Autismo e Morte
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Autismo e Morte, primeiro livro da Série Distúrbios do Desenvolvimento, resulta de uma dissertação
de mestrado apresentada no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP).
A obra enfoca um aspecto específi co muito pouco estu-dado, uma vez que a morte é estigmatizada e esquecida, principalmente quando se estuda a criança e, mais ain-da, quando se abordam crianças com difi culdades de comunicação e linguagem, também muito afetadas em situação de perda e morte.
O livro prima pela originalidade, seriedade e profun-didade, propiciando refl exões signifi cativas sobre a questão da morte, a sua interdição nos tempos atuais e o desenvolvimento do conceito de morte em crianças sadias, com defi ciência mental leve e com síndrome de Asperger.
Letícia C. Drummond Amorim
Francisco B. Assumpção Jr. (Org.)
Autismo e Morte
Autism
o e Morte
Letícia Am
orim
Série D
istúrbios do Desenvolvim
entoLaboratório de D
istúrbios do Desenvolvim
ento do IPUSP
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Saiba mais sobre estes e outros títulos em nosso site: www.rubio.com.br
Autismo e MorteLetícia C. Drummond Amorim
Série Distúrbiosdo Desenvolvimento
OrganizadorFrancisco B. Assumpção Jr.
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Letícia Calmon Drummond AmorimPsiquiatra.
Mestre em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP).
Francisco Batista Assumpção Jr. (Org.)Psiquiatra.
Mestre e Doutor em Psicologia pelaPontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Livre-Docente de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Professor-Associado do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP (IPUSP).
Autismo e Morte.indb IIIAutismo e Morte.indb III 6/10/2010 16:58:446/10/2010 16:58:44
Série Distúrbios do Desenvolvimento – Autismo e MorteCopyright © 2011 Editora Rubio Ltda.
ISBN 978-85-7771-072-0
Todos os direitos reservados.É expressamente proibida a reproduçãodesta obra, no todo ou em partes,sem a autorização por escrito da Editora.
Produção e CapaEquipe Rubio
Ilustração da CapaGustav Klimt “A Vida e a Morte” (1916)
Editoração EletrônicaRedb Style Produções Gráfi cas e Editorial Ltda.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Amorim, Letí cia Calmon Drummond Auti smo e morte / Letí cia Calmon Drummond Amorim; organizador Francisco Bati sta Assumpção Jr. -- Rio de Janeiro: Editora Rubio, 2011. -- (Série Distúrbios do Desenvolvimento)
Bibliografi a. ISBN 978-85-7771-072-0
1. Auti smo - Aspectos psicológicos 2. Defi ciente mental educável 3. Síndrome de Asperger 4. Transtornos globais do desenvolvimento I. Assumpção Júnior, Francisco Bati sta. II. Título. III. Série.
10-09736 CDD-155
Índices para catálogo sistemáti co:1. Auti smo : Psicologia clínica 155
Editora Rubio Ltda.Av. Franklin Roosevelt, 194 s/l 204 – Castelo20021-120 – Rio de Janeiro – RJTelefax: 55 (21) 2262-3779 • 2262-1783E-mail: [email protected]
Impresso no BrasilPrinted in Brazil
Autismo e Morte.indb IVAutismo e Morte.indb IV 6/10/2010 16:58:456/10/2010 16:58:45
À Editora Rubio, por acreditar no projeto da Série.
Ao Dr. Francisco Assumpção, pelo carinho e pelosensinamentos transmitidos em minha formação.
À minha família, a quem dedico este livro,por estar sempre ao meu lado.
Ao meu pai, saudades...
Autismo e Morte.indb VAutismo e Morte.indb V 6/10/2010 16:58:456/10/2010 16:58:45
Autismo e Morte.indb VIAutismo e Morte.indb VI 6/10/2010 16:58:456/10/2010 16:58:45
Série Distúrbios do Desenvolvimento
À medida que o tempo passa e sentimos o processo de envelhe-
cimento, os fatos e as situações parecem nos trazer uma cons-
tante sensação de déjà-vu. Isso porque nos percebemos, sempre,
em um constante ciclo no qual a construção e a destruição, o
nascimento e a morte se mesclam, se misturam e dão lugar, se-
guidamente, um ao outro.
Esta série é, mais uma vez, o recomeço de algo.
