BDF_58

16
São Paulo De 8 a 14 de abril de 2004 Exigência de acesso à tecnologia brasileira em produção de urânio é vista como retaliação pelo impasse na Alca R$ 2,00 Ano 2 Número 58 Sul-africanos se preparam para as eleições, a terceira desde o fim do apartheid EUA aumentam pressão sobre o Brasil O s Estados Unidos querem que o Brasil assine um acordo dando amplos po- deres a inspetores da Organização das Nações Unidas (ONU), que passariam a ter acesso a uma tec- nologia exclusiva do país em en- riquecimento de urânio – utilizado na geração de energia. “Há várias interpretações. Essa pressão tanto pode ser uma tentativa de espiona- gem industrial como uma retaliação pelo impasse nas negociações da Área de Livre Comércio das Amé- ricas (Alca)”, avalia a deputada Maria José Maninha (PT-DF). Uma reunião convocada pelos EUA para destravar as negociações da Alca terminou em fracasso, dia 1º, em Buenos Aires, na Argentina. Para o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, é absolutamente impossível que o calendário da Alca seja cumprido. Diversos seto- res conservadores do país, como o agronegócio, armam nova ofensiva para o Brasil recuar. Pág. 9 Dom José Maria Liborio Saracchio, bispo de Presidente Prudente, lava os pés de Alan, de 1 ano, como tradicional ritual da celebração da Semana Santa, em frente à igreja São Sebastião, antes de um ato público Sem-terra intensificam ocupações O Movimento dos Trabalha- dores Rurais Sem Terra intensi- fica mobilizações e já realizou ações em 13 Estados, num total de 50 ocupações. Na Bahia, 3 mil famílias fizeram a maior ocupa- ção da história do MST no Es- tado. Em Brasília, servidores do Incra pararam, dia 5, para reivin- dicar um novo plano de carreiras e a contratação de funcionários. Pág. 3 E mais: ECONOMIA – Henrique Mei- relles, presidente do BC, foi à mídia justificar os altos juros e o arrocho ao crédito. Seus argumentos, porém, não con- seguem esconder que sua po- lítica gera inflação e aumento da dívida pública. Pág. 5 GOLPE DE 64 – Em mais uma reportagem da série sobre a ditadura militar, em foco o papel da imprensa no período. Para especialistas, os grandes meios de comunicação apoia- ram o regime. Pág. 6 CULTURA – Em entrevista ao Brasil de Fato, a escritora e feminista Rose Marie Muraro discute a condição da mulher brasileira e sugere alternativas à globalização. Pág. 16 Falta estrutura para fiscalizar transgênicos Pág. 8 Aracruz causa seca e ameaça indígenas Pág. 13 África do Sul pode reeleger neoliberal Pág. 12 Honduras denuncia Cuba em troca de benefícios Pág. 10 Maringoni Presença militar estadunidense em 134 nações Os Estados Unidos têm 510 mil soldados espalhados por 134 países. De acordo com documen- tos do Departamento de Defesa estadunidense, 34 estão no Bra- sil. Na Alemanha, país com o qual o governo dos Estados Uni- dos mantém boas relações diplo- máticas, o número chega a quase 75 mil. Além disso, há 702 bases estadunidenses em 48 nações. Pág. 11 Chico de Oliveira cobra coerência do governo O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está no pior dos mundos, pois perdeu o apoio da sociedade e, mesmo tendo a tão negociada maioria no Con- gresso, não consegue governar. Essa é a opinião do sociólogo e economista Francisco de Olivei- ra, que acusa o PT de simplificar a realidade nacional e de não encontrar meios de diminuir a desigualdade social, causando decepção mesmo nos seto- res mais conservadores que o apóiam. Autor de vários livros e de um ensaio em que compara o avanço do capitalismo brasileiro ao ornitorrinco – animal que, segundo ele, contraria a teoria da evolução, de Charles Darwin – , Oliveira critica a submissão do governo aos interesses do Fundo Monetário Internacional e sua incapacidade de combater a especulação financeira. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele apresenta uma alternativa à crise: a ação dos movimentos sociais, que para ele devem ser “nitidamente subversivos, para desmontar a ordem constituída”. Pág. 7 Sebastião Moreira/AE Anna Zieminski/AFP

description

E mais: GOLPE DE 64 – Em mais uma reportagem da série sobre a ditadura militar, em foco o papel da imprensa no período. Para especialistas, os grandes meios de comunicação apoia- ram o regime. Pág. 6 R$ 2,00 CULTURA – Em entrevista ao Brasil de Fato, a escritora e feminista Rose Marie Muraro discute a condição da mulher brasileira e sugere alternativas à globalização. Pág. 16 Ano 2 • Número 58 São Paulo • De 8 a 14 de abril de 2004 Pág. 10 Pág. 12 Pág. 13 Pág. 8

Transcript of BDF_58

Page 1: BDF_58

São Paulo • De 8 a 14 de abril de 2004

Exigência de acesso à tecnologia brasileira em produção de urânio é vista como retaliação pelo impasse na Alca

R$ 2,00Ano 2 • Número 58

Sul-africanos se preparam para as eleições, a terceira desde o fi m do apartheid

EUA aumentam pressão sobre o BrasilO s Estados Unidos querem

que o Brasil assine um acordo dando amplos po-

deres a inspetores da Organização das Nações Unidas (ONU), que passariam a ter acesso a uma tec-nologia exclusiva do país em en-riquecimento de urânio – utilizado na geração de energia. “Há várias interpretações. Essa pressão tanto pode ser uma tentativa de espiona-gem industrial como uma retaliação pelo impasse nas negociações da Área de Livre Comércio das Amé-

ricas (Alca)”, avalia a deputada Maria José Maninha (PT-DF). Uma reunião convocada pelos EUA para destravar as negociações da Alca terminou em fracasso, dia 1º, em Buenos Aires, na Argentina. Para o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, é absolutamente impossível que o calendário da Alca seja cumprido. Diversos seto-res conservadores do país, como o agronegócio, armam nova ofensiva para o Brasil recuar.

Pág. 9

Dom José Maria Liborio Saracchio, bispo de Presidente Prudente, lava os pés de Alan, de 1 ano, como tradicional ritual da celebração da Semana Santa, em frente à igreja São Sebastião, antes de um ato público

Sem-terraintensifi camocupações

O Movimento dos Trabalha-dores Rurais Sem Terra intensi-fi ca mobilizações e já realizou ações em 13 Estados, num total de 50 ocupações. Na Bahia, 3 mil famílias fi zeram a maior ocupa-ção da história do MST no Es-tado. Em Brasília, servidores do Incra pararam, dia 5, para reivin-dicar um novo plano de carreiras e a contratação de funcionários.

Pág. 3

E mais:

ECONOMIA – Henrique Mei-relles, presidente do BC, foi à mídia justifi car os altos juros e o arrocho ao crédito. Seus argumentos, porém, não con-seguem esconder que sua po-lítica gera infl ação e aumento da dívida pública. Pág. 5

GOLPE DE 64 – Em mais uma reportagem da série sobre a ditadura militar, em foco o papel da imprensa no período. Para especialistas, os grandes meios de comunicação apoia-ram o regime. Pág. 6

CULTURA – Em entrevista ao Brasil de Fato, a escritora e feminista Rose Marie Muraro discute a condição da mulher brasileira e sugere alternativas à globalização. Pág. 16

Falta estrutura para fi scalizartransgênicos

Pág. 8

Aracruz causaseca e ameaça

indígenasPág. 13

África do Sulpode reeleger

neoliberal Pág. 12

Honduras denuncia Cubaem troca de benefícios

Pág. 10

Mar

ingo

ni

Presença militarestadunidenseem 134 naçõesOs Estados Unidos têm 510

mil soldados espalhados por 134 países. De acordo com documen-tos do Departamento de Defesa estadunidense, 34 estão no Bra-sil. Na Alemanha, país com o qual o governo dos Estados Uni-dos mantém boas relações diplo-máticas, o número chega a quase 75 mil. Além disso, há 702 bases estadunidenses em 48 nações.

Pág. 11

Chico de Oliveira cobra coerência do governo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está no pior dos mundos, pois perdeu o apoio da sociedade e, mesmo tendo a tão negociada maioria no Con-gresso, não consegue governar. Essa é a opinião do sociólogo e economista Francisco de Olivei-ra, que acusa o PT de simplifi car a realidade nacional e de não encontrar meios de diminuir a desigualdade social, causando decepção mesmo nos seto-res mais conservadores que o apóiam. Autor de vários livros e de um ensaio em que compara o

avanço do capitalismo brasileiro ao ornitorrinco – animal que, segundo ele, contraria a teoria da evolução, de Charles Darwin – , Oliveira critica a submissão do governo aos interesses do Fundo Monetário Internacional e sua incapacidade de combater a especulação fi nanceira. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele apresenta uma alternativa à crise: a ação dos movimentos sociais, que para ele devem ser “nitidamente subversivos, para desmontar a ordem constituída”.

Pág. 7

Seb

astiã

o M

orei

ra/A

E

Ann

a Z

iem

insk

i/AF

P

Page 2: BDF_58

ERRAMOS Diferente do que foi publicado

na edição 56, matéria “Ministério se compromete a rever dívida”, Osvaldo Aly Junior é coordenador da equipe da Fundação para o De-senvolvimento da Unesp (Fundu-nesp) que realiza trabalhos com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e não chefe da Divisão Operacional da Superintendência do Incra como havia sido publicado.

Na primeira página da edição 57, a informação correta é que morreram 150 mil pessoas, ao invés de 150 milhões de pessoas na Argélia.

De 8 a 14 de abril de 20042

NOSSA OPINIÃOCONSELHO POLÍTICOAchille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Tiago Rodrigo Dória • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

���• Editor-chefe: Nilton Viana���• Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Bernardete Toneto, 5555 Marilene Felinto, Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu���• Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre 5555 Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino ���• Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins,

Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles���• Ilustradores: Agê, Aroeira, Cerino, Ivo Sousa, Kipper, Márcio Baraldi,5555 Natália Forcat, Nathan, Novaes, Ohi���• Editor de Arte: Valter Oliveira Silva���• Pré Impressão: Helena Sant’Ana���• Revisão: Dirce Helena Salles���• Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.46655 Administração: Silvio Sampaio55 Secretaria de redação: Tatiana Merlino 55 Assistente de redação: Bruno Fiuza e Letícia Baeta55 Programação: Equipe de sistemas55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-01055555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP55555555555 [email protected] Gráfi ca: FolhaGráfi ca55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

F oi só o Movimento dos Tra-balhadores Rurais Sem Terra (MST) anunciar que realizaria,

no mês de abril, a sua tradicional jornada de protestos, para a grande imprensa conservadora iniciar a sua ofensiva contra o movimento e pres-sionar o governo Lula a “endurecer” no tratamento com os sem-terra.

Esse tipo de reação da mídia bra-sileira não é novidade. Na verdade, obedece a um padrão que, ao longo do tempo, tem sofrido pequenas mudanças – mais correção de rota, a depender da conjuntura, do que mudança propriamente dita. Desde sempre, os movimentos sociais são vistos como o verdadeiro perigo que ronda o país e ameaça os privilégios das elites.

Quando o MST surgiu, a estraté-gia da mídia foi desqualifi car a luta dos sem-terra e cobrar a execução de uma reforma agrária “dentro dos limites da lei” – paradoxalmente, era justamente isso que o movimento cobrava, mas, no entendimento das elites, signifi ca a proibição de ocu-pações de protesto ou qualquer outra forma de pressão para que as autori-dades... cumpram a lei!

Quando a imprensa percebeu a alta popularidade do MST entre os brasileiros, tentou a estratégia da co-optação. A TV Globo, por exemplo, apresentou ao país, em 1996, uma telenovela (O Rei do Gado) em que os sem-terra e a luta do movimento eram tratados até de forma positiva.

Abril vermelho na mídia

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 3038 1432 ou mande uma mensagem eletrônica para: [email protected]

Para anunciar, ligue (11) 2131-0815

Evidentemente, por outro lado, a Globo e demais veículos da mídia burguesa prosseguiram na pressão para que a reforma agrária se desse de forma “pacífi ca”, isto é, que não houvesse reforma alguma.

Mais recentemente, durante a era FHC, o comportamento mais freqüente da imprensa foi a tenta-tiva de “demonizar” as lideranças e criminalizar o movimento, em ab-soluta concordância com a diretriz daquele governo de tão triste me-mória para a população brasileira.

Agora, com a chegada de Lula ao Planalto, a estratégia mudou mais uma vez. De forma geral, o que se ouve, vê e lê na mídia bur-guesa é uma evidente manipulação com o objetivo de colocar o novo governo e o movimento em cam-pos opostos. A cada nova medida do ministro Miguel Rossetto, por exemplo, os sedentos repórteres procuram as lideranças do MST para tentar arrancar delas críticas ao programa de reforma agrária que começou a ser implantado no ano passado. E a cada atitude do movi-mento, da mesma forma, procuram integrantes do governo para tentar arrancar deles a condenação aos atos dos sem-terra. É a estratégia da intriga.

A bem da verdade, realmente há controvérsias entre o governo Lula e os movimentos sociais. E não poderia ser diferente. O presidente Lula não foi eleito so-

zinho, contando apenas com apoio das camadas mais combativas da população. Para vencer a eleição, como se sabe, o PT fechou acor-dos com setores conservadores da sociedade. E para governar com maioria no Congresso, ampliou es-ses acordos. Assim, evidentemen-te muito do que a gestão petista na Presidência vem realizando não é bem o que os movimentos sociais esperavam. Surge uma tensão que passa a ser exaustivamente explo-rada pela mídia reacionária, com o intuito de fortalecer justamente os setores conservadores que apóiam Lula. Apesar disso, aos movi-mentos sociais não cabe fazer cálculo político, mas pressionar por mudanças e pelo cumprimento do programa eleitoral que elegeu Lula e o PT.

O “abril vermelho” prometido por João Pedro Stedile é exatamen-te isso: um mês de amplas mobili-zações para alertar o governo sobre a necessidade do cumprimento não só das promessas de campanha, mas de projetos que estão em curso e foram acertadamente iniciados em sua gestão. Que a grande im-prensa venha a explorar tais contra-dições é apenas um fato corriqueiro e normal no padrão de cobertura que existe no Brasil. Que ninguém se iluda, portanto, com manchetes bombásticas e editoriais violentos. Informação, como se sabe, não é o forte da imprensa brasileira.

CARTAS DOS LEITORESCARTAS DOS LEITORES

OHIFALA ZÉFALA ZÉ

CONSEQÜÊNCIAS DA RUPTURA Assistindo à propaganda do PSTU,

constatei uma forte crítica à maneira ortodoxa de agir do governo Lula pa-ra manter o atual modelo econômico. Gostaria de saber duas coisas. Primei-ro, até onde o pensamento do senhor José Maria de Almeida (presidente do PSTU) tem fundamento ao propor uma ruptura. Segundo, se houver essa ruptura, quais as conseqüências que os trabalhadores brasileiros sofreriam no campo prático. Também gostaria de parabenizar a criação do Brasil de Fa-to, pois assim teremos direito às infor-mações de um modo alternativo e mais amplo do que do modo convencional e direcionado, como é conduzida a co-municação nesse país.

Jessimon dos Santos Linopor correio eletrônico

FORÇA, LULA!Creio que o governo Lula está

enfrentando o poder das supremas opo-sições da democracia e liberdade que são os mandantes deste país, ou seja, as raposas velhas que há décadas fazem e desfazem. Tenha força Lula! Vamos transformar este país no elo da justiça popular para todo povo.

Célio Borba por correio eletrônico

MAIS ENSINO PRIVADOCom a expansão desordenada do

ensino superior privado no Brasil, confi gurou-se um novo espaço de manobras e mandos dos políticos la-tifundiários. Em São Mateus, Espírito Santo, isso não é diferente. O surgi-

mento de uma faculdade particular nessa cidade coincide com o fecha-mento de cursos de um pólo da Uni-versidade Federal do Espírito Santo. Coincidência ou não, é fato notório que o pólo caminha a cada dia para um transformação: todos os cursos serão ministrados via internet e de acordo com a demanda de prefeituras do norte do Estado. A situação e séria e os órgãos de formação de opinião deverão tomar providências no que toca a esse caso em particular e a to-dos os demais no Brasil. Os métodos democráticos no Espírito Santo não são os convencionais a esse modo de governo.

C. L. A.por correio eletrônico

Brasil de Fato é o resultado das aspirações de milhares de lutadores de movimentos populares, intelectuais de esquerda, sindicatos, jornalistas e artistas que se uniram para formar uma ampla rede nacional e internacional de colaboradores. • Como participar: Você pode colaborar enviando sugestões de reportagens, denúncias, textos opinativos, imagens. Também pode integrar a equipe de divulgação e venda de assinaturas. • Cadastre-se pela internet: www.brasildefato.com.br. • Quanto custa: O jornal Brasil de Fato custa R$ 2,00 cada exemplar avulso. A assinatura anual, que dá direito a 52 exemplares, custa R$ 100,00. Você também pode fazer uma assinatura semestral, com direito a 26 exemplares, por R$ 50,00. • Reportagens: As reportagens publicadas no jornal podem ser reproduzidas em outros veículos - jornais, revistas, e páginas da internet, sem qualquer custo, desde que citada a fonte. • Comitês de apoio: Os comitês de apoio constituem uma parte vital da estrutura de funcionamento do jornal. Eles são formados nos Estados e funcionam como agência de notícias e divulgadores do jornal. São fundamentais para dar visibilidade a um Brasil desconhecido. Sem eles, o jornal fi caria restrito ao chamado eixo Rio-São Paulo, reproduzindo uma nefasta tradição da “grande mídia”. Participe você também do comitê de apoio em seu Estado. Para mais informações entre em contato. • Acesse a nossa página na Internet: www.brasildefato.com.br • Endereços eletrônicos: AL:[email protected]•BA:[email protected]•CE:[email protected]•DF:[email protected]•ES:[email protected]•GO:[email protected]•MA:[email protected]•MG:[email protected]•MS:[email protected]•MT:[email protected]•PA:[email protected]•PB:[email protected]•PE:[email protected]•PI:[email protected]•PR:[email protected]•RJ:[email protected]•RN:[email protected]•RO:[email protected]•RS:[email protected]•SC:[email protected]•SE:[email protected]•SP:[email protected]

Juarez Soares

Tenho escrito diversas vezes, com determinação e insistência, que a diferença do futebol paulista em rela-ção a outros campeonatos regionais é o nosso interior. O último fi nal de se-mana confi rmou esse ponto de vista, com a espetacular vitória do Paulista de Jundiaí.

Que eu me lembre, nos últimos 40 anos, é a segunda vez que o título de campeão será disputado por times do interior. Só mesmo quem teve a sorte de morar em uma cidade do interior sabe o que isso signifi ca.

O futebol é, por si só, um esporte socializante. Ele tem o poder quase sobrenatural de unir e nivelar as pes-soas. Todos se tornam iguais na hora

CRÔNICACRÔNICA

Terra de campeõesde ir ao estádio, de ouvir o rádio, de ver a televisão. O grito de gol é um só. A tristeza em caso de derrota é comovente. É a cidade inteira que ri e que chora.

Por isso, nessa semana, até a ho-ra do jogo, no dia 11, Jundiaí e São Caetano serão diferentes dos outros quase seis mil municípios do Bra-sil. Nas duas cidades, pelas praças e esquinas respira-se o ar puro de quem pode ser campeão. Isso não tem preço.

Talvez esses dias sejam os mais longos da história dessas cidades. Em todos os locais o assunto vai ser um só: o futebol. Na prefeitura, na Santa Casa, nos botecos, nas igrejas, nas fábricas, nos bancos, nas lojas, todos acham que vão ser campeões.

Com justa razão, as crianças, os jo-vens, os velhos, o prefeito, o padre, o boêmio, o bêbado que à noite faz arruaça, todos serão campeões por uma semana.

E daqui a alguns anos, depois que o tempo passar, haverá sempre na parede da casa de um torcedor a foto do time campeão. Os joga-dores serão os heróis de um tempo que não terá fi m. E você pode per-guntar: quem vai ser campeão?

Isso não interessa. Todos já são campeões. Todos os que já sabem o que signifi ca ser do interior do Esta-do de São Paulo, terra de campeões.

Juarez Soares é cronista esportivo e escreve uma vez por

mês neste espaço

Page 3: BDF_58

De 8 a 14 de abril de 2004 3

NACIONALREFORMA AGRÁRIAREFORMA AGRÁRIA

Bruno Fiuza e Tatiana Merlinoda Redação

Contra o processo de desestrutu-ração “próxima à indigência institu-cional”, cerca de 200 servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) partici-param de uma mobilização, dia 5, em frente à sede do instituto, em Brasília (DF). Os funcionários re-clamaram da falta de condições para realizar a reforma agrária e reivin-dicaram a compra de equipamentos, a contratação de funcionários e a adoção de um plano de carreira.

