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Artigos São Paulo / NOVEMBRO 2018 1 Artigo publicado no livro “Estudos de Direito Tributário - 40 anos de Mariz de Oliveira e Siqueira Campos Advogados”, São Paulo, 2018, p. 349-365. Autora: Gabriel Campos Raymundo O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E A NECESSIDADE DE REINTERPRETAÇÃO DO ART. 170-A DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL 1. Introdução O art. 170-A do Código Tributário Nacional (CTN) foi introduzido pela Lei Complementar n. 104, de 10 de janeiro de 2001, prevendo que a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, somente pode ocorrer após o trânsito em julgado da respectiva decisão judicial. Ocorre que, desde sua introdução até o presente momento, o ordenamento jurídico pátrio sofreu diversas alterações de ordem constitucional e infraconstitucional, sendo a mais recente o novo Código de Processo Civil, instituído pela Lei n. 13105, de 16 de março de 2015. Dentre as diversas alterações promovidas, o novo Diploma Processual estabeleceu um sistema de precedentes que devem ser observados pelos juízes no momento de proferir suas decisões e que também servem como forma de orientação da sociedade como um todo, já que este sistema confere maior segurança jurídica e estabilidade aos jurisdicionados, garantindo, também, maior eficiência, celeridade e razoável duração do processo.

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Artigo publicado no livro “Estudos de Direito Tributário - 40 anos de Mariz de Oliveira e Siqueira Campos Advogados”, São Paulo, 2018, p. 349-365.

Autora: Gabriel Campos Raymundo O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E A NECESSIDADE DE REINTERPRETAÇÃO DO ART. 170-A DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

1. Introdução O art. 170-A do Código Tributário Nacional (CTN) foi introduzido

pela Lei Complementar n. 104, de 10 de janeiro de 2001, prevendo que a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, somente pode ocorrer após o trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.

Ocorre que, desde sua introdução até o presente momento, o

ordenamento jurídico pátrio sofreu diversas alterações de ordem constitucional e infraconstitucional, sendo a mais recente o novo Código de Processo Civil, instituído pela Lei n. 13105, de 16 de março de 2015.

Dentre as diversas alterações promovidas, o novo Diploma

Processual estabeleceu um sistema de precedentes que devem ser observados pelos juízes no momento de proferir suas decisões e que também servem como forma de orientação da sociedade como um todo, já que este sistema confere maior segurança jurídica e estabilidade aos jurisdicionados, garantindo, também, maior eficiência, celeridade e razoável duração do processo.

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Consolidado no novo Código de Processo Civil, o sistema de precedentes é fruto da evolução da legislação processual ocorrida com o passar dos anos e que teve como grande marco a Emenda Constitucional n. 45, de 30 de dezembro de 2004, também denominada Reforma do Poder Judiciário, que, entre outras alterações, introduziu uma nova garantia fundamental, conforme disposto no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

O advento do mencionado inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição

Federal permitiu que diversas outras alterações na legislação infraconstitucional fossem realizadas, sempre com o mesmo objetivo de assegurar os meios para garantir a razoável duração do processo e a celeridade de sua tramitação, como é o caso da sistemática de julgamento dos recursos repetitivos, que por sua vez deu fundamento à autorização para a Procuradora-Geral da Fazenda Nacional autorizar a não contestação, a não interposição de recursos ou a desistência dos já interpostos, caso a questão em debate já esteja decidida em julgamento realizado pela sistemática dos recursos repetitivos.

Um ano após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil,

verifica-se que o sistema de precedentes já está sendo devidamente incorporado na dinâmica dos juízes, dos jurisdicionados e dos tribunais, caminhando para uma total incorporação, já que os benefícios decorrentes são imediatamente percebidos.

Em paralelo à evolução percebida em relação à legislação

processual, o mesmo também ocorreu em relação ao regime de compensação, que, além de significativas mudanças e aprimoramentos de cunho procedimental, atualmente é administrado e operacionalizado, em quase sua integridade, mediante sistema eletrônico de processamento e cruzamento de dados, permitindo que a Receita Federal do Brasil tenha absoluto controle sobre cada umas das compensações realizadas pelos contribuintes.

Nesse contexto, diante das relevantes alterações ocorridas nos

últimos anos, faz-se necessária a reinterpretação do art. 170-A do CTN, que até o presente momento tem sido interpretado de forma rigorosamente literal, como pode ser percebido na decisão proferida no Recurso Especial n. 1.167.039/DF,

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julgado em 2010 pela sistemática dos recursos repetitivos, no qual restou consolidado o entendimento de que a vedação prevista no art. 170-A do CTN é aplicada inclusive nas hipóteses de tributo que já tenha sido declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Assim é que surge a necessidade de se interpretar o art. 170-A do

CTN sob a perspectiva do novo cenário das normas processuais, que visam assegurar os meios para garantir a razoável duração do processo e a celeridade de sua tramitação, bem como diante das novas regras e procedimentos do regime de compensação, como forma de permitir a compensação de tributos, ainda que o direito creditório se encontre pendente de discussão judicial.

