Bernard Lewis - A Crise Do Islã

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Bernard Lewis - A Crise Do Islã

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  • Bernard Lewis

    A C rise do IslGuerra santa e terror profano

    Traduo:M aria Lcia de Oliveira

    Jorge Zahar EditorRio de Janeiro

  • Ttulo original:The Crisis o f Islam (Hly War and Unholy Terror)

    Traduo autorizada da primeira edio norte-americana publicada em 2003 por M odern Library, imprint de Random House

    Publishing Group, urna diviso de Random House Inc.

    Copyright 2003, Bernard Lewis

    Copyright da edio brasileira 2004: Jorge Zahar Editor Ltda. ra Mxico 31 sobreloja

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    Capa: Miriam Lerner

    Fotos de capa:Trm ino do Ramad, sc. xm

    Mausolu do mul Ismail Corbis

    CIP-Brasil. Catalogao-na-fonte Sindicato Nacional ds Editores de Livros, RJ.

    Lewis, BemardL652c A crise do isl: guerra santa e terror profano /

    Bernard Lewis; traduo, M aria Lcia de Oliveira, - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004

    Traduo de: The crisis of islam: holy war and unholy terror

    ApndiceISBN 85-7110-804-8

    1. Jihad. 2. Terrorismo - Aspecto.s rtiigioso.s - Islamismo. 3 Guerra - Aspccios religiosos Islamismo. 4. Islamismo e poltica. 5. lim ilam enialism o islmico. I. Ttulo.

    r:i)i) .>97,22,04-1751 CUU 297.73

  • SUMARIO

    MoposA Era dos Califas, 1 O Imprio Otomano, 8 A Era do niprdisnia,'}O Oriente Medio Moje, iO

    Introduo, 11

    1. D e fin in d o o Isl, 252. A C asa d a G u erra , 453 . D e C ru zad o s a Im p eria lis ta s , 594. D esc o b rin d o a A m rica , 725. Sat e os Soviticos, 866 . D ois Pesos, D u as M ed idas, 103

    7 . U m F racasso d a M o d e rn id a d e , 11 o

    8. A A liana e n tre o P o d e r S au d ita e o E n s in a m e n to W a h h a b f 1 16

    9 . A A scenso d o T erro rism o , 1 /')

    Posfdo, 151 ndice Remissivo, r. i

  • Para Haroid Rhode com amizade

  • -K5- T7 30 tjoyMfc-f-Y '"'^K^n'odar

    TURCOlJJNKr^ ^^

    Mor Medrterrneo

    - U " rCHIPRE^ ^ SIRIA

    i A lexand ria . g ; j |eiC a iro * Faxa^G 0-* =

    B e iru te 3 H im s x j- \Lbano ^ Damasco \OB^ d -d^

    Paralelos-padro 12'Ne 38'N A diiA bel|a

    " V ' ETIPIA

    'x T l a r j e y s a

    O O rien te M edio H

  • INTRODUO

    o Presidente Bush e o u tros po lticos ocidentais tm feito grandes esforos para deixar claro que a g u erra na qual estam os engajados urna guerra con tra o te rro rism o - no co n tra os rabes ou, em te r mos m ais gerais, co n tra m u u lm anos, instados a se ju n ta rem a ns nessa bata lha co n tra o in im igo com um . A m ensagem de O sam a b in haden o contrrio disso. Para ele e seus seguidores, essa urna guerra religiosa, urna guerra do isl con tra os infiis e, po rtan to , inevitavelm ente, contra os Estados U nidos, a m aior potencia do m undo infiel.

    Em seus p ronunciam en tos, Bin Laden faz referncias freqentes historia. U m a das m ais d ram ticas foi em seu vdeo de 7 de ou tu b ro de 2001, q u ando se referiu hum ilhao e desgraa que o isl so freu p o r m ais de o iten ta anos. A m aio r parte dos observadores n o r te-am ericanos e europeus do O rien te M dio com eou um a busca ansiosa p o r algum a coisa que tivesse acontecido h m ais de o iten ta anos, e su rg iram vrias respostas. Podem os ter bastan te certeza de que os ouvintes m uu lm anos de Bin Laden - as pessoas s quais se dirigia - en tenderam a aluso im edia tam ente e valorizaram a sua im portncia .

    Em 1918, o su ltanato o tom ano , o ltim o dos grandes im perios m uu lm anos, foi finalm ente derro tado - sua capital, U onstaiitino- pla, foi ocupada, seu soberano feito cativo e a m aioria de seu te rr it rio partilhado en tre os lm|H'i ios vitoriosos: o Britnico e o francs.

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  • As antigas provncias o tom anas de lngua rabe do Crescente Frtil fo ram separadas e deram origem a trs novas entidades, com novos nom es e fronteiras. D uas delas, Iraque e Palestina, ficaram sob o m an d a to britn ico , e a terceira, com o no m e Sria, foi dada p ara os franceses. M ais ta rde , esses ltim os d iv id iram seu m an d a to em duas partes, ch am an d o u m a de Lbano e m an ten d o o nom e Sria p ara a o u tra . Os b ritn icos fizeram algo bem parecido na Palestina, criando um a diviso en tre as duas m argens do Jordo. A parte o rien ta l foi cham ada T ransjo rdn ia e, m ais tarde, sim plesm ente Jordnia; o n o m e Palestina foi m an tid o e reservado para a m argem ocidental, o u seja, a parte p ro p riam en te cisjo rdan iana do pas.

    C onsiderava-se, naquela poca, que no valia a pena assum ir o con tro le da Pennsula A rbica, fo rm ada, em grande parte , p o r desertos e m o n tan h as estreis e inacessveis, e seus governantes tiveram perm isso de m an ter u m a independncia p recria e lim itada. Os tu rcos acabaram conseguindo liberar a A natlia, sua te rra natal, no em nom e do isl, m as atravs de u m m ov im en to nacionalista secular liderado p o r u m general o to m an o cham ado M ustafa Kemal, m ais conhecido com o Kemal A taturk . M esm o tendo lu tado , com sucesso, para liberta r a T urquia do dom n io ocidental, foi ele quem deu os prim eiros passos para a adoo de cam inhos ocidentais - ou, com o preferia dizer, cam inhos m odernos. U m de seus prim eiros atos, em novem bro de 1922, foi abolir o su ltanato .

    O soberano o to m an o era no apenas u m sulto, o d irigente de um Estado especfico; era tam b m am plam en te reconhecido com o o califa, o chefe de todo o isl sun ita e o ltim o em u m a linhagem de governantes cuja origem rem ontava a 632 d.C . - ano da m orte do profeta M aom e da indicao de u m sucessor para o cu p ar seu lugar, no com o chefe espiritual, m as sim com o chefe religioso e poltico do Estado m u u lm an o e de sua com unidade. Aps um a breve experincia com u m califa d istin to , os tu rcos aboliram lam bm o califa- do, em m aro de 1924.

    12 A crise do isl

  • D uran te seus quase 13 sculos, o califado, em bora passando p o r m uitas vicissitudes, p erm aneceu com o poderoso sm bolo da u n id a de m uu lm ana, at m esm o de sua identidade; seu desaparecim ento , sob o dup lo assalto de im perialistas estrangeiros e m odern istas d o m sticos, foi sen tido em todo o m u n d o m u u lm ano . V rios m o n a rcas e lderes m uu lm anos ensaiaram algum as dbeis tentativas de l eclam ar o ttu lo vago, m as n e n h u m deles en co n tro u g rande apoio. M uitos m uu lm anos ainda percebem de fo rm a dolorosa esse vazio, e com enta-se que o p r p rio O sam a b in Laden tin h a - ou tem - asp iraes ao califado.

    A palavra califa vem do rabe khalifa, que, com um a am big idade o p o rtu n a , com bina os sentidos de sucessor e sub stitu to . O riginalm ente, o chefe da com un idade islm ica era o Khalifa do Profeta de D eus. A lguns, m ais am biciosos, en cu rta ram o ttu lo para "o Khalifa de D eus. Esta p retenso au to rid ad e esp iritual foi calorosam ente contestada ' e, p o r fim , abandonada, em bora u m ttu lo expressando algo sim ilar, de fo rm a m ais b ran d a , a Som bra de D eus na Ierra, tenha sido am plam en te usado p o r governantes m uu lm anos.I )urante a m aio r p arte da h ist ria dessa institu io , os deten tores do

    uilifado contentavam-se com o ttulo mais m odesto de Am ir al-M umi- nin, em geral trad u z id o com o C om an d an te dos Fiis.

    Introduo 13

    Aluses histricas com o as de Bin Laden, que talvez paream obscu ras para m uitos ocidentais, so com uns en tre os m uu lm anos, c s podem ser en tend idas adequadam ente levando-se em couta a form a com o os povos do O rien te M dio percebem a queslao da identidade, e con tra o pano de fundo da h ist ria daquela regio. M esm o os co n ceitos de h ist ria e iden tidade requerem novas di-linioes para o oc idental que busca en tender o O rien te M edio ro n ten q io rn eo . N o uso corren te no rte -am ericano , a expiarss.io "isto e h istria usada, em geral, para desconsiderar algo i o m o siaulo sem im portnc ia ou sem nenhum a relevncia paia ,is |ireocupaoes atuais; apesar de u m

  • im enso investim ento no ensino da h ist ria e na p ro d u o de textos sobre o tem a, a sociedade n o rte -am erican a tem u m nvel geral de conhecim en to h istrico terrivelm ente lim itado . O s povos m u u lm anos, com o todos os o u tros do m u n d o , so m oldados p o r sua h ist ria , m as, ao co n tr rio de alguns, so p ro fu n d am en te conscientes disso. Sua conscincia data, no en tan to , do advento do isl, com ta lvez algum as pequenas referncias aos tem pos pr-islm icos, necessrias para explicar aluses histricas encon tradas n o A lcoro e nas antigas trad ies e crnicas islm icas. Para os m uu lm anos, a h is t ria islm ica tem im p o rtan te significado religioso e tam bm legal, dado que reflete a elaborao detalhada do p ro psito de D eus para Sua co m un idade - fo rm ada p o r aqueles que aceitam os en sin am en tos do isl e obedecem a suas leis. A h ist ria dos Estados e povos n o -m u u lm an o s no transm ite tal m ensagem e no tem , p o rtan to , valor o u interesse. M esm o em pases com u m a civilizao antiga com o a do O rien te M dio, o conhec im en to da h ist ria pag - de seus p rp rio s ancestrais, cujos m o n u m en to s e inscries esto vo lta de todos - era m n im o . As lnguas e os textos antigos fo ram esquecidos, os registros antigos queim ados, at serem recuperados e decifrados, nos tem pos m odernos, p o r obstinados arquelogos e fillogos ocidentais. M as, no que se refere ao perodo iniciado com o advento do isl, os povos m uu lm anos p ro d u ziram um a rica e variada lite ra tu ra h istrica - de fato, em m uitas regies, at m esm o em pases com um a civilizao antiga com o a n d ia , os trabalhos h is t ricos im portan tes com eam com a chegada do p r p rio isl.

