Atualização Penal 2015

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Conselho Editorial: Antonio Gidi, Eduardo Viana, Dirley da Cunha Jr., Leonardo de Medeiros Garcia, Fredie Didier Jr., José Henrique Mouta, José Marcelo Vigliar, Marcos Ehrhardt Júnior, Nestor Távora, Robério Nunes Filho, Roberval Rocha Ferreira Filho, Rodolfo Pamplona Filho, Rodrigo Reis Mazzei e Rogério Sanches Cunha.

Capa: Rene Bueno e Daniela Jardim (www.buenojardim.com.br)

Diagramação: Caetê Coelho ([email protected])

Todos os direitos desta edição reservados à Edições JusPODIVM.

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É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem a expressa autorização do autor e da Edições JusPODIVM. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

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Sumário

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Sumário

ATUALIZAÇÃO ............................................................................................................... 71. Fontes do Direito Penal ................................................................................................................. 72. Princípios ............................................................................................................................................ 73. Norma penal em branco ............................................................................................................... 84. Eficácia da lei penal no tempo .................................................................................................... 95. Eficácia da lei penal no espaço ................................................................................................... 96. Eficácia da lei penal em relação às pessoas ........................................................................... 107. Conflito aparente de normas ...................................................................................................... 108. Classificação doutrinária de crimes .......................................................................................... 119. Espécies de dolo .............................................................................................................................. 1210. Erro de tipo acidental quanto à pessoa (error in persona) ................................................ 1211. Inimputabilidade em razão da idade ....................................................................................... 1212. Concurso de pessoas ..................................................................................................................... 1313. Aplicação da pena ........................................................................................................................... 1414. Concurso de crimes ........................................................................................................................ 1715. Efeitos da condenação .................................................................................................................. 1816. Prescrição ........................................................................................................................................... 1917. Homicídio ........................................................................................................................................... 2018. Lesão corporal .................................................................................................................................. 3019. Crimes contra a honra ................................................................................................................... 3120. Furto ..................................................................................................................................................... 3221. Apropriação indébita previdenciária ....................................................................................... 3422. Estelionato ......................................................................................................................................... 3423. Crimes contra a dignidade sexual ............................................................................................. 3524. Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração

de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais ................................................. 3625. Moeda falsa ....................................................................................................................................... 3826. Falsidade documental ................................................................................................................... 3827. Conceito de funcionário público ............................................................................................... 3928. Descaminho ...................................................................................................................................... 3929. Falso testemunho ............................................................................................................................ 4030. Crimes militares ............................................................................................................................... 4031. Crimes eleitorais .............................................................................................................................. 4132. Execução penal ................................................................................................................................ 4233. Crime do art. 10 da Lei 7.347/85 ................................................................................................ 4834. Crimes contra a ordem tributária e contra as relações de consumo ............................ 4835. Crimes nas telecomunicações .................................................................................................... 4936. Crimes de trânsito ........................................................................................................................... 5037. Armas de fogo .................................................................................................................................. 5238. Cambismo .......................................................................................................................................... 5239. Discriminação contra deficientes .............................................................................................. 5340. Súmulas editadas em 2015 .......................................................................................................... 57

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AtuAlizAção

Para o segundo semestre de 2015, disponibilizamos gratuitamente aos leitores uma compilação com as mais relevantes alterações legais e com as principais decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal no âmbito criminal ocorridas até o mês de junho. Além disso, desta-camos as ampliações efetuadas em nossos Manuais de Direito Penal (Partes Geral e Especial), com alguns dos mais importantes temas doutrinários.

Os temas apresentados estão dispostos pela ordem estabelecida no Código Penal, e, no caso de leis penais especiais, por ordem cronológica.

1. FONTES DO DIREITO PENAL:

A lei permanece figurando como fonte formal imediata, sendo o único instrumento normativo capaz de criar infrações penais (crimes e contraven-ções penais) e cominar sanções (pena ou medida de segurança). Nenhuma outra fonte pode ampliar ou dar origem ao ius puniendi. O princípio do qual decorre a necessidade de lei como fonte formal imediata não é, simplesmen-te, o da legalidade, mas o da reserva legal, muito mais restrito. Pelo princípio da legalidade, são diversas as fontes normativas que podem fundamentar a imposição de obrigações e a restrição de direitos: lei, decreto, portaria, ins-trução normativa. Já o princípio da reserva legal pressupõe lei em sentido estrito, ou seja, nenhuma conduta será tipificada como crime ou contraven-ção e nenhuma pena será cominada a não ser por meio de dispositivo cujo conteúdo tenha sido devidamente debatido e votado por cada uma das Casas parlamentares em forma de lei ordinária (mais comum) ou de lei comple-mentar (não tão usual porque reservada às hipóteses em que a Constituição exige a regulamentação por esta espécie legislativa).

2. PRINCÍPIOS:

A tipicidade material não está relacionada apenas com o princípio da insignificância. Resumidamente, temos o seguinte: a) princípio da insignifi-cância: é materialmente atípica a conduta que provoca uma lesão irrelevante ao bem jurídico; b) princípio da lesividade: é materialmente atípica a condu-

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ta que não provoca sequer ameaça de lesão ao bem jurídico; c) princípio da adequação social: é materialmente atípica a conduta socialmente adequada; d) princípio da alteridade: é materialmente atípica a conduta que não lesa bens jurídicos de terceiros; e) atos determinados por lei: é materialmente atípica a conduta considerada lícita pelo ordenamento jurídico.

3. NORMA PENAL EM BRANCO:

Norma penal em branco ao quadrado: neste caso, a norma penal re-quer um complemento que, por sua vez, deve também ser integrado por outra norma. É o caso do art. 38 da Lei 9.605/98, que pune as condutas de destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente. O conceito de floresta de preservação permanente é obtido no Código Flores-tal, que, dentre várias disposições, estabelece uma hipótese em que a área de preservação permanente será assim considerada após declaração de interesse social por parte do Chefe do Poder Executivo.

Norma penal em branco e complemento internacional: é possível que a complementação da norma penal em branco seja proveniente de trata-dos internacionais, como ocorre atualmente na Lei 12.850/13, que, no art. 1º, § 2º, dispõe ser aplicável a lei “às organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de suporte ao terrorismo, bem como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas, ocorram ou possam ocor-rer em território nacional”. Esta possibilidade, ressalte-se, não se confunde com a questão, já debatida no Supremo Tribunal Federal, a respeito da uti-lização de normas internacionais para tipificar delitos. Neste caso, já citado anteriormente nesta obra (HC 96.007), quando tratamos das fontes formais imediatas, o tribunal considerou impossível que a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado fosse utilizada como fonte de conceitua-ção do que se deveria haver por organização criminosa. Tratava-se, naquele julgamento, de imputação de lavagem de dinheiro cometida por organização criminosa, obstada pelo tribunal porque, a rigor, a Convenção não tipifica delito nenhum, mas apenas conceitua o que, no âmbito internacional, deve ser tido por crime organizado. Não há conduta, tampouco pena, tanto que a ação penal não veiculava acusação específica sobre a reunião de agentes para fins criminosos.

No caso da Lei 12.850/13, todavia, ela própria traz a figura criminosa e estabelece a punição, fazendo referência à norma internacional apenas como

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fonte de reconhecimento das organizações terroristas internacionais. Não há lacuna neste caso, ao contrário do anterior. Seria, ademais, desarrazoado impedir a aplicação da lei sob o argumento de que se trata de norma inter-nacional porque, sabemos, os tratados são incorporados no ordenamento jurídico brasileiro com o status mínimo de lei ordinária (que, de resto, sequer é pressuposto de complementação da norma penal em branco própria, em sentido estrito ou heterogênea, que é integrada por ato proveniente de fonte normativa diversa). Além disso, as organizações terroristas são assim reco-nhecidas pelas instâncias internacionais das quais diversos países fazem parte exatamente para dispensar que cada país tenha de aprovar lei específica com este propósito no âmbito interno, evitando, assim, que atos terroristas sejam cometidos em determinado país e seus autores se refugiem noutro em que a natureza terrorista do grupo não seja internamente reconhecida.

4. EFICÁCIA DA LEI PENAL NO TEMPO:

Sobre a súmula nº 711 do STF, Paulo Queiroz aponta que, tratando-se do crime continuado, a aplicação da lei mais grave a toda a cadeia de delitos é inconstitucional, pois, irradiando-se a pena mais grave aos delitos anteriores, inverte-se a lógica da continuidade delitiva, em que o último delito é havido como continuação do primeiro, não o contrário, o que viola o princípio da legalidade. De acordo com o autor, o agente, “ao invés de responder por vários crimes em concurso material, deve responder por um único delito, o mais grave, se diversos, com aumento de um sexto a dois terços. Portanto, os crimes subsequentes só têm relevância jurídico-penal para efeito de indivi-dualização judicial da pena: escolha da pena mais grave (quando diversas as infrações) e fixação do respectivo aumento, pois o primeiro crime prevalece sobre todos os demais como se estes simplesmente não existissem, exceto para efeito de aplicação da pena” (Disponível em http://pauloqueiroz.net/crime-continuado-e-a-sumula-711-do-supremo-tribunal-federal/, acessado em 19/06/2015).

5. EFICÁCIA DA LEI PENAL NO ESPAÇO:

Para Guilherme de Souza Nucci, a extraterritorialidade incondiciona-da é inconstitucional diante da absoluta impossibilidade de alguém se ver processado duas vezes pelo mesmo fato. Por isso, ainda que a lei assim não considere, a extraterritorialidade será sempre subordinada à condição de que o agente não tenha sido processado (condenado ou absolvido) no exterior (Código Penal Comentado. 13ª ed. São Paulo: RT, 2012, p. 109).

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6. EFICÁCIA DA LEI PENAL EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS:

O STF aprovou a súmula vinculante nº 45, segundo a qual “A com-petência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prer-rogativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição estadual”. Trata-se, ne verdade, de reiteração do entendimento já consolidado por meio da súmula nº 721, que apresentava exatamente o mesmo texto.

Ainda quanto à eficácia da lei penal em relação às pessoas, o STF deci-diu que “Nos limites da circunscrição do Município e havendo pertinência com o exercício do mandato, garante-se a imunidade prevista no art. 29, VIII, da CF aos vereadores (...) O Colegiado reputou que, embora as mani-festações fossem ofensivas, teriam sido proferidas durante a sessão da Câmara dos Vereadores – portanto na circunscrição do Município – e teriam como motivação questão de cunho político, tendo em conta a existência de repre-sentação contra o prefeito formulada junto ao Ministério Público – portanto no exercício do mandato. O Ministro Teori Zavascki enfatizou ser necessário presumir que a fala dos parlamentares, em circunstâncias como a do caso, teria relação com a atividade parlamentar. Do contrário, seria difícil preser-var a imunidade constitucional. O Ministro Gilmar Mendes sublinhou que, se o vereador tivesse de atuar com bons modos e linguagem escorreita, não haveria necessidade de a Constituição garantir a imunidade parlamentar. O Ministro Celso de Mello destacou que se o vereador, não obstante amparado pela imunidade material, incidisse em abuso, seria passível de censura, mas da própria Casa Legislativa a que pertencesse. Vencido o Ministro Marco Aurélio (relator), que desprovia o recurso. Considerava que a inviolabilidade dos vereadores exigiria a correlação entre as manifestações e o desempenho do mandato, o que não teria havido na espécie (RE 600063/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, 25.2.2015 – Info 775).

7. CONFLITO APARENTE DE NORMAS:

O STF decidiu ser possível a aplicação do princípio da consunção nos crimes relativos à Lei de Drogas. O tribunal considerou que, diante das circunstâncias do caso concreto, nada impedia a “absorção dos delitos tipificados nos artigos 33, § 1º, I, e 34 da Lei 11.343/2006, pelo delito previsto no art. 33, “caput”, do mesmo diploma legal. Ambos os preceitos buscariam proteger a saúde pú-blica e tipificariam condutas que – no mesmo contexto fático, evidenciassem o intento de traficância do agente e a utilização dos aparelhos e insumos para essa mesma finalidade – poderiam ser consideradas meros atos preparatórios

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do delito de tráfico previsto no art. 33, “caput”, da Lei 11.343/2006. Quanto às demais alegações, não haveria vícios aptos a redimensionar a pena-base fixada, bem assim estaria demonstrada a existência de associação para o trá-fico. Além disso, a suposta ocorrência de tráfico privilegiado não poderia ser analisada, por demandar análise fático-probatória. Por fim, a questão relativa à incidência do art. 62, I, do CP, não teria sido aventada perante o STJ, e sua análise implicaria supressão de instância (HC 109708/SP, rel. Min. Teori Zavascki, 23.6.2015 – Info 791).

O STF negou, por outro lado, o princípio da consunção entre o homi-cídio e a posse ilegal de arma de fogo com numeração raspada em situação na qual o agente fora absolvido sumariamente diante da legítima defesa. Re-putou-se “que os tipos penais seriam diversos, e que a excludente de ilicitude reconhecida quanto ao homicídio não alcançaria a posse ilegal de arma de fogo com numeração raspada. Vencido o Ministro Luiz Fux (relator), que concedia a ordem de ofício, por entender incidir o princípio da consunção” (HC 120678/PR, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o acórdão Min. Marco Auré-lio, 24.2.2015 – Info 775).

O STJ, tratando também do conflito aparente de normas, decidiu que o estelionato não é absorvido pelo roubo na situação em que o agente tentou efe-tuar saque utilizando uma folha de cheque que ele mesmo havia subtraído. Con-forme estabeleceu o acórdão, “a falsificação da cártula, no caso, não é mero exaurimento do crime antecedente, porquanto há diversidade de desígnios e de bens jurídicos lesados. Dessa forma, inaplicável o princípio da consunção. Precedente citado: REsp 1.111.754-SP, Sexta Turma, DJe 26/11/2012 (HC 309.939/SP, Rel. Min. Newton Trisotto (Desembargador convocado do TJ--SC), julgado em 28/4/2015, DJe 19/5/2015 – Info 562).

8. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA DE CRIMES:

Parte da doutrina se refere aos crimes omissivos por comissão, nos quais alguém estava obrigado a agir, mas é impedido por terceiro. Assim, por exemplo, o filho que, interessado no recebimento da herança, impede que o médico salve a vida de seu pai: o médico se omitiu por ação do filho. Nestes crimes, há nexo causal entre a conduta e o resultado, admitindo-se a tenta-tiva. Note-se, todavia, haver quem sustente se tratar, na verdade, de crimes propriamente comissivos, pois a causa efetiva do resultado é a conduta do agente, não a omissão de quem foi impedido de atuar.

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9. ESPÉCIES DE DOLO:

Dolo de terceiro grau: trata-se da consequência da consequência neces-sária que caracteriza o dolo de segundo grau. Para nós, este dolo não existe. Dolo demanda consciência e vontade. As consequências das consequências soam como acontecimentos muito distantes da voluntariedade, implicando, caso imputadas ao agente, responsabilidade objetiva, vedada no Direito Pe-nal (admitida em outros ramos, como no Direito Civil).