2. Evolução do sistema de precedentes Para melhor compreensão, faz-se necessário esclarecer, ainda que

brevemente, a noção de precedente, que na definição dada por Fredie Didier Jr.1 é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos.

Nessa definição, referido autor sustenta que o precedente é

composto de três elementos: a) circunstâncias de fato que embasam a controvérsia; b) tese ou o princípio jurídico assentado na motivação (ratio decidendi) do provimento decisório; c) argumentação jurídica em torno da questão. E destes três elementos o que se destaca é a ratio decidendi, pois é este elemento que vincula o julgamento posterior, ou seja, são as razões de decidir do precedente que, como regra geral, poderão ser aplicadas em outras demandas semelhantes.

O precedente é também importante instrumento de garantia da

segurança e confiança jurídica, pois seu efeito vinculante mantém um linear jurídico por meio de decisões padronizadas aplicadas aos mesmos fatos jurídicos. Por assim ser, evidente que o precedente não é algo imutável, já que as circunstâncias de fato que embasam a controvérsia podem deixar de existir, ou mesmo se tornarem obsoletas com o passar dos anos. Assim, o precedente não 1 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 11. ed. Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 455.

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tem o condão de imobilizar as relações sociais ou impedir a jurisdição de produzir um direito apropriado com a realidade e com os novos tempos2.

Nessa medida, em razão de seu efeito vinculante, caso seja

observado que determinado precedente se tornou ultrapassado, é indispensável a modulação dos efeitos da decisão de revogação, mas sempre com efeitos prospectivos, já que não se mostra razoável que sua revogação atinja situações passadas, como forma de prestigiar a segurança jurídica e a confiança.

A valorização do precedente no ordenamento jurídico pátrio

ocorreu de forma gradativa, até sua consagração no novo Código de Processo Civil, que está alicerçado em normas fundamentais que visam garantir maior celeridade e racionalidade no julgamento dos processos, além de proporcionar maior segurança jurídica e diminuição da litigiosidade, por meio da valorização dos precedentes e uniformização da jurisprudência.

Este novo Código é resultado da evolução ocorrida ao longo de mais

de 40 anos de vigência do Código de Processo Civil de 1973, que, paulatinamente, sofreu alterações para se adequar às necessidades dos jurisdicionados, dos juízes e dos tribunais, necessidades estas que surgiram principalmente em decorrência do exponencial aumento das demandas ajuizadas.

Dentre as alterações promovidas, destacam-se aquelas que tinham

por objeto a uniformização da jurisprudência e buscavam maior celeridade na resolução das demandas, como é o caso Lei n. 9.756, de 17 de dezembro de 1998, que promoveu alterações no art. 557 do Código de Processo Civil, passando a permitir ao relator, em decisão monocrática, negar seguimento a recurso em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior ou dar provimento ao recurso se a decisão recorrida estivesse em manifesto confronto com estes precedentes.

Anos depois, no âmbito constitucional, mas com diretos reflexos na

legislação processual, em 30 de dezembro de 2004, foi promulgada a Emenda 2 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 157.

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Constitucional n. 45, também denominada Reforma do Poder Judiciário, que, entre outras alterações, introduziu uma nova garantia fundamental: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal).

Esse preceito fundamental atribui ao Poder Público a necessidade

de fazer aquilo que for necessário para efetivar a duração razoável do processo e o implemento de meios que garantam a celeridade da sua tramitação. Como consequência, impõe-se rever a habilidade do procedimento para atingir a finalidade processual, sua flexibilidade para atender aos interesses em jogo e à segurança com que se garantem os direitos questionados. Inclui-se, de logo, nos parâmetros de durabilidade do processo, o tempo prudente e justo para que a decisão jurisdicional renda a eficácia esperada, ou seja, a razoabilidade se estende não ao tempo de afirmação do direito em litígio, senão à própria execução da decisão, à realização de seu conteúdo, à aplicação efetiva do direito3.

Assim, o inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal resultou

em diversas alterações na legislação processual, sempre com o mesmo objetivo de assegurar os meios para garantir a razoável duração do processo e a celeridade de sua tramitação.

Diante desse preceito constitucional, é possível observar que no

âmbito do processo administrativo a Lei n. 11.457, de 16 de março de 2007, conhecida como Lei da Super-Receita4, estabeleceu em seu art. 24 a obrigatoriedade de observação do prazo de 360 dias para que seja proferida

3 ALARCON, Pietro de Jesus Lora. Reforma do Judiciário. Coord. TAVARES, André Ramos, LENZA, Pedro. São Paulo: Método, 2005. 4 Cria a Secretaria da Receita Federal do Brasil, mediante fusão da Secretaria da Receita Federal e da Secretaria da Receita Previdenciária, que fica extinta. A Receita Federal do Brasil passa a acumular a competência para planejar, executar, acompanhar e avaliar as atividades relativas a tributação, fiscalização, arrecadação, cobrança e recolhimento das contribuições previdenciárias das empresas, dos trabalhadores e dos empregadores domésticos, bem como a fiscalização das contribuições devidas a terceiros, assim entendidas outras entidades e fundos, bem como a contribuição para o salário-educação.