    M as h ist ria de qu? N o m u n d o ocidental, a un idade bsica da organizao h u m an a a nao - um conceito que, no uso n o r te-am ericano , m as no no europeu , v irtu a lm en te s inn im o de pas. Essa to talidade en to subdiv id ida segundo vrios critrios, sendo um deles a religio. Os m uu lm anos, no en tan to , tendem a ver no um a nao subdiv id ida em grupos religiosos, m as um a religio subdividida em naes. Sem dvida, isso se deve, parcialm ente, ao fato de a m aior parte dos E stados-naes que com pem o O rien te

    14 A crise do isl

  • M dio m o d ern o ser u m a criao re lativam ente nova, rem anescente dos tem pos de dom inao im perial anglo-francesa que se seguiram d erro ta do Im prio O tom ano . Esses Estados preservam as dem arcaes nacionais e as fron teiras estabelecidas p o r seus antigos senhores im periais. A t m esm o seus nom es refletem essa artificialidade. O 1 raque era u m a prov ncia m edieval, com fron teiras m u ito d iferentes daquelas da R epblica m o d ern a , excluindo a M esopotm ia, no n o r te, e inc lu indo um a parte do Ir ocidental; Sria, Palestina e Lbia so nom es da A ntig idade clssica que no haviam sido usados na re gio p o r m il anos o u m ais, at serem revividos e im postos - tam bm com fronteiras novas e, m u itas vezes, diferentes - p o r im perialistas europeus n o sculo XX.* Arglia e T un sia nem m esm o existem com o nom es rabes - o m esm o nom e serve para a cidade e o pas. O mais notvel de tu d o que a lngua rabe no tem n en h u m nom e para A rbia, e a a tual A rbia Saudita cham ada o reino rabe saud ita ou a pen nsu la dos rabes, d ep en d en d o do contexto . E no porque o rabe seja u m a lngua pob re - bem ao con tr rio - m as p o rque os rabes sim plesm ente no pensam iden tidade em term os da com binao de etn ia e te rrit rio . O califa U m ar citado com o d izendo aos rabes: A prendam suas genealogias, e no sejam com o os cam poneses locais que, q u an d o lhes p e rg u n tam quem so, re sp o n dem ; sou de tal o u qual lugar.**

    Nos p rim eiro s sculos da era m uu lm ana, a com unidade islmica era um Estado sob u m governante. M esm o depois de aquela co-

    Introduo 15

    * O prim eiro desses nom es reapareceu brevem ente no final do perodo o tom ano , quando a provncia de Dam asco foi renom eada provncia da Sria (Suriye). Suas IVonteiras eram significativam ente diferentes daquelas da repblica ps-guerra. O nom e ro m ano-b izan tino Palestina foi m antido p o r algum tem po pelos conqu ista dores rabes, m as j havia sido esquecido quando chegaram os cruzados. Reapareceu com o estabelecim ento do M andato Britnico aps a P rim eira G uerra M undial. O nom e rom ano Lbia era desconhecido at que foi oficialm ente re in troduzido pelos italianos.' ' Ibn Khaldun, mAl-Muqaddima, F.. Q uatrem re (org.) (Paris, 1858), vo l.l, p.237.

  • m u n id ad e ter sido divid ida em m uito s Estados, persistiu o ideal de u rna n ica un idade poltica islm ica. Os Estados eram quase todos d insticos, com fronteiras cam biantes, e certam ente significativo que, na riqussim a historiografia do m u n d o islm ico em rabe, p e rsa e tu rco , encon trem -se h istorias de d inastias, cidades e, p rinc ipa lm ente, do Estado e da com un idade islm ica, m as n en h u m a da Prsia o u da T urquia . Esses nom es, d iferen tem en te do que ocorre com Sria, Palestina o u Iraque, designam no novas entidades po lticas, m as antigas, com sculos de independncia e soberania. A inda assim , at os tem pos m odernos, m esm o esses nom es no existiam em rabe, persa ou tu rco . O nom e T urqu ia , designando um pas h a b itado p o r pessoas cham adas tu rcos e que falam u m id iom a cham ado tu rco , parece conform ar-se ao pad ro eu ro p eu n o rm al de identificar pases p o r nom es tnicos. M as esse nom e, co rren te na E uropa desde a Idade M dia, som ente foi ado tado na T u rq u ia aps a proclam ao da repblica, em 1923. Prsia u m a adaptao e u ro pia, o rig inalm ente grega, de Pars, po ste rio rm en te Fars, o nom e de u m a prov ncia do Ir ocidental. Aps a conqu ista rabe, com o o alfabeto rabe no tem a letra p, passou a ser conhecida com o Fars. Assim com o o d ialeto castelhano to rn o u -se espanho l e o toscano viro u italiano, assim tam b m farsi, o d ialeto regional de Fars, acabou sendo lngua pad ro do pas, m as, no uso persa, o nom e da p ro v n cia n unca foi aplicado ao pas com o u m todo .

    Tanto rabes q u an to tu rcos p ro d u ziram vasta lite ra tu ra descrevendo suas lutas contra a Europa crista, desde as prim eiras incurses rabes no sculo VIII at .1 liilim a relirada turca, no sculo XX. Mas, at o perodo m oderno , c|uaiKlo conceitos e categorias europeus to r naram -se dom inan tes, os soldados, oficiais e h istoriadores islmicos quase sem pre se referiam aos seus oponen tes no em term os te rr ito riais ou nacionais, mas sim plesm ente com o infiis {kafir) ou, algum as vezes, p o r vagos term os gerais com o trancos ou rom anos. D o m esm o m odo, n u n ca se referiam ao seu p r p rio lado com o rabes,

    16 A crise do Isl

  • (tersas ou turcos; identificavam todos com o m uu lm anos. Essa pers- (lectiva ajuda a explicar, en tre o u tras coisas, a p reocupao do Pa- ((uisto com o Talib e seus sucessores no Afeganisto. O nom e laquisto, um a inveno do sculo XX, designa u m pas in te iram en te defin ido p o r sua religio e lealdade islm icas. Em todos os o u tros .ispectos, o pas e o povo do Paquisto so - com o haviam sido p o r m il n io s -p a r te da nd ia . O A feganisto defin ido p o r sua identidade islmica seria u m aliado n a tu ra l do Paquisto , o u m esm o u m satlite seu. O A feganisto defin ido pela nacionalidade tnica, ao con trrio , poderia ser u m vizinho perigoso, lanando dem andas irredentistas sobre as reas do noroeste paquistans que fala o pashtu e, talvez, at m esm o aliando-se nd ia .

    Referncias h istria , e at h ist ria antiga, so lugar-com um nos discursos pblicos. Na dcada de 1980, d u ran te a G uerra Ir-Iraque, p o r exem plo, os dois lados em penharam -se em cam panhas de p ropaganda m assiva que freqen tem ente evocavam eventos c personalidades de pocas to rem otas qu an to o sculo V II, as b a ta lhas de Q adisiyya (637 d.C .) e K arbala (680 d .C .). A batalha de Q adi- siyya foi vencida pelos rabes m uu lm anos que invadiram o Ir e lu taram con tra o exrcito defensor do x da Prsia, ainda no convertido ao isl e, p o rtan to , aos o lhos m uu lm anos, ainda com posto de pagos e infiis. Assim , os dois lados podiam proclam ar com o sua a v it ria - para Saddam H ussein, dos rabes sohi e os (icrsas, e, para o aiatol K hom eini, dos m uu lm anos sobre o.s infiei.s.

    As referncias a essas batalhas no eram desei iocs nem n a rra tivas, m as rpidas, incom pletas aluses. Ainda assim , os dois lados usaram -nas com p lena certeza de cpie sei lam (Ha echidas e iden tificadas p o r seus respectivos pblicos. e ,ile nu 'sm o pela m aior p arte deles que era com posta de analfabelos. f (liln il im aginar agentes de p ro paganda de m assa no O cidenie delendendo seus pon to s de vista atravs de aluses a eras i.ki ,inii;;.is, a hcp tarqu ia anglo-saxnica na Ing laterra os aos m o n .in as i.no lng ios na Frana. Inflam ado pelo

    Introduo 17

  • m esm o esprito , O sam a b in Laden insu lta o presiden te Bush ao igual-lo ao Fara, e acusa o v ice-presidente D ick C heney e o secretrio de Estado C olin Powell (citados no m esm o contex to) de terem p ro d u z id o m a io r devastao no Iraque d u ra n te e aps a G uerra do Golfo de 1991 do que os cs m ongis que, em m eados do sculo XIII, co n q u is ta ram Bagd e destru ram o califado abssida. Os povos do O rien te M dio tm u m a percepo da h ist ria que fom entada nos p lp itos, nas escolas e pela m dia, e em bora possa ser - e, m uitas vezes, - d isto rcida e pouco acurada, , a inda assim , vivida, e tem p ro funda repercusso.

    18 A crise do isl

    Em 23 de fevereiro de 1998, o A l-Q uds a l-A rab i, u m jo rn a l rabe p u b licado em Londres, trouxe a n teg ra de u m a D eclarao da Frente Islm ica M undial para a Jihad con tra os Judeus e os C ruzados. De acordo com o jo rnal, o texto lhes foi enviado p o r fax, com as assinatu ras de O sam a b in Laden e dos lderes dos g rupos da jih a d n o Egito, Paquisto e em Bangladesh. A declarao - u m a m agnfica pea de eloqente, e p o r vezes potica, p rosa rabe - revela u m a verso da h ist ria que, p ara a m aio r p arte dos ocidentais, soar nada familiar. As queixas feitas p o r Bin Laden naquele do cu m en to no so exatam ente as que m u ito s p o d eriam esperar. A declarao com ea com a citao das passagens m ais m ilitan tes do A lcoro e dos d itos do p ro feta M aom , e depois continua: D esde que D eus m o ld o u a P en nsu la A rbica, criou seus desertos e a cercou com seus m ares, jam ais um a calam idade a assolou com o essas hostes de cruzados que se esp a lharam sobre ela com o gafanhotos, in festando seu solo, com endo seus fru tos e d estru in d o sua vegetao; e isso n u m (em po em que as naes se lanam con tra os m u u lm an o s com o convivas de u m ja n ta r acotovelando-se em volta de u m a travessa de com ida.

    A p a rtir desse pon to , a declarao segue falando sobre a necessidade de com preender a situao e agir para corrig i-la . Os latos, diz o

  • (cxto, so conhecidos p o r todos, e so apresen tados em trs tpicos principais.

    Primeiro - H mais de sete anos os Estados U nidos esto ocupando as terras do isl no m ais sagrado de seus territrios, a Arbia, pilhando suas riquezas, esm agando seus governantes, hum ilhando seu povo, am eaando seus vizinhos e usando suas bases na pennsula com o p on ta de lana para lutar contra os povos islm icos da vizinhana. Embora tenha havido controvrsias no passado sobre a verdadeira natureza dessa ocupao, o povo da Arbia, em sua totalidade, agora a reconhece.

    N o h m elhor prova disso que a contnua agresso norte-am ericana contra o povo do Iraque, desencadeada da Arbia a despeito de seus governantes, que, m esm o sendo todos eles contrrios ao uso de seus territrios para tal propsito, esto subjugados.Segundo - Apesar da im ensa destruio infligida ao povo iraquiano pelas m os dos cruzados e judeus em aliana, e apesar do nm ero ch ocante de m ortes, que ultrapassaram um m ilho, os norte-am ericanos, ainda assim, a despeito de tudo isso, esto tentando, mais um a vez, repetir essa pavorosa carnificina. Parece que o longo b loqueio que se seguiu a um a guerra selvagem, o desm em bram ento e a de.struio no so suficientes para eles. Assim, voltam hoje para destruir o que resta desse povo e hum ilhar seus vizinhos m uulm anos.Terceiro - Embora os propsitos dos norte-am ericanos nessas guerras sejam religiosos e econm icos, eles tam bm servem .\o insignificante Estado dos judeus, desviando a ateno de sua oi iipaao de )erusalm e da m orte de m uulm anos na cidade.

    N o h m elhor prova de tudo isso i|iie a s.mh.i norle-am ericana de destruir o Iraque, o mais forte dos Estados .ii .ihes v i/inhos, esu a tentativa de desm em brar todos os Estados d.i ic-g.i.io, com o o Iraque, a Arbia Saudita, o Egito e o Sudo, (ranslorm .nulo os em Estados m enores cuja diviso e fraqueza garantiriam .1 sohicvivencia de Israel e a con tinuao da calam itosa ociipa(,ao d.is lei i.is da Arbia pelos cruzados.