De acordo com José Vaz Parente, diretor da Confederação Nacional dos Servidores do Incra (Cnasi), antes da realização de novos concur-sos, é necessário um novo plano de carreira, que melhoraria as condições de trabalho – inclusive com elevação do piso salarial. Segundo Parente, a mobilização do dia 5 trouxe um

resultado concreto: a criação de uma comissão, composta por representan-tes da Cnasi e pelos superintendentes Marcelo Cardona e Raimundo João Amorim. O grupo fi cou responsável por encaminhar um novo plano de carreira no prazo máximo de 60 dias.

Rolf Hackbart, presidente do In-cra, prometeu reestruturar o instituto para “cumprir o Plano Nacional de Reforma Agrária”. Está previsto um concurso público para 2005, além do que irá ocorrer até junho, para contratação de 366 funcionários.

A situação do Incra é preocu-pante. Na época da elaboração do primeiro Plano de Reforma Agrá-ria, em 1985, durante o governo José Sarney, o instituto tinha cerca de 9 mil funcionários. O último concurso público foi realizado em 1986 e hoje o organismo conta com 5 mil servidores. O presidente do Incra diz que 42% dos atuais servi-dores acumulam tempo de serviço

que permitiria a aposentadoria. Em 2004, o quadro pode ser reduzido a 3 mil funcionários, ao mesmo tem-po em que há uma demanda de 6 mil projetos de assentamento, equi-valente a mais de 700 mil famílias.

SUCATEAMENTO NACIONALA superintendência paulista do

Incra é um exemplo. Em 1985 havia cerca de 600 funcionários; hoje, há apenas 75. No Espírito Santo, a su-perintendência já recebeu R$ 3 mi-lhões do valor descentralizado pelo Incra em março, e 30 famílias foram assentadas. “Há 60 funcionários, sendo que 15 têm entre 30 a 35 anos de carreira e estão para se aposentar há muito tempo”, diz o superinten-dente José Candido Resende.

No Mato Grosso do Sul, a si-tuação é semelhante. Cerca de R$ 22 milhões foram descentralizados pelo Incra em março, e cinco áreas já estão preparadas para o assenta-

mento de 1.080 famílias. Segundo o superintende Valdir Perius, o quadro de apenas 130 funcioná-rios “impede a ação”. “Temos uma enorme concentração de latifúndios e uma grande defasagem no núme-ro de servidores”, diz.

Em Alagoas há 5.700 famílias assentadas, 73 assentamentos e 70 funcionários. O superintendente Jorge Tadeu lembra que do total de funcionários, metade trabalha em atividades internas. “Com o concur-so teremos 14 novos funcionários, mas precisamos de no mínimo mais 25. Além disso, temos 10 pessoas que estão para se aposentar”.

A situação de carência de assis-tência técnica para famílias assenta-das se repete no Paraná. O superin-tendente Celso Lisboa de Lacerda conta que há apenas 14 servidores na superintendência estadual para prestar assistência técnica às cerca de 15 mil famílias assentadas.

Floriano Filho

Em geral, a mídia cobriu de for-ma maldosa o depoimento de João Pedro Stedile na Comissão Parla-mentar da Terra, dia 1º de abril. O dirigente do Movimento dos Traba-lhadores Rurais Sem Terra (MST) deu uma verdadeira “aula” sobre a questão agrária no país, mas ganha-ram destaque apenas os beijinhos trocados com o senador Suplicy e o pedido de “desculpas” pela afi rma-ção de que a vida do governo seria “infernizada”.

Em mais de uma hora de depoi-mento inicial, e nas horas seguintes de sabatina com deputados e se-nadores, Stedile falou sobre o que se pode esperar do governo Lula para o setor. Segundo ele, se con-tinuar no ritmo atual, o presidente fi cará longe de assentar 400 mil famílias até o fi m de seu mandato, como prometeu no fi m de 2003. Ele afi rmou que o Estado brasileiro está engessado e que o ideal seria reestruturar o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), até mesmo para o governo conseguir repassar os R$ 1,7 bilhão prometidos recentemente pelo presidente Lula para novos assen-tamentos.

HERANÇA DE FHCAo desaparelhar o Estado, as

políticas de abertura e privatização do período Fernando Henrique Cardoso foram, segundo Stedile, desastrosas para o modelo agrícola brasileiro. Nesse período teria se cristalizado uma subordinação à lógica do capital internacional e o controle da produção de grãos, hoje um dos principais itens da pauta de exportação do país, foi parar nas mãos de multinacionais.

NOVO MODELOPara alterar esse modelo, ele

defendeu a plataforma contida na “Carta da Terra”, do MST. Seria um novo tipo de reforma agrária baseada em um modelo agrícola com distribuição de renda e apoio a empresas nacionais. Conforme Stedile, essa seria a maneira mais barata de gerar emprego na eco-nomia, gastando cerca de R$ 8 mil por cada posto de trabalho gerado. Dessa forma, incluiria milhões de brasileiros que hoje não têm suas necessidades bási-cas asseguradas.

Bruno Fiuzada Redação

Em meio a matérias da gran-de imprensa, acirrando os ânimos em torno da reforma

agrária, prossegue a jornada de lutas iniciada dia 27 de março pelo Movimento dos Trabalhadores Ru-rais Sem Terra (MST). Até o dia 6, o MST já tinha ultrapassado a casa das 40 ocupações de terra, que somadas às 10 ocupações realiza-das nas três primeiras semanas de março, contabilizaram 50 ações em todo o país.

Vinte novas ocupações de terra aconteceram entre os dias 1º e 6, praticamente dobrando o número de 22 ocupações registradas entre 27 e 31 de março. As novas ações de sem-terra se concentram em Alagoas, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. Sem-terras do Ceará, Piauí e Paraíba já haviam realizado ocu-pações em março, em mobilizações que integravam ou não a Jornada de Lutas, que já atinge 13 Estados e deve continuar até o dia 17, Dia Internacional de Luta pela Terra.

Pernambuco segue como Esta-do recordista, com 21 ocupações de terra. No Nordeste, contudo, aconteceu na Bahia a ação que mais

MST amplia mobilização com 50 ocupações Até dia 17, sem-terra prosseguem jornada de lutas. Em duas semanas, fi zeram 50 ocupações em 13 Estados

chamou atenção: no dia 1º de abril, quando se lembraram os 40 anos do golpe militar de 1964, cerca de 3 mil famílias ocuparam a fazenda onde a Verecel, empresa transna-cional produtora de celulose, culti-vava 20 mil hectares de eucaliptos, no município de Porto Seguro. O MST da Bahia afi rma que essa foi a maior ocupação já realizada no Estado.

REINTEGRAÇÃO DE POSSE Dia 5, foram despejadas as cer-

ca de 200 famílias que ocupavam a Fazenda São Gonçalo, no municí-pio de Avaré (SP), de propriedade do empresário Ricardo Mansur. Os sem-terra estão acampados na beira da estrada que corta o assentamento Santa Adelaide. Segundo Marcia Merisse, do MST de São Paulo, o movimento negocia com o Instituto Nacional de Colonização e Refor-ma Agrária (Incra) a permancência das famílias em um lote do assen-tamento.

Em Mangaratiba (RJ), as cerca de 300 famílias que ocuparam a Fazenda Santa Justina tiveram uma vitória na Justiça, minutos antes de se esgotar o prazo para que desocu-passem a área. O Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região sus-pendeu a liminar de reintegração

de posse concedida à empresa de agropecuária Santa Justa, que há 10 anos não utiliza os 850 hectares. A liminar foi suspensa graças a uma ação da Rede Nacional de Advoga-dos Populares (Renap) e a Procura-doria do Incra junto ao TRF, ques-tionando a competência dos juízes locais para analisar a matéria.

MARCHAS PELO PAÍSO início da semana foi marcado

por pelo menos duas importantes marchas. A primeira saiu, dia 5, do município de Maragogi (AL). As 1.500 famílias devem chegar dia 16 em Maceió, para encerrar a Jornada de Lutas no Estado de Alagoas. A segunda mobilização é a Marcha contra o Latifúndio, iniciada dia 1º e que marca a jornada no Pontal do Paranapanema (SP). Dividida em duas colunas das cidades de Teodo-ro Sampaio e Presidente Epitácio, a marcha chegou dia 6 a Presidente Prudente, onde foi protocolada uma representação no Ministério Públi-co pedindo a verifi cação da legiti-midade da Lei nº 11600/03, editada pelo governador Geraldo Alckmin e que propõe a regulamentação das terras do governo do Estado.

Colaborou Rodrigo Brandão, do Rio de Janeiro

DESMONTEDESMONTE

Incra vive “indigência institucional”

Stedile disse mais do que a imprensa divulgou

O modelo citado por Stedile teria cinco pilares: distribuição de terra, casamento com a agroindús-tria, investimento em educação, desenvolvimento de tecnologia e apoio creditício.

Quanto à distribuição de terra, ele esclareceu que o movimento não é contra a propriedade parti-cular e sim contra os latifúndios

improdutivos, que pela Consti-tuição podem ser desapropriados mediante indenização. Segundo Stedile, existem quase 55 mil lati-fúndios improdutivos no país, com aproximadamente 120 milhões de hectares. Pelo Censo Agropecuário de 96, seriam menos latifúndios – 35 mil - porém ocupando uma área de 166 milhões de hectares. As

grandes propriedades, com mais de mil hectares, representam apenas 1% do total de imóveis, ocupando 45% do total da área cadastrada e agravando a desigualdade social.

VIOLÊNCIA EM PAUTAEle amenizou a ameaça de re-

taliação, de forma violenta, feito por Jaime Amorim, também da

coordenação nacional do MST. Stedile disse que não é política do MST orientar os trabalhadores a andarem armados, “até porque quem normalmente leva a pior somos nós”. Nos últimos 20 anos foram assassinados 1.671 traba-lhadores rurais. “Somos contra o uso da violência para resolver os problemas sociais”, disse.

Em razão das difi culdades para colocar essas medidas em prática surgiu a badalada frase de efeito que o coordenador do MST usou, sobre “infernizar” a vida do governo. “A palavra realmen-te foi infeliz. Usei no sentido de pressionar, azucrinar”, disse. Já o “abril vermelho” teria sido uma referência às bandeiras vermelhas do MST se espalhando pelo país, uma expressão segundo ele tirada de contexto.

Jornalista, mestre em políticas de comunicação pela

Universidade de Westminster (Londres), em telejornalismo

pela Universidade de Columbia (EUA) e ex-pesquisador sobre a

sociedade da informação, pela Universidade Tsukuba e

Hitotsubashi (Tóquio).

João Pedro Stedile conversa com o senador Eduardo Suplicy, durante depoimento na CPI da Terra

Ana

Nas

cim

ento

/AB

RW

ilton

Jun

ior/

AE

Cerca de 300 famílias, ocupam a Fazenda Santa Justina, em Mangaratiba, RJ

Page 4: BDF_58

De 8 a 14 de abril de 20044

NACIONALEDUCAÇÃOEDUCAÇÃO

Espelho da mídia

Luís Brasilinoda Redação

A Educação brasileira está mer-cantilizada, o que impede a universalização do ensino. A

partir dessa constatação e dispostos a mudar esse cenário, 102 mil edu-cadores participaram, entre os dias 1° e 4, no Fórum Mundial de Edu-cação Temático (FMET), em São Paulo. Espaço de protestos, troca de informações, unifi cação de lutas e de aprendizado, o encontro resul-tou em um documento com contri-buições à Plataforma Mundial de Educação, “em defesa da educação pública de qualidade social para to-dos, como direito humano universal inalienável, garantida e fi nanciada pelo Estado”. Uma realidade bem distante para o povo brasileiro.

Alípio Casali, professor de Edu-cação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, conta que a primeira universidade (fundada no século 12, na Itália), era entendida como um lugar de socialização do conhecimento, defi nido como um “bem público”. Com o passar dos anos, a Igreja Católica apode-rou-se da organização e passou a usá-la como meio de propagar seus dogmas, ou seja, em vez de trocar conhecimento, a universidade co-meçou a refl etir um pensamento único. No século 19, o imperador francês Napoleão Bonaparte pas-sou a utilizá-la como forma de enaltecer o Estado. Por fi m, em torno de 1950, nos Estados Unidos, o mercado percebeu a importância da instituição e tratou de assumir o seu controle. A jovem universidade

As propostas feitas pelo Fórum Nacional do Trabalho (FNT) à re-forma trabalhista e sindical não to-cam em pontos cruciais para alterar a realidade brasileira. “Esses temas (os importantes) só serão discutidos no futuro”, afi rma o advogado João José Sady, professor da Universida-de de São Francisco em São Paulo (SP). Para ele, o mesmo vale no que se refere à discussão da unicidade sindical – a qual a reforma não que-bra, simplesmente perverte. “É uma grande mistifi cação. Caso aprova-da a reforma como sugerida pelo FNT, o governo libera a criação de quantos sindicatos os trabalhadores quiserem formar, mas, por outro lado, conserva para si o poder de autorizá-los a ser representativos”, esclarece Sady.

Atualmente, existe um sistema híbrido: a defi nição das categorias fi ca a critério dos trabalhadores e, portanto, a unicidade tem certa mobilidade. Se as propostas do FNT forem aceitas, o governo vai dividir os sindicatos por ramos, fundindo as categorias (as dos químicos, por exemplo, somam 21) e retirando au-tonomia. A isso, acrescenta-se a ex-tinção dos pequenos sindicatos – nos

últimos anos, multiplicaram-se e enfraque-ceram as gran-des centrais –

que não poderão mais representar os trabalhadores nas negociações.

Com isso, se benefi ciam centrais e Estado, “e, acima de tudo, as clas-ses dominantes. As seguidas tenta-tivas do governo de dialogar com burgueses e proletários e a submis-são dos sindicatos à autorização do Estado amenizam e escondem a luta de classes”, explica Sady.

MOBILIZAÇÕESEnquanto se discutem reformas

nos altos escalões, a briga entre ser-vidores federais e governo continua acirrada. Dia 1º, os funcionários da Receita Federal entraram em greve

da Redação

“Tudo o que falta para homolo-gar a Raposa Serra do Sol é a as-sinatura do presidente. Então, que não seja por falta de uma caneta!” A partir dessa refl exão, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) convocam a sociedade pa-ra pressionar Luiz Inácio Lula da Silva a assinar a homologação da reserva: mande uma carta e a cane-ta ao presidente.

Há cinco anos, os povos Macu-xi, Pataxó, Xukuru, Krikati, Poti-guara, Gajajara e Truká aguardam a assinatura do decreto que demar-ca a terra de maneira contínua, como desejam os indígenas. Por enquanto, a proposta apresentada ao CIR e ao Cimi pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Mi-guel Rossetto, e pelo presidente do Instituto Nacional de Coloni-zação e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, dia 1º de abril, é o plano de reorganização fundiária,

elaborado pelo grupo de trabalho interministerial (GTI). O plano prevê a homologação em terras contínuas e o reassentamento, fora da Raposa Serra do Sol, de todas as famílias que vivem dentro da reserva e sejam benefi ciárias da re-forma agrária. A proposta, segun-do o GTI, já foi negociada com o governador Flamarion Portela, que vinha resistindo à demarcação em terras contínuas.

O ministro Rossetto se compro-meteu a liberar terras, este ano, pa-ra assentamentos de 2.800 famílias no Estado. O Incra, segundo Hack-bart, regularizará mais de 1 milhão de hectares, legitimando posses com até 1 mil hectares, destinadas a arrozeiros e outros produtores. O Instituto também propõe um proto-colo com a Fundação Nacional do Índio (Funai) para avaliar as ben-feitorias de todas as terras indíge-nas e colocará terras à disposição de projetos do governo de Rorai-ma. (Com Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.com.br)

Globo chama cineastasA TV Globo está promovendo uma rodada de conversas com os cineastas brasileiros. Na pauta, a cota de cinema nacional nas telas da Globo. A emissora está sendo pressionada por dois lados: precisa de muito dinheiro para saldar as dívidas da Globopar, antiga Globo Cabo, estimada em R$ 5,2 bilhões; e um projeto da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) estabelece es-paço para produção nacional e re-gionalizada em sua programação. Para resolver os dois problemas, a TV Globo força uma parceria com cineastas, tenta se justifi car dian-te da opinião pública como uma produtora de cultura e estende o chapéu para o BNDES atrás de di-nheiro público.

Sempre é bom lembrarPara não esquecer: o Grupo Globo é detentor de 60% do total da dívi-da de R$ 10 bilhões que paralisa a mídia brasileira, conforme informa-ção do jornalista Luciano Martins Costa. Dentro do gigantesco apa-rato abrigado sob o guarda-chuva da holding Globopar, o dinheiro se dilui entre 115 emissoras de televisão, 3 jornais, 30 revistas, 44 emissoras de rádio, 6 emissoras de TV a cabo, uma operadora de TV a cabo, um portal de internet e uma produtora.

Fundo para comunitáriasO deputado Edson Duarte (PV-BA) apresentou projeto de lei criando fundo de apoio às rádios e televi-sões comunitárias (a cabo). O fundo será constituído principalmente com recursos do Fundo de Universali-zação das Telecomunicações (Fust) e deve ser investido na compra de equipamentos, na realização de cur-sos e ofi cinas.

Publicidade ofi cial: R$ 563 milhõesEm 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva gastou R$ 563 milhões com publicidade. A maior parte das verbas saiu das empresas estatais, cerca de R$ 420 milhões. Como sempre, na divisão da grana a mí-dia que mais leva é a televisão: R$ 343 milhões. Considerando que a TV Globo leva em média 70% da mídia-TV, estima-se que R$ 240 milhões foram para a emissora dos Marinho.

Cinema nacional na TV a caboA empresa Conceito A em Audio-visual Ltda. foi credenciada, dia 17 de março, pelo Ministério da Cultura para operar no Sistema de TV a Ca-bo. A Conceito A vai exibir em sua programação apenas fi lmes nacio-nais, de produção independente, em longa, média e curta metragem. Ho-je somente o Canal Brasil transmite exclusivamente produção nacional. O restante se aplica em exibições de enlatados estadunidenses.

Governo “altera” radiodifusãoO governo renomeou a faixa de radiodifusão: agora, ofi cialmente, a faixa começa em 87,5 Mhz e vai até 108 Mhz. Isso porque as rádios co-munitárias reclamaram que estavam fora do dial. Hoje são três canais in-dicados pela Anatel para as rádios comunitárias: 87,5 Mhz; 87,7Mhz e 87,9 MHz. Com a mudança, as rádios comunitárias fi cam dentro da faixa, mas continuam fora do dial porque não existem aparelhos de rádios que captem nessas freqüên-cias. Isto é, as rádioscomunitárias vão continuar tocando para ninguém.

Lei impõe tradução na TV cariocaFoi aprovada, dia 1º de abril, uma lei que determina que todas as campanhas, programas, informes e publicidades na TV do governo do Estado do Rio de Janeiro devem ser acompanhadas de legendas e tradução simultânea para a língua brasileira de sinais (libras). Ante-riormente vetado pela governadora Rosinha Matheus (PMDB), o projeto do deputado Otávio Leite (PSDB) foi aprovado por 53 votos a zero.

Mais verbas para ensino públicoCerca de 100 mil educadores se reuniram para discutir a universalização do acesso à escola

brasileira, portanto, já nasceu den-tro dessa lógica.

Nesse cenário, ao contrário de universalização do ensino, o que observamos hoje é a Educação usa-da “como ferramenta de exclusão social”, segundo o professor José Eustáquio Romão, diretor e funda-dor do Instituto Paulo Freire. Para ele, até a década de 1950 era difícil, mas possível, conquistar ascensão social sem curso superior. Nos anos 60, passou a ser impossível. Em 1970, começaram a ser exigidas especializações. Na década de 80, pós-graduações. E, atualmente, pesquisas nos chamados “centros de excelência” são condição obri-gatória para quem quiser fazer parte da classe dominante. Ou seja,

a elite instrumentalizou os títulos e diplomas para manter seu poder.

MUDANDO A LÓGICA“O Instituto Paulo Freire de-

fende a Escola Cidadã, baseada em três princípios. Primeiro, que a escola seja pública quanto à desti-nação, sem discriminar ninguém; segundo, que seja popular quanto ao controle, e não administrada por um Estado a serviço da elite; e, terceiro, que seja estatal quanto ao fi nanciamento”, afi rma Romão, que considera importante o aumento de verbas para a Educação para maior socialização das oportunidades, tanto por meio de bolsas de estudo quanto por meio de fi nanciamento da própria escola estatal.

Para melhorar o orçamento da Educação, o professor Rubens Barbosa de Camargo cobra o go-verno Luiz Inácio Lula da Silva: “O presidente precisa derrubar os vetos feitos por Fernando Henri-que Cardoso aos pontos do Plano Nacional de Educação (PNE), que prevêem um gasto de apenas 7% do Produto Interno Bruto (PIB) com Educação”, diz.