Isso porque, em 28 de novembro de 1994, foi autorizada,
pelo Conselho Diretor do Instituto de Psiquiatria do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (HC – FMUSP), a implantação do “Projeto Distúrbios do
Desenvolvimento” (PDD) com o objetivo de pesquisa diagnós-
tica e terapêutica dos quadros englobados em tais distúrbios,
ou seja, transtornos abrangentes de desenvolvimento, retardo
mental, transtornos de habilidades escolares, transtornos de
linguagem e fala, transtornos específi cos de desenvolvimento e
outros transtornos.
A partir dessa autorização, implantou-se um ambulatório
pelo qual passaram, durante os anos que se seguiram, inúme-
ros médicos-residentes, estagiários e pós-graduandos, dando
origem a numerosos trabalhos (publicados no Brasil e no ex-
terior), bem como a dissertações de mestrado e teses de dou-
torado.
Autismo e Morte.indb VIIAutismo e Morte.indb VII 6/10/2010 16:58:456/10/2010 16:58:45
No decorrer da implantação do Projeto, uma primeira série
de publicações – que, na época, pensávamos teria vida longa –
foi estruturada e, assim, publicados três pequenos livros pela
Lemos Editorial – Transtornos afetivos na infância e na adoles-
cência, Transtornos abrangentes de desenvolvimento e ado-
lescência –, todos elaborados a partir de jovens profi ssionais
que comigo trabalhavam e, como eu, acreditavam na constru-
ção de um projeto teórico e assistencial.
O Projeto cresceu e foi reconhecido em diferentes regiões,
associado ao Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescên-
cia do Instituto de Psiquiatria do HC – FMUSP, porém novos
ventos e novos pensamentos vieram na área em questão e o
problema dos transtornos de desenvolvimento foi sendo dei-
xado em segundo plano, uma vez que não envolvia grandes
abordagens medicamentosas nem proporcionava as benesses
tão caras à vida profi ssional.
Assim, para a continuidade do projeto, as orientações de
alguns trabalhos específi cos foram deslocadas para a Univer-
sidade Estadual de Campinas (UNICAMP), o que propiciou o
contato com novos alunos, permitindo-lhes que pensassem de
maneira crítica e independente.
Dez anos depois, estando então no Instituto de Psicologia
da Universidade de São Paulo (IPUSP), apresentei o fruto da-
quela ideia que vingou, independentemente das difi culdades e
dos obstáculos impostos que me fi zeram procurar novos ares e
novos lugares.
Foram então publicados mais três livros, dessa vez pela
Editora Atheneu – Autismo infantil: novas tendências e pers-
pectivas, Psicofarmacoterapia na Infância e na adolescência e
Situações psicossociais na infância e na adolescência –, envol-
Autismo e Morte.indb VIIIAutismo e Morte.indb VIII 6/10/2010 16:58:456/10/2010 16:58:45
vendo trabalhos de diferentes autores, já não mais tão jovens,
provenientes de vários lugares do País e da América Latina, que
acreditavam que a psiquiatria da infância e da adolescência ti-
nha um lugar importante e um futuro promissor. Eram frutos
de pesquisas independentes, de dissertações de mestrado, de te-
ses de doutorado, de projetos em andamento e de professores
que participaram direta ou indiretamente daquele momento de
trabalho.
Hoje, cinco anos depois, apresento uma nova série que tem
por nome Distúrbios do Desenvolvimento. Isso porque, pen-
sando que a morte pressupõe o renascimento no eterno ciclo da
vida, este trabalho representa o início de um novo ciclo, pois,
com minha ida para o Departamento de Psicologia Clínica do
IPUSP, o Projeto Distúrbios do Desenvolvimento continuou e
hoje se transformou e se ampliou no Laboratório de Distúrbios
do Desenvolvimento, proporcionando novas oportunidades a
novos alunos.
Novos projetos surgiram e, dentro do mesmo espírito da li-
berdade de pensamento e da fl exibilidade intelectual associado
ao pressuposto de que o estímulo aos jovens é a obrigação dos
mais velhos, apresentamos esta ideia.
Nosso projeto consiste em apresentar trabalhos realizados
por jovens e vinculados a questões da infância, todos derivados
de dissertações de mestrado ou teses de doutorado.