10. ERRO DE TIPO ACIDENTAL QUANTO À PESSOA (ER-ROR IN PERSONA):

E se a vítima que se pretende atingir (Ex.: “A” quer matar seu próprio pai, porém, representando equivocadamente a pessoa, acaba matando o seu tio), já está morta no momento da conduta? Se são consideradas as suas características pessoais, há crime impossível, embora tenha ocorrido a morte da pessoa que não era objeto da conduta? A resposta é negativa, pois, neste caso, considera-se a hipótese de que a vítima virtual estivesse viva. Assim, na situação em que “A” quisesse matar seu pai, mas, representando equivocada-mente o alvo, matasse seu tio, e seu pai já estivesse morto naquele momento, considera-se a hipótese de que estivesse vivo e pudesse ter sido alvo da con-duta, o que acarreta a responsabilidade penal por parricídio.

11. INIMPUTABILIDADE EM RAZÃO DA IDADE:

Tramita no Congresso Nacional proposta de emenda constitucional (nº 171/93), aprovada por comissão especial da Câmara dos Deputados em 17/06/2015, para alteração do art. 228 da CF/88. De acordo com o texto preliminarmente aprovado, o art. 228 dispõe, como regra, sobre a inimputa-bilidade dos menores de dezoito anos, sujeitos à normas da legislação especial (Lei 8.069/90). Excepcionalmente, os menores com dezesseis anos comple-tos podem ser responsabilizados penalmente, caso sejam autores dos crimes previstos no art. 5º, inciso XLIII, da CF/88 (tortura, tráfico de drogas, terro-rismo e os definidos como crimes hediondos), de homicídio doloso, de lesão corporal grave, de lesão corporal seguida de morte ou de roubo majorado. O tema é objeto de extenso debate, não somente sobre a viabilidade da medi-da em termos práticos, mas também relativamente à constitucionalidade da proposta: a) há quem sustente que a norma constitucional sobre a imputabi-lidade seja cláusula pétrea. Assim se manifestam com base no entendimento de que os direitos e garantias fundamentais não se restringem ao rol do art.

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5º da CF/88, mas podem ser encontrados em outros dispositivos cujo con-teúdo seja materialmente relacionado ao núcleo da Constituição. Por isso, voltado à proteção integral da pessoa do adolescente, o art. 228 não poderia ser objeto de proposta de emenda tendente a abolir suas disposições; b) há ainda aqueles que argumentam não se tratar de cláusula pétrea, pois a inim-putabilidade não está no elenco de direitos e garantias fundamentais do art. 5º da CF/88; c) finalmente, há quem considere não haver óbice à emenda mesmo que se conclua se tratar de cláusula pétrea, que não é imodificável, mas refratária tão somente à abolição ou ao completo desvirtuamento de seu núcleo, o que não ocorre com a proposta de emenda em discussão, que so-mente modifica o art. 228 para possibilitar a devida resposta estatal à prática de crimes por indivíduos que demonstrem pleno discernimento. Aliás, nesse aspecto encontramos certa inconsistência na proposta que, tudo indica, será aprovada. Efetivamente, a emenda permite que o agente com dezesseis anos completos seja responsabilizado pelo cometimento de apenas algumas figuras criminosas. Trata-se, claramente, de solução política em que se busca o meio--termo em razão da resistência sofrida pela proposta no âmbito do próprio Legislativo. Há, no entanto, um aspecto técnico relativo à imputabilidade, cujo fundamento é a capacidade de discernimento, que não pode ser igno-rado: como se sustenta que alguém tenha discernimento para cometer um cruel homicídio e não o tenha para furtar uma bicicleta? Ou o agente tem a capacidade biológica de se determinar de acordo com a lei (para qualquer crime) ou não a tem (para nenhum crime). A consciência, portanto, não pode ser variável de acordo com a figura criminosa.

12. CONCURSO DE PESSOAS:

No âmbito da autoria mediata, temos a teoria do domínio da organi-zação. Idealizada por Claus Roxin, estabelece que o dirigente de organização criminosa que emite ordens para o cometimento de infrações penais deve ser responsabilizado pelos atos dos subordinados que cumpram tais ordens, ainda que não tome parte diretamente na execução dos crimes. Assim, se, por exemplo, o chefe da organização determina que os componentes do grupo matem policiais, deve ser responsabilizado pelos homicídios juntamente com seus autores materiais. A teoria se aplica apenas no âmbito de organizações constituídas para fins ilícitos, não daquelas que operam licitamente mas são eventualmente utilizadas para a prática de crimes.

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13. APLICAÇÃO DA PENA:

Nesta seara, o STF proferiu algumas decisões conflitantes com julgados de sua própria lavra em temas de grande repercussão.

Numa delas, o tribunal assentou a possibilidade de que se apliquem as dis-posições do art. 1º, § 7º, da Lei 9.455/97, que impõem regime inicial fechado para o condenado pela prática do crime de tortura. Considerou-se, no caso, que “a dosimetria e o regime inicial de cumprimento das penas fixadas atende-riam aos ditames legais. Asseverou [o Min. relator] não caber articular com a Lei de Crimes Hediondos, pois a regência específica (Lei 9.455/1997) prevê expressamente que o condenado por crime de tortura iniciará o cumprimen-to da pena em regime fechado, o que não se confundiria com a imposição de regime de cumprimento da pena integralmente fechado. Assinalou que o legislador ordinário, em consonância com a CF/1988, teria feito uma op-ção válida, ao prever que, considerada a gravidade do crime de tortura, a execução da pena, ainda que fixada no mínimo legal, deveria ser cumprida inicialmente em regime fechado, sem prejuízo de posterior progressão. Os Ministros Roberto Barroso e Rosa Weber acompanharam o relator, com a ressalva de seus entendimentos pessoais no sentido do não conhecimento do “writ”. O Ministro Luiz Fux, não obstante entender que o presente “habeas corpus” faria as vezes de revisão criminal, ante o trânsito em julgado da de-cisão impugnada, acompanhou o relator” (HC 123316/SE, rel. Min. Marco Aurélio, 9.6.2015 – Info 789).

Noutro julgado, o STF sinalizou a possibilidade de modificação do en-tendimento firmado a respeito da impossibilidade de se considerar, na exas-peração da pena por maus antecedentes, inquéritos policiais e ações penais em curso. Isso porque, em sessão plenária no dia 24 de junho de 2015, o tribunal, julgando dois habeas corpus nos quais se discutia a validade do au-mento da pena em decorrência de inquéritos policiais e ações penais em curso (94.620 e 94.680), aplicou o entendimento anteriormente firmado, mas vários dos ministros ressalvaram que somente o faziam em respeito ao princípio da colegialidade, ou seja, decidiam contrariamente a seu posiciona-mento pessoal para prestigiar a orientação plenária. Mas a ministra Cármen Lúcia votou pelo indeferimento dos habeas corpus ressaltando que o princípio da colegialidade impõe aos ministros que se submetam à orientação antes firmada apenas nas decisões individuais e naquelas tomadas pelas Turmas. Para a ministra, se o tema voltar ao Pleno, nada impede novo debate. Consi-derando a ressalva de entendimento pessoal feita por outros ministros, é pos-sível que o tribunal volte a se debruçar sobre o mesmo assunto e modifique

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a orientação firmada no julgamento do recurso extraordinário nº 591.054 (HC 94620/MS rel. Min. Ricardo Lewandowski, 24.6.2015 – Info 791).

Ainda a respeito da aplicação da pena, o STF considerou ser possível a incidência da fração máxima de 2/3 no crime continuado mesmo que não se saiba a quantidade exata de infrações penais cometida. Considerou-se que “a imprecisão quanto ao número de crimes praticados pelo paciente não obsta-ria a incidência da causa de aumento da pena em seu patamar máximo, desde que houvesse elementos seguros, como na espécie, que demonstrassem que vários seriam os crimes praticados ao longo de dilatadíssimo lapso temporal (HC 127158/MG, rel. Min. Dias Toffoli, 23.6.2015 – Info 791). O STJ proferiu decisão em sentido semelhante: “Constatando-se a ocorrência de di-versos crimes sexuais durante longo período de tempo, é possível o aumento da pena pela continuidade delitiva no patamar máximo de 2/3 (art. 71 do CP), ainda que sem a quantificação exata do número de eventos crimino-sos. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.281.127-PR, Quinta Turma, DJe 25/9/2014; e AgRg no AREsp 455.218-MG, Sexta Turma, DJe 5/2/2015 (HC 311.146/SP, Rel. Min. Newton Trisotto (Desembargador convocado do TJ-SC), julgado em 17/3/2015, DJe 31/3/2015 – Info 559).

O STJ também proferiu diversas decisões no âmbito da aplicação da pena, inclusive reforçando entendimento já consolidado, como no caso do crime de roubo, em que “o emprego de arma de fogo não autoriza, por si só, a imposição do regime inicial fechado se, primário o réu, a pena-base foi fixa-da no mínimo legal. Nesse sentido, dispõe a Súmula 440 do STJ que, “fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito”; e a Súmula 719 do STF, “a imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea”. Precedente citado do STJ: AgRg no HC 303.275-SP, Quinta Turma, DJe 24/2/2015. Precedente citado do STF: HC 118.230-RS, Primeira Turma, DJe 11/3/2009 (HC 309.939/SP, Rel. Min. Newton Trisotto (Desembargador convocado do TJ-SC), julgado em 28/4/2015, DJe 19/5/2015 – Info 562).

Relativamente à aplicação da pena nos crime de trânsito, o STJ decidiu ser indevida exasperação da pena-base de homicídio e de lesões corporais cul-posos praticados na direção de veículo automotor em razão do excesso de ve-locidade que o agente imprimia no veículo, pois se trata de circunstância ine-rente à imprudência que caracteriza o próprio delito (AgRg no HC 153.549/DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 2/6/2015, DJe 12/6/2015 – Info

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563). Por outro lado, o tribunal admitiu o aumento da pena do autor de homicídio e de lesões corporais culposos na direção de veículo automotor, que, conduzindo com imprudência a fim de levar droga a uma festa, causou acidente (AgRg no HC 153.549-DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 2/6/2015, DJe 12/6/2015 – Info 563).

No que concerne à compensação entre agravantes e atenuantes, o mesmo tribunal concluiu que, não obstante a Terceira Seção tenha firma-do o entendimento de que a atenuante da confissão espontânea pode ser compensada com a agravante da reincidência (EREsp 1.154.752-RS, DJe 4/9/2012), “tratando-se de réu multirreincidente, promover essa compen-sação implicaria ofensa aos princípios da individualização da pena e da pro-porcionalidade. Isso porque a multirreincidência exige maior reprovação do que aquela conduta perpetrada por quem ostenta a condição de reincidente por força, apenas, de um único evento isolado em sua vida. Precedente ci-tado: AgRg no REsp 1.356.527-DF, Quinta Turma, DJe 25/9/2013 (AgRg no REsp 1.424.247/DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 3/2/2015, DJe 13/2/2015 – Info 555). Sobre o tema, o STF, decidindo habeas corpus impetrado contra acórdão em que houvera sido negada a compensação, con-siderou que a decisão impugnada estava em conformidade com a jurispru-dência de ambas as Turmas do tribunal “no sentido de que, a teor do art. 67 do Código Penal, “a agravante da reincidência prepondera sobre a atenuante da confissão espontânea, razão pela qual é inviável a compensação pleiteada” (RHC 110.727, Rel. Min. Dias Toffoli)” (HC 105.543-MS, Rel. Min. Ro-berto Barroso, j. 29/04/2014).

Finalmente, o tribunal assentou que, nos crimes sexuais cometidos con-tra menor de catorze anos, “a experiência sexual anterior e a eventual homos-sexualidade do ofendido não servem para justificar a diminuição da pena-ba-se a título de comportamento da vítima. Inicialmente, importante salientar que a jurisprudência pacífica do STJ considera que, no estupro e no atentado violento ao pudor contra menor de 14 anos, praticados antes da vigência da Lei 12.015/2009, a presunção de violência é absoluta. Desse modo, é irrele-vante, para fins de configuração do delito, a aquiescência da adolescente ou mesmo o fato de a vítima já ter mantido relações sexuais anteriores (EREsp 1.152.864-SC, Terceira Seção, DJe 1º/4/2014 e EREsp 762.044-SP, Terceira Seção, DJe 14/4/2010). Portanto, tem-se que o comportamento da vítima menor de 14 anos é irrelevante para fins de configuração do delito, tendo em vista a presunção absoluta de violência. No caso em análise, todavia, a discussão gira em torno da possibilidade de se considerar o comportamento

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da vítima – quando menor de 14 anos – como fundamento para a redução da pena-base do réu. De fato, sobre a possibilidade de redução da pena-base em face do comportamento da vítima, o STJ firmou entendimento de que “o comportamento da vítima é uma circunstância neutra ou favorável quando da fixação da primeira fase da dosimetria da condenação” (HC 245.665-AL, Quinta Turma, DJe 3/2/2014). Nessa medida, ainda que o comportamento da vítima possa ser considerado de forma favorável ao réu, tratando-se de crime de atentado violento ao pudor contra vítima menor de 14 anos, a ex-periência sexual anterior e a eventual homossexualidade do ofendido não ser-vem para justificar a diminuição da pena-base a título de comportamento da vítima. A experiência sexual anterior e a eventual homossexualidade do ofen-dido, assim como não desnaturam o crime sexual praticado, com violência presumida, contra menor de 14 anos, não servem para justificar a diminui-ção da pena-base a título de comportamento da vítima (REsp 897.734/PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 3/2/2015, DJe 13/2/2015 – Info 555).

No campo das inovações legislativas, a Lei 13.104/15 alterou o art. 121 do CP para nele incluir o “feminicídio”, entendido como a morte de mu-lher em razão da condição do sexo feminino (leia-se, baseada no gênero). A incidência da qualificadora reclama situação de violência praticada contra a mulher, em contexto caracterizado por relação de poder e submissão, prati-cada por homem ou mulher sobre mulher em situação de vulnerabilidade. Com a novel Lei, o feminicídio passa a configurar a sexta forma qualificada do crime de homicídio, punido com pena de reclusão de 12 a 30 anos, eti-quetado como delito hediondo, sofrendo os consectários da Lei 8.072/90. Com a alteração legal, portanto, não mais incide a agravante nos casos de homicídio cometido no âmbito doméstico e familiar (art. 61, inciso II, f, do CP), evitando-se assim o bis in idem.

14. CONCURSO DE CRIMES:

O STJ decidiu que, no roubo, se a conduta do agente é direcionada a apenas um patrimônio, há crime único, ainda que mais de uma pessoa seja submetida a violência ou grave ameaça. Citando precedente, o tribu-nal assentou que “‘Se num único contexto duas pessoas têm seu patrimônio ameaçado, sendo que uma delas foi efetivamente roubada, configura-se con-curso formal de crimes em sua forma homogênea’ (HC 100.848-MS, DJe 12/5/2008). Entretanto, trata-se de situação distinta do caso aqui analisado, visto que, da simples leitura de trecho da ementa do acórdão menciona-do, observa-se que a configuração do concurso de crimes decorreu não da

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existência de ameaça a mais de uma vítima, mas sim da intenção do agente direcionada à subtração de mais de um patrimônio. Em suma, como o rou-bo é um crime contra o patrimônio, deve-se concluir que, se a intenção do agente é direcionada à subtração de um único patrimônio, estará configura-do apenas um crime, ainda que, no modus operandi, seja utilizada violência ou grave ameaça contra mais de uma pessoa” (AgRg no REsp 1.490.894/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 10/2/2015, DJe 23/2/2015 – Info 556).

