AVALIAÇÃO DA EXTENSÃO - UFPB PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO ... · Há cerca de um ano e meio atrás...

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TÍTULO:AVALIAÇÃO DA EXTENSÃO AUTOR:Dilvo I. Ristoff INSTITUIÇÃO: (UFSC) Quero, em primeiro lugar, agradecer aos organizadores deste evento pelo convite. Devo dizer que nos anos de 94 e 95, quando ocupei a presidência do Fórum Nacional dos Pró- Reitores de Graduação, tive uma convivência bastante próxima com os responsáveis pela condução do Fórum de Extensão, isto na época da elaboração do ProExte, e que em maio de 1996, consegui reunir em Florianópolis os presidentes de todos os fóruns de pró-reitores e de todas as Associações de Reitores, numa tentativa desesperada de salvar um pouco das políticas para as universidades brasileiras, construídas coletivamente, durante os dois anos em que o Ministro Murílio Hingel esteve à frente do Ministério. Fico, pois, feliz em poder estar presente a este debate, como, aliás, me senti muito feliz em ver que o Fórum de Extensão tem sido cuidadoso em publicar os registros de sua trajetória. Li o livro Extensão Universitária – diretrizes conceituais e políticas, que relata a história do Fórum nestes últimos treze anos, e devo dizer que o mesmo me deixou feliz e apreensivo. Feliz, porque vi, através do livro, que a discussão acumulada não se perdeu no éter, como tantas outras; ao contrário, impressa, a discussão revela uma profundidade capaz de instrumentalizar e iluminar as ações futuras das próximas gerações de pró-reitores de extensão. A apreensão que sinto vem do fato de perceber que, não obstante todas as minhas discussões feitas nestes últimos anos sobre avaliação institucional e sobre políticas para a educação superior, registradas em livros como Universidade em Ruinas na Repúblicas dos Professores, Universidade em Foco: Reflexões sobre a educação superior, Universidade Desconstruída: avaliação institucional e resistência, e Avaliação Democrática para uma universidade cidadã, talvez eu tenha muito pouco a contribuir. Os documentos do Fórum parecem ter tocado em tudo. No entanto, para que eu não seja acusado de não ter feito o meu dever de casa, vou tentar, mesmo correndo o risco de ser repetitivo, ver se consigo aprofundar alguns aspectos da questão. Neste sentido, eu começaria revelando minha compreensão que uma universidade é antes de tudo uma instituição acadêmica, uma casa de educação. E, por ser uma instituição que presta sempre um serviço público, que é sempre de interesse público, mesmo quando financiada pelo setor privado, ela é um espaço político, social e cultural. Neste espaço estão reproduzidos, em miniatura, os representantes de grupos de interesse da sociedade como um todo, alguns mais outros menos. A universidade é, pois, um cenário de tensão, de conflito de agentes, de agências, de métodos e técnicas, de propósitos, de ações, de forças representativas de grupos de interesses (governos, setores diversos da economia, partidos políticos, pais, professores, alunos, servidores, empregadores, a mídia, entre outros). A eficiência, a eficácia e a efetividade institucionais dependem diretamente desta compreensão. Conceber a universidade unicamente como um espaço burocrático ou unicamente como espaço político, ou ainda, unicamente como espaço científico-acadêmico eqüivale a distorcer a sua função e poderá, nos processos avaliativos, exigir dela procedimentos e resultados incompatíveis com a sua natureza. Há cerca de um ano e meio atrás assisti a uma defesa de tese de doutorado em que o candidato, através de complicadas fórmulas matemáticas (descobri em conversas paralelas que mesmo os engenheiros membros da banca tinham dificuldades de entendê-las), tentava desenvolver um modelo para avaliar as universidades. O autor foi impecável no tocante ao alcance ou falta de alcance de seu modelo. Dizia, algo deste teor: “não vou tratar de eficácia porque as universidades carecem de uma cultura de planejamento; não vou tratar de

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TÍTULO:AVALIAÇÃO DA EXTENSÃOAUTOR:Dilvo I. RistoffINSTITUIÇÃO: (UFSC)Quero, em primeiro lugar, agradecer aos organizadores deste evento pelo convite. Devodizer que nos anos de 94 e 95, quando ocupei a presidência do Fórum Nacional dos Pró-Reitores de Graduação, tive uma convivência bastante próxima com os responsáveis pelacondução do Fórum de Extensão, isto na época da elaboração do ProExte, e que em maiode 1996, consegui reunir em Florianópolis os presidentes de todos os fóruns de pró-reitorese de todas as Associações de Reitores, numa tentativa desesperada de salvar um pouco daspolíticas para as universidades brasileiras, construídas coletivamente, durante os dois anosem que o Ministro Murílio Hingel esteve à frente do Ministério. Fico, pois, feliz em poderestar presente a este debate, como, aliás, me senti muito feliz em ver que o Fórum deExtensão tem sido cuidadoso em publicar os registros de sua trajetória. Li o livro ExtensãoUniversitária – diretrizes conceituais e políticas, que relata a história do Fórum nestesúltimos treze anos, e devo dizer que o mesmo me deixou feliz e apreensivo. Feliz, porquevi, através do livro, que a discussão acumulada não se perdeu no éter, como tantas outras;ao contrário, impressa, a discussão revela uma profundidade capaz de instrumentalizar eiluminar as ações futuras das próximas gerações de pró-reitores de extensão. A apreensãoque sinto vem do fato de perceber que, não obstante todas as minhas discussões feitasnestes últimos anos sobre avaliação institucional e sobre políticas para a educação superior,registradas em livros como Universidade em Ruinas na Repúblicas dos Professores,Universidade em Foco: Reflexões sobre a educação superior, Universidade Desconstruída:avaliação institucional e resistência, e Avaliação Democrática para uma universidadecidadã, talvez eu tenha muito pouco a contribuir. Os documentos do Fórum parecem tertocado em tudo. No entanto, para que eu não seja acusado de não ter feito o meu dever decasa, vou tentar, mesmo correndo o risco de ser repetitivo, ver se consigo aprofundar algunsaspectos da questão.

Neste sentido, eu começaria revelando minha compreensão que uma universidade éantes de tudo uma instituição acadêmica, uma casa de educação. E, por ser uma instituiçãoque presta sempre um serviço público, que é sempre de interesse público, mesmo quandofinanciada pelo setor privado, ela é um espaço político, social e cultural. Neste espaço estãoreproduzidos, em miniatura, os representantes de grupos de interesse da sociedade comoum todo, alguns mais outros menos. A universidade é, pois, um cenário de tensão, deconflito de agentes, de agências, de métodos e técnicas, de propósitos, de ações, de forçasrepresentativas de grupos de interesses (governos, setores diversos da economia, partidospolíticos, pais, professores, alunos, servidores, empregadores, a mídia, entre outros). Aeficiência, a eficácia e a efetividade institucionais dependem diretamente destacompreensão. Conceber a universidade unicamente como um espaço burocrático ouunicamente como espaço político, ou ainda, unicamente como espaço científico-acadêmicoeqüivale a distorcer a sua função e poderá, nos processos avaliativos, exigir delaprocedimentos e resultados incompatíveis com a sua natureza.

Há cerca de um ano e meio atrás assisti a uma defesa de tese de doutorado em que ocandidato, através de complicadas fórmulas matemáticas (descobri em conversas paralelasque mesmo os engenheiros membros da banca tinham dificuldades de entendê-las), tentavadesenvolver um modelo para avaliar as universidades. O autor foi impecável no tocante aoalcance ou falta de alcance de seu modelo. Dizia, algo deste teor: “não vou tratar de eficáciaporque as universidades carecem de uma cultura de planejamento; não vou tratar de

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efetividade, porque a extensão universitária é algo difuso e difícil de mensurar; vou mededicar exclusivamente à mensuração da eficiência”.

De pronto me lembrei da história de Mulla Nasrudim, o grande educador persa, quenão se importava em passar por bobo para ensinar uma lição. A história é a seguinte:

Nasrudim, o grande educador Persa, certo dia se deparou com um falcão noparapeito de sua janela. Como nunca havia visto um falcão em toda a sua vida, exclamou:

"Pobre pássaro, como te deixaram chegar a este estado!Em seguida pegou a tesoura, cortou o seu bico, podou as suas esporas e aparou as

suas penas. Feito isto, exclamou satisfeito:"Agora sim! Agora você está com cara de pássaro!"

Com a avaliação universitária do estado avaliador brasileiro, o mesmo estáocorrendo. A avaliação tornou-se apenas uma extensão do crescimento da educação pelolucro e é expressão da crescente hegemonia desta lógica descaracterizante.

Vejamos, por exemplo, algunds dados do Censo do Ensino Superior (1998): Instituições Privadas: 85% ----- Instituições Públicas: 15% Matrículas: 75% ----- Matrículas: 25% Cargos docentes: 49% ----- Cargos docentes: 51.0% Cargos de STAs: 34% ----- Cargos STAs: 66.0%

Os adeptos do eficientismo já tiraram as suas conclusões, e estão recitando aseguinte ladainha: "isto só vem provar uma vez mais o que já sabíamos há muito tempo:que as instituições privadas são mais eficientes, pois oferecem 75% das vagas com apenas49% dos docentes e com apenas 34% dos STAs do sistema como um todo". Conclusão? “Ojeito é privatizar tudo e acabar com a malandragem dos professores e servidores dasuniversidades públicas, este bando de eternos insatisfeitos”!

Ora, qualquer um minimamente familiarizado com o sistema federal sabe que estalógica é uma loucura. Ela desmantela as instituições universitárias de verdade, por insistirem avaliá-las pelo que não são. E as universidades não são e não querem ser: (1) colégiosde terceiro grau exclusivamente dedicados ao ensino e à formação de mão de obraoperacional; e (2) empresas, onde o que interessa é antes de tudo a eficiência, ou seja, arelação mecânica entre recursos e resultados. Uma universidade não pode ser avaliadaapenas pela função ensino e não pode também contentar-se com mensurações de estiloempresarial que a descaracterizam. Ela precisa definir-se como instituição voltada à buscado saber, da arte, da ciência e da justiça, do belo, do verdadeiro e do justo, numaperspectiva que não se esgota nos interesses imediatistas e utilitaristas do mercado, masprojeta-se do presente para o futuro, buscando oferecer à sociedade alternativas de vidabaseadas em educação e não em superstição superior. A avaliação das universidadesfederais com dados como os apresentados pelo provão ou mesmo pelo Censo da EducaçãoSuperior só servem para denegri-la e esquecem que as universidades federais, por exemplo,têm hospitais, NDIs, fazendas experimentais, colégios agrícolas, com internato aberto 24horas por dia, 365 dias ao ano, museus, planetários, mestrados, doutorados (cursos onde arelação professor/aluno por natureza precisa ser menor do que na graduação e onde oslaboratórios de pesquisa precisam de atenção constante), enfim, gabinetes odontológicos,ilhas, fortalezas e tantas tantas outras coisas mais, que querer compará-las com instituiçõesque operam na base da saliva e do giz é um sacrilégio. A lógica empresarial aplicada àsinstituições universitárias é uma descaracterização e um desrespeito à sua identidade.Roubam-lhe a sua natureza e por isso precisam ser rechaçadas de forma veemente.