Essa e outras reivindicações, como democratização da Educa-ção, maior aproximação entre edu-candos e educadores, participação, qualidade na Educação e valoriza-ção e formação de professores se-rão levadas para III Fórum Mundial de Educação, que acontecerá em julho, em Porto Alegre (RS).

DIREITO DO TRABALHADORDIREITO DO TRABALHADOR

Proposta de reforma sindical é superfi cial

por um aumento entre 70% e 85%. Na mesma data, a União ofereceu 30% de reajuste salarial, os sindi-calistas suspenderam a greve por

dez dias e aguardam até o fi nal desse prazo uma proposta do go-verno de gratifi cação para votar a retomada da paralisação.

POVOS INDÍGENASPOVOS INDÍGENAS

Canetas para Lula assinar homologaçãoMande sua cartaCopie o texto abaixo e mande

junto com uma caneta:

Prezado presidente Lula, es-tou preocupado com a situação da Raposa Serra do Sol, a terra tradicional dos povos indígenas Macuxi, Ingaricó, Patamona, Taurepang e Wapichana. Solicito que Vossa Excelência tome as medidas imediatas necessárias para homologar a Raposa Ser-ra do Sol como área contínua, conforme a Portaria 820/98. Tudo que eles precisam é de uma assinatura sua, por isso aceite esta caneta como sinal da minha preocupação e do meu alento.

Atenciosamente, (assinatura).

Envie a carta para :Exmo. Sr. Presidente da Re-

públicaLuiz Inácio Lula da SilvaPalácio do PlanaltoCep 70150-900Brasília, DF

Os policiais federais, parados desde 9 de março, receberam proposta de 10% de aumento. No começo deste mês, a catego-ria decidiu suspender a operação padrão para deixar de penalizar a população e reduzir o desgaste da categoria. “Cumprimos nossa primeira meta, fazer a mídia sa-ber que estamos em greve. Agora vamos bater no governo por meio de campanhas”, conta João Valderi de Souza, vice-presidente da Fede-ração Nacional dos Policiais Fede-rais. Para ele, não existe dúvida de que as diferenças nas negociações refl etem o prejuízo na arrecadação da União com a paralisação dos técnicos da Receita. (LB)

FNT – Fórum criado pelo Ministério do Trabalho para discu-tir alterações nas leis trabalhista e sindical

Joaq

uim

Dua

rte

Net

o

Movimento Educafro protesta contra a exclusão social da universidade e a favor da construção de uma escola cidadã

Com o fi m da operação padrão, greve da PF perde visibilidade na grande mídia

Mar

celo

Rég

ua/A

E

Page 5: BDF_58

De 8 a 14 de abril de 2004 5

NACIONALCONJUNTURACONJUNTURA

Lauro Jardimde São Paulo (SP)

O presidente do Banco Central (BC) e ex-banqueiro, Henri-que Meirelles, radicalizou o

discurso em defesa da política de juros altos e arrocho ao crédito, na mesma medida em que crescem pressões generalizadas por me-didas que favoreçam a retomada do crescimento econômico. Nos últimos dias, Meirelles freqüentou as páginas da imprensa conserva-dora, esgrimindo uma arte em que é especialista: criar sofi smas para tentar justifi car os (maus) rumos da política econômica e esconder os estragos que essa mesma política tem causado ao país.

Confi ra, nas próximas linhas, o que há por trás da retórica do presi-dente do BC:

Meirelles defende política econômica do governo durante audiência pública no Senado (esquerda)

Os sete sofi smas do doutor MeirellesAo contrário da retórica do BC, juros altos elevam a infl ação e provocam o crescimento da dívida do setor público

QUANTO O SETOR PÚBLICO GASTA COM JUROSDespesas dos governos federal, estaduais e prefeituras, em R$ bilhõesPeríodo Juros nominais Variação (%)*2000 77,963 -10,82001 86,443 +10,92002 114,004 +31,92003 145,203 +27,4Total (2000 a 2003) 423,613 -* Em relação ao ano anteriorFonte: Banco Central do Brasil

Jorge Pereira Filhoda redação

Às vésperas da reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (Bird), dia 24, movimentos sociais de todo o planeta estão organizando uma campanha para alertar a sociedade civil sobre os efeitos negativos da atuação das instituições multilate-rais. Criado em 1944, na conferên-cia de Bretton Woods, o FMI e o Bird são dois dos principais instru-mentos pelos quais os países ricos impõem seus interesses às outras nações. Em 2004, as instituições completam 60 anos.

A campanha, batizada de “60 Years is Enough” (60 Anos Bas-tam), agendou uma série de pro-testos entre os dias 20 e 24, quando os representantes dos 184 países membros estiverem reunidos para escolher o próximo presidente do Fundo. A partir da próxima edição, o Brasil de Fato vai publicar uma série de reportagens sobre a história e o papel das duas instituições mul-tilaterais.

No Brasil, a Rede Brasil (arti-culação de movimentos sociais e organizações não-governamentais) planeja debates sobre o tema.

“Queremos também organizar um debate, na Câmara dos De-putados, para lembrar essa data”, conta Marcus Faro, professor da Universidade de Brasília (UnB) e assessor político da Rede Brasil. Várias organizações e internautas também estão enviando textos para [email protected], comentando que mensagens devemos enviar ao FMI e ao Banco Mundial nesse ani-versário de 60 anos.

Desde 1995, a Rede Brasil tem feito acompanhamento das nego-ciações envolvendo acordos com o FMI e o Banco Mundial. “Que-remos modificar o trâmite dos processos decisórios. Os acordos, como são feitos, não passam nem pelo Congresso. Da última vez, ficamos sabendo do conteúdo dessas negociações pela agência de notícias Reuters”, argumenta Faro.

FMI e Bird fazem 60 anos eativistas preparam protestos

1º Sofi sma: não fosse a de-cisão de interromper a queda das taxas de juros, a partir de janeiro, a infl ação teria explodi-do, abortando o crescimento en-trevisto pelo governo nos frágeis indicadores econômicos do fi nal do ano passado.Os fatos: a fraca demanda, comprovada pelo festival de pro-moções e liquidações promovidas pelo comércio nas principais capitais em março e abril, já vinha barrando a alta sazonal (temporária) dos preços verifi ca-da na virada do ano. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que refl ete a variação do custo de vida entre famílias com renda de até 40 salários mínimos, medido pelo Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE), havia saltado de 0,29% em outu-bro para 0,76% em janeiro, mas entrou em queda no mês seguinte, recuando para 0,61%. Em março, a taxa apurada no período de 30 dias encerrado no dia 15 daquele mês já baixava para 0,4%.

2º Sofi sma: a economia cresce de forma “sólida” e “saudável”, como não se via em décadas.Os fatos: as projeções do pró-prio BC indicam que a taxa de crescimento estimada para os pri-meiros três meses de 2004, se hou-ver crescimento, será de apenas 0,9%, na comparação com o mes-mo período do ano passado. Essa taxa indica uma desaceleração no ritmo verifi cado no último trimes-tre de 2003, quando a atividade econômica experimentou alguma reação motivada pelas festas de fi m de ano e pagamento do 13º salário. Apenas os setores ligados à exportação e à agropecuária registram avanços dignos de nota. O restante da economia continua enfrentando o mesmo marasmo observado ao longo de 2003.

3º Sofi sma: o país entrou em um ritmo “sustentável” de expansão porque a economia cresce ao mesmo tempo em que crescem as exportações, evitan-do a criação de novos “rombos” nas contas externas (que impe-diriam a economia de continuar crescendo).Os fatos: na verdade, este é o outro lado da moeda: como a economia não cresce, ou cresce pouco, sobram mais produtos para exportar. O “ajuste estrutu-ral” citado pelo presidente do BC acontece às custas de um arrocho no mercado interno, com conse-qüente aumento do desemprego e queda da renda. No ano pas-sado, o consumo total das famí-lias encolheu o correspondente a R$ 25,8 bilhões, a maior baixa desde 1990. Um outro fator, nada “estrutural” (permanente), tem pu-xado as vendas externas brasilei-ras: a alta dos preços dos produtos básicos (metais e grãos, como soja e milho). Em 2004, a participação

crescimento (com exceções para 1994, 1995 e 2000). Os países citados por Meirelles sofreram, sim, baixas até mais severas do que aqueles 6%, nos anos em que enfrentaram fuga de dólares e crises externas. A questão é que, ao adotarem políticas in-dependentes, que não seguiam a cartilha do Fundo Monetário Internacional (FMI) e congêne-res, conseguiram retomar o cres-

cimento rapidamente, apresen-tando taxas vigorosas de avanço nos anos seguintes (casos da Malásia, Coréia do Sul e, agora, da própria Argentina).

6º Sofi sma: a “livre conver-sibilidade” do real permitiria a existência de “um sistema mais efi ciente de fl uxo de capitais pa-ra o Brasil”.Os fatos: o modelo dos sonhos

de Meirelles e sua equipe inclui liberdade total para comprar e vender dólares, o que transfor-maria o país numa sucursal da economia dos Estados Unidos, um mero entreposto onde a en-trada e a saída de dólares não sofreria controles reproduzindo, numa escala ainda mais ampla, exatamente a situação que levou o Brasil às crises de 1995, 1997, 1999, 2000 e 2002.

7º Sofi sma: o BC não tem po-deres para controlar os juros e, por isso, a única coisa que o go-verno pode fazer é arrochar as demais despesas públicas para poupar recursos e, assim, pagar a conta dos juros que correm so-bre sua dívida.Os fatos: o presidente do BC quis dizer, aqui, que o mercado é responsável pelas taxas de juros escorchantes impostas à econo-mia nas últimas duas décadas. É o mercado fi nanceiro, segundo Meirelles, que defi ne os juros que pretende receber quando compra títulos do Tesouro Nacional e do BC. Trata-se, obviamente, de uma inversão da verdade. O BC e o Tesouro, até pelo volume de títulos que movimentam todos os meses, têm poderes para regular os juros e cobrar, se desejassem, mesmo taxas negativas (ou seja, juros inferiores à infl ação) para vender aqueles papéis, como acontece em países desenvol-vidos. O grosso dos recursos aplicados na compra de títulos públicos corresponde a sobras diárias de caixa de empresas, pessoas físicas e instituições fi nanceiras, que fi cariam para-das, sem render um único tostão (dando prejuízos a seus donos, portanto), não fosse a oferta de títulos do governo e BC.

das exportações daqueles produ-tos no total exportado alcançou praticamente 30%, retomando os níveis observados nos anos 80 o que coloca a balança comercial (exportações menos importações) em situação relativamente frágil, já que uma mudança na tendência dos preços internacionais poderá reverter a recuperação observada para as exportações.

4º Sofi sma: “A recomposição de reservas (internacionais) ca-minha dentro da esfera do de-sejável”.Os fatos: no início de 2004, o BC decidiu, dobrando-se aos ar-gumentos apresentados por seus críticos, comprar dólares no mer-cado para refazer as reservas in-ternacionais do país, que servem como garantia da capacidade de o Brasil honrar o pagamento de compromissos internacionais. Quanto maiores as reservas, me-nores os custos que o país e suas empresas e bancos enfrentam no exterior para contratar emprésti-mos e fi nanciamentos, e maiores as chances de atrair investidores. Assim, as reservas passaram de pouco mais de 20,5 bilhões de dólares, em dezembro, para 25,1 bilhões de dólares em janeiro um salto de 22% em um mês. Em feve-reiro e março, alegando o risco de alta do dólar (que continua derra-pando na faixa de R$ 2,90), o BC interrompeu aquela política, man-tendo a vulnerabilidade do país na área externa. Em fevereiro, ao contrário, as reservas encolheram para 24,8 bilhões de dólares.

5º Sofi sma: os países que pas-saram por crises externas viram suas economias sofrerem perdas de praticamente 6% em um ano, enquanto, no Brasil, a queda foi limitada a 0,2% em 2003.Os fatos: Falso. A economia brasileira derrapa desde 2000 e, antes disso, registrou taxas reduzidas ou inexpressivas de

Roo

sew

elt P

inhe

iro/A

BR

Luiz

Car

los

Mur

ausk

as/F

olha

Imag

em

Como a economia não cresce, sobram mais produtos para exportação

Page 6: BDF_58

De 8 a 14 de abril de 20046

NACIONALGOLPE DE 64GOLPE DE 64

Elite enfurecidaA reação da elite conservadora às conquistas dos trabalhadores rurais – que cada vez mais reduzem os privilégios da minoria, em favor da maioria – chega a extremos hilariantes como o comentário do cineasta Arnaldo Jabor, no Jornal Nacional, dia 2 de abril: “Ontem assistimos a um belo beijo de amor: o Suplicy beijando o Osama do MST, o Stedile, que disse que ia infernizar o governo e depois negou na CPI dizendo que só ia azucrinar. (...) Esse beijo é uma síntese do Brasil de hoje. Vemos um líder do MST, que ameaça o governo, sendo beijado por um líder do mesmo governo, apoiando a provocação do Stedile. (...) O MST dá voto. (...) Tudo isso por uma reforma agrária inútil no mundo atual da tecnologia e da agroindústria. O governo sabe disso, mas faz a reforma errada mesmo assim porque ela é um bom marketing populista. Enquanto isso, beijam o diabinho que os bispos criaram”.

Socorro do Paraná?O governador paranaense, Roberto Requião (PMDB), enviou carta a José Genoíno, presidente do Partido dos Trabalhadores, em resposta à entrevista publicada na página eletrônica do partido, onde o ex-deputado critica o peemedebista pela greve no Porto de Paranaguá. “De qualquer forma, a paralisação do Porto foi resolvida. Sendo assim, livre dessa pendenga, coloco-me à disposição para ajudá-lo a resolver as greves da Polícia Federal, do INSS e paralisações outras que atazanam a República”, diz o texto.

O homem do FMIEm entrevista ao jornal argentino La Nación, dia 6, o ministro da Fazen-da, Antonio Palocci, não poupou elogios ao Fundo Monetário Inter-nacional (FMI), que considera res-ponsável pelo sucesso (?) econômico do Brasil. Aconselhou seus colegas argentinos a aceitar a fatalidade da globalização: “Nós somos e temos que nos ver como integrantes do Fundo”. A observação de Palocci é uma crítica ao presidente da Argen-tina, Néstor Kirchner, que desafi a as políticas do FMI para garantir a soberania e o desenvolvimento de seu país. Não contente em aplicar a cartilha neoliberal no Brasil, Palocci benevolamente se promoveu a re-presentante internacional do FMI.

Do papel para... o nadaOs direitos das cidadãs e cidadãos com mais de 60 anos são garantidos por lei, de acordo com o Estatuto do Idoso, aprovado no fi nal do ano passado e em vigor desde 1º de janeiro. As garantias, entre-tanto, só fi caram no papel. Diz o capítulo VI da nova lei: “Na admissão do idoso em qualquer trabalho ou emprego, é vedada a discriminação e a fi xação de limite máximo de idade, inclusive para concursos, ressalvados os casos em que a natureza do cargo exigir”. Mas a Justiça não se pauta na lei, pelo menos se depender do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, que abriu um concurso para juiz substituto, em fevereiro, limitando a inscrição a pessoas de até 45 anos. De acordo com o Estatuto, a viola-ção ao capítulo VI é passível de seis meses a um ano de reclusão e multa. Se fosse cumprida a lei, a Justiça brasileira, mais uma vez, seria con-siderada culpada!

Tatiana Merlinoda Redação

Uma das grandes aliadas do governo golpista de 1964 foi a chamada “grande impren-

sa”, que mantinha relações estreitas com os militares. As exceções eram o semanário A Última Hora, que defendia o presidente João Goulart, e teve seu prédio destruído e seus carros incendiados; e os veículos de imprensa nacionalista e de esquer-da, a chamada imprensa alternati-va. “O restante não só apoiou como participou da ditadura”, conta o jornalista Raimundo Pereira, lem-brando que os jornais falavam que havia ocorrido uma revolução, não um golpe.

Editoriais de jornais como O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, O Globo, Jornal do Brasil e Correio da Manhã defendiam abertamente a intervenção militar no país. No dia seguinte ao golpe (2-4-1964), o jornal O Correio da Manhã publicou o seguinte edito-rial: “A Nação saiu vitoriosa com o afastamento do Sr. João Goulart da Presidência da República ...”.

A cumplicidade da imprensa com o regime militar perdurou du-rante toda a ditadura. Um dos casos emblemáticos foi o do jornal pau-lista Folha da Tarde, do Grupo Fo-lha. Lá trabalharam vários militan-tes de esquerda até a promulgação do Ato Institucional Nº5 (AI-5), em 1968, quando o jornal passou a ser conhecido como “Diário Ofi cial da Operação Bandeirantes” (Oban): os diretores do veículo eram ao mes-mo tempo funcionários da polícia.

Uma das práticas da Folha da Tarde estendida a outros órgãos de imprensa foi a de publicar notícias fraudulentas transmitindo inte-gralmente a versão do Estado para desaparecimentos e assassinatos. O jornal “noticiou”, por exemplo, a morte do “terrorista” Joaquim Sei-xas, em 16 de abril de 1970, num tiroteio imaginário. Na verdade, o militante estava preso e foi tortura-do até a morte. No mesmo jornal, a notícia da prisão de frei Betto, em 25 de outubro de 1969, foi minimizada. A Folha da Tarde não citou que o re-ligioso e jornalista tinha sido chefe de reportagem da redação. Conta-se que o jornal Folha de São Paulo, que também nunca foi censurado, chegou a emprestar um carro para recolher torturados ou pessoas que iriam ser torturadas na Oban.

CENSURA IMPLACÁVELProibida pela Constituição, a

censura à imprensa foi exercida nos primeiros dias do golpe. Ofi ciais do Exército iam a algumas redações e determinavam o que deveria ou não ser publicado. A seguir, o serviço de censura foi alojado nas depen-dências da Polícia Federal, com censores treinados para essa função e designação no quadro de carreira: agente de censura.

Em 1967, o governo editou a

A imprensa a serviço da ditadura A maioria dos jornais e revistas apoiou os militares, que instituíram um rígido sistema de censura

Lei de Imprensa e a Lei de Segu-rança Nacional. A primeira foi alvo de protestos por toda a imprensa, já que estabelecia a obrigatoriedade da presença de censores em todos os veículos. Em 1968, protestos estudantis foram reprimidos com violência, culminando com a morte e a prisão de diversas pessoas. O Correio da Manhã, o mesmo que fez um editorial apoiando o golpe, denunciou a Operação Mata Estu-dante, na qual a unidade Parasar (da Aeronáutica) prendia e eliminava os líderes estudantis.

“Os veículos que sofreram cen-sura foram O Estado de São Paulo, Jornal da Tarde, Veja, O São Paulo e Opinião”, lembra o jornalista Renato Pompeu. O Estado de São Paulo, que foi um grande apoiador do regime, passou a criticá-lo e co-meçou a ser censurado. Nos trechos das reportagens retiradas, o jornal publicava versos de Camões. No Jornal da Tarde, eram colocadas receitas de bolo nesses espaços. “Os veículos que se opuseram ou criticaram o golpe foram aniqui-lados, alguns foram censurados e outros estavam felizes da vida”, afi rma Pompeu.

RESISTÊNCIA DOS JORNALISTASAlguns jornais conviveram

durante anos com a presença do censor na gráfi ca. Ele lia o jornal já montado, o que era um transtorno a mais: se algo fosse vetado, a notícia

Um dos casos históricos de resis-tência à censura foi uma reportagem sobre tortura publicada na revista Veja. “Estávamos para dar uma ma-téria sobre tortura. A nossa equipe havia levantado mais de 150 casos de tortura e três deles eram conta-dos em detalhes”, conta Pereira. Na mesma semana, numa quinta-feira, saiu uma ordem do regime proibin-do qualquer referência ao assunto. No dia seguinte o editor-chefe da re-vista, Mino Carta, mandou desligar os telefones da redação para evitar que a ordem chegasse até a equipe. A revista saiu, mas foi recolhida nas bancas. Raimundo Pereira, que comandava a equipe da reportagem da matéria, cita esse como um dos grandes momentos de resistência do jornalismo.

Pompeu, que foi o responsável pela primeira reportagem sobre tortura para a mesma revista, numa edição anterior, publicada a título de “teste para a reportagem de capa que ia sair em seguida”, concor-da. Além disso, ele conta que os jornalistas que resistiam tentavam divulgar o que acontecia no país de outras formas: “Verbalmente, por meio de dossiês, imprensa alterna-tiva, transmitindo para as lideran-ças de organizações”. Para ele, os semanários Opinião e O Pasquim também tiveram atuação que vale ser elogiada. “Fora isso, toda a im-prensa deveria se envergonhar de sua postura”, completa.

Vigilância contínua

A duração da presença de censores nos principais veículos de comunicação

O Estado de São Paulo – do AI-5 a janeiro de 1975.Tribuna da Imprensa – por pe-ríodos não contínuos, de 1968 a 1978.O Pasquim – de novembro de 1970 a março de 1975.O São Paulo – de junho de 1973 até junho de 1978.Opinião – de janeiro de 1973 a abril de 1977.Movimento – de abril de 1975 a junho de 1978.Veja – de 1974 a 1976.

Ao contrário da grande imprensa, que apoiava o regime, jornais de resistência eram perseguidos e apreendidos

Ace

rvo

Últi

ma

Hor

a/ F

olha

Imag

em

não poderia ser substituída. Jornais de oposição explícita, como os jor-nais da imprensa alternativa Opi-nião e Movimento, sofreram censu-ra ainda mais rigorosa do ponto de vista da operação: eram obrigados a mandar todos os textos e ilustrações para a Polícia Federal, em Brasília, e recebiam de volta os trechos cor-tados. No caso de Movimento, os censores conferiam o jornal depois de impresso para checar se os cor-tes haviam sido respeitados.

Promovido pelo Brasil de Fato, seminário no aniversário de 40 anos do golpe mexeu com memórias e discussões em São Paulo

Ren

ato

Sto

ckle

r

Page 7: BDF_58

questão sempre esteve colocada, com a diferença de que os so-cialistas acreditavam também no progresso, mas por vias diferen-tes. Desde algum tempo, há uma desconfi ança radical, que nasce de refl exões da fi losofi a alemã, sobretudo a partir do começo do século 20, porque o fascismo ha-via apresentado a outra cara do progresso. A partir daí começou uma refl exão fi losófi ca rica e crítica que acentuou a descon-fi ança, postulando que esse tipo de progresso não é um desvio da modernidade, e sim sua plena realização. Isso é muito radical, pois é preciso pensar quais forças sociais sustentariam essa posição. É possível diversifi car as formas de convivência, mesmo no mundo capitalista.

BF – E o governo Lula nisso?Oliveira – O governo Lula foi elei-to não com a promessa radical de romper com todos os modelos, mas com a promessa, menos ambiciosa, de encontrar meios e modos de diminuir um pouco a desigualdade na sociedade brasileira. Se medir o governo Lula pelos critérios mais radi-cais, a decepção será enorme. Mesmo os mais modestos, que estão medindo o governo apenas pela régua da atenuação das desigualdades, também já estão se decepcionando. Quer dizer, a régua do Lula não chega nem a tentar mudar um pouquinho as condições da sociedade. Com a atual distribuição de renda do país, não chegaremos a lugar nenhum. Chegaremos onde já estamos, no ornitorrinco.

BF – Qual é o papel dos movi-mentos sociais na busca de ou-tros caminhos?Oliveira – Em uma sociedade como a brasileira, os movimentos sociais têm de ser nitidamente subversivos, desmontar a ordem constituída que mantém essa desigualdade abissal. Os movi-mentos sociais têm de envolver o governo e penetrar a carapaça de um partido que se transforma em partido da ordem. É extrema-mente difícil, porque a economia, a sociedade brasileira são muito complexas para serem adminis-tradas com qualquer simplifi ca-ção da realidade. No governo, o PT simplifi ca demais essa rea-lidade. E, ao simplifi cá-la, tende a reduzir tudo ao denominador comum da governabilidade, que para eles é ter maioria no Congresso. Aí, o governo conse-gue uma proeza extraordinária: nem Fernando Henrique teve no Congresso a maioria que o PT tem. Entretanto, não governa, en-quanto Fernando Henrique, com menos, governou.

BF – Por que essa paralisia?Oliveira – O governo Lula, salvo a reforma da Previdência, que deve ser posta entre aspas, não consegue andar, mesmo tendo maioria no Congresso. O que ele perdeu é a maioria social, até porque, como partido da ordem, tenta desmobilizar. E aí não tem no que se apoiar. Para ser viável, qualquer alternativa depende da capacidade de ter hegemonia no movimento social. Também é possível governar em outras situações, em uma ditadura, por exemplo. Mas uma ditadura não quer dizer hegemonia, e sim o contrário, pois governa pela for-ça porque não tem consenso da sociedade. O governo está numa situação estranha: não tem hege-

De 8 a 14 de abril de 2004 7

NACIONALCONJUNTURACONJUNTURA

“Brasil-ornitorrinco” perde o controleFrancisco de Oliveira destaca papel dos movimentos sociais e compara Estado a animal disforme, que só acentua pobreza

Carla Ferreira, Kátia Marko e Marcelo de Souza

de Porto Alegre (RS)

O Brasil tem a cara de um orni-torrinco. A irônica defi nição é do economista pernam-

bucano Francisco de Oliveira, que em um recente ensaio comparou o estranho animal ao capitalismo ge-rado no país e que não dá mostras de mudança, mesmo com o Partido dos Trabalhadores no governo. Em entrevista ao Brasil de Fato, o aposentado professor titular de so-ciologia do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania da Universi-dade de São Paulo, professor que não gosta de assim ser chamado pois está mais para “desensinar” do que para ensinar, aponta alternati-vas para o país.

Brasil de Fato – O que é o orni-torrinco e como o capitalismo no Brasil se transformou nisso?Francisco de Oliveira – Charles Darwin, quando viajava no Be-agle (navio no qual percorreu o mundo, durante cinco anos, a partir de 1831), chegou na Austrália e encontrou o ornitor-rinco. Toda a teoria da evolução esbarrou naquele animal. Aquilo não tem nem futuro nem passado. Várias correntes da evolução se encontraram nele e deu num bi-cho que bota ovo, mamífero cujos fi lhotes não mamam em tetas pois é o leite que escorre, tem bico de pato, esporão venenoso. Ou seja, é um truncamento total. Eu usei essa metáfora para mostrar uma sociedade em que várias formas da evolução capitalista se encon-tram e formam um bicho estranho. Formam um país profundamente desigual que não tem mais co-mo combater sua desigualdade, uma sociedade em que 2,4% da população detêm 33% da renda nacional. Não há nada parecido em todo o mundo. Mesmo nos EUA não há uma concentração de renda tão espantosa.

BF – Qual a origem disso?Oliveira – Essa concentração de renda não é produto apenas da longa história brasileira, é produ-to do novo. Foi a industrialização que fez isso. E, recentemente, o fato de a economia brasileira estagnar aumentou o grau de desigualdade. Apesar disso, se vêem novas manifestações do capitalismo central que só fazem aumentar a desigualdade. Eu cito o caso da grande mecenas da arte moderna brasileira, dona Iolanda Penteado, que está na minissérie da Rede Globo, Um só Coração. Dona Iolanda fi nanciou os artistas que revolucionaram a arte moderna brasileira mas sua fazenda era administrada em regime da meação. Quer dizer, moderna lá na arte, com os pés plantados na coisa mais arcaica que é o sistema de meação na agricultura e na pecuária. O or-nitorrinco é isso.

BF – No livro, o senhor diz que o ornitorrinco não evolui devido à dívida externa. Há solução para isso?Oliveira – Há solução. Para os que crêem, até mesmo a morte tem solução, porque depois vem a vida eterna. Mas é preciso romper com certas condições externas preestabelecidas. Por exemplo, pode-se estabelecer um sistema de controle cambial, um controle sobre as contas de capital das transações correntes. Não precisa impedir importação, como o Brasil já fez. A reforma de 1952/1953, de Osvaldo Aranha, instituiu um sistema de taxas múltiplas de câmbio, por exemplo, que ordenava as prio-ridades do país. A importação de bens de capital era a prioridade

Quem éO economista e sociólogo

Francisco de Oliveira foi um dos fundadores do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Ce-brap), instituição que estuda as relações políticas na América Latina. É autor de vários livros, como Crítica da Razão Dualista, A Economia da Dependência Im-perfeita e A Falsifi cação da Ira.

número um, e a taxa de câmbio, a mais favorecida. Para perfumes franceses não havia nenhuma prioridade e a taxa de câmbio era a mais alta possível. Havia uma divisão de bens necessários, dos importantes até os chamados bens supérfl uos. Não precisa che-gar a isso de novo, basta estabe-lecer o controle sobre a conta de capital das transações correntes.

BF – Cite um exemplo.Oliveira – Como o Chile fez, por exemplo, qualquer capital só po-de entrar ou sair do país depois de permanecer 180 dias. Isso já mata a questão um pouco, porque a especulação move os capitais de praça para praça, todos os dias. A partir daí é possível esta-belecer controle. Todos os países fi zeram isso e o Fundo Monetário Internacional foi obrigado a reco-nhecer. Há várias formas de fazer isso, desde as mais simples até as mais sofi sticadas. O que não pode é um país periférico, que não possui nem 1% do comércio internacional, com a pretensão de

ter o câmbio livre. Isso não existe, é delírio, pois não é possível ter uma moeda internacional capaz de bancar esse jogo. E o Brasil sempre fez algo diferente. Como não tem moeda poderosa inter-nacional, usa outros meios para obter os mesmos resultados. A novidade do período neoliberal é que eles passaram a acreditar que basta ter uma moeda instável para dirigir o movimento de capi-tais, alocar recursos na economia etc. Mas não é assim que a coisa funciona.

BF – O senhor fala também do desenvolvimento truncado. Quem busca alternativas não deveria romper com esse para-digma de progresso?Oliveira – Antigamente, essa per-gunta se chamava socialismo. A

monia porque perdeu o consenso da sociedade, e tem maioria política, mas essa maioria não governa. O PT está no pior dos mundos.

BF – Quais as forças capazes de recompor esse quadro político no Brasil, hoje?Oliveira – As especulações que aparecem na imprensa não são à toa, até por causa do próprio presidente, que disse esperar que o PT se encontrasse com o PSDB. Com isso, está reconhecendo que perdeu a hegemonia e que há uma outra metade com a qual é preciso se juntar para governar. Portanto, isoladamente não há qualquer força capaz de mudar as diretrizes. Não está indicado ainda por onde haverá esta re-composição, e as siglas que estão aí pouco signifi cam, são todas clones das duas originais que, no momento, são PT e PSDB.

BF – Por que PT e PSDB são ori-ginais?Oliveira – São originais porque encarnam essa perseguição de que o capitalismo dê certo. Isso é basicamente o que as une do ponto de vista ideológico. Uma sigla se diz herdeira da social-democracia, o que é uma falsifi -cação, pois em todos os países a social-democracia sempre nasceu do movimento operário. O PSDB não nasceu daí, mas é parte des-sa família que aposta no êxito do capitalismo aqui. É isso que une o PSDB ao PT. Portanto, os dois partidos serão, por algum tempo, o centro de gravitação da política brasileira, e todos os outros são clones dessa formação. O PFL não representa força do capital alguma, a menos que se pense que o Maranhão é a força do capitalismo brasileiro. O que o PFL tem de orgânico no grande capital? Nada. E alguém conse-gue me dizer o que o PTB é, em qualquer parte do Brasil? O PDT está morrendo de agonia. E o PL provavelmente é só um grupo de evangélicos.

BF – O senhor disse que a divul-gação da fi ta do caso Waldomi-ro pela revista Época, da Editora Globo, foi uma forma de pressão para a liberação do empréstimo do BNDES. Isso é uma hipótese ou um fato?Oliveira – Eu trabalho com os elementos oferecidos. Não tenho nenhuma investigação especial nem conheço segredo de Esta-do, nem da Rede Globo. E não gostaria de conhecer porque é perigoso, pois termina sempre em morte. Eu me movo com os dados oferecidos pela própria imprensa, que sugerem a existência de uma artilharia pesada em torno das grandes dívidas das empresas de mídia.

BF – O senhor acha que no Brasil os meios de comunicação têm condições de rearticular as for-ças políticas, a exemplo do que ocorreu na Venezuela? Oliveira – Eu não acho que os meios de comunicação tenham esse poder no Brasil. Mas a mí-dia, em muitos casos, faz a opi-nião pública e dirige a política, sobretudo em um setor sensível e perigoso como o da segurança pública. As políticas de segurança pública no Brasil estão orientadas basicamente pela mídia, pelo que repercute, pelas prioridades que coloca em ação. Os programas locais de televisão que apresen-tam o mundo-cão martelam dia-riamente na segurança pública. Aquilo é uma forma de formar opinião a respeito da segurança e de infl uenciar na política, pois criam o paradigma da solução da sociedade policial.

O Brasil-ornitorrinco é um país profundamente desigual que não tem mais como combater a desigualdade

Mar

iana

Pes

sah

Movimentos sociais se mobilizam contra integração do Brasil à Área de Livre Comércio das Américas (Alca)

And

erso

n B

arbo

sa

Page 8: BDF_58

De 8 a 14 de abril de 20048

NACIONALSOBERANIA ALIMENTARSOBERANIA ALIMENTAR

Claudia Jardimda Redação

Uma semana depois de entrar em vigor o decreto de rotu-lagem dos transgênicos, o

secretário-executivo do Ministério da Agricultura Pecuária e Abaste-cimento (Mapa), Amauri Dimarzio, se reuniu com os delegados federais de Agricultura dos principais Esta-dos produtores de soja (RS, PR, SC, SP, GO, MT e MS) para tratar da inspeção de organismos genetica-mente modifi cados (OGMs).

“Desde o ano passado, vínhamos fi scalizando a soja transgênica. Agora vamos intensifi car esse trabalho, com o reforço das equipes de fi scais, para cum-prir a legislação referente à rotulagem”, garante Di-marzio. No ano passado, em entrevista ao Brasil de Fato, o secretário disse que havia fi scais em número sufi ciente para garantir a inspeção dos OGMs. Já o ministro Roberto Rodrigues, às ves-peras de vigorar o decreto, anunciou que a Agricultura teve “difi culda-des” para fazer a sua parte. Era uma tentativa do ministério postergar a obrigatoriedade da rotulagem, já que as indústrias resistem em identifi car seus produtos como transgênicos.

De acordo com Dimarzio, haverá um reforço da fi scalização em lavou-ras, armazéns, transportadoras, in-dústrias de alimentos de origem ani-

Miguel Enrique Stedilede Porto Alegre (RS)

A colheita da soja transgênica gaúcha ainda não começou. Porém, a estiagem que atingiu o Rio Gran-de do Sul já permite prever danos signifi cativos da safra deste ano. Em 2003, cerca de 81 mil agricul-tores gaúchos assinaram o termo de compromisso para o cultivo de soja transgênica. Estima-se que no Estado existam quase 3 milhões de hectares cultivados com essas sementes. “Possivelmente esses agricultores colherão em torno de 40% a 50% do rendimento obtido na safra passada, pois a estiagem afetou radicalmente aquelas lavou-ras desenvolvidas com sementes inadaptadas”, afi rma o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) do Rio Grande do Sul. Ainda, segundo a Fundação Centro de Experimen-tação e Pesquisa (Fundcep), a soja convencional terá perdas pelo me-nos 20% a 30% menores do que as lavouras cultivadas com sementes geneticamente modifi cadas. “Para um Estado que previa rendimentos de até 70 sacos por hectare, nos aproximamos da triste realidade onde a média deverá fi car abaixo dos 30, sendo que não poucos agricultores colherão em torno de 15-20 sacos/hectare e, em alguns casos, a perda será total”, analisa Melgarejo.

No Paraná, onde o plantio de se-mentes geneticamente modifi cadas é proibido, a situação é oposta. A cotação da soja produzida no Esta-do tem alcançado índices superiores aos demais Estados produtores de soja. O município de Ponta Grossa apresentou a menor cotação do Es-tado, R$ 51. Ainda assim, superior à cotação de R$ 46, do município gaúcho de São Borja.

Além da baixa produtividade, os prejuízos econômicos da safra gaúcha devem se agravar pela resis-tência do mercado europeu aos pro-dutos transgênicos. Segundo dados do Serviço de Estatística da União Européia, a importação de soja dos Estados Unidos caiu de 9,2 milhões de toneladas, em 1996, para 6,8

Dioclécio Luzde Brasília (DF)

Responsável por um faturamen-to de R$ 11 bilhões no Brasil, no ano passado, a transnacional Bun-ge, gigante mundial da área de agri-cultura, alimentos e fertilizantes, reconhece que usa produtos trans-gênicos. “Mas dentro do que esta-belece a Lei 10.688/03, que esta-belece a rotulagem somente quando a presença de Organismos Geneti-camente Modifi cados (OGMs) for maior que 1%”, garante Adalgiso Teles, diretor de comunicações da empresa.

De acordo com Teles, a empresa lida com mais de 30 mil forne-cedores de vários Estados, o que difi culta a segregação. Porém, faz

testes para identifi car a presença de transgênicos na soja e no milho coletando, em cada caminhão, três amostras – no começo, no meio e no fi nal do veículo, para obter um bom nível de confi abilidade.

A estratégia da Bunge é não ofe-recer produtos rotulados, que iden-tifi cariam a presença de OGMs. Por isso vende produtos com percentual inferior – “muito inferior”, segundo Teles – a 1% de transgênicos, o que evita a rotulagem. Isso é obtido, se-gundo ele, com a segregação, com os testes, e com o processo de puri-fi cação a que são submetidos todos os produtos da empresa.

A política da Bunge, anterior às determinações do governo sobre rotulagem, evita perder o consu-midor que tem restrições a trans-gênicos (o consumidor não sabe o

que está levando para casa quando o percentual de OGM é inferior a 1%). Para a empresa, o mercado é amplo. “Vai sempre existir o não-transgênico, para o consumidor que tem lá suas restrições particulares; e o transgênico, para aquele que tem essa preferência. A Bunge vai trabalhar com os dois mercados”, afi rma Teles.

RESPOSTA PADRÃOA Bunge é uma gigante trans-

nacional, com sede na Holanda (Bunge Limited), que lida com agricultura, fertilizantes, produ-ção de alimentos e exportação de grãos. De acordo com informações contidas na página eletrônica da empresa, é a maior processadora de soja e de trigo, e a maior expor-tadora do complexo soja do Brasil.

No ano passado, a indústria – com 17 silos no país – comercializou 3,5 milhões de toneladas de soja.

A empresa produz na cadeia soja: farelo, óleo refi nado especial, margarinas e maioneses. Produz as margarinas “Delícia”, “Mila” e “Primor”; os óleos, “Soya”, “Pri-mor” e “Salada”; as maioneses, “Soya” e “Primor”.

Para o consumidor, a política da Bunge com relação aos OGMs não é clara. Até o fechamento desta edição, dia 6, o Serviço de Atendimento ao Consumidor da empresa (0800-475544) não sabia responder uma pergunta simples: a Bunge usa OGMs nos seus produtos? A resposta era padrão, reproduzida à exaustão pela aten-dente: “A Bunge segue os padrões estabelecidos por lei”.

Faltam recursos para fi scalizar rotulagemAgricultura anuncia plano de fi scalização no campo e Anvisa não possui laboratório próprio para detectar transgênicos

mal e bebidas, além de portos e pos-tos de fronteira. O descumprimento das normas de rotulagem acarretará em multa de R$ 16.100, acrescida de mais 10% sobre a produção ou hectare, advertência e interdição da propriedade ou estabelecimento.

O consultor técnico do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Sezefredo Paz, cobra mais ação e menos “planos” para a rotulagem.

“O ministério (Agricultura) tem sido muito dúbio em relação aos transgênicos, particularmente so-bre a rotulagem. Não basta dizer, é preciso colocar em prática o plano e vamos cobrar isso”, afi rma Paz.

LEI MORTAA morosidade para fazer cum-

prir o decreto não é exclusividade do Mapa. A Agência de Vigilância

Sanitária — responsável por fi sca-lizar os produtos industrializados — não tem laboratório exclusivo para garantir agilidade e efi ciência na fi scalização. Em Santa Catari-na, por exemplo, as amostras de alimentos produzidos com soja, co-letadas há dois meses, foram envia-das para um laboratório em Viçosa (MG). “Não temos laboratório pró-prio para quantifi car o percentual

de transgênico no produto”, relata Samir José Ferreira, gerente de produtos do setor de alimentos da Vigilância Sanitária (SC). Ferreira diz que o principal problema não é a falta de fi scais e sim de tecnologia para realizar os testes: “A situação é difi cil não só para o consumidor, mas para a Vigilância Sanitária, que faz a coleta mas não tem análise quantitativa, só qualitativa”.

A falta de estrutura é tamanha que, no dia 5, na página eletrônica da Anvisa, havia uma pesquisa “com objetivo de identifi car laboratórios que atuam, no Brasil, com capa-cidade técnica para determinação quantitativa de Organismos Gene-ticamente Modifi cados em alimen-tos”. A pesquisa se estenderá até o dia 30, um mês depois da entrada em vigor da lei. Em São Paulo, os testes dos 11 produtos apreendidos pela Vigilância Sanitária também não identifi cava o percentual de conteú-do transgênico, apenas a presença de gene modifi cado nos alimentos.

Enquanto a lei não é cumprida pelas indústrias e fi scalizada pelo poder público, o diretor do Idec orienta os consumidores a fi scalizar a composição do produto e, no caso de dúvida, consultar a empresa para saber de onde vem a matéria-prima utilizada na produção. “Evitar os alimentos com soja não resolve o problema. Muitas pessoas são alér-gicas à lactose e necessitam de leite de soja”, lembra.

Safra modifi cada causa prejuízo no Rio Grande do Sul

milhões, em 2000. A importação de soja argentina também desabou: de 1,3 milhão de toneladas, em 1996, para 381 mil, em 2000. O período corresponde à implantação da soja transgênica em ambos os países.

A soja brasileira, considerada con-vencional nesse período, duplicou de 3,1 milhões de toneladas para 6,3 milhões nesses quatro anos. O próprio governo estadunidense re-conhece essa queda na exportação

de produtos transgênicos para a Europa. Segundo o departamento de agricultura dos Estados Unidos, o valor das exportações de milho para a União Européia caíram de 305 milhões de dólares para apenas

Bunge admite utilização de transgênicos

2 milhões de dólares por ano, desde a introdução do milho transgênico no país.

SEMENTES MENOS PRODUTIVASNo caso da baixa produtividade,

a explicação é simples: as semen-tes transgênicas são trazidas ile-galmente da Argentina e, portanto, não são adequadas ao solo gaúcho. “As variedades de soja desenvol-vidas para cultivo em regiões mais próximas ao pólo sul, adequadas ao pampa argentino, não se adap-tam bem a nosso ambiente, de dias mais curtos”, explica Melgarejo. Essa diferença de latitude faz com que aquelas variedades, quando cultivadas aqui, adiantem seu ciclo e cheguem à maturidade com um desenvolvimento menor do que se-ria possível com dias mais longos. Por isso, são menos produtivas e mais suscetíveis a qualquer tipo de estresse. Melgarejo aponta ainda que as sementes transgênicas são mais vulneráveis a instabilidades produtivas, como a seca e o ata-que de insetos. “O Rio Grande do Sul talvez houvesse colhido um milhão de toneladas a mais, na ausência do contrabando daquelas sementes”, avalia.

Agricultores que plantaram soja convencional terão menos perdas do que quem optou pelos transgênicos

Leon

ardo

Mel

gare

jo

Enquanto o poder público não faz a lei da rotulagem acontecer, os consumidores devem fi scalizar os produtos

Ren

ato

Sto

ckle

r

Page 9: BDF_58

Ano 2 • número 58 • De 8 a 14 de abril de 2004 – 9

SEGUNDO CADERNOALCAALCA

Jorge Pereira Filhoda Redação

“F echar o acordo nos oito meses que faltam é absolutamente im-

possível”, reconheceu o ministro Celso Amorim, dia 6, em debate na Câmara de Comércio dos Esta-dos Unidos, no Rio de Janeiro. A declaração foi feita após o fi asco da reunião de Buenos Aires, dia 1º, quando representantes do Mer-cosul, Canadá, Chile, Costa Rica, Equador, Estados Unidos e México não chegaram a um consenso sobre como prosseguir com as discussões. O impasse congela o calendário da implantação da Área de Livre Co-mércio das Américas (Alca), mas não elimina a possibilidade do acordo.

“O que fi cou claro é que não há processo de negociação, os Estados Unidos não querem ceder nada. Isso só reforça nossa luta para que os países saíam da negociação”, avalia Milton Viário, presidente da Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul e integrante da Cam-panha Brasileira contra a Alca. Três mil pessoas protestaram contra a reunião, na Argentina, e criticaram a falta de transparência do proces-so. Dos 34 países que negociam o acordo, apenas 14 nações estiveram representadas.

O encontro não consta do calendário ofi cial da Alca e foi convocado pelos Estados Unidos para dissolver as divergências com o Mercosul. Antes da reu-nião, representantes brasileiros e estadunidenses se encontraram em Washington e conseguiram um consenso: os países iriam res-tringir as negociações a propostas efetivas nos temas de agricultura e serviços – precedente temerário do governo brasileiro.

INFLEXIBILIDADEEm Buenos Aires, no entanto, os

EUA não fi zeram nenhuma propos-ta e travaram a reunião. “Os pró-prios EUA convocaram a reunião, mas não fi zeram proposta para

Claudia Jardimda Redação

O Brasil entrou para a lista dos países que “conduzem atividades secretas ou não-declaradas na área nuclear”. De acordo com o jornal estadunidense Washington Post, onde dia 4 foi publicada essa afi r-mação, o país tem vetado o acesso de inspetores da Agência Interna-cional de Energia Atômica (AIEA) à fabrica de enriquecimento de urâ-nio em Resende (RJ).

A tese, que compara o Brasil à Coreia do Norte e ao Irã (suspeitos de desenvolver armas nucleares), tem um objetivo claro: passar a idéia de que o país não cumpre o Tratado de Não-Proliferação Nu-clear (TNP) e, com isso, pressionar o governo brasileiro a ampliar o Protocolo Adicional de Inspeção da AIEA, que deve ser discutido em 2005. O deputado federal Ricardo Zarattini (PT-SP), da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, denuncia: “Como (os EUA) não estão cumprindo o tratado, que-rem justifi car essa desobediência colocando o Brasil também como não-cumpridor, ao lado da Coréia do Norte e do Irã”.

Aceitar tal acordo signifi caria, para José Luiz Santana, cientista nuclear e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, “garantir o direito dos inspetores internacio-nais entrarem no país quando qui-serem e nas instalações sem pedir

O JOGO DE INTERESSESO QUE PRETENDEM OS ESTADOS UNIDOS

• Ampliar o tratado que permite inspeção irrestrita às pesquisas e parques nucleares

• Ter acesso às novas tecnologias desenvolvidas pelo Brasil

ONDE É UTILIZADO O URÂNIO

• Medicina nuclear, indústria, aviação e energia. Para o Brasil, a produção de urânio enriquecido pode gerar uma economia de 19 milhões de dólares a cada 14 meses.

POTENCIAL ENERGÉTICO E AMEAÇAS

• com 3% a 5% de urânio enriquecido é possível gerar energia

• com 20%, pode-se mover um submarino

• com 95%, constróem-se bombas atômicas para destruição em massa

O QUE DIZ O TRATADO DE NÃO-PROLIFERAÇÃO NUCLEAR

• Não permitir de maneira alguma a proliferação de armas nucleares;

• Contribuir para a realização do desarmamento geral e completo, particularmente do desarmamento nuclear;

• Impedir que Estados transfi ram armas nucleares e outros explosivos para outro país; não ajudar na fabricação de armas nucleares e outros explosivos por nenhum Estado não-nuclear;

• Não fornecer materiais e equipamentos nucleares a Estados não-nucleares, exceto se os materiais em questão forem submetidos a salvaguardas da AIEA

ACORDO DESIGUAL

• O tratado permite duas categorias de Estados-Partes: os militarmente nucleares (China, EUA, França, Reino Unido, Rússia) e os militarmente não-nucleares (que, de acordo com o TNP, devem permanecer nessa condição).

Reunião termina em novo impasseEstados Unidos apostam em pressão de setores conservadores no Brasil para reverter falta de consenso

avançar. Então, qual é o jogo? Esse processo não tem sentido em conti-nuar”, avalia Viário. A análise é de que os Estados Unidos se mantêm infl exíveis, mas convocam novas reuniões para que setores conser-vadores pressionem os governos brasileiros e argentinos a recuar

– um movimento muito parecido com o que desencadeou uma série de reportagens na revista Veja e no jornal O Estado de S. Paulo a fa-vor da demissão do ministro Celso Amorim, em outubro.

A tática já está sendo comprova-da na prática. Logo após o fracasso

da reunião, grupos empresariais iniciaram uma ofensiva para exigir mais “fl exibilidade” do governo nas negociações. O jornal Valor Econômico, por exemplo, publicou reportagem intitulada “Agrone-gócio critica Itamaraty por travar Alca”. As declarações de represen-

tantes do agronegócio e do setor industrial são sinais de que o acor-do está longe de ser enterrado. “A partir de janeiro, vamos voltar a negociar e conseguir muita coisa”, declarou Maurice Costin, diretor de relações internacionais da Fe-deração das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Para Costin, depois das elei-ções nos Estados Unidos, a Alca voltará a ser negociada com força total, independentemente de quem for eleito, George W. Bush ou Jo-hn Kerry. Dia 6, o ministro Celso Amorim tinha enviado um docu-mento ao secretário de Comércio dos Estados Unidos, Robert Zo-ellick, sugerindo a retomada das negociações dentro dos parâme-tros da Alca light.

Aproveitando o impasse, os movimentos sociais latino-ame-ricanos prometem aumentar a integração de suas atividades para fortalecer a Campanha Continen-tal contra a Alca. Está marcado, para dia 23, em Buenos Aires, um encontro entre os coordena-dores das campanhas nos países do Mercosul. “Vamos aproveitar essa pausa para intensifi car as ar-ticulações e atualizar nossa forma de lutar contra o livre comércio”, explica Viário.

Se o acordo da Área de Livre Comércio das Amércias (Alca) parece paralisado, as negociações de um tratado de livre comércio entre Mercosul e União Européia estão em ritmo avançado. O chan-celer argentino, Rafael Bielsa, e o brasileiro, Celso Amorim, têm se referido às negociações com otimismo. Até o momento, nem parlamentares nem a sociedade têm conhecimento das propostas em jogo. Sabe-se, no entanto, que o acordo envolve as mesmas áreas de negociação da Alca, como ser-

viços, compras governamentais e investimentos.

“Da mesma forma que fomos cautelosos em relação à Alca, te-mos que ser em relação à União Européia. São todos iguais. Por-tanto, precisamos conhecer o con-teúdo das negociações”, comenta a deputada federal Maria José Ma-ninha (PT-DF). Para ela, é preciso prudência nesses acordos. “Não podemos deixar que a soberania nacional seja prejudicada”, avalia.

A julgar pelas declarações dos diplomatas do Itamaraty, o acordo

com os europeus está perto de ser fechado. Amorim crê que o tratado esteja acertado na próxima reunião de cúpula entre a América Latina e União Européia, em julho, na cida-de mexicana de Guadalajara.

Dia 6, em audiência na Câmara dos Deputados, o ministro Amo-rim não entrou em detalhes sobre as propostas, mas defendeu que a negociação seja feita com cautela. Amorim acredita que aceitar um acordo abrangente com os euro-peus ou os estadunidenses signi-fi ca se enfraquecer na negociação

da Organização Mundial do Co-mércio (OMC). “Não posso gastar todas as moedas da Organização Mundial do Comércio (OMC) nes-sas negociações, assim como não vou gastar com a União Européia”, afi rmou o ministro.

Amorim destacou a importância da conclusão de um acordo comer-cial fechado entre o Mercosul e a Comunidade Andina de Nações (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela). Segundo o ministro, o acordo aumenta a integração entre os países da América do Sul. (JPF)

Acordo com europeus ganha força

SOBERANIASOBERANIA

Urânio brasileiro está na mira estadunidense“vamos passar de importadores a exportadores”, afi rma Zarattini.

Hoje o minério de urânio ex-traído no Brasil é exportado para o Canadá e a Europa, onde é enrique-cido e importado novamente para o país. O urânio enriquecido será utilizado principalmente para gerar energia nas usinas nucleares de An-gra 1 e 2, além de algumas outras aplicações previstas no programa nuclear, como a medicina nuclear e a irradiação de alimentos.

Justamente por estar vinculada a “fi ns pacífi cos”, como determina a Constituição e o TNP, o governo federal divulgou uma nota qualifi -cando como “inaceitáveis” as ten-tativas de estabelecer paralelo entre o Brasil e os países que “conduzem atividades secretas” na área nucle-ar. O ministro de Relações Exte-riores, Celso Amorim, defendeu “o direito” de restringir alguns tipos de inspeções nucleares no país e disse que o Brasil está “cumprindo rigorosamente com suas obrigações internacionais”.

O Ministério da Ciência e Tecno-logia afi rmou, em nota ofi cial, que fi scais internacionais estiveram na INB no início do ano e que não foi permitido o acesso à centrífuga que produz o urânio enriquecido. “Tec-nologias industriais devem ser man-tidas sob sigilo porque têm valor co-mercial e signifi cam retorno fi nancei-ro em sistemas, programas, equipa-mentos”, defende o cientista José Luiz Santana. (Com Agência Brasil)

licença, nem sobreaviso, propostas que ferem a nossa cidadania”.

Com tal abertura, os Estados Unidos teriam acesso à tecnologia de enriquecimento de urânio que vem sendo desenvolvida no Brasil – para Zarattini, o principal interesse dos EUA. “Em muitos casos, como na siderurgia, nossa tecnologia é mais desenvolvida”, analisa o deputado.

O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) concorda: “O país tem o direito de preservar o que é resultado do empenho de engenheiros e técnicos, não sendo obrigado a expor esse patrimônio intelectual a qualquer in-teressado. O governo estadunidense e os países desenvolvidos utilizam seu conhecimento nuclear para fi ns bélicos; o Brasil, não”.

A deputada federal Maria José Maninha (PT-DF) acredita que, além do interese na tecnologia bra-sileira, as pressões estadunidenses podem “se tratar de retaliação por conta (das negociações) da Alca ou espionagem industrial” assim como ocorreu com os transgênicos.

AMEAÇA ECONÔMICAA contenda que começou antes

mesmo da inauguração da fábrica em Resende, prevista para julho, tem origens econômicas. O Brasil, dono da sexta maior reserva de urâ-nio do planeta, estimada em 309,3 mil toneladas, começaria a enrique-cer urânio a partir de maio de 2004, por meio das Indústrias Nucleares do Brasil (INB). Isso signifi ca que

Celso Amorim, participa de audiência conjunta da Comissão de Relações Exteriores e da Comissão Especial da Alca

José

Cru

z/A

BR

Page 10: BDF_58

De 8 a 14 de abril de 200410

AMÉRICA LATINA

da Redação

D epois de ver a pressão dos Estados Unidos, setores da opinião pública hondurenha

reagiram à decisão do governo de patrocinar uma moção contra Cuba perante a Comissão de Direitos Hu-manos da Organização das Nações Unidas (ONU), reunida em Gene-bra, na Suíça. O Comitê de Familia-res de Detidos-Desaparecidos em Honduras considerou “desonroso aceder em receber supostos benefí-cios da chamada Conta do Desafi o do Milênio, em troca de uma crítica a Cuba”.

Vários órgãos de imprensa da capital Tegucigalpa, como os jor-nais El Tiempo, La Tribuna e La Prensa de Honduras, publicaram a reação ofi cial de Cuba. O país de Fidel Castro classifi cou a de-cisão do presidente hondurenho,

Gimena Fuentesde Buenos Aires (Argentina)

Falando sobre a realidade lati-no-americana, o argentino Adolfo Pérez Esquivel avalia que a Alca irá trazer mais desemprego, fome e a perda da soberania nacional. Para ele, o governo brasileiro, que clas-sifi ca como “prudente” está lidando em campos minados, onde há os interesses das grandes corporações mundiais e a pressão do FMI. “Lula está tentando amenizar problemas profundos no Brasil, como a fome, a pobreza e a exclusão social”, justifi ca. Em entrevista, Esquivel também alerta que a luta não se resume à questão econômica, pois é necessário primeiro livrar-se da opressão cultural.

Brasil de Fato – Qual sua ava-liação da política dos Estados Unidos na América Latina?Adolfo Pérez Esquivel – A Alca vai trazer mais desemprego, mais fome e a perda de soberania. Um documento do Executivo argenti-no, levado à Câmara de Depu-tados em 20 de junho de 2001, ainda no governo de Fernando de la Rúa, pedia a entrada de tropas estrangeiras no país, sob o comando dos Estados Unidos. O texto diz que os inimigos são or-ganizações sociais, organizações não-governamentais, ou seja, o inimigo não é mais o comunismo internacional, mas o povo. O Brasil mandou tropas para parti-ciparem do exercício militar esta-dunidense na Argentina. Fizemos grandes mobilizações em Men-doza e impedimos as manobras, mas o plano conta com apoio dos nossos deputados.

BF – Quais estratégias os movi-mentos populares na América Latina podem adotar?Esquivel – O Fórum Social Mun-dial é uma forma, o Diálogo 2000 Jubileu Sul é outra. Há a consulta popular contra a Alca, a militarização e a dívida externa. E existe a necessidade de rever muito bem o que se chama de esquerdas, pois muitos setores de esquerda são funcionais para o sistema, para que nada mude.

BF – E o que é ser de esquerda?Esquivel – Não sei. Não gosto de rótulos. Quando falamos de es-querda, como opção às várias di-

Prossegue a campanha contra o envio de tropas brasileiras ao Haiti, com a coleta de assinaturas que circula em várias redes de soli-dariedade, entidades e movimentos de direitos humanos. Diversos inte-lectuais, do Brasil e do exterior, já se manifestaram, entre eles o histo-riador Mário Maestri.

Mário Maestri

A intervenção no Haiti objetiva restaurar os bons tempos do gover-no semicolonial de Papa e Baby Doc e aumentar a pressão sobre Cuba, Venezuela e Argentina, que se nega a pagar incondicionalmen-te a nota escorchante apresentada pelos banqueiros europeus e esta-dunidenses.

O drama colonial do Haiti apresenta pouco de novo, à exce-ção da esdrúxula ação do governo Lula da Silva que, sem consultar o parlamento nacional, verbalizou a intenção de enviar 1.100 homens e eventualmente dirigir, em no-me dos franco-estadunidenses, a segunda etapa da intervenção no país. Sempre sob a bandeira da ONU, é claro.

São conhecidos os objetivos

CUBACUBA

EUA mandam e Honduras acusaDe olho nos dólares estadunidenses, governo hondurenho aceita pressão e denuncia Cuba

na Comissão de Direitos Humanos da ONU

reitas que são os grandes capitais, e o neoliberalismo, é para sa-ber de que lado se está. É para ver se caminha junto ao povo, não à frente dele como querem muitos, mas construindo espaços de liberdade, de consciência crítica, de valores, de dignidade humana, de defesa dos direitos humanos, de construção cultural. A dominação não começa pelo econômico, mas pelo cultural. Se dominam culturalmente, está per-dido, porque aí vem a dominação econômica.

BF – Não falta uma análise eco-nômica?Esquivel – Um general dos EUA disse que 50% das guerras já começavam ganhas porque eles tinham conseguido a dominação cultural. Hoje, 98% dos fi lmes que passam na TV são estaduni-denses. Oferecem o pensamento único, senão teremos o abismo.

políticos da decisão irresponsável. O governo brasileiro almeja con-quistar o apoio estadunidense a sua reivindicação de ingresso como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, no caso de eventual reforma do organismo. A

proposta apóia-se no pretenso sta-tus internacional do Brasil.

TAMANHO NÃO É DOCUMENTOReivindicação que circunscre-

ve a imensa irresponsabilidade do governo e dos articuladores da po-lítica externa nacional. Atualmente, o governo Lula sequer detém o controle dos destinos da nação, rea-lidade materializada na incessante desnacionalização da indústria bra-sileira, na entrega do Banco Central a interventor do capital fi nanceiro mundial, na submissão rasteiras aos ditames do FMI.

Nessas condições, um hipotéti-co ingresso do Brasil como mem-bro permanente do Conselho de Segurança ensejaria apenas que os exércitos nacionais se transformem em guardas pretorianas do grande capital mundial. Realidade que fa-cilitaria eventuais intervenções em regiões da América Latina onde cresce a insurgência social e popu-lar, como a Argentina, a Bolívia, a Colômbia e a Venezuela.

Além de criminosa, a intenção do governo Lula é mesquinha. Ela planeja obter o bônus do apoio ao imperialista sem incorrer em qual-quer ônus, ao enviar tropas brasilei-

ras apenas após a “pacifi cação” da oposição popular ao governo fan-toche haitiano imposta pelo tacão militar franco-estadunidense.

Os soldados brasileiros desem-barcariam num Haiti ocupado, nos próximos meses, apenas para rea-lizar a sórdida e habitual repressão policial da população pobre. Espera-se, portanto, que não corram o risco de envolver-se em combates contra uma eventual resistência popular.

MÃOS SUJASA eventual participação do Bra-

sil na imposição armada de ordem semicolonial no Haiti manchará indelevelmente as mãos do governo Lula, do PT e dos partidos da alian-ça governamental com o sangue do povo haitiano, que já começa a ser vertido pelas tropas franco-estadu-nidenses.

Trabalhadores, democratas, as mulheres e os homens de bem do Brasil devem cerrar fi las na luta pelo respeito pleno e incondicional do direito de autodeterminação e contra qualquer participação na-cional na aventura imperialista, não importando qual bandeira sirva de mortalha para o crime que já se per-petra contra o povo haitiano.

ANÁLISEANÁLISE

Haiti-Brasil: o vermelho no negro

As manifestações individuais de repúdio ao envio de tropas brasileiras ao Haiti devem ser enviadas para:Presidente Luiz Inácio Lula da Silva – [email protected] Celso Amorim –[email protected]

Quem éO artista plástico argentino

Adolfo Pérez Esquivel, 73 anos, Prêmio Nobel da Paz de 1980, foi preso político da ditadura argen-tina. Além de lecionar na Univer-sidade de Buenos Aires, atua no Serviço de Paz e Justiça (Serpaj), que existe desde 1950. Preside a Liga Internacional pelos Direi-tos Humanos e a Libertação dos Povos, com sede em Milão, na Itália.

CONJUNTURACONJUNTURA

Pérez Esquivel critica reducionismo econômico

Contra isso são necessárias a consciência crítica e a resistência para gerar o pensamento pró-prio, por meio das identidades, valores, da memória, que não é para fi car no passado e sim para iluminar o presente e ver o que se pode construir no fu-

turo. Do contrário, fi camos num círculo vicioso. Se fazemos um reducionismo do ser humano e da sociedade, de que tudo pas-sa pelo problema econômico, estamos perdidos. E nós ainda acreditamos que há saída e que há esperança.

BF – E sua opinião sobre o gover-no Lula?Esquivel – Conheço Lula há 25 anos, do movimento sindical. Frei Betto diz que Lula chegou ao governo, mas não ao poder, no que há uma diferença substan-cial. Os governos anteriores dei-xaram muitos nós que não são fáceis de desatar, pois podem le-var a uma situação crítica, como na Venezuela. Há campos mina-dos, há os interesses das grandes corporações mundiais, a pressão do Fundo Monetário Internacio-nal (FMI), do Banco Mundial (Bird) e o Departamento de Es-tado dos Estados Unidos. Não é fácil avançar sem agudizar os confl itos. Lula está tentando ame-nizar problemas profundos no Brasil, como a fome, a pobreza e a exclusão social. Os discur-sos do presidente Lula tem sido muito prudentes (Red Accíon, www.anrede.org)

Ricardo Maduro, como “um gesto ignominioso”. O governo hondu-renho quer obrigar Cuba a receber representantes internacionais, com o fi m de verifi car a situação dos direitos humanos na ilha. Antes do anúncio hondurenho, o ministro cubano das Relações Exteriores, Felipe Pérez Roque, anunciou, em Havana, em entrevista coletiva, que o presidente de Honduras, Ricardo Maduro, teria aceitado a encomenda de Washington. O documento com os detalhes da petição dos Estados Unidos contendo acusações contra Cuba, distribuído para representan-tes diplomáticos de diversos países, foi divulgado por Pérez Roque, é quase idêntico à demanda movida por Honduras junto à ONU.

ESTRATÉGIA ANTIGA“Há 17 anos, Cuba batalha na

Comissão de Direitos Humanos

contra as cínicas tentativas do governo dos Estados Unidos de condená-la”, acusa Pérez Roque. Desde o governo de Ronald Re-agan, os Estados Unidos solici-taram junto ao órgão das Nações Unidas que condenasse Cuba por violações aos direitos humanos, supostamente aplicadas a cubanos que atuam como colaboradores in-ternos de regimes hostis a Castro.No entanto, os Estados Unidos nun-ca pedem a condenação ofi cialmen-

te, preferindo usar intermediários como a República Checa (durante a década de 1990) e, agora, Hondu-ras. “Cuba não aceita que seja acu-sada nesta Comissão de maneira arbitrária, politizada e discrimina-tória. Nem muito menos concorda que nesta Comissão os réus sejam sempre países do Terceiro Mun-do”, afi rma o ministro cubano.Na opinião do ministro, a estratégia estadunidense de acusar Cuba fren-te às Nações Unidas prosseguirá.

“A condenação de Cuba está sendo pedida em Genebra para justifi car os 45 anos de bloqueio e agressões que os Estados Unidos impõem contra o povo cubano”, explica Pérez Roque. Por 12 vezes consecutivas, a ONU contestou o bloqueio empreendido pelos EUA à ilha caribenha, sem que a Casa Branca tenha acatado o re-sultado das consultas aos países membros do organismo interna-cional. (Adital e Prensa Latina)

May

ela

Lope

z/A

FP

Cubanos se manifestam contra Estados Unidos, que há mais de 17 anos tentam condenar Cuba nas Nações Unidas

Niu

rka

Bar

roso

/AF

P

Page 11: BDF_58

De 8 a 14 de abril de 2004 11

INTERNACIONALIMPERIALISMOIMPERIALISMO

EUA têm presença militar em 134 paísesNo estrangeiro,

510 mil soldados estadunidenses

atuam em operações de combate, apoio

a diplomatas e treinamento de

exércitosJoão Alexandre Peschanski

da Redação

A s forças militares dos Esta-dos Unidos estão presentes em, pelo menos, 134 países

dos 192 existentes no mundo. Os soldados têm diversas atividades, como operações de combate, apoio a diplomatas e treinamento de mi-litares estrangeiros. A informação é do Centro de Pesquisa em Glo-balização (CPG), que tem sede em Montreal, Canadá, com base em documentos do Departamento de Defesa dos Estados Unidos.

O total de militares estaduni-denses, em março, era de 1.692.352, 30% dos quais no estrangeiro. Se-gundo o documento “Forças Mili-tares na Ativa por Região e País”, publicado pelo governo dos Esta-dos Unidos, há 34 soldados do país no Brasil: 4 da aeronáutica, 4 da in-fantaria, 6 da marinha e 20 marines (fusileiros navais). Até o fechamen-to desta edição, dia 6, a embaixada estadunidense não havia atendido a reportagem do Brasil de Fato para dar esclarecimentos sobre as ativi-dades desses militares.

A presença de forças armadas dos Estados Unidos varia muito de acordo com o país, podendo ir de um soldado, como no caso do Malauí, a 252.450, no Iraque. De acordo com estudos do CPG, em setembro de 2003 havia 358.605 militares estadunidenses na Ásia, 118.088 na Europa, 25.019 nas Américas (sem contar as tropas nos Estados Unidos), 8.516 na África e 591 na Oceania. Alguns países com os quais o governo es-tadunidense mantém boas relações diplomáticas abrigam milhares de soldados, como Alemanha, com 74.796 militares; Coréia do Sul, com 41.145; Japão, com 40.519; Itália, com 13.152 e Reino Unido, com 11.616.

“Esses números fazem dos Es-tados Unidos um império global como jamais visto. A hegemonia estadunidense é única porque consiste não no controle de gran-des territórios ou populações, mas em uma presença global maior do que a de qualquer outro país na história”, afi rma o professor es-tadunidense Laurence M. Vance,

membro do CPD. Segundo ele, a presença e a infl uência dos Esta-dos Unidos no mundo crescem a cada dia.

No fi nal de março, o Departa-mento de Defesa fez um pedido ao Congresso dos Estados Unidos para aumentar o limite de sol-dados que podem ser enviados à Colômbia para 800. Como parte do Plano Colômbia, ação militar estadunidense no país para com-bater o narcotráfi co e reprimir a resistência de grupos armados às políticas neoliberais, os Estados Unidos podem enviar 400 milita-res ao país. O congresso ainda não tomou uma decisão.

INVESTIMENTOS EM ALTASegundo o orçamento para

2004, o governo estadunidense estima gastar 379,9 bilhões de dó-lares com o Departamento de De-fesa, responsável por desenvolver a estratégia militar do país. Isso representa um aumento de 4,2% em relação ao ano passado. Para a Educação, em 2004, o governo dos Estados Unidos destinou 126,6 bilhões de dólares. Até 2010, o Departamento de Defesa estima gastar 2,7 trilhões de dólares em investimentos militares.

Jim Cason e David Brooksde Washington e Nova York (EUA)

Além das ameaças tradicionais na América Latina, como o narco-terrorismo, a corrupção e o crime organizado, o Pentágono está agora preocupado com o “populismo ra-dical”, no qual “se atacam, ao invés de se incrementarem, os direitos individuais”, disse o general James T. Hill, chefe do Comando Sul dos Estados Unidos.

Diante da Comissão das Forças Armadas da Câmara de Represen-tantes (equivalentes a deputados federais), Hill afi rmou que alguns líderes da região exploram com sentimentos antiestadunidenses “as profundas frustrações pelo fracasso das reformas democráticas em dis-tribuir bens e serviços” e em reduzir a desigualdade social e econômica.

Citou o Haiti, a Venezuela e a Bolívia, como exemplos de fo-cos anti-EUA, e assinalou que “a crise econômica argentina levou

a que muitos setores questionem a validade das reformas neolibe-rais”, mencionando o Consenso de Buenos Aires, fi rmado em outubro pelos presidentes Kirchner e Lula, que enfatizaram o “respeito pelos países pobres”.

O general Hill advertiu que os Estados da região são afetados por instituições débeis e economias em crise: “Isso pode levar a espaços e a povos ingovernáveis ou mal governados, à corrupção e ao clien-telismo”.

Ele acentuou que os militares latino-americanos “permanecerão sob pressão crescente desses fa-tores de estresse nos próximos anos”. Diante disso, “temos de manter e ampliar nossos contatos de militar para militar, para ins-titucionalizar de forma irrevogá-vel o caráter institucional dessas forças militares com as quais trabalhamos tão de perto nas últi-mas décadas”, disse. (La Jornada, www.jornada.unam.mx)

da Redação

Em um ano de guerra, os Esta-dos Unidos tiveram que retirar do território iraquiano 18 mil soldados por razões médicas, enquanto o número de mortos estadunidenses superou os 600, na maioria após o “fi m dos combates”, em maio do ano passado. O assessor do Departamento da Defesa, William Winkenwerder, afi rmou diante do Congresso, em Washington, que a maioria das retiradas foi por “roti-na de saúde”, embora o total, que inclui os feridos de guerra (calcu-lados extra-ofi cialmente em 3.400 pelo portal antiwar.com, seja dois terços maior do que o número de 11.200 anunciados 5 de fevereiro pelo mesmo funcionário.

Na mesma sessão do Congresso, quatro soldados da reserva do Exér-cito e da Guarda Nacional critica-ram as más condições de saúde para a tropa, inclusive quando feridos e doentes são repatriados. Disseram que foram enviados à guerra apesar de estarem com graves problemas

de saúde, que foram mal atendidos pelos médicos e que receberam tra-tamentos equivocados em hospitais estadunidenses. Esperaram meses para consulta, operação e tratamen-to. Afi rmaram que pelo menos dois suicídios ocorridos em bases do Pentágono poderiam ter sido evita-dos com um melhor acesso aos ser-viços de saúde mental. Queixaram-se de que não há indenizações por ferimentos ou doenças contraídas em serviço. O sargento reformado do Exército, Gerry Mosley, disse que “usam a gente, nos despojam de nossa dignidade humana, nos desrespeitam e se desfazem de nós quando o soldado não está mais com capacidade física ou mental para continuar combatendo”. Mosley foi ferido no pescoço por fogo de morteiro e repatriado no verão pas-sado (inverno no Brasil), tendo sido dispensado sem indenização. Agora sofre do mal de Parkinson e tem de percorrer 300 quilômetros cada vez que precisa consultar um es-pecialista. (Agência Prensa Latina www.prensa-latina.cu)

O MAPA DA DOMINAÇÃOSoldados dos Estados Unidos no mundo

menos de 50

de 50 a 1.000

de 1.001 a 10.000

mais de 10.000

Pentágono vê nova ameaça na AL

Washington retirou 18 mil soldados do Iraque

Os Estados Unidos têm, pelo menos, 702 instalações militares espalhadas em 48 países do mundo. Os dados provêm do “Relatório de Estruturas e Bases”, publicado em 2003 pelo Departamento de Defe-sa, mas, de acordo com Vance, o número de bases é mais elevado, pois o documento não contabiliza as que existem em países ocupados por tropas estadunidenses, como Afeganistão, Iraque e Kosovo. Ele estima que o total seja de mil insta-lações militares.

Segundo o relatório, há 5.904 instalações militares nos Estados Unidos e outras 96 em territórios administrados pelo país, como Guam e Porto Rico. No total, o Departamento de Defesa contro-la mais de 600 mil prédios e estru-turas, em mais de 1,2 mil quilô-metros quadrados (pouco menos do território da cidade de São Pau-lo). São 115 instalações conside-radas grandes, 115 médias e 6.472 pequenas.

Segundo Vance, algumas das instalações militares são tão gran-des que têm nove ônibus internos, como ocorre com a Base Anaconda, no norte de Bagdá, Iraque. Anacon-da ocupa 25 quilômetros quadrados e abriga 20 mil soldados.

Número de soldados estadunidenses em cada país

Fonte: Departamento de Defesa dos Estados Unidos

Resistência iraquiana consegue importantes vitórias na luta contra a ocupação estadunidense

Ahm

ad A

l-Rub

aye/

AF

P

Page 12: BDF_58

De 8 a 14 de abril de 200412

INTERNACIONALÁFRICAÁFRICA

Sean Jacobsespecial para o Brasil de Fato

de Nova York (EUA)

N o dia 14 de abril, os sul-afri-canos vão às urnas pela ter-ceira vez, na curta história

democrática do país, para eleger os 400 membros da Assembléia Na-cional, os 90 membros do Conselho Nacional das Províncias e os re-presentantes das nove assembléias legislativas provinciais. Ao mesmo tempo, votarão também para presi-dente da República.

De vários modos, o resultado pode ser facilmente previsto. Pri-meiro, o partido no poder, Congres-so Nacional Africano (CNA), que mantém relações muito próximas com o PT de Lula, provavelmente ganhará perto de dois terços dos votos nacionais. O CNA ganhou 252 cadeiras na eleição nacional de 1994, e aumentou este número para 266 na eleição de 1999.

O atual presidente da República e líder do CNA, Thabo Mbeki, en-trará em seu segundo e último man-dato com folgada maioria. O CNA também deverá ganhar em sete das nove províncias sul-africanas, in-cluindo Gauteng, centro industrial e fi nanceiro do país.

Nas duas províncias restantes, que se mantiveram fora do alcance do CNA até agora, o partido pode fazer governadores e obter maioria no legislativo depois das eleições. Em 1999, o CNA, concorrendo sozinho, quase derrotou a Aliança Democrática (DA), coalizão resul-tante da união dos dois partidos predominantemente brancos, o Par-tido Democrático (PD) e o partido responsável pela implementação do apartheid, o Novo Partido Nacional (NPN). Desde então, o NPN e o PD romperam, e o NPN juntou-se ao CNA.

A província de Kwazulu-Natal é atualmente governada pelo Partido da Liberdade Inkatha (IFP, sigla em inglês), do líder Mangosutho Bu-thelezi. Acredita-se que o Congres-so Nacional Africano teria ganho as duas últimas eleições lá, mas a ameaça de violência política da par-te de lideranças do Inkatha resultou numa aliança de conveniência en-tre o IFP e o Congresso Nacional Africano. O Inkatha, ajudado pelo governo do apartheid e por alguns grupos que apoiavam o CNA, en-volveu-se em uma potencial guerra civil no fi nal dos anos 80, já na cor-rida pela eleição de 1994.

Desde então o CNA formou, em Kwazulu-Natal, um governo de coalizão com o Inkatha, fi cando es-te último como parceiro principal. No entanto, líderes do CNA local acham agora que seu partido já não precisa do Inkatha. O Inkatha, por sua vez, deixou claro que quer governar com o Partido Democrá-tico. A violência tem prejudicado a campanha em algumas regiões da província.

Grande parte da cobertura que a imprensa faz das eleições fi ca centrada nessas alianças, no ba-te-boca e na troca de acusações entre os diferentes partidos em campanha. O grande tema da mí-dia é o receio da oposição branca de que o CNA queira usar sua pro-jetada maioria de dois terços para transformar a África do Sul num Estado de partido único; e emen-dar a constituição de modo a dar a Mbeki seu terceiro mandato de presidente. A Aliança Democráti-ca, muito consciente do temível efeito que isso pode ter sobre os eleitores brancos, e do racismo re-

Sul-africanos podem reeleger neoliberalPartido do presidente Mbeki, candidato à reeleição, obterá maioria; política econômica agravou pobreza

ÁFRICA DO SULLocalização: África Austral (do Sul)Nacionalidade: sul-africanaPrincipais Cidades: Pretória (capital administrativa), Cidade do Cabo (capital legislativa), Bloemfontein (capital judiciária); Johannesburgo, Durban, Port ElizabethLínguas: inglês, africâner, xhosa, zulu, sotho, entre outras ofi ciais Divisão política: nove provínciasRegime político: república presidencialistaPopulação: 44 milhõesMoeda: randReligiões: cristã, hindu e islâmicaHora Local: + 5Domínio na internet: .zaDDI: 27

Dez anos sem apartheid ofi cialAs eleições gerais da África do Sul coincidem com os dez anos do fi m do apartheid no país. A data nacional da República sul-africana, chamada Dia da Liberdade, é 27 de abril. Há dez anos era extinto ofi cialmente o regime de segregação racial instituído pela minoria branca e conhecido como apartheid, que dominou no país por mais de meio século. O Congresso Nacional Afri-cano (CNA), partido do atual pre-sidente Thabo Mbeki, segundo líder negro eleito democraticamente (o primeiro foi Nelson Mandela), teve participação lendária no combate ao apartheid desde os anos 40 até sua derrubada fi nal, e abrigou líde-res como Nelson Mandela, Walter Sisulu e Stephen Biko, heróis da re-sistência sul-africana.

“Sem terra, sem voto” O movimento dos sem terra da África do Sul — Landless Peoples Movement (LPM) — lançou uma campanha de boicote às eleições presidenciais deste ano. O Movi-mento exige que o governo tome medidas imediatas em favor da reforma agrária. Em novembro do ano passado, o LPM divulgou um manifesto em forma de carta-aberta ao presidente Thabo Mbeki. O governo de Mbeki é duramente criticado pelos movimentos sociais locais por sua promoção de políticas neoliberais que ignoram uma refor-ma agrária ampla e justa. Cerca de 65 mil brancos (menos de 1% da população) detêm mais de 80% das terras férteis sul-africanas. O slogan da campanha de boicote é “Sem terra, sem voto”.

Remédio em troca de voto:No dia 2 de abril, o governo sul-africano começou a distribuir gratuitamente remédios para a Aids. Filas enormes formaram-se nos hospitais de Johannesburgo. A medida foi criticada pela oposi-ção como eleitoreira. A administra-ção de Thabo Mbeki ignorou duran-te anos o grave problema de saúde pública acarretado pela Aids no país. O número de infectados pelo HIV (5 milhões) é o mais alto do mundo. A organização Campanha de Ação pelo Tratamento estava prestes a entrar na Justiça contra o governo pelo atraso na distribuição dos anti-retrovirais. Os ativistas calculam que apenas 2,7 mil pes-soas receberam medicamentos até agora, quando a meta do governo era atingir 53 mil pessoas.

NOTAS da ÁFRICA DO SUL

sidual nas comunidades brancas, segue martelando o tema.

Embora não haja nenhuma evi-dência de tais intenções da parte do CNA, e de os líderes da organi-zação, inclusive Nelson Mandela, terem tratado como absurdos esses receios, a oposição conseguiu trans-formar o tema numa séria questão pública. Na semana passada, Mbeki foi forçado a refutar publicamente essas alegações em sua carta sema-nal, no site do CNA.

Enquanto isso, as questões mais prementes da eleição acabam fi can-do à margem. O país tem talvez o mais rápido crescimento da taxa de infecção por HIV, com cerca de 5 milhões de infectados pelo vírus do HIV/Aids entre os 44 milhões de habitantes do país, segundo esti-mativa da Campanha de Ação pelo Tratamento, o maior grupo ativista em Aids da África do Sul. A espan-tosa recusa do governo a encarar a crise e os grupos ativistas levou os partidos de oposição a exigirem que Mbeki demitisse seu intransigente ministro da Saúde.

Atualmente a África do Sul é a terceira sociedade mais desigual do mundo (as outras duas são Guate-mala e Brasil). A maioria das esti-mativas calcula entre 45% e 55% o índice de pobreza da população. A taxa de desemprego atinge apro-ximadamente 40%. Sessenta e um por cento dos “africanos” (para usar a expressão que o apartheid deixou tragicamente em destaque) são po-bres se comparados a um em cada cem brancos.

A política inicial do CNA para responder à desigualdade econômi-ca e ao desemprego, que se seguiu às históricas eleições de 1994, foi traçar um plano de desenvolvimen-to, o Plano de Desenvolvimento e Reconstrução, junto com a socieda-de civil, os sindicatos e os econo-

mistas progressistas.No entanto, guiado pelas reco-

mendações do Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial, e ameaçado pela fuga de capitais, dois anos depois o governo estabeleceu um modelo macroeco-nômico voltado para o mercado, política chamada de “Crescimento, Emprego e Redistribuição” (CER). O CER promoveu a “abertura da economia”, tendo como motores do crescimento o relaxamento do controle cambial, o investimento estrangeiro e as privatizações.

Como era de se esperar, o CER conduziu a um crescimento apenas modesto; e o prometido investi-

mento estrangeiro não apareceu. Patrick Bond, economista político de esquerda, observou que a Áfri-ca do Sul perdeu mais empregos no setor formal desde 1994 do que qualquer país em períodos históricos que não os de guerra ou depressão econômica. A reforma agrária está congelada; cerca de 3 milhões de pessoas são sem-teto, 18 milhões carecem de saneamento básico; e a privatização signifi cou apenas que milhões mais correm o risco de perder o acesso à água, pela qual não podem pagar.

Segundo Ashwin Desai, analis-ta que vive na cidade portuária de Durban, “o setor formal vem redu-

Congresso Nacional Africano pode ganhar em 7 das 9 províncias

Reforma agrária está congelada; 3 milhões são

sem-teto

zindo empregos em larga escala há anos; muitos dos supostos ganhos na área de empregos ocorreram no setor informal, tão apreciado pelo Banco Mundial e por outros que pretendem transferir cada vez mais para o pobre a responsabilidade pe-la pobreza”.

Citando o jornalista econômico Duma Gqubule, que escreve na re-vista fi nanceira Financial Mail, De-sai diz que 14% dos trabalhadores do setor informal não ganham nada, e deveriam ser reclassifi cados co-mo desempregados; 54% ganham menos do que 500 rands por mês (“rand” é a moeda sul-africana; 500 rands equivalem a cerca 65 dólares ou 195 reais, aproximadamente); e 75% ganham menos do que mil rands (390 reais, aproximadamen-te). Gqubule conclui que “na pior das hipóteses, o setor informal é quase escravidão, ou desemprego disfarçado. Na melhor das hipóte-ses, é subemprego”.

Desai também observa que, em-bora a elite negra tenha enriquecido rapidamente, e os brancos pobres tenham também se tornado mais pobres desde 1994, “o fato é que, em geral, os brancos se tornaram mais ricos e os negros, mais po-bres”.

“A própria agência de pesquisas do governo conclui que, em termos reais, a renda média do “africano” negro diminuiu 19% entre 1995 e 2000; enquanto que a renda média do branco subiu 15%. Pelo viés das distinções raciais, a metade mais pobre de todos os sul-africanos ga-nha apenas 9.7% da renda nacional, 11,4% menos do que em 1995”, conclui Desai.

Sean Jacobs, 35 anos, é jornalista e pesquisador

sul-africano, doutorando em ciências políticas na

Universidade de Londres. É colaborador do Brasil de Fato

para assuntos de África.

Jacq

ues

Col

let/A

FP

lThabo Mbeki, em campanha à reeleição pela presidência da África do Sul

Mangosutho Buthelezi (esq.), líder do oposicionista partido Inkhata

ÁFRICA DO SUL E SUAS PROVÍNCIAS

AF

P

Page 13: BDF_58

De 8 a 14 de abril de 2004 13

AMBIENTE

Erik Schunigde Vitória (ES)

D omínio dos recursos hídricos de uma extensa região causa graves impactos sócio-am-

bientais, sem qualquer custo para a empresa, e consome uma quantida-de de água equivalente ao consumo de 2,5 milhões de habitantes. Essas são as conclusões do relatório sobre os impactos de apropriação dos re-cursos hídricos pela empresa Ara-cruz Celulose nas terras indígenas Tupiniquim e Guarani. O estudo, apresentado dia 23 de março, foi realizado pela Associação de Geó-grafos Brasileiros – seção Espírito Santo (AGB-ES).

O estudo, feito a partir de um pedido das comunidades Guarani e Tupiniquim do município de Aracruz, foi elaborado durante seis meses, nas áreas dos rios Sahy, Guaxindiba e Doce, localizados no Norte do Espírito Santo. É um instrumento a ser utilizado pelas comunidades indígenas ao aditivo de conduta do acordo, feito em 1998, com a empresa Aracruz Ce-lulose. O trabalho deve ser enviado aos órgãos ambientais competentes, ao Ministério Público Estadual e à empresa Aracruz Celulose.

Nesse aditivo, a empresa se compromete a realizar um estudo técnico sobre a recuperação total dos rios Guaxindiba e Sahy, im-portantes para a sobrevivência das comunidades indígenas. O diretor da AGB-ES, Paulo Scarim, diz que a entidade foi chamada pelos índios para acompanhar esse estu-do técnico. Segundo ele, o estudo realizado pela Aracruz era apenas de recuperação de um trecho de três quilômetros no Rio Sahy, e não a recuperação total dos rios, como estava estabelecido no acordo.

SEDE VERSUS PRODUÇÃODe acordo com a empresa Ce-

pemar, que realizou o Estudo de

Rafael Evangelistade Londres (Inglaterra)

Desceram pelo ralo os planos da Coca-Cola de conquistar o mercado britânico de água engarrafada. Pou-co depois de introduzir na Grã-Bre-tanha a marca Dasani, a segunda no mercado estadunidense, a empresa foi obrigada a recolher mais de 500 mil garrafas, após a identifi cação da presença de bromato, um sal potencialmente cancerígeno, em níveis superiores aos permitidos pela lei. Na semana anterior, a em-presa já havia sofrido outro golpe, sendo obrigada a admitir que a água contida nas garrafas de Dasani vem das torneiras e não diretamente de fontes naturais.

Do outro lado do mundo, na Índia, a empresa enfrenta, desde o começo do ano, acusações ainda mais graves. Foram identifi cados no seu produto-chefe, a Coca Cola, pesticidas em níveis 30 vezes maio-res do que os permitidos pela União Européia. Os testes foram realiza-dos por institutos independentes e pelo próprio governo indiano.

MERCADO MILIONÁRIOO brometo foi parar nas garrafas

de Dasani britânicas para que fosse cumprida uma lei que obriga as em-presas de água a adicionarem cálcio em seus produtos. Para fazer isso, a Coca-Cola adicionou cloreto de cálcio na água. O cloreto, que cos-tuma carregar traços de brometo, transformou-se em bromato após o processo de ozonização, uma técni-ca de purifi cação da água.

Depois da denúncia, a Coca-Co-la decidiu abortar a entrada no mer-cado britânico da marca Dasani. A

ÁGUAÁGUA

Estudo realizado em áreas de três rios comprova que a empresa de celulose domina os recursos hídricos do Espírito Santo

Aracruz provoca seca em terras indígenas

Edelvira Turetta, representante da Fundação Nacional do Índio (Funai), disse que o órgão apóia a decisão dos índios de exigir a re-cuperação total dos rios. A Funai deve solicitar, junto ao Ministério Público Federal, que a empresa Aracruz Celulose cumpra o acor-do estabelecido com as comunida-des indígenas.

O representante do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Sebastião Ribeiro, disse que já existe uma ação civil con-tra a empresa Aracruz Celulose, a Prefeitura de Aracruz, o próprio Ibama e a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, relacionada à

transposição do Rio Doce. Já o secretário de Meio Ambiente do Espírito Santo, Fernando Schetti-no, disse que a atitude do órgão vai ser a de analisar o documento para, só então, verifi car quais me-didas podem ser tomadas.

O diretor de meio ambiente da Aracruz Celulose, Carlos Alberto Roxo disse ter conheci-mento do relatório, mas que até o momento o trabalho não tinha sido enviado à empresa. Ele pretende analisar o documento, mas afi rma que a empresa não tem participação em qualquer impacto sócio-ambiental nas comunidades indígenas.

Coca-Cola vende água com brometo na Inglaterra

empresa já está presente no merca-do de água engarrafada da região com a marca Malvern. Os prejuízos devem ser grandes, já que a Coca-Cola gastou quase 13 milhões de dólares na promoção do produto

e pretendia vender 65 milhões de dólares em 2004. O mercado de água na Grã Bretanha tem crescido a uma taxa de 20% ao ano.

Os planos de entrar ainda este ano com a marca na França (um dos

maiores mercados de água engarra-fada do mundo) e Alemanha estão mantidos, segundo a empresa. Os grandes vendedores de água engar-rafada na Europa hoje são a Nestlé e a Danone.

DA TORNEIRA PARA A GARRAFAO processo de “purifi cação” de

água da Coca-Cola traz mais prejuí-zos do que benefícios. A torneira a partir da qual a transnacional enche os vidros de Dasani, localizada em uma das plantas de produção da empresa na Grã-Bretanha, oferece uma água aprovada em 99,9% dos testes de qualidade. Foi o processo industrial que adicionou a substân-cia cancerígena. Além disso, a água dessa torneira é substancialmente mais barata. Dentro da garrafa, ela custa 3 mil vezes mais do que ao sair da torneira.

Uma avaliação da companhia independente de pesquisa Canadean mostrou que, de cinco garrafas de água presentes nas prateleiras em todo o mundo, duas não passam de água de torneira submetida a pro-cessos de fi ltragem. Marcas como a Pure Life, da Nestlé, e Aquafi na, da Pepsi, são, no mercado europeu, ró-tulos para água de torneira fi ltrada.

REFRIGERANTE COM PESTICIDASorte pior têm os países sub-

desenvolvidos. Denúncia feita por organizações não-governamentais indianas – e confi rmadas por testes governamentais – mostram que as duas principais marcas de refrige-rante tipo cola operando no país, a Coca e a Pepsi, estão contaminadas por pesticidas, incluindo DDT.

Em um dos locais, Kerala, o pesticida pode ter vindo da própria

Coca-Cola, que doou resíduos de produção aos agricultores. Assim, o solo e os lençóis subterrâneos, tam-bém utilizados pela empresa para a produção de refrigerante, acabaram contaminados.

Nessa mesma região, a Coca-Cola está proibida legalmente de continuar utilizando água até junho, quando começa o período de chuvas. A produção de refrigerante estava secando as reservas de água locais. A empresa sugava, diariamente, 1 milhão e meio de litros de água para a produção de refrigerante.

GREVE VITORIOSAOs trabalhadores das fi liais co-

lombianas da Coca-Cola iniciaram o diálogo com a administração da empresa, encerrando a greve de fome de 12 dias. Participaram do jejum cerca de 30 pessoas, envol-vendo as unidades da Coca-Cola em todo o país. O ato tinha como objetivo o fi m das perseguições da Coca-Cola colombiana aos sindica-listas que lutam contra a anulação dos contratos de trabalho coletivos, sob a direção do Sindicato Nacio-nal de Trabalhadores da Indústria de Alimentos (Sinaltrainal).

O acordo que pôs fi m à greve de fome deve permitir, a princípio, a recolocação dos trabalhadores despedidos pelo fechamento de 11 fábricas em todo o país. A empre-sa também se comprometeu a não executar represálias contra os par-ticipantes da jornada e a revogar as sanções impostas. Os participantes da greve de fome devem ter o trata-mento médico de recuperação cus-teado pela empresa. (Planeta Porto Alegre e Adital, www.planetaportoalegre.net/ www.adital.com.br)

Impacto Ambiental da terceira fá-brica da Aracruz Celulose, o con-sumo de toda a atividade industrial é de 248 mil metros cúbicos de água ao dia.

Se levar em consideração o con-sumo médio de 100 litros diários

de água por pessoa (índice abaixo do registrado nos países desenvol-vidos), a Aracruz Celulose gasta o equivalente ao consumo de 2,5 mi-lhões de habitantes. Trata-se de qua-se mais de 80% do total do consu-mo humano do Espírito Santo, cuja

população é de pouco menos de 3,1 milhões de pessoas.

A partir desse diagnóstico, a AGB-ES se propôs a realizar um estudo detalhado das condições desses dois rios. Mostra também o que deveria ser feito para recu-perá-los. O estudo ainda abrange a área onde houve a transposição do rio Doce, destinado ao abas-tecimento da terceira fábrica da Aracruz Celulose.

De acordo com Scarim, a AGB-ES chegou à conclusão de que a empresa domina a maior parte dos recursos hídricos da região onde es-tão localizadas as aldeias indígenas. Essa situação foi causada devido ao controle de 90% das terras localiza-das no entorno das áreas indígenas. A Aracruz Celulose detém o uso da água para crescimento e irrigação de seus plantios de eucaliptos, in-fl uencia no crescimento urbano do município de Aracruz e determina o consumo de água da região para

o funcionamento de suas três fá-bricas. “Quando a empresa exporta celulose, ela está exportando toda essa quantidade de água sem pagar, já que tem o domínio dos recursos hídricos”, ressalta.

SECA NAS ALDEIASPara os índios Tupiniquim da

aldeia de Irajá, localizada na re-gião onde foi feito o estudo, água é um recurso cada vez mais escasso. O cacique da aldeia, Nilson Joa-quim da Silva, afi rma que a sua comunidade já está sofrendo com a falta d’água, e o pouco que resta vem com mau cheiro e de cor aver-melhada.

Silva diz que a única saída foi cavar poços em outros lugares, já que a água que chega à aldeia nin-guém consegue beber. Ele afi rma que essa situação já dura cinco me-ses e, apesar de comunicar várias vezes à Prefeitura do município de Aracruz, nada foi resolvido.

Ação civil denuncia culpa de empresa e autoridades

Indianos protestam contra a Coca-Cola por usar pesticidas em seus refrigerantes

Indr

anil

Muk

herje

e/A

FP

Retrato do desatre ambiental causado pela Aracruz Celulose em terras indígenas

Page 14: BDF_58

De 8 a 14 de abril de 200414

DEBATERUMOS DO GOVERNORUMOS DO GOVERNO

Plínio de Arruda Sampaio

E nquanto o noticiário sen-sacionalista sobre crimes estampava fotografi as de

negros, mulatos, cafuzos e bran-cos pobres, ninguém tomou a menor providência para defen-der a imagem dessas pessoas. Negro, mulato, cafuzo e branco pobre é sempre suspeito. Alguma aprontou...

Mas bastou que os acusados passassem a ser deputados, se-nadores, juizes, banqueiros e em-presários, para que surgisse logo um projeto de lei para impedir delegados, promotores e juizes

de fornecer informações sobre os processos. Projeto este que passa agora a ser apoiado até por seto-res do Partido dos Trabalhadores e dentro do governo do presiden-te Luiz Inácio Lula da Silva.

O projeto é inconstitucional porque fere um dos pilares da ordem democrática: a exigência de publicidade dos atos judiciais, colocada no texto da Constitui-ção, para impedir a condenação de inocentes e a absolvição de culpados.

Além de inconstitucional, é iní-quo, porque, para eximir os cor-regedores da polícia, do Ministé-rio Público e da Justiça do dever

Contra a Lei da Mordaça

José Genoino

A instituição do Ministério Público representou uma conquista inestimável ao

aperfeiçoamento da democracia brasileira. Reforçou também um aspecto fundamental do apare-lhamento republicano do poder ao conferir ao Judiciário mais autonomia e mais capacidade de controle sobre os demais poderes. Mas uma compreensão correta do arcabouço institucional republica-no implica concebê-lo como um sistema de poderes autônomos, complementares, contrapostos e mutuamente limitados por freios e contrapesos. Nessa concepção, os três poderes – Executivo, Legis-lativo e Judiciário – se controlam entre si e por decorrência da doutrina democrática, devem ter algum tipo de controle social. É a partir dessa compreensão teórica que deve ser entendido o debate atual acerca da necessidade de instituição de controles externos sobre o Judiciário e sobre o Minis-tério Público.

Algumas práticas levadas a efeito por membros do Ministério Público reforçam a percepção da necessidade de se erigir esses controles externos. Dentre essas práticas irregulares, destaca-se a atuação de alguns procuradores envolvendo o caso Waldomiro Di-niz e a tentativa de obtenção da fi ta motivadora da denúncia junto ao empresário do jogo, Carlinhos Cachoeira.

Antes que paire qualquer tipo de dúvida ou de distorção delibe-rada de fatos e argumentos, cabe reiterar que, para o PT, o caso Waldomiro Diniz é grave, precisa ser apurado até o fi m e os rigores da lei precisam ser aplicados. Di-to isto, cabe estabelecer uma peti-ção de princípios: a investigação de uma ilegalidade não pode ser contra a lei.

O poder não pode usar quais-quer meios para atingir seus fi ns. Isto representa o reino do arbítrio, contraposto à democracia, que, por defi nição, expressa o impé-rio da lei. Até porque quando uma investigação não segue os

princípios da lei ela será anulada pelo Judiciário, além de estimular a impunidade.

O teor da conversa grava-da entre o subprocurador José Roberto Santoro com Carlinhos Cachoeira representa exatamente esse rompimento do legal e uma deturpação das atribuições cons-titucionais do Ministério Público. Quando a legislação brasileira, corretamente, adotou uma prá-tica consagrada pelo direito italiano de benefi ciar o criminoso que colabora com a Justiça na investigação de crimes, o fez exatamente para elucidar atos criminosos.

O que a gravação da con-versa do subprocurador da República com o empresário do jogo revela, no entanto, é outra coisa. Na conversa, o foco não era a investigação das ações de Waldomiro Diniz na Loterj e suas supostas ligações com outros ilícitos. O foco da conversa con-sistia em como atingir o ministro da Casa Civil, José Dirceu, e o governo federal. Todo o enfoque

O Ministério Público e a democracia

de punir disciplinarmente aqueles poucos membros que, se excedam nas declarações à mídia, estende a todos uma proibição vexatória, porque fundada na presunção de irresponsabilidade.

As associações de delegados, promotores e juizes precisam reagir. A Ordem dos Advoga-dos do Brasil precisa encampar esse protesto. O projeto de Lei da

Mordaça precisa ser repudiado energicamente pela cidadania, porque faz parte de um movimen-to geral que visa esconder dela o traço mais repelente da política neoliberal: o contubérnio entre as altas autoridades do Estado e os altos executivos do mundo dos negócios.

Se, com publicidade e tudo, verdadeiros assaltos contra o pa-

trimônio público são cometidos freqüentemente, imagine-se o que acontecerá na hora em que juizes, promotores e delegados não pu-derem prestar informações ao pú-blico a respeito do andamento dos inquéritos e processos criminais.

Plínio de Arruda Sampaio é advogado e diretor do jornal

Correio da Cidadania

da conversa não era criminal, era político. O que o procura-dor visava não era investigar e esclarecer um crime, mas criar um processo político contra o governo e o ministro, cujo instru-mento último e legalizador dessa urdidura seria a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado.

O caráter conspi-ratório e clandes-tino da ação do subprocurador está inequivoca-mente testemunha-do na própria con-versa: feita na hora suspeita da madruga-da, o subprocurador es-tava tomado de precauções para que o procurador geral da República não tomasse conhecimento do desenrolar dos fatos. Como pode ter pretensão de normalidade e de legalidade uma ação de um subprocurador que é feita à reve-lia da instituição e às escondidas de seus superiores hierárquicos? A operação envolvia também um delegado da Polícia Federal. Nem a instituição policial e nem seus superiores hierárquicos esta-vam informados dessa ação.

O caráter clandestino e não institucional de ações de setores do Ministério Público e da Polícia Federal revela o grave perigo a que o sistema democrático está exposto e que pode afetar a própria proteção dos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. Ou seja, em nome de uma investigação, violam-se as garantias fundamentais dos cidadãos e armam-se conspira-ções de natureza política. Não apenas usam-se fi ns ilícitos e ilegais em nome de uma falsa legalidade, mas falsifi ca-se os próprios fi ns que justifi caram a adoção do Ministério Público, instituição tão importante para o funcionamento adequado da democracia.

O que está em jogo nessa extrapolação de poderes não é o PT, o governo ou a crise. O que está em jogo é o funcionamento de um princípio da democracia. O que não pode mais continuar existindo é essa atuação parale-la, não institucional de membros do Ministério Público e da Polícia Federal. O Ministério Público não pode ser braço político, nem do

governo e nem dos partidos. A regulamentação de funções e o controle público são remédios que precisam ser aplicados de forma urgente para impedir que amanhã práticas ilegais, como estas, não causem um prejuízo ainda maior à democracia.

José Genoino é presidente nacional do PT

Kip

per

Kip

per

Kip

per

Kip

per

Page 15: BDF_58

NACIONAL

LIVROAlém do Golpe Escrito pelo historiador Carlos Fico, a obra traça uma espécie de mapa do período que antecede os 20 anos de ditadura militar no país. Assim, Além do Golpe: Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Dita-dura Militar transporta o leitor pa-ra a agitada conjuntura nacional e traz à cena grandes personalidades da época, com detalhes de momen-tos decisivos na história do Brasil. Valor: R$ 32,90. Mais informações: (21) 585-2000

DISTRITO FEDERAL

2º SEMINÁRIO NACIONAL DE JUÍZES, PROCURADO-RES, PROMOTORES E ADVO-GADOS ELEITORAISDe 12 a 14O tema do evento é “Cidadania e Combate à Corrupção Eleitoral”. Entre os debatedores estarão Cláu-dio Lemos Fonteles, procurador-geral da República; Aristides Jun-queira Alvarenga, advogado e ex-procurador-geral da República; e Nelson Jobim, ministro vice-presi-dente do Supremo Tribunal Federal.Local: Procuradoria Geral da Re-pública, SAFS - Quadra 4 - Con-junto C - Lote 01, BrasíliaMais Informações: www.lei9840.org.br(61) 313.8327

MINAS GERAIS

2º SEMINÁRIO INTERNACIO-NAL DE EDUCAÇÃODias 17 e 18O seminário terá palestras e me-sa-redonda voltadas ao aperfei-çoamento dos profi ssionais de educação, por meio do contato com novas práticas pedagógicas e metodologias apresentadas por educadores do Brasil e do mundo. Paralelamente ao seminário, ocor-rerá a Feira de Educação, com as principais empresas fornecedoras de serviços e produtos especializa-dos para o setor.Local: Auditório do Minascentro, Av. Augusto de Lima, 785, Belo Horizonte Mais informações: (31) 3261-3870

RIO DE JANEIRO

SEMINÁRIO - AVALIAÇÃO DO GOVERNO LULADias 13 e 14 O objetivo é realizar um balanço do governo e de como a sociedade civil respondeu aos desafi os en-frentados pela administração Lula. O seminário enfocará algumas

políticas específi cas, em especial a econômica. Será dividido em qua-tro blocos: três trazem um diag-nóstico elaborado por organizações não-governamentais (ONGs) sobre o período de um ano e meio de governo e o último organiza es-tratégias de intervenção. O debate não é com o governo, mas entre as ONGs e demais parceiros.Local: Hotel Novomundo, Praia do Flamengo, 20, Rio de Janeiro Mais informações:[email protected], (11) 3237-2122, ramal 4

SÃO PAULO

ATO EM SOLIDARIEDADE À REVOLUÇÃO BOLIVARIANA Dia 12, às 19h As reivindicações do ato são: “Em defesa da democracia na Venezuela e do governo Hugo Chávez e con-tra a ingerência do governo George Bush e contra a ação dos golpis-tas”. Durante a atividade, que terá a presença de representantes da delegação venezuelana, será exibi-do o fi lme: “A revolução não será televisionada”. Local: Auditório do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo, R. Ge-nebra, 25, São PauloMais informações: (11) 3113-2600

OFICINA - ÁFRICA E DIÁSPORAS AFRICANAS FRENTE AOS DESAFIOS DO SÉCULO 21Dia 13Promovido pelo programa de pós-graduação em história da PUC-SP e pela Casa das Áfricas, o workshop vai debater os desafi os enfrentados pelo mundo africano e pelas diásporas diante dos desafi os políticos, econômicos e culturais no século 21. Entre os temas estão a situação da África frente às duras realidades da geopolítica interna-cional e a relação da desigualdade,

De 8 a 14 de abril de 2004 15

[email protected]

A Revolução de Outubro de 1917 constituiu o ponto de par-tida para uma nova etapa da lite-ratura russa. A revolução detinha o poder político, mas restava a sua consolidação. E a literatura, como um dos segmentos-força da nova sociedade, deveria participar do trabalho de educação política, principalmente dos jovens. Isso seria feito pela divulgação em massa dos novos valores da nova sociedade, enfatizando as neces-sidades políticas, educacionais, econômicas, culturais etc. E isso foi feito, fazendo surgir, assim, o chamado realismo socialista.

Nikolai Ostrovski (1904-1936), um dos escritores mais notáveis dessa época, um dos mestres “espirituais” da juventu-de russa, foi o autor da obra que seria uma das mais conhecidas expressões desse processo: Assim foi temperado o aço. Tratava-se de literatura empenhada em au-xiliar o Estado revolucionário a educar racionalmente seus jovens,

Educação racional da juventude russa

ções a coragem e a confi ança em sua missão de formar e consolidar o Estado soviético.

Coragem, confi ança, garra, vontade e tudo o mais necessá-rio para que sua missão fosse cumprida era o que não faltava a Pavel, personagem principal dessa obra, que lutou até mesmo quando suas condições não mais permitiam.

CONFIRA

Assim foi temperado o açoNikolai Ostrovski

512 páginas, R$ 15Editora Expressão Popular

R. Abolição, 266, Bela Vista, São Paulo – Tel. (11) 3112-0941

www.expressaopopular.com.br

SEMINÁRIO - DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO E PAPEL DO ESTADODias 14 e 15Promovido pela CUT, o seminário vai debater o desenvol-vimento econômico e o papel do Estado. Os objetivos da atividade são apontar alternativas de crescimento econô-mico com geração de empregos, aumento da massa salarial e distribuição de renda. Quer também encontrar formas de intervenção na política governamental e apresentar à socie-dade as propostas da CUT. Após o seminário será proposta uma mobilização por mudanças no modelo econômico.Local: Auditório do Círcolo Italiano, Edifício Itália. Esqui-na das Avenidas Ipiranga e São Luiz, São PauloMais informações: [email protected] (11) 2108.9131

SÃO PAULO

do racismo e da pobreza mediante as diásporas africanas. O encontro é destinado a estudantes, pesqui-sadores de África e diáspora, co-munidade negra e ao público em geral.Local: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, R. Ministro Godoy, 984, 1º andar, sala 134 C, São PauloMais informações: (11) 3670-8511

1° ACAMPAMENTO DA JUVENTUDE DA CIDADE DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOSDe 23 a 25 Durante a atividade haverá um show de Chico César e a “Caminhada por Água, Terra e Juventude”. Local: Rua Francisco Rafael, 184, Centro, São Paulo (inscrições) Mais informações: (11) 3941-7623

SARAU COOPERIFATodas as quartas-feiras, às 20h Poetas, músicos, atores, grafi teiros, jornalistas e quem quiser participar reúnem-se para o Sarau da Coope-rifa. O projeto é desenvolvido pelo poeta Sérgio Vaz e tem a fi nalidade de unir pessoas para ouvir rap e poemas sobre a exclusão e questão social. GrátisLocal: O Garajão, Estrada de São Francisco, 787, Taboão da Serra Mais informações: (11) 4788-0705

HIPHOPIANDO Durante todo o mêsOs elementos formadores da cultu-ra hip-hop, o rap, o break, o grafi te e o trabalho do DJ são temas das ofi cinas realizadas no mês de abril. As atividades pretendem trazer no-vas refl exões sobre as mais diver-sas formas de expressão da cultura hip-hop. Grátis.Programação: Ofi cina de Dj Abordará a história dos DJs dos EUA e do Brasil. Na prática, apre-senta técnicas musicais como mi-xagem e colagens, scraths e outros efeitos sonoros. Com K.L.Jay. Quando: 4 e 18 de abril Domingos, das 13h às 17h. Ofi cina de grafi teExplora diferentes traços e a utili-zação de diferentes técnicas. Com Ricardo Leprechaum. Quando: 10, 17 e 24 de abril Sábados, das 13h às 16h. Ofi cina de breack Destina-se a jovens de 13 a 18 anos, e desenvolverá movimentos básicos e a criação de algumas coreografi as. Quando: 17 e 24 de abril Sábados, das 14 às 16h. Local: Sesc Itaquera, Av. Fernando do Espírito Santo Alves de Matos, 1.000, São PauloMais informações: (11) 6523-9265/ 6523-9330, www.sescsp.org.br

Uma vida de denúncias contra o imperialismo João Alexandre Peschanski

da Redação

“Um humano emocio-nante, que combinava humildade e simpli-

cidade com seriedade intelectual e compromisso social”. Com essas palavras, Sedi Hirano, diretor da Faculdade de Filosofi a, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, descreveu o soció-logo Octavio Ianni, de quem foi dis-cípulo e amigo. Com 77 anos, Ianni faleceu dia 4, em São Paulo (SP), vítima de câncer. Foi enterrado em Itu, no interior do Estado, onde nas-ceu. Professor de diversos centros de ensino superior, como a USP, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é considerado um dos principais sociólogos brasileiros.

Ianni foi um crítico agudo da globalização e do imperialismo estadunidense, questões que estu-dava desde o início da década 90.

Publicou, entre outros livros, A Sociedade Global (1992), A Era do Globalismo (1996) e Enigmas da Modernidade – Mundo (2000). Atualmente, preparava um livro sobre violência e terror contempo-râneo, para o qual coletara diversos materiais nos Estados Unidos.

Ianni acreditava que o domínio estadunidense impedia o desen-volvimento de projetos nacionais e

conversas com colegas, Ianni declararou sua decepção com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Ele dizia que o governo combinava servilismo, arrogância e incompreensão. Servilismo ao Fundo Monetário Internacional, arrogância por não criar canais pú-blicos para discutir os problemas do país e incompreensão dos desa-fi os do Brasil”, afi rmou Antunes. Para Oliveira, Ianni não conside-rava o governo como de esquerda por causa das alianças com setores conservadores e das políticas eco-nômicas que atacaram os direitos dos trabalhadores.

Ianni nunca foi fi liado ao Parti-do dos Trabalhadores, mas sempre participou de debates e cursos de formação de militantes. Ele partici-pou da campanha do sociólogo Flo-restan Fernandes (1920-1975), de quem foi discípulo, para deputado federal, no fi nal da década de 80.

Ianni trabalhou como profes-sor por mais de 40 anos e formou gerações de cientistas sociais.

“Ninguém foi mais professor do que ele”, afi rma Oliveira. Hirano, que foi seu aluno, diz que “toda a sua simplicidade e seu carisma discreto eram completados por uma disciplina e densidade acadêmica indiscutíveis”.

AVESSO À ORTODOXIASeus livros se tornaram leitura

obrigatória em universidades pelo país inteiro. Entre eles, desta-cam-se O Negro na Sociedade de Castas (1961), Industrialização e Desenvolvimento Social no Brasil (1963), A Luta pela Terra (1978) e A Ditadura do Grande Capital (1981).

Em suas pesquisas, segundo o sociólogo Marcelo Ridenti, que trabalhou com Ianni na Unicamp, ele sempre foi avesso à ortodoxia e aos saberes petrifi cados: “Ele bus-cava renovar seu pensamento, sem jamais romper com seus princípios radicais de crítica ao imperialismo e de dignifi cação dos movimentos de trabalhadores”.

subjugava países e povos. Segundo o professor de sociologia Ricardo Antunes, que trabalhou mais de 15 anos com Ianni na Unicamp, ele denunciava sistematicamente a brutalidade do governo dos EUA, que, para Ianni, sempre reprimiu movimentos sociais e produziu mais desigualdade e exclusão.

CIDADANIA GLOBALPara Ianni, a chance de derrotar

o imperialismo estadunidense esta-va em um fenômeno decorrente da própria globalização: a mundiali-zação da sociedade civil. O soció-logo Francisco de Oliveira, que conhecia Ianni há 42 anos, explica que a idéia se baseia no surgimen-to de uma cidadania global, em que pessoas podem articular-se, em diferentes países, para lutar em defesa da humanidade. Hira-no salientou que Ianni defendia a mobilização dos trabalhadores, principalmente por meio de movi-mentos sociais.

Em recentes entrevistas e em

MEMÓRIAMEMÓRIA

O sociólogo Octavio Ianni acreditava nos movimentos sociais para resistir ao imperialismo e mudar os rumos do mundo

John

ny/C

aros

Am

igos

Div

ulga

ção

Page 16: BDF_58

De 8 a 14 de abril de 2004

16

CULTURA

FEMINISMOFEMINISMO

Bernardete Tonetoda Redação

N a sua autobiografi a Memó-rias de Uma Mulher Impos-sível, a escritora Rose Marie

Muraro diz que trocou a felicidade pelo impossível, “pois só o impos-sível abre o novo, só o impossível cria”. Hoje, aos 74 anos, a mais reconhecida feminista brasileira reafi rma sua vocação de provocar e tentar desvendar o desconhecido. Afastada de sua editora Rosa dos Tempos (que fundou depois de publicar, em 1986, Por uma Eró-tica Cristã, livro que desagradou o Vaticano e que a obrigou a deixar a direção da Editora Vozes), Rose Marie dedica-se hoje a uma asses-soria na Secretaria Especial de Po-líticas para Mulheres, do governo federal, e a dezenas de conferências e palestras a movimentos sociais, universidades e organizações da sociedade civil.

Chamada de “bruxa”, nascida praticamente cega, Rose Marie Muraro estudou física e tornou-se escritora. Vítima de várias doenças (inclusive um câncer), teve cinco fi lhos e 12 netos. Numa época em que lugar de mulher era a casa, pas-sou a integrar a Ação Católica. Nos

anos 70, trouxe a feminista estadunidense Betty Fried-man ao Brasil e passou a ser p e r s e g u i d a pelo regime militar. Nos

anos 70 e 80, foi editora da Vozes, ao lado do teólogo Leonardo Boff e sob o comando de frei Ludovico, franciscano que foi aluno de Heide-gger. Durante esse tempo, publicou textos de Jean-Paul Sartre, Claude Lévi-Strauss e Michel Foucault, autores proibidos como Paulo Freire e Darcy Ribeiro e livros cen-surados como Brasil: Nunca Mais, que relata as torturas sofridas pelos presos políticos. Seu livro A sexua-lidade da mulher brasileira – corpo e classe social no Brasil, de 1983, desmistifi cou a sexualidade de mu-lheres agricultoras, ricas e da classe média e é, até hoje, o mais comple-to estudo sobre o tema no país.

Brasil de Fato – Várias vezes a senhora afi rmou que homens e mulheres são incompatíveis. Continua acreditando nisso?Rose Marie Muraro – Sim, pois homens e mulheres sentem o mun-do diferente e por isso pensam de formas distintas. O homem, por natureza e por cultura, morre pen-sando de forma macro, no todo, mas tem uma enorme difi culdade de perceber detalhes, de discutir. Não fala de si mesmo, o que não ajuda a melhorar suas relações com o semelhante, a melhorar suas relações com o mundo. Já a mulher é aberta ao consenso, à negociação e ao diálogo.

BF – A senhora costuma dizer que a mulher não quer o poder. O que ela quer, então?Rose Marie – A verdadeira mulher, aquela que goza, que

amamenta, que traz a vida, quer muito mais do que o poder do jei-to que o homem o exerce.

BF – Mas, e as mulheres que ocu-pam cargos de decisão?Rose Marie – Há muita mulher masculinizada, que entra na dis-puta pelo poder só pela competi-ção. Mulheres como a Margareth Tatcher (ex-primeira ministra da Inglaterra) e outras desse tipo fazem o poder como os homens exercem. Ainda está por vir a mulher para criar radicais novas formas de poder.

BF – E o que é superior ao po-der?Rose Marie – É a paz, é a vida. Eu digo, no meu livro Feminino e Masculino, que escrevi com Leo-nardo Boff, que a paz não tem como ser explicada, é a mesma coisa que ensinar o azul para um cego. Não adianta. Na ordem simbólica, o homem não vai sa-ber nunca.

BF – Não é necessário que as mulheres conquistem espaço?Rose Marie – É absolutamente necessário, pois com essa ca-beça de antipoder, de poder de outra maneira, é possível mudar a natureza do Estado. É obriga-ção absoluta de todas as mulhe-res disputarem espaços, até se candidatarem à Presidência da República.

BF – Isso não é uma contradição, não é disputa pelo poder?

Rose Marie – Estou me lixando para o poder. Nós, mulheres, temos uma missão de vida. O que temos vivido até hoje? O patriarcado, o poder de cima pra baixo, pela violência, pela força. O matrocentrismo é o poder de baixo pra cima, é o poder pela persuasão, pelo mutirão e não pelo privilégio. O outro é o poder da morte: se não invade é invadi-do, se não mata é morto. O poder da mulher, ou outra palavra que ainda precisa ser inventada, se manifesta quando você só ganha quando o outro ganha.

BF – O que signifi caria a mulher no postos de decisão?Rose Marie – Recentemente, recorri a um estudo publicado pelo Banco Mundial que mostra que, nos países em que a mulher alcança perto de 50% do poder, a corrupção tende a cair drastica-mente. Entre eles, o estudo anali-sa cinco casos: Suécia, Noruega, Dinamarca, Islândia e Finlândia. O empoderamento das mulheres e desenvolvimento humano estão intimamente ligados. Esse estudo revela que essas cinco nações, e não os países mais ricos do mun-do como Estados Unidos, Japão e Alemanha, apresentam menor desigualdade de renda, maior grau de instrução da juventude, suporte governamental a mães e pais para cuidar das crianças pequenas sem a perda dos res-pectivos empregos, treinamento dos homens para as suas funções parentais antes e depois do nas-

Mulheres mostram alternativas de poderRose Marie Muraro defende maior participação feminina na gestão do Estado e poder para combater a globalização

cimento da criança, cuidado com os mais velhos bancado pelo governo, vigiados pela sociedade civil, e assim por diante. Além dis-so, eles possuem economias mais integradas, pouca ou nenhuma dívida governamental, inclusive com o FMI.

BF – E no Brasil?Rose Marie – No Brasil, já está provado que crianças fi lhas de mãe com baixa escolaridade têm sete vezes mais possibilidades de serem pobres do que as fi lhas de pais com baixa escolaridade. Têm 11 vezes mais possibilidades de não freqüentarem a escola e, principalmente, 23 vezes mais possibilidades de serem analfa-betas, se a mãe for analfabeta. No meu primeiro livro, A Mulher na Construção do Mundo Futuro, há quase 40 anos, eu já lembrava que não era possível um país se desenvolver se não desenvolves-se a sua metade feminina. Isso porque, quando se educavam os homens, estes tendiam a aplicar os seus conhecimentos construin-do pontes e cidades, sistemas políticos e econômicos, enquanto as mulheres passavam os seus conhecimentos para os fi lhos, modifi cando, assim, a estrutura humana da cadeia de gerações. Eu achava que educar um homem era educar um indivíduo, ao passo que educar a mulher era educar a sociedade. Hoje penso diferente: não são as sociedades que mudam; é a própria espécie que evolui quando, além de se educarem, as mulheres partilham o poder com os homens.

BF – Então, qual é a saída para o Brasil?Rose Marie – Se no Brasil o governo e a sociedade se em-penharem numa educação para homens e mulheres, enfocando a importância da educação das meninas, e se os poderes decisó-rios abrirem mais oportunidades para as mulheres nos diversos escalões, certamente o proces-so de desenvolvimento humano

Choque de civili-zações – Conceito segundo o qual, no mundo pós-Guerra Fria, a principal fonte de confl ito se dá na esfera cultural, e não na ideológica ou econômica.

Quem éRose Marie Muraro, 74 anos, é precursora do feminismo no Brasil. Escreveu 12 livros, en-tre eles Os seis meses em que fui homem, A sexualidade da mulher brasileira e Feminino e Masculino (com Leonardo Boff). Foi eleita uma das 100 mulhe-res do milênio.

A mulher quer hoje o que sempre quis: a legitimação do direito de controlar a própria vida

SAIDEIRA SAIDEIRA NOVAESNOVAES

se agilizará, praticamente sem custo.

BF – O que quer o movimento feminista em pleno século 21?Rose Marie – Queremos hoje o que sempre quisemos: a legiti-mação da mulher como um ser que tem o direito de controlar sua própria vida e de construir uma sociedade mais democrática e humana. Não agüentamos mais o sistema baseado no patriarca-lismo, que só trouxe sofrimento e desigualdade para as mulheres, negros, índios, crianças, animais e a destruição da natureza.

BF – E a luta contra a explo-ração da imagem do corpo da mulher?Rose Marie – Ah, mas isso é mui-to antigo. Na década de 50, 60, quando queimávamos o sutiã in-fl ável, o cílio e a unha postiços, a peruca, estávamos colocando na fogueira tudo aquilo que enges-sava a mulher dentro de casa.

BF – Mas hoje a mulher que apa-rece como modelo na mídia é a mulher plastifi cada, siliconada.Rose Marie – Hoje não, sempre foi assim, desde a época em que os quadros somente retratavam mulheres nuas. Conhece algum grande artista que tenha retra-tado um homem nu? É a visão masculina da libido, como se só o homem tivesse desejo e a mulher fosse um ser amorfo, sem vontade. Estamos superando isso pela história, à medida em que adquirimos capacitação e trans-formamos a sociedade, a partir de mecanismos de resistência.

BF – Falando em resistência, a senhora vê alternativas para a globalização?Rose Marie – Vejo muitas. Em seu livro Além da Globalização, Ha-zel Henderson (economista es-tadunidense e consultora sobre desenvolvimento sustentável) mostra que a globalização de-pende muito da chantagem feita pelos organismos fi nanciadores como o Banco Mundial e o FMI, que contrapõem despesa e in-vestimentos. Saúde, educação, moradia não confi guram des-pesa, são investimento no ser humano.

BF – Mas se fala muito em cho-que de civilizações.Rose Marie – O choque de civili-zações daquele idiota do Samuel P. Huntington (historiador esta-dunidense que coordenou, no governo Jimmy Carter, o Conse-lho de Segurança Nacional dos Estados Unidos)? Não existe. Todas as civilizações estão den-tro das mesmas fronteiras nacio-nais. O que se tem hoje é uma guerra de guerrilha, mundial, dentro das fronteiras nacionais, uma coisa inimaginável no pas-sado. Quando se fala em choque das civilizações, prega-se a cul-tura do ponto de vista do domina-dor, de cima pra baixo. Acredito é numa grande revolução humana, de baixo pra cima.

And

erso

n B

arbo

saar

quiv

o pe

ssoa

l