As Mansões Filosofais de Praga (2013) - Vitor Manuel Adrião

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GUIAS INSÓLITOS DO MUNDO - VITOR MANUEL ADRIÃO

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Londres Misteriosa e secreta

GUIAS INSÓLITOS DO MUNDO Vítor Manuel Adrião

2013

Praga

As Mansões Filosofais de Praga

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As Mansões Filosofais de Praga–– Por

Vitor Manuel Adrião

quarta-feira, Mar 20 2013

lusophia 11:39

2013

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INDICE

ORIGEM DA ALQUIMIA ................................................................................................................. 4

VIA SECA (BREVE) E VIA HÚMIDA (LONGA) .................................................................................... 4

AS DOZE FASES DA GRANDE OBRA ALQUÍMICA ............................................................................. 4

OS QUATRO ELEMENTOS HERMÉTICOS NO KLEMENTINUM ........................................................... 8

A MANSÃO DA VIRGEM NEGRA .................................................................................................. 10

ROTUNDA DA DESCOBERTA DA SANTA CRUZ............................................................................... 12

A VIA ALQUÍMICA DE SANTIAGO ................................................................................................. 13

O SOL NEGRO DE PRAGA ............................................................................................................. 15

A SERPENTE DE OURO HERMÉTICA .............................................................................................. 17

A MANSÃO DO ANEL DE OURO ................................................................................................... 19

A MANSÃO DO POÇO DE OURO................................................................................................... 21

OS URSOS D´OURO DE PRAGA ..................................................................................................... 23

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A palavra Alquimia provém do árabe Al-Chemi e significa “Química Divina”, sendo a

sua origem atribuída a Hermes Trismegisto que a registou na sua obra Tábua de

Esmeralda, obra publicada entre o século I e III d. C., que foi a fonte de inspiração do

pensamento hermético e neoplatónico medieval e renascentista. Esta ciência tradicional

alastrou depois à Índia e à China, e na Idade Média foi trazida para a Europa pelos

peregrinos que iam à Palestina e tomavam contacto com os sábios islâmicos que os

instruíram nesses conhecimentos herméticos. Daí para cá, o estudo e a prática da

Alquimia mantiveram-se até aos dias actuais e a Igreja católica com mais ou menos

reservas tolerou mais a sua filosofia que a sua prática.

Para alcançar os seus fins, os alquimistam dispunham de dois caminhos: a Via Seca e

a Via Húmida. Como o próprio nome indica, a Via Seca é um processo através do qual o

alquimista realiza o seu trabalho em pouco tempo, porém, de modo arriscadíssimo

acelerando as mutações metálicas para alcançar brevemente a fábrica da Pedra Filosofal.

A Via Húmida segue o mesmo processo oculto mas sem pressa, realizando longamente

as doze etapas tradicionais para o fabrico da Pedra Filosofal. Tanto para uma como para

outra via, os seus processos secretos só são conhecidos dos verdadeiros Adeptos da

Alquimia.

A Alquimia laboratorial ou metálica que opera directamente com a substância dos

elementos químicos da Natureza, consiste em operar sobre a Matéria-Prima ou

Substancial dos mesmos eliminando ou separando as suas impurezas físicas (morte)

deixando-os purificados e reunidos (ressurreição) através do Mercúrio e do Enxofre

(Alma e Espírito) agindo sobre o Sal (Corpo), fixando assim os elementos voláteis ou

etéreos na matéria purificada com os quais, por doze fases graduais, vai se formando a

Pedra Filosofal, sinónima de Iluminação da Matéria pela libertação do Espírito

encarcerado nela.

Essas doze fases ou processos da Grande Obra alquímica interligadas entre si, de

maneira sucinta para não complicar e confundir o leitor menos habituado ao pensamento

e linguagem do Hermetismo, são as seguintes em três etapas distintas cada uma com

quatro fases:

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Nigredo, “Obra Negra” – Dissolução e putrefacção da matéria.

Calcinação – Constitui a purificação do primeiro material sólido pelo fogo, sem contudo

diminuir o seu teor de água (com o nome de “orvalho”) para que fique calcinado e não

em cinzas. O seu símbolo é um leão, indicativo de força e luz solar, visto na iconografia

alquímica junto ao operador que mantém o fogo equilibrado com a água, e também a

figura do dragão em chamas.

Solução ou Dissolução – A matéria sólida é transformada, dissolvida em líquida,

desaparecendo nesse solvente assim se tornando a dissolução filosófica” em que essa

água é o próprio Mercúrio que solve ou absorve a essência do elemento químico

diferenciado integrando-a ao seu estado indiferenciado original, ou seja, a Matéria-Prima

ou Substância Universal. O símbolo desta etapa é um homem coroado (o Adepto da Arte

Real) banhando-se num lago (as “águas mercuriais”) expressivo do mergulho dentro de

si mesmo.

Separação – Tal como o Espírito é distinto da Alma, assim também o Mercúrio como

elemento externo é separado do Enxofre que ele contém, e graças a um calor adequado

coagula a si mesmo por um processo secreto (Secretum Secretorum) só conhecido dos

Alquimistas e que vem a ser a linha divisória entre a Alquimia e a Química. Esse

processo consiste, metaforicamente, em canalizar ou capturar para o interior de um balão

de vidro (chamado “ovo filosófico”) um raio de Sol, condensando-o, aprisionando-o

hermeticamente fechado e alimentado com o fogo da retorta. A Terra, elemento sólido,

fica por baixo enquanto o Espírito sobe. Concluída correctamente esta etapa, pode-se ver

a formação de uma estrela (chamada “arco-íris” ou “cauda de pavão”) dentro do balão.

Esta fase fica assinalada pelo símbolo da estrela resplandecente, e também pela espada

de um cavaleiro iconográfico.

Putrefacção – O calor mata os corpos sólidos no fundo do vaso e a putrefacção acontece,

surgindo uma cor escura, negra, motivo porque é representada por dois corvos (um

indicando a calcinação e outro a putrefacção), e ainda pelo esqueleto da morte

carregando a foice e também por um mouro ou só pela sua cabeça enegrecida decepada.

