Bernard Lewis - O Oriente Médio

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Ensaio

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  • LISTA DE MAPAS

    1.OsImpriosPersaeBizantino,c.600d.C.2.AAscensoeaExpansodoIsl3.AChegadadosPovosdasEstepes,1100:OsTurcosSeljcidas4.AChegadadosPovosdasEstepes,1265:OsMongis5.OImprioOtomano6.AChegadadoOcidente,I:PrincpiosdoSc.XIX7.AChegadadoOcidente,II:PrincpiosdoSc.XX

  • LISTA DE ILUSTRAES

    OImperadorromanoConstantino(WeidenfeldArchives)AsmuralhasterrestresdeConstantinopla(WeidenfeldArchives)EntalhenarochamostrandootriunfodeShapur,imperadorpersa(Weidenfeld

    Archives)MosaicocristoantigoemMadaba(WeidenfeldArchives)MedalhodeJustiniano(AncientArt&ArchitectureCollection,Londres)SinagogaemDura-Europo(NationalMuseum,Damasco/Weidenfeld

    Archives)Abraoprepara-separasacrificarIsmael(postalturco)MaomrecebendoarevelaodoarcanjoGabriel(EdinburghUniversity

    Library/WeidenfeldArchives)ODomodaRocha(WeidenfeldArchives)DetalhedoDomodaRocha(WeidenfeldArchives)AIgrejadoSantoSepulcro(AncientArt&ArchitectureCollection,Londres)QuasayrAmra(BridgemanArtLibrary)Moedasbizantina,omadaeabssida(WeidenfeldArchives)ATorredaVitriaemGhazni(coleodoautor)CracdesChevaliers(WeidenfeldArchives)OminbardeSaladino,originariamenteemAleppo(WeidenfeldArchives)GengisKhanemBucara(BritishLibrary/WeidenfeldArchives)TmulodeTimurLangemSamarcanda(WeidenfeldArchives)SultoBayezidI(MuseuTopkapi,Istambul/WeidenfeldArchives)SultoMuradII(MuseuTopkapi,Istambul/WeidenfeldArchives)OcastelodeRumeliHisar(WeidenfeldArchives)Mehmed,oConquistador(NationalGallery,Londres)

  • AmesquitadeAyaSofya,Istambul(WeidenfeldArchives)AmesquitadosultoAhmed,Istambul(MinistriodeTurismoeImprensada

    Turquia/WeidenfeldArchives)OelmodoxAbbas(BritishMuseum/WeidenfeldArchives)TravessiadoDrava(ChesterBeattyLibrary&GalleryofOrientalArt,Dublin

    /WeidenfeldArchives)Paradamilitarotomana(GennadiosLibrary,Atenas/WeidenfeldArchives)Mosqueteirosjanzaros(GennadiosLibrary,Atenas/WeidenfeldArchives)Festividadespalacianasotomanas(MuseuTopkapi,Istambul)Antigoentalheislmicoemmadeira(AncientArt&ArchitectureCollection,

    Londres)Tapetedeoraes(BridgemanArtLibrary)OBatistriodeSoLus(Louvre,Paris,Lauros-Giraudon/BridgemanArt

    Library)DetalhedoBatistriodeSoLus(Louvre,Paris/WeidenfeldArchives)OastrnomoTaqial-Dinemseuobservatrio(WeidenfeldArchives)Ilustraoemumtextomdicopersa(BodleianLibrary,Oxford)AMesquitadoX,Isfahan(WeidenfeldArchives)AmadrasaCheharBagh,Isfahan(AncientArt&ArchitectureCollection,

    Londres)OxAbbasrecebeumembaixador(AncientArt&ArchitectureCollection,

    Londres)Mercadoresturcos(WeidenfeldArchives)Uminglsaserviodosotomanos(BodleianLibrary,Oxford)Mdicojudeuemercador,emIstambul(GennadiosLibrary,Atenas)Dragomano(deO.Dalvimart,TheCostumeofTurkey,1802)Casadeservircaf,naTurquia(MaryEvansPictureLibrary)Mercadodeescravosnosc.XIII(BibliothqueNationale,Paris/Bridgeman

    ArtLibrary)Caravanadeescravos,sc.XIX(SyndicationInternational)Doiseunucosacavalo(GennadiosLibrary,Atenas)

  • OAgadasMulheres(GennadiosLibrary,Atenas)Amedosulto(Harlingue-Viollet,Paris)Mulherturcaeserva(deumaminiaturareproduzidaemF.Taeschner,Alt-

    StambulerHof-undVolksleben,1925)Mulheresemumasaladeestar(Nationalbibliothek,Viena/Weidenfeld

    Archives)Ogro-vizirconcedeaudinciaaumembaixadoreuropeu(BridgemanArt

    Library)Mesquitanuruosmaniye,Istambul(WeidenfeldArchives)OAgadasMulheres,umbobodacorteeumeunuco(coleodepostais

    turcos)Uniformesmilitaresotomanos(coleodepostaisturcos)Funcionriosotomanosemcompanhiadeembaixadores(coleodepostais

    turcos)SelimIII(MuseuTopkapi,Istambul)MahmudIIantesedepoisdadestruiodosjanzaros(MuseuTopkapi,

    Istambul)MuhammadAliPax(Victoria&AlbertMuseum,Londres/Weidenfeld

    Archives)AaberturadocanaldeSuez(MaryEvansPictureLibrary)StirafrancesasobreosbritnicosnoEgito(MaryEvansPictureLibrary)MulhereseuropiaseturcasemIstambul,1907(darevistafrancesa

    LIllustration)Ataturkusandouniforme(WeidenfeldArchives)Ataturk,oldercomoprofessor(WeidenfeldArchives)Arevoltarabe,1917(ImperialWarMuseum,Londres)RetiradaaustracadeJerusalm,1917(WeidenfeldArchives)Jerusalmem1947(WeidenfeldArchives)Membrosdetribosbedunas(Aramco)Oleodutosdepetrleo(Aramco)ManifestaoemapoioaoaiatolKhomeini(fotodeA.Mingam/Frank

  • SpoonerPictures)Mulheresiranianasvotando,1979(fotodeA.deWildenberg/FrankSpooner

    Pictures)AGrandeMesquitaeaKaaba,emMeca(fotodeM.Lounes/FrankSpooner

    Pictures)Fiisemorao,Cairo(CameraPress)Istambul,1988(fotodeA.Abbas/Magnum)

  • Prefcio

    Existem atualmente numerosas histrias em um nico volume sobre o OrienteMdio. A maioria termina com o advento do cristianismo ou comea com achegada do islamismo. Ao iniciar a minha com o surgimento da era crist,procuroatingirdoisobjetivos.Oprimeiro,resgatarosdoisgrandesimprios,daPrsia e de Bizncio, do modesto lugar que geralmente lhes reservado,juntamentecomaArbiapr-islmica,comopartedopanodefundodatrajetriadoProfetaedafundaodoEstadoislmico.Essaspotnciasrivais,queentresicompartilharamoudividiramoOrienteMdiopormuitossculos,merecemmaisdoqueumamenosuperficial.

    MeusegundoobjetivoestabeleceralgumeloentreoOrienteMdioquehojeconhecemos e as antigas civilizaes da regio, que deduzimos de textos emonumentos antigos. Durante os primeiros sculos da era crist, isto , noperodo transcorrido entre o nascimento de Jesus e o de Maom, as regiessituadas a oeste do Imprio persa foram transformadas pelos processosconsecutivos de helenizao, romanizao e cristianizao, sendo obliterada amemria(emboranotodosostraos)dessasantigascivilizaes.Essamemrianofoirestauradasenoemtemposrelativamentemodernos,graasao trabalhodearquelogoseorientalistas.Mereceateno,noentanto,aconexocontnuaediretadoOrienteMdioantigocomomoderno,entrefinsdaAntigidadeeIdadeMdia.

    As primeiras tentativas modernas de escrever a histria da regioconcentraram-se necessariamente na seqncia de eventos polticos emilitares,sem os quais difcil, se no impossvel, compreender os nveis profundos dahistria.Graasaotrabalhodemeuspredecessores,fiqueimaisvontadedoqueelesparareduziranarrativapolticaaummnimoeparadedicarmaisatenomudanasocial,econmicae,acimadetudo,cultural.Destepontodevista,faocom freqncia citaes diretas de fontes da poca crnicas e histrias deviagens,documentoseinscriese,svezes,atmesmopoesiaeanedotas.Noscasosemquehaviatraduesinglesasapropriadas,usei-asecitei-lhesasfontes.Quandonoexistiam,fizminhasprpriastradues.Asilustraespodemservirtambm a um objetivo semelhante. Com seu estudo, podemos alimentar aesperana de obter perspectivas que nem a narrativa e nem mesmo a anlisepodemfacilmentegerar.

    Qualquertentativadeapresentardoismilanosdahistriadeumaregiorica,

  • variadaevibrantedentrodoslimitesdeumnicovolumedeve,necessariamente,omitir muito do que importante. Todos os que estudam a regio fazem suaprpriaescolha.Fizaminha,eelainevitavelmentepessoal.Tenteidarodevidodestaque ao que me pareceu mais caracterstico e instrutivo em carreiras depersonalidadesimportantes,eventos,tendnciaserealizaes.Oleitorjulgaratquepontotivexitonessainteno.

    Finalmente, constitui um agradvel prazer registrar meus agradecimentos eadmirao por quatro jovens estudiosos da Universidade de Princeton: DavidMarmer,MichaelDoran,KateElliotteJaneBaun.Todoselesajudaramdevriasmaneirasnapreparaoeproduodestelivro.SouparticularmentegratoaJaneBaun,cujameticulosaerudioeacuidadecrticaforam,emtodasasocasies,domaior valor. Tambm gostaria de expressar gratido minha assistente,AnnamarieCerminaro,pelotratocuidadosoepacientequedeusmuitasversesdestelivro,desdeoprimeiroesbooaomanuscritofinal.Naeditorao,ilustraoe publicao deste livro, beneficiei-me enormemente da percia e pacincia deBenjaminBuchan,TomGraves,edoindexadorDouglasMatthews.Elesmuitocontriburam para acelerar o processo de produo e melhorar a qualidade doproduto.

    A todos eles, formulo agradecimentos pelasmuitas sugestes que aceitei, eapresento desculpas pelas que recusei. Fica assim claro que as falhasremanescentessointeiramenteminhas.

    BERNARDLEWISPrinceton,abrilde1995

  • PARTE I

    INTRODUO

  • Introduo

    UmlocalcomumnamaioriadascidadesdoOrienteMdioocafou,svezes,acasadech,onde,emquasetodasashorasdodia,podemosverhomensemgeral,apenashomenssentados,umamesa,tomandoumaxcaradecafouch,talvezfumandoumcigarro,lendoumjornal,disputandoumapartidaemumjogodetabuleiroeescutandomeiodistradooquequerquevenhadordiooudatelevisoinstaladosemumcanto.

    Emaparncia,essefreqentadordecafsnoOrienteMdionoparecemuitodiferentedeumafigurasemelhantesentadaemumcafnaEuropa,sobretudonaEuropa mediterrnea. Mas ele parecer muito diferente do que eram seuspredecessores,sentadosnomesmolocalh50anose,aindamais,h150anos.Isto,naturalmente,aplica-setambmaoeuropeusentadoemseucaf,masosdoiscasos esto longe de serem os mesmos. As mudanas que aconteceram naaparncia,noporte,no traje,enocomportamentodoeuropeunesseperododetempo so quase inteiramente de origem europia. So mudanas que, comalgumas excees, tiveram origem na prpria sociedade, emesmo as exceesrecentesvieramdasociedadeestreitamenteaparentadadaAmrica.

    NoOrienteMdio, por outro lado, asmudanas, namaior parte, vieramdefora, de sociedades e culturas profundamente estranhas s tradies nativas daregio.O homem no caf, sentado a umamesa, lendo um jornal, condensa asmudanasquelhetransformaramavidaeadeseuspaisaaparnciaquetem,o que faz, como se veste, at mesmo o que ele , simbolizando as imensas edevastadorasmudanas que, vindo doOcidente, afetaramoOrienteMdio emtemposmodernos.