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decisão administrativa a contar da data do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte.

Já no âmbito judicial, como forma de assegurar os meios para

garantir a razoável duração do processo e a celeridade de sua tramitação, as Leis n. 11418, de 19 de dezembro de 2006, e n. 11672, de 8 de maio de 2008, promoveram importantes alterações no então vigente Código de Processo Civil, de modo a regulamentar o regime da repercussão geral e estabelecer o procedimento para julgamento de recursos repetitivos no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, conforme os arts. 543-A, 543-B e 543-C do Código de Processo Civil de 1973.

De fato, com o advento da sistemática de julgamento dos recursos

repetitivos, diversos temas controvertidos foram consolidados, principalmente em matéria tributária, de modo a uniformizar a jurisprudência e permitindo maior celeridade aos processos em curso e segurança jurídica aos contribuintes.

Em que pese a grande evolução trazida pelos arts. 543-B e 543-C, a

vinculação dos precedentes julgados na forma de recursos repetitivos sempre esteve limitada aos recursos especial e extraordinário interpostos pelas partes, de modo que os juízes de primeira instância e os Tribunais de segunda instância não estavam obrigados a aplicar o entendimento firmado.

No entanto, com a consolidação dos recursos repetitivos, outras

alterações foram realizadas no sentido de dar maior abrangência ao sistema de precedentes, como é o caso da Portaria do Ministro da Fazenda n. 586, de 21 de dezembro de 2010, que introduziu o art. 62-A, no Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, para determinar a reprodução das decisões de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, na sistemática prevista pelos arts. 543-B e 543-C, no julgamento dos recursos no âmbito do tribunal administrativo.

A mais recente alteração, antes do novo Código de Processo Civil, foi

realizada pela Lei n. 12844, de 19 de julho de 2013, que alterou o art. 19 da Lei n. 10522/2002 para autorizar que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional deixe de contestar, interpor recurso ou desistir dos que já tenham sido interpostos nos

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casos que versem sobre matéria que já tenha sido objeto de decisão proferida nos termos dos arts. 543-B e 543-C do Código de Processo Civil de 1973.

No mesmo sentido, o § 4º do referido art. 195 determina que a

Receita Federal do Brasil não constitua créditos tributários relativos às matérias decididas na sistemática de julgamento dos recursos repetitivos, após manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a qual deve ocorrer nos termos da Portaria Conjunta PGFN/RFB n. 1, de 12 de fevereiro de 2014.

Todas essas alterações, além de diversas outras ocorridas, foram

consolidadas no novo Código de Processo Civil de modo a formar o sistema de precedentes, que está estabelecido em diversos artigos, como é o caso do § 1º do art. 489, que em seus incisos V e VI, dispõe que não se considera fundamentada a decisão judicial que: (i) se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; (ii) deixar de seguir precedente ou jurisprudência invocada pela parte, sem mostrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento, in verbis:

“Art. 489. [...]. § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: [...] V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.

5 “§ 4º A Secretaria da Receita Federal do Brasil não constituirá os créditos tributários relativos às matérias de que tratam os incisos II, IV e V do caput, após manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional nos casos dos incisos IV e V do caput.”

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Cabe destacar que o disposto no inciso VI positiva as técnicas de confronto, interpretação e aplicação do precedente, o distinguishing e a sua superação overrulling6.

A necessidade de ser observado o disposto no § 1º do art. 489 é

decorrente da norma fundamental de dever de fundamentação das decisões, prevista no art. 11 do Diploma Processual, bem como é corroborada pelo inciso II, do parágrafo único do art. 1.022, que considera omissa a decisão que incorra em qualquer das hipóteses do referido § 1º.

O sistema de precedentes também é delineado nos arts. 926 e 927

do Diploma Processual:

“Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I – as decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade; II – os enunciados de súmula vinculante;

6 “Fala-se em distinguishing (ou distinguish) quando houver distinção entre o caso concreto (em julgamento) e o paradigma, seja porque não há coincidência entre os fatos fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi (tese jurídica) constante no precedente, seja porque, a despeito de existir uma aproximação entre eles, alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta a aplicação do precedente. (…) Overruling é a técnica através da qual um precedente perde a sua força vinculante e é substituído (overruled) por outro precedente. O próprio tribunal que firmou o precedente pode abandoná-lo em julgamento futuro, caracterizando o overruling. Assemelha-se à revogação de uma lei por outra. Essa substituição pode ser (i) expressa (express overruling), quando um tribunal resolve, expressamente, adotar uma nova orientação, abandonando a anterior; ou (ii) tácita (implied overruling), quando uma orientação e adotada em confronto com posição anterior, embora sem expressa substituição desta última.” (DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 11. ed. Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 504, 507 e 508).

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III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. § 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º, quando decidirem com fundamento neste artigo. § 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do STF e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia”.

Além da sistemática de julgamento dos recursos repetitivos, o novo

Código de Processo Civil criou o Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva (IRDR), disciplinado entre os arts. 976 e 987, instrumento processual de uniformização da jurisprudência nos tribunais, com aplicação do precedente a todos os processos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal.

