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As visitas Silvia Schujer Tradução Marcos Bagno Temas Autoconhecimento; Amadurecimento; Relações familiares; Amizade; Memória GUIA DE LEITURA PARA O PROFESSOR O LIVRO Em As visitas, um adolescente, Fernando, narra a história de sua infância e pré-adolescência, marcadas pela traumática prisão do pai. Esse episódio altera profundamente a rotina e as relações familiares, não só pela sofrida ausência paterna, como pelo mistério que cerca sua prisão. A situação colocará em evidência a dificuldade de diálogo entre o garoto e os membros da família, sobretudo a mãe, ocasionando uma série de conflitos. No entanto, desses conflitos também surgirão aspectos positivos, como sua amizade com Jopo e sua paixão por Alejandra. É a ela que Fernando relata, de maneira sensível, honesta e corajosa, a história de sua vida. Tudo isso, porém, é revelado ao leitor aos poucos, à medida que, como em um quebra-cabeça, os elementos da história se reúnem, compondo o processo de amadurecimento e autoconhecimento do narrador – processo que constitui o eixo central do livro e continua para além do ponto final de seu relato. A AUTORA Silvia Schujer nasceu em 1956, em Buenos Aires, Argentina. Fez curso de Literatura, Latim e Castelhano, colaborou para jornais e revistas, foi editora de livros para crianças e jovens e escreveu mais de 40 títulos para esses públicos. Autora de grande importância na literatura argentina, seus livros já receberam diversos prêmios, entre eles o Casa de las Américas e o Nacional de Literatura, e por duas vezes foi incluída na lista de honra do IBBY, por As visitas e La vaca de esta historia. Série Vermelha n- o 20 160 páginas 2008996309399 As visitas_3ªProva_25 08 08.indd 1 26.09.08 10:43:42

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As visitasSilvia Schujer

Tradução Marcos BagnoTemas Autoconhecimento; Amadurecimento; Relações familiares;

Amizade; Memória

Guia de leitura

para o professor

O livrO Em As visitas, um adolescente, Fernando, narra a história

de sua infância e pré-adolescência, marcadas pela traumática

prisão do pai. Esse episódio altera profundamente a rotina e as

relações familiares, não só pela sofrida ausência paterna, como

pelo mistério que cerca sua prisão. A situação colocará em

evidência a dificuldade de diálogo entre o garoto e os membros

da família, sobretudo a mãe, ocasionando uma série de conflitos.

No entanto, desses conflitos também surgirão aspectos positivos,

como sua amizade com Jopo e sua paixão por Alejandra. É a ela

que Fernando relata, de maneira sensível, honesta e corajosa, a

história de sua vida.

Tudo isso, porém, é revelado ao leitor aos poucos, à medida que,

como em um quebra-cabeça, os elementos da história se reúnem,

compondo o processo de amadurecimento e autoconhecimento

do narrador – processo que constitui o eixo central do livro e

continua para além do ponto final de seu relato.

A AutorA Silvia Schujer

nasceu em 1956, em Buenos

Aires, Argentina. Fez curso

de Literatura, Latim e

Castelhano, colaborou para

jornais e revistas, foi editora

de livros para crianças e

jovens e escreveu mais de 40

títulos para esses públicos.

Autora de grande

importância na literatura

argentina, seus livros já

receberam diversos prêmios,

entre eles o Casa de las

Américas e o Nacional de

Literatura, e por duas vezes

foi incluída na lista de honra

do IBBY, por As visitas e La

vaca de esta historia.

Série Vermelha n-o 20

160 páginas

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interpretando o texto

COnteúdO e fOrma

Fernando, o narrador de As visitas, é o protagonista e o eixo

central da história, contada em meio a seu processo de auto-

conhecimento e amadurecimento. O fato que dá início a esse

processo está indicado no próprio título do livro: o pai é preso

quando o menino tem apenas quatro anos, levando a família a

visitá-lo na cadeia nos fins de semana. A narrativa começa alguns

dias antes da primeira visita, passa pela libertação do pai e sua

volta para casa, alguns anos depois, e vai até a manhã em que

Fernando compartilha sua história com Alejandra.

O leitor acompanhará, portanto, uma história narrada oral-

mente, no contexto de uma conversa, embora em nenhum momen-

to apareça a voz da interlocutora. Tal característica é fundamental

para entender a estrutura do relato. Ao criar essa situação, a au-

tora, Silvia Schujer, explora as possibilidades do foco narrativo

em primeira pessoa de modo bastante adequado aos conteúdos

trabalhados no livro.