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Albedo, “Obra Branca” – Purificação da matéria pela substância “líquida”.

Conjunção – Cientes de si mesmos, a Alma e o Espírito, o Mercúrio e o Enxofre são

novamente unidos. Toda a operação é realizada no mesmo recipiente, estando o balão ou

frasco hermeticamente fechado. Por representar a “Núpcia Hermética” esta fase é

simbolizada por um Rei (Espírito, Sol) e uma Rainha (Alma, Lua) de mãos enlaçadas.

Coagulação ou Congelação – Nesta fase aparece uma coloração esbranquiçada no crisol

aquecido por um lume brando que promove mudança da matéria. Trata-se do processo de

resfriamento que leva um líquido a solidificar-se, onde o sólido dissolvido num solvente

reaparece quando este é evaporado. Trata-se da devolução à Terra do seu elemento

devidamente purificado, tal qual acontece na ressurreição dos corpos. Por isto, esta etapa

é representada por um Rei com o seu ceptro saindo ressuscitado do seu túmulo.

Cibação – Trata-se da adicção dos elementos químicos necessários à alimentação da

matéria seca no crisol. É representada por um dragão ladeado pelo Sol e a Lua.

Sublimação – Nesta fase a matéria torna-se espiritual e o espírito material, ou seja,

volatiza-se o fixo e fixa-se o volátil, sendo que ambos os processos dependem um do

outro sem os quais não é possível volatizar (subtilizar) nem fixar (materializar), tendo

papel dominante o elemento Ar como princípio de sublimação do Espírito e da Matéria

por ser a etapa em que o vapor se solidifica e se eleva a matéria seca através do calor.

Relata-se que esta etapa tem uma duração de quarenta dias. A sua representação

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iconográfica tanto pode ser uma pomba descendo no crisol como uma águia subindo do

crisol, dentre outras representações como a de um ancião deitado com uma pomba por

cima e uma águia pousada no seu ventre, tendo por cima os símbolos astrológicos dos

sete planetas tradicionais (Sol, Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter, Vénus, Saturno).

Rubedo, “Obra Vermelha” – Estágio em que se fabrica a Pedra Filosofal.

Fermentação – É a reacção espontânea de um corpo orgânico à presença de um corpo

que o decompõe, sendo também o processo de transformação química acompanhado de

efervescência da natureza da produzida pelo fermento ou semelhante a ela. Nisto, na

demanda da fábrica do alquímico, é costume adicionar-se ouro para tornar o já existente

mais activo, posto que “a Natureza reproduz-se da própria Natureza”. São símbolos da

fermentação as imagens do hermafrodita e do tonel de vinho que alguns substituem pela

figura do deus Baco ou Dionísio.

Exaltação – É o processo semelhante à sublimação, uma espécie de ressublimação ou

exaltação espiritual e também química marcada pela presença do ouro e do mercúrio. É

assinalada pelas imagens do deus Júpiter com as flechas de fogo e pela sereia Melusina

nisto indicando o “Mercúrio dos Filósofos”.

Multiplicação – Uma quantidade maior de energia calorífera é acrescentada nesta fase à

matéria que aumenta em poder e não em quantidade. Esta matéria vem a tornar-se o “pó

de projecção” necessário à transmutação dos metais impuros em ouro puro. Marca o

início da aparição da Pedra Filosofal na sua forma primitiva. A Bíblia retrata esta fase no

milagre da “multiplicação dos pães” por Cristo, sendo as suas alegorias iconológicas o

lago com as águas da “eterna juventude” e uma cabra no cimo do monte.

Projecção – Trata-se da aplicação final da Pedra Filosofal nos seus usos normais, como

o da transmutação dos corpos metálicos, lançando a Pedra ou o seu pó, “pó de

projecção”, no metal básico fundido para transmutá-lo em ouro. Dotada de coloração

vermelha viva, purpurada, a Pedra dos Filósofos saída do Sal Sublimado que é a

Quintessência da Matéria, é representada por um Menino coroado – descendente do Rei

e da Rainha, Sol e Lua, Enxofre e Mercúrio – que é o divino Delfim, ora vestido de

branco imaculado, ora trajando de púrpura luminoso. Representa a revelação do Espírito

na Matéria, consequentemente, a Iluminação dos Corpos pela Essência Divina, esta a

derradeira meta dos verdadeiros Alquimistas. Esta fase é igualmente representada pelo

ouriço-cacheiro e a Taça Sagrada que os antigos cavaleiros de demanda espiritual

chamavam Santo Graal.

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Tudo isso sucintamente, por os símbolos que retratam as realidades efectivas

multiplicarem-se por outros tantos gerando complexidades filosóficas e químicas

absolutamente dispensáveis para o leitor comum para quem estes temas são

absolutamente estranhos, ainda por cima com o crivo mais que errado de não passarem

de “superstições e fábulas”, mesmo sabendo-se que a Química moderna é filha directa da

Alquimia cuja origem perde-se na noite dos tempos.

O Clementinum (Klementinum, em checo) de Praga, nascido de uma primitiva capela do

século XI consagrada a S. Clemente que a Ordem Dominicana transformaria num

mosteiro ainda no período medieval, hoje abriga a Biblioteca Nacional com os seus

400.000 livros, boa parte deles de teor hermético e alquímico, tal quais os símbolos

herméticos que decoram o espaço desta biblioteca histórica, destacando-se no tecto os

estuques com as figuras tradicionais legendadas dos quatro elementos naturais: Ar, Fogo,

Água, Terra.

O elemento Ar apresenta-se retratado por aves voláteis entre nuvens de que destaca-se a

cegonha, símbolo da longevidade chegando a acreditar-se, em certas regiões, que ela traz

os bebés no bico, o que pode ter alguma relação com o facto de ser ave migradora,

voltando quando a Natureza acorda. Deste ponto de vista e pela mesma razão, há quem

lhe atribua, pelo simples olhar, o poder de causar a concepção. Segundo a Cosmogonia

tradicional, o elemento Ar é, como o Fogo, activo, masculino, ao passo que a Terra e a

Água são considerados elementos passivos, femininos. Enquanto estes dois últimos

elementos são materializantes, o Ar é um símbolo de espiritualização.