Exatamente por isso, não temos a pretensão de causar gran-
de impacto nos meios acadêmicos nem de apresentar propostas
dignas de prêmios. Pretendemos, sim, mostrar novas ideias, no-
vas pessoas e, principalmente, almejamos estimular aqueles que
caminham pelas sendas da psiquiatria e da psicologia infantil
e que se desanimam ao verem sua redução, decorrente de ma-
Autismo e Morte.indb IXAutismo e Morte.indb IX 6/10/2010 16:58:456/10/2010 16:58:45
nobras políticas que diminuíram o tempo e as oportunidades
de formação acadêmica e valorizaram modelos de atendimento
e teóricos provenientes de fontes que nunca tiveram o menor
conhecimento sobre a infância (nem ao menos se preocuparam
com ela), embora apresentem propostas grandiosas e cheias de
pretensão.
Pretendemos com isso dizer, parafraseando Che, que “ainda
que a morte venha, bem-vinda seja, desde que hajam ouvidos
atentos a nossas prédicas e mãos que empunhem as mesmas
armas que delas caiam”.
Dizemos então que esta ideia não é mais uma quimera, mas
sim um início, um novo início, destinado a que novas pessoas
que realmente têm interesse na criança (e não somente nas be-
nesses acadêmicas ou econômicas que elas podem possibilitar)
se entusiasmem e se animem na busca de possibilidades e de
construção de alternativas para a nossa infância e adolescên-
cia, tão esquecidas e tão pouco privilegiadas, uma vez que não
produzem economicamente nem traduzem seu poder através de
votos. Aliás, elas nem mesmo possibilitam grandes publicações
em periódicos de impacto.
Dizemos isso porque, a nosso ver, o objetivo de um pro-
fessor deve ser pensado socraticamente, como o de “ensinar a
pensar”, diferentemente dos modelos hegemônicos, que “per-
vertem” a juventude acadêmica em um mundo hierarquizado
e ditatorial e, principalmente, pragmático e embasado unica-
mente na economia e no poder (seja fora ou dentro do universo
acadêmico).
Assim, esta Série que ora apresento e proponho se pauta na
ideia de que “ainda que não concorde com nada do que dizes,
defendo até a morte o direito que tens de dizê-lo”. Ela tem,
Autismo e Morte.indb XAutismo e Morte.indb X 6/10/2010 16:58:456/10/2010 16:58:45
então, a proposta de mostrar temas pouco lucrativos e ideias
pouco condizentes com os modelos hegemônicos com os quais
estamos acostumados.
Continuando a pensar que é preferível “morrer em pé que
viver ajoelhado”, como diria um ícone do século XX, reafi rmo
então que é, mais uma vez, um orgulho apresentar esta Série
que, espero, venha a representar uma ideia de gênese de uma
nova geração interessada real e verdadeiramente na criança,
sem nenhum interesse mercadológico.
Com uma especifi cidade tão grande e uma proposta tão am-
biciosa (trazer novos e jovens estudiosos) e, ao mesmo tem-
po, tão pouco lucrativa (poucos se propõem a estudar a saúde
mental infantil sem as vantagens mercadológicas usuais), cabe
a mim agradecer à Editora Rubio, que acreditou na ideia e acei-
tou desenvolvê-la.
Também agradeço aos autores que irão pensar e escrever
sem nenhum ganho econômico para que esta ideia medre e fl o-
resça. A única coisa que pudemos oferecer foi a possibilidade de
que publicassem suas ideias sem qualquer tipo de infl uência ou
de restrição, o que vai permitir que se apresentem em sua tota-
lidade, com os acertos e erros que, eventualmente, ocorram.
Espero, entretanto, que a proposta da Série seja do agrado
de todos os leitores, proporcionando, além de horas prazerosas,
novas ideias e inquietações.
São Paulo, primavera de 2010Francisco B. Assumpção Jr.
Autismo e Morte.indb XIAutismo e Morte.indb XI 6/10/2010 16:58:456/10/2010 16:58:45
Autismo e Morte.indb XIIAutismo e Morte.indb XII 6/10/2010 16:58:456/10/2010 16:58:45
Apresentação
Autismo e Morte, primeiro livro da Série Distúrbios do Desen-
volvimento, resulta de uma dissertação de mestrado apresen-tada no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP) e enfoca um dos aspectos do autismo, tema que me é tão caro e ao qual dediquei boa parte de minha vida.
