06 Bernard Darras

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51 LÍBERO – São Paulo – v. 16, n. 31, p. 51-68, jan./jun. de 2013 Bernard Darras – Modelização geral das relações humanas com os artefatos: estudo semiótico e sistêmico... Resumo: O que ocorre quando vivemos uma experiência com um objeto, uma imagem ou um site de internet por exemplo? Quais os atores humanos e materiais, próximos e distantes, participando diretamente ou indiretamente para que essa expê- riencia possa acontecer em um determinado momento? Como podemos representar e generalizar o ocorrido? Palavras-chave: artefato, co-determinação, comunicação, de- sign, metabolismo, modelização, semiótica, sistêmica. Modelización general de las relaciones humanas con los artefactos: estudio semiótico y sistémico de las interacciones Resumen: ¿Qué sucede cuando vivimos una experiencia con un objeto, una imagen o un sitio de internet, por ejemplo? ¿Qué actores humanos y materiales, cerca y lejos, participan directa o indirectamente para que esta experiencia puede su- ceder en un momento dado? ¿Cómo podemos representar y generalizar lo que pasó? Palabras clave: artefacto, co-determinacion, comunicación, design, metabolismo, modelización, semiótica, sistémica. General modeling of human relations with the artifacts: systemic and semiotic study of the interactions Abstract: What happens when we experience some situation with an object, an image or a homepage on the internet for example? What human or material issues, near or distants, par- ticipate, directly or indirectly, making this experience happen in an specific moment? How can we represent or generalize what occurred? Key words: artefact, co-determination, communication, de- sign, metabolism, modelling, semiotics, systemic. Modelização geral das relações humanas com os artefatos: estudo semiótico e sistêmico das interações Anatomia de um modelo: abordagem em rede do sistema de produção e recepção dos artefatos Buscando respostas para estas questões aparentemente simples, pesquisadores de dife- rentes disciplinas propuseram inúmeros mo- delos explicativos, cujos mais antigos são os modelos de comunicação desenvolvidos por Claude Shannon e Warren Weaver em 1945. Bernard Darras Professor de Semiótica e Metodologia da Pesquisa da Universidade de Paris 1 Pantheon–Sorbonne E-mail: [email protected] Não cabe aqui estudar a evolução destes modelos. Para isto, indicamos as sínteses rea- lizadas por Alex Mucchielli (2008) e os estu- dos comparativos e críticos de Nathan Crilly e sua equipe (2004, 2008, 2009, 2011). De nossa parte, desde 2006, com a minha colega Sarah Belkhamsa, temos estudado estas modelizações que concluímos incompletas ou apresentando pontos de vista bastante parciais. Figura 1: modelização de Shannon & Weaver. > > > > > INFORMATION SOURCE TRANSMITER MESSAGE SIGNAL RECEIVED SIGNAL RECEIVER MESSAGE DESTINATION NOISE SOURCE

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    Lbero So Paulo v. 16, n. 31, p. 51-68, jan./jun. de 2013Bernard Darras Modelizao geral das relaes humanas com os artefatos: estudo semitico e sistmico...

    Resumo: O que ocorre quando vivemos uma experincia com um objeto, uma imagem ou um site de internet por exemplo? Quais os atores humanos e materiais, prximos e distantes, participando diretamente ou indiretamente para que essa exp-riencia possa acontecer em um determinado momento? Como podemos representar e generalizar o ocorrido? Palavras-chave: artefato, co-determinao, comunicao, de-sign, metabolismo, modelizao, semitica, sistmica.

    Modelizacin general de las relaciones humanas con los artefactos: estudio semitico y sistmico de las interaccionesResumen: Qu sucede cuando vivimos una experiencia con un objeto, una imagen o un sitio de internet, por ejemplo? Qu actores humanos y materiales, cerca y lejos, participan directa o indirectamente para que esta experiencia puede su-ceder en un momento dado? Cmo podemos representar y generalizar lo que pas?Palabras clave: artefacto, co-determinacion, comunicacin, design, metabolismo, modelizacin, semitica, sistmica.

    General modeling of human relations with the artifacts: systemic and semiotic study of the interactionsAbstract: What happens when we experience some situation with an object, an image or a homepage on the internet for example? What human or material issues, near or distants, par-ticipate, directly or indirectly, making this experience happen in an specific moment? How can we represent or generalize what occurred?Key words: artefact, co-determination, communication, de-sign, metabolism, modelling, semiotics, systemic.

    Modelizao geral das relaes humanas com os artefatos:

    estudo semitico e sistmico das interaes

    Anatomia de um modelo: abordagem em rede do sistema de produo e recepo dos artefatos

    Buscando respostas para estas questes aparentemente simples, pesquisadores de dife-rentes disciplinas propuseram inmeros mo-delos explicativos, cujos mais antigos so os modelos de comunicao desenvolvidos por Claude Shannon e Warren Weaver em 1945.

    Bernard Darras

    Professor de Semitica e Metodologia da Pesquisa da Universidade de Paris 1 PantheonSorbonne

    E-mail: [email protected]

    No cabe aqui estudar a evoluo destes modelos. Para isto, indicamos as snteses rea-lizadas por Alex Mucchielli (2008) e os estu-dos comparativos e crticos de Nathan Crilly e sua equipe (2004, 2008, 2009, 2011).

    De nossa parte, desde 2006, com a minha colega Sarah Belkhamsa, temos estudado estas modelizaes que conclumos incompletas ou apresentando pontos de vista bastante parciais.

    Figura 1: modelizao de Shannon & Weaver.

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    INFORMATION SOURCE TRANSMITER

    MESSAGE

    SIG

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    MESSAGE

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    neste sentido que buscamos elaborar um novo modelo descritivo que ser aqui apresentado.

    Esse modelo foi publicado em 2009 e desde ento temos buscado aperfeico-lo e utiliz-lo em diferentes estudos.

    Na primeira parte desta deste artigo apre-sentaremos os diversos componentes desta modelizao assim como nossas escolhas te-ricas. Na segunda, buscaremos explicitar o seu funcionamento.

    Quais os atores representados nesta modelizao?

    Os cinco atores includos em nossa mo-delizao fazem parte de quase todos os mo-delos de comunicao, os quais buscamos rever as definies e o raio de alcance. So os seguintes: Osutilizadoresdosartefatos,que soos

    atores da demanda e da recepo. Os mo-delos de comunicao elaborados aps Shannon e Weaver lhes atribuem fre-quentemente o papel de receptor ou des-tinatrio.

    Os atores envolvidosna concepo enaproduo dos artefatos denominados emissores ou destinatores nos antigos modelos.

    Os prprios artefatos, ou seja, os atoresno humanos tratando-se na maioria das vezes de substitutos: de inteligncias transferidas, de protses de ao, de com-petncias humanas materializadas, de narraes etc.

    Oraiodealcancequeconferimosaestetermo muito maior que a noo de mensagem dos antigos modelos.

    Osdifusoresdeartefatosquesoosatoresexercendo a funo de canal ou transmis-sor nos paleomodelos.