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Outra questão: Se formos aos livretos que divulgam os cursos de nossasuniversidades antes de cada vestibular, os tais guias das profissões, veremos que estão lá asdefinições sobre as funções de cada um dos profissionais que a universidade forma. Talveznão estejam expressas nestes termos mas invariavelmente são algo deste teor: a função domédico é zelar pela saúde de seus pacientes; a do agrônomo é a de tornar fértil e produtivoo solo; a do advogado a de zelar pelos direitos do cidadão; a do professor a de, entre outras,pôr em discussão junto aos mais jovens o conhecimento acumulado em sua área deespecialização; a do cientista social a de buscar, no complexo sistema das interações dosindivíduos e grupos sociais, interpretações que revelem o que somos e o que queremos; ados economistas, talvez, explicar por que diabos quando os ventos sopram na Rússia nósaqui no Brasil corremos para fechar as janelas.

Estas são, sem dúvida, definições importantes e necessárias, mas em geralexpressam apenas um aspecto da função maior das Universidades—função que em todo omundo não é apenas ensinar mas também produzir e disseminar, de forma ampla, o saber;não apenas profissionalizar mas também construir a cidadania. Ou seja, a sua função suscitaquestões que vão muito além do que testes padronizados como o provão tentam medir.

Talvez ninguém tenha conseguido retratar melhor do que o escritor americano JohnUpdike o conflito que necessariamente passa pelas mentes de jovens que ingressam nasuniversidades e que imagino sejam os conflitos que devem ou deveriam atormentar quemtem a responsabilidade de conduzir os destinos de uma universidade. Updike tem várioscontos que tratam desta questão, entre eles um chamado “Colegas de Quarto”, escrito quaseno inicio de sua carreira. O conto, altamente autobiográfico, trata do difícil convívio de doiscalouros em uma casa de estudantes da universidade de Harvard, na década de 50. Os dois,embora forçados a conviver em um mesmo quarto, vivem em mundos totalmente distintos,pois vêem e vivenciam a universidade de forma muito diferenciada. Um chegou àuniversidade com o seu plano de vida feito. Aos 18 anos de idade ele sabe que vai sermédico; que vai voltar à sua cidadezinha no interior da gelada Dakota do Sul para substituiro seu pai, também médico; que vai casar-se com a namorada que arranjou no colégio; quefará parte do Rotary ou do Lyons Clube; e que será um sólido e respeitável cidadão, umrepresentante da sabedoria, digamos, convencional. Provavelmente, como o americanomédio em geral, votará no partido republicano; terá horror às minorias raciais e a tudo quepossa ameaçar a soberania da medianidade, representada na figura do homem branco,anglo-saxão, protestante, nacionalista, racista, beligerante, religioso e, é claro, anti-comunista com registro no cartório genético. Para viabilizar este plano, tudo o que precisa éconseguir que a universidade lhe dê as técnicas e os métodos que lhe permitam exercer aprofissão com eficiência. O que importa, portanto, são as disciplinas, que devem sercursadas com toda a seriedade e nas quais se possível deve tirar as melhores notas.

O seu colega de quarto é a antítese de tudo isto. Ele é curioso, rebelde, daqueles queconstrói o seu caminho durante a caminhada. Ele lê Platão e Aristóteles; chega a Harvardviajando de carona e pede a seu pai que doe o dinheiro da passagem aérea que iriam lhepagar ao Fundo para a Libertação da Índia de Ghandi (o seu colega veio de avião); declara-se um pacifista e se recusa a ir à guerra da Coréia em 1953; é um apaixonado por Ghandi epor sua política anti-colonialista e de desobediência civil; é vegetariano; preocupa-se com aecologia; rejeita o antropocentrismo e busca uma vida de harmonia entre os seres vivos emgeral, sejam eles homens, bichos ou plantas. Na universidade, ele assiste às disciplinasobrigatórias; matricula-se em disciplinas optativas de seu interesse; participa de debatespolíticos; estuda piano; presta serviço de assistência social junto a meninos carentes duas

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vezes por semana; faz visitas freqüentes ao bispo; aprende a tecer as próprias roupas, comoGhandi; namora; vai a concertos, shows culturais e festas, etc., etc., etc.

Para o primeiro, a vida acontece exatamente conforme o planejado e a sua morte e oseu enterro também deverão acontecer sem surpresas, dentro do previsto, com a sepultura,com certeza, paga antecipadamente. Ele se torna, de fato, um cidadão útil na comunidadeem que vive, fazendo partos e cuidando da saúde da população. Apenas a sua fé, Updikeinsinua, com o passar dos anos, parece ter diminuído.

Para o segundo, a vida dá inúmeras voltas. Por algum tempo correu o paísproferindo palestras sobre pacifismo; foi auxiliar de um pároco na região de Boston; foitocador de piano em um bar de Massachusetts; missionário na África; alto funcionário doMinistério das Relações Exteriores; e, segundo o último cartão postal que mandou ao seuex-colega de quarto, está atuando, entre outros, como técnico de futebol no Madagascar.

O recado de Updike parece evidente ao dramatizar a sua própria experiênciaacadêmica. As opções que fazemos na vida têm conseqüências e há sempre ganhos eperdas. Parece evidente, no entanto, que as perdas irreparáveis estão mais no aniquilamentodo desejo de explorar o novo e no conseqüente não aproveitamento do pleno potencial queas universidades por sua natureza oferecem. A opção pela profissionalização a qualquerpreço tende a enfatizar a profundidade em detrimento da amplitude, tende a impor umasubmissão a um currículo elaborado por iluminados (quase sempre, velho, incompleto,inadequado e bom apenas para os outros) e, pelo apequenamento que produz, pode colocaruma suposta utilidade social ao lado da infelicidade individual e da convencionalidade. Aopção a qualquer preço pelo errático e pelo desestruturado, por outro lado, pode levar auma vida sem objetivos, dispersiva e sem profundidade. Em ambos os casos, há ganhos eperdas e, com certeza, sempre algum arrependimento. É um pouco do que canta o poetaRobert Frost ao refletir sobre as escolhas que teve que fazer numa das encruzilhadas de suavida. Num misto de alívio e de arrependimento ele escreve: “havia na floresta doiscaminhos, e eu, eu escolhi o menos trilhado e isto fez toda a diferença”!

Isto pode parecer literatura, mas posso garantir-lhes que está na essência, no dia adia, da universidade e é impossível administrá-la ou avaliá-la como instituição acadêmicasem levar estas questões em consideração. É esta compreensão que pode nos livrar do riscode perceber a universidade e de querer administrá-la como se fosse uma empresa, porexemplo, ou de avaliá-la, como faz o provão, pelo que ela não é. Além de nos livrar doimediatismo do mercado e permitir que pensemos o futuro, esta compreensão trabalha amobilidade natural dos indivíduos e, quando das avaliações, se recusa a aceitar conceitoseconomicistas e depreciativos para questões bastante concretas como “evasão”,“trancamento”, “abandonos”, “cancelamento”, “retornos”, “utilização plena das vagas” eoutras coisas do gênero. Para exemplificar: para o administrador-economicista, evasão équase sempre perda e sinônimo de fracasso; para o administrador-educador, evasão étambém, pura e simplesmente, mobilidade; é também um investimento num futuro emconstrução, aberto, inacabado—um futuro que com certeza se beneficiará do conjunto dedisciplinas cursadas, pois educação recebida não se perde jamais. Se estas disciplinascursadas não forem validadas por alguma estrutura burocrática, como exige a lógicaeconômica, serão, com certeza, validadas pela vida.

O engraçado é que nós sabemos que a vida, a literatura, a história estão repletos deexemplos de que não vale a pena tornar este tipo de segurança profissional uma obsessão e,no entanto, não conseguimos impedir que isso emagreça a vida acadêmica no campus.Creio que concordaríamos todos que, se é verdade que não convém viver a vida de forma

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errática e sem propósito, é também verdade que é inaceitável que vivamos como abelhas ouformigas, como seres geneticamente programados e pré-determinados, seguindorepetidamente por caminhos já trilhados. Ah, mas como é difícil dizer aos nossos alunosque não convém ser escravo de objetivos que muitas vezes sequer são nossos ou deobjetivos que, embora nos satisfaçam aos 18 anos, descobrimos tolos, pífios e vazios aos30!!!

A opção pelo novo, pelo não familiar, pelo incerto, pela aventura da descoberta,pela construção da auto-confiança, pelo não conformismo, pela energia original é também aopção, salvo melhor juízo, pelas coisas que fazem a vida valer a pena, que fazem toda adiferença. É a opção de grandes mentes como a de Thoreau e de Bertrand Russel. Sãopessoas que mostraram na sua prática de vida que os novos caminhos não precisam seconfundir com o lunático, o desregrado, o nefelibata, o alienado, ou com a falta de sentido.São, ao contrário, afirmações de compromisso simultâneo com a individualidade e com osinteresses coletivos.

E precisa ser assim. Quando nossas ações se esgotam na individualidade, corremoso risco de ficar olhando apenas para os nossos ganhos e gratificações pessoais, esquecendoque nossas opções na vida sempre têm dimensão ética e implicação política. Fazer parte,por exemplo, dos 7% de brasileiros de 18 a 24 anos matriculados na educação superior,pode nos levar, como freqüentemente acontece, a uma atitude elitista, achando que somos omáximo dos máximos (o caminho do conformismo), ou a uma atitude solidária (o caminhoda construção), da luta por mudanças que ampliem de forma decisiva as oportunidades deacesso ao conhecimento e que liberem as energias criativas da nação, viabilizando aeducação superior a todos os que seriamente a procurem. O preço a ser pago depende danossa opção, mas há muito já é sabido, como sugeria Derek Bock, ex-reitor da universidadede Harvard, que o custo da ignorância é sempre bem mais alto do que o custo da educação.Até porque se, como sociedade, não pudermos socorrer o exército brasileiro de excluídos emiseráveis, não há salvação nem para os poucos ricos, nem para os minimamenteprivilegiados, nem para ninguém.

É por isso que é sempre bom lembrar ou relembrar, num momento como este, emque temos todas as oportunidades de redefinir o que a educação superior deve ser, de que ocompromisso da Universidade vai além do compromisso de treinar recursos humanos ou depreparar o que William Zinsser certa vez chamou de “bárbaros altamente qualificados”.Nosso compromisso é o de contribuir para a formação do homem, do ser humano, em suatotalidade. Tenho dito repetidamente e não me importo em repetir aqui mais uma vez queantes de formar o jornalista, devemos quer formar o ser humano, que conheça a ética, aestética e a técnica que devem orientar os meios de comunicação de massa; antes doadvogado, o ser humano, que entenda de leis; antes do psicólogo, o ser humano, queentenda de comportamento humano; antes do professor, o ser humano, que saiba transmitiraos mais jovens e discutir com os mais jovens o conhecimento acumulado na sua área deespecialização; antes do licenciado e do Bacharel em Letras, o ser humano que conheça ossistemas e processos lingüísticos, literários e culturais que fazem a identidade dos povos. Aprofissão é tão somente um aspecto do ser humano. Ajuda a completá-lo e é, por issomesmo, necessária. Confundir a profissão com o ser humano, no entanto, é como achar queo psicólogo nada mais é que o divã; o químico nada mais que um tubo de ensaio; omatemático nada mais que uma equação; o jornalista nada mais que uma ilha de edição; oprofessor nada mais que uma lição; o administrador nada mais que um conjunto de sistemas

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gerenciais; o educador nada mais que uma metodologia; a secretária nada mais que ummemorando; o médico nada mais que um bisturi; o universitário nada mais que um fetiche.

