As notícias de tecnologia no jornal Zero Hora

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO LUÍS ALEXANDRE MEROLLE AS NOTÍCIAS DE TECNOLOGIA NO JORNAL ZERO HORA Porto Alegre 2014

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Trabalho de conclusão de curso que analisa a presença e o tratamento dadoa s notícias de tecnologia no maior jornal do Rio Grande do Sul.

Transcript of As notícias de tecnologia no jornal Zero Hora

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAO

    DEPARTAMENTO DE COMUNICAO

    LUS ALEXANDRE MEROLLE

    AS NOTCIAS DE TECNOLOGIA NO JORNAL ZERO HORA

    Porto Alegre

    2014

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAO

    DEPARTAMENTO DE COMUNICAO

    LUS ALEXANDRE MEROLLE

    AS NOTCIAS DE TECNOLOGIA NO JORNAL ZERO HORA

    Trabalho de concluso apresentado Faculdadede Biblioteconomia e Comunicao daUniversidade Federal do Rio Grande do Sulcomo requisito parcial para a obteno do ttulode Bacharel em Comunicao Social,habilitao em Jornalismo.

    Orientadora: Prof. Rosa Nvea Pedroso

    Porto Alegre

    2014

  • LUS ALEXANDRE MEROLLE

    AS NOTCIAS DE TECNOLOGIA NO JORNAL ZERO HORA

    Trabalho de concluso apresentado Faculdadede Biblioteconomia e Comunicao daUniversidade Federal do Rio Grande do sulcomo requisito parcial para a obteno do ttulode Bacharel em Comunicao Social,habilitao em Jornalismo.

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Ms. Rosa Nvea PedrosoOrientadora

    Prof. Dr. Luciana Pellin MielniczukExaminadora

    Prof. Dr. Mrio Eugnio Villas-Boas da RochaExaminador

    Porto Alegre, 03 de dezembro de 2014

  • RESUMO

    Este trabalho tem como objetivo entender como as notcias de tecnologia esto inseridas

    dentro da verso impressa do jornal Zero Hora. A anlise das matrias se d dentro do perodo

    de um ms, construdo usando os primeiros quatro meses de 2014. Os conceitos de tecnologia,

    tcnica e cincia so discutidos logo no incio desta pesquisa para que haja uma delimitao

    clara do que est sendo tratado no estudo. Dentro desta conceitualizao tambm se faz

    necessrio discutir o papel do jornalismo na sociedade como forma de conhecimento e o

    campo que cobre a rea da tecnologia, o jornalismo cientfico. A anlise de contedo como

    mtodo identifica o tratamento direcionado ao material coletado atravs de palavras-chave

    presentes no ttulo, lead, ou cartola da notcia servindo para categorizar e observar a presena

    de elementos explicativos e do contraditrio no texto. Atravs dos dados obtidos, na anlise

    das matrias, surge uma reflexo sobre de que forma se cumpre o papel de informar sobre

    tecnologia no jornal impresso.

    Palavras-chave: tecnologia, jornalismo cientfico, conhecimento, jornalismo, Zero Hora,

    notcias

  • ABSTRACT

    This study aims to understand how the technology news are inserted into the print version of

    the newspaper Zero Hora. The analysis of the materials occurs within the period of one

    month, built using the first four months of 2014. The concepts of technology, science and

    technique are discussed early in this research that there is a clear delineation of what is being

    addressed in the study . Within this conceptualization is also necessary to discuss the role of

    journalism in society as a form of knowledge and the field that covers the area of technology,

    science journalism. The content analysis method identifies as treatment directed at material

    collected through keywords present in the title, lead, or hat news serving to categorize and

    observe the presence of explanatory elements and contradictory in the text. Through the data

    obtained in the analysis of raw, comes a reflection on how it fulfills the role of reporting on

    technology in the printed newspaper.

    Keywords: technology, science journalism, knowledge, journalism, Zero Hour, News

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Carta da editora sobre o fim do caderno Digital......................................................38

    Figura 2 Os efeitos da utilizao de determinada tecnologia caem na categoria uso.............57

    Figura 3 Coluna sobre jogos, um exemplo das unidades da categoria uso............................58

    Figura 4 Novos produtos chegando ao mercado....................................................................59

    Figura 5 Empresa pretende criar documento universal com todas informaes pessoais.....59

    Figura 6 e 7 Nmeros de vendas de um produto (esq.) e compra de empresas (dir.)............60

    Figura 8 Nova ferramenta pblica lanada pelo Ministrio Pblico Estadual.......................61

    Figura 9 Aplicativo do ministrio da fazenda tem problemas...............................................61

    Figura 10 Quantidade de informaes presente na matria impressiona...............................63

    Figura 11 Mesmo unidades menores podem comportar explicaes.....................................64

    Figura 12 Nota que deixa transparecer o descontentamento da colunista, ensinando como

    desativar a novidades................................................................................................................65

    Figura 13 Caixa de texto com sugesto de prticas sustentveis para o aumento da

    produtividade, alm da adoo da tecnologia citada na matria...............................................66

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Diferenas entre a Cincia e Tecnologia...............................................................18

    Quadro 2 Concepes tecnolgicas.......................................................................................21

    Quadro 3 Reproduo da carta da editora em 1 de setembro de 2013.................................37

    Quadro 4 Ms de Janeiro.......................................................................................................44

    Quadro 5 Ms de fevereiro....................................................................................................45

    Quadro 6 Ms de maro.........................................................................................................45

    Quadro 7 Ms de abril............................................................................................................45

    Quadro 8 Matrias coletadas dentro do ms artificial............................................................47

    Quadro 9 Categorias para anlise...........................................................................................51

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Rank dos maiores jornais do Brasil de circulao paga, ano de 2013....................37

    Tabela 2 Quantidades de matrias por dia e ms...................................................................54

    Tabela 3 Notcias nas colunas................................................................................................55

    Tabela 4 Anlise explicativa..................................................................................................64

    Tabela 5 Anlise da presena de contrapontos.......................................................................66

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 Unidades de registro por Editoria / Caderno.........................................................55

    Grfico 2 Unidades de registro por categoria........................................................................57

  • SUMRIO

    1 INTRODUO....................................................................................................................10

    2 JORNALISMO, TECNOLOGIA E CONHECIMENTO.................................................13

    2.1 TCNICA...........................................................................................................................13

    2.2 CINCIA............................................................................................................................15

    2.3 TECNOLOGIA...................................................................................................................16

    2.4 JORNALISMO COMO FORMA DE CONHECIMENTO................................................21

    2.4.1 Duas Vises de Conhecimento no Jornalismo.............................................................22

    2.4.2 Produtor e Reprodutor de Conhecimento....................................................................26

    2.5 DIFUSO E JORNALISMO CIENTFICO......................................................................30

    2.5.1 O Jornalismo Cientfico.................................................................................................31

    3 METODOLOGIA................................................................................................................35

    3.1 O JORNAL ZERO HORA..................................................................................................35

    3.2 A ANLISE DE CONTEDO...........................................................................................37

    3.2.1 O Caminho das Pedras da AC......................................................................................39

    3.3 CONSTRUINDO A AMOSTRA........................................................................................42

    3.3.1 Corpus do Trabalho.......................................................................................................42

    3.3.2 Unidades de Registro.....................................................................................................45

    4 ANLISE..............................................................................................................................53

    4.1 DADOS INICIAIS..............................................................................................................53

    4.2 CLASSIFICAO.............................................................................................................55

    4.2.1 Aprofundando a classificao........................................................................................61

    5 CONSIDERAES.............................................................................................................67

    REFERNCIAS......................................................................................................................70

    ANEXO A Tabelas de dados................................................................................................72

  • 10

    1 INTRODUO

    Esta pesquisa rene dois temas que me so de extremo interesse: tecnologia e

    jornalismo. Sou um aficionado por tentar entender os efeitos das mudanas tecnolgicas no

    cotidiano, e a funo da notcia como forma de informar, seja ela onde for, apesar da

    preferncia pela palavra escrita. Visito muitos sites que falam de tecnologia, boa parte

    estrangeira infelizmente, e sempre reparo nas diferenas entre o tratamento das notcias deste

    tema l fora e na nossa imprensa. Isso sempre me incomodou e conversando com outras

    pessoas descobri que no era o nico com a sensao de que as notcias relacionadas a

    tecnologia no Brasil no eram tratadas com seriedade, se restringindo a lanamentos e valores

    econmicos, mesmo com os nmeros que nosso pas apresenta.

    O Brasil tem adotado as novas tecnologias com rapidez, em 2013 chegou a mais

    de 271 milhes de celulares e 85 milhes de usurios conectados a internet segundo dados da

    empresa Teleco e da Associao Brasileira de Telecomunicao (Telebrasil). A internet por

    celular registra mais de 47 milhes de acessos, destes 27 milhes j so smartphones, que tem

    no somente acesso a web, mas mltiplas funes atravs dos aplicativos. Assuntos e termos

    antes restritos s rodas mais especializadas de pessoas, como capacidade de processamento,

    instalao de Apps, Giga Hertz, memria RAM, e sistema operacional (OS), batem a porta

    para fazer parte do cotidiano de quem tem smartphone, tablet, pcs entre outros tantos aparatos

    tecnolgicos. Essa tecnologia no se restringe mais ao consumo de um bem em especfico,

    mas do cotidiano, conceitos de informtica esto impregnados na escola, sade e comrcio.

    Celulares e computadores so apenas os aspectos mais visveis deste fenmeno, que

    tem na informtica um dos seus cernes e que vem tendo saltos evolutivos constantes nestes

    ltimos dez anos. O acesso aos bens de consumo como celulares, computadores e internet

    ficaram mais fceis expondo pessoas que nunca antes tinham lidado com estes itens a um

    mundo novo. Novas geraes j nascem praticamente com um teclado nas mos e um perfil

    na internet como demonstra o educador Marc Prensky.

    Os alunos de hoje do maternal faculdade representam as primeirasgeraes que cresceram com esta nova tecnologia. Eles passaram a vida inteirascercadas e usando computadores, videogames, tocadores de msica digitais,cmeras de vdeo, telefones celulares, e todos os outros brinquedos e

  • 11

    ferramentas da era digital. Em mdia, um aluno graduado atual passou menos de5.000 horas de sua vida lendo, mas acima de 10.000 horas jogando videogames(sem contar s 20.000 horas assistindo televiso). Os jogos de computadores,e-mail, a Internet, os telefones celulares e as mensagens instantneas so partesintegrais de suas vidas. (PRENSKY, 2001,p. 1,)

    Entender como o jornalismo trabalha a questo de informar sobre tecnologia,

    de que forma classifica, trata, compreende esse tipo de notcia me parece ser primordial nos

    tempos atuais. Debater se estamos levando este tipo de informao a srio, ou se

    correspondemos mesmo ao senso comum de publicar o mnimo sem abrir espao para

    discusses. Ser que as notcias de tecnologia tem servido apenas para publicar releases de

    novos produtos, ou tem espao para discutir que rumos nossa sociedade tem tomado frente

    aos avanos conseguidos? O pblico realmente recebe apenas nmeros de venda e preos, ou

    um debate mais amplo sobre os efeitos de uma nova tecnologia? Exibir especificaes de um

    aparelho em uma reportagem sem mais informaes o que devemos fazer? O jornalismo

    nesta rea tem aprofundado este assunto?