    Omeio ambiente exerce umpapel ex-tremamente importante em nosso mo-delo. Trata-se do local onde se realizam todos os metabolismos que se manifes-tam nas relaes entre os humanos e

    os artefatos. Ele exerce igualmente um papel essencial enquanto meio, disposi-tivo, rede e intersistema.

    Como os atores so organizados na modelizao?

    Sendo interacionista, portanto no cau-sal e linear, nossa modelizao no comea necessariamente com o processo de emisso como o caso nos paleomodelos.

    De fato, ns entendemos as relaes entre os atores segundo o modelo de co-determi-nao das teorias neodarwinistas.

    Isto nos conduz a representar essas rela-es em forma de crculos e espirais de co--determinao, onde a oferta e a demanda de artefatos so to entremeadas quanto s fases de concepo, utilizao, transformao, etc. A figura do crculo retrata a continuidade destas interaes e a espiral representa sua evoluo no tempo.

    Figura 2.

    Figura 3: crculo e espiral.

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    Nos aproximando ainda mais da realida-de, as espirais precisam ser desenhadas de forma imbricada e divergente para melhor representar a evoluo histrica destes ciclos de co-determinao e suas mutaes, dando origem s divergncias e proliferaes que enriquecem a gama de artefatos.

    Este fenmeno bastante frequente no mundo dos objetos, das imagens e da cul-tura digital.

    Ator ou polo?

    Nota-se que tenho me referido aos atores no plural e no no singular.

    O uso do plural destaca nosso diferencial com relao s concepes substancialistas, analticas e reducionistas que, adeptas ao conceito de existncia em si, consideram o ator como um indivduo isolado e indepen-dente de seu meio ambiente.

    Em contraste, prefirimos utilizar os con-ceitos polo de concepo, sistema de ar-tefatos, metabolismo, co-determinaes articuladas etc.

    Em nossa abordagem sistmica e relacional, os atores e a comunidade de atores so conside-rados como agentes de relaes dinmicas em um meio ambiente que eles contribuem para construir e que os constri em retorno.

    Como essas relaes tambm se trans-formam com o tempo, nossa abordagem

    Figura 4: divergncias e proliferaes que enriquecem a gama de artefatos.

    Figura 5: polo.

    igualmente processual e metablica evitan-do-se, deste modo, toda forma de cristaliza-o ou reificao.

    Da mesma forma, focalizar a ateno em um nico designer ou usurio, como de praxe nos modelos de comunicao, reduz, a nosso ver, a complexidade dos aspectos mobilizados no mbito de uma experincia e suas relaes.

    Para representar as diversas relaes en-tre a experincia individual contextualizada, situada e finalizada, bem como os aspectos supra-individuais ativados durante uma ex-priencia, optamos por apresent-los atravs da superposio de dois crculos concntricos.

    O primeiro crculo menor, ao centro, re-presenta o indivduo e o segundo a comuni-dade na qual ele atua.

    Essa comunidade depende da experincia em andamento. Na verdade, na maioria dos casos os indivduos pertencem a vrias co-munidades cujas influncias podem se com-plementar ou entrar em conflito.

    Isso quer dizer que uma determinada experincia pode ativar, em nveis diversos, uma ou vrias comunidades.

    Este tipo de representaco por inclu-so possibilita descrever as relaes de um designer-produtor, um difusor ou um usu-rio com as suas comunidades, bem como as relaes mantidas entre um artefato e o seu sistema de objetos.

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    Os quatro polos, dos designers-produto-res, dos difusores, da comunidade de usu-rios e dos artefatos constituem, portanto, universos associados e relacionados.

    Unidos a diversos graus, eles constituem um metabolismo vivo (Peirce), uma experi-ncia (James, Dewey), um mundo-prprio e meio de vida (um Umwelt segundo Von Uexkll), um sistema contido em um meio ambiente (Von Bertallanfy, Le Moigne, Mo-rin etc.), uma rede de atores (Callon, Latou, Low) e um dispositivo (Foucault, Agamben).

    Ator ou agente?

    Uma das mais importantes contribuies dos chamados, no mundo anglo-americano, French theories e cultural studies trata-se da distino estabelecida entre as noes de ator e agente e as noes de ao e agencies.

    Enquanto que o termo ator permite de-finir aquele que age privilegiando a ao, o termo agente enfatiza as relaes de poder dos atores entre si e com os componentes de seu mundo-prprio, de seu sistema, rede, dispositivo ou meio ambiente.

    O termo ator , de certo modo, uma con-cepo neutralizada do agente e evitaremos empreg-lo doravante.

    Em um meio hierrquico em que os agen-tes provocam ou sofrem relaes assimtricas e desiguais, cada um atribui a si seus prprios agencies ou estes lhe so designados por sua comunidade ou outras comunidades.

    Os agencies so poderes para agir com re-lao ao outro e com relao a determinada rede, dispositivo, mundo-prprio ou meio ambiente. Certos agentes dominam, dirigem, oprimem e outros suportam, resistem, com-batem, negociam etc. (Darras, 2007).

    Meio ambiente, mundo-prprio, rede, dispositivo

    At aqui, temos empregado regularmente os termos meio ambiente, sistema, mundo-pr-prio, dispositivo e rede sem defini-los nem cor-relacion-los. o que vamos fazer rapidamente: Omeioambienteaentidademaiorque

    engloba todas as outras. Logo, toda enti-dade possui um meio ambiente.

    Em um meio ambiente, o mundo-pr-prio a configurao de relaes e de aes significantes entre os portadores de significao e os utilizadores de significa-o. O termo mundo-prprio utilizado aqui a traduo ao portugus do termo alemo Umwelt pertencente ao biosemi-tico J. Von Uexkull (1956-1965).Assim, um mesmo meio ambiente

    composto por inmeros mundos-prprios (Umwelt) e um portador de significao fun-ciona como tal em nveis diversos dependen-do de como este utilizado pelos diferentes utilizadores da significao.

    Numa sala qualquer, por exemplo, o mundo-prprio dos humanos no o mes-mo que o das formigas e o das bactrias. Juntos, estes Umwelten constituem o meio ambiente, a surpreendente sinfonia da na-tureza segundo a expresso de Von Uexkull. Emummundo-prprioesvezesentrein-

    meros mundos prprios, os agentes huma-nos e no humanos (os animais e tambm os artefatos) so organizados em forma de redes de co-determinaes e de interdependncias. A Teoria do Ator-Rede (Actor-Network The-ory - ANT) desenvolvida por Michel Callon, Bruno Latour e John Law uma vertente da semitica materialista.

    As relaes recorrentes entre os agentes

    Figura 6: polos.

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    esto propensas a se estabilizar, se institu-cionalizar e se sistematizar em dispositivos. Assim como nos descreve Michel Foucault (1977:299) Busco designar por este nome, em primeiro lugar, um conjunto resolu-tamente heterogneo, comportando dis-cursos, intituies, arranjos arquiteturais, decises regulamentares, leis, medidas ad-ministrativas, enunciados cientficos, pro-posies filosficas, morais, filantrpicas, em suma: o dito, assim como o no-dito, aqui esto os elementos do dispositivo. O prprio dispositivo a relao que pode-mos estabelecer entre estes elementos.Em seu curto livro O que um disposivo?

