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Artigos São Paulo / OUTUBRO 2015 1 Texto publicado em “Pesquisas Tributárias – Série CEU-Lex/Magister, n. 03 – Grupos Econômicos”, Coord. Ives Gandra da Silva Martins, São Paulo 2015, p. 79. Autor: Ricardo Mariz de Oliveira Bruno Fajersztajn Fabiana Carsoni Alves F. da Silva Ramon Tomazela Santos XL SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO TRIBUTÁRIO DO CEU-ESCOLA DE DIREITO RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA “GRUPOS ECONÔMICOS” 1) Os arts. 124, I, 128, 134 e 135 do CTN autorizam o redirecionamento da cobrança do crédito tributário para pessoas jurídicas que integram “grupo econômico”? Tirante as hipóteses de comportamento fraudulento, o simples fato de pertencer a um grupo de sociedades pode atribuir validamente a responsabilidade solidária a uma sociedade desse grupo, por fatos geradores que não realizou? O Código Tributário Nacional (CTN), aprovado pela Lei n. 5172, de 25.10.1966, ao estabelecer normas gerais em matéria tributária, foi recepcionado pela ordem constitucional de 1988 com status de lei

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Texto publicado em “Pesquisas Tributárias – Série CEU-Lex/Magister, n. 03 – Grupos Econômicos”, Coord. Ives Gandra da Silva Martins, São Paulo 2015, p. 79.

Autor: Ricardo Mariz de Oliveira Bruno Fajersztajn Fabiana Carsoni Alves F. da Silva Ramon Tomazela Santos

XL SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO TRIBUTÁRIO DO CEU-ESCOLA DE DIREITO

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA

“GRUPOS ECONÔMICOS”

1) Os arts. 124, I, 128, 134 e 135 do CTN autorizam o redirecionamento da cobrança do crédito tributário para pessoas jurídicas que integram “grupo econômico”? Tirante as hipóteses de comportamento fraudulento, o simples fato de pertencer a um grupo de sociedades pode atribuir validamente a responsabilidade solidária a uma sociedade desse grupo, por fatos geradores que não realizou?

O Código Tributário Nacional (CTN), aprovado pela Lei n. 5172, de

25.10.1966, ao estabelecer normas gerais em matéria tributária, foi recepcionado pela ordem constitucional de 1988 com status de lei

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complementar, tendo em vista o disposto no art. 146, inciso III, da Constituição Federal1.

O art. 146 listou algumas das matérias consideradas como normas

gerais, a serem regidas por lei complementar, incluindo nesse rol as definições de obrigação, crédito, e lançamento tributários. Significa dizer que o CTN é o veículo normativo competente, no ordenamento brasileiro, para a definição das normas gerais, especialmente sobre obrigação, crédito, e lançamento tributários.

A exigência de lei complementar para disciplinar a sujeição passiva

tem o objetivo de concretizar o princípio federativo e a segurança jurídica, a fim de regular em âmbito nacional, de maneira previsível, estável, uniforme e consistente, as relações entre os entes federados e os sujeitos passivos das obrigações tributárias2. O âmbito de aplicação da lei complementar reveste-se de caráter nacional, produzindo efeitos em relação a todos os entes da federação (União, Estados e Municípios). Logo, o Poder Legislativo de cada ente da federação, na definição das hipóteses de responsabilidade tributária aplicáveis aos tributos inseridos em sua esfera de competência, deverão observar o disposto na lei complementar que disciplina a matéria em caráter geral.

Da mesma forma, o Poder Judiciário e os próprios tribunais

administrativos, na apreciação das regras de responsabilidade tributária instituídas por leis ordinárias, deverão interpretá-las em consonância com as regras gerais estabelecidas por lei complementar e com os princípios constitucionais que assentam as diretrizes fundamentais do sistema tributário nacional. Isso porque, seguindo a tradição histórica brasileira, o Poder Constituinte, atento à necessidade de resguardar o contribuinte e o particular em geral contra eventuais arbítrios do Poder Público, foi meticuloso na configuração do sistema tributário brasileiro, albergando, no próprio texto

1 Art. 146. Cabe à lei complementar: (…) III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;(...)”. 2 ÁVILA, Humberto. “Responsabilidade Pessoal dos Administradores por Atos Praticados com Abuso de Poder”. Revista Direito Tributário Atual nº 25. São Paulo: IBDT/Dialética, 2012, p. 385.

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magno, um elevado número de regras e princípios que adestram e conformam o exercício do poder de tributar por parte dos entes federados.

Coerentemente com isso, o CTN estabeleceu tais normas gerais,

tendo regulado a responsabilidade tributária especificamente nos art. 121 a 125, e 128 a 135, sobre os quais é relevante tecer breves comentários gerais.

O art. 1213, ao tratar do sujeito passivo da obrigação tributária,

apresenta duas definições, quais sejam: o contribuinte e o responsável, sendo contribuinte aquele que possua relação pessoal e direta com o fato gerador e responsável aquele que, embora não possua a mesma relação com o fato gerador, é sujeito passivo por expressa determinação legal.

O art. 121 é fundamental para a resposta à presente questão

apresentada, eis que, ao definir o sujeito passivo da obrigação tributária, autoriza que terceiros que não sejam contribuintes integrem a relação jurídica, mas desde que por expressa disposição legal.

Diante disso, embora seja possível que outras pessoas, além

daquelas que efetivamente pratiquem o fato gerador, sejam chamadas para integrar o polo passivo da obrigação tributária, na condição de responsável, isto somente é possível se houver disposição legal expressa nesse sentido.

Assim, nos termos do art. 121 do CTN, e também de outros

dispositivos que serão mencionados a seguir, não se presume a condição de responsável, nem ela pode ser extraída de construções interpretativas, devendo sempre decorrer de disposição legal expressa.

Mais adiante, o CTN trata da responsabilidade tributária

propriamente dita no art. 128, estabelecendo que “(…) sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, 3 “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.”

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excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.”

Note-se que o texto legal enfatiza a necessidade de que a atribuição

de responsabilidade a terceiros seja decorrente de disposição legal expressa, confirmando o que já constava no art. 121.

Além disso, o art. 128 determina que o terceiro a ser chamado para

compor a relação jurídico-tributária deve ser alguém que esteja vinculado ao fato gerador. Não é qualquer pessoa que pode ser responsável, mas apenas aquela que possua vínculo com a situação que constitui o fato gerador.

Isto é assim porque essa específica relação, que deve possuir o

terceiro com a situação definida como fato gerador, irá permitir que o responsável obtenha, junto ao chamado contribuinte de fato, aquele que efetivamente pratica o fato gerador, os recursos para custear o tributo, ou pelo menos para se ressarcir, de tal sorte que o responsável não seja obrigado a arcar com o ônus do tributo com seu próprio patrimônio. Do contrário, estar-se-ia a onerar um terceiro que não manifestou efetivamente capacidade contributiva, o que implicaria verdadeiro confisco4.

4 Vide nesse sentido: AMARO, Luciano da Silva. Direito Tributário Brasileiro, 10ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 304 e 305. Na mesma linha: ATALIBA, Ataliba. Hipótese de Incidência Tributária, 4ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p.89/90. Ainda nesse contexto, confira-se o seguinte excerto do acórdão proferido no RE n. 603191/MT, de 1º.8.2011, quando o Supremo Tribunal Federal quando se examinou a constitucionalidade da retenção de 11%, a título de contribuição previdenciária, sobre o valor da nota fiscal, objeto do art. 31 da Lei n. 8212, de 1991: “A validade de tal mecanismo pressupõe que não se olvide seu caráter meramente instrumental, em que o substituto figura como simples colaborador do Fisco. Substitui o contribuinte no ato de efetuar o pagamento, mas não na obrigação de contribuir para as despesas públicas. (...) Essa colaboração deve guardar respeito aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Não se pode impor a alguém, a título de substituição tributária, deveres inviáveis, excessivamente onerosos. (...) Frise-se, também, que o mecanismo da retenção assegura por completo e sem delongas que o substituto cumpra seus deveres de colaboração sem precisar despender seus recursos próprios, não comprometendo, assim, seu patrimônio. O dever de colaboração se restringe à retenção e ao recolhimento, esgotando-se então”.

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Também é interessante notar que o art. 128, ao regular a matéria, conferiu à lei a competência para definir as hipóteses de responsabilidade, consignando porém que isto se daria “sem prejuízo do disposto neste capítulo”. Ou seja, o próprio CTN contemplou algumas hipóteses expressas de responsabilidade, sem prejuízo de outras disposições específicas a serem estabelecidas na legislação ordinária. Cabe esclarecer que, em princípio, não há irregularidade em o CTN permitir que a legislação ordinária especificamente estabeleça hipóteses de responsabilidade. Dentro de sua competência de estabelecer normas gerais, nos termos do art. 146, inciso III, da Constituição Federal, não é vedado ao CTN autorizar que cada ente tributante preveja regras específicas, desde que elas não contrariem os ditames gerais contidos no referido Código5.

Coerentemente com isso, o art. 124, ao tratar da solidariedade

passiva tributária, estabeleceu duas hipóteses, contemplando no inciso I as pessoas que possuam interesse comum na situação que constitui o fato gerador, e prevendo no inciso II a autorização de que a lei estabeleça outras hipóteses.

Já os art. 129 a 133, por sua vez, tratam das hipóteses de

reponsabilidade dos sucessores, especialmente: (i) dos adquirentes de propriedade e outros direitos reais; (ii) dos herdeiros, parentes, e espólio; (iii) das pessoas resultantes da transformação de sociedades (fusão, incorporação, etc); e (iv) dos adquirentes de fundos de comércio.