    Para responder ests questes pensei em cobrir as notcias nos jornais

    impressos de Porto Alegre, pelo fato de que um dos meios de comunicao mais afetados pela

    prpria tecnologia foi o jornalismo impresso. Devido ao esforo necessrio para tal tarefa no

    estar ao meu alcance reduzi e foquei apenas na Zero Hora, jornal com maior abrangncia do

    Estado, focando analisar as matrias relacionadas a tecnologia dentro da publicao.

    O trabalho foi organizado em quatro captulos de forma que aps a introduo

    o captulo II traga os conceitos e teorias sobre jornalismo e tecnologia. Primeiramente tentei

    elucidar o significado e trazer os vrios conceitos de tecnologia que existem para sair do senso

    comum dos anncios publicitrios que circulam na nossa sociedade. A discusso sobre o papel

    do jornalismo se faz necessria e foi abordada atravs dos autores Robert Park, Tambosi e

    Meditsch e suas vises do jornalismo como forma de conhecimento. No fim do captulo

    trouxe o campo dentro do jornalismo que deveria falar de tecnologia, o jornalismo cientfico

    conforme a compilao de Wilson Bueno, para objetivos de parmetro com a realidade.

    O captulo III descrever a metodologia seguida, explicando as escolhas e

    caminhos percorridos na elaborao deste estudo, indo mais afundo no porque da Zero Hora

    ser o alvo da coleta de dados, o porque a anlise de contedo ser o mtodo de pesquisa e sua

    utilizao durante o processo.

    A anlise ocorre no quarto captulo onde apresento os resultados obtidos com

  • 12

    dados encontrados durante a pesquisa. O captulo cinco mostra como foram aplicados os

    mtodos, algumas das anlises e os dados encontrados. Por fim as consideraes a respeito de

    tudo que foi explorado e mostrado durante o estudo, trazendo uma inferncia a partir do que

    foi observado durante o processo.

  • 13

    2 JORNALISMO, TECNOLOGIA E CONHECIMENTO

    A propsito de realizar este trabalho se faz necessrio abordar diversos conceitos

    que se entranham na cobertura da rea de tecnologia, desta forma acaba sendo oportuno

    separar e definir estes termos. O prprio conceito de tecnologia por ter uma mirade de

    definies por vezes passvel de ocasionar diversas contradies na cobertura jornalstica do

    tema.

    2.1 TCNICA

    A confuso com o termo tcnica est presente no cotidiano da nossa sociedade,

    pois usado para se referir a praticamente qualquer coisa que o ser humano execute, da arte a

    economia, dos esportes ao uso de maquinrio.

    A palavra tcnica deriva do termo grego techn, que pode ser traduzido por arte, e

    que conforme Andr Lemos (2013) compreende diversas atividades prticas, indo da

    elaborao de leis as belas artes, est ltima tida como a mais alta expresso da tcnica.

    ...Tekhn um conceito filosfico que visa descrever as artes prticas, o saberfazer humano em oposio outro conceito chave, a phusis, ou o princpio dagerao das coisas naturais. Tekhn e phusis fazem parte de todo o processo devir a ser, de passagem da ausncia presena, ou daquilo que os gregoschamavam poisis. (LEMOS, 2013, p. 28)

    Esse conceito filosfico visa separar o fazer humano do fazer da natureza, este

    autopoitico, que guarda em si sua forma de autorreproduo (2013, p. 29). Conforme

    Francisco Rdiger, os pensadores gregos entendiam que a tcnica uma forma de relao

    consciente com o mundo, em que se conectam dialeticamente saber acumulado e ao

    progressiva, (2007, p. 39). Assim sendo acreditavam que a techn estava presente em todo

    humano, e que toda techn tinha capacidade de gerar uma obra.

    A filosofia grega ainda se encontra muito presente nos fundamentos da atual viso

    da tecnologia. Segundo Lemos a critica atual da tecnologia influenciada pelos pensamentos

    de Plato e Aristteles

  • 14

    O pensamento filosfico vai, pela primeira vez, associar a tcnica aos destinosdo homem e da polis. O artista, aquele que possui o dom de uma techn, paraPlato de um demiurgo, um imitador, produtor de cpias e de simulacros. Osobjetos tcnicos so assim produtos que imitam o ser. Como cpia, imitao ousimulacro, Plato desenvolve a tese da desconfiana em relao techn.(LEMOS, 2013, p.29)

    No caso de Aristteles o fazer inferior ao que criado pela natureza, uma vez

    que a mesma contem em si a capacidade de vir a ser. O artificial seria inferior por no ser

    capaz de se auto reproduzir, necessitando da interveno humana (LEMOS, 2013, p. 30).

    No apenas a filosofia que trabalha com a tcnica e sua relao com o ser

    humano, a etnologia e a zoologia veem a tcnica na gnese homem. A tecnicidade seria uma

    das caractersticas do homem e determinante de sua evoluo. Segundo Andr Lemos

    A tcnica seria um caso especfico e particular de zoologia na medida em que ofenmeno tcnico aparece como uma relao artificializada (mediada porartefatos) entre matria viva ou orgnica e a matria inanimada. A tcnica , sobesta perspectiva, interpretada como resultado do desenvolvimento e evoluo davida orgnica do homem, como uma interface entre a matria organina viva e amatria inerte deixada ao acaso da natureza. O fenmeno tcnico um casoparticular (zoolgico) da relao entre o ser vivo e seu meio natural (a matriainerte largada ao acaso na natureza). (2013, p. 31)

    O homo sapiens como conhecemos s passa a existir no momento em que

    aparecem os primeiros objetos tcnicos, armas e ferramentas, introduzindo a corticalizao na

    espcie (LEMOS, 2013, p. 31). Os objetos de forma zoolgica ajudariam a formar o crtex,

    isso seria devido necessidade de inventar formas de usar os utenslios que se tinha a mo e

    da sua fabricao. A tcnica iria se tornando independente desta evoluo gentica aos poucos

    assim como os objetos tcnicos criados por ela.

    A tcnica surgia ento, junto com o homem graas a fabricao dos primeirosinstrumentos e a manifestao do intelecto humano atravs na forma desabedoria. De acordo com a Antropologia no h homem sem instrumento pormais rudimentares que sejam. So entidades que se autocompletam, de formaque se eliminando uma, a outra tambm desaparece por completo.(VERASZTO, 2004, pag. 26)

  • 15

    A linguagem, nascida a princpio para comunicar ordens, evoluiu para anlise do

    trabalho no espao, passando a descrever os fatos e se tornando uma memria coletiva

    primitiva1 (GORDILLO & GALBARTE, 2002 apud VERASZTO et al, 2008, p. 65), este

    percurso da linguagem somado ao desenvolvimento do crtex, e da tcnica seriam

    responsveis pela co-evoluo zoolgica da espcie humana, j que sua evoluo vai ser

    potencializada pela adaptao locomotiva e tcnica do homem, ao invs de ser a simples

    causa (LEMOS, 2013, p. 32).

    A tcnica at aqui aquela desligada da cincia, podendo algumas vezes ser

    entendida como magia, do acerto e do erro por intuio, antecede a tcnica moderna com

    bases cientficas e de preciso.

    2.2 CINCIA

    Como boa parte das palavras cincia comporta muitos significados, no entanto seu

    uso mais comum associado a conhecimento, ou saber. Os dicionrios so mais enfticos na

    viso predominante sobre a cincia como sendo um conjunto de conhecimentos

    sistematizados sobre determinado assunto atravs de mtodos verificveis, seja a observao

    ou repetio de experincias.

    CINCIA (gr. 7tvaTi|j.T|; lat. Scientia; in. Science, fr. Science, ai.Wissenschaft; it. Scienza). Conhecimento que inclua, em qualquer forma oumedida, uma garantia da prpria validade. A limitao expressa pelas palavrasem qualquer forma ou medida aqui includa para tornar a definio aplicvel C. moderna, que no tem pretenses de absoluto. Mas, segundo o conceitotradicional, a C. inclui garantia absoluta de validade, sendo, portanto, comoconhecimento, o grau mximo da certeza. (ABBAGNANO, 2007, p. 126)

    Desta forma cincia se refere a uma forma especial de conhecimento, o

    conhecimento cientfico em contraposio a outras formas existentes, tal como o

    conhecimento ou o senso comum(BARBIERI, 1990, p. 10). O conhecimento cientfico

    acumulado sobre uma determinada rea forma uma cincia especfica, como por exemplo a

    1GORDILLO, M. M. Ciencia, Tecnologa e Sociedad. Projeto Argo. Materiales para laeducacin CTS, 2001. p. 7-12; 64-101. Grupo Norte. Biblioteca Digital da OEI (Organizao de Estados Iberoamericanos para a Educao, a Cincia e a Cultura,Disponvel em < http://www.campus-oei.org >. Acesso em 19 Jan. 2003.

  • 16

    biologia, ou fsica.

    A validade do conhecimento cientfico se baseia em trs princpios: capacidade

    de demonstrao, ou seja, apresentar evidencia que comprove o conhecimento; de descrio,

    atravs da observao e deduo elaborar relaes sobre determinado fenmeno interpretando

    o ocorrido; de corrigibilidade, ou seja, a cincia no infalvel e est em constante

    elaborao, reviso e correo (BARBIERI, 1990, p. 12). Alm destes princpios a

    comunidade cientfica serve como mais um filtro para reconhecimento na cincia, uma vez

    que os conhecimentos gerados passam antes pelas mos dela que os avalia e examina, sendo

    est uma etapa fundamental do processo de elaborao do conhecimento cientfico. Nos

    interessa aqui uma distino que Barbieri faz sobre cincia aplicada e cincia bsica:

    []De um modo geral, na cincia bsica (pura ou fundamental) a preocupaoem adquirir novos conhecimentos no est subordinada a objetivos prticos eimediatos. Na cincia aplicada, pelo contrrio, essa preocupao dominante eos conhecimentos so buscados para serem utilizados na soluo de problemasidentificados[](1990, p. 12)

    Essa diferena entre as duas formas de fazer cincia importante para estabelecer

    as distines entre conhecimento cientfico e tecnologia. Principalmente entre a cincia

    aplicada e a tecnologia, que podem ser confundidas por terem aspectos comuns, como

    trabalhar em busca de soluo para um problema concreto e identificado (BARBIERI, 1990,

    p. 12).