15. EFEITOS DA CONDENAÇÃO:

O STF decidiu ser impossível impor, na transação penal, os efeitos da condenação de que trata o art. 91 do Código Penal, exclusivos da senten-ça penal condenatória. O tribunal concluiu “que as consequências jurídicas extrapenais previstas no art. 91 do CP, dentre as quais a do confisco de ins-trumentos do crime (art. 91, II, a) e de seu produto ou de bens adquiridos com o seu proveito (art. 91, II, b), só poderiam ocorrer como efeito acessó-rio, reflexo ou indireto de uma condenação penal. Apesar de não possuírem natureza penal propriamente dita, não haveria dúvidas de que esses efeitos constituiriam drástica intervenção estatal no patrimônio dos acusados, razão pela qual sua imposição só poderia ser viabilizada mediante a observância do devido processo, que garantisse ao acusado a possibilidade de exercer seu direito de resistência por todos os meios colocados à sua disposição. Ou seja, as medidas acessórias previstas no art. 91 do CP, embora incidissem “ex lege”, exigiriam juízo prévio a respeito da culpa do investigado, sob pena de transgressão ao devido processo legal. Assim, a aplicação da medida confis-catória sem processo revelar-se-ia antagônica não apenas à acepção formal da garantia do art. 5º, LIV, da CF, como também ao seu significado material, destinado a vedar as iniciativas estatais que incorressem, seja pelo excesso ou pela insuficiência, em resultado arbitrário. No caso, o excesso do decreto de confisco residiria no fato de que a aceitação da transação revertera em prejuízo daquele a quem deveria beneficiar (o investigado), pois produzira contra ele um efeito acessório – a perda da propriedade de uma motocicleta – que se revelara muito mais gravoso do que a própria prestação principal originalmente avençada (pagamento de cinco cestas de alimentos). Logo, o recorrente fora privado da titularidade de um bem sem que lhe tivesse sido oportunizado o exercício dos meios de defesa legalmente estabelecidos. O Ministro Luiz Fux também deu provimento ao recurso, determinando a devolução do bem apreendido, em razão da impossibilidade do confisco

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de bem pertencente a condenado cuja posse não fosse ilícita, sob pena de violação ao direito constitucional à propriedade (CF, art. 5º, “caput”, XXII e LIV). Entendia, porém, ser constitucional a aplicação dos efeitos da con-denação estabelecidos no art. 91, II, do CP, às sentenças homologatórias de transação penal, tendo em vista sua natureza condenatória (RE 795567/PR, rel. Min. Teori Zavascki, 28.5.2015 – Info 787).

16. PRESCRIÇÃO:

O STF reiterou o entendimento de que não se admite a prescrição so-bre a pena em perspectiva diante da inexistência de previsão legal (Inq 3574 AgR/MT, rel. Min. Marco Aurélio, 2.6.2015 – Info 788).

Sobre o marco temporal do prazo prescricional, o tribunal concluiu que, na segunda instância, ocorre a interrupção ocorre na data da sessão de julgamento do recurso, não na da publicação do acórdão. Assentou-se que, “por se tratar de acórdão, a publicação do ato ocorreria com a realiza-ção da sessão de julgamento. O Ministro Roberto Barroso enfatizou que a prescrição seria a perda de uma pretensão pelo seu não exercício, dentro de um determinado prazo. Portanto, a prescrição estaria associada à inércia do titular do direito. Dessa forma, com a realização da sessão de julgamento, não se poderia reconhecer essa inércia. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que dava provimento ao recurso. Reputava que a interrupção da prescrição só ocorreria com a publicação da sentença ou acórdão condenatório recorrível (CP, art. 117, IV). Pontuava que o acórdão somente se tornaria recorrível com a sua confecção. Observava que a publicação do aresto teria ocorrido cinco meses depois da sessão de julgamento (RHC 125078/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 3.3.2015 – Info 776).

O STJ, por sua vez, estabeleceu que o recebimento da denúncia por au-toridade incompetente em razão da prerrogativa de foro nulidade absoluta, que, portanto, impede a interrupção do prazo prescricional (APn 295/RR, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 17/12/2014, DJe 12/2/2015 – Info 555).

Em julgado também da lavra do STJ, estabeleceu-se que a tutela an-tecipada, concedida no juízo cível, que suspende a exigibilidade do tributo acarreta a suspensão do prazo prescricional, pois “a decisão cível acerca da exigibilidade do crédito tributário repercute diretamente no reconhecimento da própria existência do tipo penal, visto ser o crime de apropriação indébita previdenciária um delito de natureza material, que pressupõe, para sua con-

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sumação, a realização do lançamento tributário definitivo (RHC 51.596/SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 3/2/2015, DJe 24/2/2015 – Info 556).

17. HOMICÍDIO:

O STJ decidiu que, no homicídio culposo, a morte instantânea da ví-tima não impede a incidência da causa de aumento de pena estabelecida no art. 121, § 4°, do Código Penal (deixar de prestar imediato socorro à vítima), exceto se o óbito for evidente. Para o tribunal, “o aumento imposto à pena decorre do total desinteresse pela sorte da vítima. Isso é evidenciado por estar a majorante inserida no § 4° do art. 121 do CP, cujo móvel é a observância do dever de solidariedade que deve reger as relações na sociedade brasileira (art. 3º, I, da CF). Em suma, o que pretende a regra em destaque é realçar a importância da alteridade. Assim, o interesse pela integridade da vítima deve ser demonstrado, a despeito da possibilidade de êxito, ou não, do socorro que possa vir a ser prestado. Tanto é que não só a omissão de socorro majora a pena no caso de homicídio culposo, como também se o agente “não pro-cura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar a prisão em flagrante”. Cumpre destacar, ainda, que o dever imposto ao autor do homi-cídio remanesce, a não ser que seja evidente a morte instantânea, perceptível por qualquer pessoa. Em outras palavras, havendo dúvida sobre a ocorrência do óbito imediato, compete ao autor da conduta imprimir os esforços neces-sários para minimizar as consequências do fato. Isso porque “ao agressor, não cabe, no momento do fato, presumir as condições físicas da vítima, medindo a gravidade das lesões que causou e as consequências de sua conduta. Tal responsabilidade é do especialista médico, autoridade científica e legalmente habilitada para, em tais circunstâncias, estabelecer o momento e a causa da morte” (REsp 277.403-MG, Quinta Turma, DJ 2/9/2002). Precedente cita-do do STF: HC 84.380-MG, Segunda Turma, DJ 3/6/2005 (HC 269.038/RS, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 2/12/2014, DJe 19/12/2014 – Info 554).

A respeito das alterações legislativas as Leis 13.104/15 e 13.1.../15, que tratam do feminicídio e do homicídio contra agentes de segurança pública.

1) Feminicídio

A Lei 13.104/15 inseriu o inciso VI para incluir no art. 121 o femi-nicídio, entendido como a morte de mulher em razão da condição do sexo feminino (leia-se, violência de gênero quanto ao sexo). A incidência da qua-lificadora reclama situação de violência praticada contra a mulher, em con-

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texto caracterizado por relação de poder e submissão, praticada por homem ou mulher sobre mulher em situação de vulnerabilidade1.

Com a novel Lei, o feminicídio passa a configurar a sexta forma qualifi-cada do crime de homicídio2.

O § 2º-A foi acrescentado para esclarecer quando a morte da mulher deve ser considerada em razão da condição do sexo feminino: I – violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à condição de mu-lher3.

O conceito de violência doméstica e familiar (inciso I) é obtido no art. 5º da Lei 11.340/06, isto é, assim se considera qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause a morte da mulher: a) no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanen-te de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; b) no âmbito da família, compreendida como a comunidade

1. O STJ admitiu a aplicação da Lei Maria da Penha (11.340/06) numa agressão contra mu-lher praticada por outra mulher (relação entre mãe e filha). Isso porque, de acordo com o art. 5º da Lei 11.340/2006, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independen-temente de coabitação. Da análise do dispositivo citado, infere-se que o objeto de tu-tela da Lei é a mulher em situação de vulnerabilidade, não só em relação ao cônjuge ou companheiro, mas também qualquer outro familiar ou pessoa que conviva com a víti-ma, independentemente do gênero do agressor. Nessa mesma linha, entende a juris-prudência do STJ que o sujeito ativo do crime pode ser tanto o homem como a mulher, desde que esteja presente o estado de vulnerabilidade caracterizado por uma relação de poder e submissão (HC 277.561/AL, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 6/11/2014).

2. Antes da Lei 13.104/15, esta forma do crime já qualificava o homicídio, mas pela torpe-za, sendo igualmente rotulada como hedionda. A mudança, portanto, foi meramente topográfica, migrando o comportamento delituoso do art. 121, § 2º., I, para o mesmo parágrafo, mas no inciso VI. A virtude dessa alteração está na simbologia, isto é, no alerta que se faz da necessidade de se coibir com mais rigor a violência contra a mulher em razão da condição do sexo feminino.

3. O esclarecimento, no entanto, além de inútil, causa confusão. Efetivamente, feminicídio, comportamento de que trata a qualificadora, pressupõe violência baseada no gênero, agressões que tenham como motivação a opressão à mulher. É imprescindível que a conduta do agente esteja motivada pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima. A previsão deste (infeliz) parágrafo, além de repisar pressuposto inerente ao delito, fomenta a confusão entre feminicídio e femicídio. Matar mulher, na unidade doméstica e familiar (ou em qualquer ambiente ou relação), sem menosprezo ou discriminação à condição de mulher é femicídio. Se a conduta do agente é movida pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher, aí sim temos feminicídio.

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formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; c) em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Trata-se, portanto, de norma penal em branco imprópria heterovitelina.

Note-se que embora a norma explicativa do inciso I contenha a ex-pressão violência doméstica e familiar, deve ser lida como violência domés-tica ou familiar, pois nada impede que o fato ocorra no âmbito doméstico sem que haja vínculo familiar4, nem há óbice a que ocorra fora do âmbito doméstico entre familiares. Isso, aliás, decorre da própria definição do art. 5º da Lei 11.340/06, que se refere expressamente aos crimes cometidos no âmbito da unidade doméstica e no âmbito da família.

No inciso II, que trata do menosprezo e da discriminação à condição de mulher, o tipo se torna aberto, pois compete ao julgador estabelecer, diante do caso concreto, se o homicídio teve como móvel a diminuição da condição feminina. Ao contrário do inciso I, não há nada, senão as circunstâncias do fato, em que seja possível se escorar para verificar se a qualificadora se caracterizou.

Pode figurar como vítima do feminicídio pessoa transexual?

Inicialmente, como bem ressaltam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, “o transexual não se confunde com o homossexual, bissexual, intersexual ou mesmo com o travesti. O transexual é aquele que sofre uma dicotomia físico-psíquica, possuindo um sexo físico, dis-tinto de sua conformação sexual psicológica. Nesse quadro, a cirurgia de mudança de sexo pode se apresentar como um modo necessário para a conformação do seu estado físico e psíquico”5.

Em eventual resposta à indagação inicial, podem ser observadas duas posições: uma primeira, conservadora, entendendo que o transexual, ge-neticamente, não é mulher (apenas passa a ter órgão genital de confor-midade feminina), e que, portanto, descarta, para a hipótese, a proteção especial; já para uma corrente mais moderna, desde que a pessoa portado-

4. A Lei Complementar nº 150/15, que dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico, es-tabelece, no art. 27, parágrafo único, inciso VII, a possibilidade de rescisão por culpa do empregador quando este praticar qualquer das formas de violência contra mulheres de que trata o art. 5º da Lei nº 11.340/06.

5. Direito civil – Teoria geral, p. 115.

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ra de transexualismo transmute suas características sexuais (por cirurgia e modo irreversível), deve ser encarada de acordo com sua nova realida-de morfológica, eis que a jurisprudência admite, inclusive, retificação de registro civil. Rogério Greco, não sem razão, explica: “Se existe alguma dúvida sobre a possibilidade de o legislador transformar um homem em uma mulher, isso não acontece quando estamos diante de uma decisão transitada em julgado. Se o Poder Judiciário, depois de cumprido o devido processo legal, determinar a modificação da condição sexual de alguém, tal fato deverá repercutir em todos os âmbitos de sua vida, inclusive o penal”6. Nesse sentido, aliás, decidiu o TJ/MG, aplicando a Lei Maria da Penha não apenas para a mulher, mas também transexuais e travestis:

“Para a configuração da violência doméstica não é necessário que as partes sejam marido e mulher, nem que estejam ou tenham sido casados, já que a união estável também se encontra sob o manto protetivo da lei. Admite-se que o sujeito ativo seja tanto homem quanto mulher, bastando a existência de relação familiar ou de afetividade, não importando o gênero do agressor, já que a norma visa tão somente à repressão e prevenção da violência doméstica contra a mulher. Quanto ao sujeito passivo abarcado pela lei, exige-se uma qualidade especial: ser mulher, compreendidas como tal as lésbicas, os transgêneros, as transexuais e as travestis, que tenham identidade com o sexo feminino. Ademais, não só as esposas, companhei-ras, namoradas ou amantes estão no âmbito de abrangência do delito de violência doméstica como sujeitos passivos. Também as filhas e netas do agressor como sua mãe, sogra, avó ou qualquer outra parente que mantém vínculo familiar com ele podem integrar o polo passivo da ação delituosa”7.

A nosso ver, a mulher de que trata a qualificadora é aquela assim reconhecida juridicamente8. No caso de transexual que formalmente

6. Curso de direito penal, vol. III, p. 530.

7. HC 1.0000.09.513119-9/000, j. 24.02.2010, rel. Júlio Cezar Gutierrez

8. A doutrina aponta alguns critérios para definir o que se pode considerar mulher para os efeitos desta qualificadora: a) psicológico: o indivíduo nasce do sexo masculino, mas, psicologicamente, não aceita esta condição e se identifica com o sexo oposto. É o que move os transexuais a buscar a o procedimento de reversão genital; b) biológico: iden-tifica-se a mulher por sua constituição genética e suas implicações físicas externas; c) jurídico: para este critério, é mulher quem é assim reconhecido juridicamente, ou seja, quem exibe em seu registro civil identidade do gênero feminino, ainda que não tenha nascido nesta condição, nem exiba as características próprias do sexo feminino. É o que normalmente ocorre com os transexuais, que, após a reversão, buscam também alterar seu registro civil.

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obtém o direito de ser identificado civilmente como mulher, não há como negar a incidência da lei penal porque, para todos os demais efeitos, esta pessoa será considerada mulher. A proteção especial não se estende, todavia, ao travesti, que não pode ser identificado como pessoa do gênero feminino. Se a Lei Maria da Penha tem sido interpre-tada extensivamente para que sua rede de proteção se estenda à pessoa que, embora não seja juridicamente reconhecida como mulher, assim se identifique, devemos lembrar que a norma em estudo tem natureza pe-nal, e a extração de seu significado deve ser balizada pela regra de que é vedada a analogia in malam partem. E, ao contrário do que ocorre com outras qualificadoras do homicídio em que se admite a interpretação analógica, neste caso não se utiliza a mesma fórmula, nem há espaço para interpretação extensiva, pois não é o caso de ampliar o significado de uma expressão para que se alcance o real significado da norma. Mu-lher, portanto, para os efeitos penais desta qualificadora, é o ser humano do gênero feminino. A simples identidade de gênero não tem relevância para que se caracterize a qualificadora.