Já é possível ouvir o burburinho dos que conceberam o provão: “bem, se todosforem se preocupar só com a formação de cidadãos, quem vai garantir que as pontes nãocaiam, que os prédios não desabem, que os computadores não congelem, que os médicosnão matem os seus pacientes por absoluta incompetência”. Embora eu possa lhes garantirque mais prédios e pontes caem por causa de engenheiros sem ética e sem espírito decidadania, como os Sérgios Nayas, formados por nossas universidades, do que porincompetência; embora mais cidadãos comuns sofram nas mãos de juízes e advogadosinescrupulosos, gananciosos, e corruptos do que nas de incompetentes—todos tambémformados por nossas universidades; embora mais dinheiro seja roubado do país porinformação anti-ética e privilegiada obtida por economistas e administradores que selocupletam do que por profissionais incompetentes—também formados por nossasuniversidades; embora mais desinformação seja divulgada por jornalistas comprometidoscom interesses politiqueiros do que por incapacidade técnica—todos também formados pornossas universidades; embora, enfim, a falta de ética e de cidadania desgracem muito maisa nação do que a incompetência, é evidente que ao propormos que a universidade não deveabdicar de seu papel de formação do cidadão, não estamos propondo a formação deprofissionais incompetentes. O que queremos são pessoas para as quais a profissionalizaçãonão seja sinônimo de estreiteza, de barbarismo, de falta de compreensão ética, de falta deempatia com os valores sociais que nos sustentam enquanto sociedade democraticamenteorganizada. Queremos mais do que o aperfeiçoamento da qualidade material da vida—queremos também maior qualidade cultural, social, cívica e cidadã. E isto significa quequeremos uma educação que (a) oportunize o desenvolvimento da tolerância àsdiferenças—marca registrada de uma sociedade civilizada—mas que seja intolerante com ainjustiça, com a miséria, com a falta de respeito pelo outro e com a falta de zelo pela vida;(b) desenvolva no aluno a percepção de pertencer, de ter raízes, de ser partícipe em umcontexto social específico, em constante mutação e em permanente luta por um convívioharmonioso do qual depende o futuro da sociedade local e planetária; e (c) promova umcompreensão das instituições que organizam a sociedade civilizada—o estado de direito, ascrenças religiosas, os valores educacionais. A educação cidadã e a educação profissional,pois, devem e podem ser vistas como complementares e não como antagônicas. Temo,sinceramente, que a crescente opção pela universidade operacional venha em detrimento dauniversidade de verdade e possa vir a significar a opção pelo bárbaro altamente qualificadoem oposição ao cidadão altamente qualificado, que é, no meu entender, o que devemosbuscar.

[[[[A verdade é que o provão, por natureza, se opõe ao modelo universitário há anos

proposto pelo Fórum de Pró-Reitores de Graduação para as Universidades com um “U”maiúsculo—um modelo que efetivamente integre a experiência na graduação aosprogramas de mestrado e doutorado e aos trabalhos de pesquisa e de extensão dainstituição. A compreensão deste setor tem sido a de que o aluno Universitário deve servisto como alguém que precisa se expor a um ambiente intelectual de experiênciasdiversificadas, que precisa, sem se intimidar, encarar os desafios da pesquisa, que precisaser independente, que precisa de autoconfiança a ponto de tornar a distinção entre aaprendizagem e a pesquisa virtualmente inexistente. Como a competitividade dosvestibulares de nossas Universidades garante a presença dos melhores cérebros em nossos

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cursos, temos que ter a certeza de que pelo menos não estamos causando sérios danos aestes cérebros ou que não estamos contribuindo para o seu apequenamento dizendo-lhes:“isto não precisa estudar—não cai no provão”. Ou ainda, precisamos zelar para que na suapassagem pela universidade estes cérebros sejam vistos como mais do que cérebros. Quepossam ser vistos como seres humanos e cidadãos.]]]

Percebo, pois, nitidamente, hoje, duas lógicas de avaliação: a primeira, a lógica dauniversidade de verdade, capaz de ver o presente sem perder de vista o futuro; capaz deperceber o útil sem tornar-se utilitarista, capaz de ser eficiente, sem tornar o eficientismouma religião; capaz de produzir sem ser vitimado pelo produtivismo; a outra, a lógicaempresarial—do imediatismo, do utilitarismo, do economicismo, do produtivismo. Aprimeira é a lógica do campus, a outra é a lógica do mercado; a primeira é a lógica daautonomia, a outra é a lógica do conformismo; a primeira é a lógica da aventura, a outra é alógica dos caminhos já trilhados; a primeira é a lógica do respeito às diferenças, a segundaé a lógica da uniformidade; a primeira é a avaliação formativa, a segunda é a avaliaçãosomativa; a primeira pensa processos e neles interfere, a segunda se interessapreferencialmente pelo produto; a primeira tem a qualidade como sua meta, a segunda sópensa a qualidade através da quantidade; a primeira sonha com a importância no campus, asegunda sonha com o impacto na mídia; a primeira é a lógica da construção, a segunda alógica do desmonte; a primeira é o PAIUB, a segunda é o PROVÃO. A escolha é nossa,mas não tenhamos dúvida de que a cada modelo de avaliação escolhido corresponde ummodelo de universidade. Se quisermos apenas o ensino de terceiro grau, escolhemos osegundo modelo; se nossa escolha, no entanto, for a Universidade de verdade, nossaavaliação precisa contemplar princípios muito próximos aos do PAIUB.

Alerto, ainda, para o fato de que o dia a dia administrativo de uma universidade,especialmente na alta administração, freqüentemente negligencia as questões acimalevantadas, preocupada que está sempre com questões “urgentes” como o estacionamento,o rompimento de um cano d’água, a infiltração nas paredes e a inundação de salas apóscada chuva torrencial, a goteira do ar-condicionado, o uso de drogas no campus, oalcoolismo de servidores, o vale transporte, e recentemente os apagões, questões quesempre ganham preferência. Por incrível que pareça, mesmo numa instituição acadêmica, oacadêmico precisa lutar para garantir o seu espaço e é por isto que propostas simplistascomo a do provão encontram guarida também em nosso meio. Quem, no entanto, vive auniversidade de verdade concordará em gênero, grau e número com as palavras do relatórioBoyer:

“Os estudantes de graduação são cidadãos de segunda classe . . . são hóspedes deum banquete . . . a quem são servidos apenas restos”.

Projetos de Extensão articulados ao ensino? Ora isto é para os missionários e para otempo que sobrar nas planilhas de horários. Para superar este estado de coisas, precisamosde bem mais do que de adaptações de técnicas, metodologias administrativas ou deaplicações de sistemas gerenciais. É preciso, antes de tudo, entender a Universidade peloque ela de fato é (uma instituição acadêmica e um espaço social, político e cultural),respeitar esta identidade e desenvolver ações avaliativas e administrativas que levem ao seuaperfeiçoamento—algo que o provão é incapaz de propor. Para isso precisamos de umprograma de avaliação institucional, repito, de natureza formativa e centrado em princípiosmuito próximos ao que estabeleceu o PAIUB. Desde 1995 o Paiub tem sido um sonhoadiado. Mas, o que acontece a um sonho adiado? Pergunto ao poeta negro LangstonHughes, poeta de uma raça que teve tantos sonhos adiados.

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Em um de seus poemas mais conhecidos ele se pergunta:O que acontece ao sonho adiado?Será que seca e se encolhe como passa de uva ao sol?Será que infecciona e escorre como uma ferida aberta,Será que cheira mal?Ou será, será que cria crosta como um doce meloso?O que, o que afinal acontece ao sonho adiado?Talvez só se instale como um fardo dolorosoUm fardo que remover ninguém pode?Ou será, será que um dia explode?A verdadeira avaliação educacional e a verdadeira universidade eram há até poucos dias

sonhos adiados. O que vai acontecer com estes sonhos depende hoje de cada um de nós.

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E concluo com a frase de Leite e Bordás:“As decisões sobre o sentido e a condução da avaliaçãoinstitucional das universidades dizem respeito ao que eao como avaliar frente à tensão instalada entre duaslógicas que orientam o processo avaliativo: a reguladorae a emancipadora” (Denise Cavalheiro Leite e MerionCampos Bordas).

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A educação superior, na República dos Professores Fernando Henrique Cardoso e PauloRenato, adquire sua fineza de definição nos seguintes quesitos:

• Crescente vulgarização do sentido de universidade;• Agressiva privatização do sistema;• Desinvestimento programado e gradativo nas Instituições Federais de Ensino

Superior (IFES)1;• Desvalorização programada das carreiras dos docentes e dos técnico-administrativos

nas IFES;• Crescimento vertiginoso da exclusão no acesso às IES públicas;2

• Desrespeito repetido à constituição no que se refere à autonomia das Universidades,à democracia interna e à indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão;

• Desestímulo financeiro à pesquisa3

• Expansão desigual e sem controle de qualidade da pós-graduação, com crescimentodesenfreado de cursos endogênicos4;

• Privatização crescente do espaço público, através de cursos regulares,especializações, mestrados e doutorados, assessorias, consultorias, etc. oferecidos,como mercadorias, através das fundações de apoio;

• privatização branca do espaço público através de mestrados profissionalizantespagos e de cursos seqüenciais pagos;

• desmantelamento dos processos de avaliação institucional5;• desmantelamento de programas acadêmicos (e.g. PET), com cortes de bolsas, na

graduação e na pós-graduação;• aligeiramento da graduação através de cursos seqüenciais, colocados no mesmo

patamar valorativo dos cursos de graduação, ou de propostas de encurtamento dagraduação6;

1 Nos últimos sete anos as 52 instituições de ensino superior federais viram seus recursos reduzidos a apenas 0,61% doPIB (ano 2001). Em 1994, este percentual era de 0,91% do PIB (fonte: www.ipeadata.gov.br).2 Em 2000, 79,8% das vagas no ensino superior estavam no setor privado. Enquanto a relação global foi de3,3 candidatos/vaga, na universidade pública esta relação chegou 8,7 candidatos/vaga (Fonte: Ipea).3 (valeria registrar o que recentemente disse GLACI ZANCAN, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso daCiência: “a sociedade precisa tomar conhecimento dos riscos das medidas tomadas pela área econômica do governofederal, cortando em aproximadamente 45% o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia”. O risco é real. Oorçamento do CNPq tem se mantido no mesmo patamar, apesar da inclusão de novos programas e da desvalorização doreal. A execução orçamentária dos primeiros quatro meses deste ano mostra que praticamente apenas os recursos de bolsasvêm sendo liberados. “O contingenciamento anunciado, retirando quase a metade do orçamento do Ministério da Ciênciae Tecnologia, será catastrófico. Estará colocando em risco todo o sistema de C&T, além de anular todo o esforço feito nareformulação da área”, conclui. Fonte: Agenda do CCE (CCE/UFSC, 17 de junho de 2002).4 Chega a ser escandaloso, por exemplo, o que vem ocorrendo pelo país com os cursos de mestrado e especialização,encomendados por levas de quase-aposentados que buscam maior titulação antes de se aposentarem em instituiçõespúblicas. É escandaloso ver também a absoluta ausência de controle de qualidade acadêmica. A bem da verdade, noúltimo ano a CAPES, tardiamente, vem atuando para inibir a proliferação a qualquer custo.5 O Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (PAIUB), gestado na comunidade universitária soba coordenação do MEC durante a administração de Murílio Hingel, foi simplesmente marginalizado pelo Ministro PauloRenato. Embora o MEC tenha caprichosamente substituído todos os antigos membros da Comissão Nacional por pessoasmais simpáticas às políticas do atual governo e, embora tenha feito tentativas para reavivar o Programa em 2000, ainiciativa não logrou êxito.6 O caso mais recente desta apologia do aligeiramento é o artigo de Moura Castro na Revista Veja de21/8/2002 em que erroneamente informa que “Nos Estados Unidos, apesar de os Estados garantirem vaga emcursos superiores de quatro anos a todos os residentes, uma ampla maioria prefere a alternativa de dois

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• aligeiramento dos mestrados através da proliferação de cursos profissionalizantespagos, mesmo em IES públicas e gratuitas, e da burocracia produtivista instituídapela CAPES;

• perda de qualidade acadêmica através da substituição de professores efetivos porestagiários de docência.