    A primeira, a mais bvia e visvel mudana, ocorreu nas roupas. aindapossvelqueeleuseovesturio tradicional,mas issoest se tornandocadavezmenos freqente nas cidades. Com toda probabilidade, veste-se ao estiloocidental, camisae calaou,hojeemdia, camisetae jeans.Roupas, claro, tmuma enorme importncia, no s comomeio de proteger o corpo do frio e daumidade e preservar o decoro, mas tambm e, sobretudo, nesta parte domundocomomaneiradeindicaraidentidadedapessoa,comodeclaraodesuaorigemecomosinaisdereconhecimentoaosdemaisqueoscompartilham.J

  • no sc.VII a.C., no livro do profeta Sofonias (1:8), declara-se que No dia dosacrifcio do Senhor, Deus castigar todos os que trajam vestidurasestrangeiras. Em escritos judaicos e, mais tarde, muulmanos, os crentes soinstadosanosevestiremcomoosinfiis,masmantersuasvestescaractersticas.Notevistascomoosinfiis,paraquenotetornesumdeles,umainjunocomum.OTurbante,segundoumatradioatribudaaoProfeta,abarreiraentreaincredulidadeeaf.Segundooutratradio,Aquelequetentaparecer-se comoutros torna-se umdeles.Atbem recentemente, emalgumas reas, emesmohoje,cadagrupotnico,cadaseitareligiosa,cadatribo,cadaregio,e,svezes,cadaocupaotinhasuamaneiraprpriadetrajar-se.

    muito provvel que o homem sentado mesa do caf use ainda algumaformadebarrete,talvezumbondepano,eprovavelmenteexcetonaTurquia alguma coisa mais tradicional. Todos os que visitaram um cemitrio doperodootomano lembraroquemuitasdas lpidesdas sepulturas incluemumarepresentaoentalhadadaformadebarreteusadoemvidapelomorto.Seeleeraumkadi,haverumgorrodekadi; seeraumjanzaro,a lpideencimadaporumbarreteparecendoumamangadepaletdobrada,queos janzarosusavam.Qualquerquefosseaprofissoquetivesseseguidonavida,obarreteapropriado,como smbolo indicativo de sua profisso, visto em sua sepultura. Umadistinotosignificativa,queseguiaohomematotmulo,eraevidentementede grande importncia durante sua vida.Na Turquia, at bem pouco tempo, afrasesapkagiymek, pr um chapu na cabea, tinha uma significaomuitoparecida com a antiga expresso inglesa virar casaca. Significava tornar-serenegado,apstata,passarparaooutrolado.Hoje,claro,amaioriadosturcosqueusam qualquer tipo de barrete prefere o chapu, o bon, ou no caso dosdevotos a boina, e a expresso, tendo perdido seu significado, no circulamais.Obarreteestiloocidental,porm,aindararoemterrasrabes,emaisaindanoIr.Podemos,emcertosentido,documentarosestgiosdamodernizaonoOriente Mdio atravs da ocidentalizao das roupas e, principalmente, dosbarretes.

    A mudana de vesturio comeou, como alis a maioria dos aspectos damodernizao, com os militares. Para os reformadores, os uniformes militaresocidentais revestiam-sedeumacertamagia.medidaque seus exrcitos eramderrotados,umavezapsoutra,nocampodebatalhapelos infiis inimigos,osgovernantesmuulmanosadotaramnosasarmas,mastambmaorganizaoeequipamentodeseusadversrios,incluindoosuniformesdeestiloocidental.Aoserem organizadas as primeiras tropas muulmanas reformadas em fins dosc.XVIII,tornou-senecessrioparaelasadotaremosmtodosdetreinamentoearmas do Ocidente. Mas no era necessrio que adotassem os uniformesocidentais.Estanofoiumadecisomilitar,massocial,seguidavirtualmenteportodososexrcitosmodernosnasterrasmuulmanas,incluindomesmoaLbiaea

  • RepblicaIslmicadoIr.Elestinhamqueusarasarmasetticasocidentais,queerammaiseficazes,masnoastnicasjustaseosqupis,comoaindaacontece.Amudanadeestilocontinuaaserumtestemunhopermanentedaautoridadeeatrao da cultura ocidental, mesmo entre os que aberta e veementemente arejeitam.

    Mesmonosuniformesmilitares,noentanto,obarretefoialtimapeaasermudadaeaindahojeprovvelque,namaioriadospasesrabes,ohomemqueconhecemosnocafusealgumaformatradicionaldecobriracabeatalvezokefiya,cujaformaecorpodemlheindicartambmaafiliaotribalouregional.A importncia simblica da cabea e de sua cobertura bvia. No caso dosmuulmanos,haviaopontoadicionaldequeamaioriadas formasdeadereoseuropeusparaacabea,combicosoupalas,constituaumaobstruosformasdeadorao.Osmuulmanos,damesmaformaqueosjudeus,eaocontrriodoscristos, rezamcomacabeacoberta,enodescoberta,comosinalderespeito.Nas prostraes requeridas pelo rituais muulmanos de orao, nos quais odevototocaochocomatesta,apalaoubicoatrapalha.Durantelongotempo,mesmoquandoosexrcitosmuulmanosdoOrienteMdiousavamuniformesdeestilomais oumenos europeu, no adotavam o adereo ocidental para cabea,conservandoumacoberturadetipomaistradicional.OsultoMahmudII(1808-39), um dos primeiros grandes reformadores do sc.XIX, introduziu um novobarrete,ofez,conhecidotambmemrabecomotarbush.Motivodemelindreeodiadoinicialmentecomoumainovaoinfiel,otarbush foifinalmenteaceitoetornou-semesmoumsmbolomuulmano.Suaabolioem1925peloprimeiropresidentedaRepblicaturca,KemalAtaturk,despertouumaoposiotoferozquanto sua adoo, e exatamente pelas mesmas razes.Ataturk, o mestre dosimbolismosocial,noestava implementandoocaprichoociosodeumdspotaquando decretou que o fez e todas as demais formas de barrete masculinotradicionais teriam que ser abandonados e adotados em seu lugar chapus equpiseuropeus.Tratava-sedeumagrandedecisodenaturezasocialetantoelequanto seu crculo de seguidores sabiam perfeitamente o que faziam. O queaconteciatambm,claro,comosqueseopunhamaele.

    Masnofoiessaaprimeiravezemqueocorreuumamudanadessetipo.Nosc.XIII, poca em que os grandes conquistadores mongis submeteram oscentros polticos, militares e econmicos do Oriente Mdio, pela primeira vezdesde os dias do profeta Maom, ao domnio de um conquistador no-muulmano, os prprios muulmanos comearam a adotar costumes mongis,pelo menos em assuntos militares. Os grandes emires, mesmo no Egito, quenunca foi conquistado pelos mongis, passaram a usar trajes no estilo dosconquistadores, ajaezar com arreios mongis seus cavalos e deixar crescer oscabelos, moda mongol, em vez de cort-los curtos, segundo o costumemuulmano. Os exrcitos muulmanos usavam trajes, equipamentos e arreios

  • mongispelamesmarazoqueusamhojetnicasjustasequpispontudos:eraaindumentriadavitria, representandoa aparncia e amaneirade serdamaiorfora militar do mundo de seus dias. Continuaram a usar estilos de cabelo eequipamentomongisatoano1315daeracrist,quando,apsaconversoeassimilaodosgovernantesmongisdoOrienteMdio,o sultodoEgitodeuordens a seus oficiais para cortar as onduladasmelenas, abandonar o estilomongol nos trajes e arreios dos cavalos e voltar s vestes tradicionais e jaezesmuulmanos.Nenhumarestauraodessetipoocorreuaindanoislmoderno.

    Depois dos militares, chegou a vez do palcio. O prprio sulto apareceuusando certa forma de traje ocidental, modificado para parecer um poucodiferente, mas no diferente demais. H dois interessantes retratos do sultoMahmud II, no Palcio Topkapi, em Istambul, antes e depois da reforma naindumentriamilitar.Os dois retratos, obviamente pintados pelomesmo artista,mostramomesmosulto,nomesmocavalo,queseempinaexatamenteaomesmongulo. Em um deles, porm, usa o tradicional costume otomano e, no outro,tnica com alamares e cala comprida. O cavalo passou por uma mudanasemelhantenosarreios.Ataturk,comosempre,foidiretoatasrazesdoassunto.Nsqueremosusarroupascivilizadas,disse.Masoquequesignificaisso?Eporquedeveriamas roupasdecivilizaesmuitomaisantigasserconsideradasincivilizadas? Para ele, civilizao significava civilizao moderna, isto ,ocidental.

    maneira do sulto, o palcio, igualmente, comeou a adotar um estiloocidentaldevesturio.Estefoioprimeirolugarnoqualtornou-sevivelparaosgovernantesbaixarordensaosciviseimporobedincianotocanteavesturio.Osoficiaisdacorteotomanapassaramausarsobrecasacaecalacomprida.Apartirdopalcio,onovoestilodisseminou-sepelomundooficialemgerale,emfinsdosc.XIX,servidorespblicosemtodasasterrasotomanasusavampaletecalade cortes variados, simbolizando isto uma mudana importante nos valoressociais.Comeando como servidor pblico, que um elemento importante nasociedade, o novo estilo de indumentria espalhou-se aos poucos pelo resto dapopulao,chegandofinalmenteaopovocomum,pelomenosnascidades.OIraderiuumpoucomaistardee,nosmundosotomanoeiraniano,aocidentalizaodovesturiodaclasse trabalhadoraedapopulao ruraldemoroumuitomaiseaindaestincompleta.Apsarevoluoislmicade1979,atosrepresentantesda Repblica do Ir ainda usavam palet e cala ocidentais. S a ausncia dagravata lhes simbolizava a recusa em submeter-se s convenes e restriesocidentais.

    Houvemaiorresistnciaocidentalizao,oumodernizao,daindumentriadametadefemininadapopulao.Istosocorreumuitomais tardeenuncaemgrande escala, mesmo nos dias atuais, como entre os homens. As normasmuulmanas sobre o decoro feminino tornam delicado este assunto, que um

  • pomodediscrdiaconstante.NemmesmoAtaturk,emboratenhaproibidoofezeoutrasformasdebarreteno-ocidentais,fezomesmocomovu.HouvealgunsregulamentoslocaisaquiealinaRepblicaturcanonvelmunicipal,mas,mesmonestecaso,empoucoslugares.Aaboliodovufoirealizadaporumaespciede presso social e osmose, sem o aparato do cumprimento legal, queimplementouaaboliodascoberturasdecabeatradicionaisdoshomens.Neste,como em outros aspectos, amudana de vesturio reflete realidades femininasdiferentes.Seropoucas,sequeaparecero,asmulheresqueencontraremosnocafounacasadech,e,sealgumaporacasoapareceu,provvelqueestejacobertasegundooestilotradicional.Mulhereselegantesusandotrajeselegantes,isto,ocidentais,contudo,podemserencontradas,emalgunspases,noshotisecafsmaiscaros,freqentadospelosmaisricos.

    Amudanadevesturiosimbolizatambmumamudanamaisampla,mesmonosEstadosradicais,antiocidentais.Damesmamaneiraqueohomemaindausapelomenosalgumaspeasdaindumentriaocidental,oEstadoaindausacasacoe chapu ocidentais sob a forma de uma constituio escrita, uma assemblialegislativa,ealgumaformadeeleies.TodosessesaspectosforammantidosnaRepblicaIslmicadoIr,embora,claro,nohajaprecedentesparaelessejanopassadoiranianoantigoounoislmicosagrado.

    Osclientesdocafsentam-seaumamesa,ecadeiraemesasodoisitensdemobliaqueconstituemtambminovaesdevidasinflunciaocidental.Haviamesas e cadeiras na Antigidade e mesmo nos tempos romanos no OrienteMdio, mas elas desapareceram aps a conquista rabe. Os rabes vinham deuma terraondeasrvoressopoucaseamadeira, raraepreciosa.Mas tinhamabundnciadelecouroeosusaramparamobiliarseuslareselocaispblicos,bemcomona confecode roupas.O indivduo se reclinavaou sentava-se emalmofadasouescabelosdemuitos tiposdiferentes, sobredivsouotomanasambos os nomes tm origem no Oriente Mdio , cobertos com tapetes outapearias, e se servia empeasdemetal, elegantemente adornadas.Miniaturasotomanasdeinciosdosc.XVIIImostramvisitanteseuropeusemfestasnacorte.Elessoidentificadosclaramentepelasjaquetasjustasecalesamarradossobosjoelhos,por seuschapus,e tambmporqueseles se sentamemcadeiras.Osotomanos eram hospedeiros gentis e forneciam cadeiras a seus convidadoseuropeus.Maselesmesmosnoasusavam.

    OhomemnocafestprovavelmentefumandoumcigarroumaimportaodoOcidente,naverdade,deorigemamericana.Tantoquantosabemos,otabacofoiintroduzidonoOrienteMdiopormercadoresinglesesnoinciodosc.XVIIelogosetornoumuitopopular.Ocafsurgiuumpoucomaiscedo,nosc.XVI.OriginriodaEtipia,foiplantadoinicialmentenosuldaArbiaedaseespalhoupelo Egito, Sria e Turquia. Segundo crnicas turcas, foi trazido a IstambulduranteoreinadodosultoSuleiman,oMagnfico(1520-66),pordoissrios,um

  • deAlepoeooutrodeDamasco,queabriramosprimeiroscafsnacapitalturca.A nova bebida tornou-se imensamente popular e elegante e conta-se que oproprietriodecaforiginriodeAlepovoltousuacidadenatalapenastrsanosdepois, comum lucrode cincomil peas deouro.Odesenvolvimentodeumasociedade em volta dos cafs causou alguma preocupao s autoridadespolticas, que temiam que seus freqentadores conspirassem sedio, e sreligiosas, emdvida sobre a legalidade de tais estimulantes sob a lei islmica.Em1633,osultoMuradIVproibiuocafeotabacoeordenouaexecuodecerto nmero de fumantes e bebedores de caf. Finalmente, aps longasdiscusses entre defensores e adversrios, o tabaco foi declarado legal emumafatwadochefe-muftiMehmedBahaiEfendi,fumanteinveteradoque,em1634,perdeuocargoe tomouocaminhodoexliopor fumar.Seucontemporneo,oautor otomanoconhecido comoKttibChelebi, diz que a deciso em favor dalegalidadedotabacosedeveunoaseuprpriovcio,mascrenanoprincpiojurdicoquedizquetudoquenoproibidopermitido,eporpreocupaocomoqueeramaisapropriadocondiodopovo.1

    Comtodaprobabilidade,ohomemnocafestlendoumjornaloutalvezfazpartedeumgrupoparaoqualo jornal lido.Estacenarepresentaoquedeveforosamente ter sido uma das mudanas mais explosivas e de mais altasconseqncias,afetandotantooindivduoquantoasociedade.Namaiorpartedaregio,ojornalimpressoemrabe,alnguaquepredominanamaiorpartedoOriente Mdio. No Crescente Frtil, no Egito e na frica do Norte,desapareceram as lnguas faladas naAntigidade, sobrevivendo apenas, se istoacontece, em rituais religiosos e entre pequenasminorias.Anica exceo ohebraico, preservado como lngua religiosa e literria pelos judeus e revividacomolnguapolticaedeusocomumnomodernoEstadodeIsrael.NaPrsia,avelhalnguanofoisubstituda,mastransformadapelorabe.Apsoadventodoisl,passouaserescritanocursivorabe,comumagrandemisturadepalavrasrabes.Oqueaconteceuaoidiomapersaaconteceutambmaoturco,embora,naTurquia, o presidente reformador Kemal Ataturk tenha iniciado uma grandemudana cultural, ao abolir o alfabeto rabe, no qual o turco fora at entoescrito, substituindo-oporumnovocursivo latino.Oexemplo turcoest sendoseguidoemalgumasdasantigasrepblicasdaUnioSovitica,ondesousadaslnguasdafamliaturcomana.