Nesse contexto, a consolidação do sistema de precedentes tornou

possível a previsão da tutela provisória de evidência, que é concedida independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado

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útil do processo, conforme hipóteses elencadas nos incisos do art. 311 do Código de Processo Civil, dentre elas se destaca a hipótese de quando as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante.

A tutela de evidência tem como objetivo a redistribuição do ônus

inerente ao tempo necessário para a concessão da tutela definitiva, já que a probabilidade de êxito da parte adversa é baixa, mesmo após a instrução processual exauriente.

Portanto, é neste novo sistema jurídico que o art. 170-A do CTN se

encontra inserido. A ordem processual atualmente em vigor busca garantir a razoável duração do processo, a celeridade de sua tramitação, por meio da uniformização da jurisprudência, de modo que a interpretação literal do referido dispositivo não pode ser vista como a mais adequada.

3. O art. 170-A do CTN – Histórico: contexto de sua criação e

razão de existir A Lei Complementar n. 104, de 10 de janeiro de 2001, introduziu o

art. 170-A ao Código Tributário Nacional, cuja redação é a seguinte:

“Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial”.

A simples leitura do dispositivo já permite extrair a nítida intenção

do legislador de restringir o procedimento de compensação nos casos de ajuizamento de ações que tenham por objeto a discussão de um determinado direito creditório do contribuinte, impondo a vedação à realização da compensação antes do trânsito em julgado da decisão judicial que declare a certeza do crédito do contribuinte.

Assim, por meio do referido dispositivo legal, o legislador pretendeu

garantir segurança às relações jurídicas, a fim de evitar a fruição da compensação nos casos em que a validade do tributo é questionada judicialmente pelo contribuinte. Buscou-se, portanto, evitar eventual prejuízo

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que poderia ser causado aos cofres públicos, ante a ausência de liquidez e certeza dos créditos discutidos na ação judicial.

Entretanto, é de se ponderar que o art. 170-A do CTN foi introduzido

em razão de um determinado contexto histórico, que foi severamente alterado, conforme brevemente narrado a seguir.

No âmbito dos débitos de competência federal, o primeiro

dispositivo que previu as condições e garantias para autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do contribuinte contra a Fazenda Pública foi o art. 66 da Lei n. 8.383, de 30 de dezembro de 1991, que passou a prever a possibilidade de compensação de tributos, contribuições federais, inclusive previdenciárias, e receitas patrimoniais, com créditos da mesma espécie. À época, conforme regulamentação dada pela Instrução Normativa DPRF n. 67, de 26 de maio de 1992, as compensações dependiam de prévia solicitação à unidade da Receita Federal jurisdicionante do domicílio fiscal do contribuinte, ao passo que as compensações eram efetivadas diretamente no documento de declaração do débito (DCTF e GFIP).

Pouco tempo depois, como forma de dar maior abrangência à

compensação, que ainda era realizada diretamente no documento de declaração, a Lei n. 9.430, de 27 de dezembro de 1996, em seu art. 74, estabeleceu um novo regime de compensação, no qual o contribuinte poderia compensar seus créditos com quaisquer outros tributos administrados pela então denominada Secretaria da Receita Federal. Neste rol não constavam as contribuições previdenciárias, que eram administradas pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

Ocorre que, com o exponencial crescimento do número de

contribuintes que realizavam compensação de seus créditos, surgiram alguns poucos que imbuídos de má-fé adotaram medidas fraudulentas para indevidamente se beneficiarem do instituto da compensação.

Esses contribuintes, se valendo da precariedade do controle

exercido pela Receita Federal do Brasil, já que as compensações eram realizadas diretamente nas declarações, bem como que tais informações demandavam certo tempo para serem analisadas e suas informações cruzadas, ajuizaram

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diversas ações com pedidos liminares, que, sem a prévia comprovação da liquidez e certeza do crédito pleiteado, eram concedidas para autorizar a compensação dos valores.

Vale ressaltar que a liquidez e certeza do direito creditório são

requisitos previstos no caput do art. 170 do Código Tributário Nacional, in verbis:

“Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública”.

Nesse contexto, é certo que naquela época, início dos anos 2000, a

legislação processual, nos moldes então vigentes, somente permitia que as decisões produzissem efeitos após a certificação do trânsito em julgado da causa, oportunidade em que poderia se averiguar, em definitivo, a liquidez e certeza do direito creditório passível de compensação.

Ainda, é importante o registro que, depois da introdução do art.

170-A do CTN, outras relevantes alterações ocorreram, como, por exemplo, a informatização da compensação, que deixou de ser informada diretamente nas declarações dos contribuintes e passou a ser informada em um sistema informatizado próprio, por meio do programa de Pedido Eletrônico de Ressarcimento ou Restituição e Declaração de Compensação – PER/DCOMP, aprovado pela Instrução Normativa SRF n. 320, de 11 de abril de 2003.

Esta nova forma de operacionalização dos pedidos de compensação

decorreu das alterações promovidas pela Lei n. 10637, de 30 de dezembro de 2002, que pelo seu art. 49 deu nova redação ao art. 74 da Lei n. 9.430/96.