Aborda um aspecto específi co muito pouco estudado, uma vez que a morte é estigmatizada e esquecida, principalmente quando se estuda a criança e, mais ainda, quando se estuda a criança com difi culdades.
A morte é um fenômeno amplo que envolve aspectos biológi-cos, psicológicos e sociais, porém é um fenômeno eminentemente existencial, pois se liga a questões relacionadas com a facticidade e a limitação, bem como com os próprios projetos de vida.
A criança, enquanto vir-a-ser, é sempre um projeto em aber-to, que procuramos desvincular sistematicamente da questão da mortalidade e, assim, procuramos não associar.
Por outro lado, o autismo, enquanto um problema cognitivo que ocasiona a criação de um “novo mundo”, é visto como algo “fechado” e, geralmente, desvinculado de questões tão humanas e, por que não dizer, fi losófi cas, como a questão da mortalidade e da fi nitude.
A junção das duas categorias é uma ideia original, tendo em vista que pensar a morte envolve aspectos interessantes relacio-nados com o pensamento abstrato e a capacidade de estabele-
Autismo e Morte.indb XIIIAutismo e Morte.indb XIII 6/10/2010 16:58:456/10/2010 16:58:45
cer projetos existenciais e vivências de tempo, bem como com a própria temporalidade.
É isto que ocasiona a riqueza deste trabalho que, embora com as limitações decorrentes de uma dissertação de mestrado, vem sob a égide da originalidade e da capacidade de se tentar “pensar o diferente” sem se ater àquelas questões cotidianas, como estudos duplo-cego ou de prevalência, mais seguros e fá-ceis de serem publicados.
Como diriam alguns, é um trabalho “viajante”, que teve de ser pensado de maneira criativa e cuja metodologia teve de ser procurada, visto não ser usual.
Da mesma forma, a discussão teórica teve de ser construída de forma original, pois não existem trabalhos prévios que abor-dem a mesma temática.
Talvez uma limitação a ser apontada pelos mais puristas é que os instrumentos utilizados são, em sua maior parte, brasi-leiros ou validados no Brasil, o que, para uma ideia globaliza-da, pode signifi car pobreza e limitação.
Nós, entretanto, consideramos tal fato como rico e digno de ser apresentado, pois mostra o esforço que vem sendo feito, nos últimos anos, na tentativa de se construir um corpo de conhecimento, não copiado em sua totalidade, de trabalhos realizados fora do País. Isso porque, acreditamos, temos condições de construir e validar escalas, instrumentos diagnósticos, entre outros. Só não temos uma au-toimagem que nos faça reconhecê-los. Assim, consideramos essa aparente difi culdade um dado positivo no presente trabalho.
Espero que todos gostem de lê-lo e consigam dele tirar no-vas ideias e novos percursos, usando-o como um início e, não, como uma palavra fi nal e indiscutível.
São Paulo, primavera de 2010Francisco B. Assumpção Jr.
Autismo e Morte.indb XIVAutismo e Morte.indb XIV 6/10/2010 16:58:456/10/2010 16:58:45
Prefácio
Conheci a psiquiatra Letícia Amorim, orientanda do Dr. Fran-
cisco Batista Assumpção Jr., quando frequentou a disciplina “A
questão da morte nas instituições de saúde e educação”, no
ano de 2006. Nessa época, em que apresentou sua proposta de
trabalho, elogiei a originalidade e ousadia, ao escolher não um,
mas dois temas complexos: morte e autismo. A jovem psiquia-
tra trazia sua curiosidade para entender como jovens com sín-
drome de Asperger poderiam lidar com um tema tão complexo
como a morte.
Em 2008, participei da defesa de sua dissertação de mestra-
do e pude perceber o seu conhecimento fundamentado sobre
autismo, síndrome de Asperger, bem como quanto pesquisa-
ra sobre o tema da morte para produzir um texto completo e
atualizado, principalmente na questão do desenvolvimento do
conceito de morte em crianças.
Como esperado no meio acadêmico, pesquisadores trans-
formam a dissertação de mestrado em artigos ou livros para
atingir um público mais amplo e diversifi cado. Assim, alunos de
medicina, enfermagem, educadores, psicólogos e demais profi s-
sionais de saúde e educação poderão se benefi ciar dos conhe-
cimentos presentes nos vários temas abordados por este livro.
Trata-se de obra concisa, didática e organizada, que se inicia
pela apresentação dos transtornos globais do desenvolvimento
Autismo e Morte.indb XVAutismo e Morte.indb XV 6/10/2010 16:58:456/10/2010 16:58:45
e de como estes infl uenciam a comunicação e a linguagem, que
também são muito afetadas em situação de perda e morte. Traça
o histórico – com os caminhos e as encruzilhadas do conceito e
diagnóstico de autismo – de psicose para os transtornos globais
do desenvolvimento. O foco da obra é a síndrome de Asperger,
ainda rara e pouca conhecida por profi ssionais de saúde e edu-
cação, principalmente pelo público não profi ssional.
Entre os principais sintomas das pessoas diagnosticadas
com síndrome de Asperger, estão as difi culdades de comunica-
ção e compreensão do que ocorre à sua volta. Se a morte traz
tantos sentimentos intensos e ambivalentes e a desestruturação
na vida pessoal e familiar, podemos supor, então, como seria di-
fícil para pessoas com difi culdades justamente na área da comu-
nicação e compreensão vivenciar essa situação. Foi observado
que portadores da síndrome de Asperger podem agir como se
as outras pessoas não existissem, têm difi culdades de lidar e ex-
pressar suas emoções, e sua atenção fi ca focalizada em detalhes
e, não, em aspectos gerais.
Os Aspergers são autistas com alto funcionamento inte-
lectual, por isso conseguem acompanhar o ensino regular. Do
ponto de vista social, podem parecer estranhos, frios e pedantes,
estando sujeitos à discriminação ou exclusão nas relações so-
ciais, e apresentam difi culdades nas relações mais íntimas, com
idiossincrasias e comportamentos rudes, afastando as pessoas.
A autora destaca a teoria de Baron Cohen, que relaciona ao
autismo um défi cit cognitivo central, infl uenciando as interações
sociais. Implica a difi culdade de conciliação de informações, pri-
vilegiando detalhes e, não, o todo. Jovens autistas apresentam
difi culdade de fl exibilidade cognitiva e planejamento das ativi-
dades.
Autismo e Morte.indb XVIAutismo e Morte.indb XVI 6/10/2010 16:58:466/10/2010 16:58:46
No tema morte, também abordado no livro, são apresen-
tados os retratos da morte no Ocidente: morte domada, de si
mesmo, do outro, selvagem, invertida, interdita, escancarada,
baseando-se na obra de Ariès. Destacam-se os estágios apon-
tados por Kübler-Ross, pioneira do estudo da tanatologia no
mundo. A abordagem fenomenológica existencial é fundamen-
tada nas obras de Heidegger e Minkowski. Outros temas abor-
dados são suicídio e luto, além de um panorama de várias face-
tas sobre a morte apontando para a abrangência da área.
O principal foco da questão da morte consiste na compreen-
são dos vários estágios de desenvolvimento do conceito de mor-
te. A autora apresenta pesquisas realizadas em todo o mundo
e, também, no Brasil pela pesquisadora Wilma Torres, pioneira
da área da tanatologia em nosso meio. O desenvolvimento do
conceito de morte relaciona-se com os estágios do desenvolvi-
mento cognitivo. São considerados os três atributos principais
do conceito de morte: irreversibilidade, universalidade e não
funcionalidade. São estudados também: causalidade, insensibi-
lidade e aparência. É enfatizado que a universalidade e irrever-
sibilidade da morte são afetadas pelas habilidades verbais, e a
causalidade e não funcionalidade, por características pessoais.
Em seguida, a autora apresenta a sua pesquisa de mestrado
sobre a compreensão da morte por jovens com síndrome de As-
perger. Seu estudo inclui como grupos de comparação crianças
sem defi ciências e com defi ciência mental leve.
A questão é como lidar com um tema tão complexo como a
morte considerando as limitações presentes em jovens com As-
perger. As difi culdades que têm para compreender seus estados
internos e os dos outros prejudicam sua sociabilidade e aqui-
sição de conhecimentos, que vão além de questões concretas.