O elemento Fogo está representado pelos símbolos ígneos da fénix renascida da fogueira

acesa e com as asas abertas pronta a elevar-se ao Sol dardejando os seus raios. O Fogo é

aqui o símbolo da ressurreição.

O elemento Água é simbolizado por um cisne para o qual se dirige um homem remando

o seu batel sobre as águas. Simboliza a purificação, motivo reforçado pelo cisne que é

ave imaculada cuja brancura, cujo poder e cuja graça fazem dela um viva epifânia da luz,

esta para onde se dirige o barqueiro vogando sobre as águas da paixão para se unir ao

amor sublimado assinalado na ave.

O elemento Terra está assinalado o galo que sobre a erva do campo canta anunciando o

dia que ilumina a vida no Mundo. Representa o despertar, tanto corporal como espiritual,

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função da Terra como símbolo da Mãe Geradora ou na função maternal,Tellus Mater,

pelo que também é símbolo de fecundidade e regeneração.

O quinto elemento que não está retratado, o Éter, vem a ser representado pela própria

biblioteca, pois tal como o Éter é a síntese de todos os elementos naturais assim também

a biblioteca acolhe indiscriminadamente todos os elementos humanos.

A tradição cosmogónica dos quatro elementos retratados no Klementinum fixa a sua

origem na Grécia, berço cultural da Europa. O Ar, o Fogo, a Água e a Terra não são de

modo algum irredutíveis entre si, pelo contrário, transformam-se uns nos outros, como

diz Platão no Timeu, e até mesmo procedem uns dos outros, com o rigor do raciocínio

matemático. Por isso, no Timeu a teoria destes elementos está ligada à dasideias e

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dos números, como também à da participação, cerne da dialéctica platónica de que se

serviram os antigos hermetistas.

Segundo os hermetistas, a imagem do Ar é a base de todo o processo ascensional e

descensional dos elementos naturais, neste último aspecto indo corresponder aos quatro

temperamentos humanos: o ar ao sanguíneo, o fogo ao nervoso, a água ao linfático e a

terra ao bilioso. Assim, tem-se uma ordem quaternária da Natureza, temperamentos e

etapas da vida humana: Inverno, Primavera, Verão e Outono; da meia-noite ao nascer do

Sol, do nascer do Sol ao meio-dia, do meio-dia ao poente, do poente à meia-noite;

linfático, sanguíneo, bilioso, nervoso; infância, juventude, maturidade, velhice;

formação, expansão, culminação, declínio, etc. As operações da Alquimia, da Astrologia

e demais disciplinas esotéricas repousam na base dos valores destes elementos

universais.

No edifício cubista que serve de anexo à Galeria Nacional de Praga, na Praça da Cidade

Velha, vê-se num ângulo do mesmo, pairando sobre a Via Real, a imagem daVirgem

Negra carregando o Menino nos braços, sendo motivo de interrogações por todos que

passam no local sobre o que significa essa insólita imagem descontextualizada ou fora de

qualquer outro ambiente sagrado, dominando o espaço público.

Mesmo não sendo a imagem original que está guardada dentro do edifício e será obra

original dos cavaleiros da Ordem de Malta no século XV ou XVI que tiveram a sua

Casa-Mãe perto desta mansão onde, entre 1911 e 1912, o arquitecto Josef Gocár a

colocou, importa saber por que a Virgem é Negra e qual a sua relação com o pensamento

heterodoxo do mundo hermético, particularmente o alquímico.

As Virgens Negras pertencem à iconografia da Idade Média europeia e geralmente

figuram a Virgem Maria com o Menino (ainda que algumas delas representem

igualmente Sara, a Negra, e Santa Ana), estando inscritas no domínio da chamadaArte

Romana cuja maioria dessas esculturas foram produzidas entre os séculos XI e XV,

igualmente aparecendo na iconologia de estilo bizantino dos séculos XIII e XIV,

herdeira da cor sombria dada aos ícones orientais. Segundo a Igreja Católica, não existe

nenhum fundamento teológico para a cor escura dessas Virgens, alguns dando como

justificação da mesma aquela passagem bíblica do Cântico dos Cânticos (1:5):Nigra sum

sed formosa (“Eu sou negra mas bela”). Se essa “mulher negra bela” foi identificada

como a Virgem Maria pela Arte Romana medieval, o facto incontestável é que esta

inspirou-se e imitou a forma tradicional da deusa Ísis a quem as representações

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ptolemaicas do Egipto dão o sentido literalmente igual ao transcrito dessa passagem

bíblica. O culto Isíaco seria importado do Médio Oriente para a Europa pelas legiões

romanas antes e depois de Cristo, e com o processo de cristianização ela seria

identificada à Mãe de Deus, contudo mantendo-se

a cor original de Ísis a quem alguns atribuem as

seguintes palavras: “Eu sou bela e mais negra que

a noite do Egipto”. O longo véu sobre a túnica

dessa deusa, também negro, cobrindo-a

inteiramente, aparece aqui em Praga no longo

manto branco pálido sobre decorativos dourados

da Virgem, de quem só se vê a cabeça negra.

O véu negro assim como o manto espesso,

representam o conhecimento vedado, proibido aos

comuns mortais por ser a própria Sabedoria

Divina incarnada na imagem escura da Virgem

assim representando a mesma. Por isso, até hoje

os clérigos ilustrados detendores da teologia e

alguns até da gnose, ou sabedoria, têm na cor

negra a principal das suas vestes dessa maneira

assimindo-se, inconscientemente como “filhos de

Ísis”, agora Maria, para todo o efeito, a Sabedoria

Divina que é “o espírito sob a letra”, ou seja, o

racional sobre o confessional.