Logo de início o PER/DCOMP se mostrou extremamente eficaz,

permitindo que a Receita Federal do Brasil constatasse mais de 280 mil irregularidades nos pedidos de compensação apresentados entre 2003 e 2005, sendo certo que até agosto de 2006, conforme noticiado no sítio eletrônico da

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própria Receita Federal do Brasil7, 30 mil notificações já haviam sido enviadas a 6 mil contribuintes, cujo valor dos processos somava R$ 1,2 bilhão.

Um ano depois, o art. 74 sofreu nova alteração, desta vez nos termos

do art. 17 da Medida Provisória n. 135, de 30 de outubro de 2003, posteriormente convertida na Lei n. 10.833, de 29 de dezembro de 2003, que, entre outras alterações, incluiu o § 6º que determina que “A declaração de compensação constitui confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência dos débitos indevidamente compensados”.

Com efeito, antes desta relevante alteração, qualquer que fosse a

diferença apurada em uma compensação indevidamente realizada pelo contribuinte, a Receita Federal do Brasil estava obrigada a realizar o lançamento de ofício, como expressamente previsto no art. 90 da Medida Provisória n. 2.158/35, de 24 de agosto de 20018 e posteriormente consolidado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. SUPOSTA OFENSA AO ART. 535 DO CPC. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. EXISTÊNCIA DE FUNDAMENTO AUTÔNOMO NÃO IMPUGNADO NAS RAZÕES RECURSAIS. SÚMULA 283/STF. COMPENSAÇÃO INFORMADA EM DCTF. REJEIÇÃO PELO FISCO. NECESSIDADE DE NOVO LANÇAMENTO. QUANTO ÀS DCTFs APRESENTADAS ANTES DE 31.10.2003. DECADÊNCIA CONFIGURADA NA ESPÉCIE. 1. É deficiente a fundamentação do recurso especial em que a alegação de ofensa aos art. 535 do CPC se faz de forma genérica, sem a demonstração exata dos pontos pelos quais o acórdão se fez omisso, contraditório ou obscuro. Aplica-se, na hipótese, o óbice da Súmula 284/STF.

7 Disponível em: <https://idg.receita.fazenda.gov.br/noticias/ascom/2006/agosto/receita-intima-55-mil-contribuintes-por-compensacao-de-credito-indevida>. 8 “Art. 90. Serão objeto de lançamento de ofício as diferenças apuradas, em declaração prestada pelo sujeito passivo, decorrentes de pagamento, parcelamento, compensação ou suspensão de exigibilidade, indevidos ou não comprovados, relativamente aos tributos e às contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal.”

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2. “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles” (Súmula 283/STF). 3. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que no sentido de que antes de 31.10.2003 havia a necessidade de lançamento de ofício para se cobrar a diferença dos débitos apurados em DCTF decorrentes de compensação indevida; de 31.10.2003 em diante (eficácia da MP n. 135/2003, convertida na Lei n. 10.833/2003) o lançamento de ofício deixou de ser necessário para a hipótese, no entanto, o encaminhamento de débitos apurados em DCTF decorrentes de compensação indevida para inscrição em dívida ativa passou a ser precedido de notificação ao sujeito passivo para pagar ou apresentar manifestação de inconformidade, recurso este que suspende a exigibilidade do crédito tributário na forma do art. 151, III, do CTN (art. 74, § 11, da Lei n. 9.430/96). 4. No caso dos autos, impõe-se reconhecer a decadência das compensações informadas em DCTFs antes de 31.10.2003. 5. Agravo interno não provido9”.

Nesse contexto, verifica-se que atualmente o regime de

compensação evoluiu significativamente em relação ao regime existente à época da introdução do art. 170-A do CTN. Como visto, a evolução do regime trouxe maiores garantias e controle ao Fisco, que passou a combater de forma mais precisa os contribuintes que tentassem obter vantagens indevidas a partir dos pedidos de compensação.

Em paralelo, como já adiantado, o sistema de precedentes da

legislação processual também foi completamente alterado desde a introdução do referido dispositivo, motivo pelo qual surge a necessidade de reinterpretação do art. 170-A do CTN, adequando suas disposições ao atual momento, no qual se busca garantir a razoável duração do processo, a celeridade de sua tramitação, por meio da uniformização da jurisprudência.

9 AgInt nos EDcl no REsp 1.572.542/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 07.06.2016, DJe 16.06.2016.

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4. A jurisprudência sobre o art. 170-A do CTN Logo após sua introdução no ordenamento jurídico, o art. 170-A do

CTN foi objeto de análise e crítica pela doutrina pátria, mas dentre os diversos questionamentos realizados, dois assuntos tomaram maior relevância na pauta de julgamento dos tribunais.

A primeira grande discussão envolvendo o art. 170-A do CTN foi em

relação a sua aplicação intertemporal, já que, antes mesmo da publicação da Lei Complementar n. 104/2001, diversas ações judiciais, discutindo a legitimidade de exações tributárias, já haviam sido ajuizadas, como, por exemplo, as ações ajuizadas para discutir as alterações na base de cálculo e alíquota do PIS e da COFINS, promovidas pela Lei n. 9718, de 27 de novembro de 1998, ou mesmo aquelas que questionavam a constitucionalidade do aumento da alíquota do Finsocial.