    (Che cos un dispositivo?) Giorgio Agamben comenta e extrapola a proposio de Foucault (2006-2007). Generalizando ainda mais a clas-se j to vasta dos dispositivos de Foucault, eu chamo de dispositivo tudo que possui, de uma maneira ou de outra, a capacidade de captu-rar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opinies e os discursos dos seres vivos.

    No somente as prises, os asilos, o panoptikon, as escolas, a confisso, as usinas, as disciplinas, as medidas jurdicas - cujas ar-ticulaes com o poder so evidentes - mas tambm a caneta, a escrita, a literatura, a filo-sofia, a agricultura, o cigarro, a navegao, os computadores, o telefone celular e, porque no, a prpria linguagem pode ser o mais antigo dispositivo pelo qual (h) muitos mi-lhares de anos daqui um primata, provavel-mente incapaz de se dar conta das consequ-ncias que estavam a sua espera, teve ento a inconscincia de se deixar capturar.1

    Aco, relao, interao, enao ou transao

    Toda ao gera uma relao e, fatalmente, uma reao. raro que uma ao no mo-

    1 Todos esses atores fazem parte de uma rede servida por outros sistemas e outras redes que so feitas e desfeitas por projetos de diferentes atores, mas tambm encontros no planejados e imprevisveis.

    difique, mesmo que somente um pouco, o mundo-prprio e o meio ambiente nos quais ela atua.

    Que seja em um nvel fsico, mecnico, qu-mico, fisiolgico, e muito provavelmente, em um nvel psicolgico e semitico, toda ao provoca uma dissipao de energia e de infor-mao e, consequentemente, uma reao.

    O conceito de interao permite ir alm do ponto de vista da ao egocntrica, mas conserva ainda assim uma relao substan-cialista entre duas entidades.

    Para ir alm desse reducionismo subs-tancialista, dois caminhos so possveis: o da transao e o da enao.

    Figura 7: transao.

    O conceito de transao foi proposto por John Dewey e Arthur Bentley (1949) a fim de ultrapassar o conceito pr-cientfico de self action como poder prprio de agir, mas tambm para ir alm do conceito mecanis-ta de interao como o equilbrio de foras (Newton).

    Dewey e Bentley propem o conceito de transao que permite apreender os ml-tiplos aspectos e fases da ao sem recorrer s essncias, s substncias ou s entidades ltimas e finais.

    Como nos diz Emirbayer (1999:282) A especificidade da abordagem transacional entender as relaes entre os termos ou uni-dades como eminentemente dinmicas por natureza, como a manifestaao de um pro-

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    cesso em andamento e no como um ncleo esttico entre substncias inertes.2

    Assim como destaca Aurlie Cassag-ne (2008:25): o relacionismo revindica uma abordagem capaz de apreender os fenme-nos da vida social como processos dinmi-cos imbricados uns aos outros, constituindo deste modo configuraes especficas, elas mesmas dinmicas.

    Francisco Varella (1993) resume a concep-o de enao quando nos diz que a cognio no a representao, mas sim a ao encar-nada e que o mundo que conhecemos no nos dado, mas sim enacionado pela histria de nossa unio estrutural com o meio.

    A enao , ento, uma concepo evolu-tiva e vinculada ao nosso mundo-prprio e ao nosso meio ambiente. O meio ambiente nos modela ao mesmo tempo em que ns o modelamos.

    O interior e o exterior se constituem mu-tualmente por meio da ao e suas mediaes.

    o caso do impacto da nossa mo sobre o mundo que co-determinamos para que sem-pre esteja ao alcance da mo para manipul--lo melhor (Darras; Belkhamsa, 2008).

    O que ocorre entre os polos?

    Todos os polos de nossa modelizao se articulam e trocam fluxos de matria, ener-gia, informao e significao internamente e externamente, em diversos nveis e em di-versos momentos.

    Estas trocas no so ativas permanen-temente, certos acontecimentos acionando todo o ciclo e outros somente algumas partes.

    Mais adiante, ns estudaremos os fluxos que circulam entre os polos.

    Neste mbito, os artefatos materiais (ob-jetos, imagens impressas) no funcionam da mesma maneira que os artefatos difundidos ou acessveis.

    2 What is specific about the transactional approach is that it sees relations between terms or units as preeminently dynamic in nature, as unfolding, ongoing processes rather than as static ties among inert substances (Emirbayer, 1999:282).

    Os tempos do metabolismo da estabilidade dinmica mudana

    O conceito de metabolismo que temos evocado regularmente pertence a Charles S. Peirce que, vale lembrar, foi tambm um qumico.

    Cientificamente, o termo metabolismo pertence ao campo da qumica, correspon-dendo ao conjunto de mudanas de tipo mo-lecular no interior de um corpo (qumico). O conceito foi em seguida estendido ao campo fisiolgico para se referir s transformaes de um organismo.

    Etimologicamente, Metbolo (em ingls metaboly) vem do grego metabol que signica descolamento e do latim metabola, meta-bole que significa mudana e troca.

    Segundo Peirce (a teoria) do pragmati-cismo entende o pensamento como um me-tabolismo vivo de smbolos inferenciais cuja significao reside em uma resoluo geral e condicional para agir (Peirce, 5.402).3

    Como veremos mais tarde, defende-se aqui que a signifio (purport) se realiza de duas formas: ou como deliberao geral e resoluo geral para agir, ou, diretamente, por meio de uma ao habitual. A partir de 1907, o prprio Peirce mudou seu ponto de vista sobre a questo e passou a consi-

    3 Pragmaticism makes thinking to consist in the living infe-rential metaboly of symbols whose purport lies in conditio-nal general resolution to act (Peirce ,5.402).

    Figura 8: fluxos.

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    derar que a ao se generaliza em hbitos de ao atuantes, ou seja, na relao (tran-sao) significante que se produz durante uma experincia.

    Retomemos agora os diferentes polos que constituem a nossa modelizao. No nos contentando em representar as relaes e as transaes internas de modo esttico, ns lhes dotamos tambm de uma espcie de cursor circular que representa o estado do metabolismo interno de cada agente.

    Segundo este mesmo princpio, possvel representar o metabolismo da comunida-de da mesma maneira, porque ela tambm passa por fases similares de hbito (habitus segundo Bourdieu), de dvida, de reconstru-o do hbito etc.

    Em nosso modelo, os relgios centrais caracterizam o estado semitico de tal ou tal agente, enquanto que os relgios perifricos representam tal ou tal estado semitico da co-munidade interpretativa e, por extenso, tal ou tal estado da cultura material, visual ou digital.

    Com relao ao seu mundo-prprio, a sua rede ou ao seu dispositivo, um agente pode estar numa fase semitica de rotina ou hbito (Habit na terminologia de C. S. Peir-ce), isto , em uma fase pragmtica cuja sig-nificao se realiza como uma predisposio para agir ou como um signo de ao.

    O agente pode tambm estar numa fase em que seus hbitos de ao falham, ou seja, uma fase de perda de sentido que chamamos fase de dvida (doubt).