É possível que haja discordância em alguns aspectos deste diagnóstico, mas ajustificativa para a inclusão de cada um dos itens acima pode ser encontrada nos númerosproduzidos pelo próprio governo. Não é este é o propósito central desta exposição. O quepretendo insinuar apenas é que (1) propostas de políticas para a educação superior brasileiraterão que, necessariamente, considerar este quadro que nos está sendo deixado e (2) queprecisamos nos aprofundar em alguns aspectos desta crise, para ver como ela se derramasobre, e encarde o tecido dos campi das universidades públicas.

Em momentos de greve, como o recentemente vivido pelas Universidades Federais, porexemplo, estas revelam mais abertamente a sua crise de identidade, deixando evidente quehá, não uma, mas três universidades nos campi destas instituições. A julgar pelas fontesfinanciadoras, poderíamos dizer que nas Universidades Federais co-existem hoje aUniversidade do MEC (UNIMEC), a Universidade da CAPES e do CNPq (UNICC), e aUniversidade das Fundações de Apoio (UFA).

A UNIMEC é a universidade do ensino de graduação, dos cerca de 500 mil alunosque freqüentam o sistema federal. Suas salas de aula são espartanas, seus laboratóriosdidáticos estão desatualizados, e suas bibliotecas estão paradas no tempo. Mais e mais, assuas aulas são ministradas por professores substitutos ou por estagiários de docência daprópria instituição. Seus professores e servidores estão, há sete anos, com os saláriosvirtualmente congelados. Esta é a Universidade que, recentemente, esteve em greve por 108dias.

Ao seu lado está a UNICC, uma instituição pouco dada à graduação. Para grandeparte dela, a graduação é coisa menor, um mal necessário. Os seus interesses estão nosmestrados e doutorados, nas bolsas de produtividade em pesquisa, nos laboratórios, nasbolsas de pós-doutorado, nos estudos avançados. Os vencimentos de seus professores sãopagos pelo MEC; as complementações vêm das bolsas do CNPq, dos projetos de extensão edas consultorias. Eles são especialistas em suas áreas e em geral são requisitados no paísinteiro. Por isso, viajam muito, participando de bancas de concursos, comissõesministeriais, etc. A avaliação de seus Programas está atrelada à distribuição de recursos, e oque recebem garante “bibliotecas” próprias, em geral clandestinas e privatizadas, além deorçamentos por vezes maiores do que o da própria Unidade de Ensino a que pertencem. NaUNICC é mais ou menos assim: quanto mais alunos se formam e quanto maior o númerode publicações tanto maiores os recursos, as bolsas, a verba para gastar em equipamentos,acervo, etc. Portanto, é proibido parar! Esta universidade, exceto por raríssimas exceções,não esteve em greve, nunca entrou em greve e não pretende fazê-lo no futuro. No geral, elavai bem, obrigado!

Com igual força se expressa a Universidade das Fundações de Apoio—UFA!Através dela proliferam as especializações, os mestrados fora da sede, os cursos à distância,as consultorias, as prestações de serviços, etc. -- todos regiamente remunerados. Para se teruma idéia da dimensão desta universidade, basta uma olhada no que ocorre hoje numa das anos”. Na verdade, dos 14.791.224 de alunos matriculados no sistema universitário americano, apenas5.592.699 estão matriculados em cursos de dois anos (Ver Chronicler of Higher Education, 2002).

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universidades federais do sul, freqüentemente citada como modelo de universidade exitosa.Dos 112 mestrados oferecidos, 70 são oferecidos fora da sede, todos, é claro, pagos.Oferece, além disso, 98 programas de especialização, todos pagos. Não surpreende,portanto, que só no último ano, a pós-graduação desta instituição tenha crescido 65.5%enquanto a sua graduação, como de resto a da maioria das universidades federais do país,tenha parado no tempo. A UFA complementa o salário dos professores de tal maneira quepor vezes o salário se torna o complemento. Os professores desta universidade, portanto,estão satisfeitos. Indiferentes à crise, justificam as suas ações com o argumento de que aUNIMEC paga pouco e de que a UNICC dá mais status que dinheiro. A UFA também nãoparticipou da última grande greve e não pretende fazê-lo no futuro. Para os seus professoresé surpreendente que outros possam estar insatisfeitos. Para eles, com tanta liberdade edemanda, só um tolo poderia estar em dificuldades!

Estas três universidades, embora residam no mesmo campus, vivem em mundostotalmente distintos. A primeira imagina-se pública, grande e gratuita; a segunda imagina-se de elite, pequena, e catedrática; a terceira só pensa no próprio umbigo e usa o públicopara tornar-se cada vez mais privada e lucrativa. Em muitos casos, tornou-se um poderosoorçamento paralelo—uma criatura tão forte que é capaz de solapar a vida de quem a criou.A menos que estas contradições sejam resolvidas, a universidade continuará em crise,dividida e sem rumo.

O que ocorre nas universidades federais observa-se também em muitasuniversidades estaduais e, especialmente, nas grandes universidades estaduais paulistas,como a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade de Campinas (UNICAMP).Vejam a recente e crescente crise entre as fundações de apoio da USP e a própria USP—crise que provavelmente terá ainda muitos capítulos antes que chegue a seu denoument eseja resolvida a contento.

O que esta crise de identidade está a revelar, no entanto, parece ser apenas a pontado iceberg—um iceberg que surge submerso e traiçoeiro no oceano universitário comoparte de uma crise maior que poderia ser definida como crise de elitismo, crise de modelo ecrise financeira vivida pelo sistema universitário nacional público como um todo.

Sobre estas crises já escrevi anteriormente em textos publicados nos livrosUniversidade em Ruínas na República dos Professores e Universidade em Foco: Reflexõessobre a Educação Superior. Pretendo aqui retomar alguns aspectos da questão paradestacar o que percebo como o fio que une as várias contas deste colar-- fio este que nos dizque o colar só é um colar porque o fio existe.

A crise do elitismo, por exemplo, nos remete à pergunta UNIVERSIDADE PARAQUEM? Com relação a isto eu gostaria de dizer que o que sempre me impressionou arespeito de Thomas Jefferson—o homem que escreveu que todos os seres humanos nascemiguais e com os direitos inalienáveis à vida, à liberdade, e à busca da felicidade—é auniversidade que construiu. A Universidade de Thomas Jefferson está em Charlottesville,no estado da Virgínia. Ela é um emblema a nos dizer o que devemos evitar e o quedevemos valorizar na educação superior de um país. O campus imaginado por Jefferson diztudo: é um enorme retângulo, com a moradia estudantil, as salas de aula e as residênciasdos professores construídas, lado a lado, em suas linhas externas, ficando a parte interna —um gramado capaz de abrigar um campo de futebol — reservada para os encontrosinformais, festas, conversas e lazer. Quem visita o campus não pode deixar de observar queas moradias estudantis concebidas por Jefferson são quartos individuais, cada quarto com oseu próprio porão. É estarrecedor descobrir que o porão está ali simplesmente porque os

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alunos da universidade de Jefferson não conseguiam viver sem os seus escravos. Ou seja, oporão era o espaço da época destinado ao estacionamento do escravo de cada um dosalunos.

Em retrospectiva fica claro que Jefferson criou uma instituição que não apenasreproduzia uma sociedade racista, mas que escancaradamente buscava atender aosinteresses da aristocracia agrária de seu tempo, tornando o domínio do saber uma meraforma de instrumentalizar as novas gerações para que estas pudessem assim melhorpreservar a sua posição hegemônica.

É claro que hoje os tempos são outros. Os Estados Unidos, ao contrário do quepossa parecer, percebeu cedo que a educação é um elemento fundamental para a soberanianacional e para a melhoria da qualidade de vida da população e, neste sentido, em especialdesde meados do século passado, têm buscado incluí-la na sua agenda de políticas públicas.Em função deste esforço, os Estados Unidos são hoje um país com 55% da população, nafaixa etária entre 18 e 24 anos, na educação superior. Dizer que os tempos são outros nosEstados Unidos, portanto, não é figura de retórica.

No Brasil, nem tanto. Apenas a título de comparação convém assinalar que o Brasilpossui atualmente cerca de 2 milhões e 500 mil universitários. Se fossem mantidas aqui asproporções americanas, para a faixa etária apropriada, o Brasil deveria ter hoje um númerode alunos bem maior, no mínimo 8 milhões de estudantes—uma constatação que apenasuma vez mais reforça a tese de que o Brasil clama por um grande projeto nacional dedemocratização do acesso à educação superior.

A verdade é que o Brasil continua concebendo a universidade como coisa para umpequeno e seleto grupo—um espaço onde alguns poucos privilegiados têm a oportunidadede acessar o último conhecimento. Que a universidade deve servir à sociedade que a criouparece não haver dúvidas. Resta, no entanto, saber a que sociedade deve servir. E nestesentido, parece evidente que num país democrático, ou que se queira democrático, auniversidade precisa romper com o elitismo que a concebeu e engajar-se num projetonacional que promova o acesso das populações hoje excluídas e transforme asuniversidades brasileiras em universidades do povo, para o povo e pelo povo.

O que está acontecendo entre nós é o contrário: as já elitizadas e excludentesuniversidades públicas elitizam-se ainda mais e forçam populações inteiras de jovens abuscarem nas universidades privadas e pagas o seu único refúgio7. Hoje é duas vezes maisdifícil ingressar em um curso de graduação de uma universidade pública do que há 5 anosatrás. Estamos hoje entre os países com um dos sistemas de educação superior maisprivatizados do planeta. Na América Latina perdemos apenas para a República Dominicanae El Salvador.

Além disso, é importante observar que, na IES públicas, os cursos de graduaçãotiveram, em qualquer comparação com o crescimento da demanda, as suas vagaspraticamente congeladas nos últimos anos. Em compensação, os cursos de especialização(pagos) e os cursos de mestrado (já em sua maioria pagos em algumas universidades

7 Para os alunos mais aquinhoados acaba de ser criada, em várias universidades públicas, a possibilidade de oscandidatos excluídos pelo no nosso vestibular estudarem na Espanha e na Alemanha, onde estes pagarão pelosseus estudos mas, acreditam os instituidores do Programa, receberão educação de boa qualidade. As elitesdescontentes com a baixa qualidade da educação superior privada no Brasil e a crise econômico=financeiradas universidades européias parecem ter descoberto um negócio que beneficia a ambos. É claro que dedemocratizante o projeto não tem nada.