    2.3 TECNOLOGIA

    A tecnologia precede a cincia e caminha junto a tcnica na histria da sociedade,

    alm de ser mais antiga que o conhecimento cientfico, a tecnologia sem ajuda fora capaz de

    inmeras vezes criar estruturas e instrumentos complexos, conforme Veraszto (2008, p. 65).

    Um dos fatores mais determinantes que marcam o aparecimento de nossosancestrais primitivos, segundo investigadores, o uso de ferramentas. Contudoesta premissa incompleta, porque no somente o uso de ferramentas, senotodo o processo de desenvolvimento, abrangendo a inveno, a concepo e aproduo das mesmas, que consiste no verdadeiro feito. As estratgias e outras

  • 17

    formas de organizao desenvolvidas por nossos ancestrais pr-histricosreafirmam o potencial tecnolgico humano (ACEVEDO2, 1998; VERASZTO,2004 apud VERASZTO et al, 2008).

    Andr Lemos (2013) fala desse potencial tecnolgico humano ao citar Gilbert

    Simondon e seu estudo da tcnica do sculo XX:

    Os objetos tcnicos formam uma espcie de ecossistema cultural, onde anaturalizao do artifcio modifica o meio natural, da mesma forma que o meionatural vai impondo limites atividade tcnica humana. Esta naturalizao deobjetos tcnicos impulsiona uma progressiva artificializao do homem e danatureza, sendo mesmo impensvel a existncia do homem e da cultura foradeste processo. (LEMOS, 2013, p.33)

    Para definir o que tecnologia antes se tem que saber o que ela no . Veraszto

    (2008, p. 76) sintetiza de forma aproximada as ideias de Gilbert (1995) sobre as diferenas

    entre cincia e tecnologia na tabela que segue

    Quadro 1 Diferenas entre a Cincia e Tecnologia

    CINCIA TECNOLOGIA

    Entende o fenmeno natural Determina a necessidade

    Descreve o problema Descreve a necessidade

    Sugere hipteses Formula idias

    Seleciona hipteses Seleciona ideias

    Experimenta Faz o produto

    Encaixa hipteses/dados Prova o produto

    Explica o natural Fabrica o artificial

    Continua

    2 ACEVEDO, G. D. R. Ciencia, Tecnologa y Sociedad: una mirada desde la Educacin enTecnologa. Revista Iberoamericana de Educacin, 1998, No. 18. p. 107-143.Biblioteca Digital da OEI (Organizao de Estados Iberoamericanos para aEducao, a Cincia e a Cultura, 1998. Disponvel em < http://www.campus-oei.org/>. Acesso em 17 Ago. 2002.

  • 18

    Quadro 1 Diferenas entre a Cincia e Tecnologia (continuao)

    CINCIA TECNOLOGIA

    Analtica Sinttica

    Simplifica o fenmeno Aceita a complexidade da necessidade

    Conhecimento generalizvel Objeto particular

    Fonte: VERASZTO et al, 2008, p. 76

    A tabela reflete uma diferena fundamental entre cincia e tecnologia, enquanto a

    primeira busca conhecimento atravs do entendimento dos fenmenos naturais a segunda

    busca solucionar necessidades presentes na sociedade, com ou sem ajuda do conhecimento

    cientfico, atravs de meios artificiais.

    Outra distino que merece destaque entre tecnologia e tcnica. A ligao entre

    as duas palavras j aparece na origem dos termos, j que ambas so derivadas do grego

    techn, que significa arte ou saber fazer. A adio do sufixo logia que deriva do termo grego

    logus, razo, ao tecno, derivado de techn, forma a palavra tecnologia. Portanto, tecnologia

    significa a razo do saber fazer (RODRIGUES3, 2001 apud VERASZTO et al, 2008, p. 62).

    Em outras palavras o estudo da tcnica. O estudo da prpria atividade do modificar, do

    transformar, do agir (VERASZTO et al, 2008, p. 62).

    Seria simples tomar por verdadeiro este conceito etimolgico da palavra se

    durante a histria o termo no tivesse sido empregado das mais diversas formas, junto a

    teorias diversas em contextos sociais distintos como nos exemplos apresentados por Barbieri:

    Timm (1971) mostra que, ao final da idade antiga, por tecnologia se entendia umacincia tratada segundo as normas da arte. Os dicionrios anteriores metade dosculo XVIII entenderam a tecnologia como a cincia das expresses artsticas outerminus technicis. (TIMM4, 1971, apud BARBIERI, 1990,)

    A variedade de definies que a tecnologia toma, ou tomou ao longo da histria, melhor

    compreendida na tomada de posies que seus estudiosos fazem quando tratam do tema. Ruy

    3 RODRIGUES, A. M. M. Por uma filosofia da tecnologia. In: Grinspun, M.P.S.Z.(org.).Educao Tecnolgica Desafios e Pespectivas. So Paulo: Cortez, 2001: 75-129.4 TIMM, Albretch. Pequea historia de la tecnologia. Madrid, Guadarrama, 1971.

  • 19

    Gama na sua obra a Histria da Tecnologia e do Trabalho (1986) opta abertamente por

    categorizar tcnica e tecnologia como conceitos distintos definido-as da seguinte forma

    Tcnica: conjunto de regras prticas para fazer coisas determinadas, envolvendoa habilidade do executor e transmitidas, verbalmente, pelo exemplo, no uso dasmos, dos instrumentos e ferramentas e das mquinas. Alarga-se frequentementeo conceito para nele incluir o conjunto de processos de uma cincia, arte ouofcio, para obteno de resultado determinado com o melhor rendimentopossvel. (GAMA, 1986, p. 30)

    Tecnologia: estudo e conhecimento cientfico das operaes tcnicas, ou datcnica. Compreende o estudo sistemtico dos instrumentos das ferramentas edas mquinas empregadas nos diversos ramos da tcnica, dos gestos e dostempos de trabalho e dos custos, dos materiais e da energia empregada. Atecnologia implica na aplicao doa mtodos das cincias fsicas e naturais e,como assinala (com propriedade mas no com primazia) Alain Birou, tambmna comunicao desses conhecimentos pelo ensino tcnico.(GAMA, 1986, p.30)

    J Andr Lemos define de forma diferente o que seria tecnologia. Segundo o

    autor a tcnica veio antes da cincia, sendo impulsionada por tentativas e erros, sem ter

    relao com o conhecimento cientfico at est relao mudar, Isso teria ocorrido a partir do

    sculo XVII quando a tcnica se liga as teorias cientficas. O fazer transformador humano que

    adapta a natureza as necessidades e desejos da espcie e cultura humana, essa seria a tcnica

    (LEMOS, 2013, p. 40). Uma provocao da natureza que naturaliza objetos tcnicos

    construindo uma segunda natureza povoada de matria orgnica, de matria inorgnica e de

    matria inorgnica organizada (os objetos tcnicos). A tecnologia, ou tcnica moderna, seria

    um produto da radicalizao desta provocao que naturaliza objetos tcnicos e da fuso com

    a cincia (2013, p.40).

    No sabemos mais onde comeam e onde terminam a cincia e a tcnica.Estamos aqui no corao da modernidade. Aqui, a natureza e a vida social serorequisitadas como objetos de intervenes tecno-cientificas. (LEMOS, 2013)

    Desta forma a tcnica sozinha seria aquela que d origem a tecnologia tradicional,

    baseada no empirismo, na tentativa e erro, sem ligao com o conhecimento cientfico. E a

  • 20

    tcnica conjugada a cincia, ou tcnica moderna, seria a criadora das tecnologias baseadas na

    cincia vistas nos dias de hoje. O objetivo aqui no esgotar o assunto em torno deste

    conceito, o que no conseguiria fazer, mas mostrar algumas posies sobre o mesmo. A

    quantidade de concepes em torno do tema grande e o quadro abaixo apenas uma

    amostra desta diversidade, criado a partir dos conceitos apresentados por Veraszto

    (VERASZTO et al, 2008,p. 66-75)

    Quadro 2 Concepes tecnolgicas

    Concepo Caractersticas da tecnologia

    Intelectualista da tecnologia

    Conhecimento prtico Deriva de conhecimento terico cientfico No existe tecnologia sem teoria, mas existe teoria sem tecnologia

    Utilitarista da tecnologia Sinnimo de tcnica Foco na eficincia No se preocupa com teorias

    Tecnologia como sinnimo de cincia A tecnologia seria uma cincia natural e matemtica

    Instrumental (artefatual) da tecnologia

    Ferramentas ou artefatos construdos para uma diversidade de tarefas No h diferena entre a pedra lascada e o celular Aura de poder por possuir equipamento tecnolgico mesmo sem uso

    Neutralidade da tecnologia No boa nem m Reducionista Dissocia a tecnologia da sociedade

    Determinismo tecnolgico Autnoma auto-evolutiva Destino alm do controle humano

    Universalidade da tecnologia Universal Neutra Independe do contexto e da sociedade

    Otimismo tecnolgico Garantia do progresso e bem-estar social Garantia da sobrevivncia Sustentvel

    Pessimismo Tecnolgico Causa de todos os males da humanidade Ira subjugar e dominar o ser humano

    Sociosistema Foca no s o lado tcnico mas o organizacional e cultural Pratica social Flexibilidade interpretativa

    Fonte: Elaborado pelo autor

  • 21

    Vale ressaltar a concepo Artefatual da Tecnologia, pois segundo os autores

    esta representa o senso comum predominante na sociedade atual, esse ponto de vista pode

    gerar a sensao de que basta saber ligar o aparelho, ou conhecer algumas siglas usadas pelos

    fabricantes para que se seja um expert em tecnologia (SILVA et al5, 1999 apud VERASZTO et

    al, 2008, p. 69). Essa imagem traz consigo uma aura de poder pela posse da tecnologia que

    transcende os pases e chega aos indivduos de todas as classes: ter o a tecnologia mais

    moderna a disposio mesmo sem uso para a mesma, ou sem saber como usar, sinal de

    status e satisfao (SILVA et al6, 2001 apud VERASZTO et al, 2008, p. 69).

    Uma vez que a temtica tecnologia controversa, como visto at aqui, se faz

    necessrio pelo propsito do trabalho que se tome um posicionamento para melhor

    compreenso e execuo do mesmo. Sendo assim o conceito que ira guiar a pesquisa o de

    uma tecnologia como um conjunto de saberes inerentes ao desenvolvimento e concepo dos

    instrumentos (artefatos, sistemas, processo e ambientes) criados pelo homem atravs da

    histria para satisfazer suas necessidades e requerimentos pessoais e coletivos (VERASZTO

    et al, 2008). Sendo ento o conhecimento tecnolgico um conhecimento de como fazer, saber

    fazer e improvisar solues, e no apenas um conhecimento generalizado embasado

    cientificamente. Para a tecnologia preciso conhecer aquilo que necessrio para solucionar

    problemas prticos (saber fazer para que), e assim, desenvolver artefatos que sero usados,

    mas sem deixar de lado todo o aspecto sociocultural em que o problema est inserido

    (LAYTON7, 1988 apud VERASZTO et al, 2008).