    AartedaescritaerapraticadanoOrienteMdiodesdearemotaAntigidade.Oalfabetofoiumainvenodospovosdessaregio,oqueconstituiuumenormeavanoemrelaoaosvriossistemasdesinaiseideogramasqueoprecederamequeaindaprevalecememalgumaspartesdomundo.Osalfabetos latino,grego,hebraico e rabe derivam, sem exceo, do primeiro alfabeto inventado pelospovos de mercadores da costa do Levante. Enquanto o alfabeto simplificavaenormementeapreparaoedecifraodetextosescritos,aintroduodopapel,

  • procedentedaChinanosc.VIIIdaeracrist,contribuiumuitoparasuaproduoe disseminao. Outra inveno do Extremo Oriente, a tipografia, no entanto,parece ter passado ao largo doOrienteMdio no caminhopara oOcidente.Atipografia no era inteiramente desconhecida e h traos de uma forma deimpresso com blocos xilogrficos na Idade Mdia. Houve mesmo umafracassadatentativadosgovernantesmongisdaPrsia,emfinsdosc.XIII,deimprimir papel-moeda, mas, como insistiam em pagar seus empregados compapel e arrecadar impostos em ouro, ocorreu uma certa perda de confiana namoeda.Oexperimentonotevesucessoenofoirepetido.AochegarfinalmenteatipografiaaoOrienteMdio,elanoveiodaChina,masdoOcidente,ondesuaintroduo, curiosamente, foi conhecida e divulgada na Turquia. Os cronistasotomanos,queemgeralpoucotinhamadizersobreoqueacontecianasterrasdosinfiis, noticiarama invenoda tipografia e dedicarammesmoalguns linhas aGutenbergeaseuprimeiroprelo.Atipografia,aparentemente,foiintroduzidanoOriente Mdio por judeus espanhis refugiados, em seguida expulso dosjudeusdaEspanhaem1492.Entreoutrosartefatos,perciase idiasocidentais,elestrouxeramconsigolivrosimpressoseoconhecimentodecomoproduzi-los.O exemplo dos judeus foi seguido por outras comunidades no-muulmanas.Essas atividades, embora no exercessem impacto direto sobre a cultura damaioria, ainda assim contriburam para desbravar o caminho. Livros na escritaarbica, impressosnaEuropa, foramimportadosecompradospormuulmanos,conformeconfirmamlevantamentosdeespliosdepessoasfalecidas,equeforampreservados nos arquivos otomanos. E quando, finalmente, em princpios dosc.XVIII,aprimeiratipografiamuulmanasurgiuemIstambul,haviatipgrafosjudeusecristosparaprestaronecessrioservioqualificado.

    Os jornais s aparecerammuitomais tarde, embora houvesse sinais, j nosprimeirosdias,dapercepoentreosintelectuaismuulmanosdaspossibilidades e perigos da imprensa. J em 1690, um certoMuhammad ibnAbd al-Wahhab, conhecido como al-Wazir al-Ghassani, embaixador marroquino naEspanha,mencionouemrelatrioasoficinasdeescritaquepublicamrelatrios,supostamente contendo as notcias, mas cheios dementiras sensacionais.2 Nocursodosc.XVIII,hindicaesdequeosotomanostinhamconhecimentodaexistncia da imprensa europia. Houve mesmo manifestaes ocasionais deinteressepeloqueeraditosobreelesnos jornais,maso interesseera limitadoepouco efeito produziu.A introduo da imprensa noOrienteMdio constituiuconseqncia direta e imediata da Revoluo Francesa, quando os francesesfundaramoqueparecetersidooprimeirojornaljamaisimpressonessapartedomundo, aGazette Franaise de Constantinople, publicada pela embaixadafrancesaem1795.Ojornaldestinava-seprecipuamenteacidadosfranceses,masera tambm lido segundo podemos depreender por outras pessoas. Estapublicao foi seguida, aps a chegada da Revoluo Francesa ao Egito na

  • pessoadogeneralBonaparte,porjornaisegazetasoficiaisfrancesas,publicadasnoCairo.H notcias de um plano francs de publicar um jornal em rabe noCairo,masnenhumexemplardomesmoveio luzatagoraepareceprovvelqueesseprojetonuncatenhasidopostoemprtica.

    Nas sociedades muulmanas tradicionais havia vrias maneiras atravs dasquaisogovernantepodiatransmitiraopbliconotciasdemudanasimportantes.Duasdelas,convencionalmentelistadasentreasprerrogativasdasoberania,erama inscrio na moeda e o sermo das sextas-feiras nas mesquitas. Ambasmencionavamonomedogovernanteedeseususerano,sehouvessesuserano.Aeliminao ou acrscimo de um nome na orao inicial podia indicar umamudanadegovernante,atravsdesucessoourebelio,ouumatransfernciadelealdade. O restante da prdica da sexta-feira podia servir para o anncio denovasmedidas,inclusivepolticas.Asuspensodeimpostosemboranosuaimposioeratambmdivulgadaatravsdeinscriesemlocaispblicos.Doslouvores ao governante encarregavam-se de cantar os poetas da corte, cujascanes, facilmente decoradas e amplamente disseminadas, serviam como umaespcie de trabalho de relaes pblicas. Documentos escritos, emitidos porcronistas oficiais, eram tambm distribudos para divulgar notcias de eventosimportantes.Entreeles,porexemplo,haviaasfathname,cartasdevitria,comasquais os sultes otomanos anunciavam seus sucessosmilitares.Os governantesmuulmanos estavam h muito familiarizados com o uso da palavra escrita efalada como acessrio do governo e sabiam como usar o novo e importadoveculoojornal.

    AfundaodaimprensalocalnalnguavernculadoOrienteMdiocoubeaotrabalho de dois grandes governantes reformistas, contemporneos e rivais,MuhammadAliPax,doEgito,eosultoMahmudII,daTurquia.Nesteassuntocomo emmuitos outros, o Pax antecipou-se e o sulto seguiu-lhe o exemplo,agindo combase no princpio de que tudo que umpax pode fazer um sultopode fazer melhor. O governante egpcio comeou com uma gazeta oficial,inicialmenteimpressaemfrancse,emseguida,tambmemrabe;osultoturcocomeoucomumaemfrancseoutraemturco.Durantemuitotempo,osnicosjornais publicados noOrienteMdio eramoficiais, cujo finalidade um editorialturcodapocaexpressamuitobem:Oobjetivodo jornal divulgar juntoaossditosasinteneseordensdogoverno.3Estamaneiradeinterpretaranaturezaefunodaimprensanodesapareceuaindainteiramentedaregio.

    No fcil escrever a histria da imprensa jornalstica no Oriente Mdio.Muitos jornais tiveram existncia efmera, surgindo e desaparecendo depois deapenas alguns nmeros. No existem colees completas padronizadas, masapenas certo nmero de exemplares fragmentrios, reunidos em vrios locais.Tantoquanto sepodeverificar,omaisantigo jornalno-oficial foi iniciadoemIstambul, Turquia, em 1840, com o nomeJeride-i Havadis, O Jornal de

  • Eventos.TevecomoproprietrioeeditoruminglschamadoWilliamChurchill,que conseguiuobter umfermanautorizandosuafundao.Emborapublicadoaintervalosraroseirregulares,ojornalsobreviveu.

    Omomentodecisivo,nosnahistriadessejornalmasnahistriadetodaaimprensa jornalstica no Oriente Mdio, ocorreu com a Guerra da Crimia,quando,pelaprimeiravez,o telgrafo foi trazido regio,criandoummeiodecomunicao sem precedentes. A Guerra da Crimia atraiu numerososcorrespondentesdeguerrabritnicosefranceseseChurchillconseguiufazerumtratocomumdelesnaCrimia,nosentidodelhefornecercpiasdosdespachosque enviava a seu jornal, em Londres. OJeride-i Havadis e isto era algointeiramenteinusitadopassouaserpublicadocincovezesporsemanae,destamaneira, inicialmente os turcos, e em seguidao resto doOrienteMdio, foramfisgadosporalgomuitomaisviciantee,diriamalguns,muitomaisperniciosodoque o caf ou o tabaco, isto , a divulgao diria de notcias. Pouco tempodepois,umjornaldasafradaGuerradaCrimiafoipublicadoemrabeparaasregiesdoImpriootomanoondeorabe,enooturco,eraalnguadominante.Ojornalemrabefechouasportasapsofimdaguerra;oturcocontinuouefoiseguidopormuitosoutros.

    Em 1860, o governo otomano patrocinou um jornal dirio, em rabe, emIstambul no s um veculo para decretos oficiais e documentos dessanatureza, mas um jornal autntico, contendo notcias de dentro e de fora doImprio,editoriaiseartigosdefundo.Maisoumenosnamesmapoca,ospadresjesutas,em Beirute, iniciaram a publicao do que foi, quase com certeza, oprimeiro jornal dirio em terras rabes. Quando se queixam dos dois grandesperigosquesoosimperialistaseosmissionrios,osmuulmanostmrazopelomenosnesteaspecto: foramos imperialistaseosmissionriosque lhesderamojornal dirio. E, com o crescimento da imprensa, editores, jornalistas e leitoresviram-seabraoscomdoisgrandesproblemas:apropagandaeacensura.

    Em fins do sc.XIX e princpios deste sculo, ocorreu umdesenvolvimentomuitorpidoeextensodaimprensadiria,semanalemensal,sobretudonoEgito, onde a ocupao britnica criara condies favorveis.As publicaesegpciascirculavamamplamenteemoutrospasesdelnguarabe,etodosessespases,nodevidotempo,fundaramseusprpriosjornaiserevistas.Foiimensooefeitodocrescimentodaimprensa.Adivulgaoregulardenotciasdopasedoexteriordeuapessoascomunsquesabiamler,ouescutavamalgumqueoslia,uma percepo do mundo em que viviam, da cidade, do Estado, do pas, docontinente, que fora inteiramente impossvel em pocas anteriores.A imprensagerouumnovo tipode socializao e politizao.AGuerra daCrimia trouxeoutrasnovidades,almdaimprensa,eestasforamtambmnoticiadasnosjornais a criao de municipalidades segundo o estilo ocidental e a introduo detcnicasfinanceiras,tambmocidentais,notadamenteoemprstimopblico.

  • Outra mudana de importncia fundamental aconteceu na linguagem. Emrabeeturcoe,maistarde,empersa,houveumarpidatransformao:doestilopomposodosprimeirosjornais,cujalinguagemparecia-secomadascrnicasdacorte ou decretos oficiais, para o estilo jornalsticomais gil, que emergira nocurso de dcadas e que continua at os dias de hoje.Os jornalistas doOrienteMdio tiveram que forjar um novo meio de comunicao para discutir osproblemas do mundo moderno. Os jornais do sc.XIX na rea noticiavam ediscutiamassuntoscomoa insurreiopolonesacontraaRssia,aGuerraCivilamericana,osdiscursosdarainhaVitrianaaberturadoParlamentoemLondrese outros tpicos analogamente incompreensveis.A necessidade de divulgar eexplicar esses assuntos foi, em grande parte, responsvel pela criao dasmodernaslinguagensjornalsticaepolticadoOrienteMdio.

    Outrofato,talvezaindamaisimportantedoquealinguagemdojornalismo,foioaparecimentodoprpriojornalista,umafigurainteiramentenovanasociedadedoOrienteMdio,seguindoumaprofissoparaaqualnohaviaprecedente,masqueadquiriuenormeimportncia.

