabalhador, nem mesmo substituir o legislador ou contrariar normas de direito. O Princípio da Proteção “tem um campo de aplicação limitado e, mantendo-se dentro dele, não conspira contra a segurança, porém assegura a eficaz e adequada aplicação das normas” (RODRIGUEZ, 2000, p. 101).

Verifica-se, desta feita, que a aplicação do princípio da proteção ao trabalhador, embora essencial para garantir a igualdades na relação empregado-empregador, face a hipossuficiência daquele, deve ser realizada com cautela, a fim de evitar que sejam realizadas injustiças na contramão do referido princípio ao beneficiar o trabalhador nos casos em que este não se encontra com razão.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegando a parte final do presente trabalho, faz-se mister ressaltar a importância que os princípios têm no ordenamento brasileiro, agindo como norte na aplicação das regras e embasando todo o âmbito jurídico, seja em caráter geral ou em caráter específico.

 

 

 

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Os princípios do direito do trabalho, assim como os dos demais ramos do direito, devem ser usados de modo a conferir uma regulação específica, devendo, no entanto, sempre haver uma preocupação, garantir que eles estejam em consonância com os gerais, evitando desse modo, que haja um embate inconciliável entre esses e aqueles.

No que tange ao principio da proteção ao trabalhador, cumpre ressaltar que o seu objetivo é proporcionar uma igualdade entre empregado e empregador, evitando que o hipossuficiente fique em posição de desigualdade. O respeito a tal princípio tende a garantir maior estabilidade nas relações trabalhistas, com o intuito que nenhum dos pólos seja prejudicado.

Por fim, observa-se ordenamento brasileiro ainda possui muitos déficits no que tange ao respeito aos direitos do trabalhador, mas a compreensão do princípio da proteção, considerado por muitos o mais importante em âmbito trabalhista, já é um passo para evolução e melhoria.

REFERÊNCIAS

AMARAL, Júlio Ricardo de Paula. Princípio da proteção: limites à

aplicação do princípio da proteção no Direito do

Trabalho. Disponível em:

<http://portal.trt15.jus.br/documents/124965/125408/Rev17Art1

4.pdf/6fb77bea-ce51-468f-8e09-9201b5b434b4>. Acesso em 10

fev. 2016.

ARAÚJO, Carolina Lobato Goes. O princípio da proteção do trabalhador no contexto dos direitos fundamentais. Disponível em: <http://anamatra.org.br/index.php/artigos/o-princ-pio-da-

 

 

 

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protec-o-do-trabalhador-no-contexto-dos-direitos-fundamentais-013881483686977517 >. Acesso em 30 jan. 2016.

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho, São Paulo: LTR, 2006.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 22ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 9ªed., São Paulo: LTr, 2010.

OLIVEIRA, Carlos Nazareno Pereira. Princípios da seara trabalhista, direitos fundamentais dos obreiros e a ótica do protecionismo: breves comentários. Disponível em: <http://www.abdir.com.br/doutrina/ver.asp?art_id=1421&categoria=Trabalho >. Acesso em 10 fev. 2016.

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VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas, São Paulo: Atlas, 2004.

NOTAS:

[1] EMENTA: COOPERATIVA DE CRÉDITO. EMPREGADO EQUIPARADO AO TRABALHADOR BANCÁRIO. Tendo em vista o exercício de atividades análogas à dos trabalhadores em bancos, considerada exaustiva e penosa, deve o trabalhador de cooperativa de crédito ser a eles equiparado para fins de perceber a totalidade de suas conquistas, notadamente porque a cooperativa de crédito faz parte do sistema financeiro. A mera diferença de natureza jurídica entre as cooperativas de crédito e as instituições bancárias não se sobrepõe à realidade das atividades desenvolvidas pelo trabalhador. Ao contrário, as condições de trabalho do empregado, juridicamente hipossuficiente, devem ser consideradas sob pena de violação ao princípio da igualdade das partes, da proteção e da primazia da realidade, sem falar nos princípios do não-retrocesso social e da função social do contrato. (TRT 12ª R.; RO 00194-2008-015-12-00-2; Primeira Turma; Rel. Juiz Jorge Luiz Volpato; Julg. 08/03/2010; DOESC 06/04/2010) (grifos nossos)

[2] EMENTA: FUNÇÃO COMISSIONADA. REDUÇÃO DA GRATIFICAÇÃO PROPORCIONAL À DIMINUIÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO. ILEGALIDADE. O Direito do Trabalho é regido pelos princípios da proteção ao trabalhador e da inalterabilidade do contrato, que acarrete prejuízo àquele. O empregado figura na condição de hipossuficiente, na medida em que precisa do trabalho para fazer face à sua sobrevivência e dos familiares, presumindo-se a coação, ao que decidido, pelo empregador.Com efeito, prevê o inciso VI do artigo 7º da Constituição Federal a garantia fundamental de "irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo". De igual forma, o princípio da inalterabilidade contratual, encontrado no artigo 468 da CLT, é motivo jurídico mais do que suficiente para coibir a prática efetivada pela empresa pública federal, com atividade no ramo bancário, de reduzir o valor da paga pelo exercício do cargo no curso do pacto laboral. Diante disto, são nulas, de pleno direito, todas as transações e alterações, que

 

 

 

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causam prejuízo ao empregado (artigos 9º e 462, da CLT), o que, na hipótese, se evidencia, uma vez que continuou a autora a exercer mesma função, com as mesmas atribuições e sem solução de continuidade. Portanto, configura-se ilegal a redução do valor da gratificação correspondente. (TRT 6ª R.; RO 0027500-73.2009.5.06.0021; Segunda Turma; Relª Juíza Ana Catarina Cisneiros Barbosa de Araújo; DEJTPE 25/03/2010)

 

 

 

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A EVOLUÇÃO DO DIREITO SUMULAR NO BRASIL

NATANNE LIRA DE MORAIS: Graduada em Direito pela Universidade Federal do Maranhão. Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Servidora Pública do Ministério Público Federal lotada na Procuradoria da República em Imperatriz/MA.

RESUMO: O presente artigo discorre a respeito da evolução do direito sumular no Brasil, bem como sobre a súmula como um instrumento de consolidação de entendimento jurisprudencial dominante. Faz-se, ainda, a distinção entre a tradicional súmula persuasiva e a de efeito vinculante criada pela Emenda Constitucional nº 45/2004.