Por ter impacto direto na arrecadação de tributos e,

consequentemente, nas contas públicas, desde logo a União Federal defendeu a aplicação imediata da vedação prevista no art. 170-A do CTN. No entanto, os contribuintes que haviam ajuizado ações antes da entrada em vigor do dispositivo pugnaram pela possibilidade de compensação dos créditos reconhecidos, que em muitos casos decorriam de ações de repetição de indébito cujo mérito da discussão já havia sido decidido em definitivo pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça.

Coube ao Superior Tribunal de Justiça definir a questão. Após

diversos recursos julgados, alguns inclusive em sede de embargos de divergência (EREsp 880.970/SP, 1ª Seção, Min. Benedito Gonçalves, DJe de 04.09.2009; e EREsp 359.014/PR, 1ª Seção, Min. Herman Benjamin, DJ de 01.10.2007), a questão foi definitivamente decidida nos autos do Recurso Especial n. 1.164.452/MG, julgado na sistemática de julgamento de recursos repetitivos, conforme previsto no art. 543-C do Código de Processo Civil de 1973. Confira-se a ementa do julgado:

“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA. LEI APLICÁVEL. VEDAÇÃO DO ART. 170-A DO CTN. INAPLICABILIDADE A DEMANDA ANTERIOR À LC 104/2001.

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1. A lei que regula a compensação tributária é a vigente à data do encontro de contas entre os recíprocos débito e crédito da Fazenda e do contribuinte. Precedentes. 2. Em se tratando de compensação de crédito objeto de controvérsia judicial, é vedada a sua realização “antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial”, conforme prevê o art. 170-A do CTN, vedação que, todavia, não se aplica a ações judiciais propostas em data anterior à vigência desse dispositivo, introduzido pela LC 104/2001. Precedentes. 3. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/0810”.

Como se depreende, o Superior Tribunal de Justiça consolidou seu

posicionamento no sentido de admitir a incidência da norma prevista no art. 170-A do CTN apenas para as demandas ajuizadas após sua entrada em vigor, o que ocorreu na data da publicação da Lei Complementar n. 104/2001, publicada no DOU de 11 de janeiro de 2001.

Desta decisão pode-se concluir que a norma prevista no art. 170-A

do CTN possui natureza material e não processual, pois, caso tivesse natureza processual, o Superior Tribunal de Justiça teria admitido sua eficácia imediata relativamente aos processos em curso.

Ainda, na mesma oportunidade que a Primeira Seção do Superior

Tribunal de Justiça se reuniu para decidir a aplicação intertemporal do disposto no art. 170-A do CTN, outra grande questão envolvendo referido dispositivo também foi submetida a julgamento. Tal questão com repercussão envolvendo o art. 170-A do CTN possui bastante relevância no presente trabalho, pois a controvérsia solucionada pelo Superior Tribunal de Justiça tratava da possibilidade de afastar a vedação de compensação na hipótese de demanda que versasse sobre direito creditório decorrente de tributo cuja inconstitucionalidade já havia sido reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal.

10 REsp 1.164.452/MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Seção, julgado em 25.08.2010, DJe 02.09.2010.

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Na oportunidade, o Superior Tribunal de Justiça analisou a demanda objeto do Recurso Especial 1.167.039/DF, em que o contribuinte visava ter assegurado o direito de compensar os valores indevidamente recolhidos a título de PIS, apurados na forma dos Decretos-leis n. 2.445 e 2.449, ambos de 1988. Referidos decretos-leis que à época do julgamento há muito já haviam sido extirpados do ordenamento jurídico, conforme Resolução do Senado Federal 49/95, que suspendeu a execução dos decretos-leis declarados inconstitucionais Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 148.754/RJ.

Ora, como já apontado, o comando normativo do art. 170-A do CTN

busca evitar eventual prejuízo que poderia ser causado aos cofres públicos, ante a ausência de certeza dos créditos discutidos na ação judicial. Ou seja, buscou-se evitar a situação de compensação e posterior não reconhecimento do direito creditório, sendo certo que a exata mensuração da liquidez do crédito compensado somente é verificada no momento do encontro de contas realizado pela Receita Federal do Brasil.

Nessa medida, uma vez definida a inconstitucionalidade ou

ilegalidade de um determinado tributo, não restaria qualquer dúvida em relação ao resultado de determinada ação judicial em que o contribuinte pleiteasse o reconhecimento do seu direito creditório, de modo que não haveria óbice para a pronta compensação de seus créditos.

Desse modo, era de se esperar que, ao julgar o Recurso Especial

1.167.039/ DF, o Superior Tribunal de Justiça afastasse a aplicação do disposto no art. 170-A do CTN, até porque na situação fática do julgado além da declaração de inconstitucionalidade das exações, a Resolução do Senado Federal já havia extirpado a norma de incidência tributária do ordenamento jurídico.