Autismo e Morte.indb XVIIAutismo e Morte.indb XVII 6/10/2010 16:58:466/10/2010 16:58:46
Pelas difi culdades com a coerência central, autistas com alto
desempenho, como os que têm síndrome de Asperger, atentam
mais aos detalhes. A compreensão da fi nitude não se liga ape-
nas a detalhes e, sim, à ideia de causalidade e temporalidade da
existência humana, envolvendo subjetividade e refl exão interior.
Os instrumentos utilizados na pesquisa foram: Sondagem
do Conceito de Morte, de Wilma Torres, para avaliar extensão,
signifi cado e duração do conceito de morte, Escala de Avalia-
ção de Traços Autísticos e Escala de Vineland. Todos esses ins-
trumentos fornecem dados importantes que são analisados nos
três grupos estudados para verifi car como veem a morte. Além
das tabelas, são apresentadas as respostas dadas pelos partici-
pantes, aprofundando refl exões trazidas pelos escores dos ins-
trumentos utilizados.
Observa-se que, na compreensão do fenômeno da morte,
emergem as difi culdades dos Aspergers principalmente no que
se refere às difi culdades de interações sociais, reconhecimento
de estados mentais dos outros e problemas de abstração. Res-
pondem pragmaticamente às questões, usando referenciais con-
cretos, o que não permite compreender toda a complexidade do
tema morte. Têm difi culdade de compartilhar suas experiências
e de entender os diversos signifi cados da situação. Não conse-
guem se projetar no futuro.
Letícia Amorim termina sua obra fazendo um interessante
contraponto entre a forma de compreensão da morte por au-
tistas e uma forma autista de se enfrentar a morte na sociedade
contemporânea. O interdito atual à morte faz com que profi s-
sionais de saúde mental e pessoas próximas apresentem difi -
culdade de comunicação e se tornem autistas diante da morte.
Na maioria das vezes, o profi ssional de saúde mental aprende
Autismo e Morte.indb XVIIIAutismo e Morte.indb XVIII 6/10/2010 16:58:466/10/2010 16:58:46
apenas a lidar com órgãos e partes do corpo, não se coloca no
lugar dos pacientes e não percebe os estágios mentais de quem
está de luto. Esta mesma inabilidade se observa nos meios de
comunicação que abordam a morte de forma estereotipada e
sem criatividade.
Este livro traz conhecimentos importantes na compreensão
do quadro do autismo em suas diferentes manifestações, fo-
cando principalmente nos indivíduos com alto funcionamento.
Propicia refl exões signifi cativas sobre a questão da morte, a sua
interdição nos tempos atuais e o desenvolvimento do conceito
de morte em crianças sadias, com defi ciência mental leve e com
síndrome de Asperger. Os temas aqui abordados – autismo e
morte – podem ser lidos por profi ssionais e estudantes das áreas
de saúde e educação, envolvidos com cada um em particular.
O livro prima pela originalidade, seriedade e profundidade.
Parabéns à autora e ao seu orientador, que agora tornam pública
esta obra tão relevante.
Setembro de 2010Maria Julia Kovács
Instituto de Psicologia da USP
Autismo e Morte.indb XIXAutismo e Morte.indb XIX 6/10/2010 16:58:466/10/2010 16:58:46
Autismo e Morte.indb XXAutismo e Morte.indb XX 6/10/2010 16:58:466/10/2010 16:58:46
Sumário
Capítulo 1 Transtornos Globais do Desenvolvimento, 1
Capítulo 2 Diagnóstico Psiquiátrico, 27
Capítulo 3 Conceito e Aspectos Filosófi cos, 39
Capítulo 4 Desenvolvimento do Conceito de Morte, 53 Capítulo 5 Conceito de Morte e a Síndrome de Asperger, 75
Capítulo 6 Visão da Morte na Síndrome de Asperger e nos Defi cientes Mentais Leves: Comparando as Respostas, 103
Capítulo 7 Morte Interdita Versus Morte Autística, 113
Capítulo 8 Conclusão, 121
Anexo A Instrumento de Sondagem do Conceito de Morte: Dimensões e Itens Estudados, 123
Anexo B Instrumento de Sondagem do Conceito de Morte: Critérios de Atribuição de Pontos e Exemplos de Respostas, 129
Autismo e Morte.indb XXIAutismo e Morte.indb XXI 6/10/2010 16:58:466/10/2010 16:58:46
Autismo e Morte.indb XXIIAutismo e Morte.indb XXII 6/10/2010 16:58:466/10/2010 16:58:46