E os art. 134 e 135 tratam da chamada responsabilidade de

terceiros. No art. 134 estão contemplados: (i) os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; (ii) os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; (iii) os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; (iv) o inventariante, pelos tributos devidos pelo

5 O tema foi discutido na jurisprudência, quando a legislação previdenciária estabelecia prazo de decadência de 10 anos, prazo que era o dobro daquele estabelecido no CTN, tendo o Supremo Tribunal Federal reconhecido a inconstitucionalidade do art. 45 da Lei n. 8212, editando inclusive a Súmula Vinculante n. 8, a qual teve como origem os julgamentos dos REs 559.943-4, 559.882-9, 560.626-1 e 556.664-1. Veja-se que embora tratando do prazo decadencial, a situação é semelhante à tratada neste estudo, eis que o art. 150, parágrafo 4o do CTN, ao estabelecer o prazo de 5 anos, contempla expressamente a cláusula “salvo disposição em sentido contrario”.

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espólio; (v) o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; (vi) os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; e (vii) os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. No art. 135, aplicável apenas nos casos de infração à lei ou estatuto da empresa, estão contempladas as mesmas pessoas do art. 134, além dos mandatários, prepostos, empregados e os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

Estas são, em breve resumo, as disposições do CTN a respeito da

sujeição passiva e responsabilidade tributária. Não há norma no referido Código que tenha atribuído, a priori,

responsabilidade de pessoas integrantes de um grupo econômico. Não há sequer uma definição do que se deva entender por grupo econômico, como será visto adiante. Isto já seria suficiente para responder à questão apresentada. Contudo, cabem algumas considerações adicionais.

Como já exposto, o art. 121, ao definir o responsável, delega à lei a

possibilidade de dispor sobre o assunto, mas desde que o faça de forma expressa. O art. 128, por sua vez, atribui competência à lei ordinária estabelecer expressamente as hipóteses de responsabilidade, condicionando tal possibilidade à existência de relação com o fato gerador.

Já o art. 124, inciso I, impõe a solidariedade nos casos de “interesse

comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal”. Não se trata de qualquer espécie de interesse comum, mas sim aquele que esteja relacionado com a situação que constitui o fato gerador.

O tema foi abordado no XXXVI Simpósio Nacional de Direito

Tributário, e dois dos autores do presente estudo tiveram a oportunidade de analisar o conceito de interesse comum para efeito do art. 124, inciso I, do CTN6.

6 OLVEIRA, Ricardo Mariz de. FAJERSZTAJN, Bruno. CARVALHO, Cláudia Vit de. Caderno de Pesquisas Tributárias. Nova Série n. 17. Responsabilidade Tributária. Coord. MARTINS, Ives Gandra da Silva. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais / Centro de Extensão Universitária. 2011. p. 331-383.

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Naquele estudo, ao qual o presente se reporta, sustentou-se, com esteio na doutrina e jurisprudência, que o interesse econômico, por si só, não caracteriza interesse na situação que constitui o fato gerador.

O interesse comum na situação que constitui o fato gerador da

obrigação principal caracteriza-se pela existência de direitos e deveres compartilhados por pessoas situadas no mesmo polo da relação jurídica de direito privado escolhida pelo legislador como suporte fático para a incidência tributária. Assim, as partes partilham de um interesse comum em sentido técnico-jurídico, que não se confunde com o mero interesse econômico, social ou moral, que pode existir nas relações entre sociedades. Neste sentido, merece destaque a decisão proferida pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do REsp 834.044/RS, de 11.11.2008, da qual se transcreve o seguinte excerto:

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISS. EXECUÇÃO FISCAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. EMPRESAS PERTENCENTES AO MESMO CONGLOMERADO FINANCEIRO. SOLIDARIEDADE. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 124, I, DO CTN. NÃO-OCORRÊNCIA. DESPROVIMENTO. (....) 2. Para se caracterizar responsabilidade solidária em matéria tributária entre duas empresas pertencentes ao mesmo conglomerado financeiro, é imprescindível que ambas realizem conjuntamente a situação configuradora do fato gerador, sendo irrelevante a mera participação no resultado dos eventuais lucros auferidos pela outra empresa coligada ou do mesmo grupo econômico. 3. Recurso especial desprovido. (REsp 834.044/RS, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, 11/11/2008, DJe 15/12/2008)”.

Em sentido semelhante, vale mencionar a decisão proferida pelo STJ

no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 21.073, em 18.10.2011, relatado pelo Ministro Humberto Martins, da qual se transcreve o seguinte trecho da ementa:

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“TRIBUTÁRIO. EXECUÇAO FISCAL. ISS. LEGITIMIDADE PASSIVA. GRUPO ECONÔMICO. SOLIDARIEDADE. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 7/STJ. 1. A jurisprudência do STJ entende que existe responsabilidade tributária solidária entre empresas de um mesmo grupo econômico, apenas quando ambas realizem conjuntamente a situação configuradora do fato gerador, não bastando o mero interesse econômico na consecução de referida situação”. (....) (AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 21.073 – RS --2011/0077935-0)

Idêntico o posicionamento adotado no acórdão proferido no

julgamento do Agravo Regimental em REsp n. 603177 / RS, de 19.3.2015, relator Ministro Benedito Gonçalves, da 1ª Turma do STJ:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. ISS. SUJEIÇÃO PASSIVA. ARRENDAMENTO MERCANTIL. GRUPO ECONÔMICO. SOLIDARIEDADE. VERIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. "Na responsabilidade solidária de que cuida o art. 124, I, do CTN, não basta o fato de as empresas pertencerem ao mesmo grupo econômico, o que por si só, não tem o condão de provocar a solidariedade no pagamento de tributo devido por uma das empresas' (HARADA, Kiyoshi. 'Responsabilidade tributária solidária por interesse comum na situação que constitua o fato gerador')" (AgRg no Ag 1.055.860/RS, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 17.2.2009, DJe 26.3.2009)”.

Na esfera administrativa, a 1ª Turma Ordinária da 1ª Câmara da 1ª

Seção do CARF, no julgamento do acórdão n. 1101-001117, de 3.6.2014, que envolve a imposição de responsabilidade solidária à pessoa jurídica integrante de grupo econômico, rechaçou a caracterização de interesse comum no fato gerador da obrigação tributária, na hipótese em que os sujeitos passivos não praticam em conjunto o fato gerador da obrigação tributária. A ementa da decisão está assim redigida:

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“RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. SOLIDARIEDADE. GRUPO ECONÔMICO. A caracterização da solidariedade por interesse comum na situação que constitui o fato gerador exige a demonstração de que os sujeitos passivos praticaram conjuntamente o fato jurídico tributário ou desfrutaram de seus resultados, em razão de confusão patrimonial”.

Na mesma linha, cite-se o acórdão 2403-002685:

“GRUPO ECONÔMICO. SOLIDARIEDADE. PESSOA JURÍDICA. PRESSUPOSTOS. COMPROVAÇÃO DA PRÁTICA COMUM DO FATO GERADOR. INOCORRÊNCIA. Apenas existe responsabilidade tributária solidária entre empresas de um mesmo grupo econômico, apenas quando ambas realizem conjuntamente a situação configuradora do fato gerador, não bastando o mero interesse econômico na consecução de referida situação”.

E ainda sobre o tema:

“SUJEIÇÃO PASSIVA SOLIDÁRIA. INTERESSE COMUM NÃO DEMONSTRADO. IMPROCEDÊNCIA. A caracterização da solidariedade obrigacional prevista no inciso I, do art. 124, do CTN, prescinde da demonstração do interesse comum de natureza jurídica, e não apenas econômica, entendendo-se como tal aquele que recaia sobre a realização do fato que tem a capacidade de gerar a tributação.” (acórdão n. 1402-001738, de 29.7.2014, da 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara) (...) RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. PESSOAS JURÍDICAS. GRUPO ECONÔMICO. A caracterização da solidariedade por interesse comum na situação que constitui o fato gerador exige a demonstração de que os sujeitos passivos praticaram conjuntamente o fato jurídico tributário ou desfrutaram de seus resultados, em razão de confusão patrimonial, eventos que a autoridade fiscal não demonstrou, de modo a não permitir a aplicação do art. 124, inc. I, do CTN (...).” (acórdão n. 1101-001239, de 4.2.2015, 1ª Turma Ordinária da 1ª Câmara da 1ª Seção)

Anote-se, ainda, que posições antagônicas no mesmo negócio

jurídico não constituem interesse comum, ainda que este configure a situação jurídica descrita pelo legislador no antecedente normativo da hipótese

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tributária. Dessa forma, o comprador e o vendedor não têm interesse comum na compra e venda, para efeito de caracterização de responsabilidade solidária em relação ao ICMS devido na saída da mercadoria7.

Como se pode inferir das decisões acima, a aplicação do artigo 124,

inciso I, do CTN pressupõe a existência de interesse comum na realização da situação fática ou jurídica que constitui o fato gerador da obrigação tributária, o que se evidencia pela participação conjunta no fato típico eleito pelo legislador. Ao revés, nas situações em que o interesse comum se apresente apenas no plano econômico, não há possibilidade de imposição de solidariedade passiva.

Em suma, o interesse econômico não é suficiente para a

caracterização da hipótese do art. 124, inciso I. Logo, não cabe a aplicação do dispositivo em questão na tentativa de responsabilização de empresas de um mesmo grupo por dívidas de outras pessoas jurídicas do mesmo conglomerado.

Além disso, mesmo que se considerasse que o interesse econômico é

elemento suficiente para a caracterização da hipótese do referido art. 124, inciso I, do CTN, deve-se consignar que nem sempre as empresas integrantes de um grupo econômico de fato, que decorrem do mero exercício de poder de controle (direto ou indireto) possuem interesses comuns. Vide outras considerações sobre o conceito de poder de controle na resposta à questão n. 3. Por hora, deve-se destacar que, muitas vezes, empresas sujeitas a um mesmo controle podem manifestar interesses totalmente opostos, antagônicos.

É bastante comum, por exemplo, que empresas sujeitas a controle

comum estejam submetidas a administrações profissionais autônomas, as quais direcionam suas atividades de acordo com determinados objetivos e metas específicos, nem sempre coincidentes com aqueles implementados em outras empresas do grupo.

Também é comum que essas administrações independentes estejam

sujeitas a desafios e metas diferentes, o que pode fomentar até mesmo competição entre empresas submetidas a controle comum. Ademais, é possível que cada empresa possua sócios minoritários diferentes, com interesses e 7 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 503.