As estratégias narrativas* empregadas na construção do dis-

curso do protagonista evidenciam as lacunas e hesitações típicas

do discurso oral, que é imediato, diferentemente do texto escrito,

que permite o distanciamento e a reelaboração. A conversa com

Alejandra é a primeira oportunidade que Fernando tem de con-

tar, de maneira abrangente e explícita, a história de sua vida. Seu

discurso está, assim, mais sujeito às dúvidas e incertezas do que

se já tivesse sido elaborado e trabalhado anteriormente.

O modo fragmentário e indeciso da narrativa denota tam-

bém os mecanismos próprios da memória. A memória é frag-

mentária e falha por natureza. Frequentemente, tentamos nos

lembrar de uma situação e, por mais que nos esforcemos, não

conseguimos, ou nos recordamos apenas de uma parte dela.

Outras vezes, a memória de um acontecimento ou de uma pes-

soa emerge involuntariamente, motivada por um cheiro, uma

imagem, um som. Quando se trata de relembrar um período

mais antigo (o que ocorre quando Fernando recupera o que

viveu entre quatro e seis anos de idade), a dificuldade pode ser

ainda maior: como ter certeza sobre como e quando ocorre-

ram os fatos? Como separar o que sentimos e pensamos no pas-

sado do que sentimos e pensamos hoje? O garoto diz no início

do livro: “na minha casa era bastante comum que de um dia

estratéGias narrativasO foco narrativo indica quem conta

a história, seu ponto de vista em

relação àquilo que narra e como esse

modo de narrar aproxima ou distancia

o leitor.

Em As visitas, Silvia Schujer preferiu

utilizar um narrador-protagonista.

Nesse tipo de foco, o narrador

não tem acesso aos sentimentos e

pensamentos dos outros personagens;

portanto, só pode contar a história de

sua perspectiva. No caso deste livro,

tal opção destaca o sofrimento do

narrador, Fernando, com as mentiras e

o silêncio que o cercam.

A autora escolheu também, como

estratégia narrativa, a conversa íntima

entre Fernando e sua namorada, o que

aproxima o leitor da história e marca

o processo de autoconhecimento

vivido pelo narrador. A personalidade

e a experiência do garoto vão sendo

construídas com a própria narrativa.

Daí decorrem a fragmentação, a

indecisão e a hesitação de sua fala.

É importante notar que a autora

explora as pistas da presença

de Alejandra na conversa que

Fernando estabelece com ela. Não

sabemos o que a jovem diz, mas há

referências indiretas a suas perguntas

e comentários. Esse recurso ajuda a

criar certo suspense – tanto sobre a

interlocutora oculta como sobre o

desenrolar da história.

para saber mais:

Leite, Ligia Chiappini Moraes.

O foco narrativo. 10. ed. São Paulo:

Ática, 2000.

Mergulhando na temática

2* Os destaques remetem ao item Mergulhando na temática.

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para o outro as coisas caíssem no esquecimento. Ou isso é o

que penso agora? Não sei...” (p. 11).

Outra estratégia narrativa utilizada pela autora é a assimetria

na estrutura dos capítulos. Há, por exemplo, capítulos curtíssi-

mos. Neles mostra-se que, em um relato como o de Fernando,

pequenas lembranças ou frases podem ter peso igual ou maior

do que longos trechos e servem para realçar determinados aspec-

tos da história. É o caso do capítulo 11, que assinala o contraste

entre imaginação e realidade e o medo que o protagonista tem de

perder Alejandra ao revelar a verdade.

Por outro lado, o capítulo 16 é longo e traz, ainda, uma “nar-

rativa dentro da narrativa”, o conto “Sofia”. Escrito pela autora

Ruth Kaufman, esse conto, além de remeter à época em que o

pai de Fernando foi preso, a ditadura militar argentina, tam-

bém se relaciona com a necessidade de expressão do narrador,

que usa o desenho como meio de dizer o que sente, desde a

infância até a adolescência, nas cartas ao amigo Jopo, “para eco-

nomizar palavras, porque tem coisas que são difíceis de expli-

car” (p. 152).