Entretanto, como dito, não foi o que restou decidido, in verbis:

“TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. ART. 170-A DO CTN. REQUISITO DO TRÂNSITO EM JULGADO. APLICABILIDADE A HIPÓTESES DE INCONSTITUCIONALIDADE DO TRIBUTO RECOLHIDO. 1. Nos termos do art. 170-A do CTN, “é vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da

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respectiva decisão judicial”, vedação que se aplica inclusive às hipóteses de reconhecida inconstitucionalidade do tributo indevidamente recolhido. 2. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/0811”.

O julgamento foi conduzido pelo voto do Rel. Min. Teori Albino

Zavascki, que, ao analisar a incidência do dispositivo no caso concreto, se limitou a interpretá-lo em sua literalidade, conforme se verifica no trecho a seguir extraído de seu voto:

“Ora, essa norma não traz qualquer alusão, nem faz qualquer restrição relacionada com a origem ou com a causa do indébito tributário cujo valor é submetido ao regime de compensação. Nem de seu texto expresso, nem de seu sentido implícito é possível extrair a conclusão a que chegou o acórdão recorrido, de que estaria fora de seu comando normativo a compensação de tributos considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Não há, no STJ, qualquer precedente que possa abonar a tese do referido acórdão. Pelo contrário, em precedentes desta Corte que fizeram incidir o art. 170-A do CTN, a compensação dizia respeito justamente a tributos declarados inconstitucionais, inclusive em situações semelhantes à aqui discutida (indébito tributário relativo a PIS/COFINS, recolhido nos termos dos DLs 2445/88 e 2449/88)”.

Com efeito, verifica-se que o Relator deixou de levar em

consideração que, após declaração de inconstitucionalidade de um tributo, ainda mais quando este é extirpado do ordenamento jurídico, não há mais que se falar em controvérsia judicial sobre o tributo em questão.

Não nos parece que o Superior Tribunal de Justiça tenha realizado a

mais adequada interpretação do art. 170-A do CTN. Como nos ensina Ricardo Mariz de Oliveira, a interpretação das normas não pode estar limitada a um dos processos intelectivos disponíveis, principalmente se o único método utilizado seja a interpretação literal, in verbis: 11 REsp 1.164.452/MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Seção, julgado em 25.08.2010, DJe 02.09.2010.

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“[...] não é correto procurar obter o conhecimento da lei exclusivamente pelo método gramatical ou literal, sendo sempre necessária a utilização de todos os processos intelectivos disponíveis. [...] a consideração das palavras é necessária e inevitável, até porque é por meio delas que o legislador exprime a sua lei, mas o entendimento delas deve ser razoável, tendo-se em vista inclusive que uma só palavra não é suficiente para dar expressão a todo o contexto da lei, e também que qualquer palavra, ou conjunto de palavras, pode comportar mais de um sentido. Ademais, a exegese jurídica não se limita à leitura dos textos legais, pois é preciso chegar ao verdadeiro comando dispositivo da norma, que se costuma identificar com o “espírito da norma”, com a “vontade da lei” ou mesmo com a “vontade do legislador”, especialmente quando não defluem facilmente da forma linguística adotada no corpo legislativo. Por isso, no processo de interpretação é necessário perquirir sobre a teleologia da lei, isto é, sobre o seu verdadeiro sentido através do seu fim (descobrir a “mens legis”), bem como é preciso correlacionar o dispositivo ou a lei sob interpretação com todos os demais dispositivos da mesma lei e com todas as demais leis que compõem o direito positivo, pois que todas elas atuam conjunta e sistematicamente para revelar a verdadeira norma jurídica aplicável à determinada situação fática12”.

Assim, sendo certo que o pressuposto fático do art. 170-A do CTN

são compensações, cujo tributo seja objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, evidente que as situações de ações judiciais que tratam de tributos definitivamente declarados inconstitucionais ou mesmo ilegais estão fora da sua hipótese de incidência, já que nestas demandas a questão anteriormente controvertida deixara de existir, ao passo que a certificação do trânsito em

12 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. “A interpretação do direito tributário, no cinquentenário do CTN”. In: MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; MURICI, Gustavo Lanna; RODRIGUES, Raphael Silva. O Cinquentenário do Código Tributário Nacional. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016, v. 2, p. 459.

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julgado passa a ser mera formalidade processual, que não pode ser tida como impeditiva ao aproveitamento do crédito mediante compensação.

Entretanto, fato é que o posicionamento firmado pelo Superior

Tribunal de Justiça, de que o comando normativo do art. 170-A do CTN aplica-se também a indébitos tributários decorrentes de vício de inconstitucionalidade, está consolidado até o presente momento e por ter sido proferido em sede de demanda repetitiva, o precedente é observado pelos Tribunais e Juízes.

Não obstante tal fato, desde o julgamento realizado em 2010, como

já explicitado nos tópicos anteriores, o sistema de precedentes tem passado por diversas alterações que ensejaram seu aperfeiçoamento e atualmente consolidado no novo Código de Processo Civil, motivo pelo qual é inquestionável a necessidade de reinterpretação do art. 170-A do CTN.