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objetivos próprios, o que obriga que empresas de um mesmo grupo atuem de forma independente, por vezes até antagônica.

Em suma, o simples fato de empresas integrarem um mesmo grupo

econômico não significa que elas possuem interesse comum para efeito do art. 124, inciso I, do CTN, não sendo tal dispositivo suficiente para a atribuição de responsabilidade tributária no caso em questão.

É claro que, em princípio, pode ocorrer de empresas de um mesmo

grupo figurarem ambas no mesmo polo de uma relação que venha a ser fato gerador de alguma obrigação tributária, hipótese em que poderia haver aplicação do inciso I do art. 124 do CTN. Porém, nesse caso não seria o fato de serem do mesmo grupo o elemento caracterizador da solidariedade, mas sim o fato de ocuparem um mesmo polo em determinada relação.

No que tange ao art. 134, as hipóteses nele contempladas tratam de

relações que em nada se aproximam da situação do grupo econômico, razão pela qual não há como admitir que tal dispositivo autorize a responsabilização cogitada no presente estudo.

A única situação que minimamente se aproxima do tema objeto do

presente estudo é a do inciso VII, o qual abarca: “os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.” Contudo, a simples leitura do dispositivo já é suficiente para autorizar a conclusão de que o dispositivo somente se aplica nos casos de liquidação de sociedade. Ademais, o art. 134 tratou apenas das sociedades de pessoas, o que restringiria sua aplicação, ainda que fosse o caso, a esse tipo de sociedade.

O art. 135 do CTN, por sua vez, atribui responsabilidade aos sócios,

em qualquer tipo de sociedade. Contudo, ele somente é aplicável nos casos de prática de infração à lei ou ao estatuto social, o que foi expressamente descartado na questão apresentada pela organização do Simpósio.

Pelas mesmas razões, afastamos de pronto qualquer consideração a

respeito do art. 50 do Código Civil, o qual autoriza a desconsideração da personalidade jurídica por abuso de personalidade jurídica. Uma vez caracterizado o abuso, o próprio art. 50 autoriza que os efeitos de determinadas

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relações jurídicas sejam atribuídos aos sócios, sem prejuízo da possibilidade de aplicação do art. 135 do CTN.

Não há, portanto, uma norma que determine expressamente, como

requer o CTN, a responsabilidade de empresas de um mesmo grupo econômico pelo simples fato de serem integrantes do conglomerado.

Ademais, deve-se destacar que o CTN sequer contempla uma

definição de grupo econômico, o que dificulta ainda mais a aplicação de uma regra de responsabilidade baseada apenas nos dispositivos analisados na questão proposta.

Eventual responsabilização de empresas integrantes de um grupo

econômico deveria ser precedida da precisa conceituação de grupo para tais fins, o que não representa tarefa simples, dada a inexistência de um conceito legal expresso.

Costuma-se fazer referência a grupos econômicos quando duas ou

mais empresas estão submetidas a um mesmo controlador, ainda que indiretamente8.

O Direito Privado conhece e trabalha com os conceitos de

sociedades controladoras e controladas, definindo-as no art. 243, parágrafo 2º, da Lei n. 6404, de 15.12.19769, bem como no art. 1098 do Código Civil10. Além

8 O conceito de acionista controlador foi definido no art. 116 da Lei n. 6404, de 15.12.1976, nos seguintes termos: “Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. (...)”. 9 “Art. 243. O relatório anual da administração deve relacionar os investimentos da companhia em sociedades coligadas e controladas e mencionar as modificações ocorridas durante o exercício. (...) Parágrafo 2º. Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.”

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disso, os parágrafos 1º e 4º do art. 24311 da Lei n. 6404, com redação dada pela Lei n. 11941, de 24.5.2009, e o art. 109912 do Código Civil ainda definem o conceito de sociedades coligadas.

Diz-se normalmente que empresas sob controle comum, ou mesmo

coligadas, segundo o Direito Privado, são integrantes de um grupo econômico, mas não há disposição legal expressa nesse sentido.

Aliás, mesmo para o Direito Privado, a regra geral, excetuadas as

situações de abuso, é no sentido de que cada sociedade responde por suas obrigações individualmente, inexistindo responsabilidade solidária entre elas13.

A Lei n. 6404 também criou um instituto jurídico específico,

denominado “Grupo de Sociedades”, dedicando-lhe um capítulo próprio,

10 “Art. 1.098. É controlada: I - a sociedade de cujo capital outra sociedade possua a maioria dos votos nas deliberações dos quotistas ou da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores; II - a sociedade cujo controle, referido no inciso antecedente, esteja em poder de outra, mediante ações ou quotas possuídas por sociedades ou sociedades por esta já controladas.” 11 “(...) Parágrafo 1o São coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa. (...) Parágrafo 4º Considera-se que há influência significativa quando a investidora detém ou exerce o poder de participar nas decisões das políticas financeira ou operacional da investida, sem controlá-la.” 12 “Art. 1.099. Diz-se coligada ou filiada a sociedade de cujo capital outra sociedade participa com dez por cento ou mais, do capital da outra, sem controlá-la.” 13 A exceção que confirma a regra é o Código de Defesa do Consumidor, que em seu art. 28 e parágrafos autorizam a responsabilização de empesas controladora e controlada ou de grupos societários, ainda assim de forma subsidiária. Confira-se: “Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. Parágrafo 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. Parágrafo 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. Parágrafo 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa. Parágrafo 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”.

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compreendido nos art. 265 a 27114, os quais contemplam sua forma de constituição, objeto e regras gerais. É importante destacar que o parágrafo 2º do art. 265, demonstra a independência de personalidades jurídicas entre as empresas integrantes do grupo, o que fica confirmado expressamente na parte final do art. 266, quando diz que “cada sociedade conservará personalidade e patrimônios distintos”. O grupo de sociedades é um instituto jurídico especial, que poderia contemplar uma definição legal de grupo econômico, mas a expressão vem sendo empregada, na prática, de forma mais abrangente, inclusive por outras disposições legais.

No Direito do Trabalho, a CLT contemplou uma definição para o que

ela denominou como “grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade” no seu art. 1º, parágrafo 2º, que possui a seguinte redação: “(…) sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas”.

Note-se que, nesse caso, a definição abrange empresas que estejam

sob administração ou direção comum o que pode ser mais amplo que as definições de sociedades controladas, coligadas e grupo de sociedades acima tratadas. Tal abrangência está em sintonia com o espírito de toda a legislação trabalhista, que busca proteger os interesses dos empregados, tidos como em condição de hipossuficiência em relação a seus empregadores. Com uma definição mais ampla de grupo, pretende-se assegurar com maior efetividade e segurança ao trabalhador o adimplemento de eventuais dívidas trabalhistas.

14 “Art. 265. A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo, grupo de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns. Parágrafo 1º A sociedade controladora, ou de comando do grupo, deve ser brasileira, e exercer, direta ou indiretamente, e de modo permanente, o controle das sociedades filiadas, como titular de direitos de sócio ou acionista, ou mediante acordo com outros sócios ou acionistas. Parágrafo 2º A participação recíproca das sociedades do grupo obedecerá ao disposto no artigo 244”.

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Seja como for, não se pode perder de vista que nenhuma dessas disposições de leis extravagantes pode estabelecer a responsabilidade tributária, primeiramente porque nenhuma delas se propõe a assim estabelecer, e, em segundo lugar, porque a responsabilidade tributária é matéria reservada constitucionalmente à lei complementar, não havendo conexão de objetos entre os dessas leis e o da responsabilidade tributária segundo o CTN.

É preciso registrar aqui que, na legislação tributária, a par de

qualquer comentário a respeito de sua validade jurídica, questão essa que será analisada na resposta à pergunta n. 3, a seguir, encontramos o art. 30, inciso IX, da Lei n. 8212, de 24.7.1991, possivelmente inspirado na CLT, estabelecendo que “as empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta Lei; (...)”.

Repare-se que a norma prevê a solidariedade, mas não define grupo

econômico. E ao regulamentar a responsabilidade prevista no referido art. 30, inciso IX, o Decreto n. 3048, de 6.5.1999, em seu art. 22215, é abrangente, fazendo referência a “grupo econômico de qualquer natureza”.

Já a Instrução Normativa RFB n. 971, de 13.11.2009, ainda em

relação às contribuições da Lei n. 8212, cumpriu a tarefa de definir o conceito de grupo econômico, estabelecendo que “Caracteriza-se grupo econômico quando 2 (duas) ou mais empresas estiverem sob a direção, o controle ou a administração de uma delas, compondo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica”. A definição da Receita Federal, à toda evidência, toma como base o conceito da CLT.

Finalmente, cabe destacar que, embora sem fazer referência a grupo

econômico, a legislação tributária regula operações realizadas entre partes relacionadas ou dependentes, geralmente com o objetivo de impedir a manipulação de preços e valores com objetivos elisivos.

15 “Art. 222. As empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza, bem como os produtores rurais integrantes do consórcio simplificado de que trata o art. 200-A, respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes do disposto neste Regulamento.” (redação dada pelo decreto n. 4032, de 26.11.2001).

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É o caso das regras de distribuição disfarçada de lucros (Decreto-lei n. 1598, de 29.12.1977, art. 60, e posteriores alterações) e preços de transferência (Lei n. 9430, de 27.12.1996, com posteriores alterações, art. 18 e seguintes) no âmbito do imposto sobre a renda. Também é o caso das normas que regulam a amortização de ágio, atualmente chamado “goodwill” na Lei n. 12973, de 13.5.2014, art. 20, 22 e 25, e das regras de subcapitalização, que limitam a dedutibilidade de juros em operações internacionais praticadas entre pessoas jurídicas relacionadas (Lei n. 12249, de 11.6.2010).

Há outros exemplos a serem citados na legislação tributária, mas os

já mencionados já são suficientes para ilustrar que, em cada uma das disposições específicas, existe uma definição especial para o que se deve entender por partes relacionadas ou dependentes, revelando não haver uniformidade entre elas. E é importante notar que, mesmo nestes casos, as leis tributárias estabelecem tratamentos específicos quanto às bases de cálculo dos tributos a que aludem, mas não a responsabilidade solidária das partes envolvidas.