Palavras-chave: Common Law. Civil Law. Jurisprudência. Súmula. Súmula Vinculante.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho traz considerações sobre os conceitos e peculiaridades dos institutos da súmula simples ou persuasiva e da súmula vinculante, explicitando a evolução histórica do direito sumular no Brasil. Tal análise é feita fazendo-se um paralelo entre os sistemas jurídicos do commom law e do civil law, explicitando-se as suas principais características e influências na evolução do conceito de súmula.

Objetiva-se analisar o caráter evolutivo do instituto da súmula desde suas primeiras manifestações na ordem jurídica brasileira até os dias atuais, bem como analisar as principais semelhanças e distinções entre as súmulas simples e as com efeito vinculante.

O INSTITUTO DA SÚMULA

 

 

 

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Origem e aspectos históricos

A origem dos precedentes judiciais antecede, em muito, a do instituto da súmula no Brasil, uma vez que remonta do direito romano na sua fase clássica republicana.

Os éditos dos pretores[1], por muitas vezes, acabavam vinculando o próprio magistrado que os editara. Assim, o édito que preenchia as lacunas do direito então existente passou a ter força de lei, não podendo ser modificado nem mesmo por quem o publicou e, menos ainda, pelos seus sucessores.

Com isso, vê-se que, mesmo no caso do civil law, sistema de onde provém o direito brasileiro e que contempla a norma positivada, esteve sempre presente o instrumento dos precedentes judiciais. Nesse mesmo sentido, aponta Alfonso Lor (2009, p. 27):

[...] o Direito Romano, fonte da civil law, que direciona o sistema jurídico brasileiro, não desprezou os precedentes jurisprudenciais. Ao contrário, em sua origem foi consuetudinário e jurisprudencial, baseando-se nos costumes e nas decisões dos pontífices – sacerdotes autorizados a interpretar os hábitos e as tradições.

Entretanto, não se pode negar que o instituto da súmula baseia-se preponderantemente na experiência do precedente judicial dos países que adotaram o sistema do commom law.

Outrossim, impende comentar a respeito da figura dos assentos do direito português, uma vez que toda a estrutura jurídica brasileira foi fortemente influenciada por aquele país.

 

 

 

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Os assentos da Casa de Suplicação nada mais eram do que um instrumento pelo qual os tribunais superiores lusitanos, com o escopo de buscar uma harmonização dos julgados, impunham coercibilidade normativa às suas decisões. Desse modo, todas essas decisões eram devidamente registradas no chamado “livro dos assentos”, de onde eram retiradas as soluções para casos futuros, passando a ter obrigatoriedade.

Como legado, os assentos portugueses trouxeram a ideia de aplicação de um entendimento fixado em julgamentos paradigmas e posteriormente aplicado aos casos semelhantes pendentes ou futuros.

Evolução do direito sumular no Brasil

O direito brasileiro, ainda no período colonial, utilizou-se pela primeira vez do efeito vinculante com o instituto oriundo de Portugal denominado assento, que foi instituído em 1521 com as Ordenações Manuelinas. Posteriormente, as Ordenações Filipinas o aperfeiçoaram passando a chamá-lo de “Assento da Casa de Suplicação”.

A finalidade dos assentos era dirimir dúvidas surgidas nas causas submetidas a julgamento. Assim, as soluções dadas aos casos e definidas nos assentos convertiam-se em normas.

Após a proclamação da independência, o Decreto Legislativo nº 2684/1875, regulamentado pelo Decreto nº 6.142/1876, concedeu força de lei, no Império, aos assentos da Casa de Suplicação de Lisboa, bem como a competência do Supremo Tribunal de Justiça de criá-los, também com força de lei, até que porventura viessem a ser derrogados pelo Poder Legislativo. No entanto, a Constituição da República de 1891 os extinguiu definitivamente no Brasil.

 

 

 

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Por influência do então ministro do Supremo Tribunal Federal Victor Nunes Leal, foi instituída a “Súmula de Jurisprudência Dominante” daquela Corte Constitucional, por intermédio da Emenda Regimental datada de 28 de março de 1963. Ela foi concebida como um método de atuação cujo objetivo é dar celeridade e sistematizar a atuação judicial.

Alfonso Lor (2009, p. 18) assevera:

As súmulas encontraram farto campo jurídico de atuação no universo jurídico pátrio, embora tivessem recebido, de início, algumas críticas de expoentes do Direito, receosos sobre a influência de tal instrumento sobre os magistrados de instâncias inferiores. Com o passar do tempo, porém, foram conquistando notável aceitação por parte de toda comunidade jurídica, sendo utilizadas como paradigmas por advogados, juristas e pela maioria dos julgadores.

Desde 13 de dezembro de 1963, quando foi publicada oficialmente a primeira edição da denominada súmula de jurisprudência dominante, o Supremo Tribunal Federal editou centenas de enunciados[2].

Os benefícios decorrentes do advento da súmula do Supremo Tribunal Federal ensejaram, no Código de Processo Civil de 1973, que a competência para editá-las se estendesse a outros Tribunais[3].

Finalmente, como ápice da evolução do direito sumular no Brasil, em 2004, a Emenda Constitucional nº 45, que trouxe a chamada “reforma do Poder Judiciário”, implementou a súmula

 

 

 

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vinculante do STF, que foi posteriormente regulamentada pela lei nº 11.417/2006.

Dos sistemas jurídicos

Antes de fazer uma análise dos aspectos caracterizadores do instituto jurídico da súmula, faz-se necessário destacar os dois principais sistemas jurídicos vigentes no mundo ocidental contemporâneo: o common law e o decorrente da família romano-germânica, também chamado de civil law. Tais sistemas são responsáveis por agrupar a maioria dos diversos ordenamentos jurídicos existentes.

Com efeito, sistema jurídico pode ser conceituado como um conjunto unitário de normas que possuem características peculiares quem variam conforme o momento e a evolução histórica de um povo. É, pois, o grupo de normas que advém de uma fonte comum e, por isso, apresentam desenvolvimento similar.

Venosa (2007, p. 68), comentando o entendimento esposado por René David, aduz que, segundo esse jurista francês, melhor seria empregar a terminologia “famílias jurídicas” e utilizar a palavra sistema tão somente para o estudo dos ramos de um determinado direito nacional.