Ressaltamos, por fim, que a qualificadora do feminicídio é subjetiva, pressupondo motivação especial: o homicídio deve ser cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Mesmo no caso do inci-so I do § 2º-A, o fato de a conceituação de violência doméstica e familiar ser um dado objetivo, extraído da lei, não afasta a subjetividade. Isso por-que o § 2º-A é apenas explicativo; a qualificadora está verdadeiramente no inciso VI, que, ao estabelecer que o homicídio se qualifica quando cometido por razões da condição do sexo feminino, deixa evidente que isso ocorre pela motivação, não pelos meios de execução.

De quem é a competência para o sumário da culpa no feminicí-dio?

Ocorrido um homicídio qualificado na forma do inciso VI do § 2º do art. 121, resta-nos saber de quem será a competência para a condução do sumário de culpa e eventual prolação da sentença de pronúncia.

Competente será o juiz apontado pelas respectivas leis de organiza-ção judiciária como tal. Poderá ser o juiz da vara exclusiva do Júri, como ocorre na capital do Estado de São Paulo, a quem cabe a condução de todo o procedimento, desde o recebimento da acusação até o julgamento em plenário. Naquelas onde não há vara privativa do Júri, competente

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será o juiz de uma vara criminal, a quem caberá preparar o processo e, a partir do trânsito em julgado da sentença de pronúncia, enviá-lo ao juiz do Júri. Ou poderá, quem sabe, ser o próprio juiz dos Juizados de Violên-cia Doméstica e Familiar contra a Mulher, desde que regra de organização judiciária disponha nesse sentido.

Quanto à fase denominada judicium causae, que se finda com o jul-gamento em plenário, não resta nenhuma dúvida de que a competência será mesmo do Tribunal do Júri, em face da disposição constitucional que asse-gura a competência mínima desse tribunal para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art. 5º, XXXVIII, d).

A Lei 13.104/15 também acrescentou no art. 121 o § 7º, majorante que eleva de um terço até a metade a pena do feminicídio se o crime for praticado:

a) durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto: aplica-se a majorante desde o momento em que gerado o feto até três meses após o nascimento. O aumento da pena se justifica inclusive nas situações em que demonstrada a inviabilidade do feto, pois o objeto da proteção especial é a mulher em fase de gestação, não exatamente o feto. Ressaltamos que o abor-to não é pressuposto da causa de aumento, e, caso do homicídio decorra a morte, querida ou aceita, do ser humano em gestação, o agente responderá, em concurso formal, pelo homicídio majorado e pelo aborto.

b) contra pessoa menor de catorze anos, maior de sessenta anos ou com deficiência: ao se referir à idade da vítima (menor de catorze ou maior de ses-senta anos) o dispositivo repete o § 4º do art. 121. Ressalta-se, porém, que, nesta majorante, diferentemente daquela do § 4º, em que o aumento é fixo em um terço, o aumento é variável de um terço à metade.

Outra figura da causa de aumento contempla a vítima com deficiência (física ou mental). O conceito de pessoa portadora de deficiência9 é trazido pelos arts. 3º e 4º do Decreto 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que regu-lamentou a Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989, in verbis:

Art. 3º Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

9. Com a entrada em vigor da Lei 13.146/15, cento e oitenta dias após a publicação, o con-ceito de deficiente físico será o do seu art. 2º. A avaliação da deficiência, estabelecida no § 1º, passará a ser aplicada até dois anos após a entrada em vigor da lei.

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I – deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacida-de para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;

II – deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabili-zou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e

III – incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacida-de de integração social, com necessidade de equipamentos, adap-tações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.

Art. 4º É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:

I – deficiência física – alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, para-paresia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triple-gia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades es-téticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;

II – deficiência auditiva – perda bilateral, parcial ou total, de qua-renta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas fre-quências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz;

III – deficiência visual – cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção ópti-ca; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores;

IV – deficiência mental – funcionamento intelectual significativa-mente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adap-tativas, tais como:

a) comunicação;

b) cuidado pessoal;

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c) habilidades sociais;

d) utilização dos recursos da comunidade;

e) saúde e segurança;

f ) habilidades acadêmicas;

g) lazer; e

h) trabalho;

V – deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.

c) na presença de descendente ou de ascendente da vítima: ex-pressa o texto legal que o comportamento criminoso ocorra na presença do ascendente ou do descendente da vítima. Diante do atual estágio de interação humana, em que ambientes de presença virtual são capazes de tornar a comunicação por meio de áudio e vídeo muito próxima da realidade, parece-nos possível conferir in-terpretação extensiva ao vocábulo presença para nele abarcar outras formas de interação que não a física, como chamadas com vídeo pela internet (Skype, por exemplo).

Por fim, é imprescindível, para a incidência das majorantes enunciadas acima, que o agressor tenha conhecimento das circunstâncias a elas relativas, evitando-se, assim, a responsabilidade penal objetiva.

2) Homicídio de agentes de segurança pública (Homicídio funcional)

A Lei 13.142/15 alterou o § 2º do art. 121 para nele inserir o inciso VII, que qualifica o homicídio se cometido contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consan-guíneo até 3º. grau, em razão dessa condição. A justificativa apresentada pelo Congresso para aprovar a novel Lei pode assim ser resumida: tentar prevenir ou diminuir crimes contra pessoas que atuam na área de segurança pública, pessoas que atuam no front no combate à criminalidade. A mudança, de acordo com a Casa de Leis, é crucial para fortalecer o Estado Democrático de Direito e as instituições legalmente constituídas para combater o crime, em especial o organizado, o qual planeja criar pânico e o descontrole social, quando um ator do combate à criminalidade é vítima de homicídio.

Trata-se de norma penal em branco, pois deve ser complementada pelos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, que nos indicam alguns dos agen-tes de segurança pública cujo homicídio faz incidir a qualificadora:

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a) o art. 142 da CF/88 abrange as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, instituições nacionais permanen-tes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem;

b) o art. 144 disciplina os órgãos de segurança pública: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares.

O homicídio praticado contra guardas civis (municipais ou metro-politanos) está abrangido na qualificadora do inciso VII do § 2º do art. 121?

Entendemos que sim. Perceba que o dispositivo se refere a crimes pra-ticados contra autoridades ou agentes descritos nos arts. 142 e 144. O art. 144, mais precisamente no seu § 8º, descreve os guardas como atores de se-gurança pública, anunciando competir aos Municípios o poder de constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. Desde de 2014 temos o Estatuto Geral das Guardas Municipais. Esse importante documento, no seu art. 5º, parágrafo único, dispõe que, no exercício de suas competências, a guarda municipal pode-rá colaborar ou atuar conjuntamente com órgãos de segurança pública da União, dos Estados e do Distrito Federal ou de congêneres de Municípios vizinhos.

c) integrantes do sistema prisional: aqui estão abrangidos não apenas os agentes presentes no dia-a-dia da execução penal (diretor da penitenciária, agentes penitenciários, guardas, etc.), mas também aqueles que atuam em certas etapas da execução (comissão técnica de classificação, comissão de exa-me criminológico, conselho penitenciário etc.). E não poderia ser diferente. Imaginemos um egresso que, revoltado com os vários exames criminológi-cos que o impediram de conquistar prematura liberdade, buscando vingar-se daqueles que subscreveram o exame, contra eles pratica homicídio. Parece evidente que o crime de homicídio, além de outras qualificadoras (como a do inciso II), será também qualificado pelo inciso VII;

d) integrantes da Força Nacional de Segurança Pública: o Departamen-to da Força Nacional de Segurança Pública ou Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), criado em 2004, com sede em Brasília/DF, é um programa de cooperação de segurança pública brasileiro, coordenado pela Secretaria

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Nacional de Segurança Pública (SENASP), do Min. da Justiça. É, em re-sumo, um agrupamento de polícia da União que assume o papel de polícia militar em distúrbios sociais ou em situações excepcionais nos estados bra-sileiros, sempre que a ordem pública é posta em situação concreta de risco. É composta pelos quadros mais destacados das polícias de cada Estado e da Polícia Federal.

e) contra cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até 3º grau de algum dos agentes acima mencionados: o crime de homicídio será punido mais severamente, de acordo com a Lei 13.142/15, quando cometido contra o cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até 3º grau dos agentes de segurança antes descritos. Alerta o legislador, entretanto, ser indispensável que o crime tenha sido praticado em razão dessa condição, ou seja, que o ho-micida tenha escolhido matar aquela vítima exatamente em razão da ligação familiar com o policial.

Ressaltamos que, nas quatro primeiras situações, a qualificadora pressu-põe que o crime tenha sido cometido contra o agente no exercício da função ou em decorrência dela. Suponhamos que um policial, no seu dia de folga, encontre-se num bar assistindo à transmissão de uma partida de futebol dis-putada pelo seu time e, ao vibrar com a vitória da equipe, é morto por tiros disparados por um torcedor fanático do time derrotado, que sabia se tratar de um policial. Percebam que o homicida matou um policial, agente de segu-rança, condição essa conhecida do executor. Contudo, no exemplo proposto, o crime não foi cometido estando a vítima em serviço, nem sequer tem nexo com a sua função. Incidirão, no caso, outras qualificadoras (motivo fútil e recurso que dificultou a defesa do ofendido), mas não a do inciso VII.

O inciso VII é a única dentre as qualificadoras do homicídio que não tem correspondente agravante no art. 61 do Código Penal. Normalmente, quando alguém comete um homicídio com a incidência de mais de uma qualificadora, sustenta-se que uma delas sirva para qualificar o delito e as demais sejam consideradas na segunda fase de aplicação da pena. Se, no en-tanto, em conjunto com a qualificadora do inciso VII incidir outra, utilizada pelo juiz para qualificar o delito, o fato de o sujeito ativo ter matado agente de segurança pública deverá ser considerado na aplicação da pena base (cir-cunstâncias do crime).

Por fim, alertamos que esta circunstância qualificadora tem natureza subjetiva, incompatível com o privilégio. Efetivamente, não se pode ima-ginar a possibilidade de que alguém mate um agente de segurança pública

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no exercício da função ou em decorrência dela, ou mesmo que mate um familiar desse agente em razão da condição de parentesco, e o faça por mo-tivo de relevante valor social ou moral. É impensável que este homicídio seja movido pela manutenção dos interesses da coletividade (aliás, é bem o oposto) ou por sentimentos de piedade, misericórdia e compaixão. E mesmo no homicídio cometido sob o domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima, acreditamos ser impossível a coexistência da qualificadora.

18. LESÃO CORPORAL:

Segundo o STJ, a realização de cirurgia estética que repare os efeitos da lesão não afasta a qualificadora da deformidade permanente, pois “o fato criminoso é valorado no momento de sua consumação, não o afetando pro-vidências posteriores, notadamente quando não usuais (pelo risco ou pelo custo, como cirurgia plástica ou de tratamentos prolongados, dolorosos ou geradores do risco de vida) e promovidas a critério exclusivo da vítima (HC 306.677/RJ, Rel. Min. Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ-SP), Rel. para acórdão Min. Nefi Cordeiro, julgado em 19/5/2015, DJe 28/5/2015 – Info 562).

A Lei 13.142/15 também alterou o art. 129 do Código Penal para acres-centar o § 12, que majora a pena da lesão corporal (dolosa, leve, grave, gra-víssima ou seguida de morte) de um a dois terços quando praticada contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, com-panheiro ou parente consanguíneo até 3º. grau, em razão dessa condição.

Trata-se, assim como na qualificadora relativa ao homicídio, de norma penal em branco a ser complementada pela Constituição Federal. Sobre o tema, remetemos o leitor às considerações tecidas no crime de homicídio, aqui aplicáveis integralmente.

Por meio deste mesmo diploma, a Lei 8.072/90 foi alterada para que no rol dos crimes hediondos fossem inseridas duas modalidades de lesão corporal. De acordo com o art. 1º, inciso I-A, daquela lei, são hediondas a lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2º) e a lesão corpo-ral seguida de morte (art. 129, § 3º), quando praticadas contra qualquer dos agentes de que trata esta majorante.

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19. CRIMES CONTRA A HONRA:

No julgamento da ADI 4815, ajuizada para questionar os artigos 20 e 21 do Código Civil, o STF considerou inconstitucional a exigência de consentimento da pessoa biografada (ou de seus familiares, em caso de fa-lecimento) relativamente a obras biográficas (literárias ou audiovisuais), as-sim como considerou inexigível a autorização de indivíduos retratados como coadjuvantes. Isso não significa, todavia, que o tribunal abriu espaço para a publicação impune de conteúdo desonroso, mas, ao contrário, do julgamen-to se extrai que embora vigore plenamente a liberdade de expressão e de ma-nifestação do pensamento, o autor não pode macular a honra do indivíduo a pretexto de narrar sua trajetória de vida. A publicação dolosa de fato ofensivo à reputação ou mesmo a ofensa à dignidade ou ao decoro pode ensejar tanto indenização na seara civil quanto a punição na esfera criminal.

Há de se ter em consideração, no entanto, que, para caracterizar o cri-me, a narração de fato considerado ofensivo à reputação deve ter o propósito exclusivo de difamar. Se a referência ao fato desabonador faz parte da nar-rativa biográfica, é uma das formas por meio das quais o biógrafo transmite ao leitor facetas muitas vezes desconhecidas da personalidade do biografado, não há reparação a ser feita, nem punição a ser aplicada. Seria o caso, por exemplo, da biografia que narra episódio em que uma cantora famosa tenha sido vista, em determinada ocasião, prostituindo-se na via pública. Embora se trate de algo sem dúvida ofensivo à reputação, não há ensejo para a carac-terização de crime.

Da mesma forma, a emissão de conceitos negativos sobre o biografado se insere na liberdade de que desfruta o escritor para interpretar os fatos apurados na pesquisa sobre a vida do biografado, e em seguida manifestar o pensamento crítico na obra de sua autoria. Assim, se o autor apura que a biografada, a certa altura da vida, dedicou-se à prostituição, e a considera por esta razão imoral, não haverá delito. À biografia, é importante esclarecer, não se impõe uma pura e simples narrativa sobre episódios da vida de alguém. É perfeitamente possível que a narração venha acompanhada por um juízo crítico do autor, que só pode ser punido quando evidentemente extrapolados os limites do tolerável.

O STJ decidiu ser possível, na divulgação de uma única carta, a coexis-tência das três figuras criminosas relativas à lesão da honra, “sobretudo no caso em que os trechos utilizados para caracterizar o crime de calúnia forem diversos dos empregados para demonstrar a prática do crime de difamação.

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Ainda que diversas ofensas tenham sido assacadas por meio de uma única carta, a simples imputação ao acusado dos crimes de calúnia, injúria e difa-mação não caracteriza ofensa ao princípio que proíbe o bis in idem, já que os crimes previstos nos arts. 138, 139 e 140 do CP tutelam bens jurídicos distintos, não se podendo asseverar de antemão que o primeiro absorveria os demais. Ademais, constatado que diferentes afirmações constantes da missiva atribuída ao réu foram utilizadas para caracterizar os crimes de calúnia e de difamação, não se pode afirmar que teria havido dupla persecução pelos mes-mos fatos. De mais a mais, ainda que os dizeres também sejam considerados para fins de evidenciar o cometimento de injúria, o certo é que essa infração penal, por tutelar bem jurídico diverso daquele protegido na calúnia e na difamação, a princípio, não pode ser por elas absorvido (RHC 41.527/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 3/3/2015, DJe 11/3/2015 – Info 557).