Pois bem. A referência a todas essas disposições da legislação revela

que o conceito de grupo econômico não é preciso ou uniforme no ordenamento jurídico. Por outro lado, como visto, o CTN não contemplou qualquer disposição tratando de grupo econômico.

Portanto, a única conclusão a que se chega é que, apenas com base

nas disposições do CTN, não há qualquer possibilidade de se atribuir a condição de sujeito passivo, por qualquer modalidade, a empresas integrantes de um grupo econômico.

Resposta: A responsabilidade tributária, nos termos do CTN,

depende de disposição legal expressa. Inexiste no CTN qualquer comando atribuindo responsabilidade, solidária ou não, a empresas integrantes de um mesmo grupo econômico. Sociedades que integraram um grupo econômico, em qualquer das acepções que o termo comporte, não possuem interesse comum na situação que constitui o fato gerador apenas por estarem nessa condição, de modo que a segregação de patrimônios entre as sociedades afasta a atribuição de solidariedade passiva tributária.

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2) É legítimo o procedimento da Administração Fazendária de alargar as hipóteses de responsabilidade tributária previstas no CTN, adotando o conceito de “grupo econômico”, tal como delineado na legislação trabalhista (art. 2, parágrafo 2º da CLT)?

Os fundamentos jurídicos que suportam a resposta à presente

questão são exatamente os mesmos desenvolvidos na reposta à questão anterior, sendo desnecessárias repetições.

Como já exposto, não há, na legislação tributária, uma norma que

determine a responsabilização de empresas do mesmo grupo econômico. Também como já demonstrado, a responsabilidade tributária

depende de disposição legal expressa, como requerem textualmente os art. 121 e 128 do CTN.

É bem verdade que o art. 124, inciso II, do CTN, autoriza que a lei

ordinária venha a estabelecer hipóteses específicas de solidariedade, assim como o art. 128 permite que a lei estabeleça a responsabilidade de terceiros relacionados ao fato gerador, mas o parágrafo 2º do art. 2º da CLT não pode ser compreendido como uma disposição nesse sentido.

Isso pela singela razão de que esse dispositivo não trata de matéria

tributária e, como dito, a atribuição de responsabilidade pelo CTN deve decorrer de disposição legal expressa. É evidente que uma disposição própria para fins trabalhistas não pode ser tida como norma expressa para fins tributários.

Ademais, a necessidade de lei expressa impede o emprego de

analogia, inexistindo qualquer fundamento para a adoção do conceito de grupo econômico da CLT para fins tributários.

Vale destacar que o emprego de analogia é um dos recursos de

integração admitidos pelo próprio CTN para fins de interpretação e aplicação da legislação tributária, nos termos do art. 108, inciso I16.

16 “Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I - a analogia; (...)”.

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Contudo, é sabido que, além dos demais métodos de hermenêutica consagrados pela doutrina e jurisprudência, a busca do verdadeiro conteúdo de uma norma jurídica impõe a sua consideração no sistema, sendo necessário que a interpretação leve em conta não apenas cada comando isoladamente mas o conjunto formado por todos os dispositivos de uma determinada lei, além de outros em vigor.

De fato, a interpretação sistemática, mediante o correlação do

dispositivo sob interpretação com os demais que estejam em vigor, corresponde ao “cânone da totalidade do ordenamento jurídico”, na expressão de Alfredo Augusto Becker17. Veja-se:

“31. CÂNONE HERMENÊUTICO DA TOTALIDADE DO SISTEMA JURÍDICO - ... A regra jurídica contida na lei (fórmula literal legislativa) é a resultante lógica de um complexo de ações e reações que se processam no sistema jurídico onde foi promulgada. ..... ‘O preceito de lei - esclarece EZIO VANONI - deve ser posto em relação com as normas das leis correlatas, e, de modo geral, com os de todas as leis vigentes no ordenamento jurídico de que se trate. Toda norma é, com efeito, parte integrante do sistema jurídico a que pertence. Desde o momento da sua criação, entre todas as normas de um mesmo sistema se exerce um complexo de ações e reações, que decorrem da necessária amalgamação das normas no ordenamento vigente. Já foi exatamente observado que a norma jurídica isolada não existe como tal na realidade da vida jurídica. Toda norma é válida e obrigatória, unicamente em uma relação necessária de influências recíprocas com um número ilimitado de outras normas, que a determinam mais expressamente, que a limitam, que a completam de modo mais ou menos imediato’.” (grifos nossos)

17 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário, Editora Saraiva, 2a ed., p. 103.

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Afinal, como diz o Prof. Miguel Reale, “as normas jurídicas se dispõem e se coordenam segundo ‘lucidus ordo’, de conformidade com reiterado ensinamento de Rui Barbosa”18.

No mesmo sentido, o Ministro Celso de Mello proferiu despacho em

13.2.1997, no agravo de instrumento n. 189974-5-AL, perante o Supremo Tribunal Federal, dizendo: 19

“É preciso reconhecer - tal como já pude fazê-lo, como Relator, no julgamento do RE 161.343-SP, Primeira Turma (DJU de 20/05/94) - que os postulados que informam a teoria do ordenamento jurídico assentam-se na premissa fundamental de que este, ‘além de uma unidade, constitui também um sistema’ (NORBERTO BOBBIO, ‘Teoria do Ordenamento Jurídico’, p. 71, 1989, Polis/Editora UnB), razão pela qual as normas que o compõem devem manter entre si um vínculo de essencial coerência. A concepção sistêmica do ordenamento jurídico impõe que se reconheça, desse modo, uma situação de coexistência harmoniosa entre as prescrições normativas que integram a estrutura em que ele se acha formalmente positivado. Qualquer vínculo de incongruência normativa que se pudesse vislumbrar no preceito transitório em questão subsumir-se-ia - considerados os aspectos essenciais do tema em discussão - ao conceito teórico das antinomias solúveis, na medida em que a aparente situação de antagonismo revelar-se-ia dirimível pela aplicação do critério da especialidade.”

Logo, a norma do art. 108 deve ser interpretada em conjunto com as

demais do CTN e nesse caso, considerando que em matéria de responsabilidade tributária, é necessário haver disposição legal expressa, sendo totalmente descabida a pretensão de aplicar por analogia o conceito de grupo definido na CLT.

18 “O Estado de São Paulo”, de 6.11.1987. 19 Os mesmos dizeres haviam sido adotados no voto do Ministro Celso de Mello no recurso extraordinário n. 146615-4-PE, decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em 6.4.1995, e no despacho por ele proferido no recurso extraordinário n. 178661-5-SC, em 29.11.1995.

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Outrossim, é importante não olvidar que o parágrafo 1º do art. 108

proíbe que do emprego da analogia resulte a exigência de tributo não previsto em lei.

Tal norma não pode ser reduzida à simplicidade de não ser exigível

um novo tributo ainda não previsto em lei, ou mesmo um tributo já legislado mas sobre uma nova hipótese de incidência, pois ele deriva do princípio da legalidade, do qual é complemento explicitador, de modo que a vedação abarca todos os elementos ou aspectos da hipótese de incidência, inclusive o pessoal.

Daí, também por esta razão, não ser possível o alargamento da

hipótese de incidência para abranger sujeito passivo por mera analogia, inclusive por aplicação da disposição contida na CLT.

Resposta: os art. 121 e 128 do CTN dispõem que a atribuição de

responsabilidade tributária de terceiros, que não praticam o fato gerador, depende de disposição legal expressa. Inexistindo qualquer comando atribuindo responsabilidade a empresas do mesmo grupo, eventual pretensão fiscal nesse sentido é totalmente descabida. Inexiste fundamento para a aplicação do conceito da CLT nem mesmo por analogia.

3) Pode a lei ordinária prever a responsabilidade tributária

de sociedade que detenha competência decisória concreta sobre atos de outra sociedade, deflagradores de obrigação tributária?

Como já exposto, de acordo com o artigo 146, inciso III, alínea “a”, da

Constituição Federal, cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, o que inclui, entre outros aspectos, a definição dos fatos geradores, das bases de cálculo e dos contribuintes. Assim, a definição dos contribuintes dos impostos discriminados no texto constitucional constitui matéria reservada à lei complementar. Por outro lado, a obrigação e o crédito tributário também estão sob reserva de lei complementar (alínea “b” do mesmo inciso), de modo que a imputação de responsabilidade tributária por meio de

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edição de lei ordinária deve observar os parâmetros definidos em lei complementar que discipline a matéria20.

O Código Tributário Nacional (CTN), editado como lei ordinária e

recepcionado com eficácia hierárquica de lei complementar pela ordem constitucional, apresenta rígida disciplina das hipóteses de configuração de responsabilidade tributária, que deverá ser seguida pelos entes políticos na edição das respectivas leis ordinárias. Assim, embora o artigo 97, inciso III, do próprio CTN preveja que a lei pode estabelecer a definição do sujeito passivo da obrigação tributária, é certo que o legislador ordinário deve observar os limites impostos pela Constituição Federal e pelas leis complementares que disciplinam a matéria (o próprio CTN e as hipóteses de responsabilidade tributária previstas em leis complementares específicas, como a Lei Complementar nº 116/2003).

Percebe-se, assim, que a lei ordinária somente poderá imputar

responsabilidade tributária à sociedade que detenha competência decisória concreta sobre outra sociedade se houver amparo em lei complementar, motivo pelo qual se passa a examinar nas próximas linhas os preceitos normativos do CTN que disciplinam a figura do responsável tributário21.

Em razão do corte metodológico extraído das questões propostas

para o XL Simpósio Nacional de Direito Tributário, organizado pelo Centro de Extensão Universitária (“CEU”), não serão abordados na presente resposta os casos maculados por patologias, que ultrapassam os limites do presente estudo. O tema ora abordado concentra-se exclusivamente na possibilidade de a lei ordinária atribuir, em caráter geral e abstrato, responsabilidade tributária à sociedade que detenha competência decisória concreta sobre atos de outra sociedade, deflagradores da obrigação tributária.