O sistema jurídico do common law, oriundo da Inglaterra, é também encontrado em países que seguiram o seu modelo, baseado no costume e, modernamente, nos precedentes judiciais. Dessa forma, a norma tem valor nesse sistema à medida que o juiz a emprega, ou seja, trata-se de um direito voltado ao atendimento de situações concretas.

O civil law, também chamado de romano-germânico, por outro lado, surgiu na Europa Continental e tem como sua característica principal a predominância do direito escrito. Assim,

 

 

 

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nesse sistema é dada grande proeminência à norma legislada e ao processo legislativo de criação do direito, ao passo que se atribui um valor secundário às demais fontes jurídicas. Por isso, no sistema romano-germânico, os estudiosos do direito buscam aplicá-lo aos casos concretos baseando-se preponderantemente nas leis ou mesmo nos textos regulamentares das demais autoridades estatais.

A respeito das características preponderantes em cada sistema jurídico, leciona Reale (2002, p. 141):

A prevalência desta ou daquela outra fonte depende exclusivamente de circunstâncias sociais e históricas, pois não há uniformidade entre os diversos países e nas diferentes épocas quanto às formas de elaboração do direito. Cabe, neste sentido, distinguir dois tipos de ordenamento jurídico, o da tradição romanística (nações latinas e germânicas) e o da tradição anglo-americana (common law).

Deste modo, o sistema do civil law diferencia-se do common law, na medida que o primeiro é originado e tem por principal fonte as normas positivadas, ou seja, codificadas. No segundo, por sua vez, há predominância dos usos, dos costumes e da jurisprudência, sendo esta última a sua principal fonte.

Outrossim, a respeito do papel exercido pela jurisprudência nas famílias do civil law e do common law, cumpre consignar que, no primeiro caso, os precedentes judiciais sempre se subordinam à lei, que é a verdadeira fonte reveladora do direito. No sistema inglês, entretanto, a jurisprudência é a forma por meio da qual o direito se constitui e se manifesta.

Entretanto, a despeito da existência de diversas características que diferenciam ambos os sistemas jurídicos,

 

 

 

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modernamente, mesmo nos países da família romano-germânica, o direito não tem sido visto apenas como produto do processo legislativo, mas como o resultado final da atividade hermenêutica dos juízes. Nesse ponto, é inegável que a norma legislada é a base do direito nos países que seguem o sistema jurídico do civil law, no entanto, não se pode olvidar da imprescindibilidade do trabalho dos juristas, notadamente dos juízes, na premente tarefa de transpor a norma legal do plano abstrato para aplicá-la ao caso concreto.

A esse respeito, Venosa (2007, p. 22) tece importantes comentários:

Nas últimas décadas torna-se patente o papel cada vez mais importante da jurisprudência como fonte, nos países de tradição romana como o nosso, essencialmente de lei escrita. Por outro lado, nos países do Common Law, o papel da lei escrita vem paulatinamente ganhando força. Trata-se do resultado do constante intercâmbio econômico e jurídico entre as várias nações e, sem dúvida, decorrência lógica da união dos países europeus.

Interessante, ainda, a colocação de Porto (2009, p. 06):

Cumpre lembrar, - em face da afirmativa de que o crescente valor atribuído à jurisprudência na civil law brasileira representa, de certa forma, a influência da common law no sistema nacional, em face da globalização - que a fonte primeira do direito da common law é a jurisprudência, eis que este sistema é absolutamente pragmático,

 

 

 

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formando-se o direito através das decisões jurisdicionais.

Atualmente, ambos os sistemas têm se influenciado reciprocamente, pois, enquanto a norma positivada cada vez mais ganha relevo no regime do common law, os precedentes judiciais também vêm desempenhando papel de grande importância no direito de tradição romanística.

Conceito de Súmula

O vocábulo súmula é oriundo do latim summula, significando sumário ou índice de algo. Juridicamente, súmula refere-se a entendimento majoritariamente aceito pelos tribunais acerca de determinada questão controvertida, expressando-se por meio de um enunciado sintetizador de decisões reiteradas.

Súmula, em relação ao próprio tribunal que a enuncie, constitui uma uniformização de interpretação, caracterizando-se como uma fonte indireta ou facultativa de direito. Em se tratando da delimitação conceitual do termo, muitos estudiosos da ciência jurídica se posicionam a esse respeito, esposando peculiares pontos de vista. Fonseca (2007, p. 306) conceitua o instituto como sendo “o conjunto da jurisprudência dominante de um tribunal”.

Alfonso Lor (2009, p. 17) define súmula como o “preceito doutrinário que ultrapassa os casos concretos originários, servindo de referencial em julgamentos posteriores sobre a mesma controvérsia”.

No dizer de Sifuentes (2005, p. 237), súmula de jurisprudência refere-se a “teses jurídicas solidamente assentes em decisões jurisprudenciais, das quais se retira um enunciado, que é o preceito doutrinário que extrapola os casos concretos que lhe deram origem”.

 

 

 

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Feitoza Pacheco (2009, p. 90), por sua vez, leciona que:

[…] a súmula é uma asserção, enunciado ou proposição que consolida, numa frase sintética, reiteradas decisões jurisdicionais de um tribunal sobre a interpretação, a validade, a eficácia ou a aplicação de normas determinadas com o fim de orientar os atores (ou operadores) jurídicos quanto a tais normas em futuros casos.

Súmula refere-se a entendimentos adotados pelos tribunais a respeito de uma determinada matéria, dos quais se retira um enunciado numerado, que será a síntese de decisões reiteradas. Assim, tais enunciados acabam por refletir o entendimento de um tribunal a respeito de uma questão que, por reiteradas vezes, é levada pela sociedade ao Judiciário. Significa, pois, a posição consolidada dos tribunais acerca de determinada questão jurídica. Os enunciados sumulados atuam como balizas a orientar os operadores do Direito em um meio repleto de regulamentações e interpretações divergentes.

Verifica-se, desse modo, que a súmula é o resultado de um longo processo doutrinário e jurisdicional, no qual ocorre a convergência de várias decisões nas instâncias superiores, o que concorre para fixação das teses jurídicas em abstrato a serem seguidas pelos membros do tribunal, de modo a facilitar o exercício da atividade jurisdicional pelo tribunal que as editou.