20. FURTO:

O STJ reiterou entendimento de que a operação de sistema de vigi-lância em estabelecimento comercial não é suficiente para que se considere impossível a consumação do crime de furto. Em situações dessa natureza, segundo o tribunal, “embora os sistemas eletrônicos de vigilância tenham por objetivo evitar a ocorrência de furtos, sua eficiência apenas minimiza as perdas dos comerciantes, visto que não impedem, de modo absoluto, a ocorrência de subtrações no interior de estabelecimentos comerciais. Ora, não se pode afirmar, em um juízo normativo de perigo potencial, que o equi-pamento funcionará normalmente, que haverá vigilante a observar todas as câmeras durante todo o tempo, que as devidas providências de abordagem do agente serão adotadas após a constatação do ilícito etc. Conquanto se possa crer que, sob a perspectiva do que normalmente acontece, na maior parte dos casos o agente não logrará consumar a subtração de produtos do interior do estabelecimento comercial guarnecido por mecanismos de vigilância e de segurança, sempre haverá o risco de que providências tomadas, por qual-quer motivo, não frustrem a ação delitiva. Além disso, os atos do agente não devem ser apreciados isoladamente, mas em sua totalidade, uma vez que o criminoso pode se valer de atos inidôneos no início da execução, mas ante a sua indiscutível inutilidade, passar a praticar atos idôneos. Portanto, na hipótese aqui analisada, o meio empregado pelo agente é de inidoneidade relativa, visto que há possibilidade (remota) de consumação do delito. Sendo assim, se a ineficácia do meio deu-se apenas de forma relativa, não é possível o reconhecimento do instituto do crime impossível previsto no art. 17 do

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CP (REsp 1.385.621/MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 27/5/2015, DJe 2/6/2015 – Info 563).

Ainda sobre o delito de furto, o STJ considerou que a incidência da qua-lificadora da destreza pressupõe que o agente tenha lançado mão de excepcio-nal habilidade para a subtração do objeto que estava em poder da vítima, de modo a impedir qualquer percepção. Para o tribunal, “não configuram essa qualificadora os atos dissimulados comuns aos crimes contra o patrimônio – que, por óbvio, não são praticados às escancaras. A propósito, preleciona a doutrina que essa qualificadora significa uma “especial habilidade capaz de impedir que a vítima perceba a subtração realizada em sua presença. É a subtração que se convencionou chamar de punga. A destreza pressupõe uma atividade dissimulada, que exige habilidade incomum, aumentando o risco de dano ao patrimônio e dificultando sua proteção”. Nesse passo, “a destreza constitui a habilidade física ou manual empregada pelo agente na subtração, fazendo com que a vítima não perceba o seu ato. É o meio empregado pelos batedores de carteira, pick-pockets ou punguistas, na gíria criminal brasileira. O agente adestra-se, treina, especializa-se, adquirindo habilidade tal com as mãos e dedos que a subtração ocorre como um passe de mágica, dissimu-ladamente. Por isso, a prisão em flagrante (próprio) do punguista afasta a qualificadora, devendo responder por tentativa de furto simples; na verdade, a realidade prática comprovou exatamente a inabilidade do incauto”. Dispõe ainda a doutrina que “Destreza: é a agilidade ímpar dos movimentos de al-guém, configurando uma especial habilidade. O batedor de carteira (figura praticamente extinta diante da ousadia dos criminosos atuais) era o melhor exemplo. Por conta da agilidade de suas mãos, conseguia retirar a carteira de alguém, sem que a vítima percebesse. Não se trata do ‘trombadinha’, que investe contra a vítima, arrancando-lhe, com violência, os pertences” (REsp 1.478.648/PR, Rel. Min. Newton Trisotto (desembargador convocado do TJ/SC), julgado em 16/12/2014, DJe 2/2/2015 – Info 554).

Finalmente, o mesmo tribunal estabeleceu a possibilidade de aplicação, sobre a modalidade qualificada, da majorante relativa ao furto noturno, pois não há incompatibilidade entre esta circunstância e aquelas que qualificam o delito, nem há prejuízo para a dosimetria da pena, tendo em vista que o juiz parte da pena-base relativa à forma qualificada e faz incidir o aumento de um terço na terceira fase de aplicação. Além disso, não se justifica a imposição de óbice porque, lançando mão de critério de interpretação semelhante, o tribu-nal firmou o entendimento de que é possível aplicar sobre o furto qualificado o privilégio do § 2º do art. 155 (HC 306.450/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 4/12/2014, DJe 17/12/2014 – Info 554).

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A respeito das inovações legislativas, destacamos que a Lei 10.406/02, que trata das infrações penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, teve, no art. 1º, o inciso VI incluído pela Lei 13.124/15, que estabelece atribuição à Polícia Federal para investigar furto, roubo ou dano contra instituições financeiras, incluindo agências bancárias ou caixas eletrônicos, quando houver indícios da atuação de associação cri-minosa em mais de um Estado da Federação.

21. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA:

No crime de apropriação indébita previdenciária, o STJ decidiu que o pagamento do tributo após o trânsito em julgado da sentença condenatória não permite a extinção da punibilidade: “O art. 9º da Lei 10.684/2003 dis-põe que: “É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. § 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. § 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste arti-go quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios”. O referido dispositivo trata da extinção da punibilidade pelo pagamento da dívida antes do trânsito em julgado da condenação, uma vez que faz menção expressa à pretensão punitiva do Estado. Dessa forma, não há que se falar em extinção da punibilidade pelo pagamento quando se trata de pretensão executória, como na hipótese em análise. Precedente do STJ: RHC 29.576-ES, Quinta Turma, DJe 26/2/2014. Precedente do STF: QO na AP 613-TO, Plenário, DJe 4/6/2014 (HC 302.059/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 5/2/2015, DJe 11/2/2015 – Info 556).

22. ESTELIONATO:

O STJ decidiu que não comete estelionato o advogado que, por meio de procurações com assinaturas falsificadas e comprovantes de residência adulterados, ajuíza ações indenizatórias em nome de terceiros para obter in-devida vantagem. Conforme assentou o tribunal, “Não se desconhece a exis-tência de posicionamento doutrinário e jurisprudencial, inclusive do STJ, no sentido de que não se admite a prática do delito de estelionato por meio do ajuizamento de ações judiciais (RHC 31.344-PR, Quinta Turma, DJe

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26/3/2012; e HC 136.038-RS, Sexta Turma, DJe 30/11/2009). Contudo, em recente julgado, a Quinta Turma do STJ firmou o entendimento de que quando não é possível ao magistrado, durante o curso do processo, ter acesso às informações que caracterizam a fraude, é viável a configuração do crime de estelionato (AgRg no HC 248.211-RS, Quinta Turma, DJe 25/4/2013). No caso em análise, constata-se que fora determinada a realização de perícia na documentação acostada pelo advogado, o que revela que a suposta frau-de perpetrada era passível de ser descoberta pelas vias ordinárias no curso do processo, o que afasta o crime de estelionato. Todavia, observa-se que o agente teria se utilizado de procurações e comprovantes de residência falsos para ingressar com ações cíveis, sendo certo que tais documentos são hábeis a caracterizar o delito previsto no artigo 304 do CP, conforme entendimento da doutrina e da jurisprudência (RHC 53.471/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 4/12/2014, DJe 15/12/2014 – Info 554).

E a respeito do estelionato contra a previdência social, o STJ decidiu que a reparação do dano antes do recebimento da denúncia não tem caráter extintivo da punibilidade, embora seja possível que se apliquem as disposi-ções relativas ao arrependimento posterior (art. 16 do Código Penal). De acordo com a decisão, “O art. 9º da Lei 10.684/2003 prevê hipótese excep-cional de extinção de punibilidade, “quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios”, que somente abrange os crimes de sonegação fiscal, apropriação indébita previdenciária e sonegação de con-tribuição previdenciária, ontologicamente distintos do estelionato previden-ciário, no qual há emprego de ardil para o recebimento indevido de benefí-cios. Dessa forma, não é possível aplicação, por analogia, da causa extintiva de punibilidade prevista no art. 9º da Lei 10.684/2003 pelo pagamento do débito ao estelionato previdenciário, pois não há lacuna involuntária na lei penal a demandar o procedimento supletivo, de integração do ordenamento jurídico. Precedente citado: AgRg no Ag 1.351.325-PR, Quinta Turma, DJe 5/12/2011 (REsp 1.380.672/SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 24/3/2015, DJe 6/4/2015 – Info 559).

23. CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL:

A respeito do atentado violento ao pudor (atualmente tipificado como estupro no art. 213 do Código Penal), o STJ considerou consumado o delito em situação em que o agente, após levar um menor de catorze anos a um quarto, havia se despido e começado a acariciar o corpo da vítima enquanto

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lhe retirava as roupas, tendo esta última fugido do local antes da prática de efetivos atos sexuais. Para o tribunal, “Considerar consumado atos libidi-nosos diversos da conjunção carnal somente quando invasivos, ou seja, nas hipóteses em que há introdução do membro viril nas cavidades oral, vaginal ou anal da vítima, não corresponde ao entendimento do legislador, tampou-co ao da doutrina e da jurisprudência acerca do tema. (...) Quando o crime é praticado contra criança, um grande número de outros atos (diversos da conjunção carnal) contra vítima de tenra idade, são capazes de lhe ocasio-nar graves consequências psicológicas, devendo, portanto, ser punidos com maior rigor (...). Na hipótese em análise (...), ficou evidenciada a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal em desfavor da vítima em um contexto no qual o réu satisfez sua lascívia ao acariciar o corpo nu do menor. Ressalta-se, por fim, que a proteção integral à criança, em especial no que se refere às agressões sexuais, é preocupação constante de nosso Estado, cons-titucionalmente garantida (art. 227,caput e § 4º, da CF), e de instrumentos internacionais (REsp 1.309.394/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julga-do em 3/2/2015, DJe 20/2/2015 – Info 555).

Em interessante julgado a respeito da ação penal no crime de estupro de vulnerável, o STJ assentou que, também neste caso, há possibilidade de que se proceda somente mediante representação da vítima. De acordo com o art. 225, parágrafo único, do Código Penal, a ação penal, no crime de estupro de vulnerável, é pública incondicionada, escapando à regra da condicionalidade estabelecida para os crimes sexuais. Na decisão, todavia, assentou-se que, “em relação à vítima possuidora de incapacidade permanente de oferecer resistência à prática dos atos libidinosos, a ação penal seria sempre incondicionada. Mas, em se tratando de pessoa incapaz de oferecer resistência apenas na ocasião da ocorrência dos atos libidinosos – não sendo considerada pessoa vulnerável –, a ação penal permanece condicionada à representação da vítima, da qual não pode ser retirada a escolha de evitar o strepitus judicii. Com este entendimento, afasta-se a interpretação no sentido de que qualquer crime de estupro de vul-nerável seria de ação penal pública incondicionada, preservando-se o sentido da redação do caput do art. 225 do CP” (HC 276.510/RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/11/2014, DJe 1º/12/2014 – Info 553).

24. FALSIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADULTERAÇÃO OU ALTERAÇÃO DE PRODUTO DESTINADO A FINS TERA-PÊUTICOS OU MEDICINAIS:

O STJ julgou inconstitucional a pena cominada para o delito do art. 273, § 1º-B, inciso V, do Código Penal, que deve ser substituída por aquela

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estabelecida no art. 33, caput, da Lei 11.343/06. Segundo o tribunal, “em atenção ao princípio constitucional da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos (CF, art. 5º, LIV), é imprescindível a atuação do Judiciário para corrigir o exagero e ajustar a pena de “reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa” abstratamente cominada à conduta inscrita no art. 273, § 1º-B, V, do CP, referente ao crime de ter em depósito, para venda, produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais de procedência igno-rada. Isso porque, se esse delito for comparado, por exemplo, com o crime de tráfico ilícito de drogas (notoriamente mais grave e cujo bem jurídico também é a saúde pública), percebe-se a total falta de razoabilidade do pre-ceito secundário do art. 273, § 1º-B, do CP, sobretudo após a edição da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), que, apesar de ter aumentado a pena míni-ma de 3 para 5 anos, introduziu a possibilidade de redução da reprimenda, quando aplicável o § 4º do art. 33, de 1/6 a 2/3. Com isso, em inúmeros casos, o esporádico e pequeno traficante pode receber a exígua pena privativa de liberdade de 1 ano e 8 meses. E mais: é possível, ainda, sua substituição por restritiva de direitos. De mais a mais, constata-se que a pena mínima cominada ao crime ora em debate excede em mais de três vezes a pena má-xima do homicídio culposo, corresponde a quase o dobro da pena mínima do homicídio doloso simples, é cinco vezes maior que a pena mínima da lesão corporal de natureza grave, enfim, é mais grave do que a do estupro, do estupro de vulnerável, da extorsão mediante sequestro, situação que gera gritante desproporcionalidade no sistema penal. Além disso, como se trata de crime de perigo abstrato, que independe da prova da ocorrência de efetivo risco para quem quer que seja, a dispensabilidade do dano concreto à saúde do pretenso usuário do produto evidencia ainda mais a falta de harmonia entre esse delito e a pena abstratamente cominada pela redação dada pela Lei 9.677/1998 (de 10 a 15 anos de reclusão). Ademais, apenas para seguir apontando a desproporcionalidade, deve-se ressaltar que a conduta de im-portar medicamento não registrado na ANVISA, considerada criminosa e hedionda pelo art. 273, § 1º-B, do CP, a que se comina pena altíssima, pode acarretar mera sanção administrativa de advertência, nos termos dos arts. 2º, 4º, 8º (IV) e 10 (IV), todos da Lei nº 6.437/1977, que define as infrações à legislação sanitária. A ausência de relevância penal da conduta, a despropor-ção da pena em ponderação com o dano ou perigo de dano à saúde pública decorrente da ação e a inexistência de consequência calamitosa do agir con-vergem para que se conclua pela falta de razoabilidade da pena prevista na lei, tendo em vista que a restrição da liberdade individual não pode ser exces-siva, mas compatível e proporcional à ofensa causada pelo comportamento humano criminoso. Quanto à possibilidade de aplicação, para o crime em

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questão, da pena abstratamente prevista para o tráfico de drogas – “reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa” (art. 33 da Lei de drogas) –, a Sexta Turma do STJ (REsp 915.442-SC, DJe 1º/2/2011) dispôs que “A Lei 9.677/98, ao alterar a pena prevista para os delitos descritos no artigo 273 do Código Penal, mostrou-se excessivamente desproporcional, cabendo, portanto, ao Judiciário promover o ajuste principiológico da norma [...] Tratando-se de crime hediondo, de perigo abstrato, que tem como bem jurídico tutelado a saúde pública, mostra-se razoável a aplicação do preceito secundário do delito de tráfico de drogas ao crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais” (AI no HC 239.363/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/2/2015, DJe 10/4/2015 – Info 559).