20 Vide decisão proferida pelo TRF da 2ª Região Fiscal no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2006.02.01.007963-2, que ao tratar da responsabilidade tributária de sócio, diretor, gerente ou representante de pessoa jurídica, decidiu que: “(...) não é lícito à lei ordinária imputar responsabilidade tributária não prevista no Código Tributário Nacional ou em outra lei complementar que discipline a matéria”. 21 Para considerações mais detalhadas, vide os comentários gerais sobre o tema da responsabilidade tributária apresentados por Ricardo Mariz de Oliveira neste mesmo volume.

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Também como já tratado na resposta à questão 1, o art. 121 do CTN estabelece que o sujeito passivo da obrigação tributária principal é a pessoa obrigada ao pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária, que pode se revestir da qualidade de contribuinte, quando tiver relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador, ou da condição de responsável, na hipótese em que, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

Já o art. 128 do CTN prevê que o responsável tributário consiste em

terceira pessoa vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação. Por isso, a condição de responsável tributário não pode ser atribuída aleatoriamente pelo legislador, devendo recair sobre terceiro que mantém vínculo com o fato gerador da obrigação tributária.

Porém, cabe reiterar que não é qualquer vínculo com o fato gerador

que autoriza a atribuição de responsabilidade tributária a terceiro, pois o ônus relativo ao cumprimento da obrigação tributária não deve ser excessivo e desproporcional, tampouco pode recair sobre o patrimônio próprio do responsável, que deve ter a possibilidade de obter os recursos necessários ao adimplemento da obrigação tributária junto ao contribuinte. O responsável, por não praticar o fato gerador da obrigação tributária, não manifesta capacidade contributiva que justifique que os seus próprios recursos financeiros sejam utilizados para o pagamento do tributo devido. Em vista disso, o patrimônio pessoal do responsável não pode ser utilizado para suportar o adimplemento de obrigação tributária decorrente de capacidade contributiva manifestada por outro sujeito de direito.

O artigo 124 do CTN prevê, ainda, que são solidariamente

responsáveis (i) as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal22; e (ii) as pessoas expressamente designadas por lei.

22 Sobre o conceito de interesse comum, para efeito de solidariedade passiva tributária, é elucidativa a ementa do julgamento do Recurso Especial n. 859.616-RS, realizado em 18.9.2007 pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), da qual se transcreve a seguinte passagem: “Conquanto a expressão ‘interesse comum’ – encarte um conceito indeterminado, é mister proceder-se a uma interpretação sistemática das normas tributárias, de modo a alcançar a ratio essendi do referido dispositivo legal. Nesse

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Com relação ao item (ii), é certo que, pelos mesmos motivos

explicados acima, o legislador não tem poderes absolutos e ilimitados para determinar a solidariedade de qualquer pessoa, sem atentar para sua vinculação com o fato gerador. Tanto é assim que o próprio Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 562.276-PR, em julgado em 3.11.2010, relatado pela Ministra Ellen Gracie, reconheceu que “O preceito do art. 124, II, no sentido de que são solidariamente obrigadas ‘as pessoas expressamente designadas por lei’, não autoriza o legislador a criar novos casos de responsabilidade tributária sem a observância dos requisitos exigidos pelo art. 128 do CTN (...)”. Logo, a solidariedade passiva admitida pelo artigo 124, inciso II, do CTN também depende da vinculação do responsável com o fato gerador da obrigação tributária. Daí assistir razão a Misabel Derzi ao afirmar que a solidariedade é uma forma de graduar a responsabilidade dos sujeitos de direito que já compõem o polo passivo da obrigação tributária (mais de um contribuinte, um contribuinte e um responsável, ou mais de um responsável), a fim de definir a natureza das relações entre os coobrigados (v.g. solidária ou subsidiária). O artigo 124 do CTN não trata, portanto, da hipótese de inclusão de um terceiro no polo passivo da obrigação tributária, o que justifica, inclusive, o tratamento da matéria na seção II do capítulo IV do CTN, que versa sobre a sujeição passiva em caráter geral, e não no capítulo V, que trata especificamente das diferentes hipóteses de atribuição de responsabilidade tributária pelo legislador.

Feitas as considerações de ordem geral acima, passa-se a examinar a

possibilidade de a lei ordinária atribuir responsabilidade tributária (artigo 128 do CTN) ou responsabilidade solidária (artigo 124, incido I, do CTN) à sociedade empresarial que detenha competência decisória concreta sobre outra sociedade empresarial.

Como mencionado acima, o artigo 128 do CTN prevê que “lei pode

atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira diapasão, tem-se que o interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal implica que as pessoas solidariamente obrigadas sejam sujeitos da relação jurídica que deu azo à ocorrência do fato imponível. Isto porque feriria a lógica jurídico-tributária a integração, no pólo passivo da relação jurídica, de alguém que não tenha tido qualquer participação na ocorrência do fato gerador da obrigação”.

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pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação (...)”. Como se vê, o dispositivo legal em pauta exige que o responsável tenha relação com o fato gerador da obrigação tributária, o que significa dizer que a mera existência de relação com o contribuinte, caracterizada pela existência de poder de controle societário, não é suficiente para justificar a imposição de responsabilidade tributária. Assim, a mera existência de poder de controle (interno ou externo) sobre o contribuinte não autoriza a atribuição de responsabilidade tributária.

Observe-se que o grau de ingerência de determinada sociedade

sobre o contribuinte não representa vínculo com o fato gerador da obrigação tributária. Mesmo que se admita – a título de argumentação – que uma sociedade com poder de controle societário possa influenciar diretamente na decisão sobre a realização, ou não, de determinado negócio jurídico que constitui o fato gerador da obrigação tributário, é certo que o seu vínculo permanece adstrito ao próprio contribuinte. A relação de controle societário ou mesmo o poder de decisão é exercido sobre o contribuinte, mas o controlador se mantém equidistante em relação ao fato gerador da obrigação tributária.

Em reforço, acrescente-se que, ao estabelecer que o responsável

tributário deve ser vinculado ao fato gerador da obrigação tributária, o artigo 128 do CTN manteve-se alinhado ao princípio da capacidade contributiva, que tem o propósito de mensurar a aptidão econômica do contribuinte para colaborar com o Estado mediante o pagamento de tributos. A capacidade contributiva é atributo pessoal do contribuinte (e não do responsável), pois é um signo presuntivo de riqueza eleito pelo legislador que revela a sua capacidade econômica de contribuir com os gastos públicos. Isso significa que o valor a ser recolhido ao Poder Público deve ser extraído do próprio fato econômico praticado pelo contribuinte, ainda que, por uma questão de política fiscal, o legislador opte por atribuir a responsabilidade pelo recolhimento do tributo a um terceiro vinculado ao fato gerador da obrigação tributária. Dessa forma, como o responsável não manifestou a capacidade contributiva, o cumprimento da obrigação tributário deve ser realizado às custas do contribuinte, sem onerar o patrimônio de terceiros eleitos pelo legislador.

Ocorre que a sociedade com poder de decisão, ainda que possa

influenciar na prática de atos ou negócios jurídicos que constituem a obrigação tributária, nem sempre dispõe de mecanismo jurídico hábil para garantir o

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ressarcimento do ônus econômico do tributo, caso seja obrigada ao pagamento do imposto devido pelo contribuinte. É verdade que a sociedade com poder de controle societário, em certas circunstâncias, pode requerer o repasse de valores para o ressarcimento do ônus tributário, seja com base em instrumento contratual que preveja expressamente que o valor do tributo eventualmente cobrado da sociedade controladora será reembolsado pelas sociedades que realizaram o fato gerador, seja por meio de deliberação societária que autorize o respectivo ressarcimento. Entretanto, a lei tributária não deve assumir uma solução apriorística no sentido de que o ressarcimento do ônus econômico do tributo será sempre possível, ignorando as inúmeras variáveis que podem afetar o caso concreto, que serão examinadas adiante.

Para a adequada compreensão, deve-se relembrar que a pessoa

jurídica representa um instrumento jurídico criado pelo direito, que confere aos particulares a possibilidade de destacar uma parcela do seu patrimônio para o desenvolvimento de uma atividade econômica23. Assim, a personalidade jurídica da sociedade empresarial envolve a separação patrimonial em relação aos seus sócios, por meio do chamado princípio da autonomia patrimonial. É por isso que lei brasileira disciplina a aquisição de personalidade jurídica própria pelas sociedades personificadas no artigo 985 do Código Civil, segundo o qual “a sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos”. O preceptivo legal em pauta tem fundamento constitucional no direito de associação, previsto no artigo 5º, inciso XVII24, bem como no livre exercício de atividade econômica, consagrado o artigo 17025, ambos da Constituição Federal, que asseguram a possibilidade de 23 Para uma análise ampla das teorias a respeito da pessoa jurídica, conferir: SCHOUERI, Luís Eduardo; BARBOSA, Mateus Calicchio. “A Persona e o Direito: entre a Realidade e a Ficção das Pessoas Jurídicas. Revista Direito Tributário Atual nº 30. São Paulo: IBDT/Dialética, 2014, pp. 251-273. 24 “Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ... XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;” 25 “Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: ... Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

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organização dos negócios em estruturas jurídicas separadas das pessoas dos sócios, com patrimônios distintos e autônomos.