Súmula simples e súmula vinculante

Os entendimentos jurisprudenciais sumulados dividem-se conforme possuam ou não o caráter obrigatório. No primeiro caso, será a súmula vinculante criada pela Emenda Constitucional nº 45/2004 e regulamentada pela Lei nº 11.417/2006, cujo descumprimento leva à cassação da decisão judicial ou à anulação

 

 

 

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da decisão administrativa. Se não houver o efeito obrigatório, estará se falando das demais súmulas que, mesmo editadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelos demais Tribunais Superiores, contendo os entendimentos sedimentados por essas Cortes, tem apenas eficácia persuasiva, ou seja, não vinculativa.

Com o advento da reforma do Poder Judiciário, levada a efeito pela Emenda Constitucional nº 45/2004, o Supremo passou a ter a possibilidade de editar dois tipos distintos de súmula, quais sejam, a simples ou persuasiva - prevista no seu regimento interno - uma vez que a inovação constitucional não as suprimiu; e as súmulas com efeito vinculante, conforme previsto na Magna Carta e na Lei nº 11.417/2006. Em ambas as situações, o STF exerce verdadeira função jurisdicional, pois, mesmo a súmula vinculante possui origem jurisprudencial.

As súmulas simples servem como orientação ao julgador quanto ao entendimento da mais alta Corte do país, sistematizando a jurisprudência exarada pelos tribunais superiores, de modo a abreviar as lides repetitivas. Antes do advento do instituto da súmula vinculante no ordenamento pátrio, a jurisprudência, ainda que sumulada, limitava-se a um meio suplementar exegético do direito.

As súmulas simples ou persuasivas podem, ainda, ser diferenciadas em duas modalidades: as decorrentes do incidente de uniformização da jurisprudência e as súmulas sintetizadoras de matéria de entendimento pacífico. Cumpre esclarecer, entretanto, que ambas as espécies de súmulas possuem tão-somente o efeito persuasivo.

Nesse sentido, Feitoza (2009, p. 90) leciona que:

...as súmulas não têm, em regra, imperatividade nem coercibilidade, mas mero caráter orientador. Assim, geralmente qualquer

 

 

 

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juiz ou tribunal pode decidir contrariamente ao conteúdo de uma súmula, pois encontra-se juridicamente vinculado diretamente à lei.

Os precedentes judiciais e as súmulas dos Tribunais Superiores limitavam-se à persuasão, influindo apenas na convicção do julgador, visto que se mostram uma solução racional e socialmente adequada, sem obrigá-lo, entretanto, a aperfilhar a tese assentada. Destarte, a utilização de tais súmulas pelo Supremo Tribunal Federal tornou-se imprescindível, uma vez que, por lhe competir a guarda da constituição e a uniformização de sua interpretação, tais enunciados passaram, ainda que não vinculantes, a ser fonte de constantes consultas para juízes singulares e para os demais Tribunais.

Reconhecendo a importância e instrumentalidade dos enunciados persuasivos, preceitua Sifuentes (2005, p. 244):

Tais súmulas, pelo já arraigado espaço na vida jurídica brasileira, hoje instrumento imprescindível à atividade dos tribunais, não há quem pense em suprimi-las da vida jurídica nacional. A par dos notórios benefícios que os entendimentos sumulados tem trazido não apenas para o jurisdicionado, em razão da segurança jurídica, como dos próprios juízes, que tem na súmula uma firme orientação para os seus julgamentos, não se pode olvidar que o apresentou a sua adoção para organização da jurisprudência dos tribunais.

Ressalte-se, contudo, que tanto a súmula decorrente de incidente de uniformização como a decorrente da pacificação da jurisprudência possuem efeito persuasivo e não vinculativo, ou seja, o entendimento nelas estabelecido não as torna rígidas. Com efeito,

 

 

 

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ainda que se reconheça uma certa força à sumula simples, na medida em que possui aptidão para prevenir os excessos na divergência jurisprudencial, esta não impõe a obrigatoriedade na sua observância. Dessa forma, o simples fato de ser dominante não garante ao enunciado força normativa plena, necessário se faz, para tanto, um “plus”, ou seja, o efeito vinculante.

A lei que instituiu normas procedimentais perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal - nº 8.038/90, veio enfatizar a importância da jurisprudência sumulada no direito brasileiro. O artigo 38 do mencionado ato normativo confere ao relator poderes de, naqueles tribunais superiores, negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou, improcedente ou ainda, que contrarie, nas questões predominantemente de direito, Súmula do respectivo Tribunal. Deste modo, a aludida lei visou garantir ao ministro relator poder de negar seguimento ao recurso contrário à súmula do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

Alfonso Lor (2009, p. 20) chama a atenção para essa valorização dos precedentes sumulados:

Verifica-se, porém, com crescente intensidade, a valorização das denominadas súmulas simples, a ponto de a legislação processual civil impedir o recebimento de recurso de apelação se a decisão judicial 'estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal' (CPC, artigo 518, parágrafo único), bem como o de obstar, por parte do relator, o seguimento do recurso 'em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal

 

 

 

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Federal, ou de Tribunal Federal' (CPC, artigo 557, caput).

Em decorrência disso, Sifuentes (2005, p. 241) afirma que a sumula simples possui um “efeito médio de vinculação”. Interessante, ademais, a colocação de Mancuso (2010, p. 374) nesse mesmo sentido:

Nessa potencialização da eficácia da súmula, que permite estendê-la, obrigatoriamente, aos demais desvirtuamento casos subsumidos em seu enunciado, não se vislumbra qualquer ou superfetação de atividade judiciária, bastando considerar, a uma, o valor jurídico completa-se com o justo, e este, e este não pode ser alcançado quando, sem motivo consistente, conflitos iguais recebem soluções diversas, senão já contraditórias; a duas, é notório que hoje a função jurisdicional já não mais se deve limitar à singela subsunção do fato à norma, num caso concreto, se não que em nossa República Federativa, onde opera uma democracia participativa, é lícito esperar que o trinômio “ação-jurisdição-processo” opere sob uma óptica sociológica, engajando-se no esforço geral para boa gestão da coisa pública. Para que esse valor do justo venha preservado, impede que a igualdade perante a lei (CF, artigo5º, caput) também se estenda à norma judicada, ou seja, àquela que tem o seu momento judiciário.

O crescimento exponencial das demandas fez com que a edição das súmulas persuasivas não fosse suficiente para resolver o acúmulo de processos. Por isso a necessidade de atribuir caráter

 

 

 

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vinculante à súmula como medida de política judiciária, com o fim de diminuir o número de demandas em curso nos tribunais.