25. MOEDA FALSA:

O STJ considerou inaplicável o arrependimento posterior no crime de moeda falsa, que, tratando-se de delito contra a fé pública, torna irrelevan-te eventual prejuízo àquele que recebeu as cédulas falsificadas. Neste crime, “a vítima é a coletividade como um todo, e o bem jurídico tutelado é a fé pública, que não é passível de reparação. Desse modo, os crimes contra a fé pública, semelhantes aos demais crimes não patrimoniais em geral, são in-compatíveis com o instituto do arrependimento posterior, dada a impossibi-lidade material de haver reparação do dano causado ou a restituição da coisa subtraída (REsp 1.242.294/PR, Rel. originário Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/11/2014, DJe 3/2/2015 – Info 554).

26. FALSIDADE DOCUMENTAL:

É dominante o entendimento de que compete à justiça estadual proces-sar e julgar o crime de falsa anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, atribuído à empresa privada (Súmula 62 do STJ). Esta súmula foi editada em 1992, antes, portanto, da alteração promovida no art. 297 do Código Penal pela Lei 9.983/00, introdutória dos parágrafos 3º e 4º, que tra-tam, na verdade, de falsos ideológicos relacionados a documentos previden-ciários. Antes, portanto, não havia menção a documentos previdenciários. O tribunal, de qualquer maneira, fazia interpretação casuística a respeito da competência nesses crimes, a depender de quem poderia ser efetivamente considerado lesado pela conduta: a) nos casos de simples omissão de anota-

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ção e de anotação de período de tempo de contrato menor, considerava-se que apenas indiretamente a previdência era atingida, razão pela qual a com-petência era da justiça estadual; b) no caso de anotação falsa para fazer cons-tar período de contrato de trabalho que nunca existiu, havia prejuízo direto à previdência, pois se tratava de conduta destinada à obtenção de benefício previdenciário indevido. Por isso, a competência era da justiça federal. O tribunal, no entanto, tem decidido que mesmo no caso de omissão de anota-ção, o sujeito passivo primário é o Estado (no caso, o órgão previdenciário), o que atrai a competência federal: “1. No julgamento do CC nº 127.706/RS (em 9/4/2014), da relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, a Terceira Seção desta Corte, por maioria, firmou o entendimento de que, no delito tipificado no art. 297, § 4º, do Código Penal, o sujeito passivo é o Estado e, eventualmente, de forma secundária, o particular, terceiro prejudicado com a omissão das informações, circunstância que atrai a competência da Justiça Federal, conforme o disposto no art. 109, IV, da Constituição Federal. 2. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 1ª Vara de Itapeva – SJ/SP, o suscitante” (CC 135.200/SP, Terceira Seção, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, DJe 02/02/2015 – Info 554). No mesmo sentido: AgRg no CC 131.442/RS, Terceira Seção, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 19/12/2014; CC 127.706/RS, Terceira Seção, Rel. Min. Rogério Schiet-ti Cruz, DJe 03/09/2014. Dessa forma, embora a súmula nº 62 ainda esteja em vigor, a tendência é de que, a prosperar a nova orientação, seja cancelada.

27. CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO:

Os titulares de cartórios de notas e de registro são considerados servido-res públicos para fins penais, pois, por meio de concurso público, recebem delegação do poder público para atuação na esfera cartorária. Além disso, o art. 24 da Lei nº 8.935/94 estabelece que à responsabilidade criminal se aplicam, no que couber, as disposições relativas aos crimes contra a Admi-nistração Pública. O mesmo não ocorre, todavia, com os funcionários dos respectivos cartórios, que são contratados livremente e não ocupam cargo público, ainda que se sujeitem, em certos aspectos, à legislação que regula a organização judiciária.

28. DESCAMINHO:

O STJ reafirmou entendimento de que o pagamento do tributo iludido não extingue a punibilidade no crime de descaminho, cuja caracterização, de resto, dispensa decisão na esfera administrativa a respeito do lançamento

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definitivo do tributo. Para o tribunal, “o descaminho não pode ser equipa-rado aos crimes materiais contra a ordem tributária, o que revela a impossi-bilidade de que o agente acusado da prática do crime de descaminho tenha a sua punibilidade extinta pelo pagamento do tributo. Ademais, o art. 9º da Lei 10.684/2003 prevê a extinção da punibilidade pelo pagamento dos débitos fiscais apenas no que se refere aos crimes contra a ordem tributária e de apropriação ou sonegação de contribuição previdenciária – arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990, 168-A e 337-A do CP. Nesse sentido, se o crime de descaminho não se assemelha aos crimes acima mencionados, notadamente em razão dos diferentes bens jurídicos por cada um deles tutelados, inviável a aplicação analógica da Lei 10.684/2003 (RHC 43.558/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 5/2/2015, DJe 13/2/2015 – Info 555).

29. FALSO TESTEMUNHO:

Há discussão a respeito da competência para julgamento quando o falso testemunho ocorre em depoimento prestado por meio de carta precatória. Há quem defenda que a competência é do juízo deprecado, já que a consumação se deu naquele local, e há aqueles que consideram ser competente o juízo de-precante, pois aquele é o local em que o depoimento falso produzirá efeitos, e é o ambiente em que o juiz poderá efetivamente aquilatar o quão verda-deiro foi o relato da testemunha. Prevalece a primeira orientação (STJ – CC 30.309/PR, Terceira Seção, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 11/03/2002; TJSP – Conflitos de Jurisdição 990.10.275436-7, j. 06/12/2010, 994.09.230599-3, j. 26/04/2010 e 101.222-0/0-00, j. 02/06/2003), não obstante o STJ já tenha decidido, em crime de falso testemunho praticado em juízo estadual por carta precatória da justiça federal, competir o julgamento a esta última, pois o depoimento se destinava a produzir prova em processo no qual se apu-rava a prática de crime perante o juízo federal, que delegara sua competência (CC 115.314/RS, Terceira Seção, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe 17/11/2011).

30. CRIMES MILITARES:

No âmbito dos crimes militares, o STF decidiu pela não ocorrência da prescrição em crime de deserção por entender se tratar de delito permanente, aplicando-se, no caso, o disposto no art. 125, § 2º, c, do Código Penal Mi-litar. O tribunal, além disso, afirmou a constitucionalidade do art. 132 do mesmo Código: “No mérito, a Turma apontou que a jurisprudência do STF seria no sentido de que o crime de deserção seria de natureza permanente, cessada a conduta delitiva somente no momento da captura ou da apresen-

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tação voluntária do agente. Na espécie, como o paciente se encontraria fo-ragido, não haveria que se falar em início do curso do prazo prescricional, nos termos do art. 125, § 2º, c, do CPM, inexistente, portanto, a alegada ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal. Ademais, o diploma penal castrense apresentaria dois critérios de prescrição no crime de deserção: a) o primeiro – geral – seria destinado ao agente que, apesar de ter incorrido no referido delito, foi reincorporado ao serviço militar. Nesse caso, incidiria a regra do art. 125 do CPM, em que a prescrição em abstrato se regula pelo máximo da pena privativa de liberdade aplicada ao crime praticado; e b) o segundo critério – especial – seria aplicado exclusivamente ao trânsfuga, o desertor que não foi capturado e nem se apresentou à corporação. Para essas hipóteses, a extinção da punibilidade observaria o art. 132 do CPM (“No crime de deserção, embora decorrido o prazo da prescrição, esta só extingue a punibilidade quando o desertor atinge a idade de quarenta e cinco anos, e, se oficial, a de sessenta”), cuja inconstitucionalidade é apontada no caso em comento. Entretanto, o que se pretenderia com a declaração de inconstitu-cionalidade deste último dispositivo seria inverter sua lógica, porquanto o art. 132 do CPM constituiria garantia à defesa, por impedir a imprescritibi-lidade do crime permanente de deserção em relação ao trânsfuga. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que concedia a ordem por entender inconstitucio-nal o art. 132 do CPM. Afirmava que a referida norma tornaria praticamen-te imprescritível a pretensão punitiva estatal para o crime de deserção (HC 112005/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 10.2.2015 – Info 774).

Ainda quanto aos delitos militares, o STF aplicou o princípio da con-sunção por considerar, no caso concreto, que o abandono de posto serviu apenas como meio para a deserção. O tribunal “destacou que o motivo de ambos os delitos teria sido o mesmo. Dessa forma, o abandono de lugar de serviço, no caso, teria composto a linha de desdobramento da ofensa maior ao bem jurídico: deserção. Demonstrado que a intenção do recorrente era desertar, inexistiria justa causa para o prosseguimento da ação penal de abandono de posto. Asseverou não estar caracterizado concurso material de crimes (duas ações autônomas), a incidir, na hipótese, o fenômeno da absor-ção de um crime por outro (RHC 125112/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.2.2014 – Info 774).

31. CRIMES ELEITORAIS:

O STF decidiu que a caracterização do crime de desobediência eleito-ral (art. 347 do Código Eleitoral) pressupõe que o agente tenha ciência da

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ordem emitida, que, no mais, deve ser direta e individualizada. O tribunal considerou “que a ordem supostamente descumprida na hipótese – a não realização de carreatas ou passeatas eleitorais em determinado local – não teria sido dirigida especificamente ao ora acusado, mas a todos os candidatos, partidos, coligações e cidadãos, mediante encaminhamento de ofício-circular pelo juiz eleitoral. Entretanto, para configuração do crime de desobediência eleitoral seria necessário que a ordem tida por descumprida fosse direta e individualizada ao agente, o que, como visto, não teria ocorrido, tendo em conta o caráter geral e abstrato da referida orientação da Justiça Eleitoral. Por outro lado, não haveria nos autos elementos mínimos e suficientes a indicar que o acusado tivesse ciência do ofício-circular elaborado pelo juiz eleitoral e que o teria deliberadamente descumprido. Nesse contexto, verificar-se-ia a ausência do elemento subjetivo do tipo, no caso, o dolo (AP 904/RO, rel. Min. Teori Zavascki, 14.4.2015 – Info 781).

O STJ, em matéria eleitoral criminal, decidiu competir à justiça federal o julgamento do crime de destruição de título eleitoral de terceiros se não demonstrada vinculação com pleitos eleitorais. Considerou-se que a tipifi-cação do fato no Código Eleitoral “não se traduz, incontinenti, em crime eleitoral, sendo necessário, também, que se configure o conteúdo material do crime. Sob o aspecto material, deve a conduta atentar contra a liberdade de exercício dos direitos políticos, vulnerando a regularidade do processo eleitoral e a legitimidade da vontade popular. Ou seja, a par da existência do tipo penal eleitoral específico, faz-se necessária, para sua configuração, a exis-tência de violação do bem jurídico que a norma visa tutelar, intrinsecamente ligado aos valores referentes à liberdade do exercício do voto, à regularidade do processo eleitoral e à preservação do modelo democrático. Dessa forma, a despeito da existência da descrição típica formal no Código Eleitoral (art. 339: “Destruir, suprimir ou ocultar urna contendo votos, ou documentos relativos à eleição”), não há como minimizar o conteúdo dos crimes eleitorais sob o aspecto material (CC 127.101/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 11/2/2015, DJe 20/2/2015 – Info 555).

32. EXECUÇÃO PENAL:

O STF decidiu, na execução das reprimendas aplicadas na ação penal 470, que o pagamento da pena de multa é necessário para o deferimento da progressão de regime. Não se trata, destacamos, de aplicar a norma estabe-lecida no art. 33, § 4º, do Código Penal, segundo a qual o condenado por crime contra a administração pública tem a progressão de regime condicio-

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nada à reparação do dano que causou ou à devolução do produto do ilícito praticado. O tribunal decidiu, efetivamente, sobre a pena de multa, o que, com a devida vênia, não nos parece adequado, pois desvirtua o propósito da Lei 9.268/96, que, como vimos, modificou o tratamento conferido à pena de multa ao vedar sua conversão em privativa de liberdade no caso de não pagamento. Se a inadimplência impede que se decrete a prisão, é certo que não pode impedir a progressão de regime, em cujos requisitos, de resto, não se inclui o adimplemento da pena pecuniária. É o seguinte o teor da decisão:

“O inadimplemento deliberado da pena de multa cumulativamente aplicada ao sentenciado impede a progressão no regime prisional. Essa re-gra somente é excepcionada pela comprovação da absoluta impossibilidade econômica do apenado em pagar o valor, ainda que parceladamente. Essa a conclusão do Plenário que, por maioria, negou provimento a agravo regi-mental interposto em face de decisão monocrática que indeferira o pedido de progressão de regime prisional – tendo em vista o inadimplemento da multa imposta – de condenado, nos autos da AP 470/MG (DJe de 22.4.2013), à pena de seis anos e seis meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, bem assim à sanção pecuniária de 330 dias-multa, pela prática de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Alegava-se que o prévio pagamento da pena de multa não seria requisito legal para a progressão de regime, porquanto inexis-tente prisão por dívida (CF, art. 5º, LXVII), bem assim que o art. 51 do CP proibiria a conversão da multa em detenção. (...) o Plenário rememorou que o art. 51 do CP, em sua redação original, previa a possibilidade de conver-são da multa em pena de detenção, quando o condenado, deliberadamente, deixasse de honrá-la. Posteriormente, a Lei 9.268/1996 dera nova redação ao dispositivo, para não mais admitir essa conversão, bem como para permitir a correção monetária e a cobrança da sanção como dívida ativa. A referida alte-ração legislativa não retirara da multa o seu caráter de pena, conforme dispo-sição constitucional (CF, art. 5º, XLVI) e legal (CP, art. 32, III). Acrescentou que, em matéria de criminalidade econômica, a multa desempenharia papel proeminente. Mais até do que a pena de prisão, caberia à sanção pecuniária o papel retributivo e preventivo geral, para desestimular a conduta prevista penalmente. Por essa razão, deveria ser fixada com seriedade, proporcionali-dade e, sobretudo, ser efetivamente paga. Assinalou que o art. 33 do CP e os artigos 110 e seguintes da LEP disciplinariam três regimes diversos de cum-primento de pena privativa de liberdade: fechado, semiaberto e aberto. Para cada uma dessas fases, haveria estabelecimentos penais próprios. De outro lado, o art. 112 da LEP disporia sobre os requisitos gerais para que o julga-dor autorizasse a progressão de regime. Como regra geral, condenados com

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bom comportamento poderiam progredir de um regime para outro após o cumprimento de um sexto da pena no regime anterior. Não obstante, a juris-prudência do STF demonstraria que a análise dos requisitos necessários para progressão não se restringiria ao art. 112 da LEP, pois outros elementos deve-riam ser considerados pelo julgador para individualizar a pena. O Colegiado sublinhou que, especialmente em matéria de crimes contra a Administração Pública, a parte verdadeiramente severa da pena haveria de ser a de natureza pecuniária, que teria o poder de funcionar como real fator de prevenção, ca-paz de inibir a prática de crimes a envolver apropriação de recursos públicos. Nessas condições, não seria possível a progressão de regime sem o pagamento da multa fixada na condenação. O condenado teria o dever jurídico – e não a faculdade – de pagar integralmente o valor. Essa seria uma modalidade autônoma de resposta penal expressamente prevista no art. 5º, XLVI, c, da CF, a exigir cumprimento espontâneo por parte do apenado, independen-temente de execução judicial. A obrigatoriedade também adviria do art. 50 do CP. O não recolhimento da multa por condenado que tivesse condições econômicas de pagá-la, sem sacrifício dos recursos indispensáveis ao sustento próprio e de sua família, constituiria deliberado descumprimento de decisão judicial e deveria impedir a progressão de regime. Além disso, admitir-se o não pagamento da multa configuraria tratamento privilegiado em relação ao sentenciado que espontaneamente pagasse a sanção pecuniária. Ademais, a passagem para o regime aberto exigiria do sentenciado autodisciplina e sen-so de responsabilidade (LEP, art. 114, II), a pressupor o cumprimento das decisões judiciais aplicadas a ele. Essa interpretação seria reforçada pelo art. 36, § 2º, do CP e pelo art. 118, § 1º, da LEP, que estabelecem a regressão de regime para o condenado que não pagar, podendo, a multa cumulativamente imposta. Assim, o deliberado inadimplemento da multa sequer poderia ser comparado à vedada prisão por dívida (CF, art. 5º, LXVII), configurando apenas óbice à progressão no regime prisional. Ressalvou que a exceção ad-missível ao dever de pagar a multa seria a impossibilidade econômica absolu-ta de fazê-lo. Seria cabível a progressão se o sentenciado, veraz e comprovada-mente, demonstrasse sua total insolvabilidade, a ponto de impossibilitar até mesmo o pagamento parcelado da quantia devida, como autorizado pelo art. 50 do CP. Ressaltou que o acórdão exequendo fixara o “quantum” da sanção pecuniária especialmente em função da situação econômica do réu (CP, art. 60), de modo que a relativização dessa resposta penal dependeria de prova robusta por parte do sentenciado. No caso, entretanto, não houvera mínima comprovação de insolvabilidade, incabível, portanto, a exceção admissível ao dever de pagar a multa. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que provia o

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agravo para admitir a progressão de regime, independentemente do recolhi-mento da multa. Considerava que seria dever da Fazenda Pública executar a dívida, se necessário (EP 12 ProgReg-AgR/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 8.4.2015 – Info 780).