    2.4 JORNALISMO COMO FORMA DE CONHECIMENTO

    O debate sobre se o jornalismo uma forma de conhecimento est presente na

    comunidade acadmica faz um longo tempo com a presena de inmeras vertentes e teorias a

    5 SILVA, C. A. D.; SANCHES, C.G.; SILVA, D. et al. O Movimento Cincia, Tecnologia eSociedade e o Ensino Tecnolgico: Uma Reviso Bibliogrfica. Atas do XVCongresso Brasileiro de Engenharia Mecnica (COBEM). guas de Lindia SP(22 a 26/11/99). ABCM e UNICAMP [CD-ROM]: Acrobat Reader, 1999: 1 7.Disponvel em < http://www.fae.unicamp.br/dirceu/ >. Acesso em 7 Jul. 2002.6 SILVA, D. e BARROS FILHO, J. Concepes de Alunos do Curso de Pedagogia sobre aTecnologia e suas Relaes Sociais: Anlise de um pr-teste. Revista Educao eEnsino da Universidade So Francisco, 2001, N 6, Volume 2. (ISSN 1413-8962).7 LAYTON, D. Revaluing the T in STS. International Journal of Science Education, 1988,10(4): 367-378.

  • 22

    respeito. Primeiramente temos de esclarecer que informao e conhecimento no so

    sinnimos, e que tipo de conhecimento estaria contido no jornalismo.

    2.4.1 Duas Vises de Conhecimento no Jornalismo

    Orlando Tambosi (2005, p. 32) distingue informao e conhecimento pela

    veracidade implcita no contedo comunicado, ou seja, se a informao no for verdadeira ou

    no puder ser provada apenas informao, se houver verdade justificvel no que foi

    comunicado ser conhecimento.

    Tambosi (2005, p. 32-33) classifica ao menos trs tipos de conhecimento a partir

    da premissa da verdade como validante do saber: o direto, aquele obtido pela experincia

    pessoal com objetos e pessoas do mundo; por aptido ou habilidade, ser capaz de executar ou

    fazer algo; proposicional, saber se algo verdadeiro atravs de raciocnio sobre a realidade,

    uma habilidade exclusivamente humana. dentro do campo do conhecimento proposicional,

    segundo o autor, que estaria o jornalismo caso fosse uma forma de conhecimento

    (TAMBOSI, 2005, p. 33).

    O entendimento de que o conhecimento se d de diversas formas na sociedade

    pode tambm ser encontrado no artigo do socilogo Robert Park que ao se debruar sobre a

    notcia como forma de conhecimento, em 19408, segue a linha de William James na

    categorizao do saber e a relaciona com o jornalismo

    H dois tipos de conhecimento ampla e praticamente distintos: podemos cham-los respectivamente de conhecimento-familiaridade e conhecimento dascoisas....Existe, na verdade, em mentes capazes de falar, algum conhecimentosobre todas as coisas. Pelo menos as coisas podem ser classificadas e as vezesque elas aparecem podem ser contadas. Porm, em geral, quanto menosanalisarmos uma coisa e quanto menos relaes percebemos, menos saberemosa respeito dela e mais nossa familiaridade com ela ser tipo conhecimento-familiaridade. Os dois tipos de conhecimentos so, portanto, termos relativos,dentro da mente humana. Isto , a mesma ideia de uma coisa pode ser chamadade conhecimento das coisas em comparao com uma ideia mais simples, ou defamiliaridade com as coisas em comparao com uma ideia da coisa que aindamais articulada e explcita. (JAMES9 apud PARK, 2008, p. 52)

    8 PARK, Robert. E. News as a Form of Knowledge: A Chapter in the Sociology of Knowledge Source: The American Journal of Sociology, Vol. 45, No. 5 (Mar., 1940), pp. 669-686 Published by: The University of Chicago Press Stable URL: http://www.jstor.org/stable/2770043Acessado em: 12/11/2014 9 JAMES, William. The Principles of Psychology. New York: Henry Holt & Co., 1986, I, 221-222.

  • 23

    Park em seu artigo explicita um pouco mais os dois tipos de conhecimento

    descritos por James, situando o acquaintance with, como se refere ao conhecimento-

    familiaridade, de um conhecimento utilizado no cotidiano, adquirido atravs da experiencia

    mais do que da investigao formal, sendo adquirido atravs do encontro em primeira mo

    com o mundo ao redor. um tipo de conhecimento de difcil transferncia se tornando

    praticamente privado, o conhecimento sobre o comportamento das outras pessoas

    aparentemente se encaixa nesta categoria, assim como qualquer saber adquirido de forma

    indireta ou inconsciente com o contato com objetos e seu uso (PARK, 2008 p. 52-55).

    Enquanto o acquaintance with o saber no pesquisado, intuitivo, senso

    comum, advindo de nossas vivncias e prticas, o conhecimento das coisas segundo James,

    racional, sistemtico e formal, baseado na observao e no fato, este ltimo verificado,

    rotulado e classificado dentro da perspectiva do pesquisador e do seu objetivo. Park explica

    este tipo de conhecimento assim:

    knowledge about conhecimento formal; significa conhecimento quealcanou algum grau de exatido e preciso pela substituio de ideias pelarealidade concreta, e de palavras por coisas. As ideias no apenas constituem aestrutura lgica de todo o conhecimento sistemtico mas entram na prximanatureza das coisas com as quais a cincia se ocupa cincia natural distinta dacincia histrica. De fato, h trs tipos fundamentais de conhecimento cientfico:(1) filosfico e lgico, que trata primariamente das ideias; (2) histria, que tratade eventos; e (30) as cincias naturais ou classificatrias, que tratam das coisas.(PARK, 2008, p. 55)

    Definidos desta forma o knowledge about seria um saber mais elaborado,

    sistemtico e cientfico contrastando com saber do senso comum, acquaintance with, a

    maior diferena entre eles que o conhecimento cientfico teria a capacidade de ser

    comunicvel qualidade que o saber concreto no teria. No s o fato de que tanto os

    problemas como as solues so apresentados de maneira lgica e inteligvel, o knowledge

    about pode ser verificado atravs de referncias com a realidade ou experimento (PARK,

    2008, p. 56-57).

    Tambosi (2005, p. 34) afirma que para haver conhecimento necessrio que os

    elementos de crena, verdade e justificao aconteam em conjunto, ou seja, haja

  • 24

    possibilidade de verificar a veracidade da informao. Como confirmar se uma proposio

    verdadeira? Para o autor algumas possibilidades so: a percepo, viso de um co no quintal;

    a memria, lembrar de algo; o raciocino lgico, argumento dedutivo ou indutivo;

    introspeco, conhecimento de si mesmo; testemunho, outra pessoa ou documento que

    confirme a proposio (TAMBOSI, 2005, p. 34-35).

    Ambos os autores definem o conhecimento sistmico e formal pela sua

    capacidade de sustentar a verdade, ou seja, ser posto a prova, no entanto as similaridades entre

    Park e Tambosi acabam ao analisar como o conhecimento se insere no jornalismo para ambos.

    Informao e conhecimento acabam por ser coisas distintas e interligadas, o

    conhecimento depende da informao, mas nem toda informao conhecimento

    (TAMBOSI, 2005, p. 32). Conforme Tambosi (2005, p. 35), uma informao pode ser falsa;

    um conhecimento, jamais. Com qual destes conceitos o jornalismo trabalha, informao ou

    conhecimento? Para este autor a situao parece bem clara:

    O jornalismo est vinculado ao conceito de informao por sua prpriadefinio. Se jornalista na definio praticamente universal, presente inclusivenos dicionrios uma atividade profissional que busca a apurao, aelaborao e a difuso de informao atravs das diversas mdias, para o grandepblico ou segmentos deste, resta evidente que o conhecimento se d apenas noproduto do jornalismo, desde que, a informao seja correta, ou, para repetir,verdadeira. Por isso mesmo ele no cincia o que no desmerece a profisso.(TAMBOSI, 2005, p.36)

    O conhecimento produzido no jornalismo acaba estando no produto da busca por

    informao: a notcia (TAMBOSI, 2005). O jornalista apenas torna pblica as informaes

    atravs da notcia, quem se beneficia o leitor, ou telespectador, adquirindo conhecimento se

    as informaes forem corretas, podendo formar representaes verdadeiras da realidade, ou

    seja, ter crenas verdadeiras e justificadas.

    O problema para Tambosi (2005) que sendo o testemunho a forma mais comum

    de fonte de conhecimento do jornalismo no h como saber se as declaraes so verdadeiras,

    uma vez que as declaraes so colocadas como fatos e no de forma hipottica, em sua

    maioria.

    Lembremos que declaraes, proposies ou verses so distintas dos fatos, ouseja, da realidade, do mundo objetivo. S aquelas podem ser falsas, no os fatos.

  • 25

    o que acontece, por exemplo, quando uma informao que at hojesupnhamos verdadeira se revela com o tempo, incorreta ou falsa(TAMBOSI,2005, p. 36)

    Para Tambosi (2005, p. 37) o jornalismo declaratrio produz informao, mas

    existe dificuldade de saber se est realmente verdadeira, por melhor que sejam as fontes.

    Desta forma o jornalismo no produziria conhecimento, exceto se com o tempo as

    informaes se comprovarem verdadeiras, ento passariam gerar conhecimento como

    testemunho dos fatos, e mesmo assim seria o produto do jornalismo, a notcia apurada com

    informaes corretas que assim o faria. O fato do jornalista sair a rua para buscar informao

    e no para gerar conhecimento, servindo como instrumento e no um realizador torna o

    jornalismo incapaz de ser considerado uma forma de conhecimento autnoma para o autor.

    Existem uma exceo a esta regra, o jornalismo investigativo que traria a luz fatos

    que de outra forma no seriam conhecidos, ou seja, neste caso o jornalista busca algo novo,

    que ainda no foi revelado ao pblico, existindo ai um trabalho cognitivo de busca pela

    verdade, similar a cincia (TAMBOSI, 2005, p. 37).