Em razão da existência de personalidade jurídica própria, é forçoso

reconhecer que a sociedade com poder de controle não pode, em todas as circunstâncias, simplesmente determinar a transferência de recursos para ressarcir o ônus econômico do tributo, como exige o artigo 128 do CTN, em decorrência do princípio constitucional da capacidade contributiva. Isso é assim porque, no caso de grupos societários de direito, cuja convenção de constituição deve ser arquivada no registro do comércio da sede da sociedade de comando26, o artigo 276 da Lei nº 6.404/1976 estabelece que tanto a subordinação dos interesses da sociedade à vontade coletiva do grupo societário, quanto a participação em custos, receitas ou resultados de atividades ou empreendimentos somente poderão ser opostos aos sócios minoritários das sociedades filiadas nos termos da respectiva convenção de constituição. Veja-se:

“Art. 276. A combinação de recursos e esforços, a subordinação dos interesses de uma sociedade aos de outra, ou do grupo, e a participação em custos, receitas ou resultados de atividades ou empreendimentos somente poderão ser opostos aos sócios minoritários das sociedades filiadas nos termos da convenção do grupo. § 1º. Consideram-se minoritários, para os efeitos deste artigo, todos os sócios da filiada, com exceção da sociedade de comando e das demais filiadas do grupo. § 2º. A distribuição de custos, receitas e resultados e as compensações entre sociedades, previstas na convenção do grupo, deverão ser determinadas e registradas no balanço de cada exercício social das sociedades interessadas”.

O dispositivo legal tem o claro objetivo de preservar os acionistas

minoritários contra eventuais distorções do resultado econômico da sociedade integrante do grupo societário, justamente em razão da utilização de artifício na distribuição de custos, receitas e resultados ou na realização das compensações entre as sociedades. Assim, ainda que para preservar os interesses dos

26 Artigo 271, inciso I, da Lei nº 6.404/1976.

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acionistas minoritários, é certo que a sociedade controladora não pode simplesmente determinar a transferência de recursos para o eventual ressarcimento do ônus econômico decorrente da imputação de responsabilidade tributária, sem respaldo na convenção de constituição do grupo societário.

No caso de grupo societário de fato, que decorre do mero exercício

de poder de controle (direto ou indireto)27, sem convenção de constituição arquivada perante o registro de comércio, é importante destacar que o artigo 245 da Lei nº 6.404/1976 prevê que o administrador não pode, em prejuízo da companhia, favorecer sociedade coligada, controladora ou controlada, cumprindo-lhes zelar para que as operações entre as sociedades, se houver, observem condições estritamente comutativas. Confira-se o texto legal:

“Art. 245. Os administradores não podem, em prejuízo da companhia, favorecer sociedade coligada, controladora ou controlada, cumprindo-lhes zelar para que as operações entre as sociedades, se houver, observem condições estritamente comutativas, ou com pagamento compensatório adequado; e respondem perante a companhia pelas perdas e danos resultantes de atos praticados com infração ao disposto neste artigo”.

Como se pode notar, o dispositivo legal acima exige que os negócios

jurídicos eventualmente celebrados entre pessoas jurídicas integrantes do mesmo grupo econômico sejam realizadas em condições estritamente comutativas, sem favorecimento ou parcialidade. Isso não impede a sociedade controladora de solicitar o ressarcimento econômico do tributo que tenha efetivamente suportado em decorrência da imputação de responsabilidade tributária, com a observância dos pressupostos exigidos no direito privado, mas evidencia a impossibilidade de transferência artificial de resultados por meio de negócios jurídicos, apenas com o objetivo de reembolsar o ônus tributário. Dessa forma, em caso de conflitos de interesses entre a sociedade controladora e os acionistas minoritários, não é possível resolver o problema do ressarcimento do ônus econômico do tributo por meio da realização de negócios jurídicos em condições de favorecimento.

27 PRADO, Viviane Muller. Grupos Societários: Análise do Modelo da Lei nº 6.404/1976. Grupo Societário: Análise do Modelo da Lei 6.404/1976. Revista Direito GV. Volume 1. Número 2. São Paulo: FGV, 2005, p. 06.

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Em contraposição ao entendimento acima, poder-se-ia sustentar que a sociedade com poder de controle pode ser economicamente ressarcida mediante a distribuição de dividendos, aproveitando-se da isenção concedida pelo artigo 10 da Lei nº 9.249/1995. Entretanto, essa forma de ressarcimento econômico, além de não ter relação econômica direta com o ônus tributário efetivamente suportado pela sociedade erigida à condição de responsável, ignora a constatação de que o poder de controle não é exercido apenas por sócios, mas também por atores externos que não integram o quadro societário.

Com efeito, o poder de controle não está vinculado,

necessariamente, ao controle do capital social, podendo, também, ser examinado a partir de elementos fáticos, que evidenciam a existência de um poder econômico capaz de exercer influência determinante sobre as decisões de determinada sociedade. É justamente por isso que Fábio Konder Comparato distingue o poder de controle interno e o poder de controle externo, sendo o primeiro exercido por sócios, acionistas ou administradores e o segundo operado por atores externos, como credores e fornecedores28. Nas situações de controle externo, o ressarcimento do responsável tributário mediante a distribuição de lucros é juridicamente impossível, o que confirma a incompatibilidade de atribuição de responsabilidade tributária apenas com base na existência de poder de controle.

Prosseguindo-se na linha de raciocínio, pode-se conjecturar que,

mesmo na hipótese de existência de poder de controle societário concreto, não há elementos seguros para a atribuição de responsabilidade tributária no plano normativo, em caráter geral e abstrato, tendo em vista que particularidades específicas podem influenciar no caso concreto, a depender das circunstâncias fáticas envolvidas. Apenas a título de ilustração, basta lembrar que acionistas minoritários atuantes podem fazer prevalecer as suas vontades nas assembleias gerais, assim como eleger e influenciar os administradores da sociedade, mormente por meio de acordos de acionistas. Daí a lição de Modesto Carvalhosa no sentido de que uma minoria organizada de acionistas pode exercer o poder de controle sobre uma companhia quando houver uma maioria de acionistas isolada e desinteressada em relação ao exercício dos seus direitos políticos29. 28 COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. Forense: Rio de Janeiro, 2009, pp. 16 e seguintes. 29 CARVALHOSA, Modesto. Acordo de Acionistas. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 125.

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Isso sem mencionar os casos em que, devido a pulverização do capital ou a dispersão acionária, o exercício do poder de controle é basicamente exercício pelos administradores, que podem, inclusive, possuir procuração para votar em nome dos acionistas na assembleias gerais.

Em suma, ainda que em certas circunstâncias a sociedade

controladora disponha de mecanismos para obter o ressarcimento do ônus econômico do tributo devido, as considerações acima mostram que o legislador tributário brasileiro andou bem ao preservar a personalidade jurídica e a autonomia patrimonial também no campo do direito tributário, a fim de que a sociedade empresária assuma o seu papel de agente transformador da realidade econômica e social, como núcleo central da produção e da circulação da riqueza. A pessoa jurídica regulamente constituída somente deve ser desconsiderada em casos excepcionais, com estrita observância dos pressupostos estabelecidos na legislação em vigor, sem excessos e desvirtuamentos.

É importante destacar, em tempo, que a disciplina jurídica da

sujeição passiva prevista no CTN é absolutamente condizente com a opção do legislador de associar a sujeição passiva tributária com a personalidade jurídica conferida às pessoas jurídicas e, mais especificamente, às sociedades empresárias. Sob o enfoque de política fiscal, o legislador tributário, ao tratar da sujeição tributária passiva para fins de incidência do imposto de renda da pessoa jurídica, poderia ter optado, basicamente, entre as seguintes alternativas (sem prejuízo de outras): (i) tributar cada pessoa jurídica separadamente, respeitando a personalidade jurídica própria; (ii) tributar os sócios ou acionistas, em relação aos lucros auferidos por intermédio de pessoas jurídicas; (iii) tributar o empreendimento econômico em si (grupo econômico), independentemente da existência, ou não, de personalidade jurídica; ou (iv) tributar cada pessoa jurídica separadamente, com a possibilidade de consolidação de resultados em grupo econômico. O legislador pode, ainda, mesclar as opções acima, submetendo determinados tipos societários à tributação corporativa e outros à tributação direta no âmbito dos sócios ou acionistas30.

30 HARRIS, Peter. Corporate Tax Law – Structure, Policy and Practice. Cambridge Tax Law Series. New York: Cambridge University Press, 2013, p. 8.

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O legislador brasileiro, no âmbito da tributação da renda das pessoas jurídicas, optou por submeter à incidência do IRPJ as pessoas jurídicas e as empresas individuais31, independentemente do efetivo registro de seus atos constitutivos32. Para tanto, são consideradas pessoas jurídicas (i) as pessoas jurídicas de direito privado domiciliadas no País, sejam quais forem seus fins, nacionalidade ou participantes no capital33; (ii) as filiais, sucursais, agências ou representações no País das pessoas jurídicas com sede no exterior34; e (iii) os comitentes domiciliados no exterior, quanto aos resultados das operações realizadas por seus mandatários ou comissários no País35.

Isso mostra que as pessoas jurídicas de direito privado serão

tributadas como entes autônomos, independentemente dos seus sócios ou acionistas. O legislador tributário brasileiro reconheceu, portanto, a importância da personalidade jurídica e da autonomia patrimonial para fins de incidência do imposto de renda. Não há, no direito tributário brasileiro, a possibilidade de tributação consolidada, bem como de transferência de prejuízos fiscais ou créditos tributários entre pessoas jurídicas que integram o mesmo grupo econômico. Além disso, as relações entre entidades do mesmo grupo econômico devem ser valoradas segundo o padrão de mercado. Daí se afirmar que, até mesmo por uma questão de coerência, não faria sentido atribuir responsabilidade tributária geral e abstrata para pessoas jurídicas que exerçam competência decisória concreta, quando a própria conformação do sistema tributário adota como pressuposto a existência de personalidade jurídica distinta para cada sociedade integrante do grupo econômico.

Nesta linha, percebe-se que a liberdade do legislador na prescrição

das hipóteses de responsabilidade tributária também encontra limites na necessidade de coerência normativa no ordenamento jurídico, pois um sistema tributário justo pressupõe a adequação valorativa das normas jurídicas que o compõem, evitando-se a introdução de regras que causem uma ruptura do 31 Artigo 146, I e II, do RIR/99 e artigo 27 do Decreto-Lei nº 5.844/1943. 32 Artigo 146, parágrafo 1º, do RIR/99 e artigo 27, parágrafo 2º, do Decreto-Lei nº 5.844/1943. 33 Artigo 147, inciso I, do RIR/99 (artigo 27 do Decreto-Lei nº 5.844/1943, artigo 42 da Lei nº 4.131/1962 e artigo 1º da Lei nº 6.264/1975) 34 Artigo 147, inciso II, do RIR/99 (artigo 76 da Lei nº 3.470/1958, artigo 42 da Lei nº 4.131/1962 e artigo 1º da Lei nº 6.264/1975). 35 Artigo 147, inciso III, do RIR/99 (artigo 76 da Lei nº 3.470/1958).