Ainda no STF, está em julgamento recurso extraordinário (580.252) com repercussão geral em que se discute a responsabilidade civil do esta-do em decorrência da execução da pena em estabelecimento prisional sem condições mínimas de salubridade. O Min. Roberto Barroso propôs que, no lugar de impor indenização pecuniária, que acarretaria o ajuizamento de milhares de ações indenizatórias por parte de presos que julgassem estar em condições desumanas, o tribunal estabeleça a possibilidade de remição da pena à razão de um dia de remição para cada três a sete dias cumpridos sob condições adversas, a critério do juiz da Vara de Execuções Penais compe-tente. E a Procuradoria Geral da República ajuizou no tribunal Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental questionando a recepção, pela nova ordem constitucional, do art. 29 da Lei 7.210/84, segundo o qual a remuneração do trabalho do preso não pode ser inferior a três quartos do salário mínimo. Argumenta-se que a possibilidade de que a remuneração seja estabelecida abaixo do salário mínimo viola direito fundamental estabelecido no art. 7º, inciso IV, da Constituição Federal (ADPF 336).

O STJ, também no âmbito da execução penal, proferiu diversas deci-sões relevantes:

a) assentou que, nos crimes hediondos e equiparados, aplica-se a fração de três quintos da pena para a progressão ainda que a infração penal anterior não tenha a mesma natureza hedionda, pois “a Lei dos Crimes Hediondos não faz distinção entre a reincidência comum e a específica. Desse modo, havendo reincidência, ao condenado deverá ser aplicada a fração de 3/5 da pena cumprida para fins de progressão do regime. Precedentes citados: HC 173.992-MS, Quinta Turma, DJe 10/5/2012, HC 273.774-RS, Rel. Quinta Turma, DJe 10/10/2014, HC 310.649-RS, Sexta Turma, DJe 27/2/2015 (HC 301.481/SP, Rel. Min. Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ-SP), julgado em 2/6/2015, DJe 11/6/2015 – Info 563);

b) a respeito da inexistência de casa do albergado, decidiu que não há reconhecimento direto do benefício de prisão domiciliar se o condenado estiver cumprindo pena em local adequado às condições do regime aberto: “O STJ tem admitido, excepcionalmente, a concessão da prisão domiciliar quando não houver local adequado ao regime prisional imposto. Todavia,

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na hipótese em que o paciente, em face da inexistência de casa de albergado, esteja cumprindo pena em local compatível com as regras do regime aberto – tendo o juízo da execução providenciado a infraestrutura necessária, atento ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade –, não se vislumbra o necessário enquadramento nas hipóteses excepcionais de concessão do regi-me prisional domiciliar (HC 299.315/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julga-do em 18/12/2014, DJe 2/2/2015 – Info 554);

c) considerou que se aplica a remição da pena pelo estudo em dias não--úteis, pois “O art. 126 da Lei 7.210/1984 dispõe que a contagem de tempo para remição da pena pelo estudo deve ocorrer à razão de 1 dia de pena para cada 12 horas de frequência escolar, não havendo qualquer ressalva sobre a consideração apenas dos dias úteis para realização da referida contagem, sendo, inclusive, expressamente mencionada a possibilidade de ensino a dis-tância (AgRg no REsp 1.487.218/DF, Rel. Min. Ericson Maranho (Desem-bargador convocado do TJ/SP), julgado em 5/2/2015, DJe 24/2/2015 – Info 556);

d) estabeleceu que, embora não tenha legitimidade para promover a execução da pena de multa, o Ministério Público a tem para promover me-didas que garantam o pagamento. De acordo com o tribunal, “não obstante a pena de multa tenha passado a ser considerada dívida de valor, não perdeu sua natureza jurídica de sanção penal. Todavia, na hipótese em análise, dis-cute-se a legitimidade do MP não para cobrança de pena de multa – esta sim de legitimidade da Fazenda Pública –, mas para promover medida assecura-tória, a qual está assegurada tanto pelos termos do art. 142 do CPP quanto pela própria titularidade da ação penal, conferida pela Constituição Federal. Precedentes citados: Resp 1.115.275-PR, Quinta Turma, DJe 4/11/2011); e RMS 21.967-PR, Quinta Turma, DJe 2/3/2009 (REsp 1.275.834/PR, Rel. Min. Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ-SP), julgado em 17/3/2015, DJe 25/3/2015 – Info 558);

e) decidiu ser obrigatória a perda dos dias remidos em razão da prática de falta grave: “A prática de falta grave impõe a decretação da perda de até 1/3 dos dias remidos, devendo a expressão “poderá” contida no art. 127 da Lei 7.210/1984, com a redação que lhe foi conferida pela Lei 12.432/2011, ser interpretada como verdadeiro poder-dever do magistrado, ficando no juí-zo de discricionariedade do julgador apenas a fração da perda, que terá como limite máximo 1/3 dos dias remidos. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.424.583-PR, Sexta Turma, DJe 18/6/2014; e REsp 1.417.326-RS, Sexta

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Turma, DJe 14/3/2014 (AgRg no REsp 1.430.097/PR, Rel. Min. Felix Fis-cher, julgado em 19/3/2015, DJe 6/4/2015 – Info 559);

f ) impôs que, na concessão do livramento condicional, a reincidência do agente seja considerada entre os requisitos objetivos, ainda que não o te-nha sido na sentença condenatória, pois “a reincidência é circunstância pes-soal que interfere na execução como um todo, e não somente nas penas em que ela foi reconhecida. Precedentes citados: HC 95.505-RS, Quinta Tur-ma, DJe 1º/2/2010; e EDcl no HC 267.328-MG, Quinta Turma, DJe de 6/6/2014 (HC 307.180/RS, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 16/4/2015, DJe 13/5/2015 – Info 561);

g) admitiu a remição de pena quando o condenado em regime fechado ou semiaberto desempenha atividade laborativa extramuros, pois o art. 126, caput e § 1º, inciso I, da Lei 7.210/84, não faz distinção “para fins de remi-ção de parte do tempo de execução da pena, quanto ao local em que deve ser desempenhada a atividade laborativa, de modo que se mostra indiferente o fato de o trabalho ser exercido dentro ou fora do ambiente carcerário. Na ver-dade, a lei exige apenas que o condenado esteja cumprindo a pena em regime fechado ou semiaberto (HC 206.313-RJ, Quinta Turma, DJe 11/12/2013). Ademais, se o condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto pode remir parte da reprimenda pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional, não há razões para não considerar o trabalho extra-muros de quem cumpre pena em regime semiaberto como fator de contagem do tempo para fins de remição. Além disso, insta salientar que o art. 36 da LEP somente prescreve a exigência de que o trabalho externo seja exercido, pelos presos em regime fechado, por meio de “serviço ou obras públicas rea-lizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades priva-das, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina”. Dessa forma, em homenagem, sobretudo, ao princípio da legalidade, não cabe restringir a futura concessão de remição da pena somente àqueles que prestam serviço nas dependências do estabelecimento prisional, tampouco deixar de recompensar o apenado que, cumprindo a pena no regime semia-berto, exerça atividade laborativa, ainda que extramuros. Na verdade, a LEP direciona-se a premiar o apenado que demonstra esforço em se ressocializar e que busca, na atividade laboral, um incentivo maior à reintegração social: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou de-cisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (art. 1º). A ausência de distinção pela lei, para fins de remição, quanto à espécie ou ao local em que o trabalho é realizado,

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espelha a própria função ressocializadora da pena, inserindo o condenado no mercado de trabalho e no próprio meio social, minimizando suas chances de recidiva delitiva. De mais a mais, ausentes, por deficiência estrutural ou funcional do Sistema Penitenciário, as condições que permitam a oferta de trabalho digno para todos os apenados aptos à atividade laborativa, não se há de impor ao condenado que exerce trabalho extramuros os ônus decorrentes dessa ineficiência. Cabe ressaltar que a supervisão direta do próprio trabalho deve ficar a cargo do patrão do apenado, cumprindo à administração carce-rária a supervisão sobre a regularidade do trabalho. Por fim, se concedida ao apenado pelo Juízo das Execuções Criminais a possibilidade de realização de trabalho extramuros, mostrar-se-ia, no mínimo, contraditório o Estado-Juiz permitir a realização dessa atividade fora do estabelecimento prisional, com vistas à ressocialização do apenado, e, ao mesmo tempo, ilidir o benefício da remição (REsp 1.381.315/RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 13/5/2015, DJe 19/5/2015 – Info 562).

33. CRIME DO ART. 10 DA LEI 7.347/85:

O STJ decidiu que se o Ministério Público promove o arquivamento de inquérito civil, o retardamento do envio de dados técnicos requisitados não configura o crime do art. 10 da Lei 7.347/85. Segundo o tribunal, “Na hipótese em análise, não obstante tenha ocorrido o retardamento na remessa dos dados requeridos, observa-se que, após envio, o Parquet concluiu pela licitude dos atos investigados e arquivou o inquérito civil, caracterizando, as-sim, a prescindibilidade das informações. Nesse sentido, forçoso reconhecer a ausência da elementar “dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil” do art. 10 da Lei 7.347/1985, face à verificação da legalidade dos atos praticados pelo investigado. Precedente citado: APn 515-MT, Corte Espe-cial, DJe de 5/2/2009 (HC 303.856/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 7/4/2015, DJe 22/4/2015 – Info 560).

34. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E CON-TRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO:

De acordo com o STF, não se sustenta a alegação de retroatividade in malam partem na aplicação da súmula vinculante nº 24 aos fatos ocorri-dos antes de sua edição, pois o tribunal apenas consolidou o entendimento já firmando anteriormente sobre a matéria, sem promover inovação (RHC 122774/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, 19.5.2015 – Info 786).

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Para o STJ, é imprescindível a realização de perícia no crime relativo à exposição ou comercialização de mercadoria imprópria para o consumo, pois se trata de infração que deixa vestígios materiais, atraindo a regra do art. 158 do Código de Processo Penal. Assentou o tribunal, no mais, não ser possível “olvidar que o art. 18, § 6º, do CDC, que prevê hipóteses em que matérias--primas e mercadorias são consideradas impróprias ao consumo, também se remete a outros diplomas normativos, principalmente na parte final do seu inciso II, ao estabelecer que são impróprios ao consumo a matéria-prima ou mercadoria fabricados, distribuídos ou apresentados em desacordo com as normas regulamentares. Perceba-se que o exercício de subsunção do fato à norma penal, na hipótese, transcende a própria legislação federal que regu-lamenta a matéria, circunstância que, por si só, já torna impreciso os con-tornos da figura típica prevista no art. 7º, IX, da Lei 8.137/1990, em ofensa ao princípio da estrita legalidade que vige no ordenamento jurídico pátrio, nos termos do art. 5º, XXXIX, da CF e do art. 1º do CP. Além disso, não se pode dar relevância penal a decreto apto a produzir efeitos apenas no âmbito da referida unidade da federação, em flagrante ofensa à competência priva-tiva da União para legislar sobre Direito Penal, prevista no art. 22, I, da CF. Desta forma, ainda que seja competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal a produção legislativa sobre consumo (art. 24, V, da CF), é certo que eventual pretensão penal condenatória somente pode estar fundamentada em legislação emanada da União. Portanto, uma persecução criminal condizente com os princípios e objetivos de um Estado Democrá-tico de Direito deve ser acompanhada de comprovação idônea da materiali-dade delitiva, conforme preceitua o art. 158 do CPP, não sendo admissível a presunção de impropriedade ao consumo de produtos expostos à venda com base exclusivamente no conteúdo de normas locais (RHC 49.752/SC, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 14/4/2015, DJe 22/4/2015 – Info 560).

35. CRIMES NAS TELECOMUNICAÇÕES:

O STJ considerou caracterizado o delito tipificado no art. 183 da Lei 9.472/1997 (“Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunica-ção”) diante da conduta de prestar serviço de provedor de acesso à internet a terceiros, por meio de instalação e funcionamento de equipamentos de radiofrequência, sem autorização da ANATEL. Para o tribunal, “o fato de o art. 61, § 1º, da Lei 9.472/1997 disciplinar que serviço de valor adicio-nado “não constitui serviço de telecomunicações” não implica o reconhe-cimento, por si só, da atipicidade da conduta em análise. Isso porque, se-

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gundo a ANATEL, o provimento de acesso à Internet via radiofrequência engloba tanto um serviço de telecomunicações (Serviço de Comunicação Multimídia) quanto um serviço de valor adicionado (Serviço de Conexão à Internet). Precedentes citados: AgRg no AREsp 383.884-PB, Sexta Tur-ma, DJe 23/10/2014; e AgRg no REsp 1.349.103-PB, Sexta Turma, DJe 2/9/2013 (AgRg no REsp 1.304.262/PB, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 16/4/2015, DJe 28/4/2015 – Info 560).

Ainda no âmbito do mesmo delito, o STJ decidiu que não se aplica o princípio da insignificância, pois se trata de infração penal “formal, de perigo abstrato, tendo como bem jurídico tutelado a segurança e o regular funcio-namento dos meios de comunicação. Além disso, a exploração clandestina de sinal de internet, sem autorização do órgão regulador (ANATEL), já é suficiente a comprometer a regularidade do sistema de telecomunicações, razão pela qual o princípio da insignificância deve ser afastado. Sendo assim, ainda que constatada a baixa potência do equipamento operacionalizado, tal conduta não pode ser considerada de per si, um irrelevante penal. Preceden-tes citados: AgRg no AREsp 383.884-PB, Sexta Turma, DJe 23/10/2014; e AgRg no REsp 1.407.124-PR, Sexta Turma, DJe 12/5/2014 (AgRg no AREsp 599.005/PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 14/4/2015, DJe 24/4/2015 – Info 560).