    Em outro momento, ele pode estar numa fase de pesquisa, de mudana de hbito (habit change) ou de aprendizagem (habit taking) etc.

    O movimento entre o hbito e a mudana de habito no uma simples oscilao, mas sim uma sequncia de cronolgica de mu-danas mais ou menos rpidas.

    Ao representarmos estes estados de meta-bolismo da mente e da ao por meio de um crculo cronolgico, obtemos uma espcie de relgio do metabolismo semitico e prag-mtico dos agentes.

    Figura 9: terminologia de C. S. Peirce.

    Figura 10: relgio do metabolismo semitico e pragmtico dos agentes.

    Figura 11: relgiosencaixados e concntricos, trs casos.

    VIABILIDADE

    ACORDO

    EXECUO

    DELIBERAO

    PROJ

    ETO

    DE A

    O

    ADOO REJEIO

    SOLUO

    INIB

    IO

    DA A

    O

    PERTUBAO

    RESISTNCIAou

    ou

    Ciclo curto de crenas e hbitos

    Ciclo completo de mudana de hbito

    Ciclo de hbitos e mudanas de hbitos segundo C.S. Peirce

    PROG

    RAMA

    PRAGMT

    ICA

    PROG

    . EXECUT

    IVO

    AUTOM

    ATISMO

    CR

    ENA

    HB

    ITO

    DE

    AO

    CR

    ENA

    CRENA

    HBITO

    NOVO HBITOAPREN

    DIZAG

    EM

    PESQ

    UIS

    AEX

    PLO

    RA

    O

    E/OU

    INTE

    N

    O

    CRISE

    DVIDACR

    IATIVID

    ADE DO AG

    IR

    BRICO

    LAGEM E

    XECUTIVA

    SALTO CRIATIVO

    Ciclo de hbitos e mudanas de hbitos segundo C.S. Peirce

    Dvida

    Hbito

    Aprendizagem

    Mudana

    InvestigaoHbito de ao

    Como os relgios so encaixados e con-cntricos, suas rotaes podem ser ajusta-das ou reajustadas em diferentes fases nos permitindo, assim, representar as diferentes configuraes articuladas de consenso ou de disenso do casal agente e comunidade de agente.

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    A rede de agentes funciona da melhor forma possvel quando todos os relgios situados no interior de um polo e entre os polos so alinhados de forma complementar.

    Por exemplo: um webdesigner produz uma interface padro de acordo com os h-bitos da sua agncia, os da cultura digital e, consequentemente, os de todos os usurios e sua comunidade que j desenvolveram roti-nas e hbitos adaptados aos produtos da co-munidade de produo e de difuso.

    Neste caso, nenhum problema causado, pois as representaes, os usos, os portadores de significao e os utilizadores de significa-o so compatveis.

    A rede dos agentes e dos polos esto ali-nhadas e funcionam perfeitamente.

    O alinhamento a posio ideal e home-osttica almejada por todo sistema em busca de equilbrio.

    Podemos, de igual modo, representar um estado da rede alinhado num estado de cria-tividade, num sistema a espera de solues inovadoras etc.

    Alm disso, basta que um dos agentes hu-manos ou no humanos mude de posio para que o sistema entre em dissonncia.

    Nosso modelo , ento, apto a representar o novo estado dos agentes e, por extenso, o estado e a dinmica da rede de agentes.

    Essa modelizao dinmica do metabo-lismo de uma rede ou de um sistema cons-titui, a nosso ver, uma das originalidades do nosso modelo.

    A modelizao dos polos: um ponto de partida e um ponto de chegada?

    Em uma rede de agentes ativos, difcil decompor e pontuar uma relao para deter-minar quem deu inicio transao.

    A metfora de quem veio primeiro, o ovo ou a galinha, um bom exemplo do tipo de armadilha que pode ser evitada pela concep-o de co-determinaes evolutivas.

    Isto impede cair na tentao de decidir quem primeiro chamou a ateno ou quem primeiro prestou ateno, quem oferece e quem pede etc.

    Segundo o tipo de estudo desenvolvido a partir desta modelizao, preciso ter sempre em mente a dinmica contnua da transao.

    Todavia, o estudo pode se focalizar em tal ou tal polo especfico, em diferentes polos al-ternadamente, em suas zonas de relao ou at mesmo na totalidade do dispositivo.

    Diferentemente dos relgios internos aos polos que so cronolgicos, o circuito das rela-es entre os polos no tem pontos de chegada nem de partida, no tem acima nem abaixo.

    Alm disso, a relao entre os polos se d nos dois sentidos.

    As interfaces dos polos In e out

    Cada polo de nossa modelizao possui entradas (in) e sadas (out) e cada fluxo de matria, de energia e de informao amol-dado ou amoldvel.

    Tomemos, por exemplo, o polo do arte-fato esquematizado aqui na forma de uma interface contendo trs conexes principais. Deumlado,oartefatofabricado,inte-

    grando e materializando os componentes e as regras de articulao selecionados pelo polo de concepo-produo. Aqui como em qualquer outro lugar, as relaes se ati-vam nos dois sentidos, em in e em out.

    Poroutrolado,esteartefatorelaciona-setambm com o sistema de artefatos en-quanto um representante ou um elemen-to da rede.

    Pesquisas sobre condutas individuais apontam que ocorrncias das prticas partilhadas constituem parte de nossas representaes em comum

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    Enfim,eleestaindarelacionadocomoseu utilizador, passando inicialmente por um polo de difuso.

    Estudo dos polos

    A comunidade de concepo e de produo de bens, produtos e servios de distribui-o trata-se do comandatrio, dos enge-nheiros de diferentes setores de estudo, dos responsveis de marketing, da direo artstica, do setor financeiro e, evidente-mente, dos designers cuja posio e papel exercidos dependem do tipo de produo e de produto. Todas estas pessoas contri-buem, diretamente ou indiretamente, nas especificaes do projeto como ainda nas diversas operaes de conselhos, selees, testes, validao e fabricao desencadea-das durante o processo. Finalmente, mes-mo se revindicado ou no, toda concep-o e produo sempre o resultado de um co-design (design participativo) e de uma co-produo.

    A comunidade dos difusores composta por todos os sistemas de comunicao, publicidade, estocagem, transporte, dis-tribuio, venda, servio ao consumidor, at mesmo o servio de reciclagem etc.As relaes e transaes so intensas e re-

    cprocas entre essa comunidade, a comuni-dade de concepo e produo e o sistema de artefatos, de uma parte, e a comunidade de usurios, de outra parte.

    A comunidade dos difusores exerce um pa-pel indispensvel para o metabolismo global.

    A interveno do polo de difuso re-duzida em casos que a relao entre o pro-dutor e o consumidor dita direta e a curto fluxo.

    Dependendo do contexto, o impacto da difuso persiste longo tempo aps a apro-priao do artefato. A difuso pode tornar-se permanente (os objetos de distribuio) ou ser simplesmente negligenciada.

    Porm, os difusores abandonam rara-mente um objeto sua prpria sorte.