O discurso de Fernando reflete outro aspecto fundamental da

história: a falta de informação, os silêncios, as mentiras, os dis-

farces, a impossibilidade de um diálogo aberto com a família –

“Me cansei de perguntar por quê. E nunca me responderam toda

a verdade. Consegui unir as pontas, algumas vezes, juntando pe-

daços de conversas” (p. 65). Dessa maneira, ele levará um tempo

para entender quem é realmente seu pai, para descobrir o porquê

das atitudes de sua mãe e de sua irmã e para conhecer a si mes-

mo, mas, ainda assim, não descobrirá toda a verdade. Da mesma

forma, os leitores só vão conhecendo os elementos da história aos

poucos. Ou seja: o modo como Fernando narra sua história tem a

ver com o modo como descobre e vive os dramas de sua infância

e pré-adolescência.

PanO de fundO históriCO e sOCial

As poucas descrições de espaço e condições de vida dos per-

sonagens apontam para o pano de fundo histórico e social da

narrativa. Há, por exemplo, referências à cidade de Buenos Aires,

capital da Argentina – o bairro de La Boca, o porto, os restau-

rantes e bares populares, onde se reúnem e se divertem os traba-

lhadores –, e à casa de Jopo, revelando sua situação social, assim

como informações sobre a estrutura familiar de Fernando – o pai

trabalhava como caixa de banco, a mãe faz pizzas para vender,

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ditadura Militar arGentinaA ditadura na Argentina teve início

com um golpe militar em 1966 e

terminou definitivamente apenas em

1983. Durante esse período, o governo

ditatorial extinguiu os partidos políticos

e decretou estado de sítio, cortando

os direitos civis, sociais e políticos

dos cidadãos argentinos. Reprimiu

severamente os opositores, que

questionavam o governo, somando,

ao final da ditadura, cerca de 500 mil

presos políticos e exilados e 30 mil

pessoas desaparecidas.

Os movimentos pela reparação das

perdas e pelo esclarecimento sobre

os crimes cometidos continuam

mobilizando a sociedade argentina até

hoje, para trazer à tona a verdade dos

fatos e punir os culpados.

Em certo sentido, a busca da verdade

no plano histórico é semelhante à

busca de Fernando no plano pessoal.

Quando é obrigado a construir e

reconstruir seu pai como um quebra-

-cabeça, sem nunca chegar à verdade,

o protagonista lembra as “Mães da

Praça de Maio”, que há muitos anos

protestam em Buenos Aires pelo direito

de saber o destino que a ditadura

militar deu a seus filhos desaparecidos.

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mas está sempre sem dinheiro, a tia costuma ajudar trazendo co-

mida e a irmã larga o colégio para trabalhar como cabeleireira.

O espaço cujas descrições são mais frequentes e expressivas é

o da prisão. Nas visitas ao pai, Fernando sofre o constrangimento

de ser revistado, mas vive também momentos de alegria, como a

comemoração de seu aniversário. No capítulo 16, ao lado da feli-

cidade do menino em ver a família reunida, lemos sobre o endu-

recimento no controle dos visitantes: “alguns comentavam que

isso era porque as prisões estavam cheias de presos políticos e sei

lá eu que outra história” (p. 70). É nesse contexto que Fernando

ouve de um dos presos o conto “Sofia”, que fala sobre como uma

criança lida com a censura e a falta de liberdade, encontrando

outros meios para se expressar.

O pai de Fernando não é preso político e não gosta que os

filhos tenham contato com eles. Já o garoto acha “aqueles caras”

muito legais, a ponto de copiar o conto “Sofia” e de não esque-

cer o que o pai disse sobre eles: “Esses vão morrer aqui dentro”

(p. 70).

um quebra-Cabeça inCOmPletO

Inicialmente, Fernando, com quatro anos, não acompanha a

mãe e a irmã nas visitas à cadeia, pois acredita que o pai está

viajando, conforme elas lhe contaram. Somente aos seis anos o

menino é informado da verdade e passa a visitar o pai em qua-

se todos os fins de semana. No entanto, confuso sobre como

agir nessa situação e intrigado com o que teria levado seu pai

até aquele lugar, não consegue participar das conversas em cada

“reunião familiar”: “Foi porque não tinha outro remédio que

aprendi a usar tanto a imaginação. O que eu ia fazer... se cada vez

que me fazia uma pergunta ou eu fazia a alguém o resultado era

um problema? E também porque tive que aprender a conviver

com meu pai dessa maneira. Inventando para ele o que eu não

sabia. Apagando nele o que eu não gostava. No fim, eu montava

e desmontava ele feito um quebra-cabeça, coitado” (p. 89). Para

preencher as lacunas sobre a situação de seu pai, o protagonista

inventa histórias, às vezes terríveis (como supor que o pai é um

assassino), quase sem querer, como se sua imaginação funcio-

nasse “por conta própria” (p. 90).