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públicas) e de doutorado, que abrem muitas outras oportunidades, vantagens ecomplementações salariais, tiveram uma nos últimos sete anos um crescimento vertiginoso.Nas IFES, por exemplo, a Pós-Graduação como um todo (aí também incluídos os cursospagos e fora da sede) experimentou um crescimento de 154%.

Outro detalhe: sob outra forma, estamos novamente diante da praga dos excedentes,que tanto transtorno causaram nos anos 60 e 70. A previsão é de que, mantida a atualrelação candidato/vaga de 10/1, nas universidades públicas, teremos produzido até 2009 emtorno de 15.200.000 excedentes. Muitos irão para a “Universidade da Esquina”, ondepagarão o olho da cara e receberão uma educação, muitas vezes, de qualidade questionável;outros, mais aquinhoados, irão estudar na Europa, como nos tempos coloniais; e outrossimplesmente abandonarão a idéia de continuar os seus estudos, conformando-se de formarelutante com a educação de nível médio que receberam. É para atender a este crescentecontingente de excluídos, que um grupo de parlamentares do PT propõe que o setor públicoquintuplique o número de alunos das instituições públicas e gratuitas nos próximos cincoanos. Em documento chamado “Universidade Pública para Todos—do Sonho àRealidade”, estes parlamentares, liderados pelo Padre Roque, apresentam várias sugestõespara alavancar os R$11 bilhões a mais necessários para o feito.

Embora, em alguns aspectos, questionáveis na sua forma de buscar recursos, estasalternativas resultam da percepção do óbvio: a universidade pública está excessivamenteelitizada e é urgente que algo seja feito para democratizá-la. Nenhum governo seriamentepreocupado com o avanço da ciência e da arte ou com a soberania nacional pode dar-se aoluxo de manter verdadeiros exércitos de excluídos e de decretar como suficiente a educaçãorecebida ao final do nível médio.

Quem, no entanto, conhece a política oficial brasileira dos últimos sete anos e quemconhece o interior dos campi das universidades federais não tem a menor dúvida de que istoé tarefa que exigirá uma alteração radical nas políticas públicas para a educação superior eum esforço hercúleo para mudar a cultura dentro dos campi.

Há algumas semanas atrás participei de um debate com a Professora Maria HelenaGuimarães Castro, vice-ministra da Educação, na PUC-Campinas. Pude ouvir de viva voz,por exemplo, que o provão, construído segundo os ditames de uma lógica avaliativacontroladora, foi concebido pela atual equipe do Ministério como um instrumento paramelhorar os números da educação superior brasileira. Como é sabido, o Brasil, há poucosdias, tinha apenas 11.7% da população da faixa etária de 18 a 24 anos na educação superior,contra 20% da Bolívia, 39% da Argentina e mais de 50% da maioria das naçõesdesenvolvidas. Criar o provão nestas circunstâncias significou, pura e simplesmente, poderdizer aos empresários da educação: “podem abrir as escolas que quiserem, mas saibam quenós vamos aplicar o provão aos graduandos” ou, como prefere a vice-ministra, vamosaplicar o provão “para fomentar a expansão com qualidade”. Desnecessário dizer quemelhores números, especialmente se gerados sem a utilização de recursos públicos, caembem junto ao Banco Mundial.

Ocorre que, como sabemos, o provão não prova nada, e a democratização pela viaprivada é perversa, pois enquanto assegura o acesso à universidade inviabiliza apermanência no campus para a maioria. E mais: as universidades públicas, como járessaltamos, têm dado estímulo apenas para expandir a pós-graduação e, mesmo esta, emsua forma regular e contínua, vem sendo vitimada pela política escancarada de privatizaçãobranca que se instalou nos campi.

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E aqui é preciso destacar que a privatização branca do espaço público, capitaneadapelas fundações de apoio, mas materializada por um sem-número de outros estratagemasdesenvolvidos por pessoas inteligentes e que vêem seus salários arrochados (extensõesregiamente pagas; consultorias que colocam o público abertamente a serviço do privado;projetos do CNPq que jogam nas mãos de indivíduos recursos para projetos de frágil ounenhum respaldo institucional; cursos de fundações que competem com, e substituem osoferecidos pela instituição pública; arquitetos que fazem projetos para o mundo mas quenão têm tempo para os projetos da universidade; servidores liberados para continuarem osseus estudos, mas que usam o tempo para trabalhar e complementar os seus salários; etc.etc. etc.), resulta em grande parte da política de privatização do sistema nacional deeducação superior e, é claro, da política de elitização da universidade pública. No fundo, nofundo, no entanto, ela é resultado de uma concepção de modelo de educação superiorprivilegiado pela atual equipe do MEC. Fundamentalmente, está em questão a resposta quedamos à pergunta: QUE UNIVERSIDADE QUEREMOS?

E quanto a isto não há como não lembrar que em 6 de novembro de 1994, um dosentão futuros assessores do Ministro Paulo Renato iniciava uma reunião preparatória dogrupo da educação de FHC, exibindo um livro que levava o título de The One-HundredBest American Colleges.

Para entender melhor o que são os colleges a que se referia o ex-assessor doMinistro é preciso ir à “matriz”, pois college, ao contrário do que parece, não é nemcolégio nem universidade. A julgar por textos produzidos por assessores do Ministro, aeducação superior pública brasileira deveria seguir o “master plan” californiano. Aproposta, em linhas gerais, era e, de certa forma, continua sendo construir um sistema comtrês tipos de instituições: Universidades, Instituições de Ensino e Colleges. Cada umadestas instituições teria uma identidade própria, claramente definida, devendo limitar-se aexercer as funções que lhe fossem atribuídas.

No plano mestre da Califórnia, estes grupos são conhecidos como (1) o Sistema UC(University of California), aí incluídos UC Los Angeles, UC Santa Bárbara, etc; (2) oSistema CalState (California State), com uma instituição em cada cidade de grande porte; e(3) o Sistema dos Colleges, com pelo menos um em cada cidade de porte médio.

A criação dos colleges foi um dos grandes projetos populares de Franklin DelanoRoosevelt (FDR), o Presidente criticado pela Direita e que, nos anos da Grande Depressão,dividiu e desmantelou a Esquerda americana com as suas políticas sociais, entre elas a de,através dos colleges, adiar o ingresso de milhares de jovens no mercado de trabalho.

O plano mestre da Califórnia, no entanto, é mais recente, de 1960, e faz parte de umaudacioso programa de democratização do acesso ao conhecimento. Com relação a esteexitoso plano, é bom saber que uma Comissão supra-partidária do Senado da Califórniaconcluiu, há meia dúzia de anos atrás, que a grande meta da democratização do acesso aoconhecimento foi atingida. O problema passou a ser de qualidade. Neste sentido, o relatóriofaz uma ressalva importante: a divisão tripartite do sistema é excessivamente rígida earbitrária, prejudicando a qualidade do ensino. Embora a Comissão tenha tido o cuidado depropor que a pesquisa de ponta permaneça função exclusiva das Universidades do sistemaUC, recomenda que todas as instituições, inclusive os colleges, façam algum tipo depesquisa, ou pelo menos “scholarship”, pois “todo bom ensino depende diretamente daatividade de pesquisa a ele associada”.

Em uma época em que, no Brasil, indissociabilidade entre ensino, pesquisa eextensão virou palavrão, mesmo que faça parte do texto constitucional, o relatório dos

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senadores da Califórnia ressurge como um alerta. A experiência dos colleges tem sido, defato, positiva e adquire um significado social que precisa ser considerado. Colleges, noentanto, não substituem e não pretendem substituir universidades, e não podem servir depretexto para desprestigiá-las e desqualificá-las. Por mais importantes que os collegespossam ser para a economia do país, uma nação soberana não pode prescindir de umaeducação universitária desatrelada do imediatismo do mercado. Uma grande nação precisa,e muito, de Universidades preocupadas não só com o presente e o existente mas tambémcom o futuro e o que ainda não existe, algo de que os colleges, pela sua naturezaeminentemente operacional, são incapazes.

O projeto dos colleges, no xerox mal feito pelo Brasil, mostra um lado perigoso epernicioso: gera, permitam-me o neologismo, a collegificação das universidades. Euexplico: Enquanto na matriz do capitalismo os colleges têm efetivamente um poderdemocratizante, pois permitem que a população em geral continue os seus estudos apósdeixar o ensino médio (o que, evidentemente, é desejável), no Brasil, na versão assumida decursos seqüenciais de dois anos de duração, eles se tornam um caça-níqueis a mais do setorprivado. Por serem iniciativas mais eficientes (assim reza o imediatismo neoliberal),produzem um diploma de curso superior, com menos recursos em menos tempo e, quandoaceitas nas IES estaduais e federais, ameaçam privatizar de vez o espaço público e minar abase dos padrões de qualidade acadêmica das universidades de verdade.

Neste contexto, não surpreende a decisão do Conselho Nacional de Educação doúltimo dia 27 de maio, propondo a criação dos cursos nanicos nas universidades. Refiro-meao parecer de uma conselheira propondo diminuir a duração dos cursos universitários degraduação para três anos, com exceção dos cursos da área médica e das engenharias. PauloRenato Souza não homologou o parecer. Resolveu devolvê-lo para reexame do Conselho.Mesmo assim, é bom ficar atento: a proposta do Conselho Nacional de Educação interessadiretamente aos empresários da educação, que já fizeram os cálculos: As estimativas são deque a redução dos cursos para três anos ampliaria o rendimento das instalações das escolase do tempo dos professores em cerca de 40%. Como o gosto pelos números e o lucrotendem a andar de mãos dadas, a combinação é um prato cheio para qualquer político.

Pelos caminhos do articulado projeto neo-liberal não surpreende também encontrararticulistas nas principais revistas do país defendendo o aligeiramento da graduação.Refiro-me ao artigo de Moura Castro, anteriormente mencionado. Argumenta Moura Castroque na matriz americana há uma preferência predominante por cursos de dois anos,sugerindo que esta seja a tendência natural dos tempos. Primeiro, é preciso contestar estadita preferência. Se não bastassem os dados apresentados acima para negar a sua veracidade(é importante lembrar que os dados têm como fonte um dos mais prestigiosos diários daeducação superior americana, o Chronicler of Higher Education), o Department ofEducation, o MEC americano, também apresenta números que desmentem a preferência.Vejamos a tabela abaixo:

MATRÍCULAS POR TIPO DE INSTITUIÇÃO

TIPO DEINSTITUIÇÃO

1990 2000 2012 % MÉDIO DEAUMENTO

4 ANOSPÚBLICA

5.800.000 6.100.000 7.200.000 19%

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4 ANOSPRIVADA

2.700.000 3.300.000 3.800.000 16%

2 ANOSPÚBLICA

5.000.000 5.700.000 6.300.000 11%

2 ANOSPRIVADA

244.000 251.000 301.000 20%

Fonte: National Center for Education Statistics, do Department of Education, 2002.

Ou seja, o que diz Moura Castro sobre a preferência dos alunos americanos porinstituições de dois anos não vale nem para a década passada nem para a próxima, uma vezque o aumento percentual previsto para as instituições de 4 anos, no período de 2000 a2012, é de 35% e para as de 2 anos de apenas 31%. Na década passada, da mesma forma, asinstituições de 4 anos tiveram um aumento médio de 25% e as de dois anos de apenas 17%.Repetindo, as informações de Moura Castro estão equivocadas e, para que prevaleça averdade, precisam ser corrigidas. Com dados equivocados, algumas de suas inferênciasficam seriamente prejudicadas.

É claro que, se pensarmos apenas em fluxo de alunos e não na quantidade efetivaque escolhe permanecer no campus por quatro anos, poderíamos ter a impressão de que háde fato um número maior de alunos circulando pelos colleges de dois anos. No entanto, épreciso entender que grande número de alunos, em especial das minorias raciais e dasclasses menos aquinhoadas, buscam os colleges como trampolim para acesso àsuniversidades. Ressalte-se ainda que as taxas acadêmicas anuais médias, nas universidadesde quatro anos, são de U$ 3,510 (três mil quinhentos e dez dólares) e as dos colleges dedois anos de apenas de U$ 1,705 (um mil setecentos e cinco dólares), ou seja, menos dametade. Portanto, insinuar que há nos Estados Unidos uma ampla “preferência” por cursosde dois anos e insinuar que isto tem a ver com a tendência natural dos tempos modernos e édo maior interesse dos Estados nacionais é falacioso e tendencioso. O que há ésimplesmente uma percepção crescente de que, há muito, a educação deixou de ser área deinteresse exclusivo da Academia. A educação interessa também ao Estado, a governos, aosindivíduos, ao mercado, e estes interesses precisam ser permanentemente negociados. Aredefinição do sistema de educação superior não significa e não deve significar o fim dauniversidade; significa, isto sim, a compreensão de que para atender plenamente aosdiversos interesses, o sistema educacional precisa contemplar tipos de instituiçõesdiferenciadas, articuladas entre si, mas com identidade própria.

Antes que possa ficar a impressão de que sou contra os colleges ou cursosseqüenciais, quero deixar bem claro o seguinte: os colleges, no modelo americano, sãosocialmente importantes. Conheci dois deles com profundidade e sei o que representampara a massa dos que, sem esta oportunidade, estariam impedidos de continuar os seusestudos. Outro dado: dos mais de 15 milhões de universitários americanos, 5.7 milhõesestão em colleges públicos, onde o ensino é virtualmente gratuito. Ou seja, por mais que sepossa criticar a qualidade destas instituições a partir de padrões das universidades de elite, éimpossível negar que elas desempenham um importante papel social e que abrempossibilidades concretas para a continuidade dos estudos e para o incremento da mobilidadesocial.

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No Brasil, no entanto, na forma em que foram imaginados, isto é, como cursosseqüenciais, eles servem quase que exclusivamente para ampliar o mercado para asinstituições privadas, para aligeirar o ensino e para ser parte integrante de instituiçõesuniversitárias já existentes, collegificando a vida acadêmica do campus e privatizando oespaço público. A iniciativa tal qual está posta é, pois, desastrosa e precisa sercuidadosamente e revista.

Diante deste quadro, a um só tempo privatizante e elitista, cabe a pergunta óbvia: oque fazer? Não pretendo aqui expor um projeto de políticas públicas, mas parece-meimpossível não considerar pelo menos os dez princípios abaixo para o estabelecimento depolíticas que redirecionem a educação superior brasileira:

1. Expansão agressiva das vagas no ensino superior público, com aconseqüente gradual desprivatização do sistema como um todo,permitindo a inclusão do enorme contingente de excluídos;

2. Ampliação significativa do financiamento público;

3. Manutenção e melhoria dos padrões públicos de qualidade;

4. Gratuidade do ensino nas instituições públicas;

5. Autonomia universitária para promover o avanço das artes e dasciências, desatreladas do imediatismo do mercado, tendo sempre comofim último a melhoria da qualidade da vida;

6. Compromisso com projetos de desenvolvimento nacional;

7. Redefinição da educação superior para desbanalizar o conceito deUniversidade;

8. Administração do sistema de forma democrática e participativa;

9. Avaliação institucional permanente de caráter formativo, que tenhacomo principal objetivo a melhoria da gestão institucional e da qualidadeacadêmica;

10. Valorização dos profissionais da educação;Como estes princípios serão transformados em propostas, no atacado e no varejo, é

tarefa que cabe, parece-me, aos responsáveis pela condução da educação nacional nospróximos anos e a todos nós que temos, há anos, assumido um compromisso inarredávelcom a educação superior. A tarefa é evidentemente árdua, mas é urgente e necessária.

Disse-me um dia desses uma professora Cearense que estava muito desgostosa com osrumos internos de sua universidade que, para ela, grande parte dos problemas da instituiçãotinha a ver com o quadro interno e, em especial, com o corpo docente. Quando pedi a elaque me explicasse o que queria dizer, ela foi categórica: “Há, hoje”, disse-me ela, “trêstipos de professores nas universidades públicas: os égua, os pai d’égua e os filhos de umaégua”. Como eu demonstrasse que não estava entendendo, ela explicou: “o égua trabalhafeito um condenado; quando surgem problemas, ele parte do princípio de que trabalharmais é a solução, e então trabalha para além dos seus limites; o pai d’égua não faz nada,sempre aparece depois que a festa está organizada, elogia o esforço alheio e lamenta não terpodido ajudar. Em geral, sorridente, para o pai d’égua tudo está sempre muito bem e, assim,ele leva a vida numa boa. Para ele, de uma forma ou de outra, tudo acabará se resolvendo e

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alguém, não ele, é claro, fará o trabalho que tem que ser feito; e o filho de uma égua nuncaestá presente para emitir um parecer, para construir um currículo, para montar umprograma, para estruturar uma política. Ele tem uma incrível habilidade para não serencontrado, nem no campus, nem em casa. Costuma chegar depois que tudo está resolvidoe, para azar dos outros, insiste que tem as melhores opiniões e que não foi ouvido, que foiexcluído. É o tipo que não vem dar as suas aulas e ainda reclama por não ter sido avisadode que não era feriado. Em suma, é o tipo que não só não faz nada, mas que ainda por cimareclama de tudo e de todos”.

Pessoalmente, estou convencido de que esta sabedoria cearense, embora seja umainteressante caricatura dos tipos com quem convivemos, não explica as verdadeiras causasda crise. Quem vive no campus sabe que o corpo docente consiste principalmente doprimeiro grupo, um grupo de abnegados (éguas), para quem a universidade é, parodiandoCruz e Souza, um orgulho, um tormento e um vinho. A verdadeira explicação para a crisede identidade, para a crise de elitismo e para a crise financeira da educação superior públicanão é atitudinal, mas política. As soluções, portanto, não podem ser buscadas emabordagens behavioristas ou na crença de que se todos desenvolvermos certas virtudes aexclusão desaparecerá como num passe de mágica, a autonomia estará garantida e a vidana universidade será um colírio para os nossos olhos. Embora as virtudes não devam nuncaser descartadas em nome de estruturalismos cegos, a história educacional está repleta deexemplos de que a estrutura das políticas públicas desenvolvidas pelos nossos governantesé fundamental na definição dos rumos que serão tomados e dos próprios comportamentosadotados pela comunidade. Embora seja verdade, como dizia Lichtenberg, que “nós, acauda do universo, não sabemos o que a cabeça está tramando”, é também verdade que, emambientes democráticos, quando os rumos escolhidos pelos nossos governantes não são donosso agrado, resta a certeza de que as suas políticas não são eternas e de que, por seremfeitas por seres humanos, podem também ser por eles desfeitas e refeitas.

Diante destas considerações de caráter geral, como fica a Avaliação Institucionalpropriamente dita? Creio que boa parte da resposta está na parábola do Mestre Halcolm,abaixo, reproduzida no livro de Michael Patton, Utilization-Focused Evaluation:

“No princípio Deus criou os céus e a terra e, ao observar o que haviafeito, disse:

—Vejam só como é bom o que fiz!E esta foi a manhã e a noite do sexto dia.No sétimo dia Deus descansou. Foi então que o seu arcanjo veio e

lhe perguntou:—Senhor, como sabe se o que criou é bom? Quais são os seus

critérios? Em que dados baseia o seu juizo? Que resultados, maisprecisamente, o Senhor estava esperando? O Senhor por acaso não está pordemais envolvido em sua criação para fazer uma avaliação desinteressada?

Deus passou o dia pensando sobre estas perguntas e à noite teve umsono bastante agitado. No oitavo dia Deus falou:

—Lúcifer, vá para o inferno!E assim nasceu, iluminada de glória, a avaliação.

—De A Verdadeira Estória do Paraíso Perdido, de Halcom.(a tradução é minha)

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Gosto da lógica desta origem. A sua lógica, aqui apresentada como demoníaca, é noentanto questionadora e se recusa à concordância cega e subserviente. Tem a coragem dequestionar até mesmo o veredicto estabelecido pela autoridade máxima estabelecida. Trata-se de uma avaliação que é subversiva da ordem—uma avaliação que desestrutura, quequestiona, que causa espanto. Ela se recusa a aceitar juízos ou verdades sem que seconheçam a hermenêutica, a metodologia, os dados, os critérios, os objetivos, os interesses,etc. E isto, para nós envolvidos com avaliação, não é pouca coisa. Vejamos de novo asperguntas do arcanjo subversivo de Halcolm:1. Senhor, como sabe se o que criou é bom? Trata-se, como vemos, de uma

pergunta epistemológica que sempre queremos ver respondida.Queremos a metodologia, os procedimentos, os passos, a ótica, aperspectiva, o ponto de partida.Queremos saber como sabemos o quesabemos.

2. Quais são os seus critérios? Ou seja, o mundo que o Senhor acha "bom"é bom em relação a quê? Quais são os parâmetros? Qual é o"benchmark"? Quais são os padrões de referência? O Senhor o estácomparando a outros mundos ou a alguma coisa em sua cabeça? Qual éesta coisa?

3. Em que dados baseia o seu juízo? “Tudo é negociável, menos os dados”,diz Michael Patton, acertadamente. Precisamos sempre de dados parasustentar as nossas inferências e juízos, sob pena de sermos acusados denefelibatas e sonhadores. Afinal, poderíamos perguntar ao Senhor, “oSenhor está dizendo que o mundo é bom em função do que fez emFlorianópolis ou na Rocinha”?

4. Que resultados, mais precisamente, o Senhor estava esperando? Osenhor atingiu os resultados que esperava? Atingiu os objetivostraçados? Os objetivos, como sabemos, podem não ser a única coisa quedeve nos orientar na vida, mas eles são sem dúvida importantes paraentender o que motiva nossas ações e nossos juízos. Os objetivos, alémdo mais, podem ser pífios e vazios, como não nos cansamos de descobrira medida que passam os anos.

5. O Senhor por acaso não está por demais envolvido em sua criação parafazer uma avaliação desinteressada? Ou seja, a contenda poderia serverbalizada da seguinte forma: “será, Senhor, que os seus interesses nãoo estão cegando? Não seria melhor deixar outros avaliarem a sua obra?Um avaliador externo talvez? Será que o Adão realmente gosta de andarnu? Ou de não poder comer a maçã? Se o senhor fosse escritor, pintor ouartista, não seria bom também deixar o leitor, o espectador ou o públicoavaliar o seu trabalho? Afinal, de que adianta apenas a sua avaliaçãopositiva, se os outros acham a sua obra deficiente? Não seria salutar umajustaposição entre o valor intrínseco e o valor de mercado, até paraentender os interesses em jogo? Além do mais, Senhor, e o Senhor sabemuito bem, quando estamos demasiadamente próximos perdemos a

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capacidade de ver o todo e a simetria entre as partes. Não seriaaconselhável permitir uma observação um pouco mais distanciada”?

As perguntas de Lúcifer são, como vemos, boas perguntas, e eu diria que estão na baseda atitude avaliativa questionadora, libertadora, ou para usar os termos de Leite, Bordas eoutros, emancipadora. Estão também, com algumas diferenças, na base do raciocínioavaliativo de Sócrates. Na história de vida de Sócrates, na verdade, está até hoje a lógica daverdadeira avaliação educacional, aquela que mexe com o que mais nos incomoda: aqualidade, a ética, a capacidade dos educadores e de seus métodos de trabalho. A históriade Sócrates não é muito diferente da do Lúcifer imaginado por Halcolm. Ambos, porexemplo, são avaliadores condenados pelo que ousam fazer: avaliar os avaliadores e a asavaliações. Sócrates é condenado à morte e Lúcifer a fazer um passeio até o inferno, comapenas a passagem de ida. Sócrates, do mesmo modo, também questiona um juízo divino,uma avaliação divina, feita pela autoridade máxima estabelecida. Sócrates, então, pode servisto não apenas como o educador que primeiro estabeleceu as bases para a avaliaçãoenquanto disciplina de estudo e disciplina de vida, mas também como aquele que criou oque hoje nós chamamos de meta-avaliação, ou o que o Joint Committee americano chamamais sofisticadamente de "The Program Evaluation Standards ( Os Padrões para aAvaliação de Programas). Sócrates tem ainda outro mérito: ele não apenas critica aavaliação autoritária e não fundamentada em fatos, mas ele sai em busca da informaçãonecessária para confirmar ou rejeitar os juízos estabelecidos pelas autoridades. Cada passode sua peregrinação acaba sendo uma aula de avaliação dos processos educacionais, nãoimportando se estes processos estão se desenvolvendo em praça pública, na corte de justiça,como na Apologia, na prisão, como no Critão, durante um passeio ao longo de um rio,como no Phaedro, se num jantar entre amigos, como no Simpósio, ou num bate papo comum poeta ou ator, como no Ion. Assim como o processo educacional não se esgota entrequatro paredes, a avaliação também não pode fugir do contexto na qual se insere.

Para aprofundar estas questões, talvez seja aconselhável observar as perguntas que, háalguns atrás, David Nevo, professor da Universidade de TelAviv, elaborou para sugerir asdimensões a partir das quais a avaliação deveria ser abordada. Nevo sugeriu as seguintesdez perguntas:1. Como a avaliação é definida?2. Quais são as funções da avaliação?3. Quais são os objetos da avaliação?4. Que tipo de informação sobre o objeto deve ser reunido?5. Que critérios devem ser utilizados para julgar o mérito e o valor de um objeto avaliado?6. A quem deve servir a avaliação?7. O que entendemos por processo de avaliação?8. Que métodos de investigação devem ser utilizados na avaliação?9. Quem deve fazer a avaliação?10. Através de que critérios deve a avaliação ser julgada?

As respostas que damos a estas perguntas definem, em grande parte, a nossa maneira dever e pensar a avaliação. Nevo, como convém a todo bom estudioso, tentou verificar se aliteratura sobre a matéria chega a alguns consensos nas respostas a estas perguntas. Eletentava, enfim, saber do estado da arte.

Embora ele descobrisse que pode haver muitas respostas às perguntas acima, Nevosugere que há uma relativa unanimidade nas respostas dadas. Assim, depois de uma

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discussão pormenorizada, ele propõe que as perguntas acima sejam respondidas da seguintemaneira:1. Como é definida a avaliação?“A avaliação educacional é um processo sistemático de identificação de mérito e valor dosobjetos educacionais.2. Quais são as funções da avaliação?

A avaliação educacional pode servir a quatro diferentes funções: (a) formativa (paraaperfeiçoamento); (b) somativa (para seleção e prestação de contas); (c) sócio-política (paramotivar e conseguir apoio público); e (d) administrativa (para exercer autoridade).3. Quais são os objetos da avaliação educacional?

Objetos comuns da avaliação educacional são os estudantes, o corpo docente e técnico-administrativo, os currículos, os materiais instrucionais, programas, projetos, e asinstituições como um todo, mas em princípio qual objeto educacional pode ser um objetoda avaliação, a priorização dependendo dos interesses dos agentes situados em ummomento histórico específico.4. Que tipo de informações devem ser reunidas acerca de um objeto?

Quatro tipos de variáveis devem ser consideradas com relação a cada um dos objetos.Estas variáveis enfocam: (a) os objetivos do objeto; (b) suas estratégias e planos; (c) seusprocessos de implementação; e (d) seus resultados e impactos. Ou seja, uma avaliação sériadeve ir muito além do escope de produtos e resultados.5) Que critérios devem ser utilizados para julgar o mérito de um objeto?

Os seguintes critérios deveriam ser considerados ao julgar o valor ou mérito de umobjeto educacional: (a) responder a necessidades identificadas de clientes reais oupotenciais (por exemplo, o que o Coordenador de Curso ou o pró-Reitor necessitam paramelhorar o ensino de graduação); (b) atingir objetivos, ideais ou valores sociais nacionais(e.g., o nível salarial dos ex-alunos ou o status social por eles alcançado); (c) atingir normasou padrões previamente acordados (e.g., nível de bilingüismo definido por bilíngües, ou ospadrões estabelecidos pelos especialistas que elaboram o provão); (d) superar objetosalternativos (e.g., a UFSC é melhor que a UNICAMP); e (e) alcançar objetivos importantese expressos pelo objeto da avaliação (e.g., objetivos da instituição que podem ser medidospor sua eficácia administrativa ou por sua eficácia social. Critérios múltiplos devem serutilizados para cada objeto.6) A quem deve servir a avaliação?

A avaliação deveria atender às necessidades de informação de todas as partes reaisou potenciais interessadas no objeto da avaliação (os stakeholders). É responsabilidade doavaliador ou dos avaliadores identificar os “stakeholders” de uma avaliação e identificar ouprojetar as suas necessidades de informação. Como na universidade convivem muitosinteresses, muitos deles em conflito (e.g., a academia, os governos, os alunos, os pais, acomunidade circundante), a tarefa da avaliação torna-se particularmente árdua, pois aavaliação cabe sempre por servir aos interesses dos que detêm a titularidade. Para reduzir atendenciosidade dos processos e é claro da comunicação dos resultados, é que Cronbach eseu grupo (1980) sugeriram que os avaliadores raciocinem em termos de “policy-shapingcommunities” e não de decisores. Na universidade isto significaria que os avaliadores sesentiriam mais inclinados a ouvir um colegiado do Departamento do que o Chefe, mais umConselho da Unidade do que o seu Diretor, mais uma Câmara de Ensino do que o seurespectivo Pró-Reitor, mais um Conselho Universitário do que o Reitor. Ou seja, a lógica

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da avaliação deve tender para a democratização do controle e não para o controle dos entesdemocráticos.

Há, no entanto, que se reconhecer que, havendo interesses avaliativos diferentes emfunção dos públicos distintos, há que se pensar que nem tudo interessa a todos e queexcesso de informação pode comunicar menos em vez de mais. Daí que a agonia de ter queomitir muitas vezes é inevitável e talvez seja aconselhável a produção de relatóriosdiferenciados para segmentos diferenciados. Em nível de universidade poderíamos dizerque certas coisas interessam ao Departamento e ao Centro mas não tanto ao Reitor (e.g.,questões relativas à grade curricular, utilização das verbas por grupos específicos dentro deum Departamento ou dentro de um Centro ou ainda alocação de espaço físico). Oupoderíamos ainda perceber a importância de relatórios diferenciados para alunos, servidorestécnico-administrativos e professores, em razão das diferentes funções que exercem. Háquem no entanto argumente que diferenciar relatórios significa esconder a verdade. Deveficar entendido, entretanto, que numa avaliação democrática e participativa, todos osrelatórios devem estar disponíveis para todos os interessados, e que o relatório diferenciadoé apenas uma estratégia de comunicação com o objetivo de apresentar de forma mais clarae ágil o que de outra forma pode ser difícil e demorado.7) Como é o processo da avaliação?

Independentemente do método de investigação, um processo avaliativo deveriaincluir as três atividades seguintes: (a) enfocar o problema da avaliação; (b) coletar eanalisar dados empíricos; e (c) repassar ao público da avaliação as descobertas. Há mais deuma sequência para implementar estas atividades, e qualquer destas sequências pode (e àsvezes deveria) ser repetida várias vezes durante o tempo de vida de um estudo avaliativo.Aqui eu gostaria de destacar algo que me parece estranho: na literatura americana é poucocomum ouvir-se falar de sensibilização como etapa inicial do processo. Para nós, comosabemos, esta tem sido uma das etapas mais enfatizadas nos processos semelhantes aoPAIUB ou que antecederam ao PAIUB.

8) Que métodos de investigação devem ser utilizados na avaliação?Por ser uma tarefa complexa, os avaliadores precisam mobilizar muitos métodos

alternativos de investigação das ciências do comportamento e campos de estudo correlatos,devendo utilizá-los de acordo com a natureza dos problemas avaliativos específicos. Noatual estado da arte, recomenda Nevo, uma preferência a priori por qualquer métodoespecífico de investigação (quantitativa-científica, somativa ou qualitativa-naturalista,descritiva) não é recomendada.

9. Quem deve fazer a avaliação?Daniel Stufflebeam arrola 234 competências para o bom avaliador. Scriven é mais

modesto: arrola apenas cinco. Nevo, mostrando clara preferência pelo que diz Scriven,resume tudo para nós nas seguintes habilidades ou competências. A avaliação deve serconduzida por indivíduos ou grupos que possuam (a) competência significativa emmetodologia de pesquisa e outras técnicas de análise de dados (estatística ou um doutoradoajudam); (b) compreensão do contexto social e da substância singular do objeto daavaliação (a universidade está no Cariri ou em Campinas? Ou não pode admitir que umacoisa seja avaliada como se fosse outra; ou que se entenda o porquê dos temores do cavaloBucéfalo); (c) a habilidade para desenvolver boas relações humanas com indivíduos ougrupos envolvidos com a avaliação (talvez uma das mais importantes, pois esta consegue

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trabalhar as diferenças ideológicas e atitudinais dos indivíduos ou grupos); (d) integridadepessoal; (se a integridade pessoal é questionada, a própria integridade dos dados équestionada. A confiabilidade da avaliação depende muito disso, embora haja sempre orisco do ad hominem); (e) objetividade (segundo Michael Patton, um dos papas daavaliação qualitativa, “qualquer coisa é negociável em avaliação menos os dados. Sem osdados temos a avaliação lusitana...); (f) uma estrutura conceitual capaz de integrar ashabilidades anteriores.