    Hoje,osjornaisnoseroanicamdiademassaencontradanoscafs.Comcerteza,haverumrdioe,possivelmente,tambmumaparelhodeteleviso.AstransmissesderdionoOrienteMdioforaminauguradasnaTurquiaem1925,somentetrsanosdepoisdeLondres.Namaioriadospases,noentanto,ondeocontroledascomunicaesseencontravanasmosdegovernantesestrangeiros,aintroduo das transmisses de rdio demorou algum tempo.NoEgito, isso saconteceu em 1934 e s se desenvolveu realmente em grande escala aps arevoluo de 1952.A Turquia, mais uma vez, partiu na frente, criando umaautarquia independente de rdio em1964, sem controle direto do governo.Demodo geral, o grau de independncia desfrutado pelas estaes determinadopela natureza do regime em qualquer pas.As irradiaes diretas com fins depropaganda, feitas do exterior, parecem ter sido iniciadas pelo governo fascistaitaliano,queinaugurouumservioregularemrabenacidadedeBari,em1935.Essefatomarcouoinciodeumaguerradepropagandaemque,inicialmente,aGr-Bretanha e aAlemanha e, em seguida, a Frana, emais tarde os EstadosUnidoseaURSS,participaram.OspasesdoOrientecomearamtambmafazerextensas irradiaes uns para os outros, com fins de informao, orientao e,ocasionalmente,subverso.Aintroduodatelevisofoi,devidoaoscustosmaisaltos, um pouco mais difcil, embora, atualmente, servios de televiso sejamcomunsemtodaazona.

    Emumaregioondeoanalfabetismocontinuaaserumgrandeproblema,oempregodacomunicaodiretacomusodapalavrafaladaproduziuumimpactorevolucionrio.Naverdade,aRevoluoIranianade1979,naqualasoraesdoaiatolKhomeinieramdistribudasemfitascasseteesuasinstruestransmitidaspor telefone, deve, com toda certeza, ter sido a primeira revoluo

  • eletronicamente manipulada em toda a histria mundial. Este fato concedeu oratria uma nova dimenso, uma maneira de fazer discursos e chegar aaudinciasquenoeraconcebvelempocaspregressas.

    O que sai do rdio e dos aparelhos de televiso , em grande parte,determinadopelaformadegovernoqueprevalecenopasepelochefedeestadoou chefe de governo quemanda. Com toda probabilidade, h um retrato delependuradonumaparededocaf.Empouqussimospasesqueadotarameaindamantmcomsucessoumademocraciadeestiloocidental,ele,ouagora,ela,podeserumlderdemocraticamenteeleitoeamdiarefletirumaltograudeoposio,bemcomoasopiniesdogoverno.Namaioriadospasesdaregio,ogovernanteest frente de uma formamais oumenos autocrtica de governo. Em algunsprevaleceumaformadeautoritarismotradicionalemoderado,noqualodecoroclssicoobservadoesepermitecertavariedadededivergnciadeopinies.Emoutras, ditadores partidrios ou militares estabeleceram regimes totalitrios e amdia nacional imprensa, rdio e televiso, por igual expressam umaunanimidadetambmtotalitria.

    Independentementedaformadegovernoedotipodeautoridadeexercidapelogovernante,oretratonaparede,porsuamerapresena,assinalaumainovaoeum desvio radical da tradio. Um embaixador turco na Frana, em 1721,explicou em um relatrio que era costume francs que o rei presenteasseembaixadoresestrangeiroscomseuretrato.Contudo,desdequeretratosnosopermitidosentremuulmanos,elesolicitou,erecebeu,outrospresentes.4Aartedoretrato,noentanto,noeraabsolutamentedesconhecida.OsultoMehmedII,o Conquistador, permitiu que seu retrato fosse pintado por Bellini, o artistaitaliano,ecolecionavamesmoquadrosdeartistaseuropeus.Seufilhoesucessor,maisdevotodoqueele,dissolveuacoleo,massultesposterioresforammenoscrticoseoPalcioTopkapi,emIstambul,contmumaricacoleoderetratosdesultes e outros notveis. Em tempos modernos, surgiu uma espciedeiconografia islmica, com retratos, obviamente mticos, de Ali e Husayn(Hussein)empasesShia(xiitas)edeoutrospersonagens,eemextensomuitomenorempases sunitas.Haviaalgunsprecedentesdecunhagemdeefgiesemmoedas,do tipocostumeironaEuropadesdeosdiasdaantigaGrciaeRoma.Umamoedadeumcalifaabssida,mostrandooquesepresumesejaseuretrato,intencionalmenteprovocanteno spelo fatode representarogovernante,masmostr-lo bebendo em uma taa. H algumas moedas seljcidas daAnatlia,cunhadas por pequenos principados,mostrando efgies de emires,mas isto erainteiramentelocaleimitaodocostumedegovernantesbizantinos.

    improvvel que haja outros retratos na parede, mas, com quase certezaexistirumtextocaligrficoemoldurado,provavelmenteumversculodoCoroou uma frase do Profeta. H 14 sculos, o islamismo tem sido a religiopredominantee,namaiorpartedo tempo,dominanteda regio.Aadoraona

  • mesquita simples e austera, consistindo de alguns versculos do Coro. Aoraoempblicoumatodisciplinado,comunal,desubmissoaoCriador,aonico,remotoeintangvelDeus.Noadmitedramanemmistrio.Notemlugarpara msica litrgica ou poesia e ainda menos para quadros ou esculturasrepresentativas,queatradiomuulmanarejeitacomoidlatras.Emlugardelas,artistasmuulmanosusamdesenhosabstratos,geomtricos,ebaseiamseusplanosdecorativos no uso extenso e sistemtico de inscries. Versculos, ou mesmocaptulos inteiros do Coro, so usados para decorar as paredes e tetos damesquitaetambmresidnciaselocaispblicos.

    talveznasartesquepodemosverossinaismaisantigosdapenetraodosmtodosevaloresculturaisdoOcidente.MesmonoIr,muitomaisdistantedoOcidente e menos aberto s influncias ocidentais, essa ascendncia pode servista na pintura em data to recuada quanto o sc.XVI no emprego dosombreadoedaperspectivaenatransformaodamaneiracomosomostradasfiguras humanas. Em desafio iconoclastia islmica, figuras humanas eramrepresentadas h longo tempo na arte persa e otomana, mas, nesse momento,tornaram-semaisindividuais,maispessoais,menosestereotipadas.Houvemesmoalgunsretratos,emboraaexibiopblicadosemblantedosoberanoemmoedas,selosouparedessejamuitorecentee,nospasesmaisconservadores,aindasejaconsideradacomoumablasfmiaquechegaquasesraiasdaidolatria.

    Oteatrocomoformadearteproduziuumimpactolimitadosobreospasesdaregio, embora o cinema tenha sido extraordinariamente popular. H prova deque o Egito importou filmes mudos da Itlia j em 1897. Durante a PrimeiraGuerraMundial,exibiesdefilmesorganizadasparaas tropasaliadasderamanumerososnaturaisda regioaoportunidadedeconheceranovamdia.FilmesdocumentriosjeramproduzidosnoEgitoem1917,lanando-se,em1927,osprimeiros filmes de enredo produzidos no pas. Desde ento, o cinematransformou-seemumgrandenegcio,principalmentenoEgito,mastambmemmuitos outros pases da regio. A indstria cinematogrfica egpcia hoje aterceiramaiordomundo,perdendoapenasparaasdosEstadosUnidosendia.

    OutrasinovaesprocedentesdoOcidentesoagoratoantigaseenraizadasqueningummaisse lembradesuasorigensestrangeiras.Seohomemnocafpertence s classes educadas e arruinou a vista com a leitura, talvez use agoraculos,umainvenoeuropiaquecomprovadamentesurgiunaIdadeMdiaempoca to remotaquantoo sc.XV.Ocafpode terum relgiodeparede, eofregus, um relgio de pulso ou algibeira, ambos invenes europias e,provavelmente,aindahojefabricadosforadopasnaEuropaounoExtremoOriente.

    provvel que o apreciador do caf, se em companhia de amigos, estejapassandootempodeumamaneiraparaaqualnohnecessidadedemediodotempo disputando jogos de tabuleiro, que tm uma histriamuito longa na

  • regio. Os dois mais populares so uma forma de gamo e entre os maiseducados o xadrez.Ambos chegaram ao Ocidente procedentes do OrienteMdioeoxadrezpodetervindooriginariamentedandia.Apresenadeambosfoi comprovada na Prsia pr-islmica. No grande debate entre telogosmuulmanosmedievaissobreasquestesdapredestinaoe livre-arbtrio,essesdoisjogosserviramsvezescomosmboloseprottipos.Seravidaumjogodexadrez,noqualojogadortemopoparatodososmovimentoseondeaperciaeoespritodeprevisopodemassegurar-lheavitria?Oucomoogamo,ondeum mnimo de percia pode acelerar ou retardar o resultado, mas em que oresultadofinaldeterminadoporrepetidoslancesdedados,quealgunspoderiamchamardesortecegaeoutrosdedecisopredeterminadadeDeus?Osdoisjogosfornecem interessantes metforas de um dos grandes debates da teologiamuulmana,umdebateemqueapredestinaoogamo,enooxadrezsaiuvitoriosa.

    Entre os intervalos de notcias e discursos, haver msica. Na maioria doscafs oferecida ao cliente amsica tradicional ou popular doOrienteMdio,quepode,contudo, incluirmsicapopsemi-ocidentalizada.muitoimprovvelqueseouaqualquertipodemsicaeruditaocidental.Mesmoentreoselementosmais ocidentalizados, social e culturalmente, a apreciao da msica erudita aindamuitolimitadaemacentuadocontrastecomoJapooumesmoaChina,outrassociedadesno-ocidentaisondeamsicaeruditadeestiloocidentalmuitoapreciada,executadaemesmocomposta.Entreapopulaoocidentalizada,comoadoslibanesescristosejudeusisraelenses,hpblicoparaamsicaeruditadoOcidente.NaTurquia,igualmente,aocidentalizaochegouaomundomusical,eatualmentehorquestras,perasecompositoresturcos.Amsica,pelomenosamsica instrumental, assim como a pintura, independe da lngua e pode, porconseguinte,parecermaisacessvelanaturaisdeoutrasculturas.NamaiorpartedoOrienteMdio,porm,talvezemparteporcausadaimportnciafundamentaldacano,issonotemacontecidoeasplatiasparaamsicaeruditaocidentalcontinuamaserrelativamentepequenas.Ocorreaumcontrastenotvelcomasdemais artes com a pintura e a arquitetura, onde amudana comeou e foicompletadaemumestgioprematurodoimpactodoOcidente,ecomaliteratura,onde as formas tradicionais de expresso artstica esto virtualmente mortas eonde a fico, o teatro emesmo a poesia se conformamaos padres gerais domundomoderno.Damesmaformaqueapinturafoiaprimeiraeamaisgeralemsua influncia, a msica a ltima e menos eficaz nos processosartsticos deocidentalizao. E esse fato, talvez, nos diga alguma coisa, uma vez que amsica, entre as artes da civilizao, realmente a ltima que um estranhochegandodeforapodecompreender,aceitar,eexecutar.

    Paraovisitanteocidental,umdosaspectosmaisnotveisdocaf,emquasetodos os locais no Oriente Mdio, que pouqussimas (se que algumas)

  • mulheres so vistas, e as que aparecerem sero com toda probabilidadeestrangeiras.Asmesasestoocupadasporhomens,ssouemgrupos,enoitegruposdejovensperambulampelasruasembuscadediverso.Aemancipaodasmulheres atrasou-semuito em comparao comasmudanas no status doshomense,emmuitaspartesdaregio,reverteasituaesanteriores.

    Oquadroquedissotudoemergedeumaregiodeculturaetradioantigase profundas.A regio foi um centro do qual idias, mercadorias e, s vezes,exrcitos irradiaram-seem todasasdirees.Emoutros tempos foi tambmummqueatraiunumerososestranhos,svezescomodiscpuloseperegrinos,emoutra ocasies como cativos e escravos, quando no como conquistadores esenhores.A zona foi uma encruzilhada emercado, onde cultura emercadoriaseramtrazidasdeterrasantigasedistantes,eemseguidaenviadas,ocasionalmentemuitomelhoradas,paracontinuarememsuajornada.

    Nos tempos modernos, o fator dominante na conscincia da maioria dosnaturaisdaregiotemsidooimpactodaEuropae,maistarde,doOcidente,emtermos mais gerais, e a transformao alguns diriam, subverso queproduziu.A histriamoderna da regio demudana rpida e imposta dedesafiofeitoporummundoestranhoedediferentesfaseseaspectosdereao,rejeio e resposta. Em alguns aspectos a mudana foi esmagadora e ,provavelmente, irreversvel, e h muitos que gostariam de lev-las ainda maisadiante. Em outros aspectos elas foram limitadas e superficiais e, em partes daregio, esto agora caminhandonadireooposta.Hmuitos indivduos, tantoconservadoresquantoradicais,quedesejamcontinuareampliaressamarcharequeconsideramoimpactodacivilizaoocidentalcomoomaiordesastrequejamais seabateusobrea regio,maiormesmodoqueasdevastadoras invasesmongisnosc.XIII.Emcertaocasio,apalavraimperialismoeracomumenteusada para descrever o impacto doOcidente,mas ela se tornou cada vezmaisimplausvel, enquanto o curto perodo de governo europeu direto recua para opassado e os Estados Unidos permanecem distantes e neutros. Uma descriomaisexatadecomooimpactoocidentalvistopelosqueaeleseopemfoidadaporKhomeini,quandosereferiuaosEstadosUnidoscomooGrandeSat.Satnoumimperialista,umtentador.Noconquista,seduz.Abatalhacontinuaainda entre os que odeiam e temem o poder sedutor e, em suas opinies,destrutivo do estilo ocidental de vida, e os que o consideram como um novoavanoeumanovaoportunidadeemum intercmbiopermanentee frutferodeculturasecivilizaes.

    O resultado da luta no Oriente Mdio ainda est longe de ser claro. Asorigens, processos e questes que lhes determinam o curso podem, talvez, sermelhor compreendidos contra o pano de fundo da histria e da civilizao daregio.

  • PARTE II

    ANTECEDENTES

  • CAPTULO 1

    Antes do Cristianismo

    No incio da era crist, a regio que ora conhecemos comoOrienteMdio eradisputada, nempelaprimeiranempelaltimaveznosmilharesde anosde suahistriadocumentada,porduasgrandespotnciasimperiais.Ametadeocidentaldaregio,queconsistiadepasesemvoltadoMediterrneooriental,doBsforoatodeltadoNilo,haviasetornado,emsuatotalidade,partedoImprioromano.Tendo suas antigas civilizaes entrado em declnio, suas velhas cidades eramadministradas por governadores romanos ou por prncipes tteres nativos. Ametadeorientaldaregiopertenciaaoutrovastoimprio,queosgregos,edepoisdelesos romanos,chamavamdePrsia,equeseushabitantesdenominamdeIr.

    Omapapolticodaregio,tantoemsuaformaaparentequantonasrealidadesquerepresentava,eramuitodiferentedoatual.Osnomesdospasesnemeramosmesmos,nemtampoucoasextensesterritoriaisquedesignavam.Amaioriadospovosquenelesviviamnapocafalavalnguasdiferenteseprofessavareligiesdiferentesdasquehoje conhecemos.Atmesmoalgumasdaspoucas exceeserammaisaparentesdoquereais, representandomaisaevocaodeliberadadeumaantigidaderedescobertadoqueumasobrevivnciaininterruptadetradiesantigas.

    Omapadosudoestedasiaedonordestedafricanapocadadominaoerivalidadeprsio-romanaera tambmmuitodiferentedo relativoaos imprioseculturasmaisantigosdoOrienteMdio,amaioriadosquais foraconquistadaeassimiladaporvizinhosmaispoderosos,muitoantesdea falangemacednia, alegioromanaeacatafractapersaestabeleceremseudomnio.Entreasculturasmais antigas que sobreviveram at o incio da era crist, conservando algo davelhaidentidadeelngua,amaisantigafoisemdvidaadoEgito.Nitidamentedefinidoporgeografiaehistria,oEgitoconsistedeumestreitovaleedodeltado Nilo, ladeado pelos desertos oriental e ocidental e pelo mar ao norte. Suacivilizaojcontavamilharesdeanosquandochegaramosconquistadores,mas,aindaassim,adespeitodeconquistassucessivasdepersas,gregoseromanos,acivilizaoegpciaconservaragrandepartedesuascaractersticaspeculiares.

  • Aantiga lnguae escrita egpciahaviam,no cursodemilnios, passadoporvrias mudanas, embora demonstrassem uma notvel continuidade. Tanto aantiga escritahieroglficaquantoo chamadodemtico,o estilomais cursivodeescritaquea sucedeu, sobreviveramatprimrdiosdaeracrist,quando foramfinalmentesuplantadaspelocpticoaltima formada lnguaegpciaantiga,transcritaemumalfabetoadaptadodogrego,comletrasadicionaisderivadasdodemtico.Aescritacpticasurgiunosc.IIa.C.esadquiriuformapermanentenosc.Id.C..Comaconversodosegpciosaocristianismo,tornou-sealnguaculturaldoEgitocristosobosromanose,emseguida,sobogovernobizantino.ApsaconquistarabeislmicaesubseqenteislamizaoearabizaodoEgito,at os egpcios que permaneceram cristos adotaram a lngua rabe. Eles soainda chamados de coptas, mas a lngua cptica desapareceu gradualmente esobrevive nos dias atuais apenas na liturgia da Igreja copta. O Egito adquiriraumanovaidentidade.

    Opastevenumerososnomes.Ousadopelosgregos,romanosepelomundomoderno, embora no pelos egpcios, era Egito, a adaptao grega de umantigo original egpcio.A segunda slaba deriva provavelmente damesma raizqueonomecopta.OnomerabeMisr,trazidopelosconquistadoresrabeseainda em uso nos dias atuais. Relaciona-se com os nomes semticos do EgitoencontradosnaBbliahebraicaeemoutrostextosantigos.

    Aoutraantigacivilizaodevalede rionoOrienteMdio,adoTigreedoEufrates, talvez sejaaindamaisantigadoqueadoEgito,masnodemonstrounemaunidadenemacontinuidadedoEstadoeda sociedadeegpcia.O sul,ocentro e o norte forammuitas vezes capitais de povos diferentes, que falavamlnguasdiferentes,eeramconhecidosporcertonmerodenomesSumriaeAcdia, Assria e Babilnia. Na Bblia hebraica era denominada AramNaharayin,ouAramdosDoisRios.Nomundogreco-romano,recebeuonomede Mesopotmia, que transmite quase o mesmo significado. Nos primeirossculosdaeracrist,ocentroeosuldaregioencontravam-sesobfirmedomniodospersas,quenaverdadetinhamsuacapitalimperialemCtesifonte,nolongedaatualBagd.OprprionomeBagdpersaesignificaDdivadeDeus.Eraonomedeumaaldeia existenteno local emque, sculosmais tarde,os rabesconstruram uma nova capital imperial. O nome Iraque no uso rabemedievalreferia-seaumaprovncia,queconsistiadametadesuldoatualpasdomesmonome,deTakritnadireosulatomar.svezeserachamadatambmdeIraqArabi,afimdedistingui-ladeIraqAjami,arealimtrofenosudoestedoIr.

    AregionortedaMesopotmiaeraterritriocontestado,svezesgovernadaporRoma,emoutrasocasiespelaPrsia,quandonopordinastias locais.Emcertas ocasies, chegava a ser considerada parte da Sria, o termomais usado,embora de maneira bastante imprecisa, para designar a rea limitada pelacordilheiraTauroaonorte,odesertodoSinaiaosul,odesertoarbicoaleste,eo

  • marMediterrneoaoeste.OnomeSriadeorigemduvidosa.Herdotoexplica-ocomosendoumaformaabreviadadeAssria.Eruditosmodernospesquisaram-lhe a origens at vrios nomes de localidades.Aparece pela primeira vez emgregoenopossui antecedentes reconhecveis, seja em forma seja emuso, emtextospr-helensticos.Bemslidonousooficialromanoebizantino,essetermogregodesapareceuvirtualmenteapsaconquistarabenosc.VII.Permaneceuem uso ocasional na Europa, especialmente aps a revivescncia da culturaclssica,ecomelaaterminologiagreco-romanaqueseseguiuRenascena.Nomundo rabe e, em termosmais gerais,muulmano, a regio outrora chamadaSria era conhecida como Sham, nome este dado tambm suamaior cidade,Damasco. O nome Sria em rabe, Suriya faz um ocasional e raroaparecimentoemescritosgeogrficos,masparteissopermaneceudesconhecidoatfinsdosc.XIX,quandoreapareceusobinflunciaeuropia.FoioficialmenteadotadocomonomedeumaprovnciaovilaietedeDamascopelogovernootomanoem1865etornou-sedesignaooficialdepascomoestabelecimentodomandatofrancs,apsaPrimeiraGuerraMundial.Entreosnomeslocaismaisantigos dados ao pas e que chegaram at ns, omais usado era Aram, emhomenagemaospovosaramaicosquecolonizaramaSriaeaMesopotmia.DamesmaformaqueaMesopotmiaeraconhecidacomoAramdosDoisRios,asregiessulenortedaSriaeramdesignadascomoAramdeDamascoeAramdeZob(isto,Alepo),(ver,porexemplo,2Samuel,8:6e10:8).

    Demodomaisgeral,contudo,ospasesqueformavamobraoocidentaldoCrescenteFrtileramconhecidospelosnomesdosvriosreinosepovosqueosgovernavameneleshabitavam.Entreestes,osmaisconhecidos,oupelomenososmais bemdocumentados, foramas terras ao sul,mencionadasnosprimeiroslivros da Bblia hebraica, e em outros escritos antigos, como Cana.Aps aconquistaecolonizaopelosisraelitas,areaporelesnessemomentohabitadapassou a ser conhecida como a terra dos filhos de Israel (Josu, 11:22), ousimplesmenteterradeIsrael(1Samuel,13:19).ApsocismadoreinodeDavie Salomo no sc.X a.C., a parte sul, tendo Jerusalm como capital, foidenominadaJudia,enquantoaregionorteerachamadadeIsraelou,maistarde,Samaria.Asreascosteirasaonorteesuleramconhecidas,numarefernciaaosseus habitantes, como Fencia e Filstia. Os filisteus desapareceram durante asconquistas babilnicas e deles no se teve mais notcia. Os fenciospermaneceram, at os tempos romanos e princpios da era crist, na planciecosteira que hoje a regio norte de Israel e sul doLbano.Aps a conquistapersa no sc.VI a.C., a rea, recolonizada pelos exilados que voltavam, eraconhecidacomoJud(cf.ostextosaramaicosemDaniel,2:25,5:13,Esdras,5:1,5:8).Nousoromano,refletidotambmnoNovoTestamento,osul,ocentroeonortedopas eramchamados respectivamentede Judia,Samaria eGalilia.Aestes podemos acrescentar o desertomeridional, queos romanos chamavamde

  • Idumia, derivado do Edom bblico, e que hoje conhecido comoNeguev, ecomoPerianasterrasalestedorioJordo.

    As lnguas dominantes na Mesopotmia e Sria eram semticas, massubdivididasemvriasdiferentesfamlias.Amaisantigaeraafamliaacadiana,qual pertenciam as lnguas assria e babilnica e que tinha curso geral naMesopotmia.Outra,afamliacananita,incluindoohebraico,ofencio,comsuaderivadanorte-africana,ocartagins,bemcomocertonmerodeoutras lnguasestreitamentecorrelatas,conhecidasatravsde inscriesdescobertasnonorteesul da Sria. Por volta de incios da era crist, a maioria dessas lnguasvirtualmente desaparecera e fora substituda por um grupo de lnguasestreitamente relacionadas, pertencentes outra famlia semtica, a aramaica.Entreaslnguascananitas,ofenciocontinuavaaserfaladonosportosmartimosdoLevante e nas colnias do norte dafrica; o hebraico, embora no fosse alngua falada comum dos judeus, sobrevivera como lngua da religio, daliteraturaedacultura.Parecequeas lnguasassria ebabilnicaextinguiram-seporcompleto.Oaramaico tornou-seummeio internacionaldecomunicaonocomrcioediplomaciaeeraamplamenteusadonosnoCrescenteFrtil,mastambmnaPrsia,EgitoenaregioquehojeosuldaTurquia.

    Noinciodaeracrist,oarbico,quehistoricamentefoialtimadaslnguassemticas a chegar regio, limitava-se principalmente s partes central esetentrional da pennsula arbica. As culturas urbanas mais avanadas dosudoeste, no atual Imen, falavam outra lngua semtica, conhecida como sul-arbica,estreitamenterelacionadaetope,equeforalevadaporcolonosrabesat o Chifre da frica. No norte, h prova de que indivduos que falavam oarbico entraram na Sria e nas terras limtrofes do Iraque antes mesmo dasgrandes conquistas rabes do sc.VII, que resultaram no triunfo do idiomaarbico em toda a regio.NoCrescente Frtil, o aramaico foi substitudo peloarbico.Atualmente,oaramaicosobrevivenosrituaisdealgumasIgrejasorientaiseaindafaladoemumaspoucasaldeiasremotas.

    O pas hoje chamado de Turquia s adquiriu este nome e neste caso,apenas na Europa na IdadeMdia, quando o povo conhecido como turcoschegouaoterritrio,procedentederegiesmaisaleste.Osnomesmaiscomunsusadosnosprimeirossculosdaeracristforamsia,ousiaMenor,eAnatlia.Originariamente,essaspalavrasdesignavamasmargensorientaisdomarEgeue,aospoucos,tiveramseusentidoestendidoparaabrangerregiesmaisaleste,istode umamaneira um tanto vaga e varivel.Demodo geral, dava-se ao pas osnomesdasdiferentesprovncias,cidadesereinosemquesedividia.Ogregoeraalnguadominanteeprincipalmeiodecomunicao.

    Anatlia deriva de uma palavra grega que significa alvorecer, comoacontecetambmcomOriente,dolatim,eLevante,doitaliano.Essesnomesrefletiamavisodepovosparaosquaisasterrasmediterrneasalestetraavam

  • os limites do mundo conhecido. S aos poucos os povos do Mediterrneotornandose conhecedoresdeumasiamais remota emaisvasta a leste, deramnovonomefamiliarAsiaMenor.Deidnticamaneira,muitossculosdepois,o antigo e imemorial Oriente tornou-se o Oriente Prximo e o Mdio,quandoumOrientemaisdistantedespontounohorizonteocidental.Entreessasterras orientais mais distantes, a mais importante e auspiciosa para o OrienteMdioeraoIr,maisconhecidonoOcidentecomoPrsia.

    Rigorosamente falando, a Prsia, ou Persis, era nome no de um pas ounao, mas de uma provncia a provncia sul-ocidental de Pars, ou Fars,situada na margem leste do golfo que dela tira seu nome. Os persas nuncaaplicaramessenomeatodoopas.Usaram-no,contudo,noidioma,umavezqueodialetoregionaldeParstornou-sealnguaculturalepolticadominantedopas,damesmamaneiraqueotoscanotornou-seoitaliano,ocastelhano,oespanhol,eodialetodosCondadosInteriores,oingls.Onomesempreusadopelospersas,eimpostoporelesaorestodomundoem1935,eraIr.Estapalavraderivavadopersaantigoaryanam,umgenitivopluralquesignificaaterradosarianosequeretroagiasprimeirasmigraesdospovosindo-arianos.

    OmapareligiosodoOrienteMdioeraaindamaiscomplexoeconfusodoqueotnicoe lingstico.Algunsdosvelhosdeuseshaviammorridoesidoesquecidos, mas muitos ainda sobreviviam, embora sob formas estranhas emodificadas.AlongahistriadeconquistaemigraoentreospovosdoOrienteMdio, seguida pelo impacto imensamente poderoso da cultura helenista e dogoverno romano, deram origem a formas novas e a sincretismos de crena eadorao. Alguns dos cultos orientais conseguiram mesmo adeptos entre osromanosunspoucosnaprpriaRoma.sis,doEgito,Adnis,daSria,Cibele,da Frgia, na sia Menor, todos eles conquistaram devotos entre os novossenhoresdoOrienteMdio.

    Emumtemporelativamentecurto,umperodomedidoemsculos,enoemmilnios,todosessesdeusesecultosantigosforamabandonadosousuplantados,substitudosporduasreligiesmundiaismonotestas,novaserivais,quesurgiramsucessivamentena regio,ocristianismoeo islamismo.Oadventoe triunfodoisl no sc.VII foi precedido e, em certo sentido, facilitado pela ascenso edisseminaodocristianismo,queemsimesmotinhaprofundasdvidascomseuspredecessoresreligiososefilosficos.Ascivilizaescristeislmicatmrazescomuns na confluncia e interao, noOrienteMdio antigo, de trs tradiesuniversalistasdejudeus,depersas,edegregos.

    A idia domonotesmo no era de todo nova.Apareceu, por exemplo, noshinos deAkenaton, fara do Egito no sc.XIV a.C. Essas idias, no entanto,tiveram carter espordico e isolado, produzindo impacto apenas temporrio elocal.Osprimeirosatornaromonotesmoticoparteessencialdareligioforamosjudeus.Aevoluodesuascrenas,decultotribalprimitivoparamonotesmo

  • tico universal, reflete-se nos sucessivos livros da Bblia hebraica. Osmesmoslivros espelham a crescente percepo entre os judeus de como esta crena osisolava de seus vizinhos, adoradores de dolos e politestas. Nos temposmodernos, os que se julgam os nicos donos da verdade convencem-sefacilmentedequedescobri-laumarealizaosua.Nocasodeumpovodevotonos tempos antigos, uma convico como essa teria sido insuportavelmentepresunosa. Confrontados com o fato extraordinrio de serem os nicos aconheceraverdadesobreoDeusnico,osantigos judeus, incapazessequerdeconsiderar a idia de que haviam escolhido Deus, adotaram a crena maishumilde de que fora Ele quem os escolhera. Tratava-se de uma escolha queimpunhamaisdeveres,naverdade,doqueprivilgios,epoderiasersvezesumfardopesadodemaisparacarregar.Detodasasfamliasdaterrasomenteavsoutros vos escolhi, portanto eu vos punirei por todas as vossas iniqidades(Ams,3:2).

    Os judeus, porm, no estavam ss no reconhecimento e adorao de umnico, universal e tico Deus.Muito longe ao leste, no alto plat do Ir, doispovosaparentados,conhecidosdahistriacomomedasepersas,haviamtiradodeseupaganismoantigoacrenaemumanicaesupremadivindade,opoderfinaldobem,empenhadoemlutasemtrguacomasforasdomal.Oaparecimentodessa religio est ligado ao nome do profeta Zoroastro, cujos ensinamentosforam preservados nas antigas escrituras zorostricas, redigidas em uma formamuitoprimitivada lnguapersa.Noseconheceadataemqueoprofetapersaviveu e pregou e as estimativas dos eruditos variam em mil anos ou mais.Afigura-se claro, no entanto, que os scs.VI e VII a.C. foram uma poca degrandeatividadereligiosazorostrica.Durantesculos,essesdoispovosseguiramcaminhos separados na busca de Deus, aparentemente sem que soubessem daexistnciaumdooutro.Oseventoscataclsmicosdosc.VIa.C.aproximou-os,comconseqnciasqueiriamreverberaremvoltadomundoeatravsdasidades.

    Noano586a.C.,Nabucodonosor,reidaBabilnia,nocursodeumasriedeguerrasde conquista, capturou Jerusalm,destruiuo reinode Jud eoTemplojudeue,deacordocomocostumedapoca,levouopovoderrotadoemcativeiropara aBabilnia.Dcadas depois, os prprios babilnios foramderrotados poroutroconquistador,Ciro,omeda,fundadordeumnovoimpriopersaque,comopassardotempo,estendeu-seatasterrasdaSriaemuitomaisalm.Parecequeambosos lados, os conquistadores e umpequenogrupo entre osmuitos povosconquistadosnessedomniovastoepoliglota,reconheceramhavercertaafinidadebsicadevisoecrena.Ciroautorizouoretornodosjudeus,atentomantidosemcativeironaBabilnia, terradeIsraeledeuordensparaareconstruodoTemplo de Jerusalm, por conta do governo. Na Bblia hebraica, a Ciro reservado um alto grau de respeito, no tributado a qualquer outro governanteno-judeue,naverdade,apoucosgovernantes judeus.Osltimoscaptulosdo

  • Livro de Isaas, escrito aps o cativeiro na Babilnia, so emocionantes: Ele(Ciro) meu pastor, e cumprir tudo o que me apraz; que digo tambm deJerusalm: ser edificada; e do templo: ser fundado. O captulo queimediatamente se segue vai ainda mais longe: Assim diz o Senhor ao seuungido,aCiro,aquemtomopelamodireita,paraabaterasnaesanteasuaface(Isaas,45:1).

    EntreosprimeiroseosltimoslivrosdaBbliahebraica,osqueforamescritosantesdocativeironaBabilniaedepoisdoretorno,hacentuadasdiferenasemcrena e ponto de vista, algumas das quais, pelo menos, podem serplausivelmenteatribudasainflunciasdomundomentalreligiosodoIr.Notvelentreelasa idiadeumalutacsmicaentreasforasdobemedomal,entreDeus e o Demnio, na qual a humanidade tem um papel a desempenhar; odesenvolvimento mais explcito da idia de juzo final aps a morte, com arecompensa ou vingana no cu ou inferno, e a idia de um salvador ungido,nascidodeumasementedivina,quevirnofimdostemposafimdeassegurarotriunfofinaldobemsobreomal.bviaaimportnciadessasidiasnojudasmoposteriorenocristianismoprimitivo.

    A conexo judaico-persa revestia-se tambm de implicaes polticas. Cirodemonstrou generosidade com os judeus, que por sua parte serviram-nolealmente.Sculosapsessesfatos,osjudeus,tantoemsuaterranatalcomoemoutrospases sobdomnio romano, foramalvosdesuspeita, svezescomboasrazes,desimpatizaroumesmodecolaborarcomosinimigospersasdeRoma.

    O filsofo e historiador alemo Karl Jaspers referiu-se ao perodo entre osanos600e300a.C.comoumaeraaxialnahistriahumana,umtempoemquepovosemterrasremotas,eaparentementesemligaoentresi,realizaramgrandeseinesperadosprogressosdenaturezaespiritualeintelectual.EssefoiotempodeConfcioeLao-TsnaChina,deBudanandia,deZoroastroouseusgrandesdiscpulosnoIr,dosprofetasdeIsrael,edosfilsofosdaGrcia.Elesnamaiorparte nem sabiam da existncia uns dos outros. Parece ter ocorrido algumaatividade no OrienteMdio por parte de missionrios budistas procedentes dandia, mas pouco se sabe a esse respeito e, aparentemente, a obra missionriapoucoefeitoproduziu.AsfrutferasrelaesmtuasentrejudeusepersasdatamdotempodeCiroedeseussucessores.Essesmesmossucessores,ampliandoseusdomniosnadireooeste,cruzandoasiaMenorechegandoaoEgeu,entraramem contato e conflito com os gregos e, destamaneira, estabeleceram linhas decomunicaoentreanascentecivilizaogregaeosnumerosospovosdoImpriopersa.Ogniogregoerafilosficoecientfico,enoreligioso,mas,aindaassim,as introvises alcanadas por seus filsofos e cientistas produziriam um forteimpacto sobre as civilizaes religiosas subseqentes do Oriente Mdio e, naverdade,domundo.

    Desdetemposmuitoantigos,mercadoresemercenriosgregosexploraramas

  • vrias regies doOrienteMdio e trouxeram de volta informaes sobre essasestranhas terras que aguaram a crescente curiosidade intelectual de filsofos ecientistas. A expanso do Imprio persa desvendou novas oportunidades viagens e comunicaesmais fceis, conhecimento de idiomas e emprego paraperciasgregas emnumerososnveisdogoverno imperial persa.Umanovaerateve incio com as conquistas de Alexandre, o Grande (356-323 a.C.), daMacednia, que estenderamogovernomacednio e a influncia cultural gregaportodooIr,chegandosiacentralesfronteirasdandiae,aosul,atravsdaSria,atoEgito.ApsamortedeAlexandre,suasconquistasforamdivididasentreseussucessoresemtrsreinos,quetinhamcomocentrosoIr,aSria,eoEgito.

    Os gregos, porm, j conheciam alguma coisa sobre a Prsia antes dasconquistas deAlexandre e, nessemomento, tornaram-se familiarizados com asterras misteriosas da Mesopotmia, Sria e Egito, onde instituram umasupremacia poltica que, eventualmente, foi substituda pela romana, e umasupremacia cultural que continuoumesmo sob o domnio romano. No ano 64a.C., o general romano Pompeu conquistou a Sria e, logo depois, ocupou aJudia.Noano32a.C.,apsaderrotadeMarcoAntnioeClepatranaBatalhadeActium,osgovernantesgreco-macedniosdoEgitoforamobrigadostambmasesubmeteremaodomnioromano.Notriunfouniversaldaculturahelensticaedodomnioromano,sdoispovosousavamresistir:ospersaseosjudeus,comresultadosmuitodiferentes.

    No ano 247 a.C., mais ou menos, um certo Arshak liderou uma revoltavitoriosacontraodomniogregoefundouumadinastiaindependente,conhecidanahistriacomoadosPartas,nomedesuatriboeregiodeorigem.Adespeitodas vrias tentativas feitas para restabelecer a supremaciamacednia, os partasconseguirampreservar, emesmoampliar, a independncia poltica, tornando-secomotempoumagrandepotnciaerivalpoderosadeRoma.Permaneceram,noentanto,abertosinflunciaculturalgrega,queparecetersidoconsidervel.Estasituao foimudada, tambm, aps a derrubada da dinastia parta porArdashir(226-240d.C.),ofundadordadinastiasassnidaerestauradordafzorostrica.Ozoroastrismotornou-senessaocasioareligiooficialdoIr,partedoaparatoda soberania, da sociedade e do governo. Este talvez tenha sido o primeiroexemplo na histria de uma religio oficial, com uma ortodoxia imposta peloEstadoeumaclassesacerdotalhierrquica,muito interessadana identificaoerepressodeheresias.Aprticasassnidanesteparticularcontrastavafortementecom a ampla tolerncia e ecletismo de seus predecessores partas e da Romaimperial.

    AfeaclassesacerdotalzorostricaadquiriramgrandepodercomaligaocomoEstado,emboratenhamsofridoasconseqnciasdessasmesmasrelaesquandooprprioEstadofoiderrubado.Osistemasacerdotalzorostricofindou

  • com o Imprio persa. Aps a destruio do imprio pela conquista rabe, ozoroastrismoentrouemlongadecadncia,nointerrompidopornenhumtipoderenascimento,nemmesmoporqualquerparticipaonasrestauraesposterioresdavidapolticaecultural iraniananos tempos islmicos.A resistncia religiosaoposta ao avano do isl no Ir no veio da classe sacerdotal zorostricaortodoxa,masdasheresias,isto,daquelesqueestavamacostumadosoposioerepresso,enodosacostumadosaoexercciodaautoridade.

    AlgumasdessasheresiaszorostricasassumiramimportnciaconsidervelnoOriente mdio e, na verdade, na histria geral. Uma das mais conhecidas, omitrasmo,tevenumerososseguidoresnoImprioromano,especialmenteentreosmilitares,echegouaserpraticadomesmonaInglaterra,ondeexistemrunasdeumtempomitrasta.Outra,maisconhecida,foiomaniquesmo,ocredodeMani,queviveude216a277d.C.efundouumareligiobaseadaemumamisturadeidiascristsezorostricas.Emboraeletenhasidomartirizadonoano277,essareligio revelou notvel resistncia e sobreviveu encarniada perseguio demuulmanosecristosnoOrienteMdioenaEuropa.Aterceira,decartermaislocal,mastambmdegrandeimportncia,foiaheresiadeMazdak,quefloresceueminciosdosc.VInoIr,estabeleceuumaespciedecomunismoreligiosoeinspiroumaistardecertonmerodemovimentosxiitasdissidentesnoisl.

    O zoroastrismo foi a primeira ortodoxia imperial e exclusiva. Era, contudo,umareligiodoIrenoparece tersidopregadazelosamenteaqualqueroutropovo fora do mundo imperial e cultural iraniano. Nisso ela nada teve deexcepcional,umavezquevirtualmentetodasasantigasreligiescivilizadasforaminicialmente tnicas, tornaram-se cvicas e polticas e, no devido tempo,pereceram juntamentecomocorpopolticoque lhesasseguraraoculto.Houveuma nica exceo regra, a nica entre as religies da Antigidade, quesobreviveu destruio de sua base poltica e territorial e conseguiu viver semambas, graas aumprocessode autotransformao radical.Este foi o processoatravsdoqualosfilhosdeIsrael,maistarde,povodaJudia,transformaram-seemjudeus.

    Na resistncia poltica Grcia eRoma, no entanto, os judeus fracassaram.Inicialmente, sob os macabeus, conseguiram manter a independncia contra ogovernantemacedniodaSria,quereivindicavasoberaniasobreelese,durantealgum tempo, restabeleceram a independncia do reino da Judia. Contra opoderiodeRoma,porm,noconseguiramprevalecere,emrevoltaapsrevolta,algumas delas com instigao ou ajuda persa, foram esmagados e reduzidos escravido.Seusreisealtossacerdotestransformaram-seemtteresromanoseumprocuradorromanoreinounaJudia.Amaisimportantedessasrevoltasiniciou-seno ano 66 d.C. A despeito de uma luta prolongada e cruenta, os rebeldesmorderamopdaderrotae,noano70d.C.,osromanoscapturaramJerusalmedestruram o segundo Templo, construdo pelos exilados que retornaram da

  • Babilnia.Masnemmesmooultrajeacaboucomaresistnciadosjudeus.ApsarevoltadeBar-Kokhbanoano136d.C.,osromanosresolveram,deumavezportodas,livrar-sedessepovocriadordecasos.Talcomoosbabilniosantesdeles,submeteramgrandepartedapopulaoaocativeiroeaoexlioe,destavez,nohavia umCiro para salv-los.At a prpria nomenclatura histrica dos judeusseria obliterada. Jerusalm recebeu o nome deAeliaCapitolina, construindo-seumtemploaJpiternolocaldoTemplodestrudo.AbolidososnomesJudiaeSamaria, o pas foi rebatizado comoPalestina, emhomenagemaos filisteus, hmuitoesquecidos.

    Umapassagememumtextojudaicoantigoexemplificavividamentecomoosbenefciosecastigosdogovernoimperialromanoeramvistospelosseussditosjudeus e, sem dvida, por outros no Oriente Mdio. O trecho descreve umaconversaentretrsrabisemalgummomentonosc.IId.C.1

    OrabiJudahcomeoudizendo:Comosoboasasobrasdessagente(osromanos).Elesconstrurammercados, construram pontes, construram casas de banhos. O rabi Jos ficou em silncio. O rabiSimeo Bar-Yoahai respondeu: Tudo o que construram, construram para atender s suas prpriasnecessidades.Construrammercadosparanelesinstalarprostitutas;casasdebanhoparaseembelezarem;pontes, para coletar impostos. Judah, o filho de convertidos, entrou e denunciou-lhes as palavras sautoridades,eosromanosresponderam:QueJudah,quenosexaltou,sejaexaltado.QueJos,queficoucalado,sejaexiladoparaSefris,equeSimeo,quenosacusoupublicamente,sejaexecutado.

    Emumaspectoimportante,judeus,gregoseromanossepareciamediferiamdeoutrospovosdaAntigidadesemelhanaediferenaqueconferiramaostrsumpapel fundamentalnamodelaodascivilizaesquese seguiriam.NoOriente Mdio, como em outras partes do mundo, era costume universal degruposhumanostraarumaclaralinhaentreeleseosoutrosisto,definirogrupo e rejeitar o estrangeiro. Essa necessidade primeva bsica retroage aosprimrdios da humanidade e,mais alm, maioria das formas de vida animal.Invariavelmente, a distino entre nativos e estrangeiros era determinada porsangue, isto , parentesco,ou pelo que hoje chamaramos de etnicidade. Osgregoseosjudeus,osdoispovosmaiseloqentesdaAntigidademediterrnea,legaram-nos duas definies clssicas do Outro o brbaro, o que no eragrego,eogentio,oquenoera judeu.Emboraasbarreirasdescritasporessestermos fossem formidveis e aqui se encontra uma inovao de imensaimportncia,noeraminsuperveise,nesteparticular,diferiamdasdefiniesmaisprimitivasemaisuniversaisdediferena,baseadaemnascimentoesangue.Essasbarreiraspodiamsercruzadasoumesmoeliminadas,noprimeirocasopelaadoodalnguaeculturadosgregose,nosegundo,pelaaceitaodareligioedasleisdosjudeus.Nenhumdosgruposprocuravanovosmembros,masestavamambos dispostos a aceit-los e, no incio da era crist, brbaros helenizados egentiosjudaicizadoseramfigurascomunsemmuitascidadesdoOrienteMdio.

  • Mashouveoutroaspectoemquegregose judeussedistinguiramnomundoantigo na compaixo que demonstravam pelo inimigo. No h, em partealguma, nada que se compare com o retrato simptico do dramaturgo gregosquiloumveteranodasguerraspersaspelossofrimentosdosderrotadospersas ou com o interesse pelos habitantes da Nnive assria, manifestado noLivrodeJonas,naBblia.

    Os romanos levaram o princpio da incluso a um passo importante, maisalm,atravsdodesenvolvimentogradualdeumacidadaniaimperialcomum.Osgregoshaviamcriadoaidiadecidadaniaisto,ocidado,comomembrodeum corpo poltico, tinha o direito de participar de sua formao e conduta.Afiliao cidade grega, no entanto, limitava-se a seus cidados originais edescendentes, eomximoaqueumestrangeiropoderia aspirar erao statusderesidente.A cidadania romana fora inicialmente do mesmo tipo. Em estgiosgraduais,noentanto,osdireitosedeveresdecidadoromanoforamestendidosatodasasprovnciasdoImprio.

    Essaacessibilidadedaculturahelenista,dareligiojudaicaedocorpopolticoromano contriburam juntas para desbravar o caminho para a ascenso edisseminao do cristianismo, uma religiomissionria, cujos fiis acreditavamqueeramospossuidoresdarevelaofinaldeDeusequetinhamodeversagradode lev-la toda a humanidade.Alguns sculos depois, surgiu uma segundareligio universal, o islamismo, inspirando em seus devotos um sentimentoanlogo de certeza e misso, ainda que com diferente contedo e mtodo.Havendo duas religies mundiais, sustentadas pelas mesmas convices,impulsionadaspelasmesmasambies,vivendoladoaladonamesmaregio,erainevitvelque,maiscedooumaistarde,elassechocassem.

  • CAPTULO 2

    Antes do Isl

    Operodo transcorrido entre o advento do cristianismo e o nascimento do isl,isto,aproximadamenteosprimeirosseissculosdaeracrist,foimodeladoporuma srie de grandes acontecimentos, tanto no curso dos fatos quanto naevoluodecivilizaes.

    Oprimeirodessesacontecimentose,demuitasmaneiras,omais importante,foiaascensodoprpriocristianismopeladisseminaoeadoogradualdareligio crist e conseqente desaparecimento, ou pelo menos submerso, detodasas religiespr-crists,excetuadasasdos judeusepersas.Durantealgumtempo, o paganismo clssico greco-romano resistiu e teve mesmo um ltimobruxuleio durante o reinado do imperador Juliano (361-3), conhecido peloshistoriadores como Juliano, oApstata.Na primeirametade desse perodo, atprincpios do sc.IV, o cristianismo cresceu e espalhou-se como um protestocontraaordemromana.svezestolerado,namaiorpartedotempoperseguido,forosamenteseparadodoEstado,desenvolveuumainstituioprpria,aIgreja,com estrutura e organizao, liderana e hierarquia, leis e tribunais que, aospoucos,envolveramtodoomundoromano.

    ComaconversodoimperadorConstantino(311-37),ocristianismocapturouo Imprio romano e foi, em certo sentido, por ele capturado. converso doimperador seguiu-se, em estgios graduais, a cristianizao do Estado romano.Nessemomento,autoridadesomava-seaproselitismonapropagaodanovafe,aotempodograndeimperadorcristoJustiniano(527-69),todaapanpliadopoderromanoerautilizadanosparaestabelecerasupremaciadocristianismosobre outras religies,mas tambmpara impor a supremacia da nica doutrinaaprovada pelo Estado entre as muitas escolas de pensamento em que, nessemomento, se dividiam os cristos. Por essa poca, havia no uma, mas vriasIgrejas, que discordavam principalmente sobre questes de doutrina teolgica,mas, no raro, tambm sobre lealdades pessoais, jurisdicionais, regionais oumesmonacionais.

    Asegundagrandemudanaocorreusobaformadatransfernciadocentrodegravidade do Imprio romano, do Ocidente para o Oriente, de Roma para

  • Constantinopla(atual Istambul), a cidade queConstantino fundara para ser suacapitaloriental.ApsamortedoimperadorTeodsionoano395d.C.,oImpriodividiu-seemdois,oOcidental,governadoporRoma,eoOriental,comsedeemConstantinopla. Em tempo relativamente curto, o ImprioOcidental submergiusobumaavalanchade invasesdebrbarose,para todososefeitos,deixoudeexistir.OImprioOrientalsobreviveuaessasdificuldadeseconseguiumanter-sepormaismilanos.

    O termobizantino, hoje geralmente aplicado ao ImprioOriental, foi criadopelaerudiomodernaederivadodonomedeumpovoadoqueexistiranolocalondefoiedificadaacidadedeConstantinopla.Osbizantinosnuncasearrogaramottulodebizantinos.Davamasimesmoonomederomanoseeramgovernadosporumimperadorromano,quealegavacumprirasleisromanas.bemverdadequehaviadiferenas.Oimperadoreseussditoseramcristos,enopagos,eembora os cidados de Bizncio chamassem a si mesmos de romanos, nofalavam latim, mas grego noromani, masrhomaioi. At mesmo asprovncias eram afetadas por essa situao. Inscries gregas encontradas emvrios locais eram oraes que pediam a supremacia dos romanos hegemoniatnRhomain, e um titular doprincipado fronteiriodeEdessa,derrubado pelos persas e reinstalado pelos romanos, orgulhosamente adotou ottulophilorhomaios, amigo dos romanos em grego. Mesmo no auge dopoderromano,ogrego,narealidade,tinhaostatusdesegundalnguadoimprio.No Imprio romano oriental, tornou-se a primeira. O latim resistiu por algumtempoe termos latinospodemser encontradosnogregodeBizncioemesmo,sculosdepois,norabedocalifado.Ogregosetornara,noentanto,epormuitotempo permaneceu, a lngua do governo e da cultura. At mesmo lnguas eliteraturassobreviventesno-gregasdasprovnciasorientais,ocopta,oaramaicoe,maistarde,orabe,foramprofundamenteinfluenciadaspelafilosofiaetradiocientficahelenista.

    Oterceirograndeacontecimento,ahelenizaodoOrienteMdio,comeara,sculosantes,nosimpriosdeAlexandre,oGrande,edeseussucessoresnaSriaenoEgito.TantooEstadoromanocomoasIgrejascristsforamprofundamenteinfluenciados pela cultura grega. E ambos contriburam para sua disseminaomais ampla. As instituies governamentais do Estado romano do OrientesofreramainflunciadastradiesdasmonarquiasmaisrecentesdeAlexandreeseus sucessores, uma concepo demonarquia que diferia, demuitasmaneirasimportantes, da adotada pelos csares romanos. Na religio, igualmente, osprimeiros cristos interessavam-se por sutilezas filosficas de um tipo que porlongotempoatraramosgregos,masnuncahaviamperturbadodemaisromanosoujudeus.Aescrituracrist,oNovoTestamento,veioluzemumalnguaque,embora no fosse mais a dos dramaturgos e filsofos atenienses, erainconfundivelmentegrega.AtoVelhoTestamentocirculavaemuma traduo

  • grega, feita sculos antes na comunidade judaica, fluente em grego, deAlexandria.

    Outra grande mudana, que deve, talvez, ser tambm atribuda em parte ainfluncias anteriores, foi o crescimento ininterrupto do que hoje seriadenominadodeeconomiadirigidaatentativadeplanejaroudirigiraeconomiaatravs doemprego da autoridade do Estado. Era bastante natural formularpolticasdessetipoemsociedadesdevalederios,especialmentenoEgito,ondeaeconomia dirigida alcanou um estgio avanado sob a dinastia ptolomaica,fundadaporumdosgeneraisdeAlexandre.Nosprimeirossculoscristos,eemespecialdosc.IIIemdiante,oEstadoenvolveu-secadavezmaisnaindstria,nocomrcio, nos ofcios e mesmo na agricultura. Em grau sempre crescente, asautoridades estatais exerciam controle sobre as atividades econmicas dosempreendedores privados que restavam e tentavam formular e impor polticaseconmicas estatais. Em muitos campos, o Estado simplesmente ignorou osmercadores privados e organizou seus prprios negcios. O exrcito, porexemplo,dependiaemgrandepartedeempresasestataisnotocantefabricaodearmamentos,equipamentose,emalgunsperodos,atdeuniformes.Provisesparaoexrcitoeramgeralmentecoletadassobaformadeimpostoemespcieedistribudas tropa sob a forma de raes.As atividades crescentes doEstadodeixavam cada vez menos espao ao empreendedor, ao aprovisionador, aofornecedoreaseusassemelhados.