5. Conclusão Como já ressaltado, o sistema de precedentes teve significativa

evolução com o passar dos anos, que, com raízes na Constituição Federal e consolidado no novo Código de Processo Civil, enseja nova interpretação do art. 170-A do CTN, já que da forma como atualmente é interpretado pelos tribunais fatalmente culminará em inconstitucionalidades e ilegalidades por expressa violação aos princípios da razoável duração do processo e da celeridade, conforme o art. 5º, LXXVIII, da CF e os arts. 4º e 6º do CPC.

Como já descrito nas linhas anteriores, o art. 170-A do CTN não

prevê norma de proibição do direito dos contribuintes à compensação de créditos objeto de discussão judicial, o que se pretende é proteger o Fisco contra eventuais compensações realizadas em face de direito creditório inexistente, já que em determinadas demandas, no momento do ajuizamento pelos contribuintes, ainda não é possível ter certeza sobre seu provimento final.

Assim, somente diante da ausência de certeza do direito creditório,

já que sua liquidez só é verificada quando do encontro de contas das compensações realizadas, é que o art. 170-A do CTN determina que o contribuinte deve aguardar o trânsito em julgado da ação para poder compensar seus créditos. Com efeito, um dos reflexos do sistema de precedentes é garantir

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segurança jurídica aos jurisdicionados, ao passo que, uma vez decidido que determinado tributo é indevido, não há mais dúvida quanto à certeza do direito creditório dos contribuintes que recolheram este tributo.

No entanto, em que pese a certeza do indébito tributário, pode ser

que em determinados casos o contribuinte tenha de ajuizar ação, para discutir questões periféricas ao direito creditório principal, como, por exemplo, eventual forma de atualização do crédito. O mesmo por ocorrer em face do contribuinte que já havia ajuizado ação e o reconhecimento da ilegalidade ou inconstitucionalidade da exação tributária é superveniente ao ajuizamento.

Ora, evidente que tais questões acessórias não influenciam em nada

a certeza do direito creditório, não existindo, portanto, espaço para incidência do art. 170-A do CTN.

Na situação analisada pelo Superior Tribunal de Justiça quando do

julgamento do REsp 1.167.039/DF, a certeza do direito creditório dos contribuintes era evidente, na medida em que, não só houve o reconhecimento da inconstitucionalidade das exações, como houve resolução do Senado Federal que extirpou as normas de incidência do ordenamento jurídico.

Neste caso, por certo que diversos contribuintes passaram, após o

reconhecimento da inconstitucionalidade, apenas a discutir a forma de atualização de seu direito creditório, ou seja, quais seriam os expurgos inflacionários aplicáveis ao caso, entre outras questões.

Recentemente, já diante do novo Código de Processo Civil e do atual

sistema de precedentes, a Receita Federal do Brasil deu um grande passo ao reconhecer a possibilidade de compensação administrativa de tributos recolhidos indevidamente, em decorrência de entendimentos desfavoráveis à Fazenda Nacional firmados sob a sistemática da repercussão geral e dos recursos repetitivos, em alinho com as disposições do art. 19 da Lei n. 10.522/2002, conforme manifestado na Solução de Consulta COSIT n. 119, de 7 de fevereiro de 2017.

Em que pese o correto posicionamento, autorizando os

contribuintes a compensarem seus créditos imediatamente, sem a necessidade

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de ajuizamento de ação, a Receita Federal do Brasil não caminhou bem ao desautorizar a compensação dos contribuintes que estejam discutindo judicialmente o direito creditório, já que, como visto, a certeza do direito creditório é inquestionável.

No âmbito do Judiciário, em decisão proferida pelo Juiz Federal

Rogério Tobias de Carvalho, Titular da 28ª Vara do Rio de Janeiro, na Ação Ordinária n. 0030990-09.2017.4.02.5101, foi deferida a antecipação dos efeitos da tutela para afastar da base de cálculo do PIS e da COFINS os valores referentes ao imposto estadual ICMS suportado pela autora, bem como para autorizar a imediata compensação dos valores que recolheu a mais a tal título, desde os últimos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação13.

Em que pese tal decisão ter sido reformada pela instância superior,

o que se percebe é que os julgadores vêm tentando se adaptar às novas perspectivas acerca da observância dos precedentes, sendo a referida decisão de suma importância para o ordenamento jurídico, pois, diante de um precedente firmado em repercussão geral pelo STF, a incidência da vedação contida no art. 170-A do CTN é corretamente afastada, situação fática que se aproxima daquela enfrentada no REsp 1.167.039/DF, mas com a ressalva de que no tocante à discussão da exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, ainda está pendente a definição acerca da modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade.

Nota-se, portanto, que o posicionamento tanto da Administração

Pública quanto do Judiciário já deixa claro a necessidade de uma nova interpretação do art. 170-A do CTN, que deve se adequar à nova realidade das normas e da sociedade como um todo. Assim, até mesmo para a correta adequação ao sistema de precedentes, se faz necessária a superação, com enfrentamento direto e expresso da decisão proferida no REsp 1.167.039/DF.

13 A decisão foi revertida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em decisão proferida nos autos do agravo de instrumento interposto pela Fazenda Nacional.