    A notcia a fonte de conhecimento para Robert Park que analisa o

    conhecimento no jornalismo com este vis. Segundo o autor

    obvio que a notcia no no conhecimento sistemtico como aquele dascincias fsicas. Trata de eventos. Eventos so nicos e, portanto, no podem serclassificados como acontece com as coisas, porque invariavelmente eles sofixos no tempo e localizados no espao. As coisas no apenas se movem noespao e mudam com o tempo, mas, na sua organizao interna, elas estosempre numa condio de equilbrio mais ou menos estvel. (PARK, 2008 p. 58)

    Para o autor a notcia est presa ao presente, sem apego ao passado ou futuro,

    exceto quando estes podem realar o presente. A notcia s existiria neste presente, o

    presente precioso, uma vez que um produto perecvel e s continua valendo at ser

    publicada e reconhecida, aps isso viraria histria. Park entende que:

    Essa qualidade transitria e efmera a verdadeira essncia da notcia e estintimamente conectada ao tipo a que pertence. Diferentes tipos de notcia tmdiferente durao de tempo. Na sua forma mais elementar o relato da notcia um simples flash, anunciando que um evento aconteceu. Se o evento for dereal importncia, o interesse por ele levara a maior anlise e a uma familiaridade

  • 26

    maior com as circunstncias....(PARK, 2008, p. 59)

    A notcia chega ao pblico em forma de pequenas comunicaes independentesque podem ser compreendidas facilmente e rapidamente. De fato, a notciadesempenha as mesmas funes para o pblico que a percepo desempenhapara os indivduos; isto , no apenas informa, mas orienta o pblico, dando atodos a notcia do que est acontecendo. (PARK, 2008, p. 60)

    A notcia interessante geraria o desejo de compartilhar aquela informao,

    deixando de ser notcia assim que estabelecida a comunicao com o outro e iniciada a

    discusso das interpretaes sobre o que foi entendido (PARK, 2008, p.60). Para Park (2008,

    p. 62) a notcia no s precisa circular, mas ser publicada para ganha carter de documento

    pblico, assim sendo autenticada pelo escrutino do pblico interessado, seja por omisso,

    protestos ou consenso.

    Robert Park (2008, p. 65) destaca as contribuies da notcia como forma de

    conhecimento como sendo, o registro de eventos no s para a histria e para a sociologia,

    mas para o folclore e a literatura; contribui no apenas para as cincias sociais, mas tambm

    para as humanidades.

    2.4.2 Produtor e Reprodutor de Conhecimento

    Eduardo Meditsch quando confrontado pela pergunta de que se o jornalismo seria

    uma forma de conhecimento defend0eu a hiptese de que este seria uma forma de produo

    de conhecimento. O jornalismo seria capaz de reproduzir conhecimento tanto quanto degrad-

    lo, podendo fazer as duas coisas ao mesmo tempo (1997, p. 1).

    A discusso sobre jornalismo enquanto conhecimento abriga muitas interpretaes

    segundo Meditsch (1997, p. 2-3) e para simplificar ele classificou estas diferentes ideias em

    trs categorias principais:

    A primeira delas nasce da definio de conhecimento no como um dadoconcreto, mas como um ideal abstrato a alcanar. Uma vez estabelecido esteideal, passa a ser o parmetro para julgar toda a espcie de conhecimentoproduzido no mundo humano....Uma segunda forma de abordagem doJornalismo enquanto conhecimento o situa ainda como uma cincia menor, masadmite j que no de todo intil. Pode-se utilizar como exemplo destaabordagem o ex-jornalista e socilogo do conhecimento Robert PARK, quepublicou um artigo sobre o tema em 1940...Da que tenha surgido uma terceira

  • 27

    abordagem, que d mais nfase no ao que o Jornalismo tem de semelhante, masjustamente ao que ele tem de nico e original. Para esta terceira abordagem, oJornalismo no revela mal nem revela menos a realidade do que a cincia: elesimplesmente revela diferente. E ao revelar diferente, pode mesmo revelaraspectos da realidade que os outros modos de conhecimento no so capazes derevelar.

    Duas destas abordagens j foram apresentadas neste captulo. A primeira tem em

    Tambosi (2005) seu representante, aquela que escolhe a cincia e o modo cientfico como

    nicos meios para desvendar e dominar a realidade, sendo o resto mtodos imperfeitos e de

    pouca legitimidade. Meditsch (1997, p. 2) aponta que esta viso, que entroniza a cincia e o

    mtodo cientfico, o jornalismo no produz conhecimento vlido, e contribui apenas para a

    degradao do saber.

    A segunda como cita o autor tem seu representante no socilogo Robert Park, que

    a partir da perspectiva pragmtica defini o jornalismo como uma cincia menor. Park (2008)

    admite dois tipos de conhecimento, conhecimento de e conhecimento sobre, e situa o

    jornalismo em um nvel intermedirio entre eles. Para Meditsch (1997, p. 3)

    Esse tipo de diferenciao do jornalismo a partir do grau de profundidade quealcana comparativamente a cincia ou a histria admitida pelos prpriosjornalistas. Ao fazerem comparaes entre o seu trabalho e o dos cientistas, osjornalistas costumam sugerir esta forma de gradao. Quando no se refere profundidade de anlise, a gradao pode referir-se tambm velocidade deproduo, e o jornalismo j foi definido como a Histria a queima-roupa.

    As comparaes quantitativas entre os mais diversos atributos do jornalismo com

    a cincia e a histria apesar de til no considerada suficiente para mostrar o que este campo

    tem de especfico, por isso Meditsch (1997, p. 3) apresenta a terceira abordagem do

    jornalismo como forma de conhecimento. Nela o jornalismo revelaria a realidade de forma

    diferente da cincia, nem melhor, nem pior, assim como tem uma maneira distinta de produzir

    conhecimento h tambm uma maneira diferenciada de reproduzir conhecimento, inerente a

    funo de comunicao presente nele.

    O jornalismo no apenas reproduz o conhecimento que ele prprio produz,reproduz tambm o conhecimento produzido em outras instituies sociais. A

  • 28

    hiptese de que ocorra uma reproduo do conhecimento, mais complexa do quea sua simples transmisso, ajuda a entender melhor o papel do jornalismo noprocesso de cognio social. (MEDITSCH, 1997. p. 3)

    Quais seriam as caractersticas do jornalismo como conhecimento? A proximidade

    com o senso comum, definido por Park (2008, p. 52) como acquaintance with, seria uma de

    suas caractersticas e se daria pela importncia do imediato no jornalismo que desta forma

    estabelece uma relao direta com a realidade (1997. p. 6). Meditsch ressalta que

    o fato de operar no campo lgico da realidade dominante que assegura aomodo de conhecimento do jornalismo tanto a sua fragilidade quanto a sua foraenquanto argumentao. frgil, enquanto mtodo analtico e demonstrativo,uma vez que no pode se descolar de noes pr-tericas para representar arealidade. forte na medida em que essas mesmas noes pr-tericas orientamo princpio da realidade de seu pblico, nele includos cientistas e filsofosquando retornam vida cotidiana vindos de seus campos finitos de significao.Em consequncia o conhecimento do jornalismo ser forosamente menosrigoroso do que o de qualquer cincia formal, mas em compensao, sertambm menos artificial e esotrico. (1997, p. 6-7)

    A busca pela universalidade da informao no jornalismo outra de suas

    caractersticas e acaba sendo umas das justificativas sociais de sua existncia, pois enquanto

    a cincia evolui reescrevendo o conhecimento do senso comum em linguagens formais e

    esotricas, o jornalismo trabalha em sentido oposto (MEDITSCH, 1997, p. 7). Desta forma o

    jornalismo seria capaz de gerar uma sensao de pertencimento comum nos indivduos nas

    mais diversas reas de ocupao. Essa necessidade existiria uma vez que ningum conhece

    tudo muito menos tudo que o outro conhece, gerando um sistema complexo de competncias,

    criando grupos que compartilham conhecimentos especficos. Aqueles que dividem os

    mesmos grupos de conhecimento desenvolvem meios de comunicao prprios que

    compartilham com seus pares, esses meios servem tanto para facilitar a compreenso entre os

    do campo como identificar. O jornalismo atuaria neste meio, traduzindo e trazendo para o

    resto da sociedade em linguagem comum o que antes ficaria restrito aos conhecedores

    (MEDITSCH, 1997, p. 7).

    Um dos aspectos do jornalismo como conhecimento seria a forma como ele o

    produz. Tambosi (2005, p. 36) no classifica o jornalismo como forma de conhecimento

  • 29

    justamente por que segundo ele o jornalista no partiria em uma busca cognitiva e sim apenas

    atrs de informao, de maneira instrumental. Resumindo no seria capaz de revelar o novo

    como a cincia, ficando assim a notcia limitada a informaes coletadas e j existentes.

    Segundo Meditsch (1997, p. 8) o jornalismo serviria ao mesmo tempo para conhecer e

    reconhecer, sendo o seu modo de revelar a realidade diferente

    Por outro lado, a revelao da novidade um dado estrutural da retrica dojornalismo a concluso a que conduz a sua argumentao. A forma com quechega a novidade tambm diferente daquela usada pela cincia. Enquanto acincia abstraindo um aspecto de diferentes fatos, procura estabelecer as leis queregem as relaes entre eles, o jornalismo, como modo de conhecimento, tem asua fora na revelao do fato mesmo, em sua singularidade, incluindo osaspectos forosamente desprezados pelo modo de conhecimento das diversascincias. (MEDITSCH, 1997, p. 8)

    A singularidade observada atravs de um fato em um ambiente no controlado

    seria como o jornalismo, enquanto forma de conhecimento, produz a significao. O singular

    em contraponto ao universal e ao particular seria a forma de extrair da realidade o

    conhecimento neste campo.

    Tendo apresentado estas caractersticas Meditsch afirma que:

    O jornalismo no uma cincia mal feita, simplesmente porqu no umacincia e nem pode aspirar a ser tal. Por um lado, o jornalismo como forma deconhecimento capaz de revelar aspectos da realidade que escapam metodologia das cincias (a cincia exclui o singular, cf Atlan in Pessis-Pasternak, 1991:72); por outro, incapaz de explicar por si mesmo a realidadeque se prope a revelar. (1997 p. 9)

    Destacando que ao se levar em considerao o jornalismo como forma de

    conhecimento e no somente uma forma de comunicao se avanar na discusso a respeito

    da qualidade do contedo gerado, pois segundo Meditsch (1997, p. 11), o conhecimento

    implica em aperfeioamento pela crtica e pelo rigor.

  • 30

    2.5 DIFUSO E JORNALISMO CIENTFICO

    Para falar de jornalismo cientfico preciso esclarecer trs conceitos que se

    misturam e confundem na cobertura da miditica sobre cincia e tecnologia: difuso

    cientfica, disseminao cientfica e divulgao cientfica.

    Segundo Wilson Costa Bueno (1988, p. 22) o conceito de difuso tem limites

    bastante amplos. Na prtica, faz referncia a todo e qualquer processo ou recurso utilizado

    para a veiculao de informaes cientficas e tecnolgicas. Assim sendo a difuso engloba

    tanto a divulgao cientfica, disseminao cientfica e o jornalismo cientfico. Dentro da

    difuso cientfica se pode fazer a separao entre o que est destinado aos especialistas e ao

    pblico em geral, essas distines aparecem na disseminao e na divulgao cientfica

    (BUENO, 1988, p. 22).