    OEstadointervinhatambmconstantementenaagricultura.Halgumaprovadediminuiocontnuadareadeterracultivada.Alegislaoimperial,daqualsobrevive um bom acervo, revela a preocupao constante do Estado com oaumento das reas de terras abandonadas e desocupadas e o desejo de induzircamponeseseproprietriosrurais,atravsdevrios incentivosfiscaisedeoutranatureza, a recolonizar essas terras. Parece que esse problema teve grandeimportncia, sobretudo do sc.III aoVI, isto , da poca deDiocleciano (284-305), um dos principais expoentes do intervencionismo econmico, at asconquistas islmicas e a reestruturao conseqente da funo e do podereconmicos.

    Tanto os Imprios bizantino como persa foram submergidos pela marmontante do isl nas primeiras dcadas do sc.VII, embora tenha havido umadiferena importante no destino que coube a cada um deles. Os exrcitosbizantinossofreramesmagadorasderrotaseperderamnumerosasprovnciasparaosrabes,masaprovncia centraldasiaMenorcontinuougregae crist, e acapital imperial, Constantinopla, a despeito dos muitos ataques, permaneceuintactaportrsdeseusmurosdeterraemar.OImpriobizantinodebilitou-seeencurtou, mas sobreviveu por mais setecentos anos e sua lngua, cultura, einstituies continuaram a desenvolver-se em seus ritmos naturais prprios.Quando, finalmente, os ltimos remanescentes do imprio greco-romano

  • sucumbiram em 1453, havia um mundo cristo ao qual os bizantinos podiamlegarsuamemriaedocumentosrelativosapocaspregressas.

    J a Prsia teve um destino muito diferente. Foram conquistados eincorporadosaonovoimprioarbico-islmico,nossuasprovnciaslindeiras,mas a capital e todos os seus territrios.Osmagnatas da Sria eEgito podiamfugir para Bizncio; os zoroastrianos da Prsia no tinham opo, senopermanecersobodomniomuulmanoouprocurarrefgiononicolugaraelesaberto,andia.DuranteosprimeirossculosdadominaomuulmananoIr,avelhalngua,ecomelaavelhaescrita,desapareceramgradualmentedamemria,excetoentreumapequenaecadavezmaisexguaminoria.Atmesmoalnguafoitransformadapelaconquista,deformamuitoparecidacomamaneiracomooanglo-saxo se transformouno ingls.Sem tempos relativamentemodernos que a pesquisa erudita iniciou o resgate e a decifrao de velhos escritos einscriespersase,destarte,deupartidaaolevantamentodahistriapr-islmicadoIr.

    Nosprimeirosseissculosdaeracrist,duasgrandesfasesdesenrolaram-senahistriadoImprioIraniano:aprimeira,adospartas;asegunda,adossassnidas.O primeiro governante sassnida,Ardashir (226-40 d.C.), lanou uma srie deguerras contraRoma. Seu sucessor, Shapur I (240-71 d.C.), conseguiumesmocapturarembatalhaoimperadorromanoValeriano,etantoodeleitouafaanhaquemandoutalh-laempedraemvriasmontanhasdoIr,ondeaindapodemservistas.Mostramelasoxpersamontadoacavalo,oimperadorromanoprostrado,e o p do x, na verdade, na garganta do imperador. Valeriano morreu nocativeiro.

    Essarivalidadeprsio-romanae,maistarde,prsio-bizantinaconstituiuofatopoltico dominante da histria da rea at a ascenso do califado islmico, quedestruiu um dos rivais e debilitou consideravelmente o outro. A longa eaparentemente interminvel seqnciadeguerrasque, comumanica exceo,s foi interrompida por curtos intervalos de paz, deve, com certeza, tercontribudoemmuitoparaesseresultadofinal.

    Anicaexceo,aLongaPaz,duroumaisdeumsculo.Em384,ShapurIII(383-8d.C.)reconciliou-secomRoma.parteumrpidochoquenafronteiraem421-2,aguerrasrecomeoueminciosdosc.VI,continuandocompequenasinterrupesatoano628.Poressapoca,despontavaumanovapotnciaque,logodepois,eclipsariaambososbeligerantes.

    Naopiniodehistoriadoresdapocaemedievais,asprincipaisquestesemjogo nessas guerras foram, como se poderia esperar, territoriais. Os romanosreivindicavam aArmnia e a Mesopotmia, que durante a maior parte desseperodohaviamsidodominadaspelospersas.OsromanosasreclamavamporqueoimperadorTrajanoasconquistara,destarteestabelecendo,deacordocomumadoutrinaesposadapor romanos,persase,mais tarde,muulmanos,umttulode

  • posse permanente. Os bizantinos acrescentavam outro argumento, o de que oshabitantes da Armnia e Mesopotmia eram na maior parte cristos e, porconseguinte,deviamlealdadeaoimperadorcristo.OspersasreclamavamaSria,aPalestinaemesmooEgito,quehaviamsidoconquistadosporCambises,filhodeCiro,noano525a.C.Nocursodasguerras,ospersasinvadiramedevastaramessas terras e mesmo, por curtos perodos, mantiveram-nas sob domnio. Nohaviamais persas nem zoroastrianos nesses pases,mas, sim, outros grupos deno-cristos,entreosquaisospersastinhamsimpatizantes.

    Historiadoresmodernosconseguiramidentificaredocumentaroutrasquestes,almdasreivindicaesterritoriais.Entreasmaisimportantes,figuravaocontroledas rotas de comrcio entre o Oriente e o Ocidente. Duas importaes deprodutos orientais revestiam-se de importncia especial para o mundomediterrneo:asedadaChinaeasespeciariasdandiaedosudesteasitico.Ocomrcio dessas mercadorias tornou-se muito extenso e medidas legislativasromanasrevelampreocupaoconstanteemproteg-locontrainterferncias.Porcausa desse comrcio, osmundos romano e bizantinomantinham contato comcivilizaesmaisdistantesdasia,comoaChinaeandia.Nohaviarelaesregularesentreosdoismundosepoucasforamastrocasdevisitantesdequesetem notcia documentada. Eram feitas, no entanto, importaes de ambas aspartes, pelas quais os romanos, e aps eles os bizantinos, parecem ter pagoprincipalmenteemmoedasdeouro.Poucohavia,sequehavia,queomundomediterrneo pudesse oferecer em troca da seda chinesa ou das especiariasindianas. O ouro, contudo, era sempre bem aceito e grandes quantidades demoedas de ouro romanas foram enviadas para a sia oriental, a fim de pagarpelasimportaesquechegavambaciadoMediterrneoenoapenasparaasiaoriental, jqueospersasauferiamlucrossubstanciaiscomointermediriosno comrcio de seda procedente da China, especialmente quando em certosperodos puderam estender seu domnio na direo leste, penetrando na siacentral e, dessamaneira, dominar o comrciode sedano seupontodepartida.Ouviram-se queixas ocasionais sobre a drenagem de ouro amoedado para oOriente, mas, no todo, o mundo romano parece ter sobrevividosurpreendentementebemaessasangria.

    A rota mais direta das terras do Mediterrneo para o leste mais distantepassava por territrios governados ou dominados pela Prsia, mas haviavantagensbvias,tantoeconmicasquantoestratgicas,emdesbravarrotasalmdoalcancedasarmaspersas.Asopeseramarotaporterraaonorte,partindodaChina e passando por regies turcas na estepe eurasiana, na direo do marNegroeterritriobizantino,ouasrotasmartimasmeridionais,atravsdooceanondico.EstasterminavamnogolfoPrsicoenaArbiaounomarVermelho,comligaespor terra, atravs doEgito e do istmodeSuez, ou ainda aproveitandotrilhas de caravanas da regio ocidental daArbia, partindo do Imen at as

  • fronteirasdaSria.O interesse romano, emais tardebizantino, eraode abrir epreservaressasligaescomerciaisexternascomaChinaeandia,dessamaneiraladeando o centro dominado pelos persas. O Imprio persa tentou usar suaposiotransversalsrotasdecomrcioparacontrolarocomrciobizantino,comvistasaexplor-loemtemposdepazeinterromp-loemtemposdeguerra.Essasituao implicava uma luta contnua por influncia entre as duas potnciasimperiaisnospasesalmdas fronteirasdeambos.Oefeitodessas intervenes comerciais, diplomticas e, em raras ocasies,militares teve importnciaconsidervel em ambas as reas.Asmais afetadas foram as tribos turcas e osprincipadosaonorte,eastriboseprincipadosrabesaosul.Nohregistrodeque turcos ou rabes tenham desempenhado um papel muito importante nascivilizaes antigas dessas regies.Ambos, porm, em ondas consecutivas deinvaso, desempenharammais tarde um papel dominante nos centros polticos,militareseeconmicosislmicosduranteaIdadeMdia.

    Nos seis primeiros sculos da era crist, turcos e rabes permaneceram aolargodas fronteiras imperiais, nasbrbarasou semibrbaras estepes, edesertos.Nem persas nem romanos, mesmo nos seus perodos de expanso imperial,demonstrarammuitointeresseemconquistarospovosdaestepeoudodesertoecuidaram para no se envolverem demais com eles. O historiador romano dosc.IV,AmmianusMarcellinus, elemesmo natural da Sria, referiu-se a ambosemseusescritos.Sobreospovosdaestepe,observou:1

    Oshabitantesdetodososdistritossoselvagensebelicososeachamtoprazerososaguerraeoconflitoqueaquelequeperdeavidaembatalhaconsideradomaisfelizdoquetodososdemais.Noscasosdosque partem desta vida por morte natural, atacam-nos com insultos, considerando-os degenerados ecovardes.(XXIII,6.44.)

    Quantoaosmoradoresdodesertoaosul,descreve-oscomoossarracenosquenuncaachamosdesejveiscomoamigosouinimigos(XIV,4.1).Conquistarpela fora armadaessesvizinhos teria sidodispendioso,difcil eperigoso, ederesultadosnemsegurosnemteis.Emvezdisso,ambososimpriosadotaramoquesetornouapolticaimperialclssica,decortejardevriasmaneirasospovostribaisetentarconquistare,tantoquantopossvel,manter-lhesaboavontadecomajuda financeira, militar e tcnica, ttulos, honrarias e benesses semelhantes.Desde temposremotos,oschefes tribaiso termogregoparaelesera filarcas, tanto ao norte quanto ao sul, aprenderam a explorar emproveito prprio asituao, inclinando-sesvezesparaumlado,emoutrasocasiesparaooutro,quando no para ambos ou para nenhum. s vezes, a riqueza produzida pelocomrcio de caravanas permitia-lhes fundar cidades e reinos particulares, compapelpolticoprprio,comosatlitesoumesmoaliadosdaspotnciasimperiais.Em certas ocasies, essas potncias, quando se sentiam seguras para faz-lo,tentavamconquistarosprincipadosdas fronteirase sujeit-losadomniodireto.

  • Commaisfreqncia,noentanto,preferiamalgumaformadedomnioindiretoouclientela.

    OmodeloantigoesemdvidaretroageAntigidaderemota.Osromanosfizeram sua iniciao na poltica do deserto no ano 65 a.C., quando PompeuvisitouPetra,capitaldosnabateus,noatualreinohachemitadaJordnia.Parecequeosnabateusforamrabes,emboradeculturaelnguaescritaaramaicas.NoosisdePetra,haviamfundadoumaflorescentecidadedecaravanas,comaqualos romanosacharamconveniente estabelecer relaes amigveis.Petra eraumaespcie de estado-tampo entre as provncias romanas e o deserto e auxiliarvaliosonadireodosuldaArbiaedasrotasdocomrcioindiano.Noano25a.C.,oimperadorAugustoresolveutentaroutrapolticaeenviouumaexpediopara conquistar o Imen. A inteno era estabelecer uma base romana naextremidadesuldomarVermelhoe,destarte,abrircaminhoparacontrolediretoromano da rota para a ndia. A expedio foi um lamentvel fracasso e osromanosnuncamaistentaramrepeti-la.Isto,nuncamaistentarampenetrarpelaforamilitarnaArbiapropriamentedita,preferindodepender,paraocomrcioemtemposdepazeparaasnecessidadesestratgicasemtemposdeguerra,dascidadesdecaravanasedosEstadosfronteiriosdodeserto.

    E foi essa poltica que permitiu a eflorescncia de uma sucesso deprincipadosrabes fronteirios, dos quais Petra foi o primeiro nos temposromanos. Houve vrios outros, notadamente Palmira, a moderna Tadmur nosudestedaSria.Palmiracresceuemtornodeumafontedguanodesertosrio.Era um lugar antigo onde aparentemente, em tempos mais recuados, houveracentros povoados e comrcio.Os palmirenos tinham um emprio emDura, smargens doEufrates, e estavam, portanto, em condies de explorar uma rota,atravs do deserto, do Mediterrneo Mesopotmia e ao golfo, o que lhesconferiaposiodecertaimportnciacomercialeestratgica.

    Aonortedosdoisimprios,anortedomarNegroedoCspio,estendia-searotaporterraquecruzavaasiacentralnorumodaChina,ondeprevaleci