A expressão súmula vinculante usada pelo artigo 103-A da Magna Carta designa o ato do Supremo Tribunal Federal, ou seja, sua manifestação de vontade ou tomada de posição sobre controvérsia a respeito de validade, interpretação e eficácia de normas determinadas. Como se trata de um ato prescritivo, vale dizer, de uma declaração de vontade realizada com o propósito de criar uma súmula vinculante, é através da linguagem sob a forma de enunciados escritos que ela se materializa.

Nas palavras de Alfonso Lor (2009, p. 20):

A súmula vinculante é instituto semelhante à súmula simples, acrescida, porém, de um poderoso efeito que a torna não apenas um “referencial”, mas em um instrumento de aplicação obrigatória pelos juízes de instâncias inferiores ao Tribunal que a proferiu.

A súmula vinculante possui especificidades que a diferenciam das súmulas simples e da jurisprudência dominante, já que estas últimas apenas sintetizam o entendimento dominante sobre um tema. Ademais, a súmula vinculante, para ser editada, deve observar uma série de requisitos que serão oportunamente comentados.

Conforme anteriormente tratado, a súmula simples é a síntese da jurisprudência prevalente em um determinado tribunal. A súmula de efeito vinculante, por outro lado, conforme pondera Mancuso (2010, p. 344), possui uma gênese diferenciada:

(i) só pode ser revista, emitida ou cancelada pelo STF; (ii) incide sobre validade, interpretação

 

 

 

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ou eficácia de norma determinada, de conteúdo constitucional; (iii) sobre a qual se registra controvérsia atual entre órgãos judiciais ou entre estes e a Administração Pública, (iv) de tal sorte a poder provocar ‘grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

A Emenda Constitucional nº 45/2004 trouxe, ainda, a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal tornar as súmulas simples anteriormente editadas em vinculantes, cujos efeitos são coercíveis em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública, direta ou indireta, nas esferas municipal, estadual e federal, desde que sejam observados os requisitos insculpidos no artigo 103-A da Magna Carta, regulamentado pela Lei nº 11.417/2006.

Da inovação constitucional introduzida pela Emenda Constitucional nº 45/2004 infere-se que o efeito vinculante não é inerente a todos os tipos de súmulas editadas pelo Supremo Tribunal Federal, mas sim uma eficácia adicional que poderá agregar-se a algumas delas, se e quando de tal forma forem confirmadas pela Suprema Corte. Assim, dispõe a Emenda Constitucional nº 45/2004 que as atuais súmulas persuasivas editadas pelo Supremo Tribunal Federal, para que tenham efeito vinculante, deverão ser submetidas à confirmação por dois terços dos seus integrantes, com nova publicação na imprensa oficial.

Cumpre destacar, ainda, que nem todas as súmulas do Supremo Tribunal Federal se revestirão do efeito vinculante, visto que algumas delas não tratam de matéria constitucional, pois, antes do advento da Constituição Federal de 1988, cabia àquela Corte dar a ultima interpretação também à legislação federal. Ademais, existem súmulas defasadas, cujo enunciado é incompatível com

 

 

 

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direito “novo” ou com os mais recentes entendimentos adotados pelo STF.

Vê-se, portanto, que ao se comparar os conceitos da súmula vinculante e da súmula comum, constata-se que a característica que as distinguem é justamente a obrigatoriedade de que se reveste a primeira.

Outro importante ponto de diferenciação entre as duas modalidades de enunciados sumulados é que poderá ocorrer a edição de súmula simples ou persuasiva mesmo que não haja a divergência jurisprudencial. Tal hipótese, embora não prevista na lei processual, vem disciplinada nos regimentos internos dos tribunais. Por outro lado, para edição de um enunciado de súmula vinculante, é necessário que haja controvérsia atual - a respeito da validade, interpretação e eficácia de normas determinadas - entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica, conforme determina o artigo 103-A da Constituição Federal.

CONCLUSÃO

Na seara da uniformização da jurisprudência, súmula indica a condensação de uma série de acórdãos do mesmo órgão julgador que adotam idêntica interpretação do preceito jurídico em tese. Trata-se de instituto decorrente da influência do sistema jurídico do common law no Brasil.

A súmula de jurisprudência consiste, pois, em um instrumento de uniformização jurisprudencial composto por teses jurídicas baseadas em reiteradas decisões num mesmo sentido. Tais enunciados servem para orientar o órgão julgador em situações semelhantes a outras amplamente debatidas pelos Tribunais Superiores, induzindo uma harmonização no sistema

 

 

 

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jurídico, na medida em que haverá uma tendência em se decidir o caso concreto no mesmo sentido que preceitua o enunciado sumulado.

Outro importante marco do direito sumular no Brasil é a criação da súmula de efeitos vinculantes pela Emenda Constitucional nº 45/2004, conforme disciplina o art. 103-A da Constituição Federal, regulamentado pela Lei nº 11.417/2006. Referido enunciado pode ser criado pelo Supremo Tribunal Federal, de ofício ou mediante provocação dos respectivos legitimados ativos, após decisões reiteradas sobres temas constitucionais, cuja eficácia vincula os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública, seja direta ou indireta, das esferas federal, estadual e municipal.

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NOTAS:

 

 

 

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[1] À figura do pretor (praetor) no direito romano caberia a função de solucionar as obscuridades e lacunas dos textos legais por meio dos seus éditos.

[2] Conforme dados do sítio do Supremo Tribunal Federal, até o encerramento da presente pesquisa, havia o total de 736 enunciados de súmulas, sendo que a última delas foi editada na sessão plenária de 26 de novembro de 2003.

[3]Código de Processo Civil, artigo 479: O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência.

Parágrafo único. Os regimentos internos disporão sobre a publicação no órgão oficial das súmulas de jurisprudência predominante.

 

 

 

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ANTI-SUIT INJUNCTIONS E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

HUGO AMOEDO VIEIRA: Tabelião substituto. Especialista em Direito do Estado e Direito Empresarial.

Resumo: O presente trabalho terá como objetivo principal traçar um paralelo entre a Arbitragem e o Direito Público, colocando em pauta a utilização da Arbitragem dentro da seara pública, notadamente entre entes os da Administração Pública Direta e Indireta e os particulares. Analisaremos os possíveis impedimentos de ordem principiológica e legais que venham ocorrer durante o estudo do assunto, e as novas interpretações do judiciário brasileiro perante a essa nova figura de resolução de conflitos, e os reais benefícios da utilização dessa modalidade extrajudicial de resolução de conflitos.