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sistema. Tanto é assim que Jack M. Balkin, professor da Universidade de Yale, leciona que o Direito será coerente se os seus princípios, políticas e objetivos formarem um conjunto harmônico, de forma a permitir que os conflitos normativos sejam resolvidos de forma fundamentada, razoável e não arbitrária36.

Essas colocações evidenciam que as escolhas de política fiscal

realizadas pelo legislador acabam por limitar o seu próprio campo de atuação, inclusive em relação às hipóteses de responsabilidade tributária. O esclarecimento acima é importante por evidenciar que o legislador brasileiro, no momento de atribuição da responsabilidade tributária, deve ser coerente com a sua escolha de reconhecer a personalidade jurídica própria das pessoas jurídicas para fins de tributação (“non-intervention: separate entity approach”). A situação poderia ser diferente se o legislador brasileiro tivesse previsto a possibilidade de consolidação de resultados para fins de tributação, tal como ocorre no direito tributário alemão com a unidade chamada de Organschaft (companhia integrada), no qual a sociedade principal (“Organsträger”) pode consolidar os lucros e prejuízos da subsidiária (“Organgesellschaft”), na forma da Seção 14 da Lei de Tributação Corporativa (“Körperschaftssteuergesetz – KStG”)37. Nesta situação, diante da possibilidade de consolidação de resultados para fins de tributação, seria admissível a imputação de responsabilidade tributária (subsidiária ou solidária) às sociedades cujos resultados fiscais foram consolidados para fins de tributação pelo imposto de renda. É o que prevê a Seção 73 do Código Fiscal da Alemanha (“Abgabenordnung”), que impõe responsabilidade subsidiária para a sociedade inserida na consolidação fiscal38.

36 Confira-se o entendimento do autor: “The law (or a part of the law) is coherent if the principles, policies, and purposes that could justify it form a coherent set, which in turn means that all conflicts among them are resolved in a principled, reasonable, and non-arbitrary fashion”. (BALKIN, Jack M. “Understanding Legal Understanding: The Legal Subject and the Problem of Legal Coherence”. 103 Yale Law Journal. 1993, pp. 11-12). 37 JOCHUM, Heike; THIELE, Philipp J. Introduction to German Tax Law. Stuttgart: Richard Boorberg Verlag, 2013, p. 49. 38 Redação original: "§ 73 Haftung bei Organschaft. Eine Organgesellschaft haftet für solche Steuern des Organträgers, für welche die Organschaft zwischen ihnen steuerlich von Bedeutung ist. Den Steuern stehen die Ansprüche auf Erstattung von Steuervergütungen gleich". Versão em inglês: “§ 73. Liability in the case of fiscal unity. "A controlled company shall be liable for such taxes payable by the controlling company for which their fiscal unity is of relevance with regard to tax purposes. Entitlements to the reimbursement of tax rebates shall be equivalent to these taxes”.

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Na mesma linha, registre-se que, no regime de tributação consolidada da Austrália39, as sociedades integrantes do grupo econômico (“member companies”) podem ser inseridas, juntamente com a sociedade principal (“head company”), no pólo passivo da obrigação tributária, justamente em razão da possibilidade de transferência de resultados entre as sociedades para tributação consolidada no nível da sociedade controladora. É o que se depreende da regra inserida na Section 721-15 do Income Tax Assessment Act de 199740.

Peter Harris aponta que há diferentes regimes de tributação que

desprezam ou relativizam a personalidade jurídica da sociedade para fins de tributação:

(i) Consolidação: o sistema tributário assume que os grupos

econômicos atuam como uma unidade integrada na realidade econômica, motivo pelo qual a ficção legal de que cada pessoa jurídica possui personalidade jurídica própria é ignorara para fins de tributação pelo imposto de renda. Assim, as atividades, ativos e passivos das pessoas jurídicas são atribuídos aos proprietários ou controladores. As operações realizadas entre as sociedades integrantes do grupo econômico são ignoradas, pois as personalidades jurídicas distintas são ignoradas e tratadas como uma unidade para fins fiscais. Essa forma de consolidação pode ser encontrada nos Países Baixos e na Austrália41.

(ii) Transferência de atributos tributários: o sistema tributário

admite a existência de personalidade jurídica distinta, mas

39 Para uma análise mais detalhada do regime de tributação consolidada na Austrália, conferir: TING, Antony. “Australia's Consolidation Regime: A Road of No Return?” British Tax Review, No. 2. London: Sweet & Maxwell, 2010, pp. 162-193. 40 Redação original: “721-15 Head company and contributing members jointly and severally liable to pay group liability. (1) The following are jointly and severally liable to pay the group liability: (a) the head company; and (b) each contributing member (other than a contributing member excluded by subsection (2))”. 41 HARRIS, Peter. Corporate Tax Law – Structure, Policy and Practice. Cambridge Tax Law Series. New York: Cambridge University Press, 2013, pp. 46-48.

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altera as consequências normais da sua existência para fins específicos, admitindo a transferência de lucros, prejuízos ou créditos entre pessoas jurídicas, em situações específicas. Essa forma de relativização da personalidade jurídica é adotada no Reino Unido, particularmente na tributação de grupos de sociedades42.

(iii) Regimes de tributação híbridos: o sistema tributário admite

que grupos de sociedades apresentem declaração de imposto de renda em conjunto, mas não há a consolidação total de resultados. Há a possibilidade de transferência de atributos tributários, mas as transações realizadas entre pessoas jurídicas integrantes do grupo econômico devem ser reconhecidas para fins fiscais, ainda que com a possibilidade de determinados ajustes e diferimentos. Esse regime de tributação híbrido é adotado nos Estados Unidos e na Alemanha43.

Entretanto, ao contrário do que ocorre nos modelos acima, o

legislador tributário brasileiro não acolheu qualquer das formas de consolidação ou de transferência de resultados entre pessoas jurídicas para fins de tributação, o que torna incoerente a adoção de abordagem distinta exclusivamente para efeito de imposição de responsabilidade tributária. Assim, é recomendável que o legislador privilegie, no lugar uma política fiscal voltada exclusivamente à proteção da arrecadação fiscal e dos interesses da Administração Tributária, regras de responsabilidade tributária que mantenham coerência com o sistema tributário.

Isso é assim porque, na definição do seu sistema tributário, o

legislador, basicamente, tem a opção de preservar a personalidade jurídica e tributar cada sociedade como um ente autônomo (“non-intervention: separate entity approach”), ou, ao contrário, ignorar a personalidade jurídica para fins tributários, exigindo a apuração consolidada dos resultados do grupo econômico (“intervention: group consolidation approach”), de forma semelhante ao que 42 HARRIS, Peter. Corporate Tax Law – Structure, Policy and Practice. Cambridge Tax Law Series. New York: Cambridge University Press, 2013, pp. 48-49. 43 HARRIS, Peter. Corporate Tax Law – Structure, Policy and Practice. Cambridge Tax Law Series. New York: Cambridge University Press, 2013, p. 49.

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ocorre no balanço consolidado apurado para fins contábeis44. Ocorre que, a partir do momento em que o legislador escolhe um dos critérios acima, introduzindo-o no sistema tributário brasileiro, é importante que, por uma questão de coerência, as demais regras do sistema tributário sigam na mesma direção. As eventuais exceções ao critério eleito pelo legislador, para serem válidas, devem encontrar amparo na própria Constituição Federal, da qual devem ser extraídos elementos para justificar o tratamento tributário distinto. Isso não ocorre com a hipótese de responsabilidade tributária ora discutida, que não encontra justificativa constitucional.

Vale esclarecer que o fato de o artigo 126, inciso III, do CTN

estabelecer que a capacidade tributária passiva não depende da regular constituição da pessoa jurídica (“a capacidade tributária passiva independe...de estar a pessoa jurídica regularmente constituída”), mediante o registro dos seus atos constitutivos no órgão competente, não significa que a pessoa jurídica regularmente constituída possa ser desprezada pelo fisco. Ao contrário, a entidade que atua como pessoa jurídica na realidade econômica pode ser submetida à incidência do IRPJ, independentemente da regularidade dos seus atos constitutivos, mas a pessoa jurídica regulamente constituída somente pode ser desconsiderada em casos excepcionais, com estrita observância dos pressupostos estabelecidos na legislação em vigor, sem excessos e desvirtuamentos.

Por fim, registre-se que, mesmo no caso da subsidiária integral, cujo

capital é integralmente detido por uma única pessoa jurídica, a lei conserva as respectivas personalidades separadas, na forma do artigo do 251 da Lei nº 6.404/1976. Em vista disso, os comentários apresentados acima são igualmente aplicáveis à subsidiária integral.

Com relação ao artigo 124, inciso I, do CTN, foi visto acima que as

pessoas que têm interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da obrigação tributária.

44 HARRIS, Peter. Corporate Tax Law – Structure, Policy and Practice. Cambridge Tax Law Series. New York: Cambridge University Press, 2013, p. 49.

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Registre-se que mesmo o exercício concreto do poder de decisão não revela, por si só, a participação da sociedade investidora no fato gerador da obrigação tributária, para efeito de caracterização do interesse comum que permite a atribuição de responsabilidade tributária solidária. Isso porque, em última análise, o interesse comum depende da participação direta da sociedade que exerceu o poder de decisão na situação de fato ou na situação de direito que compõe o antecedente normativo da regra de incidência tributária. Assim, pode-se afirmar que, nos casos em que a hipótese abstrata da norma jurídica de incidência tributária está vinculada a determinado negócio jurídico, o responsável solidário deve integrar, juntamente com o contribuinte, o polo da relação jurídica descrita na lei como necessária e suficiente à ocorrência do fato gerador. Por igual forma, nos casos em que a norma tributária descreve fato do mundo fenomênico que independe da efetiva caracterização de ato ou negócio jurídico, o responsável solidário deve participar ativamente do fato ocorrido na realidade social (e não apenas por meio de influência), realizando em conjunto com o contribuinte o fato jurídico tributário.