Por ser a manifestação do Verbo Divino sob a

forma feminina primordial ou ante-genesíaca, a

Virgem Negra veio a representar a Terra virgem,

ainda não fecundada ou não habitada pelas

criaturas viventes, e por isso é representativa da

energia telúrica do seio da Terra com que se gera

as formas animadas de toda a Natureza. A esse estado ocultado ou interior de gestação

presente tanto na Natureza Mãe como na Mulher grávida, assinalando a pré-criação a

todos os níveis, os alquimistas medievais chamaram nigredo, concebendo a negritude

como o ponto de partida ou condição primordial da Grande Obra alquímica de

transformação dos elementos grosseiros em subtis e auríferos (presente no dourado das

vestes desta Virgem Negra de Praga), por uma evolução progressiva do estado genesíaco

ao apocalíptico ou o final da mesma Grande Obra, quando se alcança e absorve na Luz

Suprema que de tão brilhante que é torna-se mais negra que a noite do Mundo. Esta é,

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afinal, a mensagem oculta da Senhora escura padroeira da antiga Via Real dos Filósofos

herméticos de Praga.

Praga possui várias igrejas rotundas (São Longuino, Santa Maria Madalena, etc.)

testemunhas da arte romana medieval nesta cidade, sendo que a mais antiga é aRotunda

da Descoberta da Santa Cruz, cujas primeiras menções escritas sobre a mesma datam de

1365, mas é provável que tenha sido construída durante o século XI, por volta de 1012.

A sua construção em pequenos blocos de pedra calcária testemunham uma grande

mestria para a época, obra possivelmente de alguma confraria de monges construtores

herdeiros dos conhecimentos arquitectónicos dos primitivos colégios de artífices

romanos, os collegia fabrorum.

Ainda hoje celebram-se regularmente os ofícios religiosos católicos nesta igreja rotunda,

cujo nome provém da descoberta toda lendária por Santa Helena, mãe do imperador

Constantino que foi quem oficializou o Cristianismo, da Santa Cruz em Jerusalém, a

Verdadeira Cruz onde o Senhor foi martirizado. Isto numa manhã de 3 de Maio do ano

326, afirma a lenda. Trata-se de uma maneira

de afirmar a antiguidade e veracidade do lugar,

e assim também do culto cristão que aqui terá

tido o seu início, pelo que o edifício revela-se

uma espécie de axis religiosus, isto é, eixo ou

centro religioso marcado pela própria Cruz

inicial do que seria o Cristianismo. Está-se,

portanto, diante de um lugar primordial de

culto em Praga.

Como áxis em rotunda (do latim rotundus,

redondo) ou charola representa o centro

geográfico no qual o Céu e a Terra se

encontram nele, descendo as bênçãos celestes

ao mundo e subindo as preces humanas às

alturas da eternidade. Por estar em ligação

directa com o Centro Divino prevalecendo na

perfeição da forma circular como imagem da

Jerusalém Celeste, houve em volta deste

templo um antigo cemitério por se crer que

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assim, junto a este “portal celeste”, as almas dos defuntos ascenderiam directamente ao

Céu sem passarem pelo Purgatório e tampouco caírem no Inferno. De maneira que a

rotunda remete para o círculo da “perfeição celeste” cuja aplicação litúrgica é a de ser

um “portal dimensional”, uma espécie de “tubo cósmico” de intercomunicação directa

entre os mundos visível e invisível, nisto impondo-se a noção do sagrado anulando a

expressão lógica da coerência profana.

Com efeito, em termos de arquitectura sagrada remete para a junção das formas quadrada

do interior da igreja marcada pelos ângulos ou pontos cardiais, e circular exterior que lhe

dá o nome de rotunda e justifica o princípio capital da sua existência: a projecção do Céu

(círculo) na Terra (quadrado), e na Terra o Céu se encontrando formando a quadratura

do círculo, de acordo com as primitivas noções pitagóricas e platónicas. Os construtores

que originalmente seguiam essas noções de geometria sagrada e as aplicavam nas suas

obras, criaram a tradição das igrejas redondas na Idade Média, mas essas, ao contrário de

outros padrões como os da cruz latina em que se baseia o esquisso da igreja cristã, não

representavam o corpo de um homem de pernas juntas e braços abertos representando o

Corpo de Deus, antes representavam pelo cubo ou altar no interior do círculo a elevação

da Terra ao Céu e sua a união com este, simbolismo cosmológico evidente que ao nível

imediato da liturgia representava-se no redondo da hóstia que é o Corpo Eucarístico da

Divindade a que se ascende no acto da Fé, sendo o sacerdote o intermediário entre

mundos.

Visitar a Rotunda da Descoberta da Santa Cruz é remontar às origens do Cristianismo

em Praga e, mais que isso, é obter um “livre-acesso” à Jerusalém Celeste, ao Paraíso de

Deus. Pelo sim ou pelo não, nem que seja só pela sua grandeza histórica, testemunho

ímpar da arte romana que resistiu às vicissitudes dos séculos, será bom visitá-la.

A igreja de Santiago na Cidade Velha de Praga surpreende o visitante pela sua

monumentalidade e proporções góticas majestosas. Data de 1232 e foi mandada construir

por Venceslau I da Boémia para os frades menores da Ordem de S. Francisco de Assis. O

enorme incêndio que destruiu grande parte da Cidade Velha em 1689, obrigou à

reconstrução parcial deste edifício recebendo renovação barroca em 1739. Mas esta não

é mais uma igreja de Praga: assinala a Via Alquímica ou Caminho Hermético do

Apóstolo Santiago Maior, o eleito pelos praticantes das artes herméticas que identificam

o seu túmulo na Catedral de Compostela, Galiza, com o culminar da Grande Obra

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Alquímica, correspondendo à conquista do Ouro Filosófico como sinónimo de

Iluminação Espiritual.

Isso mesmo está retratado na fachada desta igreja nos ricos relevos escultóricos

representando Santiago Maior, São Francisco de Assis e Santo António de Lisboa e

Pádua, realizados por Ottavio Mosto no estilo do ilusionismo barroco italiano.

A peregrinação a Santiago de Compostela era feita para expiar os pecados pessoais dos

crentes sujeitando-se aos mil e um perigos que espreitavam ao longo do caminho

(tempestades, terrenos quase intransponíveis,

assaltantes, etc.), não raro perdendo a vida ao

longo da jornada. Mas também e sobretudo

era um caminho de realização interior

associado pelos alquimistas à sublimação da

Matéria pelo Fogo do Espírito, assumindo o

Apóstolo Santiago como simbólico do

próprio Fogo Secreto e Sagrado que late em

toda a Natureza e que é o mesmo que ilumina

e aquece os fornos alquímicos e pelo qual,

gradualmente, vai-se fabricando a Pedra

Filosofal, meta da Grande Obra. Isto por o

nome Santiago ser interpretado no Evangelho

de S. Marcos (3:17) comoBoanerges (termo

grego) ou “Filho do Trovão”, ou seja, do

Fogo, o mesmo do Espírito Santo incarnado

em Santa Maria que é, afinal, a Padroeira dos

Filósofos do Fogo.

Como muitos certamente não podiam encetar

a longa jornada a Compostela, ou então para

deixar assinalado o seu significado mais

profundo, ou ambas as coisas, tem-se aqui a

memória monumental do Caminho Jacobeo nos escultóricos desta igreja. No de Santiago

observa-se este caminhando para a frente com os símbolos do peregrino (bastão, cabaça,

sacola, concha vieira, etc.) apoiado por um Anjo indicador do Caminho Espiritual que é

Hermético por não se saber o que está mais adiante. Nos lados, ajoelhados e em pé,

vêem-se quatro peregrinos com os seus bastões dourados, em reverência ao Apóstolo

assumido como o perfeito Adepto Filosófico expressivo da própria natureza angélica ou

divina do Cristo.

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No escultórico de S. Francisco de Assis, que aliás fez a peregrinação a Santiago de

Compostela em 1214, vê-se o santo com uma braçada de flores – simbólicas dasRoseiras

dos Filósofos que era o nome dado antigamente aos tratados de Alquimia – cercado de

Anjos, alguns deles com instrumentos musicais, sinaléticos da Música Celestial que

também era outro nome dado à Alquimia por operar em rigoroso acordo com as medidas

harmónicas do Universo espiritual buscando integrar na perfeição deste o imperfeito

Universo material. S. Francisco de Assis é a expressão máxima da espiritualidade cristã

da Idade Média até hoje, e essa por certo nenhuma realização do Espírito na Matéria se

obterá, quanto muito alguns fenómenos químicos no decorrer das operações em

laboratório, mas não mais que isso que não não nem é a meta desejada pelo verdadeiro

alquimista. Finalmente Santo António, a quem o jesuíta português padre António Vieira

chamou de “Arca da Aliança” e que foi discípulo directo de S. Francisco, depois doutor

da Igreja. Com um ramo de flor-de-lis dourada na mão, apresenta-se rodeado de Anjos,

alguns também com flores-de-lis douradas que são simbólicas da realeza, mas aqui de

Realeza Divina que na Terra é expressa pela mística da Arte Real que é a Alquimia, pura

e inviolada como a própria Virgem Maria miraculosa desta igreja, cuja mão da sua

imagem um dia agarrou um ladrão que pretendia roubar a caixa das esmolas,

significando que os tesouros da caridade, virtude maior, não são para ser roubados, tal

qual os tesouros da Alquimia de quem Ela é padroeira não são para ser violados ou

conspurcados.

A Mansão do Sol Negro é uma das mais admiráveis da Rua Celetná em Praga, e deve o

seu nome a um Sol Negro esculpido por cima da porta de entrada. Este edifício foi

construído no final do século XIV em estilo gótico, tendo sofrido um restauração durente

a Renascença e outra no período Barroco.

A escultura deste Sol Negro motivo das mais diversas especulações reconhecidamente

infundadas, inevitávelmente invoca o nome do imperador Rudolph II de Habsbourg

(18.7.1552 – 20.1.1612), protector dos artistas, dos sábios e dos alquimistas, ele próprio

um praticante de Alquimia que diversas vezes invocou o nome “Sol Negro”, como

aparece na linguagem cifrada dessa Arte Hermética. Resta saber o que significa…

Para os alquimistas o Sol Negro é a Matéria-Prima não trabalhada, em seu estado

original antes de ser disposta a qualquer operação que lhe modifique a natureza até se

transformar num Sol Branco como última etapa evolutiva das operações alquímicas. É

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assim que recebe o nome Sol Negro indicador do primeiro estágio do Opus

Magnum ouGrande Obra, que finaliza com a produção do Ouro Filosófico.

Símbolo da energia preexistente no Universo antes de manifestar-se materialmente,

portanto, da própria Substância Universal que periodicamente, de acordo com os ciclos

cósmicos de manifestação do Espírito na Matéria, gera a Vida na Forma, esteSol

Negro ou Oculto é igualmente chamado Sol Central do Universo que os alquimistas e

hermetistas dizem «esconder-se» por detrás do Sol físico do nosso Sistema Solar que é

uma emanação directa daquele, como a fonte invisível e espiritual da mecânica celeste:

uma verdadeira “Central de Energia”, de Espiritualidade “condensada” de onde emanam

os espíritos para manifestar-se e onde finalmente retornam. Tal Sol é Negro porque

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contém toda a Luz que de ser tanta obscurece a visão dos comuns mortais, tendo os

magos e alquimistas do Passado recuperado o seu significado fazendo-o emanação do

Logos Divino, do próprio Eterno Imanifestado em seu Ser Absoluto, iluminando o

espírito humano que volve à eternidade. A sua revelação é somente suportável para os

Grandes Iluminados, como o foram Jesus, Akenaton ou Zoroastro, mas para outros

comuns mortais, cobiçosos de conquistarem a visão dele, é sinal certo de loucura e

perdição, como aconteceu com Cambise, rei da Pérsia, que desejando vê-lo face a face

enlouqueceu e perdeu-se nas areias do deserto.

Por esse sentido de espiritualidade absoluta assinalada no Sol Negro, este tornou-se

símbolo da anti-matéria, isto é, a antítese da Matéria como o próprio Espírito. Por isto, é

que o Sol Negro é expressado pelo Sol na sua trajectória nocturna, quando deixa este

Mundo para iluminar o outro Mundo, sendo assim chamado Sol da Meia-Noite em

oposição ao Sol do Meio-Dia, este símbolo da Vida triunfante, aquele expressivo da

Morte dominadora. Esta é representada pelo deus Saturno com a sua ampulheta e foice, e

aquela pelo deus Júpiter com o seu raio e águia. Ambas se completam, pois que há Morte

na Vida e Vida na Morte, princípios inseparáveis da existência, tal qual Júpiter é o

aspecto superior de Saturno os quais unidos são o sinónimo da ressurreição espiritual, da

própria imortalidade que é, afinal, o sentido último deste Sol Negro de Praga.

Quem passa na Rua Karlova e se detém no n.º 18 vê por cima da porta de entrada um

pequeno brasão com uma serpente dourada que deu o deu ao edifício: U Zlatého

Hada(da Serpente de Ouro). Parece-se com o famoso biscione das Armas de Milão,

Itália, mas não é: aqui a serpente está coroada e vomita uma flor-de-lis, tudo em ouro

sobre fundo azul. Está-se, portanto, perante uma serpente real indicadora da filiação e

condição secreta de quem a mandou aí postar, o que remete para o mundo do

Hermetismo e particularmente da Alquimia.

Quem mandou colocar esta serpente aqui e qual é o seu significado oculto, é que

veremos de seguida.

Neste edifício foi inaugurado o primeiro café praguense em 1714 por Georges Théodat,

um comerciante árabe originário de Damasco e muito possivelmente um adepto das

ciências herméticas atendendo aos sinais escolhidos com parcimónia deixados num outro

café que fundou nesta cidade mais ou menos na mesma época: As três avestruzes. Ora,

no Antigo Egipto a tríplice pluma da avestruz era o símbolo da justiça, da equidade e da

verdade. Esta verdade representou-a na serpente coroadaque na tradição árabe é a

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“serpente da vida”. Com efeito, o simbolismo árabe da serpente está efectivamente

ligado à ideia de vida pela proximidade entre as palavrasel-hayyah, “serpente”, e el-

hayat, “vida”, sendo que El-Hay é um dos principais Nomes de Deus no Alcorão e que

não dever ser traduzido por “O Vivo”, como se faz comummente, mas por “O

Vivificador”, Aquele que dá a Vida ou o que é o próprio Princípio da Vida. A serpente

coroada aparece, pois, como breve encarnação da Grande Serpente Invisível, causal e

intemporal, senhora do Princípio Vital de todas as forças da Natureza.

A Força Vital da Natureza é sempre representada por uma divindade feminina domando

a serpente, ou melhor, a energia telúrica da Terra serpenteando pelos veios da mesma e

que assim os povos primitivos associaram a esse réptil, ficando a Natureza representada

pela imagem da Mulher expressiva da Grande Deusa-Mãe. É assim que aparecem a

Virgem Maria sobre a serpente, enquanto a Deusa Ísis traz na testa a naja real,

o uraeus de ouro puro que é uma coroa de cuja frente sobressai uma serpente dourada,

simbolizando a soberania, o conhecimento, a vida e a juventude divina. Já a

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Deusa Allatah, feminino de Allah a qual não consta no Alcorão mas que os místicos sufis

evocam em vários dos seus poemas e preces, é representada sobre a serpente real do

mundo manifestado.

Por sua parte, os alquimistas falam na Fonte da Serpente (que neste edifício não existe

mas poderá muito bem ser representada pela monumental Ponte Charles que lhe fica

próxima), correspondendo na simbologia alquímica à serpente coroada indicadora

do Sal químico, o catalizador da união entre o Enxofre e o Mercúrio, este representando

a Alma e o anterior o Espírito, enquanto o “Sal da Terra” representa o Corpo, que é onde

se realizam todas as vivências e experiências que levam a maior consciência e à

aproximação da alma do crente com o Espírito de Deus. O cálice para onde escorre a

água da vida da Fonte da Serpente é o matrás ou vaso que conterá essa porção líquida

expressiva da Imortalidade, esta que é o fim procurada pelo alquimista desde o primeiro

instante que se lançou na dura missão da sua própria transmutação alquímica, traduzida

como transformação da vida-energia em vida-consciência, cuja meta última é alcançar

o Graal alquímico, ou seja, a Taça Sagrada da Imortalidade, que os antigos

representavam como a Fonte da Eterna Juventude ouFonte da Vida Eterna.

Talvez Georges Théodat tenha perseguido na sua vida privada esse objectivo supremo,

pois que a serpente coroada ou real (simbolizada pela flor-de-lis), naja, é indicativa em

hebraico de Naha e em sânscrito de Naga, ambas significando “Homem-Serpente” que

os antigos interpretação como sinónimo de Iluminado Espiritual. Símbolo de Iluminação

Real ou Hermética será esta Serpente de Ouro espreitando numa esquina de Praga.

A Mansão do Anel de Ouro deve o seu nome ao símbolo que orna a sua fachada. A lenda

conta que o anel foi perdido por um dos fantasmas da praça da Cidade Velha de Praga

durante uma das suas errâncias nocturnas. O burguês supersticioso da Rua Tynská que o

achou incrostou-o por cima da porta da sua casa a fim de protegê-la das forças do mal,

bênção que este anel mágico, um círculo fechado, parece possuir.

A verdade histórica é diferente da lenda e diz que esta peça provém do edifício gótico

original do século XIII do paço fortificado do Tyn, que sofreu um restauro barroco em

1609. Poderá ser tudo isso, mas o simbolismo tradicional e mágico do anel sobrepõe-se

aos factos imediatos, bastando citar, dentre numerosos exemplos, o anel nupcial e o anel

pastoral, bem como o anel do Pescador que serve de sinete pontífico e que é partido,

por ocasião da morte do Papa, para perceber-se que ele serve essencialmente para indicar

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um elo, para vincular. Assim, aparece como o signo de uma aliança, de um voto, de uma

comunidade representada neste primitivo paço, de um destino associado.

Esse simbolismo do anel pode, em todos os níveis da interpretação, relacionar-se com o

do cinto, principalmente no plano espiritual, conforme se deduz do antigo costume

romano em virtude do qual o flâmine, sacerdote de Júpiter, não tinha o direito de usar um

anel, a menos que fosse partido e desprovido de pedra. A razão desta proibição provinha

da ideia de que toda a espécie de elo ou

aro que rodeasse completamente uma

parte do corpo do operador encerrava

nos limites desse último o seu poder

sobrenatural, impedindo-o de agir no

mundo exterior. Mas o facto do anel

do flâmine ser destituído de pedra

introduz um outro aspecto simbólico: o

do anel portador de um sinete que por

sua vez é símbolo de poder e, portanto,

não mais de submissão, e sim de

domínio espiritual e material. Esse era o

caso do anel ao qual o rei Salomão,

segundo a lenda, devia a sua sabedoria.

O anel do Pescador sobrepõe os dois

poderes, porquanto ele é a um só tempo

símbolo de poder temporal e de

submissão espiritual.

Segundo diz a lenda, e o anel desta

mansão bem parece enquadrar-se no

sentido salomónico, Salomão devia a sua

sabedoria a um anel mágico. Os árabes

contam que, certo dia, esse rei bíblico

marcou com o sinete desse anel todos os

demónios que havia reunido para as suas operações mágicas, e eles tornaram-se seus

escravos. Certa vez deixou caí-lo no rio Jordão, e teve de esperar que um pescador o

trouxesse de volta para recuperar a sua inteligência e poder sobre as forças invisíveis. É

assim que tal anel tornou-se o símbolo da sabedoria e do poder do rei Salomão sobre

todos os seres. É como um sinete de fogo, recebido do Céu, que marca o seu domínio

espiritual e material.

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No Cristianismo, o anel simboliza a união fiel, livremente aceite. Está ligado ao Tempo e

ao Cosmos. O texto de Pitágoras que diz “não deveis colocar a imagem de Deus em

vosso anel”, demonstra que não se deve associar Deus ao Tempo. Pode-se ainda

interpretá-lo de duas maneiras: uma delas, bíblica, a de que não se deve invocar em vão o

Nome de Deus; a outra, ética, de que convém assegurar para si uma existência livre e

sem entraves.

Os primeiros cristãos, à imitação dos gentios, usavam anéis, e Clemente de Alexandria

aconselhava os cristãos de seu tempo a usarem no engaste de seus anéis a imagem de

uma pomba, de um peixe ou de uma âncora.

Os aristocratas eram autorizados a usar um anel de ouro, como o que aqui se vê. No

plano esotérico, o anel possui poderes mágicos. É uma redução do cinto, protector dos

locais que guardam um tesouro ou um segredo. Apoderar-se de um anel é, de certo modo

figurado, abrir uma porta, entrar num castelo, num palácio, numa caverna, no Paraíso,

etc. Colocar um anel no próprio dedo ou no de outra pessoa significa reservar para si

mesmo ou aceitar o dom de outrem, como um tesouro exclusivo ou recíproco.

Este edifício é um dos mais belos da Cidade Velha de Praga. Herda o seu nome, Poço de

Ouro, de uma lenda relacionada ao seu poço que além de ter uma água excelente, dizia-

se que nele estava escondido um grande tesouro de ouro. Um dia, uma serviçal que tirava

água do poço apercebeu uns reflexos dourados no fundo dele e, para ver melhor,

inclinou-se mais, acabando por desiquilibrar-se e cair morrendo afogada, não sem antes

gritar que estava vendo muito ouro que assim ganhou fama de maldito, mesmo nunca

ninguém tendo visto ouro algum no poço. Mas a lenda ficou.

Mas já no início do século XV a Mansão chamava-se U Pulzlatého kola, “A roda meio

dourada”, e depois durante muito tempo foi chamada U Zlatého slunce, “O Sol de

Ouro”, por estar na fachada, entre o primeiro e segundo andares, um Sol dourado, até

que finalmente, a partir do século XVIII, ficou com o nome por que é conhecida a até

hoje, U Zlaté studny, “O Poço de Ouro”. Tudo isso e mais os estuques barrocos que

ornam a fachada do edifício cujas esculturas setecentistas são atribuídas a Jan Oldrich

Mayer, encomendadas pelos proprietários em guisa de agradecimento aos santos

expostos por terem sido poupados à peste de 1714, tresanda a Alquimia nas suas

operações profundas e secretas.

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Primeiro que tudo, o simbolismo do

poço reveste-se de um carácter

sagrado em todas as tradições,

nomeadamente na alquímica onde

Santa Maria – como Padroeira dessa

Arte Real – é associada ao poço

simbólico da abundância como fonte

da vida, e neste contexto parece

ligado à figura da mulher que

mergulha nas profundezas dos

mistérios e ressurge luminosa como o

Sol, plena de Sabedoria. Por isto o

poço também representa a Sabedoria

incarnada na Mulher Iluminada, ou

seja, na Hierofantisa que possui os

segredos dos Mistérios que encabeça.

É assim que se vê no Zohar, o livro

sagrado da Cabala judaica, um poço

alimentado por um arroio,

expressando a união do homem e da

mulher, além de que a

palavra poço em hebraico possui o

sentido de “mulher, esposa”. Mas

trata-se de uma mulher sagrada,

contraparte espiritual do homem a

quem transmite os segredos da

Arte Magna, como o de chegar à conquista do Ouro Filosófico por uma Via Húmida ou

temperada pela presença das águas do Amor sublime que só a Mulher possui.

Neste edifício tem-se a presença da Alquimia marcada pelo exercício feminino, e vários

são os sinais de que assim é: o primeiro de todos, na cimalha sobre a janela do terceiro

andar, está na figura escondida ou ocultada de Santa Rosália rodeada de rosas (que foi a

célebre eremita italiana do século XII que viveu e morreu numa gruta do Monte

Pelegrino, perto de Palermo, por amor de Cristo), alusiva às Roseiras Filosóficas, que

era o nome dado na Idade Média e na Renascença aos tratados alquímicos. Depois

segue-se o Sol dourado no centro da fachada, irradiando oito raios com a Virgem no

centro (Nossa Senhora de Boleslav, obra datada de 1701), representação sagrada da

Alquimia, apresentando o Menino que, por sua vez, sendo Delfim divino é expressivo da

própria Pedra Filosofal. Sob o Sol irradiante, vêem-se dois leões coroadas,

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representativos da Arte Real, e por cima dois querubins segurando um coroa, a da

realização da Grande Obra que equivale à realização ou iluminação do Adepto nesta Ars

Marialis, isto é, Arte Mariana assinalada no próprio Sol da Virgem Mãe.

A fachada deste edifício tem um total de sete figuras, a maioria sendo evocativas dos

santos da devoção dos proprietários originais. Além das já descritas, vêem-se S.

Sebastião, venerado como protector contra a peste, e assim também S. Roque. Seguem-

se os mártires S. Venceslau e S. João Nepomuceno, e ainda Cristo no tronco animado

pelo Anjo. Contudo, esta fachada já não é a original porque nos anos 50 do século XX

foi renovada sob a direcção do arquitecto Karel Splavec, e entre 19883 e 1987 recebeu

uma reconstrução geral, dirigida pelo arquitecto Jan Dvorak.

A Mansão dos Dois Ursos d´Ouro é um edifício renascentista edificado entre 1559 e

1567 que deve o nome a esses animais esculpidos e banhados originalmente em ouro no

seu pórtico monumental datado de 1590, mandado fazer por Lorenc Stork, o primitivo

proprietário deste grande palácio no século XVI que foi construída sobre uma outra

gótica, de que ainda subjazem vestígios no piso térreo e na cave.

Na cimalha sobre o pórtico estão nos lados da cornija dois ursos alimentados por dois

homens carregando ramos florais com que parecem alimentá-los. Não sendo figurativos

de nenhum ex-libris dos vários proprietários do edifício ao longos dos séculos, e

parecendo transmitirem uma qualquer mensagem oculta sob a aparência meramente

decorativa, este conjunto monumental deu aso a especulações e lendas que vieram até

hoje.

A lenda mais famosa relacionada com os ursos de ouro é a que diz haver uma galeria

subterrânea ligando este edifício à Câmara Municipal e à igreja de Tyn, na Cidade Velha,

tendo sido mandada fazer por um morador deste lugar em 1405, Mikulás Bohunek, que

era fabricante de malte. O facto é que até hoje chama-se Rua do Urso de Ouro a este

lugar onde está esta famosa e estranha mansão, associando o topónimo até a uma marca

de cerveja. Aparte as teorias e especulações que campeiam sobre estas figuras e o seu

significado, é muito significativo os antigos povos caucasianos e altaicos do Norte da

Europa chamarem aos seus templos subterrâneos indistintamente bar,

“caverna”, e ber ou wer, “urso”, relacionando o animal com os poderes telúricos do seio

da Terra e considerarem-no seu ancestral. Daí a ber e bear (urso) tornar-

se beer e bier (cerveja) nas falas populares, foi um passo. E falso.

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Além disso, e por ser Praga uma cidade de alquimistas exilados nela vindos perseguidos

pela religião dominante de toda a Europa entre os fins do século XIV e meados do século

XVI quase até ao XVII, também os laboratórios alquímicos eram muitas vezes

construídos em caves e criptas, para todo o efeito, lugares subterrâneos, e o simbolismo

do urso estava presente nas práticas alquímicas. No registo da Alquimia o urso

corresponde aos instintos e às fases iniciais da evolução do processo alquímico, sendo

representado pela cor negra da matéria em estado bruto ou inicial. Mostrando-se nisto

poderoso, violento, perigoso, incontrolado como uma força primitiva, foi

tradicionalmente o emblema da crueldade, da selvageria, da brutalidade. Mas, e o

aspecto superior do símbolo aparece aqui figurado nos homens alimentando o animal, o

urso também pode ser, numa certa medida, domesticado: dança, é hábil com uma bola, e

nisto configura o domínio da matéria primitiva pelo alquimista. Pode-se atrair o urso

com mel, pelo qual é apaixonado, tal qual o alquimista domina a matéria bruta com o

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“mel” da sabedoria. Ele simboliza, em suma, as forças elementais susceptíveis de

evolução progressiva, mas capazes também de terríveis regressões como aconteceram e

acontecem com os falsos alquimistas chamados “assopradores”, não sabendo

acompanhar o processo laboratorial com o processo espiritual para alcançar os mais altos

estágios da Alquimia que é a união com o Divino.

Por ser expressivo da matéria elementar indomada o urso foi, na sociedade céltica, o

símbolo da casta guerreira e consequentemente do Poder Temporal. Nisto, quando o urso

é agressivo e cruel, é simbólico da tirania e opressão, e quando é dócil e amansado faz-se

o símbolo da justiça e liberdade, reflexo da espiritual característica dos verdadeiros

alquimistas e que aqui, no friso do pórtico desta mansão, se retrata nos homens

amansando, alimentando as ferinas forças elementais assinaladas nos ursos que assim se

tornam de ouro.

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Contactos: Por correio: ao cuidado de Dr. Vitor Manuel Adrião. Rua Carvalho Araújo, n.º 36, 2.º esq.

2720 – Damaia – Amadora – Portugal

Endereço electrónico: vitoradriã[email protected]

Sítio internet: Lusophia

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Vítor Manuel Adrião, renomado escritor esotérico português, é consultor de

investigação filosófica e histórica, formado em História e Filosofia pela

Faculdade de Letras de Lisboa, tendo feito especialização na área medieval

pela Universidade de Coimbra. Presidente-Fundador da Comunidade Teúr-

gica Portuguesa e Director da Revista de Estudos Teúrgicos Pax, Adrião é

profundo conhecedor da História Medieval do Sagrado, sendo conferencista

de diversos temas relacionados ao esoterismo, às religiões oficiais, aos

mitos e tradições portuguesas, às Ordens de Kurat (em Sintra) e do Santo

Graal, das quais também faz parte.