    A disseminao cientfica pressupe transferncia de informaes cientficas e

    tecnolgicas entre um pblico seleto conhecedor de um cdigo especializado. Conforme

    Bueno (1988, p. 22) a transferncia de informao pode ser dar intrapares, especialistas na

    mesma rea de pesquisa ou reas similares, podem ser tomados como exemplo dessa

    disseminao as revistas especializadas e as reunies sobre pesquisas cientficas especficas.

    Sendo uma segunda forma da disseminao a extrapares, entre especialistas de reas distintas

    a do campo pesquisado. Essa forma mais abrangente ainda mantm uma estrutura com cdigo

    especializado, talvez alguma concesso na traduo para jarges de outras reas, e contedo

    especfico um pouco menos focado (BUENO 1988, p. 22). O pblico leigo no considerado

    nesta forma de difuso cientfica.

    Levar informao sobre cincia e tecnologia para o pblico em geral

    responsabilidade da divulgao cientfica. Segundo Wilson Bueno (1988, p. 23), a

    divulgao cientfica compreende a utilizao de recursos, tcnicas e processos para a

    veiculao de informaes cientficas e tecnolgicas ao pblico em geral. Para que haja este

    acesso se pressupe uma recodificao da mensagem especializada para que ela possa circular

    entre um vasto pblico. Bueno ressalta que essa funo no se restringe ao campo da

    imprensa

    []Inclu jornais e revistas, mas tambm os livros didticos, as aulas de cincias

  • 31

    do 2 grau, os cursos de extenso para no especialistas, as estrias emquadrinhos, os suplementos infantis, muitos dos folhetos utilizados naprtica de extenso rural, ou em campanhas de educao, voltadas porexemplo, para as reas de higiene e sade, os fascculos por grandes editoras,documentrios, programas especiais de rdio e televiso etc. (1988, p. 23)

    A ressalva vlida j que o Jornalismo cientfico seria uma forma mais

    especfica de divulgao da cincia e tecnologia, e a forma mais visvel dela, sendo vista em

    alguns casos como sinnimo uma da outra. As diferenas entre divulgao e jornalismo

    cientfico para Bueno (1988, p. 24) no so nem o propsito da mensagem ou os veculos

    utilizados para a tarefa tanto pelo jornalista quanto pelo cienticista, mas as caractersticas do

    cdigo utilizado e o profissional que a manipula.

    2.5.1 O Jornalismo Cientfico

    Atualidade, universalidade, periodicidade e difuso, so partes do conceito do

    jornalismo enunciadas por Otto Groth e citadas por Bueno (1988, p. 24), como partes

    obrigatrias do jornalismo cientfico por ser parte do campo jornalstico tambm. Seguindo

    estas caractersticas a cobertura de cincia e tecnologia seria definida pela atualidade dos fatos

    apresentados, pela universalidade dos conhecimentos cientficos abordados, por uma

    periodicidade voltada mais ao tempo da cincia que ao dos veculos jornalsticos e pela sua

    difuso na coletividade (BUENO, 1988). Usando Jos Marques de Melo o jornalismo

    cientfico definido por Bueno da seguinte forma

    []um processo social que se articula a partir da relao (peridica / oportuna)entre organizaes formais (editoras / emissoras) e coletividade (pblicos /receptores) atravs de canais de difuso (jornal / revista / rdio / televiso /cinema) que asseguram a transmisso de informaes (atuais) de naturezacientfica e tecnolgica em funo de interesses e expectativas (universaisculturais ou ideolgicos). (MELO10, 1983 apud, BUENO, 1988, p. 24)

    Indo mais alm se pode dizer que a funo do jornalismo cientfico traduzir

    para a populao em geral os fatos cientficos. Tarefa esta que segundo Fabola Oliveira

    essencial, pois [] o acesso a informaes sobre C&T fundamental para o exerccio pleno

    10 MELO, James Marques de. Gneros opinativos no jornalismo Brasileiro. So Paulo. ECA/USP. Tese de livre-docncia.

  • 32

    da cidadania [] (2010, p.11), j na viso de Warren Burkett (1990, p. 6) a redao

    cientfica ajuda a educar, levar a informao do restrito crculo dos cientistas para o mundo do

    homem comum, humanizando a mesma.

    Wilson Bueno (1988, p. 27-30) destaca que em linhas gerais o jornalismo

    cientfico teria seis funes bsicas. Implcita no prprio conceito do jornalismo cientfico

    est a funo informativa, quando divulga fatos e informaes sobre cincia e tecnologia de

    forma que o cidado possa estar ciente das novidades no mundo cientfico e como elas podem

    afetar sua vida. A funo educativa est presente no jornalismo como um todo ao levar

    informao sobre determinado assunto para as pessoas em geral. No jornalismo cientfico ela

    se mostra mais presente ao no s trazer a notcia sobre o que ocorre no mundo da cincia,

    como tambm levar a critica ou comentrio sobre o assunto ao pblico. Muitas vezes este

    pode ser o nico contato que aquele cidado tenha com o mundo cientfico e tecnolgico

    tornando a funo ainda mais importante. Situar a informao cientfico tecnolgica em um

    contexto mais amplo a funo social do jornalismo cientfico. Trazer ao debate os rumos da

    cincia e tecnologia na sociedade. associada a humanizao da cincia e intermediao

    entre o cientista, a cincia e a sociedade.

    Ao trazer fatos do campo cientfico e tecnolgico para o pblico em geral, o

    jornalismo cientfico tambm cumpre uma funo cultural. O pensamento crtico em relao

    as pesquisas e tecnologias vindas dos pases hegemnicos, e seus efeitos na cultura local,

    alertar quando os impactos na nossa sociedade forem negativos. Ser o elo de comunicao

    entre o setor produtivo e o desenvolvimento cientfico, incluindo sua divulgao, diz respeito

    a funo econmica do jornalismo cientfico. A informao sobre novas tecnologias, e

    processos de produo podem gerar transferncia de tecnologia ou adoo precoce por

    empresas locais, ou incentivar o contato com instituies de pesquisa por parte dos agentes

    financeiros privados.

    A funo poltico-ideolgica a ltima das funes citadas, uma convergncia

    das cinco funes anteriores. O jornalista de cincia e tecnologia deve ter em mente os

    compromissos poltico-ideolgicos do campo, para evitar que ele funcione apenas como um

    reprodutor de informao, no sendo assim mais uma ferramenta do poder dominante

    (BUENO, 1988, p. 30).

    Alguns pontos que aparecem na definio do que jornalismo cientfico,

    merecem certo destaque e um olhar mais aprofundado. Jornalistas e cientistas prezam pela

  • 33

    objetividade, fator que lhes confere credibilidade, e ambos tambm lidam com fatos em busca

    de uma verdade.

    O prprio uso de princpios do mtodo cientfico em muito se assemelha prtica do bom jornalismo investigativo, e no por caso alguns cursos dejornalismo no pas j comeam a introduzir a iniciao cientfica comodisciplina em seus currculos. Definir tema (assunto), elaborar hipteses (pauta),coletar dados (entrevistas com as fontes), testar as hipteses (checar asinformaes), priorizar os dados (hierarquia das informaes), escrever otrabalho (a matria) e publicar so procedimentos que se aplicam tanto pesquisa cientfica quanto ao jornalismo. Guardada as devidas propores, claro. (OLIVEIRA, 2010, p. 47)

    Os atritos aparecem na forma como as duas reas lidam com o tempo, que para

    o jornalista curto, urgente, limitado e para o cientista deve durar tanto quanto for necessrio

    para se certificar dos resultados da pesquisa (BURKETT, 1990, p.72). O que coloca em

    choque a questo da periodicidade e atualidade dos fatos. Ainda h a questo do sigilo,

    publicao no meio cientfico, fraudes, comprovao e repercusso da descoberta, que para o

    jornalista podem tanto ser componentes da histria como empecilhos para a publicao.

    Os mesmos critrios de noticiabilidade que afetam na escolha das notcias

    dirias como amplitude, o fator inesperado, frequncia, clareza e significado se juntam a

    outros valores notcias como timing, pioneirismo, proximidade, necessidade cultural,

    quando a cincia vira notcia (BURKETT, 1990, p. 50-68). No quesito de difundir a

    informao cientfica para o pblico em geral os jornalistas tendem a buscar formas mais

    simples de ligar as descobertas, informaes cientficas e tecnolgicas a vida da pessoa

    comum. Esse ato de trazer as informaes cientficas ao contexto da audincia costuma

    desagradar os cientistas, que costumam discordar do grau de preciso das informaes

    jornalsticas e da meticulosidade da reportagem quando abordadas desta forma (BURKETT,

    1990, p.73).

    As funes cultural e poltico-ideolgica j citadas poderiam se achar

    superadas pelo passar dos anos, mas no a realidade quando percebemos a forte presena

    das notcias cientficas internacionais nos jornais e revistas brasileiras, vindas de agncias de

    notcias estrangeiras. A funo social encontra na concentrao das pesquisas no Estado e na

    burocracia que isso gera um forte empecilho para o jornalismo cientfico. O predomnio do

    financiamento de pesquisa cientfica pelo estado em instituies estatais pode fazer com que

  • 34

    seja difcil achar outra verso para se ouvir que no seja a oficial (OLIVEIRA, 2010, p. 49).

    Fabola de Oliveira ressalta que, ao contrrio do que muitos pensam, o

    jornalismo cientfico no se restringe cobertura de assuntos especficos de Cincia &

    Tecnologia, mas pode ser utilizado para melhor compreender qualquer aspecto, fato, ou

    acontecimento de interesse jornalstico (2010, p. 47). Pode estar presente em quase tudo que

    for noticiado como exemplifica Warren Burkett

    Mais de cinco mil pessoas, apenas nos Estados Unidos, consideram-seescritores de cincia porque passam o tempo todo ou a maior parte deleescrevendo sobre temas das reas de conhecimento altamente organizadasconhecidas livremente como cincias. Isso inclui os campos bvios cobertospelas cincias fsicas, tais como a fsica, a qumica, e as cincias naturais,biologia e zoologia, por exemplo, e todas as suas ramificaes. Redigir cinciatambm abrange temas como a aplicao da cincia atravs da engenharia etecnologia e, especialmente as cincias-arte da medicina e cuidados da sade. Acincia social e de comportamento tambm so temas que competem ao redatorcientfico. (BURKET, 1990, p.05)

    Algumas reas do jornalismo cientfico representam um desafio especial na

    hora de fazer uma reportagem, segundo Warren Burkett Essas reas incluem poltica e

    normas pblicas, noticirio econmico, relaes-pblicas e assuntos transcientficos tais como

    agricultura, meio ambiente, energia, nutrio [.] (1990, p. 133), e ai que os jornalistas

    tm que ir alm da cincia para dar ao pblico uma boa reportagem.

    O casamento maior da cincia e do jornalismo se realiza quando a primeira, quebusca conhecer a realidade por meio do entendimento da natureza das coisas,encontra no segundo fiel tradutor, isto , o jornalismo que usa a informaocientfica para interpretar o conhecimento da realidade. (OLIVEIRA, 2010, p.43)

  • 35

    3 METODOLOGIA

    A pesquisa exige uma srie de escolhas, do tema ao mtodo, e assim por

    diante, at que se chegue a anlise do trabalho feito, sendo o resultado dependente destas

    selees. Desta forma importante que se conhea os mtodos de anlise e obteno de dados

    que encaminharo o pesquisador a encontrar respostas para suas inquietaes.

    O trabalho comea por uma fundamentao terica que possa trazer

    informaes pertinentes sobre o assunto a ser abordado, essa funo fica por conta da

    pesquisa bibliografia. O captulo terico traz estas escolhas de forma concatenada e

    fundamental para o entendimento do que ser desenvolvido. A escolha do objeto fator

    importante, indo desde sua relevncia na cena local, a capacidade de obteno de material

    para pesquisa, outros estudos feitos, e possibilidade de acompanhamento.

    A forma escolhida para lidar com todas as variveis dentro do estudo e que vai

    dar sentido ao material coletado de suma importncia por isso apresentar o mtodo

    escolhido e suas razes de ser se faz necessrio para uma melhor compreenso do resultado.

    3.1 O JORNAL ZERO HORA

    O intuito de ter um amplo alcance fez do jornal dirio Zero Hora (ZH) o

    objeto de estudo deste trabalho. O jornal fundado em 4 de maior de 1964, fez cinquenta anos

    este ano, atualmente conta com uma sucursal em Braslia, correspondentes no interior do

    Estado, faz diversas reportagens com enviados especiais a diversos pases, conta com 24

    cadernos e inmeros colunistas.

    A ZH Parte do grupo RBS (Rede Brasil Sul de Comunicao), com sede em

    Porto Alegre, serve de parmetro para os outros sete jornais do grupo, no Rio Grande do Sul

    (RS) e em Santa Catarina, a ZH tem a sexta maior circulao entre os jornais pagos do Brasil

    e a maior no Estado. A penetrao entre a populao do RS e a abrangncia em termos de

    contedo e pblico, no to voltado para assuntos econmicos quanto o Jornal do Comrcio

    com seu pblico-alvo bem delimitado, ou elaborado em quase sua totalidade atravs de

    agncias de notcia como O Sul, fizeram do ZH ter preferncia neste estudo. A tabela abaixo

    apresenta os dados mais recentes sobre a circulao dos jornais pagos no pas em 2013.

  • 36

    Tabela 1 Rank dos maiores jornais do Brasil de circulao paga, ano de 2013*

    TTULO UF MDIA DE CIRCULAO

    Super Notcia MG 302.472

    Folha de S.Paulo SP 294.811

    O Globo RJ 267.54

    O Estado de S. Paulo SP 234.863

    Extra RJ 225.622

    Zero hora RS 183.839

    Daqui GO 162.013

    Dirio gacho RS 159.485

    Correio do povo RS 140.189*Apenas os nove primeiros

    Fonte: Portal da Associao Nacional de jornais (ANJ), visitado em 04/09/2014

    Outro parmetro para a seleo do jornal Zero Hora como objeto desta

    pesquisa foi o fim do seu caderno sobre informtica em setembro de 2013, o ZH Digital. O

    caderno que tratava de informtica e de assuntos digitais tinha quatro pginas e era publicado

    toda quarta-feira. O motivo por trs do fim parte do pressuposto que a tecnologia e o digital

    esto presentes no cotidiano e podem estar relacionados economia, esporte, comportamento,

    enfim a qualquer rea de interesse. Desta forma em vez de ter os assuntos digitais

    concentrados num espao voltado para um nicho especfico de leitores, se opta por distribuir o

    tema por todo o jornal, com uma ideia audaciosa: ter todo dia, alguma reportagem ligada

    vida digital, tecnologia, aplicativos, novos aparelhos e tendncias.

    Quadro 3 Reproduo da carta da editora em 1 de setembro de 2013

    CARTA DA EDITORA

    MARTA GLEICH (EDITORA DE REDAO)

    Mais espao para assuntos digitais

    A partir desta edio, o assunto digital ganha mais espao em Zero Hora. A ideia ter, todo dia, algumareportagem ligada a vida digital, tecnologia, aplicativos, novos aparelhos, e tendncias. H alguns meses,a Redao discutia o seguinte dilema: deveramos concentrar os assuntos digitais no caderno semanal dequatro pginas das quartas-feiras, restringindo a um nicho de leitores esses contedos, ou distribuir o tema

  • 37

    por todo o jornal? Afinal, tecnologia e vida digital podem estar relacionados economia, ao esporte, acomportamento, sade, educao, a qualquer coisa. E por isso que resolvemos encerrar o cadernoDigital e, ao mesmo tempo, seme-lo por todo o jornal, em reportagens identificadas pelo logotipo digital.Alm de aparecer em todas as editorias, o assunto ganhar dois espaos fixos: s quartas-feiras, a colunadigital, escrita por Marcelo Sarkis, trar as principais novidades da semana e as tendncias do mundodigital, em parceria com Vanessa Nunes, que j assina a coluna Tecnologia na cabea. A coluna de games,assinada por Andr Pase, passa para o Segundo Caderno, sempre s segundas-feiras. No perca a primeira reportagem sobre vida digital nesta edio. Nela, voc conhecera a gerao dejovens nascidos a partir do ano 2000, conhecidos como gerao Z. Assim como o contedo digital de ZeroHora, eles esto por toda a parte e lidam naturalmente com tecnologia, ultrapassando os limites entre oonline e o offline. Confira nas pginas 4 e 5.

    Fonte: Zero Hora, 01/09/2013

    Figura 1 Carta da editora sobre o fim do caderno Digital

    Fonte: Zero Hora, dia 01/09/2013

    3.2 A ANLISE DE CONTEDO

    Para Wilson Fonseca (2005, p. 280) a anlise de contedo (AC), em uma

    concepo ampla, se refere a um mtodo das cincias humanas e sociais destinadas

    investigao de fenmenos simblicos por meios de vrias tcnicas de pesquisa. O mtodo

    no novo, existe registro de seu uso por uma corte sua no sculo XVIII para verificar se

  • 38

    uma srie de hinos religiosos continham heresia (KRIPPENDORFF11, 1990 apud FONSECA,

    2005, p. 280). O uso regular da AC s veio a ocorrer no incio do sculo XX, estando presente

    em estudos de diversas reas do conhecimento (FONSECA, 2005, p. 280). Seu uso na

    comunicao teve as bases tericas definidas nas dcadas de 20 e 30 por Harold Lasswell e

    Paul Lazarsfeld. Segundo Herscovitz (2007, p. 124), Lasswell12 entendia que a anlise de

    contedo descrevia com objetividade e preciso, o que era dito sobre um determinado tema,

    num determinado lugar num determinado espao.

    A anlise de contedo tem em seu incio forte ligao com o positivismo,

    corrente de pensamento que valorizava as cincias exatas, at mesmo as teorias sobre a vida

    social deveriam ser formuladas de forma rgida, linear e metdica, sobre uma base de dados

    verificvel (JOHNSON13, 1997 apud FONSECA, 2005, p. 281). Viso que pode ser

    encontrada no primeiro livro escolar sobre o tema, publicado na primeira metade do sculo

    XX por Bernard Berelson, que definiu o mtodo como uma tcnica de pesquisa para

    descrio objetiva, sistemtica e quantitativa do contedo manifesto da comunicao

    (BERELSON14, 1952 apud HERSCOVITZ, 2007, p.124).

    Entre os ciclos de grande reconhecimento, durante a Segunda Grande Guerra,

    por exemplo, e os de desqualificao como o enfrentado no ps-guerra com as diversas

    crticas ao peso do critrio quantitativo no mtodo, foram transformando a anlise de

    contedo.

    Apesar da crise, a anlise de contedo j havia conseguido, at aquele momento,numerosos avanos quando comparada anlise quantitativa dos jornais: (1) aincorporao de ricos marcos tericos com adeso de muitos cientistas sociaiseminentes; (2) a definio de conceitos bastante especficos, como os de atitude,esteretipos, estilo, smbolo, valor e mtodos de propaganda; (3) a aplicao deferramentas estatsticas mais precisas, especialmente aquelas que procedentes deenquetes e experimentos psicolgicos; e (4) a incorporao dos dadosprocedentes da anlise de contedo em trabalhos de maior envergadura(FONSECA, 2005, p.283).

    A AC deixou de lado o enfoque exagerado nos nmeros aps metade do sculo

    11 KRIPPENDORFF, Klaus. Metodologia de anlisis de contenido. Barcelona: Paids, 1990.12 LASSWELL, Harold D. Politics:who gets what? when? How?, Whittlesey house, 1936.13 JOHNSON, Allan G. Dicionrios de sociologia: guia prtico da linguagem sociolgica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.14 BERELSON, Bernard. Content analysis in comunication research. New York: Free Press, 1952.

  • 39

    XX percebendo como sua funo a inferncia sobre os dados coletados. Fonseca (2005, p.

    284) diz que na anlise de contedo a inferncia considerada uma operao lgica

    destinada a extrair conhecimentos sobre os aspectos latentes da mensagem analisada. Desta

    forma inferncia acaba aliviando a herana positivista da anlise de contedo ao dar enfoque

    nos mecanismos no aparentes da mensagem (FONSECA, 2005, p. 284).Atualmente no h

    espao para a dicotomia entre o qualitativo e o quantitativo na AC, segundo Heloiza

    Herscovitz (2007, p. 126) isso ocorre devido ao reconhecimento que os textos so

    polissmicos abertos a mltiplas interpretaes por diferentes pblicos no podendo ser

    compreendidos fora de seu contexto, criando assim a necessidade de integrao entre as

    vises metodolgicas. Heloiza Herscovitz acaba por definir a anlise de contedo jornalstico

    da seguinte forma

    [] mtodo de pesquisa que recolhe e analisa textos, sons, smbolos e imagensimpressas, gravadas ou veiculadas em forma eletrnica ou digital encontradas namdia a partir de uma amostra aleatria ou no dos objetos estudados com oobjetivo de fazer inferncias sobre seus contedos e formatos enquadrando-osem categorias previamente testadas, mutuamente exclusivas e passiveis dereplicao.[](2007, p.126-127)

    Reconhecendo as qualidades hbridas do AC, Fonseca (2005, p. 285) ressalta

    que o mtodo oscila entre o qualitativo e o o quantitativo dependendo dos objetivos do

    pesquisador. E que mesmo com a adoo do computador como ferramenta, evidncia do

    contnuo interesse na anlise quantitativa segundo o autor, os mais sofisticados programas

    ainda no substituem o papel do analista na formulao da pesquisa e na anlise dos dados.