Palavras chave: Arbitragem; administração pública; anti-suit injuctions.

Abstract: This work will primarily aim to draw a parallel between the Arbitration and Public Law, putting in question the use of arbitration in the public harvest, especially the ones between the Direct and Indirect Public Administration and individuals. We analyze the possible principled and legal order of impediments that may occur during the study of the subject, and the new interpretations of Brazilian courts before this new form of conflict resolution, and the real benefits of using this type of extrajudicial conflict resolution.

Keyword: Arbitration, public administration; anti-suit injunctions.

1. Introdução

Ao longo do estudo deste instituto de pacificação social, percebemos o quão eficiente é a arbitragem para resoluções de conflitos de natureza patrimonialista. Em decorrência da nova

 

 

 

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ordem constitucional preconizada em meados de 1988, o direito brasileiro passou por grandes reformas, principalmente no setor público, moralizando a máquina pública, aproximando-a dos cidadãos e inserindo o Estado dentro da nova ordem econômica. Tais mecanismos podem ser vislumbrados no caput do artigo 37 da CRFB/88, conforme preconiza Walter Brasil Mujalli (apud MACHADO, 2001, p. 101):

O Estado, atento à necessidade de desenvolver outro foro para a pacificação social e para a solução de controvérsias, patrocinou, na última década, a criação dos Juizados Informais de Conciliação e dos Juizados de Pequenas Causas: após a Constituição de 1988, várias unidades da Federação instituíram os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, tendo como escopo agilizar os processos e facilitar o acesso à Justiça. Agora, é necessário criar um foro adequado às causas envolvendo questões de direito comercial, negócios internacionais ou matérias de alta complexidade, para as quais o Poder Judiciário não está aparelhado. É neste contexto que a arbitragem surge como excelente e insuperável alternativa para a solução de litígios, funcionando ainda para descongestionar os órgãos jurisdicionais estatais, excessivamente sobrecarregados, na esteira do que vem ocorrendo-nos mais diversos países, especialmente europeus e sul-americanos.

 

 

 

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As relações negociais por parte do Estado são regidas pela Lei 8666/93 e 10.520/2004, atual Lei de Licitações e Contratos Administrativos e de Pregões, objetivando o Estado a seguir de forma imperiosa, sob o escopo do princípio da Legalidade em stricto sensu, veremos também, nesse mesmo sentido, a possibilidade da utilização da Arbitragem ante em conflito com os dois metas princípios da Administração Pública, a Supremacia do Interesse Público e a sua Indisponibilidade:

...o que muda é principalmente a ideologia, é a forma de conceber o Estado e a Administração Pública. Não se quer mais o Estado prestador de serviços: quer-se o Estado que estimula, que ajuda, que subsidia a iniciativa privada; quer-se a democratização da Administração Pública pela participação dos cidadãos nos órgãos de deliberação e de consulta e pela colaboração entre público e provado na realização das atividades administrativas do Estado; quer-se a diminuição do tamanho do Estado para que a atuação do particular ganhe espaço; quer-se a flexibilização dos rígidos modos de atuação da Administração Pública, para permitir maior eficiência; quer-se a parceria entre o público e o privado para substituir-se a Administração Pública dos atos unilaterais, a Administração Pública autoritária, verticalizada, hierarquizada (DI PIETRO, 2002, p. 16).

É sabido que o Estado sempre teve postura conservadora, e os instrumentos de controles perante a máquina pública sempre objetivaram a conservação do patrimônio, mas em contra partida,

 

 

 

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causava um estado de paralisia deste ente, impossibilitando qualquer inovação, sem antes uma reforma jurídica e consulta prévia dos órgãos fiscalizadores.

O caso prático versa a utilização da Arbitragem entre uma sociedade de economia mista e um particular, que através de clausulas compromissória estipularam a Câmara de Arbitragem da FGV (Fundação Getúlio Vargas), com sede no Rio de Janeiro, utilizando o idioma português e elegendo três árbitros para deslinde de eventuais controversas. Ficou pactuado entre as partes que o contrato estipularia a arbitragem como via extrajudicial para solução futura.

Iremos explorar o art. 173, § 1º, da Constituição de 1988, que trata das sociedades de economia mista e empresas públicas exploradoras de atividade econômica, no qual se prevê que elas estão sujeitas ao regime jurídico de direito privado.

Para sustentar o trabalho, iremos trafegar por vários institutos de Direito Público e Privado, trazendo o sentido e alcance das eventuais normas (regras e princípios) sob a nova ótica negocial e a utilização massiva na hermenêutica por parte dos Tribunais Estaduais e em especial o STF, sempre teve um histórico e se pautar a favor da arbitragem, em julgados pretéritos e atuais, o mais recente data de 2001, e novamente se postou favorável a utilização da Arbitragem entre entes da Administração Pública, facilitando desta feita, a maximização dos princípios da moralidade, eficiência, e não a mitigação dos mesmos.

2. Possibilidade de uso de anti-suit injuctions

Apesar do nome de estranho, o instrumento de anti-suit injuction é bastante comum na comunidade da arbitragem internacional, funciona principalmente como um filtro para a modificação de competência da causa originária, impedindo dessa

 

 

 

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maneira, que as partes do procedimento arbitral de buscarem um juiz, cuja competência seja mais apropriada. Tal procedimento visa tão somente evitar a descaracterização da Arbitragem, evitando desta maneira que a todo o momento possa ser minado por interferências, por outras Cortes Estatais ou não, nacionais ou estrangeiras.

O anti-suit injunctions tem sua origem remota, sua primeira aparição se deu na Inglaterra no século XIX, no ano de 1821, sofrendo, ficando marcada naquela ocasião a primeira decisão limitadora de interferências, com o decorrer dos séculos, evoluções técnicas foram implementadas, atingindo o seu auge em território norte americano.

A arbitragem é conhecida no mundo todo por ser célere econômica e imparcial, atingindo os seus fins de modo facilitado para os envolvidos. O anti-suit injunctions surgiu como remédio para as massivas atitudes de medidas anti-arbitragem, chamadas no âmbito jurídico de terrorismo da arbitragem Os advogados utilizavam da ideia da inafastabilidade do Poder Judiciário colocando em situação de insegurança jurídica a utilização da Arbitragem.

A cláusula compromissória impeditiva é pactuada em momento prévio, evitando deste modo, eventuais dúvidas sobre a legítima aplicação da norma, causando uma paralização do procedimento, transformando a arbitragem em método moroso e ineficaz.

O professor Ricardo Ranzolin (2012, p. 158), demonstra com clareza a possibilidade de renúncia condicionada ao exercício de ação perante o Judiciário, descaracterizando o instituto do anti-suit:

Assim, viabilizar-se-ia excepcionalmente, a possibilidade de

 

 

 

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intervenção judicial estatal pontual, com base no inciso XXXV do artigo 5° da Constituição Federal. Já foi visto que a arbitragem pressupõe uma renúncia condicionada ao exercício da ação processual frente ao Poder Judiciário. A renúncia está condicionada à viabilidade da escolha por outra via - para que a lide seja decidida perante árbitros. Desse modo, a eficácia da renúncia à via estatal fica suspensa quando, por alguma razão, não esteja acessível, de forma efetiva, a outra via escolhida. [...] Diante destas circunstâncias, então, não será oponível a exceção de convenção arbitral.

Na União Europeia, a utilização da cláusula daanti-suit injuctions é terminantemente proibida nos negócio que envolvam arbitragem e seus membros, sob pena incorrer em ato ilícito.

A anti-suit injunctions, encontra campo de incidência pela aplicação princicpiológica do Kompetenz-Kompetenz. Uma vez suscitada dúvida acerca da competência para julgamento da lide, o próprio árbitro da causa dará o parecer sobre eventual incompetência, autorizando desse modo, a sua migração.

Do ponto de vista prático, o caso em tela, mesmo a contratante sendo empresa pública com natureza de sociedade de economia mista, existe o impedimento para a utilização da cláusula anti-suit injunctions, que ao nosso ver, é maléfica para o procedimento arbitral, tendo em vista as finalidades da arbitragem já vistos.

No nosso passado recente, a Justiça brasileira, em alguns casos, decidiu ser incompatível a presença de sociedade de

 

 

 

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economia mista em procedimentos arbitrais, baseando-se, pura e simplesmente na ideia do interesse público indisponível, e tendo a sociedade de economia mista capital estatal em sua composição, invalidando qualquer cláusula compromissória, e isso inclui a anti-suit injunctions, sendo de rigor suspender compromisso arbitral.

Felizmente, a realidade no Brasil é outra, se adequando a realidade mundial, dando a arbitragem autonomia suficiente para o deslinde de seus feitos, encontrando amparo inclusive pelo o judiciário, que atua de forma cooperativa com os árbitros.

2. Possibilidade de conflitos entre os princípios da arbitragem e os princípios da administração pública – art. 37, da CRFB.

Caso emblemático, que representa a opinião da Justiça Brasileira sobre a utilização da arbitragem pelos entes públicos, foi o recente julgado AES Uruguaiana Empreendimentos Ltda. x Companhia Estadual de Energia Elétrica — CEEE (REsp 606.345,Revista de Arbitragem e Mediação 14/241). Decisão em caso análogo, e envolvendo as mesmas partes, já havia sido proferida no ano anterior pelo Superior Tribunal de Justiça, tendo sido confirmada a possibilidade de arbitragem com sociedades de economia mista nesse recurso especial julgado em maio do presente ano.

Por fim, não se pode confundir o interesse público, com o interesse da administração, como assim declarou Eduardo Talamini (2005, p. 64):

Não é possível pretender invocar a primeira acepção de “indisponibilidade” há pouco referido para assim negar o cabimento da arbitragem envolvendo o Poder Público. Não é viável afirmar que, na

 

 

 

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medida em que o agente público não pode renunciar a direitos que a Administração detém, que na medida em que ele não pode abrir mão de posições jurídicas públicas, não poderia tampouco submeter os litígios da Administração ao processo arbitral. Sustentar isso implica ignorar o regime jurídico da arbitragem, bem como desprezar o regime de direito público.

Ao negar a arbitragem como forma de solucionar o conflito, a sociedade de economia mista, como ente da Administração Pública Indireta, infringe os princípios que esta própria defende, principalmente, o da boa-fé e o da confiança. Quando se realiza um contrato, ambas partes, contratante e contratado, esperam que cada uma cumpra o que o contrato estabelece, então quando uma delas desconsidera algo que está previsto em uma cláusula, como a compromissória, se negando a tal determinação está agindo de má-fé, ferindo um dos requisitos primordiais que existe para a celebração de um contrato, como a confiança.

Em várias oportunidades, os tribunais superiores vêm seguindo o entendimento de que arbitragem pode ser utilizada como forma de resolução de conflitos de ordem patrimonial sem maiores embaraços, é o que pode se depreender do Agravo Regimental na Sentença Estrangeira 5206/EP – Espanha, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, em 12/12/2001, D.J. de 30/04/2004, em parte:

(...) 3. Lei de Arbitragem (L. 9.307/96): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução

 

 

 

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judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o artigo 5º, XXXV, da CF. Votos vencidos, em parte - incluído o do relator - que entendiam inconstitucionais a cláusula compromissória - dada a indeterminação de seu objeto - e a possibilidade de a outra parte, havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, recorrer ao Poder Judiciário para compelir a parte recalcitrante a firmar o compromisso, e, consequentemente, declaravam a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 9.307/96 (art. 6º, parág. único; 7º e seus parágrafos e, no art. 41, das novas redações atribuídas ao art. 267, VII e art. 301, inciso IX do C. Pr. Civil; e art. 42), por violação da garantia da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário. Constitucionalidade - aí por decisão unânime, dos dispositivos da Lei de Arbitragem que prescrevem a irrecorribilidade (art. 18) e os efeitos de

 

 

 

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decisão judiciária da sentença arbitral (art. 31).

Neste sentido Selma Ferreira Lemes (2006) defende:

...é comum a sociedade de economia mista negar vigência à cláusula compromissória, com o intuito de afastar a arbitragem, valendo-se de argumentos inconsistentes, tais como, que não poderia submeter-se à arbitragem pelo fato de integrar a Administração Pública Indireta; que a matéria é de direito indisponível (serviço público concedido): que envolve interesse público, etc. Assim agindo, além de violar o inafastável princípio jurídico da boa-fé e seus consectários, tais como, o da confiança legítima e do venire contra factum proprium (ninguém pode se eximir de uma obrigação assumida invocando sua própria falha), que permeiam todas as relações jurídicas, em especial, as advindas da administração pública direta e indireta, é inconcebível admitir que a sociedade de economia mista não cumpra o assumido, haja vista a lei de arbitragem determinar que a cláusula compromissória tem efeito vinculante e afasta a submissão da controvérsia ao Judiciário.

No mesmo trabalho, a autora cita uma decisão de um juiz do Tribunal do Paraná – TAPR. Ap.C.247.646-0,7.CC.J.11/02/04, em que é dito que “a sociedade de economia mista quando atua na compra e venda de energia elétrica está praticando atividade

 

 

 

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puramente comercial, desprovida de qualquer reflexo no direito administrativo”.

Conclui-se, portanto que, tem total validade a cláusula compromissória trazida no contrato, já que a sociedade economia mista vai cumprir regras de mercado e do Código Civil.

O princípio da autonomia da vontade dita que as partes têm total liberdade de escolherem a arbitragem ou não, contanto que o contrato verse sobre direito patrimonial disponível. Realizaram esse contrato, e colocaram a cláusula compromissória, por opção delas, e assinou tal contrato, o que significa que optaram pela arbitragem, e se comprometem a cumpri-la em caso de conflito.

Ao negar que o contrato de compra e venda trata de natureza de direito patrimonial disponível, está negando também a sociedade de economia mista que exerce, por ser ente da Administração Pública, os atos de gestão.

A doutrina majoritária defende a possibilidade de a arbitragem ser usada pela Administração Pública, desde que seja cumprido o princípio da legalidade. Alguns desses doutrinadores se baseiam no art.1º da Lei nº 9307/96; outros no art. 25, inciso XV da Lei nº 8987/95; e ainda tem quem defenda o art.54 da Lei 8666/93, para dizerem que a administração pública pode usar a arbitragem.

O STF salientou que o juízo arbitral sempre foi consagrado no direito brasileiro, até mesmo em causas contra a Fazenda, e que pensar de modo contrário, significaria restringir a autonomia contratual do Estado, o caso ficou conhecido com o julgado do agravo regimental do leading case de Lage:

Ementa: incorporação, bens e direitos das empresas organização Lage e do espólio de Henrique Lage. Juízo arbitral.

 

 

 

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Cláusula de irrecorribilidade. Juros da mora. Correção monetária. 1. Legalidade do juízo arbitral, que o nosso direito sempre admitiu e consagrou, até mesmo nas causas contra a fazenda. Precedente do supremo tribunal federal. 2. Legitimidade da cláusula de irrecorribilidade de sentença arbitral, que não ofende a norma constitucional. 3. Juros de mora concedidos, pelo acórdão agravado, na forma da lei, ou seja, a partir da propositura da ação. Razoável interpretação da situação dos autos e da lei n. 4.414, de 1964. 4. Correção monetária concedida, pelo tribunal a quo, a partir da publicação da lei n. 4.686, de 21.6.65. Decisão correta. 5. Agravo de instrumento a que se negou provimento (STF, AI 52181/GB - GUANABARA - AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator: Min. BILAC PINTO, julgado em 14/11/1973, publicado em 15-02-1974).

Sendo a sociedade de economia mista um ente da Administração Pública Indireta ela não pode se apegar ao princípio da irrecorribilidade das sentenças arbitrais para se afastar da arbitragem, porque ele só se aplica à Administração Pública Direta. E celebrando um contrato com cláusula compromissória, e que trata de direito patrimonial disponível, também não poderá negar o uso da arbitragem, pois tinha total autonomia em celebrar ou não esse contrato.

3. Conclusão

Com o ecoar dos novos tempos, os métodos de pacificação social estão ganhando cada dia mais espaço na

 

 

 

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comunidade jurídica. O instituto da Arbitragem pode e deve ser utilizado pelos entes ligados a Administração Pública, seja ela direta ou indireta, sendo exploradora de atividade econômica. O Direito Administrativo, por si só, é uma área nebulosa, não possui regramento unitário e suas regulações encontram-se nos mais variados diplomas normativos, tornando-a mais confusa e rígida quanto às modificações interpretativas.

Os entes da Administração pública gozam de benefícios quando se relacionam com particulares através de contratos administrativos, tais como clausulas exorbitante e prazos diferenciados, apesar dessa diferenciação que decorre de princípios inafastáveis do Direito Público, a Supremacia e a Indisponibilidade do interesse público, não retira a possibilidade das partes elegerem o juízo arbitral para a resolução de conflitos.

A própria Lei de Licitações não deixa dúvidas quanto à utilização da arbitragem, conforme o artigo 54, “os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.". Tal dispositivo não deixa dúvidas da possibilidade de aplicação da Lei 9.307/96.

A permissão tal permeia outros diplomas do Direito Administrativo, tal como a Lei de Serviços Públicos, 8.987/95, em seu artigo 23, inciso XV, “ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais”. “Assim, por esta permissão legal é perfeitamente legal e possível à adoção da Arbitragem nos contratos administrativos nos regimes de concessão e permissão dos serviços públicos. ” Não deixando qualquer dúvida sobre sua aplicabilidade.

O Supremo Tribunal Federal, adotando postura coerente, alinhada aos novos tempos, em julgado recente, datado de 2004,

 

 

 

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em homologação de sentença estrangeira, a viabilidade da utilização da arbitragem como instrumento facilitador de resoluções de conflitos por entes da Administração Pública, mesmo quando não existe previsão legal, pois de qualquer forma, estaria alinhada a vontade do legislador, por meio da interpretação sistemática do ordenamento jurídico brasileiro.

Por fim, fica clara a necessidade do reconhecimento da Arbitragem como método possível para resolução de conflitos inclusiva para os entes da administração pública. Tal necessidade encontra amparo na Emenda Constitucional n° 45, promovendo uma Justiça, rápida e inteligente. Firmando compromisso de cumprimento dos pactos firmados pelas partes, gerando um poder-dever de cumprimento das cláusulas compromissórias, devendo estas ser respeitados por todas as autoridades, evitando desse modo um quadro generalizado de insegurança jurídica, o que tornaria muito gravoso para a imagem do Brasil no cenário mundial de arbitragem.

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