36. CRIMES DE TRÂNSITO:

O STJ considerou que o crime do art. 310 da Lei 9.503/97 (permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso) é de peri-go abstrato e, ao contrário do art. 309, não pressupõe a geração de perigo de dano. Segundo o tribunal, “Pode parecer uma incoerência que se exija a produção de perigo de dano para punir quem dirige veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação (art. 309) e se dispense o risco concreto de dano para quem contribui para tal conduta, entregando o automóvel a quem sabe não habilitado ou, o que é pior, a quem notoriamente não se encontra em condições físicas ou psíquicas, pelas circunstâncias indicadas no tipo penal, de conduzir veículo automotor. Duas considerações, porém, enfraquecem essa aparente contradição. Em primeiro lugar, o legislador foi claro, com a redação dada aos arts. 309 e 311, em não exigir a geração concreta de risco na conduta positivada no art. 310. Pode-ria fazê-lo, mas preferiu contentar-se com a deliberada criação de um risco para um número indeterminado de pessoas por quem permite a outrem, nas

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situações indicadas, a condução de veículo automotor em via pública. Em segundo lugar, não há total identidade das situações previstas nos arts. 309 e 310. Naquela, cinge-se o tipo a punir quem dirige sem habilitação; nesta, pune-se quem permite, confia ou entrega a direção de veículo automotor tanto a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso quanto a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança. Trata-se, na verdade, de uma visão que deve repousar mais corretamente no incremento do risco ocasionado com a entrega da direção de veículo para pessoa não habilitada ou em quaisquer das outras hipóteses legais. Confor-me entendimento doutrinário, em todas essas situações, a definição do risco permitido delimita, concretamente, o dever de cuidado para realizar a ação perigosa de dirigir veículo automotor em vias urbanas e rurais, explicando o atributo objetivo contido no dever de cuidado objetivo. A violação da norma constitui a criação de um risco não permitido, culminando, com o desvalor da ação, na lesão ao dever de cuidado objetivo. Por todo exposto, afigura-se razoável atribuir ao crime materializado no art. 310 a natureza de crime de perigo abstrato, ou, sob a ótica ex ante, de crime de perigo abstrato-concreto, em que, embora não baste a mera realização de uma conduta, não se exige, a seu turno, a criação de ameaça concreta a algum bem jurídico e muito menos lesão a ele. Basta a produção de um ambiente de perigo em potencial, em abstrato, de modo que a atividade descrita no tipo penal crie condições para afetar os interesses juridicamente relevantes, não condicionados, porém, à efetiva ameaça de um determinado bem jurídico. Embora seja legítimo aspi-rar a um Direito Penal de mínima intervenção, não pode a dogmática penal descurar de seu objetivo de proteger bens jurídicos de reconhecido relevo, as-sim entendidos, na dicção de Claus Roxin, como “interesses humanos neces-sitados de proteção penal”, qual a segurança do tráfego viário. Não se pode, assim, esperar a concretização de danos ou exigir a demonstração de riscos concretos a terceiros para a punição de condutas que, a priori, representam potencial produção de danos a pessoas indeterminadas, que trafeguem ou caminhem no espaço público. O subsistema social do tráfego viário exige o respeito a regras de observância generalizada, sem o qual se enfraquece o princípio da confiança (aqui entendido, conforme o pensamento de Roxin, como princípio de orientação capaz de indicar os limites do cuidado objetivo esperado ou do risco permitido), indispensável para o bom funcionamento do trânsito e a segurança de todos. Não se exclui, por óbvio, a possibilidade de ocorrerem situações nas quais a total ausência de risco potencial à segu-rança viária afaste a incidência do direito penal, como se poderia concluir do

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exemplo de quem, desejando carregar uma caminhonete com areia, pede ao seu ajudante, não habilitado, que realize uma manobra de poucos metros, em área rural desabitada e sem movimento, para melhor posicionar a carro-ceria do automóvel. Faltaria tipicidade material a tal comportamento, abso-lutamente inidôneo para pôr em risco a segurança de terceiros. Portanto, na linha de entendimento de autorizada doutrina, o art. 310, mais do que tipi-ficar uma conduta idônea a lesionar, estabelece um dever de garante ao pos-suidor do veículo automotor. Neste caso, estabelece-se um dever de não per-mitir, confiar ou entregar a direção de um automóvel a determinadas pessoas, indicadas no tipo penal, com ou sem habilitação, com problemas psíquicos ou físicos, ou embriagadas, ante o perigo geral que encerra a condução de um veículo nessas condições. Precedentes citados: RHC 48.817-MG, Quinta Turma, DJe 28/11/2014; e AgRg no RHC 41.922-MG, Quinta Turma, DJe 15/4/2014 (REsp 1.485.830/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 11/3/2015, DJe 29/5/2015 – Info 563).

37. ARMAS DE FOGO:

O STJ decidiu que o direito de portar ar de fogo, deferido aos policiais civis pelo art. 6º da Lei 10.826/03, não se estende aos aposentados, pois, “de acordo com o art. 33 do Decreto 5.123/2004, que regulamentou o art. 6º da Lei 10.826/2003, o porte de arma de fogo está condicionado ao efetivo exer-cício das funções institucionais por parte dos policiais (...). Precedente cita-do: RMS 23.971-MT, Primeira Turma, DJe 16/4/2008. HC 267.058-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 4/12/2014, DJe 15/12/2014 – Info 554).

38. CAMBISMO:

Conforme decidiu o STJ, caracteriza-se o crime de cambismo indepen-dentemente de comprovação de que, no momento da conduta, não havia ingressos disponíveis na bilheteria. Segundo a decisão, o comportamento é penalmente reprovável “pela simples razão de envolver a exploração, artificio-sa, de um bem finito: a quantidade de lugares nos estádios. Dessa maneira, abusando de certo privilégio decorrente de se chegar antes ao guichê, ad-quirem-se mais unidades, que são vendidas com ágio. É desinfluente a cir-cunstância, eventual, de ainda existirem ingressos à venda nas bilheterias. A uma porque o tipo penal, expressamente, a tal não se refere. A duas porque, pela simples conduta enunciada no modelo incriminador, o bem jurídico já é afetado, porquanto se materializa exploração do preço, em mercado de

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bem finito, operado por um único fornecedor. Gera-se indevida especulação, promovendo a daninha quebra da isonomia, que seria assegurada pela ex-clusividade nas vendas (RHC 47.835/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 9/12/2014, DJe 19/12/2014 – Info 554).

39. DISCRIMINAÇÃO CONTRA DEFICIENTES:

Em 06 de julho de 2015, a presidenta da República sancionou a Lei nº 13.146/15, que se propõe a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e a garantir o pleno exercício da cidadania.

A Lei foi editada para prestar integral efetividade à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada ao ordenamento jurídico nacional com status de emenda constitucional em virtude de ter sido subme-tida à regra estabelecida no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal.

O Título II da Lei anuncia novos crimes, destacando-se o art. 88, que tipifica penalmente as condutas de praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência.

Art. 88. Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

§ 1º Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se a vítima encontrar--se sob cuidado e responsabilidade do agente.

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput deste artigo é co-metido por intermédio de meios de comunicação social ou de pu-blicação de qualquer natureza:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 3º Na hipótese do § 2º deste artigo, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:

I – recolhimento ou busca e apreensão dos exemplares do material discriminatório;

II – interdição das respectivas mensagens ou páginas de informa-ção na internet.

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§ 4º Na hipótese do § 2º deste artigo, constitui efeito da con-denação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.

Bem jurídico tutelado: o delito do art. 88 tem como objetividade jurí-dica a tutela dos direitos fundamentais da pessoa com deficiência, lembrando que o art. 3º., IV, da CF/88, anuncia ser objetivo fundamental da Repúbli-ca Federativa do Brasil, dentre outros, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outras formas de discriminação.

O objetivo anunciado está umbilicalmente relacionado com a proteção e promoção da dignidade da pessoa humana e ao respeito às diferenças, como exigência do pluralismo.

Dentre os mecanismos de política afirmativa trazidos pela Lei nº 13.146/15, a punição criminal tem o escopo de evitar que indivíduos que sofrem limitações físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais sejam submeti-dos a constrangimento em virtude dessa condição.

Sujeitos do crime: o crime é comum, podendo ser cometido por qual-quer pessoa.

No polo passivo, por outro lado, somente pode figurar como ofendido a pessoa com deficiência, assim definida no art. 2º da Lei nº 13.146/15: “Con-sidera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo pra-zo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.

Temos, em suma, um crime comum no que se refere ao sujeito ativo, e próprio quando trata do ofendido.

O § 1º do art. 88 aumenta em um terço a pena se a vítima estiver sob cuidado e responsabilidade do agente. Exerce o cuidado, nos termos do art. 3º, inciso XII, da Lei nº 13.146/15, a pessoa, membro ou não da família, que, com ou sem remuneração, assiste ou presta cuidados básicos e essenciais à pessoa com deficiência no exercício de suas atividades diárias, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente esta-belecidas.

Condutas: as condutas típicas são: praticar, induzir ou incitar a discri-minação de alguém em virtude de sua deficiência.

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Nota-se, inicialmente, que a inclusão expressa das duas últimas con-dutas no tipo penal seria dispensável, pois, mesmo que nele não estivessem, quem, de qualquer forma, induzisse ou incitasse outrem a cometer a discri-minação seria criminalmente responsabilizado, conforme dispõe o caput do art. 29 do Código Penal.

Discriminar significa separar, estabelecer diferenças, dispensar trata-mento desigual ou injusto fundamentado na deficiência física, mental, in-telectual ou sensorial.

A redação do novo tipo penal certamente fará surgir debates a respeito do (aparente) conflito com o art. 140, § 3º, do Código Penal, que qualifica a injúria quando utilizados pelo agente da ofensa elementos referentes à de-ficiência do ofendido. Alertamos, no entanto, que igual discussão já existe envolvendo o mesmo dispositivo do Código Penal (art. 140, § 3º) e o art. 20 da Lei nº 7.716/89, que, aliás, tem a redação do caput e dos parágrafos praticamente idêntica à do art. 88 da Lei nº 13.146/15, diferenciando-se apenas pelo fato de dispor sobre preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Inclusive as penas das formas simples (caput) e quali-ficada (§ 2º) são as mesmas.

No conflito entre o art. 20 da Lei nº 7.716/89 e o art. 140, § 3º, do Código Penal, estabeleceu-se que a injúria preconceituosa não se confunde com o delito de racismo previsto na Lei nº 7.716/89. Neste, pressupõe-se sempre uma espécie de segregação (marginalizar, pôr à margem da sociedade) em função da raça ou da cor. No caso do § 3º do art. 140, o crime é praticado através de xingamentos envolvendo a raça, cor, etnia, religião ou origem da vítima.

Ora, percebendo que o art. 88 da Lei 13.146/15 contém disposições idênticas às do art. 20 da Lei nº 7.716/89, o aparente conflito com o art. 140, § 3º, do Código Penal deve ser dirimido por meio da mesma solução, leia-se: caracteriza-se a discriminação da Lei nº 13.146/15 se visar à margina-lização de pessoas com deficiência. Se o propósito do agente for o de atingir a honra subjetiva da vítima, utilizando-se, para tanto, da sua condição de deficiente, haverá injúria qualificada.

Assim como ocorre no conflito entre injúria e racismo, a diferença tem relevância e repercussão prática: xingar alguém fazendo referência à sua de-ficiência é injúria, crime de ação penal pública condicionada a representação da vítima; discriminar alguém em razão de sua deficiência com pretensão de

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causar a marginalização é crime contra deficientes, cuja pena será perseguida mediante ação penal pública incondicionada.

Portanto, cuidado: recusar-se a conviver no mesmo ambiente (social, escolar, laborativo etc.) com pessoa portadora de necessidades especiais, não configura injúria, mas o crime do art. 88 da Lei 13.146/15.

De acordo com o § 2º, “Se qualquer dos crimes previstos no caput deste artigo é cometido por intermédio de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza”, a pena passa a ser de reclusão de dois a cinco anos. A redação do dispositivo é evidentemente equivocada, pois o caput do art. 88 não tipifica diversos crimes, mas apenas um, dividido em três ações nucleares (tipo misto alternativo), duas delas, como destacamos, dispensáveis.

Haverá a qualificadora quando a conduta discriminatória tiver poten-cialidade para chegar ao conhecimento de número indeterminado de pes-soas, como quando veiculada em impressos distribuídos ao público, em redes sociais como Facebook ou Twitter, em páginas de internet etc.

No mais, na esteira da qualificadora, isto é, quando o delito é cometido em meios de comunicação social ou em publicação de qualquer natureza, o § 3º permite ao juiz determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, mesmo antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: a) o recolhimento ou busca e apreensão dos exemplares do material discrimina-tório; b) a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na internet. E caso haja material apreendido, o § 4º estabelece, como efeito da condenação, a sua destruição.

Voluntariedade: quanto à voluntariedade, exige-se o dolo (direto ou eventual) e inexiste a forma culposa.

Consumação e tentativa: o delito se consuma com a prática discrimi-natória, independentemente da quantidade de pessoas que tenham acesso ao conteúdo. Diante disso, na prática, parece-nos impossível a tentativa, ainda que na forma escrita, que, mesmo interceptada antes de eventual divulgação pública, sempre chegará ao conhecimento de quem interceptou (o próprio deficiente ou terceiro).

Ação penal: por fim, diante do silêncio da lei, a ação penal neste crime é pública incondicionada.

A forma simples admite suspensão condicional do processo (art. 89, da Lei 9.099/95).

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Já consigo antever alguns operadores do Direito negando tal benefício para o crime, sob o argumento de que o preconceito manifestado nas várias condutas caracteriza violação a uma das metas fundamentais do Estado De-mocrático de Direito (CF, art. 3º, IV). A suspensão do processo, no caso, significaria proteção deficiente do Estado. Com o devido respeito, discordo. Aliás, é na suspensão do processo que se pode conquistar, com celeridade ímpar, a única solução muitas esperada pela vítima: a reparação do dano, ou a sua rápida inclusão, sem diferenças.

40. SÚMULAS EDITADAS EM 2015:

40.1. STF

• Súmula vinculante 45: A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição esta-dual.

• Súmula vinculante 46: A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são da competência legislativa privati-va da União.

40.2. STJ

• Súmula 520: O benefício de saída temporária no âmbito da execução penal é ato jurisdi-cional insuscetível de delegação à autoridade administrativa do estabelecimento prisio-nal.

• Súmula 522: A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típi-ca, ainda que em situação de alegada autodefesa.

• Súmula 526: O reconhecimento de falta grave decorrente do cometimento de fato defi-nido como crime doloso no cumprimento da pena prescinde do trânsito em julgado de sentença penal condenatória no processo penal instaurado para apuração do fato.

• Súmula 527: O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.

• Súmula 528: Compete ao juiz federal do local da apreensão da droga remetida do exte-rior pela via postal processar e julgar o crime de tráfico internacional.

• Súmula 533: Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execu-ção penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado.

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• Súmula 534: A prática de falta grave interrompe a contagem do prazo para a progressão de regime de cumprimento de pena, o qual se reinicia a partir do cometimento dessa infração.

• Súmula 535: A prática de falta grave não interrompe o prazo para fim de comutação de pena ou indulto.

• Súmula 536: A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha.