As cotas raciais como estratégia de importação cultural e política

26
AS COTAS RACIAIS COMO ESTRATÉGIA DE IMPORTAÇÃO CULTURAL E POLÍTICA INTRODUÇÃO A superação das desigualdades socioeconômicas impõe-se como uma das metas de qualquer sociedade que aspira a uma maior igualdade social. Uma das alternativas propostas é o sistema de cotas que visaria a acelerar um processo de inclusão social de grupos à margem da sociedade. A lei constitucional estabeleceu as reservas de vagas para deficientes físicos, o qual passou a ser adotado em diversos concursos públicos, com a ressalva de que o emprego ou cargo não exija plena aptidão física. Com o tempo, outros grupos sociais passaram a pleitear a cotização de vagas para "garantirem" uma participação mínima em certos setores da sociedade como as universidades públicas. A justificativa para o sistema de cotas é que certos grupos específicos, em razão de algum processo histórico depreciativo, teriam maior dificuldade para aproveitarem as oportunidades que surgem no mercado de trabalho, bem como seriam vítimas de discriminações nas suas interações com a sociedade. Sob o manto da aprovação popular, numa concepção de democracia enquanto maioria, foi-nos imposta a submissão à política de cotas raciais, sempre sob o argumento do sucesso de tal política em “um país de primeiro mundo, como os EUA”.

Transcript of As cotas raciais como estratégia de importação cultural e política

Page 1: As cotas raciais como estratégia de importação cultural e política

AS COTAS RACIAIS COMO ESTRATÉGIA DE IMPORTAÇÃO CULTURAL E

POLÍTICA

INTRODUÇÃO

A superação das desigualdades socioeconômicas impõe-se como uma das metas de

qualquer sociedade que aspira a uma maior igualdade social. Uma das alternativas propostas é

o sistema de cotas que visaria a acelerar um processo de inclusão social de grupos à margem

da sociedade.

A lei constitucional estabeleceu as reservas de vagas para deficientes físicos, o qual

passou a ser adotado em diversos concursos públicos, com a ressalva de que o emprego ou

cargo não exija plena aptidão física. Com o tempo, outros grupos sociais passaram a pleitear a

cotização de vagas para "garantirem" uma participação mínima em certos setores da sociedade

como as universidades públicas.

A justificativa para o sistema de cotas é que certos grupos específicos, em razão de

algum processo histórico depreciativo, teriam maior dificuldade para aproveitarem as

oportunidades que surgem no mercado de trabalho, bem como seriam vítimas de

discriminações nas suas interações com a sociedade.

Sob o manto da aprovação popular, numa concepção de democracia enquanto

maioria, foi-nos imposta a submissão à política de cotas raciais, sempre sob o argumento do

sucesso de tal política em “um país de primeiro mundo, como os EUA”.

Importa-se um modelo cultural e político de apregoado sucesso nos Estados Unidos

da América (EUA) sem uma preeminente preocupação de que nos encontremos em condições

histórico-sociais assemelhadas para que tal política obtenha o mesmo êxito. Assim, o efeito de

tais políticas em médio prazo poderá ser nefasto, gerando um maior acirramento das

diferenças raciais no Brasil.

AÇÕES AFIRMATIVAS, RAÇAS E RACISMO: DIFERENÇAS FUNDAMENTAIS

As ações afirmativas são políticas públicas e mecanismos de inclusão, concebidas

por entidades públicas ou privadas e por órgãos dotados de competências jurisdicionais, com

vistas à concretização de um objetivo constitucional universalmente reconhecido – o da

Page 2: As cotas raciais como estratégia de importação cultural e política

efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres humanos têm direito. Ações

afirmativas, como o sistema de cotas, foram implantadas em diversos países, como: Índia,

Malásia, Sri Lanka, Nigéria, Estados Unidos, entre outros. Porém, nos países em que as ações

afirmativas, do tipo sistema de cotas raciais, foram implantadas, os resultados não alcançaram

seus objetivos. O benefício concedido a um grupo específico gera grande desarmonia por

parte daqueles que não foram ‘contemplados’, o que ocasiona o aparecimento de movimentos

e pressões para que todos os excluídos do sistema possam ser ‘agraciados’.

As ações afirmativas, de uma forma geral, são criadas como medidas temporárias e

compensatórias de certas injustiças sociais impostas por algum tipo de opressão racista,

porém, historicamente, a prática não corresponde ao planejado, pois acabam por transformar-

se em um instrumento de divisão da sociedade em classes e da concessão de privilégios – os

quais, no lugar de remediar conflitos, somente servem para incitar preconceitos.

A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL NORTE-

AMERICANA E DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL BRASILEIRA

Nas décadas de 50 e 60 houve uma série de iniciativas dos movimentos negros nos

EUA, requerendo nos tribunais o fim de segregações das escolas públicas, por exemplo.

Exatamente nessa perspectiva, fruto de reivindicações dos movimentos negros, em meados

dos anos 60, por meio de ato executivo do presidente Kennedy, surgiram as cotas

universitárias no ensino superior aos cidadãos americanos negros. As cotas neste país são,

também, fruto de política francamente sulista que, ao ficarem acossados pelos movimentos

negros, fizeram a concessão das cotas, baseados no velho modelo da política de conceder algo

para evitar mal maior.

No final dos anos 70, a Suprema Corte Americana declarou inconstitucionais as cotas

para negros e outras minorias. As decisões americanas foram fundamentadas no art. 601 do

Civil Rights Act, de 1964, que previa: “Nenhuma pessoa nos Estados Unidos deve, em razão

da raça, cor ou origem nacional, ser excluída da participação, dos benefícios, e também não de

ser negado ou ser submetido à discriminação sob qualquer programa ou atividade que

recebem assistência financeira federal”. Porém, na sociedade norte-americana, a integração do

negro não é plenamente aceita, basta que se observe as organizações urbanas periféricas, nas

quais há a criação de bairros negros.

Page 3: As cotas raciais como estratégia de importação cultural e política

No Brasil, não há como dissociar a história do país em relação ao negro. Com o fim

da escravidão, os negros passaram à chamada classe dos oprimidos ladeados por mulatos,

moradores das favelas e periferias das cidades. Embora o sistema escravagista dos séculos

XVIII e XIX tenha causado danos de incalculáveis proporções a todos que dele foram vítimas,

não se pode querer minimizar suas consequências, facilitando a entrada dos brasileiros que

possuem uma tez mais escura, na universidade.

Diferentemente dos EUA, no Brasil, não há justificativa na institucionalização estatal

da diferença de raças, ou seja, há, no imaginário social, a possibilidade de ascensão social do

cidadão de cor, o que geraria, automaticamente, o seu embranquecimento. Nesse caso, o

negro, metaforicamente, abandona a sua cor preta e assimila a cor branca.

OS PROBLEMAS DA IMPORTAÇÃO DE CULTURA E DE POLÍTICA NO BRASIL

O crescimento da economia brasileira gera, à época do Brasil Império, em

pouquíssimos anos, uma abrupta modernização tanto no campo político, quanto no campo

cultural. Com efeito, segundo Cristovam Buarque apud Hector Cury Soares, “como um dos

resultados dessa modernização, em cada mil brasileiros que nascem vivos, cerca de noventa

morrem antes de cinco anos de idade, por fome ou doenças endêmicas. Dos sobreviventes,

quase cento e vinte são excluídos desde a infância, sobreviverão marginalizados nas ruas,

jamais entrarão em uma escola, não serão beneficiados nem úteis socialmente. Das setecentas

e noventa que restam, quinhentas não concluirão as quatro primeiras séries de estudo; cento e

cinquenta não concluirão as quatro séries seguintes do primeiro grau; apenas cento e quarenta

conseguirão passar para o segundo grau. Cem anos depois de um contínuo e intenso processo

de crescimento econômico, cada mil brasileiros que nascem, apenas noventa atravessam as

dificuldades de sobreviver e são educados até o fim do segundo grau”.

Ainda nas palavras de Buarque apud Soares “[...] os ideólogos da modernização da

miséria e do desastre social passam a acusar seus críticos, como se fossem estes os

responsáveis, apesar da marginalização em que foram mantidos, pelo exílio, pela prisão, pela

censura, pela tortura, exatamente porque apresentavam caminhos alternativos. Propõem a

continuação do mimetismo do progresso técnico e do consumo dos países do chamado

Primeiro Mundo. Os construtores de desastre continuam confundindo os objetivos desejados

com os meios técnicos que noutros países tiveram de fato um papel modernizador. Com a

incompetência característica do subdesenvolvimento cultural e o oportunismo dos interesses

Page 4: As cotas raciais como estratégia de importação cultural e política

particulares, continuam a importar os objetivos e os instrumentos que foram utilizados para

modernizar países diferentes. Em vez de avançar, o país enfraqueceu e comprometeu sua

dignidade de nação, dividiu-se e endividou-se, violentou-se e se fez violento”.

A cota racial, na perspectiva apresentada, é mimetismo, cópia, importação do modelo

norte-americano de cotas raciais, sem preocupação com uma adequação eficaz a nossa

realidade histórico-social. Além disso, de forma alguma a cota racial geraria redução na

discriminação racial, eis que, na prática, os componentes das classes mais baixas (que

independente da cor, no Brasil, tornam-se mais escuros) sequer conseguem superar o ensino

fundamental, o que se dirá do ensino médio!

AS COTAS NO BRASIL

A lei 3.708/01 institui o sistema de cotas para estudantes denominados negros ou

pardos, com percentual de 40% das vagas das universidades estaduais do Rio de Janeiro.

Outros estados brasileiros também aderiram ao sistema iniciado pelo Rio de Janeiro e,

segundo o Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro –

UERJ -, até o fim do ano de 2007, 51% das universidades estaduais e 42% das federais de

todo o país adotaram a política de cotas, porém cada uma das instituições possui um sistema

diferente.

Outras universidades, tais como a Universidade de Brasília (UNB) e a Universidade

do Estado da Bahia (UNEB) também aderem a tal sistema, tendo como critérios os

indicadores sócio-econômicos, ou a cor ou raça do indivíduo. A UNB decidiu adotar o

sistema de cotas em 2004 porque "a universidade brasileira é um espaço de formação de

profissionais de maioria esmagadoramente branca", e, "ao manter apenas um segmento étnico

na construção do pensamento dos problemas nacionais, a oferta de soluções se torna

limitada", como registrado no site da instituição.

No Brasil há duas leis que versam sobre o tema: o Estatuto da Igualdade Racial e a

Lei de Cotas. Segundo o Estatuto, é obrigatória a identificação dos estudantes de acordo com

a raça, a criação de cotas para negros nas universidades, no serviço público, em empresas

privadas e partidos políticos, além de outras medidas que atingem a vida sócio-econômica de

todos os brasileiros.

No mesmo sentido, a Lei de Cotas propõe política de cotas para o ingresso de negros

e pardos nas universidades federais e estaduais e nas instituições federais de ensino técnico de

Page 5: As cotas raciais como estratégia de importação cultural e política

nível médio. Segundo esta Lei, o percentual destinado aos negros deve ser proporcional à

quantidade de negros, pardos e índios existentes na unidade da federação onde estiver

localizada a instituição de ensino, baseando-se nas projeções do IBGE. Além disso, tal

diploma propõe ações específicas na área da educação, atendendo, inclusive, uma demanda do

capítulo VIII do Estatuto que trata do Sistema de Cotas:

Art. 70. O Poder Público adotará, na forma de legislação específica e seus

regulamentos, medidas destinadas à implementação de ações afirmativas, voltadas a assegurar

o preenchimento por afro-brasileiros de quotas mínimas das vagas relativas:

I – aos cursos de graduação em todas as instituições públicas federais de educação

superior do território nacional;

II – aos contratos do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior

(FIES).

O ASPECTO CONSTITUCIONAL DA COTA RACIAL

A Constituição Federal de 1988, instituindo um Estado Democrático de Direito,

assegura a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País, desde o seu preâmbulo, a

igualdade e a justiça. Ações de inconstitucionalidade já foram propostas por alguns políticos e

entidades da sociedade civil contra o sistema de cotas.

Em âmbito federal, tramitam no Supremo Tribunal Federal – STF -, duas Ações

Diretas de Inconstitucionalidade, ADI 3.330 e ADI 3.197, ambas promovidas pela

Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN). A CONFENEN

entende que o PROUNI, estabelecido pela MP 213/2004, contraria os preceitos

constitucionais, uma vez que estabelece discriminações para promover vagas no ensino

superior, sendo a MP um ato legislativo provisório, não possuindo tal prerrogativa. A

CONFENEN reclama ainda o direito dos alunos que alcançaram boas notas em razão de seu

bom desempenho nas provas do vestibular, porém são preteridos por candidatos que

alcançaram notas menores, com desempenho inferior, conseguindo uma vaga na universidade,

não em razão do mérito, e sim por força da cor de sua pele.

A adoção do sistema de cotas raciais nas universidades públicas brasileiras, além de

polêmica, tem gerado diversas ações nos tribunais do país, discutindo-se sua

constitucionalidade, sua justiça e até mesmo a sua eficácia. Paulo Bonavides, diz: “O centro

Page 6: As cotas raciais como estratégia de importação cultural e política

medular do Estado social e de todos os direitos de sua ordem jurídica é indubitavelmente o

princípio da igualdade. Com efeito, materializa, ele, a liberdade da herança clássica. Com esta

compõe um eixo ao redor do qual gira toda a concepção estrutural do estado democrático

contemporâneo. De todos os direitos fundamentais a igualdade é aquele que mais tem subido

de importância no Direito Constitucional de nossos dias, sendo, como não poderia deixar de

ser, o direito chave, o direito guardião do Estado Social”.

Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, manifestou-se em um acórdão pelo

princípio da igualdade:

MS – MANDADO DE INJUNÇÃO N.º 581/400. UF: DF. Data da Decisão: 14/12/1990. D.J.

14/04/1991. Relator: Celso de Mello. Ementa: "Esse princípio – cuja observância vincula,

incondicionalmente, todas as manifestações do poder público – deve ser considerado, em sua

função precípua de obstar discriminações e de extinguir privilégios, sob duplo aspecto:

(a) o da igualdade na lei e

(b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei (...) constitui exigência destinada ao

legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação,

responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo,

pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na

aplicação da norma legal, não poderão suborná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo

ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato

estatal por ele elaborado e produzido a eiva da inconstitucionalidade."

Utilizando o mesmo princípio da igualdade, outro julgado merece destaque:

AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO. Processo: 2008.04.00.007056-6. UF: RS. Data da

Decisão: 25/03/2008. Orgão Julgador: QUARTA TURMA. D.E. 04/04/2008. Juiz: MÁRCIO

ANTÔNIO ROCHA. Decisão Monocrática: Trata-se de agravo de instrumento contra decisão

que deferiu o pedido liminar e determinou à autoridade impetrada que garanta à impetrante a

vaga no curso de Geologia e conceda-lhe o direito de matrícula e de frequência às aulas, sem

o óbice da preferência fundada na Decisão nº 134/2007 do CONSUN e efetivada no Edital do

Concurso Vestibular 2008 (fls. 150/151). (...) Passo a decidir. Segundo a interpretação que

tenho da Constituição Federal não é possível firmar distinção entre os cidadãos para acesso a

serviços públicos, notadamente a educação, baseando-se em critérios genéticos, tal como em

razão da cor, raça ou etnia, nos exatos termos do seu artigo 5º "caput". Embora não se ignore

a necessidade de ampliação da participação de determinados grupos sociais na educação

superior, a forma de se introduzir essa participação deve atender a encaminhamento diverso,

Page 7: As cotas raciais como estratégia de importação cultural e política

ditado pela própria Constituição. Aceito como pano de fundo dessas medidas, a eliminação

das desigualdades sociais, há que se ter em mente que tal preocupação também foi idealizada

pelo constituinte, sem descurar, no entanto, dos princípios igualitários e da proibição de

preceitos baseados em cor ou raça. A tanto, o artigo 3º é claro, impondo intensa coordenação

entre os objetivos fundamentais da República, para que andem unidas as metas de eliminação

das desigualdades sociais e proibição de preconceitos de origem, raça, sexo, cor, etc. (incisos

II e IV). Da interpretação harmônica de tais objetivos republicanos insurge a conclusão de que

se deve sim buscar ações afirmativas para eliminação das desigualdades sociais, não, no

entanto, se baseando em critérios raciais. O ponto de orientação é, e pode ser, unicamente, a

distinção entre classes sociais, distinção tomada tão-só para buscar atendimento do objetivo

fundamental da República Federativa do Brasil de, exatamente, eliminação dessas

desigualdades. Portanto, as ações afirmativas devem dirigir-se às classes desfavorecidas, e

não a determinadas pessoas, em função de sua cor, origem, etc. No aspecto, desnecessário

lembrar que nem todo cidadão de determinada cor ou origem é hipossuficiente, ou precisa de

proteção. Portanto, quanto ao acesso ao ensino superior, razoável unicamente a distinção que

vise privilegiar o acesso das classes menos favorecidas, aí compreendidos, com razoabilidade,

os cidadãos que frequentaram escolas públicas. Aqui a medida ganha inúmeros argumentos

em defesa, notadamente pelo fato de ser esse o ensino disponibilizado pelo Estado a todo

cidadão, independentemente de classe, cor, origem, etc., ensino que, por sua insuficiência,

tem eliminado essa mesma população, quanto ao acesso a universidades , quando confrontada

com alunos egressos de escolas particulares, indisponíveis à enorme maioria da população.

Diante do exposto, defiro parcialmente o pedido de efeito suspensivo nos termos da

fundamentação. Comunique-se ao Juízo de origem. Intime-se a agravada na forma do art. 527,

V, do CPC. Após, voltem conclusos.

O Tribunal de Justiça da Bahia, também, julgou ações sobre o sistema:

Remessa necessária - Mandado de Segurança - Exame vestibular de ingresso em curso

superior - candidata aprovada não pode ter vaga preterida sob argumento de reserva de vagas

em cotas para afrodescendentes - resolução nº 192/2002 da Universidade Pública Estadual não

pode sobrepujar-se ao princípio da isonomia Constitucional -art. 5º, Constituição Federal -

incensurável a sentença concedendo segurança, merecendo confirmação, integra a sentença.

(TJBA - Acórdão nº13422, processo nº 40631-5/2004 - Remessa necessária - Integração de

Sentença - Relator: João Augusto Alves de Oliveira Pinto - Comarca de Barreiras - 4ª Câmara

Cível). Processo: EIAC 2005.33.00.018352-3/BA; EMBARGOS INFRINGENTES NA

Page 8: As cotas raciais como estratégia de importação cultural e política

APELAÇÃO CIVEL. Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA ISABEL

GALLOTTI RODRIGUES. Órgão Julgador: TERCEIRA SEÇÃO. Publicação: 09/03/2009 e-

DJF1 p.41. Data da Decisão: 09/12/2008. Decisão: A Seção, por maioria, suscitou incidente

de inconstitucionalidade perante a Corte Especial. Ementa: ADMINISTRATIVO. ENSINO

SUPERIOR. VESTIBULAR. COTAS. CRITÉRIOS. RESOLUÇÃO. 1. É relevante a

alegação de que a seleção de candidatos ao ensino superior com base em qualquer critério que

não seja a capacidade de cada, um ofende o art. 208, V, da CF. 2. Arguição de

inconstitucionalidade da Resolução CONSEPE 1/2004, instituidora do sistema de cotas no

vestibular da Universidade Federal da Bahia, perante a Corte Especial.

Ainda, a Constituição de 1988, ao tratar do acesso ao ensino superior (art. 208, V),

aduz que o acesso a esse nível depende da capacidade de cada um, isto é, o acesso ao ensino

superior não é um bem indispensável à realização do ser humano, devendo ser ofertado

àqueles que demonstrarem ter capacidade para usufruí-lo. Hipoteticamente, mesmo com a

inclusão no rol de bens necessários à vida boa, o ensino superior, assegurando-se o referido

direito subjetivo a uma vaga no ensino superior, não significaria a reserva de vagas a

determinado grupo étnico, mas seria uma garantia de todos os brasileiros. Dessa forma, a ação

(afirmativa) estatal deve anteceder ao ingresso no ensino superior e às políticas de redução de

desigualdade (sejam raciais, sejam sociais), devendo ser produzidas no ingresso às camadas

fundamentais de ensino.

CONTROVÉRSIAS

A discussão entre a legalidade ou não do sistema de cotas dividiu opiniões, gerando

dois extremos de defesa. O sistema de cotas raciais foi empregado para garantir algumas

vagas para os negros e os índios que residem no nosso país e que almejam conseguir o seu

lugar na sociedade através dos estudos e de uma profissão. Mas, segundo a Constituição

Federal de 1988:

“Art. 3º: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

IV – promover o bem de todos, SEM PRECONCEITOS de origem, RAÇA, sexo, COR, idade

e quaisquer outras formas de discriminação.”

Uma das contradições relacionadas às cotas de cunho racial, frequentemente citadas,

diz respeito à institucionalização do racismo: para alguns críticos, a distinção de etnias por lei

acabaria por agravar o racismo já existente.

Page 9: As cotas raciais como estratégia de importação cultural e política

Em 2008, o STF julgou ações contra o ProUni (Programa Universidade Para Todos),

que oferecia bolsas em universidades particulares a estudantes de baixa renda e, também,

reservava vagas aos que se declaravam negros, pardos ou indígenas.

Yvone Maggie, antropóloga na Universidade Federal do Rio de Janeiro, explica que

é contra a proposta de cotas raciais nas universidades porque ela produz divisões perigosas:

“Essa política exige que o cidadão se defina perante o Estado segundo sua ‘raça’ ou sua

origem. Sabemos que toda a vez que o Estado se imiscuiu nos assuntos de identidade dos

indivíduos, obrigando-os a se definirem, o resultado foi produção da violência”.

Por outro lado, o advogado Renato Ferreira, pesquisador do Laboratório de Políticas

Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, defende que o Brasil precisa encarar a

questão da desigualdade sob o ponto de vista racial, sim: “Até 1970, 90% dos negros eram

analfabetos, porque, após a abolição da escravidão, o Estado os abandonou, ao contrário do

que fez com os imigrantes, que foram financiados pelo governo para virem para o Brasil. O

país precisa dar um valor à diversidade étnica, de gênero etc. entre os espaços de poder

político, cultural e econômico. A saída é a educação pública de qualidade e políticas

temporárias de ações afirmativas que diminuam a grande distância que ainda existe entre

brancos e negros no país”.

José Roberto Militão, militante histórico do movimento negro, advogado, membro da

Comissão de Assuntos Antidiscriminatórios - Conad-OAB/SP - e ex-secretário geral do

Conselho da Comunidade Negra do governo do Estado de São Paulo (1987-1995) – tem

desenvolvido uma grande discussão contrária às cotas raciais, por entendê-las discriminatórias

e inconstitucionais. E no recente artigo, chamado "Afro-brasileiros contra as leis raciais",

escreveu: “As ações afirmativas não fazem reparações do passado, não fazem cotas estatais,

mas atuam com eficácia para que as discriminações históricas não persistam no presente.

Portanto, os afro-brasileiros precisam de políticas públicas de inclusão, indutoras e

garantidoras da promoção da igualdade, e não das cotas de humilhação”.

Recentemente, o PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) divulgou

estudos sobre a participação de negros e pardos no ensino superior (IBGE). É fato que,

também a parcela da população negra que entra nas universidades por meio das cotas ou do

ProUni, em razão do baixo poder aquisitivo, não consegue se manter nos estudos devido aos

altos custos com livros, transportes e despesas geradas pelo curso.

No livro, Não Somos Racistas, o jornalista Ali Kamel desenvolve uma pertinente

conclusão sobre o tema, entendendo que "se o racismo na sociedade brasileira é de fato um

entrave substantivo à mobilidade dos negros, educação somente não basta".

Page 10: As cotas raciais como estratégia de importação cultural e política

CONCLUSÃO

A discriminação e o preconceito são realidades enfrentadas por todos os brasileiros,

independente de cor, raça, credo, religião, sexo ou idade. Embora a efetividade de vários

direitos e deveres previstos na Constituição dependam de políticas públicas concretas e

patrocinadas pelo Estado, a Carta Magna Brasileira determina claramente os limites que

devem ser mantidos para proteger a justiça, ou seja, projetou a instalação de uma sociedade

estruturada segundo o modelo do Welfare State, que visa a consolidação da democracia.

A questão central é se a política de cotas raciais, realmente, é o instrumento

adequado para a promoção da cultura negra, abrandamento dessa dívida histórica e redução da

discriminação racial no Brasil.

Esse modelo de cotas é edificado a partir das cotas implementadas na década de 60

nos EUA. A discriminação racial brasileira tem um caráter assimilacionista, enquanto a

discriminação racial norte-americana é segregacionista.

O sistema de cotas raciais nas universidades públicas brasileiras, implantado como

políticas afirmativas para diminuir as diferenças sociais existentes entre brancos e negros,

causadas pelo sistema escravagista dos séculos XVIII e XIX, foi adotado como política social

de desenvolvimento, porém sua efetivação contraria os preceitos constitucionais.

Um ponto importante que não podemos esquecer é que se as cotas são oferecidas

para os negros e indígenas, então quer dizer que eles não são tão capazes como as pessoas

brancas? Devemos observar quais instrumentos, jurídica e culturalmente, poderemos utilizar

para a redução da discriminação racial, conforme a nossa realidade.

O Brasil é composto por uma miscigenação tão grandiosa que é inseparável, é

indivisível. Não é a cor da pele que determina o merecimento do cidadão. Investir em uma

separação de raças, como quer o sistema de cotas raciais e o Estatuto da Igualdade Racial, é

violar os preceitos da Constituição, os princípios da igualdade, da justiça e, também, da

legalidade.

Diante do exposto, pode-se concluir que a lei que determina cotas para ingresso nas

universidades públicas do País, utilizando como critério de classificação a cor da pele, é, no

mínimo, absurda, uma vez que fere os preceitos fundamentais da Norma Constitucional

Brasileira, ou seja, o pilar da justiça brasileira. Os danos causados aos descendentes dos

Page 11: As cotas raciais como estratégia de importação cultural e política

escravos africanos não podem ser compensados com uma vaga na universidade ou

qualificando sua capacidade sócio-intelectual em decorrência da pigmentação que possui.

UNIVERSIDADES BRASILEIRAS COM PROGRAMAS DE AÇÃO AFIRMATIVA

• Universidade Estadual do Oeste do Paraná;

• Universidade Estadual de Montes Claros;

• Universidade do Estado da Bahia;

• Universidade de Brasília;

• Universidade do Estado do Rio de Janeiro;

• Universidade Estadual do Norte Fluminense;

• Universidade Federal do Acre;

• Universidade Federal de Alagoas;

• Universidade Federal de Sergipe;

• Universidade Estadual da Paraíba;

• Universidade Federal da Bahia;

• Universidade Federal de Goiás;

• Universidade Federal do Espírito Santo;

• Universidade do Estado de Minas Gerais;

• Universidade Federal do Maranhão;

• Universidade Federal do Pará;

• Universidade Federal da Paraíba;

• Universidade Federal do Paraná;

• Universidade Federal de Pernambuco;

• Universidade Federal do Piauí;

• Universidade Federal do Rio Grande do Norte;

• Universidade Federal do Rio Grande do Sul;

• Universidade Tecnológica Federal do Paraná;

• Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia;

• Universidade do Estado de Mato Grosso;

• Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul;

• Universidade Federal do Rio de Janeiro;

• Universidade Estadual de Londrina;

• Universidade Federal de Santa Catarina;

Page 12: As cotas raciais como estratégia de importação cultural e política

• Universidade Federal de Juiz de Fora.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Fábio Portela Lopes de; SIMON, Henrique Smidt. Sobre a política de cota de

negros no sistema de acesso ao ensino superior. Jus Navigandi, Teresina, ano 08, n. 467, 17

out. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5810>.

Amendment 13 - Slavery Abolished. Ratified 12/6/1865. 1. Neither slavery nor involuntary

servitude, except as a punishment for crime whereof the party shall have been duly convicted,

shall exist within the United States, or any place subject to their jurisdiction. 2. Congress shall

have power to enforce this article by appropriate legislation. Disponível em:

<http://www.usconstitution.net/const.html>

Page 13: As cotas raciais como estratégia de importação cultural e política

As Cotas Raciais. Disponível em: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/jose-roberto-

militao-as-cotas-raciais/ Acesso em: 01 jun. 2009.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13ª ed. rev. e atual. São Paulo:

Malheiros, 2003.

BRASIL. Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão – IBGE. Metodologia do Censo

Demográfico 2000. Rio de Janeiro, 2003. Disponível em:

http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/metodologia/default.shtm

BRASIL. Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão – IBGE. Síntese de Indicadores

Sociais 2006. Rio de Janeiro, 2007. Disponível em:

http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/

sinteseindicsociais2006/default.shtm

BRASIL. PL N.º 6264 de 25 de novembro de 2005. Institui o Estatuto da Igualdade Racial.

Disponível em: http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?

p_cod_mate=58268 BRASIL.

PLC N.º 180 de 25 de novembro de 2008. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais

e estaduais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras

providências. Disponível em: http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?

p_cod_mate=88409

BUARQUE, Cristovam. O colapso da modernidade brasileira e uma proposta alternativa. Rio

de Janeiro: Terra e Paz, 1991. p. 15.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 14ª ed. Belo Horizonte: Del Rey,

2008, p. 733.

Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino. Ação Direta de

Inconstitucionalidade N.º 3.330. Disponível em: http://www.stf.jus.br.

Page 14: As cotas raciais como estratégia de importação cultural e política

Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino. Ação Direta de

Inconstitucionalidade N.º 3.197. Disponível em: http://www.stf.jus.br.

COUTINHO, João Hélio de Farias Moraes. Uma abordagem da neutralidade axiológica do

conceito de isonomia a partir do jusnaturalismo e do juspositivismo enquanto tipos ideais.

Disponível em:

www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_85/Artigos/PDF/JoaoMoraes_Rev85.pdf

DUFAUR, Luis. Cotas nas Universidades: achatamento e luta de classes. Disponível em:

http://www.catolicismo.com.br/materia/materia.cfm?IDmat=92872112-C53B-319C-

F62C33EF3E58B5E0&mes=Agosto2004

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. São Paulo: Malheiros,

2003.

GODOY, Norton. Somos todos um só. Istoé, São Paulo, n.º 1520, 18 nov. 1998.

KAMEL, Ali. Não somos racistas: uma reação aos que querem nos transformar numa nação

bicolor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

LOYOLA, L. et. al. Cotas para quê? Época, São Paulo, n.º 568, 06 abr. 2009.

MACÊDO, Márcia Andréa Durão de. Cotas raciais nas universidades brasileiras. Legalização

da discriminação. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2263, 11 set. 2009. Disponível em:

http://jus.com.br/revista/texto/13491.

MANIFESTO Cento e Treze cidadãos anti-racistas contra as leis raciais. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u401519.shtml

MELLO, Celso Antonio Bandeira. O Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São

Paulo: Malheiros, 2009.

Page 15: As cotas raciais como estratégia de importação cultural e política

MILITÃO, José Roberto F. Afro-brasileiros contra as leis raciais. Estado de São Paulo, São

Paulo, 25 mar. 2009. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/962281/artigo-jose-

roberto-f-militao-afro-brasileiros-contra-leis-raciais Acesso em: 01 jun. 2009.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.

PEREIRA, C. Uma Segunda Opinião. Veja. São Paulo, edição n.º 2102 – ano 42 – n.º 08, 04

mar. 2009.

PENA, S.; BORTOLINI, M. Pode a genética definir quem deve se beneficiar das cotas

universitárias e demais ações afirmativas? Revista Estudos Avançados, v. 18, n.º 50, São

Paulo, 17 fev. 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?

script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000100004

RECIFE. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Processo N.º 20050500012442-4.

Desembargador Petrucio Ferreira. Recife 03 out. 2006. Disponível em:

http://www.trf5.jus.br/archive/2006/11/200505000124424_20061127.pdf Acesso em: 01 jun.

2009.

SANTOS, Élvio Gusmão. Igualdade e raça. O erro da política de cotas raciais. Jus Navigandi,

Teresina, ano 13, n. 2041, 1 fev. 2009. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12281>.

SCHNEIDER, Anderson. Sistema de Cotas. Veja.com. jun 2008. Disponível em:

http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/perguntas_respostas/cotas/index.shtml

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 6ª ed. São Paulo: Malheiros,

2009.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª ed. São Paulo:

Malheiros, 2004.

SOARES, Hector Cury. As cotas raciais como estratégia de importação cultural e política.

Rev. Sociologia Jurídica. nº. 7. 2011.

Page 16: As cotas raciais como estratégia de importação cultural e política

SOWELL, Thomas. Ação Afirmativa ao Redor do Mundo – Estudo Empírico. Editora

UniverCidade: Rio de Janeiro,2004.

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Sistema de Cotas. Disponível em:

http://www.unb.br/estude_na_unb/sistema_de_cotas#entenda

VARJÃO, Suzana. Fundação Palmares. Disponível em: www.eshoje.com.br

WELFARE State. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Estado_de_bem-estar_social

Page 17: As cotas raciais como estratégia de importação cultural e política