É como se não apenas o pai vivesse em um mundo à parte,

mas também a mãe, a irmã, a tia. Fernando é vítima da incom-

preensão e do distanciamento de seus familiares. Nesses anos di-

fíceis, Jopo, o motorista do ônibus que os leva ao presídio, exerce

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importante papel para o garoto, oferecendo-lhe o acolhimento e

a atenção que sua família, professores e colegas não lhe dão. Ele

não precisa esconder nada de Jopo, pois o amigo sabe que é fi-

lho de presidiário. Há forte identificação e cumplicidade entre os

dois: Jopo não conhece o próprio pai e também sofre preconcei-

to por ser filho de mãe solteira, estigmatizada como prostituta.

Diante dos colegas de escola, Fernando mantém sua situação

em segredo. O medo de que descubram a verdade o aflige de tal

modo que ele chega a repetir de ano de propósito para fugir dos

colegas. Para ele, é “barra” pesada demais para uma criança ter

de lidar com a situação difícil da família e, ainda por cima, sus-

tentar mentiras para os outros. Jopo, com sua amizade, o ensina-

rá a enfrentar a verdade da própria história.

Fernando desiste, então, de tentar juntar os pedaços das con-

versas dos adultos que o cercam, até porque nunca conseguirá

saber toda a verdade. Ele não mais se sujeita às vontades da mãe,

que só fala quando e o que lhe interessa, para produzir o próprio

discurso. Ao fazer isso, o jovem amadurece e deixa de ser criança.

Sua atitude não elimina todas as dificuldades que ainda precisa

enfrentar: o atraso na escola; a apatia e a aparente loucura do pai

ao sair da prisão; as condições de saúde da mãe, que talvez neces-

site de uma cirurgia por causa de uma infecção nos rins. O livro

não chega exatamente a um “final feliz”, porém agora, amadure-

cido, Fernando consegue lidar melhor com seus problemas.

Ele percebe que não pode ficar na situação de vítima, culpan-

do diretamente os familiares por sua infelicidade nem se sen-

tindo responsável pelos problemas dos outros: “Foi a descoberta

do século: ninguém conspirava contra mim para arruinar minha

vida, percebe? Se os outros faziam o que faziam era porque esta-

vam na sua e ponto” (p. 124).

Há problemas que não têm mesmo solução, o que, entre-

tanto, não nos impede de seguir adiante, de escolher outros ca-

minhos. Esse é o sentido positivo do final do livro, apesar de

toda a tristeza, das peças que ficam faltando no quebra-cabeça,

de todas as perguntas sem resposta. Essas “pendências” repre-

sentam a incompreensão e a incomunicabilidade que cercam

os personagens, e também o fato de que eles não se libertam

da prisão que criaram para si mesmos: “Me sinto mal pra ca-

ramba! Ele saiu e nós ficamos presos” (p. 156). Fernando tem

seu nome revelado quase no final do livro, o que representa o

processo de construção de sua identidade como indivíduo au-

tônomo em relação a essa espécie de prisão familiar.

CriançaO mesmo que “infante”, do latim infans,

o que não fala, o que não tem voz.

Apesar de perceber e interpretar o

que se passa a seu redor (“eu era

criança, mas não imbecil”, p. 31),

como a Sofia do conto, Fernando não

é ouvido; nem mesmo seus desenhos

são compreendidos pela professora. Ao

assumir a narrativa de sua história, sem

depender de mais ninguém, ele ganha

maturidade e autonomia. A timidez

excessiva, que o fazia baixar os olhos

sem reação diante do pai e temer ser

descoberto pelos colegas, é substituída

pela coragem de assumir quem é, com

voz própria.

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Em uma atitude oposta à de seus pais, ele escolhe compartilhar

sua experiência, uma tentativa de dar sentido ao que viveu, de ser

verdadeiro e honesto consigo mesmo e com Alejandra. Fernando

confessa que, quando a conheceu e se apaixonou, queria ser poli-

cial, para que ela se sentisse segura e não se assustasse com o fato

de ele ser filho de presidiário: “Eu queria te contar tudo, mas sen-

do outro” (p. 145). Mais tarde, percebendo que não pode fugir de

sua história, desiste de ser policial e de se mudar para um lugar

onde ninguém o conheça. Alejandra o faz querer ficar e enfrentar

a realidade de ser repetente: “Acho que entrei no ensino médio só

para não te perder de vista. Ou para ir na contramão... não sei...

da infelicidade” (p. 156). O interessante é que Fernando assume

os riscos de suas escolhas, o risco de afastar Alejandra, de não ser

compreendido ou aceito por ela. “Ir na contramão da infelicida-

de” significa dar chance ao futuro, ao tempo, ao inesperado, para

que algo de bom possa surgir.