    Esses crim es, con tinua a dec lar.iao, eqivalem a u m a declarao explcita de gueri.i p e lo s noric-am ericanos co n tra D eus, Seu

    Introduo 19

  • Profeta e os m uu lm anos. Em tal situao, os ulem s tm op inado u n an im em en te atravs dos sculos que, q u an d o in im igos atacam as terras m uu lm anas, a jihad to rna-se u m a obrigao pessoal de todos os m u u lm an o s .

    Os signatrios citam vrias au to ridades m uu lm anas e passam en to para a p arte final e m ais im p o rtan te da declarao, a fa tw a , estabelecendo que m ata r am ericanos e seus aliados, tan to civis q u a n to m ilitares, u m a obrigao ind iv idual de todos os m uu lm anos capazes, em qualquer pas em que isso seja possvel, at que a m esq u ita de Aqsa [em Jerusalm ] e a m esquita de H aram [em Meca] sejam libertadas de seu jugo, e at que seus exrcitos, despedaados e capengas, ab an d o n em todas as terras do isl, incapazes de am eaar qualquer m u u lm an o .

    Aps citar alguns o u tros versculos relevantes do A lcoro, o d o cum ento continua: C om a perm isso de D eus, convocam os todos os m uu lm anos que acred itam em D eus e esperam recom pensa p o r obedecer a Seus com andos para m atar os n o rte -am ericanos e saquear suas posses onde quer que os enco n trem e q u ando quer que consigam . D a m esm a form a, convocam os os ulem s, os lderes, os jovens e os so ldados m uu lm anos para d ar incio a ataques co n tra os exrcitos dos dem nios no rte -am ericanos e co n tra aqueles a ju d an tes de Sat que so seus aliados. A declarao e a fa tw a te rm in am com um a srie de o u tras citaes das escritu ras m uulm anas.

    20 A crise do isl

    Segundo a viso ocidental corrente, a C u erra do Colfo de 1991 foi in iciada pelos Estados U nidos, com u m a coalizo de pases rabes e ou tros aliados, p ara liberta r o Kuwait da conqu ista e ocupao iraquianas e p ro teger a A rbia Saudita co n tra u m a agresso do Iraque. Ver essa guerra com o u m a agresso no rte -am ericana ao lr;K|Lic pode parecer u m tan to estranho , m as essa a pcrspcciiv.i am plam ente aceita no m u n d o islm ico. N a m edida cm c|uc se dilui ,i m em ria do a taque de Saddam H ussein ao Kuwait, o cpie en tra no loco das aten-

  • es so as sanes co n tra o Iraque, os avies n o rte -am ericanos e britnicos p a tru lh an d o os cus a p a rtir de bases na A rbia, o sofrim ento do povo iraqu iano e, crescentem ente , o que se percebe com o a tendenciosidade n o rte -am erican a a favor de Israel.

    As trs reas de queixas listadas na declarao - Arbia, Iraque, lerusalm - so fam iliares p ara observadores do cenrio no O rien te M dio. O que pode ser m enos fam iliar a seqncia e a nfase com i|Lie essas reas so apresentadas. Isso no ser n en h u m a surpresa inira qualquer u m versado na h ist ria e lite ra tu ra islm icas. E m bora iis, ocidentais, tendam os a esquecer isso algum as vezes, p ara os m u u lm anos a Terra Santa p o r excelncia a A rbia e, especialm ente, a regio do H ijaz e suas duas cidades sagradas - M eca, onde nasceu o 1rofeta, e M edina, o nde se estabeleceu o p rim eiro Estado m u u lm ano; o pas cujo povo foi o p rim eiro a acorrer nova f e to rn o u -se seu baluarte. O p rofeta M aom viveu e m o rreu na Arbia, bem com o seus sucessores im ediatos, os califas, no com ando da com unidade. I )esde ento, exceto p o r breve in tervalo na Sria, o cen tro do m u n d o islmico e o cenrio de suas m aiores realizaes foi o Iraque, e Bagd, sua capital, foi a sede do califado p o r m eio m ilnio. Para os m u u lm anos, no se pode jam ais ren u n c ia r a n en h u m pedao de te rra um a vez que ten h a sido anexado esfera de d o m n io do isl, m as n en h u m se com para em significado A rbia e ao Iraque.

    Desses dois, a A rbia , de longe, o m ais im p o rtan te . II istoriado- res rabes clssicos con tam que, no ano 20 da era m uu lm ana (co rrespondente ao ano 641 d .C .), o califa U m ar decretou c|ue judeus e cristos deveriam ser re tirados de to d a a Arbia, com exceo das faixas do sul e do leste, em obedincia a um com ando tio Ihofeta p ro nunciado em seu leito de m orte: Q ue nao baja duas religies na Arbia.

    Os povos em questo eram os judeus do osjs de Khaybar, no norte , e os cristos de N ajran, no sul. Am bos constitu am c o m u n id a des antigas e bem consoliilatlas, de tala, cu ltu ra e m o d o de v ida ra bes, d iferindo de seus v i/jiihos apenas em sua f.

    Introduo 21

  • A atribu io daquela fala ao Profeta foi im p u g n ad a po r algum as au to ridades islm icas m ais antigas. M as, de m o d o geral, foi aceita e cum prida . A expulso de m inorias religiosas ex trem am ente rara na h is t ria islm ica - ao co n tr rio da cristandade m edieval, na qual expulses de judeus e, aps a R econquista, de m uu lm anos eram no rm ais e freqentes. C om parado com as expulses europias, o d e creto de U m ar era tan to lim itado qu an to com passivo. N o inclua o sul e o sudeste da Arbia, que no eram vistos com o parte da Terra Santa islm ica. E, d iferen tem ente dos judeus e m uu lm anos expulsos da E spanha e de o u tro s pases europeus, obrigados a en co n tra r o refgio que pudessem em ou tro lugar, os judeus e cristos da Arbia fo ram reassentados em terras destinadas a eles - os judeus, na Sria e na Palestina e os cristos, no Iraque. O processo foi gradual, em vez de sbito , e h registros de judeus e cristos em K haybar e N ajran p o r algum tem po a inda aps o decreto.

    A expulso foi concluda a seu tem po e, desde ento, a Terra Santa do H ijaz tem sido te rrit rio pro ib ido para no -m uu lm anos. De acordo com a escola de ju risp rudnc ia islm ica reconhecida pelo Estado saudita e p o r O sam a b in Laden e seus seguidores, at m esm o o fato de u m n o -m u u lm an o p isar o solo sagrado j u m a grande ofensa. N o resto do reino, os no -m u u lm an o s, em bora adm itidos com o visitantes tem porrio s, no tin h am perm isso para fixar residncia ou p ra tica r suas religies. O p o rto de D jedda, no M ar V erm elho, funcionou , d u ran te m u ito tem po, com o u m tip o de rea de quaren tena religiosa, na qual represen tan tes d iplom ticos, consulares e com erciais recebiam perm isso de viver estritam ente n u m carter tem porrio .

    A p a rtir da dcada de 1930, a descoberta e explorao do p e tr leo e o conseqente crescim ento de R iad - a capital saudita que, de u m a pequena cidade de osis, tran sfo rm o u -se num a grande m e tr pole - trouxeram m uitas m udanas e considervel inlliixo de e s tran geiros, p red o m in an tem en te no rte -am ericanos, o que alclou todos os aspectos da vida rabe. A presena desses estrangeiros, ainda vista

    22 A crise do isl

  • p o r m uitos com o um a profanao , pode a judar a explicar o clim a de crescente ressen tim ento .

    A A rbia foi am eaada pelos cruzados d u ran te algum tem po, no sculo XII da era crist. D epois de derro tados e expulsos, a o u tra am eaa infiel Arbia com eou no sculo XVIII, com a consolidao do p o d er eu ropeu no sul da sia e o aparecim ento de navios eu ro peus - ou seja, cristos - n o litoral da Arbia. O ressen tim ento da re su ltan te constitu iu pelo m enos u m dos elem entos do revivalism o religioso insp irado na A rbia pelo m o v im en to wahhabi, com andado

    pela Casa de Saud { S u u d em rabe), fu n d ad o ra do Estado saudita. D u ran te o p erodo de influncia anglo-francesa e de seu d o m n io do O rien te M dio nos sculos XIX e XX, os poderes im periais governaram o Egito, o Sudo, o Iraque, a Sria e a Palestina. T iraram certo proveito das m argens da A rbia, de den e do golfo Prsico, m as foram suficientem ente sbios para no ter n en h u m envolvim ento m ilitar, e apenas u m m n im o poltico, nos negcios da Pennsula.

    E nquan to esse envolvim ento estrangeiro era exclusivam ente econm ico, e en q u an to o re to rn o era m ais que adequado p ara ap lacar todas as queixas, a presena estrangeira pde ser to lerada. Mas, nos anos recentes, os te rm os de com prom isso m u d aram . C om a qu eda dos preos do petr leo e o aum en to de populao e gastos, o re to rn o deixou de ser adequado e as queixas to rn a ram -se m ais n u m erosas e m ais audveis. Tam pouco est a partic ipao lim itada s atividades econm icas. A revoluo no Ir, as am bies de Saddam Elussein c o conseqente agravam ento de todos os problem as da re gio, especialm ente o eonllito Israel-Palestina, agregaram dim enses polticas e m ililai es a presena estrangeira, d an d o algum a plausibili- dade aos cada vez mais lieqcntes brados de im peria lism o. Q u a n do se tra ta r de sua l in .i S.mta, m uitos m uu lm anos tendero a caracterizar a luta e, alg.iini.is vezes, tam b m o inim igo, em term os religiosos e a ver as trop .is norle-am ericanas enviadas p ara liberar o Kuwait e salvar a Ai .ibi.i S.uulila de Saddam H ussein com o invasores

    Introduo 23

  • e ocupan tes inflis. Essa percepo aguada pela inquestionvel su p rem acia no rte -am erican a en tre as au to ridades do m u n d o infiel.

    Para a m aio r p arte dos no rte-am ericanos, a declarao de Bin Laden urna caricatu ra , u rna distoro flagrante da natu reza e do p ropsito da presena no rte -am erican a na Arbia. Tam bm deveriam estar conscientes de que, para m u ito s m uu lm anos, talvez a m aio ria deles, a declarao um a carica tu ra igualm ente grotesca da natu reza do isl, e m esm o de sua d o u trin a de jihad. O Alcoro fala de paz, bem com o de gera. As centenas de m ilhares de trad ies e ditos a tribu idos, com variados graus de confiabilidade, ao Profeta, e algum as vezes in te rp re tados de m aneiras m u ito diversas, oferecem a m pla gam a de orientaes, das quais a in terp re tao m ilitan te e v io lenta da religio apenas urna den tre m uitas.

    E nquan to isso, nm eros significativos de m uu lm anos esto p ro n to s para aprovar, e uns poucos deles p ara aplicar, essa in te rp re tao de sua religio. O te rro rism o requer apenas uns poucos. O b v iam ente, o O cidente tem que se defender p o r quaisquer m eios efetivos. M as, ao conceber m eios de com bater os terroristas, ce rta m ente seria til en tender as foras que os im pelem .

    24 A crise do isl

  • 1 Definindo o Isl

    difcil generalizar a respeito do isl. Para com ear, a p r p ria palavra u sualm ente em pregada com dois significados relacionados, m as d istin tos, eqivalendo tan to a cristian ism o q u an to a c ristandade. N o p rim eiro sentido, indica um a religio, u m sistem a de crena e culto; no ou tro , a civilizao que cresceu e floresceu sob a gide d a quela religio. Assim, a palavra isl den o ta m ais de 14 sculos de h istria , 1,3 b ilho de pessoas e u m a trad io religiosa e cu ltu ral de eno rm e diversidade. C ristian ism o e cristandade represen tam u m perodo m ais longo e um nm ero m aior - m ais de 20 sculos, m ais de dois bilhes de pessoas c um a diversidade ainda m aior. M esm o assim , so possveis certas generalizaes a respeito do que ind iferen tem en te cham ado cristo, judaico-cristo , ps-cristo e, m ais sim plesm ente, civilizao ocidental. E m bora possa ser difcil - e, s vezes, em certo sentido, |)crigoso - generalizar sobre a civilizao islm ica, i.sso no c im possvel, c pode ter algum as utilidades.