    3.2.1 O Caminho das Pedras da AC

    A elaborao do estudo usando a anlise de contedo segue algumas normas

    mnimas para um melhor aproveitamento. Segundo Fonseca a anlise de contedo se organiza

    em trs fases cronolgicas:

    (1) Pr-anlise: consiste no planejamento do trabalho a ser elaborado,

  • 40

    procurando sistematizar as ideias iniciais com o desenvolvimento de operaessucessivas, contempladas num plano de anlise; (2) Explorao do material:refere-se a anlise propriamente dita, envolvendo operaes de codificao emfuno de regras previamente formuladas. Se a pr-anlise for bem-sucedida,esta fase no nada mais do que a administrao sistemticas das decisestomadas anteriormente; (3) Tratamento dos resultados obtidos einterpretao: os resultados brutos so tratados de maneira a serem significadose vlidos. Operaes estatsticas (quando for o caso) permitem estabelecerquadros de resultados, diagramas, figuras e modelos. A partir desses resultados,o analista pode ento propor inferncias. (2005, p. 290, grifo do autor)

    Para a execuo de uma boa pesquisa usando a AC a pr-anlise deve ser bem

    executada. Conforme Herscovitz (2007, p. 127), um investigador competente comea sempre

    por uma pergunta (sentena interrogativa) ou hiptese (sentena afirmativa) que far a

    conexo entre teoria e investigao. Identificar o assunto e o problema a ser pesquisado logo

    de incio parece ser o ideal comum de bom comeo

    Toda pesquisa cientfica motivada pelo desejo de compreender alguns aspectosdo mundo real com a utilizao de procedimentos j consagrados, entre eles omtodo de pesquisa. Entretanto, nenhum mtodo nem mesmo a anlise decontedo capaz de substituir uma boa teoria e um problema de pesquisaslido. (BAUER, 2002 apud FONSECA, 2005, p. 290)

    A constituio do corpus, conjunto de documentos que sero submetidos a

    anlise outro ponto chave das escolhas a serem feitas. Fonseca (2005, p. 292-294) apresenta

    algumas regras para a seleo do material comeando pela regra da exaustividade, na qual

    todos os documentos relativos ao assunto devem ser considerados, sem excees. Na

    sequncia vem a regra da representatividade, que trata do tamanho da amostra, levando em

    conta o tamanho do universo a ser pesquisado e os recursos disponveis para o estudo. A

    regra da homogeneidade destaca que os documentos usados devem ser todos da mesma

    natureza, ou sobre o mesmo assunto, nada de analisar um filme, uma capa de revista e uma

    msica. A ltima regra a da pertinncia, todo material deve ser adequado aos objetivos da

    pesquisa em todos os aspectos: objeto de estudo, perodo de anlise e procedimentos.

    A codificao o passo seguinte a coleta do corpus, sendo onde se trabalha os dados

    brutos de forma sistemtica, segundo regras de enumerao, agregao e classificao. Serve

    principalmente para formar o elo entre o material escolhido e a teoria do pesquisador

  • 41

    (FONSECA, 2005, p. 294). Este processo compreende a escolha das unidades de registro e

    contexto, a enumerao e a categorizao.

    Uma unidade de registro aquilo dentro da unidade de amostragem que ser

    analisado, pode ser definido por palavra, frase, minuto, anncios publicitrios em uma mdia,

    etc. A enumerao o modo como se conta as unidades de registro para elaborao do ndice.

    As trs formas mais tradicionais so: a frequncia com que a unidade de registro aparece,

    podendo servir de base para medir a importncia, ateno ou nfase; conforme o equilbrio

    entre o favorvel e desfavorvel, podendo indicar uma tendncia a respeito sobre ideia ou

    assunto; as quantidades de associaes e de classificaes sobre um smbolo, ou tema,

    podendo servir de indicador de fora ou intensidade de uma convico ou crena (FONSECA,

    2005, p. 295).

    A categorizao o trabalho de classificao e reagrupamento das unidades de

    registro de forma a se ter um pequeno nmero de categorias, objetivando uma melhor

    compreenso dos dados obtidos (FONSECA, 2005, p. 298). Segundo Bardin, citado por

    Fonseca (BARDIN15, 1988 apud FONSECA, p. 298), os critrios de categorizao podem ser

    semntico (categorias temticas), sintticos (verbos, adjetivos), lxico (classificao das

    palavras segundo seu sentido), e expressivo (categorias que classificam diversas pertubaes

    da linguagem, por exemplo).

    Alm disso, a categorizao envolve duas etapas: o inventrio e a classificao.A primeira consiste em isolar o elemento enquanto a segunda consiste emrepartir os elementos, reunindo-os em grupos similares de forma impor certaorganizao a mensagem. (BARDIN, 1988 apud FONSECA, p. 298)

    Para uma boa categorizao conforme Fonseca (2005, p. 298) as categorias

    tm que ser excludentes, unidades de registro no podem pertencer a mais de uma categoria.

    Devem ser homogenias, somente dados de mesma natureza em uma categoria. Pertinentes

    refletindo os objetivos da investigao. A possibilidade de repetio deve ser assegurada pela

    objetividade e fidelidade dos processos classificatrios. Produtivas gerando resultados frteis

    em dados, ndices de inferncias e hipteses.

    A inferncia a ltima fase da anlise de contedo e a mais produtiva, sendo

    centrada nos aspetos implcitos da mensagem estudada. Neste estgio se procura descobrir as

    15 BARDIN, laurence. Anlise de contedo. Lisboa: Edies 70. 1988.

  • 42

    condies de produo das mensagens analisada, desde variveis psicolgicas, sociolgicas,

    culturais, etc. As inferncias podem ser especficas quando voltadas somente para situao

    especfica a ser estudada, ou gerais quando vo alm das situaes especficas do problema

    trabalhado (FONSECA, 2005, p. 299, grifo nosso).

    3.3 CONSTRUINDO A AMOSTRA

    Seguindo os passos anteriormente descritos se procurou separar e organizar as

    unidades de registro de maneira que permitissem uma anlise clara do objeto de estudo. A

    ideia de analisar as notcias publicadas sobre tecnologia no jornalismo impresso do RS

    precisou em um primeiro momento ter sua possibilidade de realizao identificada. Devido a

    limitaes de tempo e capacidade de pessoal, a pesquisa inicial se limitou aos mais

    expressivos jornais impressos de Porto Alegre: Correio do Povo, Zero Hora, Dirio

    Gacho, Metro, Jornal do Comrcio, O Sul. Durante o perodo de pr-anlise de uma

    semana, realizado em dezembro de 2013, se constatou que apenas a Zero Hora, Jornal do

    Comrcio, e Sul davam algum tipo de destaque a notcias sobre tecnologia. O destaque

    observado acontecia atravs de cartolas, selos, editorias, colunas ou mesmo de espaos

    reservados diariamente, identificando o tema.

    A pr-anlise tambm serviu para acompanhar as notcias publicadas nos

    jornais, identificando a impossibilidade de, em um curto espao de tempo, analisar uma

    amostragem constituda pelos impressos qualificados com a devida profundidade. Sendo

    assim se optou por selecionar apenas um dos jornais, tendo cada um deles um perfil

    diferenciado de editorao e de pblico-alvo, o corpus foi selecionado pela capacidade de

    alcance e importncia na imprensa do Rio Grande do Sul, sendo ento o jornal Zero Hora

    definido para este fim. A ZH tem a maior circulao entre os jornais do estado e o sexto

    colocado entre os jornais pagos no Brasil, seu pblico-alvo diversificado, e referncia para

    os outros jornais do grupo RBS, do qual faz parte.

    3.3.1 Corpus do Trabalho

    Procurando ter uma coleta equilibrada de corpus do jornal Zero Hora, se criou

    um ms artificial dentro do primeiro quadrimestre do ano de 2014 para coleta das edies. No

  • 43

    intuito de fechar 30 dias de coleta, um ms de assinatura, desenvolveu-se um mtodo de

    ordenamento diferenciado para cada ms, gerando um calendrio de forma que os dias no se

    repetissem. O mtodo adotado resultou na coleta de 30 edies completas do jornal; oito no

    ms de janeiro, sete no ms de fevereiro, sete no ms de maro, oito no ms de abril. No total

    os dias da semana ficaram com a seguinte distribuio:

    Quatro Segundas-feiras

    Cinco Teras-feiras

    Quatro Quartas-feiras

    Quatro Quintas-feiras

    Cinco Sextas-feiras

    Quatro Sbados

    Quatro Domingos

    No ms de janeiro as edies foram coletadas conforme os dias mpares do

    ms, pulando um dia mpar na sequncia. O dia primeiro foi descartado, pois uma edio

    conjunta com a do dia 31 de dezembro de 2013.

    Quadro 4 * Ms de JaneiroJaneiro

    Seg Ter Quar Qui Sex Sab Dom1 2 3 4 5

    6 7 8 9 10 11 1213 14 15 16 17 18 1920 21 22 23 24 25 2627 28 29 30 31

    Janeiro Coleta pelos dias mpares, comecei no 3 e pulei uma casa. A coleta se deu nos dias: 3, 7,11, 15,

    19, 23, 27, 31.

    No ms de fevereiro o material foi obtido usando os pares como padro com

    incio no dois e pulando um nmero par na sequncia.

    * Os dias de coleta esto em negrito e com o fundo de cinza nas tabelas dos respectivos meses

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    Quadro 5* Ms de fevereiroFevereiro

    Seg Ter Quar Qui Sex Sab Dom1 2

    3 4 5 6 7 8 910 11 12 13 14 15 1617 18 19 20 21 22 2324 25 26 27 28

    Fevereiro Coleta a partir dos dias pares, pulando uma casa. A coleta se deu nos dias: 2, 6, 10, 14, 18, 22,

    26.

    O ms de maro foi ordenado pelos nmeros pares descartando o dia dois e

    pulando uma casa entre os nmeros restantes.

    Quadro 6* Ms de maroMaro

    Seg Ter Quar Qui Sex Sab Dom1 2

    3 4 5 6 7 8 910 11 12 13 14 15 1617 18 19 20 21 22 2324 25 26 27 28 29 3031

    Maro Foi usado os dias pares como padro pulando uma casa e comeando no dia quatro e pulando uma

    casa na sequncia. A coleta se deu nos dias: 4, 8, 12, 16, 20, 24, 28.

    O ms de abril foi guiado pelos dias mpares comeando no um e pulando uma

    casa na sequncia.

    Quadro 7* M