    A publicidade, por exemplo, faz questo de lembrar regularmente a todos os utiliza-dores que tal objeto perdeu seu valor iden-titrio, saiu de moda, que a concorrncia mais atraente etc. Noquedizrespeitoaoconceito de comu-

    nidade de usurios, ele no se refere uni-camente s prticas de grupo. Ele inclui ainda todos os usurios singulares e situ-ados que so ocorrncias de aces apren-didas e assimiladas atravs de trocas di-retas (imitao e instruo) ou indiretas com os outros membros da comunidade. Essa comunidade produz e gera regras

    e normas de uso e de experincia mais ou menos incorporadas pelos indivduos, mas tambm todas as interaes improvisadas cuja causa ou objetivo so mais ou menos determinados. As pesquisas sobre as con-dutas individuais apontam que so, de fato, ocorrncias das prticas partilhadas, sobre-tudo na forma de crenas e hbitos que cons-tituem uma parte de nossas representaes em comum. O conceito de sistema de artefatos no se

    limita famlia dos objetos, imagens e interfaces. Ele enriquecido pela ideia de artefato como um dispositivo de in-teligncias distribudas e mais ou menos fixas exercendo relaes de transao e de enao entre artefato e agente e entre ar-tefato e artefato. (Zinna, 2005). Neste ponto, nossa modelizao deriva da

    concepo smitica relacional de C. S. Peirce (1931-1935) e adere ao conceito de rede hetero-gnea em que os atores humanos e no huma-nos so considerados em suas redes de relaes.

    Como j mostrado, nosso modelo tem tam-bm muitos pontos em comum com a Teoria Ator-Rede (Action-Network Theory, ANT).

    Nesta perspectiva, as relaes dos artefatos entre si constituem a ecologia dos artefatos.

    Essas relaes podem ser de dependncia direta (conjunto de objetos apresentados si-multaneamente: um servio de jantar, uma mesa com suas cadeiras etc.) ou indireta (conjunto de artefatos religados distncia:

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    a televiso e o controle remoto, um site e ou-tros sites ou redes sociais referenciadas etc.).

    Os artefatos podem tambm estar interli-gados a certa distncia por diversos operadores paralelos de ponto e contraponto mecnicos (a chave e a fechadura) qumicos (um detector de fumaa e uma chaleira) trmicos (o termostato e o radiador) ou por meio de ondas (dois tele-fones via uma rede) (Uexkll, 1956-1965).

    Apresentao do ciclo metablico de hbitos e de mudanas de hbito

    Para configurar a relao sistmica, semi-tica, contextualizada e situada da comuni-dade de agentes, do sistema de objetos e do meio ambiente, ns aderimos aos conceitos de hbito e mudana de hbito de C. S. Peirce.

    Estes conceitos foram em seguida retra-balhados e ordenados em um ciclo de trans-formaes.

    Este ciclo e suas diferentes fases so repre-sentados no diagrama seguinte:

    Este equilibrio o estado em que se en-contra o pensamento funcionando em um meio ambiente previsvel.

    O semicrculo da direita comea com a dvida causada pela perturbao de um h-bito de ao. Essa fase de dvida geralmen-te seguida por uma fase de crise, a mesma podendo dissipar-se pela entrada em uma fase de pesquisa e procura de soluo.

    Uma vez a soluo encontrada, experien-ciada e aprendida, um novo hbito se cons-titui e o ciclo adaptativo de hbitos e de mu-dana de hbitos pode ento continuar.

    Vamos apresentar brevemente cada uma dessas fases notando que a passagem entre uma fase e outra provocada por tenses.

    Como j assinalado na modelizao completa, estes ciclos ou relgios de base esto ao mesmo tempo encaixados, a fim de representar a articulao das fases do indi-viduo com as da sua comunidade cultural, e replicados, pois so as mesmas fases que se seguem tanto em caso de concepo--produo como em caso de difuso ou de recepo e consumo.

    Somente o polo do artefato e seu sistema de artefatos gerado por um outro dispositivo de transformao que vamos apresentar agora.

    Crenas, hbitos, ao e significao

    Os conceitos de crena e de hbito que temos evocado com frequncia pertencem a Charles S. Peirce. Em sua teoria: uma cren-a significa principalmente estarmos delibe-radamente prontos a adotar a frmula que acreditamos como guia para a ao. (Peirce: CP 5.480).4

    A crena simplemente uma regra de ao, uma predisposio para agir, uma frmula des-tinada a nos servir de guia. Consequentemente, os hbitos formados a partir da so acionados e concretizados em hbitos de ao. Para Peir-ce, esta prpria funo do pensamento: A funo global do pensamento de produzir

    4 A belief consists mainly in being deliberately prepared to adopt the formula believed in as the guide to action.

    Tal como apresentado aqui, o lado esquerdo do crculo ocupado pelas fases de equilbrio. Trata-se do campo das crenas em fase de estabi-lidade, dos hbitos e hbitos de ao decorrentes que, por sua vez, reforam as crenas no caso de uma ao conclusiva (flecha descendente).

    Figura 12: ciclo do metabolismo de hbitos segundo a teoria de C.S. Peirce e Bernard Darras e Sarah Belkhamsa.

    VIABILIDADE

    ACORDO

    EXECUO

    DELIBERAO

    PROJ

    ETO

    DE A

    O

    ADOO REJEIO

    SOLUO

    INIB

    IO

    DA A

    O

    PERTUBAO

    RESISTNCIAou

    ou

    Ciclo curto de crenas e hbitos

    Ciclo completo de mudana de hbito

    Ciclo de hbitos e mudanas de hbitos segundo C.S. Peirce

    PROG

    RAMA

    PRAGMT

    ICA

    PROG

    . EXECUT

    IVO

    AUTOM

    ATISMO

    CR

    ENA

    HB

    ITO

    DE

    AO

    CR

    ENA

    CRENA

    HBITO

    NOVO HBITOAPREN

    DIZAG

    EM

    PESQ

    UIS

    AEX

    PLO

    RA

    O

    E/OU

    INTE

    N

    O

    CRISE

    DVIDACR

    IATIVID

    ADE DO AG

    IR

    BRICO

    LAGEM E

    XECUTIVA

    SALTO CRIATIVO

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    hbitos de ao (CP 5.400, v.13).5 A significa-o se realiza no hbito de ao. (CP 5.400)

    O hbito, segundo Peirce, estar pronto a agir de certo modo em funo das circuns-tncias e quando somos impulsionados por um determinado motivo (CP 5.480).

    Como especifica Bernard Morand: o hbi-to uma tendncia que fixa o comportamen-to atual de acordo com os comportamentos repetidos em circunstncias semelhantes no passado (Morand, 2004:98); toda forma de generalizao constitui um hbito: a nica maneira de uma lei ser suficiente por ela mes-ma determinar um hbito (CP 1.536). Isso, pois, a nica regra fundamental buscada pela mente a tendncia generalizao (CP 621) e esta lei, naturalmente, s pode existir por meio de um hbito. Em outras palavras, o poder do intelecto est simplesmente na facilidade em seguir determinados hbitos e aplic-los em casos semelhantes (...) Pois so tpicos de tais associaes de impresses (Connections of feelings) a partir das quais estes hbitos foram formados (CP.6.20) (Dumais 2010:50).