10. Com base em que padrões deve a avaliação ser julgada?A avaliação deve buscar um equilíbrio ótimo na busca dos seguintes padrões:(a) utilidade (para ser útil e prática); (b) exatidão (para ser tecnicamente adequada); (c)viabilidade (para ser realista e prudente); e (d) propriedade (para ser conduzida deforma legal e ética).

Se fôssemos aplicar este conjunto de perguntas ao que vemos acontecendo naeducação superior no Brasil nos dias de hoje, especialmente depois do assassinatopremeditado do PAIUB e da implantação do Provão, teríamos que concluir que a lógicareguladora e estatal implantada pela Administração Paulo Renato segue exatamente nacontramão do conhecimento acumulado na área. Por exemplo, o provão é no máximo umaquase avaliação e nunca uma avaliação verdadeira, nos termos definidos por Stufflebeam,pois toca apenas tangencialmente em questões de valor, estando longe de ser um processosistemático de identificação de mérito e valor dos cursos de graduação conforme se propõe.

Da mesma forma, fica evidente que a sua função não é dialógica, emancipadora,pedagógica ou formativa, como convém a processos democráticos e legitimados. A suafunção é meramente classificatória e ranqueadora, com vistas a construir as bases para afiscalização, a regulação e o controle.

Os seus objetos da avaliação são mal definidos, buscando-se equivocadamenteavaliar cursos a partir da qualidade dos alunos, uma questão há muito já superada entre osespecialistas em avaliação, que consideram uma falácia querer afirmar que a qualidade dosalunos seja igual à qualidade dos cursos. Não é de se estranhar igualmente que o MEC, emsua insistência na lógica eficientista, queira reduzir o escopo de sua avaliação para o níveldos alunos, tornando-os erroneamente sinônimo da avaliação institucional -- algosabidamente mais complexo -- ou ainda, apostando na fragmentação institucional,enfatizando especialmente a especialização da avaliação, loteando o campus como se omesmo fosse a soma de instituições diversas, fruto de um apartheid acadêmico digno de serpreservado e não uma síntese dos diferentes tipos de instituição.

O valor e o mérito de um objeto educacional só pode ser determinado a partir danão-neutralidade, ou seja da guerra de valores que se trava a partir de um conjunto decritérios e grupos de agentes. A lógica reguladora tende a tornar monoglóssica ainterpretação, tende a tornar hegemônica uma única perspectiva, tende a não negociar oudialogar. Embora seja geralmente aceito que o valor ou mérito de um objeto educacionalesteja diretamente relacionado à sua capacidade de responder a necessidades identificadasde clientes reais ou potenciais, quando pensamos em universidade, por exemplo, nãopodemos pensar como cliente da avaliação unicamente o governo. É preciso que seconsiderem muitos outros interesses também, conforme anteriormente demonstrado. Damesma forma, atingir objetivos, ideais ou valores sociais nacionais pode ser uma boareferência, desde que esta base não seja tomada no seu isolamento, pois, o sucesso e aempregabilidade podem ser valores sociais desejados, sem no entanto, contribuírem de

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forma significativa para o avanço da arte ou da ciência, interesses primordiais de umauniversidade com “u” maiúsculo; O mesmo podemos dizer de exames tipo provão quebuscam atingir normas ou padrões previamente acordados por especialistas. Estes padrõesem geral refletem aproximações muito pobres do que efetivamente ocorrer no processoensino-aprendizagem, para não falar da educação universitária como um todo. Da mesmaforma, superar objetos alternativos, ou seja, poder dizer que a Universidade de Cáceres étão boa quanto a Unicamp beira ao absurdo, considerando as assustadoras diferenças entreas instituições sob todos os aspectos (qualidade do corpo discente, formação do corpodocente, recursos materiais e laboratoriais, etc, etc). Ou seja, este tipo de padrão desrespeitaa identidade institucional e, por isso mesmo, deve ser rechaçado. Por fim, alcançarobjetivos importantes e expressos pelo objeto da avaliação, seja ele um curso ou instituiçãopode ser uma falácia na medida em que os objetivos muitas vezes são, como já dissemosanteriormente, pífios e vazios e não merecem ser alcançados. Resumindo: o grandeproblema da lógica reguladora é que ela acaba por escravizar os avaliadores a pré-juízos,impedindo que os objetos falem por si só e revelem com espontaneidade o que são e o quepretendem ser. É por isso que se diz que múltiplos critérios devem ser negociados,informados e utilizados para cada objeto.

A marca registrada das políticas avaliativas oficiais tem sido a fiscalização, o controle,a responsabilização; a sua lógica, a do mercado; o seu propósito, a eficiência; a suapreocupação, o lucro e o impacto imediatos; a sua arma, a ameaça do descredenciamento.Como vimos, no entanto, há na avaliação verdadeira e séria uma outra lógica. Concluo comas palavras de Leite e Bordas que, no meu entender resumem bem o grande conflito quehoje há entre o Estado brasileiro e a Academia:

“Enquanto [a lógica reguladora] tem seus paradigmas orientados pelas racionalidadestécnico-instrumental e político-administrativa, [a lógica emancipadora] se orienta porpressuposições pós-modernas, que consideram a possibilidade das diferenças sócio-culturais e o papel das ações discursivas, comunicativas e emancipatórias, na perspectiva deque o processo se sobrepõe à estrutura e o humano prevalece sobre o técnico”.

OBRAS CONSULTADAS:Biondi, Aloysio. O Brasil privatizado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001.Dias Sobrinho, José e Ristoff, Dilvo. Avaliação democrática para uma universidade cidadã. Florianópolis: Insular, 2002.Joint Committee for Review of The Master Plan in Higher Education. California Faces California’s Future: Education for Citizenship in a Multicultural Democracy. Sacramento, California: 1995.Leite, Denise Cavalheiro e Bordas, Merion Campos, in Educación Superior Y Sociedad (Vol 5 – Nos. 1 e 2, 1994, pp. 109-123.Ristoff, Dilvo. Universidade em foco: reflexões sobre a educação superior. Florianópolis: Insular, 1999.Trindade, Hélgio, org. Universidade em ruínas na república dos professores. Petrópolis: Vozes, 1999.

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O CUSTO PRDilvo I. Ristoffi

Agora que se aproxima o day after do atual governo, o custo Paulo Renato (PR) para aeducação superior começa a ser calculado. Em todos os cálculos, a conclusão é a mesma:apesar do intenso marketing ao contrário, o custo PR será alto, muito alto.

É que a educação superior brasileira, a partir de 1995, adquire fineza de definição navulgarização do sentido de universidade; na privatização do sistema; no desinvestimentoprogramado nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES); no crescimento daexclusão no acesso às IES públicas; no desrespeito à Constituição no que se refere àautonomia das Universidades e à democracia interna; no crescimento desenfreado de cursosendogênicos de pós-graduação; na privatização do espaço público, através das fundações deapoio; no desmantelamento dos processos de avaliação institucional; no aligeiramento dagraduação através de cursos seqüenciais; entre outros.

Para as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), o custo PR tem sidoespecialmente alto. Em recente publicação da ANDIFES, observamos que as IFES tinham,em 2000, 41.900 docentes; em 1995, quando PR assumiu o MEC, tinham 42.678, ou seja,778 a mais. Em 2000 as IFES tinham 79.888 servidores; em 1995, tinham 93.364, ou seja,13.976 a mais. Em 2000, o orçamento do pessoal ativo, isto é, para as despesas com quemsustenta as operações diárias das instituições, era de 4.051 bilhões; em 1995, era de quase 5bilhões, ou seja, quase 1 bilhão a mais. Em 2000 a verba de capital era de 20,8 milhões; em1995, era de 74,3 milhões, ou seja, 54 milhões a mais. Em 2000, a verba de manutenção erade 380 milhões; em 1995, a verba era de 460 milhões, ou seja, 80 milhões a mais.

Se considerarmos que, no mesmo período, as IFES acrescentaram aos seus cursosde pós-graduação 67.974 alunos e aos de seus cursos de graduação outros 103.633,entende-se melhor por que o MEC alardeia eficiência e aumento de produtividade enquantoprofessores se dizem assoberbados e buscam guarida junto às fundações de apoio, tentandogarantir complementação salarial, compra de equipamentos e livros e reformas em seusespaços de trabalho.

Para uma comunidade competente como a dos docentes, é relativamente fácilconstruir saídas individuais. Possuidores de conhecimento altamente especializado e,portanto, negociável no mercado, os docentes oferecem consultorias, assessorias e umnúmero cada vez maior de cursos pagos. Recuperam assim, com vantagem, os rendimentosque o governo a cada ano retira de seus contracheques. A solução do problema individual,no entanto, apenas agrava o problema institucional: contribui para a privatização branca doespaço público, gera a perda de qualidade na graduação e alimenta a expansão dos negóciosdo ensino superior privado, em geral, de baixa qualidade e de alta lucratividade.

Nem tudo, no entanto, pode ser atribuído à vilania dos planos de PR. Já há algunsanos atrás, Robert Nisbet, quando falava do enfraquecimento do dogma das universidadesde verdade, escrevia: “Tamanha é a capacidade da Universidade de colocar recursoshumanos à disposição da sociedade que os seus professores e alunos se tornaram vítimas daterrível doença da mente a que os antigos gregos chamavam húbris. Húbris é orgulhoarrogante, orgulho que precisa constantemente de auto-confirmação através da busca denovas glórias, que precisa, como Fausto, buscar o ilimitado e o infinito. Se nobre, por que auniversidade não poderia ser também importante? Se importante, por que não poderia serrica e politicamente poderosa? Por que não poderia ser, a um só tempo, filósofo-rei,filósofo-Croesus, filósofo-soldado, filósofo-estadista, filósofo-curandeiro, filósofo-

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assistente social, ou mesmo filósofo-revolucionário? É o que Fausto sonharia. Mas não foiisso o que aconteceu! Quanto mais importante a universidade se tornava, tanto menos nobrese tornava o seu propósito e a sua atitude. Quanto maior o seu poder externo, tanto menor asua autoridade interna . . . De um gigante da auto-estima, . . . a universidade passou a ter aestatura de um pigmeu, para, rapidamente, tornar-se objeto de desdém, escárnio e ódio”.Em suma, talvez nem tudo seja obra de PR. Talvez PR tenha apenas semeado em solo fértil.Talvez caiba também um mea culpa da comunidade acadêmica.

Mas, o PAIUB, hoje deformado, moribundo, deixado de lado pela voracidade dodramatismo da mídia, talvez nada mais seja do que um sonho de alguns Dilvos e Diasteimosos. E o que acontece com os sonhos adiados? Ah, disto quem entende é o poetaLangston Hughes. E o que diz o poeta negro Langston Hughes, representante de uma raçaque teve tantos sonhos adiados? Em um de seus poemas mais conhecidos ele se pergunta:

O que acontece ao sonho adiado?Será que seca como uma passa de uva ao sol?Será que infecciona e escorre como uma ferida aberta,Será que cheira mal?Ou será que cria crosta como um doce meloso?O que, o que acontece ao sonho adiado?Talvez só se instale como um fardo dolorosoUm fardo que remover ninguém pode?Ou será, será que um dia explode?A verdadeira avaliação educacional e a verdadeira universidade são hoje sonhos

adiados. O que vai acontecer com eles depende de cada um de nós.

i Dilvo I. Ristoff é Diretor do Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de SantaCatarina. Foi presidente do Fórum Nacional dos Pró-Reitores de Graduação das Universidades Brasileiras.