O passado deixa então de ser um peso para Fernando (como

na epígrafe do livro). Vemos que o fundamental da narrativa não

é a revelação dos fatos, e sim como Fernando lida com eles. Não

podemos tentar esconder o passado e os problemas, porque fa-

zem parte de nossa história, mas nem por isso somos aprisiona-

dos por eles.

Não sabemos se a relação de Fernando e Alejandra ficará bem

depois de tudo o que ele disse. O livro termina com uma per-

gunta, que reafirma as escolhas do jovem e abre as possibilidades

para a transformação. Afinal, tudo é questão de escolha, mesmo

o silêncio: “Sim, Alejandra, qualquer uma é uma decisão. Que

você não diga nada também. E tudo o que eu te disse esta manhã

também. Ou acha que não teria sido mais fácil comentar com

você, tipo de passagem, que faz uns dias que meu velho voltou de

viagem e pronto?” (p. 158).

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dialoGando CoM os alunos

antes da leituraUma forma de o professor introduzir a situação abordada no

livro é pedir que cada aluno imagine como seria ter algum co-nhecido na cadeia, pensando, por exemplo, em como isso afeta-ria sua vida e a de sua família e nos sentimentos envolvidos ao visitar pela primeira vez um presídio. Para realizar essa atividade, é interessante propor uma pesquisa sobre a situação prisional no Brasil e como é a vida das pessoas que têm parentes na cadeia e os visitam regularmente. Depois, cada um escreve uma carta a um amigo relatando sua situação e seus sentimentos.

Pode-se sugerir, também, que os alunos relatem aos colegas algo que lhes aconteceu no passado, tentando lembrar o que sentiram naquele momento. Com isso, eles perceberão o funcionamento da memória e como o tempo age sobre ela, abrindo lacunas.

durante a leituraAo longo da leitura, observamos como a situação pela qual

Fernando passa interfere em sua vida. Ao mesmo tempo, acom-panhamos seu processo de autoconhecimento e amadurecimento, o que acaba modificando o modo como vê a si mesmo e a seusfamiliares.

Os alunos podem manter um “diário de bordo” da leitura, em que anotem os indícios dessas transformações, levantando e orga-nizando aspectos do texto para a discussão sobre o livro. Uma ideia é organizar esse diário de leitura de acordo com as fases da vida de Fernando, incluindo os acontecimentos mais importantes, como ele os vivenciou e como os interpreta quando está mais velho.

Ao longo da leitura, pode-se chamar a atenção para o modo como as relações interpessoais vão sendo construídas e mostra-das. Por exemplo, Fernando vê o pai de diferentes maneiras, de acordo com a fase de sua vida: ora ele está muito próximo, é um cara legal; ora está distante e não se comunica direito com o filho. A incomunicabilidade de Fernando com os adultos, os conflitos e a dificuldade de se expressar também são aspectos interessan-tes para discutir. Além de ressaltar esses aspectos do conteúdo, o professor pode mostrar as estratégias narrativas utilizadas pela autora e fazer um paralelo entre a dificuldade de se expressar e de ser compreendido de Fernando e o conto “Sofia”, apresentado no capítulo 16.

depois da leituraÉ interessante discutir com os alunos o que eles acharam do

modo como a narrativa acaba. As visitas é um texto aberto, pois

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não fornece respostas a todas as questões levantadas ao longo da história. Deve-se chamar a atenção para a articulação entre as partes na estrutura narrativa: como o final se relaciona com o sentido da história e com o modo como foi contada?

Por meio da interpretação do texto, pode-se propor aos alu-nos que reescrevam trechos do livro do ponto de vista da mãe ou do pai de Fernando. Como esse narrador vê o que se passa com a família, consigo mesmo e com seu filho? A reescrita implica a criação de episódios ou informações que não estão na história tal como contada por Fernando.

Essa atividade pode também ser desenvolvida com a mudança do foco narrativo para terceira pessoa, com um narrador oniscien-te, que saiba tudo o que ocorreu e o que pensam os personagens.

Elaboração do guia Chantal Castelli (poeta e doutoranda em letras pela universidade de são paulo); PrEParação márCia menin; rEvisão penelope Brito e márCia menin.

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