    Dumais nota que da noco de hbito, ex-cluem-se as disposies naturais (CP. 5.476), Peirce no define o que so estas disposies naturais. Esse um ponto que Peirce vai re-tomar inmeras vezes ao considerar que es-tas disposies naturais podem se tratar de incorporaes dos hbitos.

    Nossa modelizao distingue trs tipos de hbitos de ao: Osprogramas pragmticos so representa-

    es internas ou externas de um plano de ao. A tabuada memorizada ou um siste-ma mnemotcnico (recursos e tcnicas de memorizao) so exemplos de progra-mas pragmticos internos. Os programas pragmticos externos so as instrues de uso, as receitas, os mapas, os manuais de montagem etc..

    As bricolagens executivas so necessrias para que possamos agir concretamente. Tra-ta-se das aes improvisadas que ocorrem durante nossa experincia direta e situada.

    5 The whole function of thought is to produce habits of action.

    Os agentes bricolam (improvisam) fa-zendo uso das informaes e conhecimentos oferecidos pelo seu meio ambiente: as me-mrias externas ou desincorporadas e os h-bitos materializados em forma de artefatos.

    O caminho se faz ao caminhar j dizia A. Machado.

    O programa pragmtico uma espcie de impulso inicial, uma inteno, ao passo que a bricolagem executiva oportunista e busca adaptar-se por meio da criatividade do agir. Os programas executivos so as bricola-

    gens executivas que, repetidas inme-ras vezes, ficam registradas na memria procedural. Elas tornam-se automticas e inconscientes. A prtica de dirigir um automvel ou de um especialista em di-gitao so exemplos de combinaes de automatismos e bricolagens executivas. Quando a ao passa a ser conhecida pelo corpo, a mediao de uma repre-sentao torna-se desnecessria.Ela chega mesmo a incomodar quando

    ressurge em meio de uma ao automatizada. De certa maneira, preciso aprender a agir sem pensar. Porm isso no quer dizer que o agente no pensa mais. O pensamento agora psicomotor e no mais representacional.

    Em todos os casos, passar para a ao sa-ber funcionar com base em um destes trs mo-dos. Como veremos mais adiante, esse processo muito prximo daquele colocado em prtica durante a aprendizagem de um novo hbito.

    A dvida

    A entrada em uma fase de dvida uma situao normal do ciclo metablico de nossa mente que est ao mesmo tempo em busca do hbito e do conforto da crena, mas que tam-bm est propensa s aes que podem con-duzir surpresa, a falhas e invalidao do h-bito e da crena. Como a crena uma regra de ao que, para ser aplicada, implica mais dvida e reflexo, ela a ocasio de um salto e de um novo comeo para o pensamento.6

    6 Since belief is a rule for action, the application of which invol-

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    Na maioria dos casos, a dvida no uma etapa insatisfatria: A dvida no um h-bito, mas sim a privao de um hbito.7

    Sua dissipao inaugura uma fase de pes-quisa que pode submergir em uma fase de crise ou se liberar em um salto criativo.

    Em casos graves a tenso se transforma em estado de choque bloqueando o pensamento.8

    A crise

    Na falta de uma soluco vivel, o sujeito e sua comunidade entram em uma fase de crise dominada pelo transtorno, pela hesi-tao, pelo desacerto, pelo sofrimento, pela inibio da ao, pelos crculos viciosos ou por toda outra forma de bloqueio. Esperan-do que um novo salto criativo e adaptativo acontea, tenta-se dar um jeito reciclando o velho em novo.

    A pesquisa

    A pesquisa ou a procura de soluo pode se dar de diferentes formas, desde a imitao (uso e cpia de solues j existentes) at a

    ves further doubt and further thought, at the same time that it is a stopping-place, it is also a new starting-place for thought.7 Doubt [] is not a habit, but the privation of a habit.8 Como podemos definir esses programas pragmtico e execu-tivo so consistentes com teorias avanadas de ao e cogni-o situada (Situated cognition), o conhecimento distribudo e HMI pesquisa (Interao Homem-Mquina), como os que eram desenvolvidos a partir dos trabalhos de Lucy Suchman (1987 e 2007).

    pesquisa metdica e cientfica de solues inditas fundadas nos diferentes processos lgicos de abduo, induo e deduo. En-tre os dois extremos, a imaginao e a cria-tividade oferecem uma grande variedade de dispositivos de resoluo de problemas que vo do surgimento intuitivo de solues at as diferentes reciclagens de blocos de pen-samento. Como dizia Albert Einstein Os problemas com os quais nos confrontamos no podem ser resolvidos no mesmo nvel e com a mesma forma de pensar que os criou.9 Uma soluo poder levar um tempo bastante curto ou bastante longo para aparecer, po-dendo mostrar-se mais ou menos vivel.

    A aprendizagem de novos hbitos (Habit taking)

    Beaunieux (2009:52) revela que

    a aprendizagem de um procedimento se d em trs etapas distintas: uma etapa cogniti-va, uma etapa associativa e uma etapa quali-ficada como autnoma. Na primeira etapa, o sujeito est ainda descobrindo o que ele precisa aprender: ele avana no escuro e co-mete inmeros erros. Ele passa em seguida para a etapa associativa, uma fase transitria durante a qual comea a exercer um contro-le sob a tarefa a ser realizada, mas sem ainda automatiz-la completamente.

    Finalmente, durante a terceira etapa os ges-tos tornam-se automticos e atingem um nvel mximo de eficcia.

    Essa dinmica corresponde a trs zonas cerebrais distintas (Hubert et al. 2007).

    Esta transmutao (em memria pro-cedural) explicaria porque os automatismos so to difceis de verbalizar (Beaunieux, 2009:53).

    Esta economia procedural permite que o sujeito dedique grande parte da sua ativi-dade a outras coisas. Se na competio entre os hbitos disponveis um deles consegue se

    9 Referncia exata desconhecida, este tema geralmente atribu-do a Albert Einstein.

    Em um meio ambiente propenso estabilidade e ao previsvel, torna-se bastante simples controlar rapidamente as micromudanas

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    impor, se validar e em seguida ser adotado pela comunidade interpretativa do sujeito, ele torna-se um hbito compartilhado (con-senso) e eventualmente um habitus. Ele ento incorporado individualmente e social-mente at a prxima hesitao, indeciso e dvida que, por sua vez, provocar uma nova fase de pesquisa.

    Articulao entre o individual e o coletivo

    Este estudo das fases e das tenses do ciclo de hbitos e mudanas de hbito aplicvel tanto em concepo-produo quanto em recepo, uso e consumao. A mesma lgi-ca vlida tanto no nvel singular do designer quanto no de sua comunidade de produo. Ela aplicvel, ainda, no contexto de uma experincia individual ou no mbito cultural das comunidades interpretativas e atuantes nas quais os usos se estabelecem. Todo estudo de uma experincia consiste, portanto, em um ajustamento destes crculos embutidos em funo das fases ativadas. De modo geral, so os hbitos que dominam a vida cotidiana dos humanos. Em um meio ambiente propenso estabilidade e ao previsvel, torna-se bastante simples controlar rapidamente as micromu-danas e eliminar as dvidas para retomar os bons e velhos hbitos.

    Neste ponto, nem todos os indivdu-os tm o mesmo comportamento sendo os mais criativos atrados pelas tenses provo-cadas pela dvida e a instabilidade.

    Eles gostam de profisses e atividades de-safiadoras em que os hbitos podem ser com frequncia desestabilizados. Eles apreciam que suas certezas sejam colocadas em dvida e adoram ter problemas para resolver e supe-rar os desafios estimulando a imaginao, a criatividade e o esprito de inveno.

    Em suma, eles adoram se deparar com as mudanas que eles mesmos causaram e adotam, por conseguinte, novas solues e novos produtos e servios rapidamente. Eles abalam o modelo do pensamento estvel do-minado pelas crenas, os hbitos e a tradio

    em benefcio de uma valorizao positiva da dvida e da procura de solues.

    Estes so seus modos de lidar com o ci-clo de hbito e de mudana de hbito, mas sobretudo sua atitude construtiva diante da incerteza assim como sua habilidade para transformar positivamente as tenses e as dvidas mediante pesquisa e soluo ao invs da crise e da rigidez.

    assim que, criatividade atraindo cria-tividade e criativos atraindo criativos, uma classe criativa se constitui dispondo do poder essencial de definir os estilos de vida do presente bem como os estilos de vida do futuro e coordenar uma grande parcela da economia e da produo de bens e de servio (Florida, 2002).

    Ciclo de vida dos objetos

    Os artefatos so igualemente submetidos mudana. Este assunto no ser aprofun-dado aqui. Vale somente pontuar que, evi-dentemente, a relao estabelecida com os objetos distinta quando os mesmos so conceitos, prottipos ou produtos inova-dores destinados unicamente s experincias da classe criativa ou quando se trata de pro-dutos de massa, genricos j gastos ou pro-dutos sobreviventes da banalizao, elevados ao rang de semiforos destinados aos cole-cionadores.

    Estudo dos fluxos de comunicao entre os polos

    Fluxo de concepo-produo voltado ao objetoTal como representado em nosso modelo,

    a comunidade dos designers-produtores tm como misso integrar significao e cultura nos materiais, nas formas, nas cores, nas aparncias, nos volumes, etc. Assumindo o papel de inter-medirios culturais: Os designers tm como misso incorporar a cultura nos artefatos que concebem () Eles exercem um papel ativo para garantir o consumo e integrar nos produ-

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    tos significaes particulares e estilos de vida aos quais os consumidores se identificam. Em ou-tras palavras, eles so os fornecedores de bens e de servios simblicos (du Gay et al. 1997:62).10

    Toda esta inteligncia materializada e or-ganizada busca desencadear uma experincia sensvel de qualia no consumidor/usurio e ativar em seguida a cadeia de afordances, enao, hbitos de ao, representaes, pro-jeces identitrias etc.

    Fluxo de difuso ou de ofertaSo inmeras as relaes desencadeadas

    entre, de uma parte, a comunidade de difu-so (ou de oferta no caso da internet) e os produtores e, de outra parte, a comunidade de difuso e os utilizadores potenciais.

    Todos esses fluxos de informaes, comu-nicao, mediao e transaes so produzi-dos e controlados pelos agentes do packaging, da publicidade, das mdias, do comrcio, da instalao e da venda utilizando abundante-mente imagens e interfaces digitais para ven-der seus produtos.

    So muitos os estudos realizados neste se-tor e por isso no entraremos em detalhe aqui.

    Fluxo de recepo e de uso do artefatoQuando a difuso atua como mediadora,

    a relao com o artefato se estabelece geral-mente de forma direta.

    As pesquisas sobre as relaes ativadas entre o utilizador e o artefato (objeto, ima-gem e interfaces) criaram paradigmas diver-sos, por vezes opostos, dentro da chamada teoria de recepo.

    A nosso ver, eles descrevem os diferentes aspectos da relao dos artefatos/usurios assim como as diversas concepes das rela-es com os artefatos.

    Descata-se, sobretudo, que tais pesquisas atuam em funo das fases do metabolismo

    10 Designers have to embody culture in the things they design (...) They play an active role in promoting consumption throu-gh attaching to product and services particular meanings and lyfestyles with which consumers will identify. Put simply they can be defined as involved in the provision of symbolic goods and services.

    da recepo sem levar em considerao as etapas do ciclo tal como temos configurado.

    A afordance e as enaes so predomi-nantemente situadas no universo des h-bitos ao passo que as representaes so requeridas, sobretudo na fase de mudana de hbito, logo uma fase de pesquisa e de aprendizagem.

    Temos buscado descrever, num enfoque sistmico e semitico, este duplo fluxo rec-proco de agencies que caracteriza a relao entre um artefato e um utilizador (tanto em fase de hbito de ao, mudana de hbito ou aprendizagem).

    Aps explorarmos diferentes abordagens, optamos finalmente pelo modelo transacio-nal e exosemitico desenvolvido por Jacob von Uexkll (Uexkll, 1940, 1956, 1965).

    Esse modelo corresponde perfeitamente a nossa concepo do mundo como um sis-tema composto de agentes humanos e no--humanos porm humanizados.

    Em um mundo-prprio (Umwelt) consti-tudo pelo encontro de um artefato portador de significo e um utilizador desta, os com-ponentes dos artefatos concebidos (designa-dos) para o uso aparecem na forma de pon-tos oferecidos aos contrapontos do agente.

    (Uexkll gosta de utilizar metforas mu-sicais. Com efeito, segundo ele, a coordena-o de todos os agentes semiticos na natu-reza ressoa como uma formidvel sinfonia).

    Em termos semiticos pragmticos e sis-tmicos, diramos que o mundo-prprio constitudo por um agir especfico (uma ex-perincia). O objeto, a interface web, a sina-ltica, entre outros, so portadores de signi-ficao que se atualizam durante a relao de transao desencadeada com os comple-mentos ou contrapontos incorporados ou elaborados em forma de hbitos pelo utili-zador da significao.

    A frmula pode ser resumida como (hbito de significar hbito de utilizar), pois, na maio-ria das vezes, o artefato portador de significa-o e o utilizador de significao vm de uma longa histria de co-determinao e de enao.

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    Segundo este enfoque em termos de com-plementao, o artefato composto por um conjunto de zonas de atrao que se ofere-cem aos contrapontos complementares dos agentes potencias , muito possivelmente, ao uso dos utilizadores predispostos para agir (hbito) ou almejando isso.

    Esta relao ideal quando o design particularmente ergonmico e interpela-dor, provocador o cativante.

    Uma das grandes vantagens desta aborda-gem pragmtica da significao consiste em acabar com a separao estabelecida no cam-po da semitica entre funo e significao.

    Na perceptiva adotada, toda funo en-volve a ativao de um portador de significa-o por um agente que estar realizando esta significao no momento mesmo da ao. Quandoaperspectivavoltadaparaare-

    cepo, os artefatos portadores de signi-ficao so percebidos inicialmente pelo utilizador enquanto qualia, salientando que alguns destes qualia sero tratados em um nvel sensrio-motor elementar mediante s relaes de afordance. nes-te nvel que se constitue a primeira im-presso cujo impacto favorvel ou desfa-vorvel durvel. A relao aqui em termos de atrao,

    emergncia de interesse, pesquisa, etc.As afordances mais afinadas pela expe-

    rincia e pelas prticas da cultura material funcionam em forma de crculos de enao, fazendo intervenir os hbitos de ao e as re-presentaes. Quandoaperspectivavoltadaparaaos

    portadores de significao potenciais que so os objetos, as imagens, etc., entende-se que essas significaes foram integradas pelos designers durante as operaes de materializao diversas, de tal forma que o artefato torna-se um ator humanizado e cultivado que atrai e capta a ateno.Ele , deste modo, portador de agencies per-

    formativas, fatdicas (ele faz fazer), destinadas a interpelar o usurio a faz-lo agir conforme o programa de ao materializado no artefato.

    Durante a relao, o objeto, a interfa-ce, a imagem etc. podem solicitar e guiar as respostas j incorporadas pelo destinatrio quando este est em fase de hbito de ao ou de aprendizagem e, tambm, podem in-duzir tentativas de resposta quando ele est em fase de mudana de hbitos.

    Fluxo entre os designers-produtores e os usuriosEssa parte da modelizao caracteriza as

    relaes desencadeadas no circuito de pro-duo e de consumao entre os designers--produtores e os usurios.

    Nossas observaes e pesquisas de campo nos permitem distinguir duas operaes de produo: uma fundamentada em Teorias da mente (Theory of mind) e mindreading e outra tratando-se do feed-back.

    A teoria de mente e o mindreading

    Nossas inmeras observaes da forma como objetos, interfaces digitais e imagens so utilizadas pelos sujeitos em circunstn-cia diversas nos convencem que os usurios supem a inteno de comunicao, signifi-cao e de interpelao dos designers e pro-dutores sobre tal artefato ou interface.

    Essa comunicao indireta com o desig-ner no acontece sempre, mas sim cada vez que se busca encontrar uma lgica para o funcionamento ou o disfuncionamento de tal objeto.

    Quando a difuso atua como

    mediadora, a relao com o

    artefato se estabelece geralmente de

    forma direta

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    Isso quer dizer que ela ativada durante as fases de elaborao de um programa pragm-tico e nos momentos de bricolagem (impro-visao), mas tambm nos momentos de d-vida, de crise, de pesquisa e de aprendizagem.

    Essa comunicao interna no mais ati-vada quando um hbito solidamente cons-titudo ou gerado por um dispositivo j bem estabelecido.

    Os comentrios registrados durante as nos-sas observaes ilustram bem este ponto: foi bem pensado!, que coisa mais mal feita!, como ser que eles imaginaram isso?, etc.

    Evidentemente, por sua vez, a comunida-de dos designers-produtores tambm imagi-na permanentemente o comportamento de seus futuros usurios (grupo do qual, no podemos esquecer, ela tambm faz parte).

    Ela o faz por meio de testes e sondagens diversas de comportamento, mas tambm, e, sobretudo, se auto-projetando e supondo as utilizaes futuras.

    Todos ns j efetuamos, de uma forma ou de outra, esta ao de supor o pensamento do outro, ele estando ou no presente. Esse , de fato, um dos componentes da empatia prpria da nossa espcie e nosso modo de vida gregrio.

    Para tal, ativamos uma capacidade men-tal chamada Teoria da mente.

    Ns ativamos uma Teoria de mente ou uma sequncia de mindreading cada vez que atribumos supostas intenes aos objetos ou imagens que fazemos uso.

    Este processo de personalizao , na verdade, um prolongamento das proprie-dades mentais dos humanos at os artefatos no-humanos.

    O artefato se submete muito bem a esse pa-pel, pois ele , justamente, o lugar da intelign-cia transferida, distribuda e materializada.

    Em nossa modelizao, o fluxo das Te-orias da mente e as operaes de mindrea-ding se d nos dois sentidos. Tais operaes so ao mesmo tempo imaginadas e testadas em design-produo e projetadas e ativas em uma situao de uso.

    Estes processos so, a nosso ver, um dos lugares mximos de ativao do fluxo de comunicao entre os humanos e o mundo no-humano porm humanizado dos obje-tos.

    Nota-se que estes fluxos tambm existem no campo da difuso: o que ele quer me vender etc.

    Feed-back

    Ao passo que as projees da Teoria da mente se estabelecem sem haver uma conse-quncia direta na transformao do artefato, os feed-backs so, por sua vez, destinados a estabiliz-las e modific-las.

    Ns entendemos como feed-back todo tipo de teste de utilizao, sondagens e pes-quisas de satisfao conduzidos em geral pelo setor de marketing, mas tambm todas as operaes de co-design conduzidas no mbito do design participativo.

    Concluso

    O diagrama realizado tanto uma mode-lizao terica quando uma ferramenta para o estudo dos artefatos de todo gnero.

    Ele deve ser pensado de uma forma din-mica e evolutiva bem como completado por diferentes zooms sobre as zonas complexas de cada fase e cada fluxo. o que ns tivemos feito at aqui.

    O estudo das diferentes etapas do ciclo de hbitos e mudanas de hbitos constitui um aspecto essencial desta modelizao do me-tabolismo das trocas significantes entre os humanos e seus artefatos.

    Em nossa aborgagem, todo estudo de uma experincia com um artefato reclama o ajustamento dos quatro polos envolvidos nas diversas relaes, mas tambm uma anlise aprofundada das diferentes transaes que se estabelecem e o estudo dos fluxos que unem cada polo ativado.

    Este diagrama no somente permite con-siderar a significao de uma experincia

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    Lbero So Paulo v. 16, n. 31, p. 51-68, jan./jun. de 2013Bernard Darras Modelizao geral das relaes humanas com os artefatos: estudo semitico e sistmico...

    atualizada em um hbito de ao que se faz previsvel pelo fato de ser repetido e compar-tilhado por uma comunidade, mas possibili-ta tambm tratar da dinmica de transfor-mao das semioses, das crises e das etapas de aprendizagem. Esta lgica se aplica tanto em concepo-produo, em difuso e em recepo-uso, quanto no que se refere ar-ticulao destes trs universos com todos os fluxos (Darras & Belkhamsa, 2009c).

    Embora no tenhamos desenvolvido aqui, uma grande parte das relaes dinmi-

    cas entre um artefato e seu sistema de artefa-to j foram configuradas em nosso modelo.

    A modelizao proposta foi testada du-rante todo o seu processo de elaborao e tais testes continuam sendo realizados em nossos estudos bem como aplicados em di-versas interfaces materiais e digitais.

    assim que nosso modelo tem se aperfei-oado e se ajustado pouco a pouco, sobretu-do graas s contribuies de pesquisadores que j o utilizam em suas pesquisas.

    (artigo recebido ago.2013/ aprovado ago.2013)

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    Lbero So Paulo v. 16, n. 31, p. 51-68, jan./jun. de 2013Bernard Darras Modelizao geral das relaes humanas com os artefatos: estudo semitico e sistmico...

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