    Em Icrm os es|i.K i.iis, o d o m n io do isl estende-se do M arrocos Indonsia, do ( ;a/.u |uisl,io ao Senegal. Tem poralm ente, retrocede a m ais de 14 sculos, .lo advento e m isso do p rofeta M aom na A rbia, no sculo VII d .(2 , i|ua iu lo criou a com un idade e o Estado islm icos. N o perodo que hisloi iadores europeus vem com o u m negro in terld io en tre o declnio da eivilizao an tiga - Grcia e R om a - e o su rg im ento da m oderna , oii seja, da Europa, o isl era a civilizao

    25

  • que liderava o m u n d o , m arcada p o r seus grandes e poderosos re inos, pela riqueza e variedade da in d stria e do com rcio , p o r suas cincias e artes engenhosas e criativas. M uito m ais que a cristandade, o isl foi o estgio in term ed irio en tre o an tigo O rien te e o m o d ern o O cidente, para o qual co n trib u iu de m o d o significativo. D u ran te os ltim os trs sculos, con tu d o , o m u n d o islm ico p erd eu sua dom i- nncia e liderana e ficou para trs do m o d ern o O cidente e tam bm do O rien te rap id am en te m odern izado . Esse crescente h ia to ap resen ta p rob lem as cada vez m ais agudos, tan to de o rdem pr tica quan to em ocional, para os quais os governantes, pensadores e rebeldes do isl a inda no en co n tra ram respostas convincentes.

    C om o religio, o isl , sob todos os aspectos, m u ito m ais p r x im o da trad io judaico-crist que de qualquer u m a das grandes religies da sia, com o o h indu sm o , o b ud ism o ou o confucionism o. O juda sm o e o isl tm em com um a crena em u m a lei div ina que re gula todos os aspectos da atividade hu m an a , inc lu indo at m esm o a com ida e a bebida. C ristos e m uu lm anos p a rtilh am u m m esm o triunfalism o. Em contraste com as ou tras religies, inc lu indo o ju dasm o, acred itam que so os n icos afo rtunados a receber e guardar a m ensagem final de D eus p ara a hum an id ad e , sendo sua obrigao lev-la ao resto do m u n d o . C om paradas com as m ais antigas re ligies orientais, todas as trs religies do O rien te M dio - judasm o, cristian ism o e islam ism o - esto in tim am en te relacionadas e ap a re cem, de fato, com o variantes da m esm a trad io religiosa.

    A cristandade e o isl so, de m uitas m aneiras, civilizaes irm s, am bas derivadas de u m a m esm a h erana - a revelao c p ro fecia judaicas e a filosofia e cincia gregas - e n u trid as pelas im em oriais tradies do O rien te M dio antigo. D u ran te a m aioi parte de sua h ist ria con jun ta , tm sido im pelidas a se com bak iem , m as, m esm o no conflito e na polm ica, revelam seu paren testo essencial e os traos com uns que as un em e as d istinguem das civiliz.ioes asiti

    cas m ais distantes.

    26 A crise do isl

  • M as, assim com o h sem elhanas, h tam b m pro fundas d isparidades en tre as duas, que vo alm das bvias diferenas de dogm a e culto. Em n en h u m o u tro aspecto essas diferenas so m ais p ro fun- rlas - e m ais bvias - que na a titu d e dessas religies e de seus expoentes legitim ados a respeito das relaes en tre governo, religio e sociedade. O fu n d a d o r do cristian ism o o rd en o u a seus seguidores dar a Csar o que de Csar, e a D eus o que de D eus (M at. 22:21)

    e, d u ran te sculos, o cristian ism o cresceu e se desenvolveu com o um a religio dos o p rim id o s, at que, com a converso do im p erad o r ( m stantino, o p r p rio Csar to rn o u -se cristo e in augurou u m a srie de m udanas atravs das quais a nova f g an h o u o Im prio Rom ano e tran sfo rm o u sua civilizao.

    O fu n d ad o r do isl foi seu p r p rio C o n stan tino , e fu n d o u seu p rprio Estado e im prio . Assim, ele no c rio u - nem necessitou criar - u m a igreja. A d ico tom a en tre regnum e sacerdotium, to crucial na h ist ria da cristandade ocidental, n o tin h a n e n h u m equ ivalente no isl. D u ra n te a v ida de M aom , os m uu lm anos to rn a ram -se, ao m esm o tem p o , u m a co m u n id ad e poltica e religiosa, tendo o Profeta com o chefe de Estado. C om o tal, ele governava um lugar e u m povo, p ropiciava justia, recolhia im postos, com andava exrcitos, declarava g u erra e fazia a paz. A p rim e ira gerao m u u lm ana do p erodo de fo rm ao do isl, cujas aventuras constituem sua h ist ria sagrada, n o foi posta prova co n tin u am en te p o r perseguies e nem tin h a u m a trad io de resistncia a um p o d er estatal hostil. Ao co n tr rio , o E stado que os regia era o do isl, e a aprovao de D eus sua causa m anifestava-se para eles sob a form a de v it ria e im prio neste m u n d o .

    Na R om a pag. C sar era Deus. Para o s crislos, h um a escolha en tre D eus e Csar, e inum erveis geraes de cristos tm -se en redado nas teias dessa escolha. No isla, nao havia n en h u m a escolha rdua com o essa a fazer. Na o rgan i/aao poltica universal islm ica, tal com o concebida pelos m uu lm anos, no h Csar, apenas D eus, que o n ico so b eran o e a imie.i (ontc da lei. M aom foi Seu p ro feta ,

    Definindo o isl 27

  • que d u ran te a vida ensin o u e governou em nom e de Deus. Q uando m o rreu , em 632 d.C ., sua m isso esp iritual e proftica de trazer a p a lavra de D eus p ara a h u m an id ad e havia sido com pletada. O que p e rm aneceu foi a tarefa religiosa de espalhar a revelao de D eus at que, finalm ente , o m u n d o to d o a aceitasse. Isso deveria ser a lcanado am pliando a au to rid ad e e, p o rtan to , tam b m a partic ipao da co m un idade que abraava a verdadeira f e sustentava a lei de Deus. A fim de p rover a adeso e a liderana necessrias para essa tarefa, re queria-se u m su b stitu to o u sucessor do Profeta. A palavra rabe kha- lifa foi o ttu lo ado tado p o r A bu Bakr, sogro do Profeta e seu sucessor, cuja ascenso chefia da co m u n id ad e islm ica m arco u a fundao da g rande institu io h ist rica do califado.

    D u ran te o governo dos califas, a com un idade de M edina, onde havia governado o Profeta, tran sfo rm o u -se n u m vasto im prio em pouco m enos de u m sculo, e o islam ism o to rn o u -se um a religio universal. N a experincia dos p rim eiros m uu lm anos, tal com o p re servada e reg istrada para as geraes v indouras, a verdade religiosa e o p o d er po ltico eram indissoluvelm ente associados: a p rim eira san- tificava o segundo, e este sustentava aquela. O aiatol K hom ein i u m a vez observou que o isl po ltica o u no nada. N em todos os m u u lm anos chegariam a tan to , m as a m a io r p arte deles concordaria que D eus p reocupa-se com a poltica, e essa crena confirm ada e susten tada pela sharia, a Lei Sagrada, que lida extensivam ente com a aquisio e o exerccio d o poder, a n a tu reza da leg itim idade e da au to ridade , as obrigaes dos governantes e sditos; em poucas palavras, com aquilo que, no O cidenlc, cham aram os d ire ito co n stitu cional e filosofia poltica.

    A longa in terao en tre o isl e a cristand.ule, c suas m uitas sem elhanas e influncias m tuas, algum as vezes lm levado observadores a ignorar certas diferenas significativas, t ) Alcoi ao, di/.-se, a Bblia m uu lm ana; a m esqu ita a igreja m uu lm ana; os ulem s so o clero m uu lm ano . As trs afirm aes so verdadeiras, mas, ainda assim , so perigosam ente enganosas. Tanto o Velho c]uanlo o Novo

    28 A crise do isl

  • T estam ento consistem de colees de diferentes livros, estenden- do-se p o r longo p erodo de tem po , e so considerados pelos crentes a m aterializao da revelao divina. Para os m uu lm anos, o A lcoro u m nico livro, revelado em u m tem p o d e te rm in ad o p o r um m esm o hom em , o pro fe ta M aom . Aps in tensos debates nos p r im eiros sculos do isl, foi ado tada a d o u trin a de que o A lcoro , ele m esm o, incriado e e terno , div ino e im utvel. Isso se to rn o u um princp io central da f.

    A m esquita , realm ente, a igreja m uu lm ana , no sen tido de ser u m lugar de culto com unal. M as no se p ode falar a M esquita com o se fala a Igreja - o u seja, u m a in stitu io com sua p r p ria h ierarqu ia e suas leis, em con traste com o Estado. Os ulem s (conhecidos com o m uls n o Ir e nos pases m u u lm an o s influenciados pela cu ltu ra persa) p o d em ser descritos com o sacerdotes n o sen tido sociolgico, pois so hom ens de religio p o r profisso, reconhecidos com o tal p o r tre in a m e n to e certificado. M as no h u m clero n o isl - n e n h u m a m ediao clerical en tre D eus e o fiel, n em ordenao , sacram en tos ou ritu a is que apenas u m sacerdo te o rd en ad o possa realizar. N o p assado , te r-se -ia ac rescen tad o que n o h concilios o u snodos, n em b ispos p a ra defin ir a o rto d o x ia e inqu is id o res p ara faz-la cum prir. Pelo m enos no Ir, isso j no in te iram en te verdadeiro .

    A p rincipal funo do ulem - de um a palavra rabe significando conhecim en to - preservar e in terp re tar a Eei Sagrada. No final dos tem pos m edievais, surgiu algo com o um clero local que atendia s necessidades das pessoas com im s em cidades e vilas, m as era u sualm ente separado do ulem a e iiao coiilava com sua confiana, de vendo m ais ao isla m islico do c|iie .10 dogm tico . Nas ltim as m o n a rquias islm icas, na 'liii( |u ia e no Ir.i, apareceu um tip o de h ierarqu ia eclesistica, m as sem rai/es n.i iiadi.io m uu lm ana clssica, e m esm o essas h ierarquias nniu .1 dem andaram - e, m enos ainda, exerceram - os poderes dos piel.idos c 1 istos. Nos tem pos m odernos, tem havido m uitas m udanas, devidas, p rincipalm ente , a influncias oci

    Definindo o isl 29

  • dentais, e desenvolveram -se institu ies e profisses que guardam sem elhana suspeita com as igrejas e clrigos da cristandade. M as re p resen tam u m afastam ento do isl clssico, e n o u m re to rn o a ele.

    Se possvel, no m u n d o islm ico, falar de u m clero n u m senso sociolgico lim itado , no h o m en o r sen tido em se falar de u m a lai- cidade. A p r p ria noo de algo separado, ou m esm o separvel, da au to rid ad e religiosa, expressa na linguagem crist p o r te rm os com o laico, temporal ou secular, to ta lm en te estranha ao pensam ento e pr tica do isl. N o foi seno a p a rtir de tem pos relativam ente m o dernos que passaram a existir equivalentes p a ra esses te rm os na ln gua rabe. Foram tom ados em prestados do uso de cristos de fala rabe, ou recm -inventados.

    D esde a poca do Profeta, a sociedade islm ica tin h a u m a n a tu reza dupla. De u m lado, era u m a un idade poltica - u m a capitan ia que, sucessivam ente, to rn o u -se u m Estado e u m im prio . De ou tro lado, e ao m esm o tem po , era um a com un idade religiosa fundada po r u m profeta e d irig ida p o r seus substitu tos, que tam b m eram seus sucessores. C risto foi crucificado, M oiss m o rreu sem en tra r na terra p rom etida , e as crenas e condu tas de seus seguidores religiosos a in da so p ro fu n d am en te influenciados pela m em ria desses fatos. M aom triu n fo u em v ida e m o rreu com o soberano e conquistador. As condu tas m uu lm anas resultantes no tin h a m com o no serem confirm adas pela h ist ria subseqente de sua religio. Na Europa ocidental, invasores brbaros [m as educveis] en co n tra ram u m Estado e um a religio j existindo: o Im prio R om ano e a Igreja crist. Os invasores reconheceram am bos, e ten taram trab a lh ar p ara seus p rp rio s fins e neccssitiades den lro das eslriitu ras da sociedade ro m ana organizada e da religio ci isl.i, qiie em pregavam a lngua la tina. O s invasores rabes m uu lm anos i|ue to iiq u is la iam o O rien te M dio e a frica do N orte trouxeram sua (uopi i.i le, lo m suas p r prias escrituras em sua p r p ria lngua; criaram sua p io p ria constitu io poltica, com u m novo co n jun to de leis, um novo id iom a im peria l e u m a nova e s tru tu ra im perial, tendo o calila

  • suprem o. Esse Estado e essa organizao eram defin idos pelo isl, e a associao plena era concedida exclusivam ente queles que p ro fessavam a f dom inan te .

    A carreira do profeta M aom - o m odelo que todo b o m m u u lm ano busca im itar, no s nisso, com o em tu d o o m ais, - divide-se em duas partes. N a p rim eira , d u ran te os anos em sua cidade natal, M eca (?570-622), era u m opon en te da o ligarquia pag que ento reinava. N a segunda, aps sua m u d an a de M eca para M edina (622-632), era o chefe de u m Estado. Essas duas fases na carreira do Profeta, u m a de resistncia, o u tra de com ando, esto refletidas no Alcoro, onde, em diferentes captu los, os fiis so instru dos a o b edecer ao represen tan te de D eus e desobedecer ao Fara, o parad igm a do d irigente in justo e tirnico . Tais aspectos da v ida e ob ra do Profeta in sp ira ram duas trad ies no isl, u m a au to rit ria e quietista , a o u tra radical e ativista. Am bas esto am plam ente refietidas, de u m lado, no desenvolvim ento da tradio, e, de ou tro , no desenro lar dos eventos. N em sem pre foi fcil d e te rm in ar quem era o represen tan te de D eus e quem era o Fara; m uitos livros foram escritos, e m uitas batalhas travadas, na tentativa do faz Io. O problem a perm anece, e as duas trad ies podem ser vist.is im iilo claram ente nas polm icas e nos conflitos de nosso (uo p rio tem po.

    E ntre os extrem os de c|iiietism o e radicalism o h u m a atitude dissem inada, am plam enlr' t'xpiessada, de reserva, e m esm o de desconfiana, d ian te ilo j;ovei no. Um exem plo a m arcan te diferena, nos tem pos mcdiev.iis, d.is atitudes populares relativas ao cdi, um juiz, e o m ufti, um |ui ise(insulto ria Lei Sagrada. O cdi, nom eado pelo governante, c apresenl.ido n.i literatura e no folclore com o um a figura m ercenria e .ite i kIk iiI.i; o m ufti, repu tado no isl m edieval pelo reconhecim ento de seus (.olegas e da populao em geral, desfrutava de estim a e res|H iiii. Uin lem a trad ic ional nas biografias de hom ens devotos - as (|uais existem centenas de m ilhares - que o her i recebeu a olerl.i de um ta ig o governam ental e recusou. A ofer-

    Definindo o Isla il

  • ta d em o n stra seu conhecim ento e reputao; a recusa, sua in te gridade.

    Nos tem pos o tom anos, houve urna m u d an a im portan te . O cdi g anhou m u ito em p o d er e au toridade, e m esm o o m ufti foi in te grado h ierarqu ia pblica de au toridade. M as a velha atitude de desconfiana d ian te do governo persistiu e freqen tem ente expressada em provrbios, h istorias folclricas e at na m elho r literatura.

    Por m ais de m il anos, o isl forneceu o n ico con jun to un iversalm ente aceitvel de regras e princ ip ios p a ra a regulao da v ida p blica e social. M esm o du ran te o perodo da m xim a influncia europia, nos pases governados ou d om inados p o r poderes im p eriais europeus, bem com o naqueles que perm aneceram in d ep en dentes, as noes e a titudes polticas islm icas co n tin u aram a exercer p ro fu n d a e d issem inada influncia. N os anos recentes, tem havido m uitos sinais de que essas noes e a titudes podem estar re to rn an d o ao pad ro an te rio r de dom inncia , em b o ra sob form as m odificadas.

    32 A crise do isl

    no terreno da poltica - in terna , regional e in ternacional - que p o dem ser vistas as diferenas m ais m arcantes en tre o isl e o resto do m undo . Os chefes de Estado ou m in istros de Relaes Exteriores dos pases escandinavos e do Reino U nido no se renem , de tem pos em tem pos, em conferncias de cpu la p ro testan tes; n em foi jam ais um a pr tica dos governantes da Grcia, Iugoslvia, Bulgria e U nio Sovitica, esquecendo tem porariam en te suas diferenas polticas e ideolgicas, p rom over encon tros regulares com base em sua adeso prvia o u atual Igreja O rtodoxa. D o m esm o m odo, os Estados b u distas do leste e do sudeste asitico no constituem um liloco budista nas Naes U nidas nem em n en h u m a ou tra de suas atividades po lticas. N o m u n d o m oderno , a p rp ria iilia de lal gi ii|iam ento baseado na religio pode parecer anacrnica e ale absuul.i. M .isem relao ao isl, no anacrn ica nem absurda. Ao lougo das tenses da G uerra Fria, e aps aquele perodo , mais de c inqen ta governos m uulm a-

  • nos - inc lu in d o m onarqu ias e repblicas, conservadores e radicais, adeptos do capitalism o e do socialism o, p artidrio s do bloco ocid en tal e do bloco o rien tal, e to d a u m a gam a de graus de neu tra lidade - constru ram u m elaborado apara to de consu lta in ternacional e, em m uitos casos, de cooperao.

    Em setem bro de 1969, u m a conferncia de cpu la islm ica reu n ida em Rab, no M arrocos, decid iu criar u m a en tidade cham ada O rganizao da C onferncia Islm ica (O C I) , com um a secretaria p erm an en te em D jedda, na Arbia Saudita. A en tidade foi criada e se desenvolveu rap idam en te na dcada de 1970. Suas preocupaes principais eram a ajuda aos pases m uu lm anos pobres, o apoio s m inorias m uu lm anas em pases n o -m u u lm an o s e a posio in ternacional do isl e dos m uu lm anos - nas palavras de u m observador, os d ireitos islm icos do hom em .

    Essa organizao tem agora 57 Estados m em bros, alm de trs com status de observadores. Dois desses Estados, A lbnia e Turquia, esto, o u aspiram a estar, na Europa (a Bosnia tem apenas o status de observador); dois, S urinam e (adm itido em 1996) e G uiana (ad m itida em 1998), esto no hem isfrio ocidental. Os dem ais esto na sia e na frica, e, com poucas excees, gantiaram sua independncia nos ltim os 50 anos dos im prios da fluropa ocidental e, m ais recentem ente, do Sovitico. A m .iior parle desses Estados tem um a p o p u lao quase em siia to talidade iiiuulm ana, em bora alguns poucos tenham sido adm itidos em lim ao da fora de suas significativas m inorias m uulm anas. Alem di-ssi-s lisiados, h im p o rtan tes m inorias m uu lm anas em ou tros pases algum as delas sem elhantes m aio ria, com o na liulia, onl r.is, f-inica c religiosam ente distin tas, com o os tchetchenos e os l.n l.iios da federao Russa. A lguns pases, com o a C hina, tm m inorias m uulm anas dos dois tipos. A tualm ente, m u itos o u tros esto g.m li.m do m inorias m uu lm anas em conseqncia de im igraes.

    H ouve e h im porlan les lim ites eficcia da O C I com o u m ato r no cenrio polt i co i n u- rn acionai. A invaso sovitica do Afeganisto

    Definindo o isl 33

  • em 1979, u m flagrante ato de agresso co n tra urna nao m u u lm ana soberana, n o evocou p ro testos srios e foi at defendida p o r a lguns m em bros. M ais recen tem ente , a O rganizao tem deixado de se m anifestar a respeito de guerras civis em Estados m em bros com o Sudo e Som alia. Seu desem penho em questes regionais tam bm no foi significativo. E n tre 1980 e 1988, dois pases islm icos, Iraque e Ir, envolveram -se n u m a guerra devastadora, infligindo im ensos danos u m ao o u tro . A OCI nada fez, nem p ara im p ed ir a guerra nem para d ar fim a ela. Em geral, a OCI, d iferen tem ente da O rganizao dos Estados A m ericanos e da O rganizao da U nidade A fricana, no se ocupa de abusos de d ireitos hu m an o s e o u tro s prob lem as in ternos dos Estados m em bros; suas preocupaes com a questo tm -se lim itado situao de m uu lm anos vivendo em pases n o -m u - u lm anos, p rinc ipa lm en te na Palestina. N o en tan to , a OCI no deve ser desconsiderada. Suas atividades cu lturais e sociais so im p o rta n tes e crescentes, e o apara to que p rop ic ia p a ra consultas regulares en tre Estados m em bros pode ganhar im po rtn c ia m edida que a G uerra Fria e seus efeitos p e rtu rb ad o res vo ficando para trs.

    Passando da po ltica in ternacional pa ra a regional e nacional, as diferenas en tre o isl e o resto do m u n d o , em bora m enos m arcantes, so ainda substanciais. Em alguns dos pases com regim es d em o cr ticos m u ltip artid rio s existem p artidos polticos com designaes religiosas - C risto n o O cidente, H in d u n a nd ia . Budista n o O rien te. M as esses p a rtid o s so relativam ente poucos, e os que desem pen h am papel im p o rtan te so ainda em m en o r nm ero . M esm o no caso desses ltim os, os tem as religiosos so, em geral, de m en o r im po rtn c ia em seus program as e apelos ao eleitorado. E ntretan to , na m aioria dos pases islmicos, a religio con tinua a ser um fator p o ltico relevante - m u ito mais no cam po dom estico , de lato, que nas questes in ternacionais ou m esm o regionais. (Ju.il a i a /ao dessa d iferena?

    U m a resposta bvia: a m aior pai te dos pases m uulm anos ainda p ro fu n d am en te m uu lm ana, de um a form a e luim sentido

    34 A crise do isl

  • que a m aio ria dos pases cristos j no . certo que, em m uito s desses ltim os, as crenas crists e o clero que as su sten tam ainda so u m a fora poderosa. E m bora seu papel no seja o m esm o que o de sculos passados, no , de m aneira algum a, insignificante. M as em n en h u m pas cristo da a tualidade os lderes religiosos podem c o n ta r com u m grau de crena e partic ipao com o o que co n tin u a a ser n o rm alm en te en co n trad o em terras m uu lm anas. Em poucos pases cristos, se que em algum , os p rinc p ios e p rticas cristos esto im unes a com entrios crticos o u discusses no nvel em que aceito com o n o rm al m esm o em sociedades m u u lm anas ostensivam ente seculares e dem ocrticas. N a realidade, essa im u n id ad e privilegiada tem sido estendida, de facto, a pases ocidentais o nde com unidades m uu lm anas esto j estabelecidas e o nde crenas e p rticas m u u lm anas tm garan tia de im un id ad e a crticas n u m nvel que as m aio rias crists p e rd eram e as m inorias jud ias n u n ca tiveram . M ais im p o rtan te ainda; com m u ito poucas excees, o clero cristo no exerce o u nem ao m enos dem anda o tipo de au to rid ad e pblica que a inda no rm al e aceita na m aio r parte dos pases m uulm anos.

    O nvel m ais elevado de f c prticas religiosas en tre os m u u lm anos, em com parao com seguidores dc ou tras religies, explica, em parte , a a titude n ica dos m uu lm anos frente poltica; no a explicao to tal, j que a titude sem elhante pode ser en co n trad a em ind iv duos e m esm o em g rupos inteiros cujo com prom isso com a f e a pr tica religiosas , iio m .iximo, superficial. O isl no apenas u m a questo de f e prt ica; e tam lim um a iden tidade e u m a lealdade que, para m uitos, trausceudem todas as dem ais.

    A parentem ente, a im poi tao de noes ocidentais de pa tr io tis m o e nacionalism o m uilou tudo isso e levou criao de u m a srie de E stados-naocs m odeinos que se estendem p o r to d o o m u n d o islm ico, do M arro io s a Indonsia.

    M as nem tudo e com o parece ser. D ois exem plos podem ser su ficientes. Em 1923, aiKs a ltim a guerra greco-turca, os dois governos concordaram em resolver os problem as de suas m ino rias atravs

    Definindo o isl 35

  • de u m a troca de populaes - gregos fo ram m andados da T urqu ia para a Grcia, tu rcos fo ram enviados da Grcia para a T urquia . Pelo m enos, isso, em geral, o que con tam os livros de h istoria. Os fatos so u m tan to diferentes. O p ro toco lo assinado pelos dois governos em L ausanne em 1923, con ten d o o acordo de trocas, no fala de gregos e tu rco s. Ele define as pessoas a serem trocadas com o seguidores tu rcos da religio o rto d o x a grega resid indo na T u rq u ia e seguidores gregos da religio m u u lm an a resid indo na G rcia. Assim , o p ro to co lo reconhece apenas dois tipos de iden tidade - um a defin ida p o r ser sdito de u m Estado, e o u tra p o r ser seguidor de u m a religio. N o feita qualquer referncia a nacionalidades tn icas ou lingsticas. A preciso desse d o cu m en to em expressar as in tenes dos signatrios foi con firm ada pela troca verdadeiram ente realizada. M uitos dos assim cham ados gregos da p rov ncia de Kara- m an , na A natlia tu rca , tin h am o tu rco com o lngua m aterna , m as usavam o alfabeto grego para escrever e freqen tavam os cultos das igrejas ortodoxas. M uitos dos assim cham ados tu rcos da G rcia no sabiam tu rco , o u sabiam m u ito pouco , e usualm ente falavam grego - m as escreviam com o alfabeto tu rco-rabe.

    U m observador ocidental, acostum ado a u m sistem a ocidental de classificao, poderia m u ito bem ter conclu do que o que os governos da G rcia e da T urquia conco rdaram em fazer, e fizeram , no foi a troca e a repatriao de m inorias nacionais gregas e turcas, m as sim u m a d up la deportao p ara o exlio - de m uu lm anos gregos para a Turquia, de tu rcos cristos p ara a Grcia. At m u ito recentem ente, a G rcia e a T urquia, am bas dem ocracias ocidentalizadas, a p rim eira , m em b ro efetivo da U nio E uropia, a segunda, candidata, reservavam u m cam po especfico para religio n os d ocum en tos de iden tidade oficiais.

    U m segundo exem plo o Egito. Poucos pases, (alvez n en h u m ou tro , tm m elhores elem entos p ara reclam ar seu carter de nao - u m pas claram ente caracterizado tan to pela h istria quan to pela geografia, com u m a h ist ria in in te rru p ta de civili/.aao que se esten-

    36 A crise do isl

  • de p o r m ais de cinco m il anos. M as os egipcios tm diversas id en tidades, e, na m a io r parte dos ltim os 14 sculos - isto , desde a conqu ista rabe-islm ica d o Egito n o sculo VII e a subseqen te isla- m izao e arabizao do pas - ra ram en te a egipcia tem sido a p re d o m inante: tm precedncia a iden tidade cu ltu ra l e lingstica do arab ism o ou, d u ran te a m aio r p arte de sua h isto ria , a iden tidade religiosa do isl. C om o nao, o Egito urna das m ais antigas do m u n do. C om o E stado-nao , u rna criao m o d e rn a e a inda enfren ta m u ito s desafos in ternos. A tualm ente , o m ais forte desses desafos, tam b m en co n trad o em alguns o u tro s pases m uu lm anos, vem de g rupos islm icos radicais, do tip o co m u m en te descrito hoje, em bora de fo rm a equivocada, com o fu ndam en ta lista .

    Definindo o isl 37

    Desde q u ando seu F u n d ad o r era vivo e, p o rtan to , conform e suas sagradas escrituras, o isl est associado, n o esp irito e na m em o ria dos m uu lm anos, com o exerccio do p o d er poltico e m ilitar. O isl clssico reconhecia a d istino en tre coisas desse m u n d o e coisas do p r xim o, en tre reflexes pias e m undanas. O que no reconhecia er um a institu io separada, com hierarqu ia e leis p rprias, para regular questes religiosas.

    Isso significa en to que o isl urna teocracia? N o sen tido de que D eus visto com o o suprem o soberano, a resposta teria que ser u m decisivo sim . No sen tido de governo p o r u m sacerdocio, defin itivam ente no. O su rg im ento de urna h ierarqu ia sacerdotal que veio a assum ir a au to ridade mais elevada no Estado urna inovao m o dern a e urna con tribu io exclusiva do aiatol K hom eini do Ir ao pensam ento e .i experincia do isl.

    A Revoluo Islmica no Ir, com o as revolues Francesa e Russa s quais se assem elha em m uitos aspectos, teve u m trem endo im pacto no apenas naquele pas e en tre seu p r p rio povo, m as ta m b m em todos os pases e povos com os quais tin h a u m universo d iscursivo em conunn . C om o as revolues Francesa e Russa em suas

  • respectivas pocas, despertou trem enda esperana e en o rm e e n tu siasm o. C om o aquelas revolues, sofreu seu T erro r e sua guerra de in terveno; com o elas, tem seus jacobinos e seus bolcheviques, dete rm inados a esm agar q u a lquer sinal de p ragm atism o ou m o d era o. E, tal com o aquelas revolues, m ais p articu la rm en te a Russa, tem tam b m sua p r p ria rede de agentes e em issrios lu tando , de vrias form as, p ara p ro m o v er a causa revolucionria ou , pelo m enos, o regim e visto com o sua m aterializao.

    A palavra revoluo tem sido m u ito m al usada no m o d ern o O rien te M dio, sendo aplicada a m u ito s eventos - o u dem andada p o r eles - que seriam m ais adequadam ente designados pela expresso francesa coup d tat, pela palavra alem Putsch o u pela espanhola pronunciam iento. in teressante que a experincia po ltica dos povos de lngua inglesa no oferea u m te rm o equivalente. O que acon teceu n o Ir no foi nada disso, m as tratava-se, em suas origens, de u m au tn tico m ov im en to revolucionrio p r -m u d an a . C om o seus a n tecessores, deu dem asiadam ente errado em m uito s aspectos, levando tiran ia n o pas e ao te rro r e subverso fora. D iferen tem ente da Frana e da Rssia revolucionrias, o Ir revolucionrio carece dos m eios, dos recursos e das com petncias para se to rn a r um a autoridade e um a am eaa expressivas em esfera m undial. A am eaa que oferece , principal e to talm ente, para os m uulm anos e para o p rp rio isl.

    A o n d a revolucionria no isl tem diversos com ponentes. U m deles u m senso de hum ilhao: o sen tim en to de u m a com unidade de pessoas acostum adas a se verem com o as nicas guardis da verdade de Deus, que receberam Dele o com ando de lev-la aos infiis e que, de repente, vem -se dom inadas c exploradas p o r aqueles m esm os infiis. M esm o quan d o j no mais ilom inadas, suas vidas so m udadas e p ro fu n d am en te afetadas, pois se scnlem tiradas do verdadeiro cam inho islm ico e levadas para o iilios. A lu im ilbao ju n tou-se frustrao, m edida que lo tam cxpei im eiilados vrios rem dios, a m aio r p arte im p o rtad a do O cidente, e, um aps ou tro , todos falharam .

    38 A crise do isl

  • Em seguida hum ilhao e frustrao veio u m terceiro co m ponen te , necessrio para o ressurg im ento - u m a nova confiana e u m senso de p o d er renovado. Isso se m anifestou a p a rtir da crise do petr leo de 1973, quando , em apoio guerra do Egito co n tra Israel, os pases rabes p ro d u to res de petr leo usaram tan to o fo rnec im ento quan to o preo com o arm as que se p rovaram m u ito eficazes. A r iqueza, o o rgulho e a au toconfiana que resu ltaram do episdio foram reforados p o r o u tro elem ento tam b m novo; o desprezo. Em con ta to com a E uropa e a A m rica, os visitantes m uu lm anos com earam a observar e descrever o que v iram com o a degradao m oral e a conseqente fragilidade da civilizao ocidental.

    Em u m tem po de tenses crescentes, ideologias vacilantes, leal- dades exauridas e institu ies decadentes, u m a ideologia expressada em term os islm icos oferecia diversas vantagens: u m a base em o cionalm ente fam iliar para a iden tidade grupai, a so lidariedade e a excluso; u m a base aceitvel de leg itim idade e au toridade; um a form ulao im edia tam ente inteligvel de p rincp ios a serem usados tan to n u m a crtica do presen te qu an to n u m p ro g ram a para o fu turo . Atravs de tu d o isso, o isl pde prover os sm bolos e slogans m ais efetivos para a m obilizao, seja a favor de u m a causa ou u m regim e, seja con tra eles.

    Os m ovim entos islm icos tam bm tm o u tra im ensa vantagem q u an d o com parados com todos os seus com petidores. Nas m esq u itas, eles d ispem de u m a rede de associao e com unicao que m esm o o m ais d ita to ria l dos governos no pode con tro la r in teiram ente . De fato, d itadu ras b ru ta is os ajudam , m esm o no tendo tal inteno, ao e lim inar oposies com petidoras.

    O islam ism o radical, ao qual se to rn o u usual dar o no m e de fun- dam entalism o islm ico, no um nico m ov im en to hom ogneo. El m uitos tipos de fundam en ta lism o islm ico em diferentes pases e, s vczcs, den tro de um m esm o pas. A lguns so patrocinados pelo Estado - prom ulgados, usados e prom ovidos p o r u m o u o u tro governo m u u lm an o para seus p rp rio s propsitos; ou tros so genu-

    Definindo o isl 39

  • nos m ovim entos populares de base. E ntre os m o v im en tos islm icos p a troc inados pelo E stado h tam bm vrios tipos, tan to radicais q u an to conservadores, tan to subversivos q u an to preventivos. M ovim en tos conservadores e preventivos tm sido in iciados p o r governos n o p o d er b u scando p ro teger-se de urna o nda revolucionria. So desse tipo os m ovim entos encorajados, em diferentes pocas, pelos egipcios, paquistaneses e, p rinc ipalm ente , sauditas. O ou tro tipo , m u ito m ais im p o rtan te , vem de baixo, com urna au tn tica base popu lar. O p rim eiro desses a to m ar o p o d er e exerc-lo com m aior sucesso foi o m o v im en to conhecido com o a Revoluo Islm ica no Ir. Regim es islm icos radicais agora d o m in am n o Sudo e, p o r a lgum tem po , d o m in aram no Afeganisto, en q u an to m ovim entos islm icos constituem grandes am eaas j am eaada o rd em existente em o u tro s pases, especialm ente Arglia e Egito.

    Os fundam entalistas m uu lm anos, d iferen tem ente dos g rupos p ro testan tes cujo nom e foi transferido p ara eles, no diferem da co rren te do m in an te em questes de teologia e in te rp re tao dos textos sagrados. Sua crtica, em sen tido m ais am plo, relativa a to d a a so ciedade. O m u n d o islm ico, na op in io desses fundam entalistas, to m o u u m cam inho errado. Seus governantes cham am a si m esm os m uu lm anos e fingem ser o isl, m as so, de fato, apstatas que ab o liram a Lei Sagrada e ado taram leis e costum es estrangeiros, infiis. A nica soluo, segundo eles, um re to rn o ao au tn tico m o d o de vida m uu lm ano , c, para isso,

  • m as no conseguiram se ap ro p ria r do Estado; no Ir, destru ram o regim e e criaram o seu p rp rio .

    Definindo o isl 41

    O isl um a das grandes religies do m u n d o . D eu d ignidade e sen tido a vidas toscas e em pobrecidas. E nsinou ho m en s de diferentes ra as a viver em irm an d ad e e povos de d iferentes credos a viver lado a lado em sensata tolerncia. In sp irou u m a grande civilizao na qual ou tros, alm dos m uu lm anos, tiveram vidas criativas e proveitosas e que, p o r suas realizaes, en riqueceram o m u n d o inteiro. M as o isl, com o ou tras religies, tam b m conheceu perodos nos quais in sp irou em alguns de seus seguidores u m esp rito de d io e violncia. u m in fo rt n io nosso que tenham os que con fron ta r parte do m u n d o m u u lm an o n o m o m en to em que atravessa u m desses perodos, e q u ando a m aio r p arte daquele dio - m as no todo ele, de fo rm a algum a - est d irig ido co n tra ns.

    Por qu? N o devem os exagerar as d im enses do problem a. O m u n d o m u u lm an o est longe de ser u n n im e em sua rejeio do O cidente, e nem as regies m uu lm anas do Terceiro M undo tm estado sozinhas em sua hostilidade. Existem ainda nm eros significativos de m uu lm anos, em alguns lugares talvez a m aio ria deles, com os quais partilh am o s algu mas crenas e aspiraes bsicas de n a tu re za cu ltu ral e m oral, social e poltica; existe u m a significativa presena ocidental - cu ltural, econm ica, d ip lom tica - em terras m u u lm anas, algum as das quais sao aliadas do O ciden te . M as h u m a m ar de dio que aflige, alarm a c, acim a de tudo , desconcerta os no rte- am ericanos.

    Frcqiicntcm enle esse odio vai alm do nvel de hostilidade a in teresses, aes, polticas ou m esm o pases especficos, e se tran sfo rm a em rejeio civilizao ocidental p ro p riam en te dita, no tan to pelo que faz, m as pelo que e [k To s princp ios e valores que p ra tica e professa. Na verdade, esses so vistos com o in trnsecam ente m alfi-

  • COS, e os que os p ro m o v em ou aceitam so considerados in im igos de D eus.

    Essa frase, que reaparece to freqen tem ente nas declaraes da liderana iran iana, tan to em seus p roced im entos ju rd icos quan to nos p ro n u n c iam en to s polticos, pode parecer m u ito estranha ao m o d ern o observador externo, seja religioso o u secular. A idia de que D eus tem inim igos e necessita de ajuda h u m an a para iden tific-los e elim in-los u m tan to difcil de assim ilar. N o en tan to , no assim to estranha. O conceito de in im igos de D eus era fam iliar na A ntig idade pr-clssica e clssica, tan to no A ntigo e N ovo Testam en tos q u an to no Alcoro.

    N o isl, a lu ta en tre bem e m al adqu iriu , desde o com eo, d im enses polticas e m esm o m ilitares. Deve-se recordar que M aom era no apenas u m profeta e m estre, tal com o os fundadores de o u tras religies; era tam b m u m dirigente e u m soldado. Da que sua lu ta envolvesse u m Estado e suas foras arm adas. Se os com batentes na guerra pelo isl, a guerra san ta no cam inho de D eus, esto lu tan d o p o r Deus, segue-se que seus oponen tes esto lu tan d o con tra D eus. E dado que D eus , em princp io , o soberano , o suprem o chefe do Estado islm ico, ten d o o Profeta e, depois dele, os califas com o Seus vice-regentes, en to D eus, com o soberano, com anda o exrcito. O ex rc ito o ex rc ito de D eus e o in im ig o o in im ig o de D eus. A o b rig ao dos Seus so ld ad o s d esp ach ar os in im ig o s, to r p ido qu an to possvel, para o lugar onde D eus os castigar, o u seja, a ou tra vida.

    A tualm cnle, a iiucsiao t h.ive (|ue ocupa os form uladores de p o lticas no O cidente pode sei expiessad.i sim |)lesm entc com o: ser o isl, fundam eiitalista oli nao, iiiii.i aiiu-.u,.i p.iia o O cidenie? A essa questo sim ples tm sido d.idas varias respusi.is l.inibem sim ples, e, sendo assim , a m a io r p arte apon a na direo ei i.ul.i. I )e .leordo com u m a escola de pensam ento , aps o desm anlel.im eiilo da Unio Sovitica e do m ov im en to com unista , o isl e o lundaiueiil.ilism o islm ico passaram a o cu p ar seus lugares com o a m aio r am eaa ao

    42 A crise do isl

  • O cidente e ao m o d o de vida ocidental. De acordo com o u tra escola de pensam ento , os m uu lm anos, inc lu indo os fundam entalistas ra dicais, so pessoas basicam ente decentes, am antes da paz e devotas, algum as das quais foram levadas alm do suportvel p o r todas as coisas terrveis que ns, do O cidente, tem os feito a elas. Escolhem os v-los com o inim igos p o rq u e tem os u m a necessidade psicolgica de um in im igo para sub stitu ir a finada U nio Sovitica.

    A m bas as perspectivas con tm elem entos de verdade; am bas esto perigosam ente erradas. O isl, com o tal, no u m in im igo do O cidente, e h pores crescentes de m uu lm anos, tan to l com o aqui, que desejam nada m ais que um a relao m ais p rx im a e m ais am istosa com o O cidente e o desenvolvim ento de institu ies d em o crticas em seus p r p rio s pases. M as um n m ero significativo de m uu lm anos - especialm ente aqueles que cham am os de fu n d am en talistas, m as no apenas eles - hostil e perigoso, no p o rque necessitem os de u m inim igo, m as p o rque eles, sim.

    N os ltim os anos tem havido algum as m udanas de p o n to de vista e, conseqentem ente, de tticas en tre os m uu lm anos. Alguns deles a inda vem o O cidente em geral - e seu atual lder, os Estados U nidos, em particu la r com o um antigo e irreconcilivel in im igo do isl, o nico srio obstculo restaurao da f e da lei de D eus em seus pases e ao triu n fo definitivo das m esm as em todo o m undo . Para esses m uu lm anos, iio h ou tro cam inho seno a guerra at a m orte , em obedincia ao t|uc vem com o os m an d am en to s de sua f. H ou tros que, em bora perm anecendo m uu lm anos co m p ro m etidos e m u ito consc ientes tias falhas da m o d ern a sociedade ocidental, a indaassim lam bem veem seus m r i to s - s e u esp rito indagador, que p roduz iu a ciiu i,i e ,t leenologia m odernas; suas preocupaes com a liberdade, t|ue t riaram m odernos governos dem ocrticos. Esses ltim os, em bora m anieiu lo suas p rprias crenas e sua p r p ria c u ltu ra, buscam jun tai se a ns na cam inhada em direo a u m m u n d o m ais livre e m elhor. 1 Ia ou tros a inda que, apesar de verem o O ciden te com o seu p riiu ipal inim igo e com o fonte de todos os m ales, esto.

    Definindo o isl 43

  • ainda assim , conscientes do p o d er ocidental e buscam algum a acom odao tem p o r ria a fim de m elho r se p rep ara rem para a ba talha final. Seria sbio de nossa p arte n o co n fu n d ir os segundos com os terceiros.

    44 A crise do isl

  • 2 A Casa da Guerra

    Ao longo da h isto ria hu m an a , m uitas civilizaes floresceram e decaram - C hina, nd ia , Grcia, R om a e, antes delas, as antigas civilizaes do O rien te M dio. D u ran te os sculos que a h ist ria europia cham a de m edievais, a m ais avanada civilizao do m u n d o era, sem dvida, a do isl. O isl pode ter sido igualado - o u m esm o, em alguns aspectos, u ltrapassado - pela n d ia e pela C hina, m as essas duas perm aneceram essencialm ente circunscritas a um a regio e a um grupo tnico, e seu im pacto sobre o resto do m u n d o foi, p o r isso m esm o, lim itado. A civilizao do isl, em contraste , tin h a perspectivas ecum nicas e, em suas aspiraes, era explicitam ente assim.

    U m a das tarefas elem entares legadas aos m uu lm anos pelo P ro feta era jihad . Essa palavra vem da raiz arbica j-h -d , significando basicam ente em penho ou esforo. C om freqncia, usada em tex tos clssicos com um seu lido bastante p rx im o de batalha e, p o r ta n to, tam bm de luta. h usualm ente c itada n o versculo do A lcoro esforando-se iio (.auiinho de D eus (p.ex, IX, 24; LX, 1 etc.), e tem recebido vrias iiilerprelaes no sen tido de esforo m ora l e lu ta a rm ada. Em ger.il, e bastante fcil entender, pelo contexto, qual dessas nuances de s igu ilitado tem -se em m ente. N o A lcoro, a palavra ocorre m uitas ve/a s uesscs dois sentidos d istin tos, m as relacionados. N os prim eiros tap ilu lo s , datados do p erodo em M eca, q u an d o o Profeta ainda ci-.i o lulcr de u m g rupo m in o rit rio lu tan d o con tra a

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  • oligarquia pag do m in an te , a palavra freqen tem en te tem o sentido, p referido p o r exegetas m odern istas, de esforo m oral. N os ltim os captu los, revelados em M edina, onde o Profeta d irig ia o Estado e com andava seu exrcito, jih a d geralm ente tem u m a conotao p r tica m ais explcita. Em m u ito s casos, o significado m ilitar in eq u voco. U m b o m exem plo a passagem IV, 95: Aqueles crentes que perm anecem em casa, alm dos incapacitados, n o so iguais q u eles que se em p en h am n o cam inho de D eus com seus bens e suas pessoas. D eus s ituou os que se em p en h am com seus bens e suas pessoas em u m nvel m ais elevado do que aqueles que perm anecem em casa. D eus p ro m eteu recom pensa a todos que crem , m as concede aos que lu tam u m a recom pensa m aio r, d istingu indo-os dos que p e rm anecem em casa. Juzos sem elhantes podem ser encon trados em VIII, 72; IX, 4 1 , 81 , 88; LXVI, 9 etc.

    A lguns m uu lm anos m odernos, especialm ente ao se d irig irem ao m u n d o exterior, explicam a obrigao da jih a d n u m sentido espiritual e m oral. A esm agadora m aio ria das au to ridades m ais antigas, citando as passagens relevantes do Alcoro, os com entrios e as tra dies do Profeta, discute jih a d em term os m ilitares. Segundo a lei islm ica, est de acordo com as escrituras fazer g uerra co n tra quatro tipos de inim igos: infiis, apstatas, rebeldes e band idos. E m bora os qu a tro tipos de guerras sejam legtim os, apenas os dois prim eiros con tam com o jihad. P o rtan to , a jih a d u m a obrigao religiosa. Ao d iscu tir a obrigao da guerra santa, os ju ristas m uu lm anos clssicos d istinguem entre g uerra ofensiva e defensiva. Na ofensiva, a jihad u m a obrigao da com un idade m u u lm an a com o um lodo, e pode ser cum prida , po rtan to , p o r com baten tes vo lun t rio s e profissionais. Em u m a guerra defensiva, to rn a-se u m a obrigao de Iodos os ind ivduos fisicam ente aptos. esse p rinc p io que O sam a bin l .adcn in vocou em sua declarao de guerra con tra os Estados Unidos.

    D uran te a m aio r p arte dos 14 sculos de h istria m uu lm ana registrada, a jih a d foi m ais com um en te in te rp re tada c o m o luta a r m ada p ara defesa o u au m en to do p o d er m uu lm ano . N.i ii adio

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  • m uulm ana, o m u n d o d ivid ido em duas casas: a Casa do Isl [Dar al-Islam), na qual existem governos m u u lm an o s e onde prevalece a lei m uu lm ana, e a Casa da G uerra {Dar al-H arh), o resto do m u n do, a inda h ab itado p o r infiis e, m ais im p o rtan te , sob governos infiis. A presuno que a obrigao da jih a d con tinuar , in te rrom pida apenas p o r trguas, at que o m u n d o to d o adote a f m u ulm ana ou se subm eta ao m an d o m u u lm an o . Aqueles que lu tam na jih a d qualificam -se para recom pensas nos dois m u ndos, b u tim nesse, paraso no prx im o.

    Nessa questo, com o em tan tas ou tras, a o rien tao do A lcoro c am pliada e elaborada as hadiths, trad ies que tra tam dos atos e palavras do Profeta. M uitas dessas referem -se guerra santa. Esses so alguns exem plos:

    A jih ad sua obrigao sob qualquer com andante, seja ele divino ou inquo.

    m elhor um dia e um a noite de lutas na fronteira do que um m s de jejum e prece.

    A picada de uma formiga causa mais dor a um mrtir do que a ferida de uma arma, pois essa mais bem -vinda para ele do que gua fresca e doce em um dia quente de vero.

    Aquele que morre sem ter participado de um a cam panha morre num certo tipo de desci eiia.

    D eus se maravilha com ac|ueles [aos quais o isl trazido por conquista] que so .in asiados ao paraso em cadeias.

    Aprenda a atii'.ii', pois o es[iao entre o alvo e o arqueiro um dos jardins do paiaiso.

    O paraso esl.i .i som hi .i de espadas.

    A trad io l.nnhein esl.ibdcce algum as regras de guerra para a conduo da jihati:

    Saiba que os prisioiieiios devem ser bem tratados.A pilhagem nao e m.iis leg.il do que carne podre.D eus proibiu m.il.ii m u lh e re s e crianas.

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  • Os m uulm anos esto obrigados por seus acordos, desde que esses estejam em conform idade com a le i f

    Os tra tad o s ju rd icos convencionais relacionados com a sharia no rm alm en te con tm u m captu lo sobre ajihad , e n tend ida no sen tido m ilita r com o guerra regular con tra infiis e apstatas. M as esses tra tad o s prescrevem co m p o rtam en to correto e respeito s regras da guerra em questes com o o incio e o t rm in o das hostilidades e o tra tam en to de no -com baten tes e prisioneiros, p ara no falar dos enviados d ip lom ticos.

    D u ran te a m aio r p arte da h ist ria reg istrada do isl, desde o tem po em que vivia o profeta M aom , a palavra jih a d foi usada em sen tido p rincipalm en te m ilitar. M aom com eou sua m isso proftica em M eca, sua cidade natal, m as, devido perseguio sofrida p o r ele e seus seguidores nas m os da o ligarquia pag que governava a cidade, m ud o u -se com eles p ara M edina, onde as trib o s locais os acolheram e fizeram do Profeta seu rb itro e, depois, seu governante. Essa m igrao de M eca p a ra M edina conhecida em rabe com o a Hijra, s vezes escrita de fo rm a inco rre ta com o Hegira** e traduzida equivocadam ente co m o fuga. A era m u u lm an a tem in cio com o com eo do ano rabe no qual oco rreu a Hijra. A p r im e m jih a d foi realizada pelo Profeta co n tra os governantes de sua cidade nata l e te rm in o u com a conquista de M eca n o m s do R am ad do ano 8 da Hijra, co rrespondendo a janeiro do ano 630 da era crist. A liderana de M eca rendeu-se quase sem lutar, e os hab itan tes, com exceo d a queles acusados de insultos especficos con tra o Profeta o u con tra um m uu lm ano , receberam im u n id ad e para suas vidas e p roprieda-

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    * Esses e o u tros textos sobre a jihad sero encontrados nas edies s landard das tra dies do Profeta, alguns deles tam bm disponveis em ingls. Os citados acim a foram tirados de Ala ai-D in Ali ibn H usam al-D in a l-M uttq i, Kaiiz al-'Ummal, 8 partes (H iderabad, 1312; 1894-1895), vol.2, p.252-86.** Em portugus, Hgira.

  • des, desde que se com portassem confo rm e o acordo. A p rx im a ta refa era a extenso da au to rid ad e m u u lm an a ao resto da A rbia e, sob os califas sucessores do Profeta, ao resto do m u n d o .

    Nos prim eiros sculos da era islm ica, isso parecia possvel e, na realidade, provvel. D en tro de u m tem p o ex trao rd inariam en te c u rto, os exrcitos conquistadores m uu lm anos haviam d errubado o antigo im prio da Prsia e inco rp o rad o todos os seus territ rio s aos dom nios do califado, ab rindo cam inho para a invaso da sia C entral e da nd ia . A Oeste, o Im prio B izantino ainda no havia sido derrubado , m as g rande parte de seus te rrit rio s fora tom ada. As p ro vncias en to crists da Sria, Palestina, frica do N orte e do Egito foram incorporadas e, a seu devido tem po, islam izadas e arabizadas, passando a servir com o bases para a subseqente invaso da Europa c a conquista da E spanha e de Portugal, bem com o do sul da Itlia. Por volta do in cio do sculo V III, os exrcitos conquistadores rabes j haviam avanado alm dos P irineas, at a Frana.

    Aps vrios sculos de in in te rru p tas v itrias, a jih a d rabe foi finalm ente refreada e repelida pela Europa crist. N o Leste, os b izan tinos m an tiveram a g rande cidade crist de C o n stan tinopla , repelindo um a srie de ataques rabes. N o Oeste, com earam o longo processo conhecido na h ist ria espanhola com o a Reconquista, que acabou resultando na expulso dos m uu lm anos dos te rrit rio s que haviam conqu istado na Itlia e na Pennsula Ibrica. Tam bm foi deslanchada u m a tentativa de levar a R econquista ao O rien te M dio e recobrar o local de nascim ento de Cristo, tom ado pelos m uu lm anos no sculo VII. Essa tentativa, conhecida com o as cruzadas, falhou to ta lm en te, e os cruzados foram expulsos em debandada.

    M as a jih a d no havia term inado. U m a nova fase foi inaugurada, agora no pelos rabes, mas por turcos e trtaros, recentem ente in corporados ao isl. Esses loi am capazes de conqu istar a at en to te r ra crist da A natlia e, em m.iio de 1453, to m aram C onstan tinop la , que a p a rtir da to rn o u se a capital dos sultes o tom anos, sucessores do an tigo califado na lulei aiia da jihad islm ica. Os o tom anos nos

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  • Blcs e os t rta ro s islam izados na Rssia reassum iram a ten ta tiva de co nqu ista r a E uropa, dessa vez com eando pelo leste, e, p o r algum tem p o , pareciam estar p rx im os do sucesso.

    M as, novam ente, a cristandade europia foi capaz de expulsar os invasores e, de novo, agora com m elhores resultados, de co n tra -a taca r os dom n ios do isl. A jih a d en to to rnara-se quase to ta lm en te defensiva - resistindo R econquista na E spanha e na Rssia, resistindo aos m ovim entos de auto liberao nacional dos cristos su b m e tid o s ao Im p rio O to m a n o e, f in a lm en te , ta l q u a l o p o n to de vista dos m uu lm anos, defendendo o corao da te rra islam ita con tra o a taque de infiis. Essa fase veio a ser conhecida com o im p erialism o.

    M esm o nesse perodo de re tirada, a jih a d ofensiva de fo rm a algum a foi abandonada. Em 1896, os afegos invad iram as regies m on tan h o sas de E lindu Kuch onde agora o nordeste do A feganisto. At ento, os hab itan tes eram no -m u u lm an o s, e a regio era, p o rtan to , conhecida pelos m uu lm anos com o C afiristo, te rra dos que no crem . Aps a conqu ista afeg, foi renom eada N uristo , te rra de luz. D uran te o m esm o perodo , jihads de vrios tipos foram conduzidas na frica co n tra populaes no -m uu lm anas. M as, em sua m aio r parte , o conceito, a p rtica e a experincia da j i had n o m o d ern o m u n d o islm ico tm sido, em sua quase to talidade, de natu reza defensiva.

    O uso p red o m in an tem en te m ilita r do te rm o co n tin u o u at tem pos relativam ente m odernos. N o Im prio O tom ano , a cidade de Belgrado, um a base avanada na guerra con tra os austracos, recebeu o nom e de Casa da Jihad {Dar al-Jihad). No incio do sculo XIX, q uan d o M uham m ad Ali Pax, o lder m o d c rn i/a d o r do Egito, refo rm o u suas foras arm adas e sua adm in istrao seguindo (cs gneros francs e britnico , foi criado u m d ep artam en to de gLicrra para a d m inistr-las. Era conhecido em rabe com o o Div dos A ssuntos da Jihad {Diwan al-Jihadiyya), e seu chefe era o superv iso r dos assuntos da jih a d {Nazir al-Jihadiyya). Seria possvel citar o u tro s exem plos

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  • A casa da guerra 51

    nos quais a palavra, jih a d p erd eu seu aspecto sacro, conservando apenas sua conotao m ilitar. N os tem pos m odernos, tan to o uso m ilita r q u an to o m oral do te rm o fo ram revividos, e so en tend idos e em pregados de m aneiras diversas p o r diferentes grupos de pessoas. O rganizaes que, na a tualidade, se a tribuem o no m e de Jihad na C axem ira, T chetchnia, Palestina e em o u tro s lugares, evidentem en te no usam a palavra para d en o ta r em p en h o m oral.

    A jih a d apresen tada, s vezes, com o o equivalente m uu lm ano das cruzadas, e as duas so vistas com o m ais o u m enos equivalentes. Em um certo sentido , isso verdadeiro - am bas foram proclam adas e lanadas com o guerras santas da f verdadeira con tra u m inim igo infiel. M as h urna diferena. As cruzadas so u m evento ta rd io na h ist ria crista e, de certo m odo , m arcam u m afastam ento radical dos valores bsicos cristos, tal com o expressos nos Evangelhos. A cristandade estivera sob a taque desde o sculo VII, e havia perd ido vastos te rrit rio s para o d om in io m uu lm ano; o conceito de urna guerra santa, m ais com um en te urna guerra justa, era fam iliar desde a A n tigidade. A inda assim , no longo conflito en tre islam ism o e c ris tandade, as cruzadas fo ram tardias, lim itadas e de relativam ente pouca durao. A jihad , ao con trrio , est presente desde o in icio da h is t ria islm ica - nos textos sagrados, na v ida do Profeta e as condutas de seus com panheiros e sucessores im ediatos. C o n tin u o u a existir ao longo da h ist ria islm ica e m an tm seu apelo at os dias atuais.

    A palavra cruzada deriva, obviam ente, de cruz, e denotava o rig inalm ente urna guerra san ta da cristandade. M as, no m u n d o cristo, h m u ito perdeu aquele significado, sendo usada no sen tido geral de urna cam p