Com base em tais anotações, percebe-se que é questionável a

validade do o artigo 30, inciso IX, da Lei nº 8.212/1991, que ao tratar da arrecadação e do recolhimento das contribuições devidas à seguridade social, atribuiu responsabilidade tributária solidária às empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza. Veja-se:

“Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas: (...) IX - as empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta Lei”.

Na condição de lei ordinária, a Lei nº 8.212/1991 deve ser

interpretada nos limites do CTN, sob pena de afronta à reserva de lei complementar prevista no artigo 146, inciso III, alínea “a”, da Constituição

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Federal. Dessa forma, as pessoas jurídicas integrantes de grupo econômico apenas devem ser colocadas na condição de responsáveis nas hipóteses admitidas pelo CTN ou por outra lei complementar que regulamente a matéria.

Resposta: Por todo o exposto, conclui-se que a definição dos

contribuintes e responsáveis dos impostos discriminados no texto constitucional constitui matéria reservada à lei complementar, de modo que a imputação de responsabilidade tributária por meio de edição de lei ordinária deve encontrar amparo no CTN ou em outra lei complementar que discipline a matéria. No caso específico, a imputação de responsabilidade tributária (geral e abstrata) à sociedade que detém competência decisória concreta sobre atos de outra sociedade não encontra amparo no CTN, o que impede a sua instituição por lei ordinária.

4) A falta de propósito negocial é suficiente para

desconsiderar ato ou pessoa jurídica constituída com o intuito declarado de assegurar menor tributação, uma vez observadas estritamente as potencialidades permitidas pela lei? Qual a diferença entre dissimulação, simulação e outros comportamentos fraudulentos? Caso determinada operação seja considerada legítima no âmbito privado, pode ser desconsiderada no campo de direito tributário?

Falta de propósito negocial Há um enorme equívoco na “importação” de instrumentos do direito

comparado para compor uma mera teoria pretensamente válida no direito tributário brasileiro, e uma não menor confusão na aplicação dessa teoria, acolhida pelos fiscos do País por sua evidente utilidade para suas funções, e adotada em larga escala no âmbito de julgamento dos processos administrativos ante as dificuldades que muitos órgão julgadores revelam para o trato de princípios gerais de direito, e principalmente, das normas do direito privado, o qual antecede a ocorrência do fato gerador das obrigações tributárias, contribuindo decisivamente para a formação da quase totalidade das situações geradoras de tributos e das respectivas bases de cálculo.

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Outras vezes, a teoria prestou-se a solucionar comodamente situações habilidosamente arquitetadas, mas com evidente abuso no exercício do direito de planejar as organizações patrimoniais ou reestruturações patrimoniais e as atividades econômicas. Nestes casos, todavia, não é difícil notar as rupturas das estruturas montadas, perante o próprio direito privado.

Em termos resumidos ao seu aspecto central, a teoria considera

haver abuso de direito se alguma economia tributária decorrer de estruturação patrimonial ou negocial com o único propósito de obter uma economia tributária. Entre seus aspectos secundários, avulta o de que há abuso mesmo quando haja a realização de alguma organização ou negociação real, mas seja adotado um ato ou negócio jurídico com o único intuito de obtenção de economia de tributo.

Neste sentido, perante a questão proposta, também a criação de

uma pessoa jurídica com finalidade unicamente tributária seria abusiva, daí surgindo as discussões sobre empresas veículo, inexistência de vontade de se associar, etc. Principalmente quando tal iniciativa ocorre dentro de um grupo empresarial já existente.45

Concretamente enfrentada a questão, a resposta é contrária à teoria

e a tantos julgamentos que já foram proferidos com base nela, nos quais é altamente indicativa da sua improcedência a impossibilidade de motivar a decisão em alguma norma vigente no direito brasileiro, daí se chegando ao absurdo extremo da afirmação de que os atos podem ser válidos perante direito privado, mas são inoponíveis ao fisco! Cabe até indagar, perante essa tautologia, se os atos inválidos é que seriam oponíveis.

Ainda em termos concretos, a maior resposta à afirmação de que a

falta de propósito negocial é suficiente para motivar a desconsideração de ato ou pessoa jurídica regularmente existente segundo o direito privado reside na

45 A alusão a “grupo” não é relativa necessariamente a grupo de sociedades organizado juridicamente segundo o art. 265 e seguintes da Lei n. 6404, nem ao grupo aludido no parágrafo 2º do art. 2º da CSL, devendo ser entendida com significando todo e qualquer conglomerado empresarial.

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expulsão da norma legal que a previu tal possibilidade, qual seja, a norma do art. 14, parágrafo 1º, inciso I, da Medida Provisória n. 66, 29.8.2002, rejeitado pelo Congresso Nacional, que se negou a convertê-la em lei.46

Ou seja, em nosso país houve norma legal no sentido defendido pela

teoria, mas foi norma de medida provisória que perdeu sua eficácia desde a sua edição ao não ser convertida em lei, segundo a determinação contida no art. 62, parágrafo 3º, da Constituição Federal. 47

Destarte, independentemente de qualquer outra discussão, afirma-

se que, face ao mandamento constitucional, o intento de proporcionar menor tributação, ainda que não acompanhado de outro objetivo, não é suficiente para desconsiderar ato ou pessoa jurídica.

Isto é assim por inexistir em nosso direito positivo uma norma como

a que constava da referida medida provisória, além de que, como certamente se sabe, o motivo das partes não interfere com a validade dos atos e negócios jurídicos, salvo quando o motivo comum às partes for ilícito (Código Civil, art.

46 “Art. 14 – São passíveis de desconsideração os atos ou negócios jurídicos que visem a reduzir o valor de tributo, a evitar ou a postergar o seu pagamento ou a ocultar os verdadeiros aspectos do fato gerador ou a real natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária. Parágrafo 1º - Para a desconsideração de ato ou negócio jurídico dever-se-á levar em conta, entre outras, a ocorrência de: I – falta de propósito negocial; ou II – abuso de forma. Parágrafo 2º - Considera-se indicativo de falta de propósito negocial a opção pela forma mais complexa ou mais onerosa, para os envolvidos, entre duas ou mais formas para a prática de determinado ato. Parágrafo 3º - Para o efeito do disposto no inciso II do parágrafo 1º, considera-se abuso de forma jurídica a prática de ato ou negócio jurídico indireto que produza o mesmo resultado econômico do ato ou negócio jurídico dissimulado.” 47 “Parágrafo 3º - As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos parágrafos 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do parágrafo 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.”

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160, inciso III 48). Por óbvio, a procura da economia tributária não representa motivo ilícito, pois, ao contrário, tem escudo constitucional. 49

A ausência de norma - mais ainda, a perda de eficácia da norma que

um dia existiu em nossa direito –, torna surpreendente que ainda se repita que a falta de propósito negocial permita a desconsideração de atos ou pessoas jurídicas regulares. Entretanto, num evento científico é justo e necessário apontar para o engano existente numa afirmação como esta, feita em tese, ou na sua aplicação em casos concretos.

Realmente, por exemplo, um negócio jurídico de compra e venda

terá sempre esta identidade jurídica, e produzirá os respectivos efeitos, quer o vendedor tenha querido vender o bem por precisar de dinheiro, ou por não querer mais usá-lo, ou porque o imposto sobre a propriedade tornou-se oneroso, ou por qualquer outro motivo de seu exclusivo interesse pessoal. Do mesmo modo, não se alterará a natureza de compra e venda em razão de o comprador ter querido adquirir o bem por este ou por aquele motivo, o qual certamente não se confunde com o do vendedor. Pode-se até pensar que, para o vendedor, o imposto sobre a propriedade do bem vendido seja considerado elevado, e por isso ele o queira vender, mas para o comprador, que tinha outro bem mais onerado pelo mesmo imposto, a redução do seu ônus fiscal com o novo bem seja o motivo para a respectiva aquisição. Em qualquer caso, a natureza jurídica do negócio não se altera, nem sua validade depende do motivo das partes.

Isto é assim porque os motivos das partes não se confundem com a

causa objetiva do negócio que praticaram, pois a causa se constitui nos efeitos atribuídos ao ato ou negócio jurídico pela respectiva norma de regência 50. Daí, a 48 “Art. 166 - É nulo o negócio jurídico quando: ... III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;” 49 Há outras situações em que o motivo pode prejudicar o ato ou negócio jurídico, tais como a do art. inciso VI do art, 139, segundo o qual há erro substancial quando, “sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico”, e a do art. 140, segundo o qual “o falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante”. Mas não dizem respeito ao tema ora enfrentado. 50 Nos negócios jurídicos tipificados, a causa é atribuída pela lei, e nos inominados a causa deflui das respectivas cláusulas, as quais se constituem em lei para as partes, desde que não contrariem preceitos de ordem pública.

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causa da compra e venda ser sempre a transferência da propriedade de um bem mediante o pagamento do preço 51.

Igualmente, a validade da constituição de uma pessoa jurídica

independe da motivação do seu fundador, ou dos seus fundadores, podendo ela existir regularmente por prazo indeterminado, ou por prazo determinado, ainda que este seja de curta duração, ou ainda que seja pelo tempo necessário a que o objeto para o qual tenha sido constituída seja conseguido e ela não tenha mais motivo para existir.

Nesta ótica, portanto, pode-se praticar qualquer ato ou negócio

jurídico, mesmo que seja de constituição de uma pessoa jurídica, exclusivamente porque tal ação propicie uma economia tributária qualquer. O que precisa haver, é ato efetivo e válido.

Por fim, o equívoco de sustentar o contrário se evidencia quando se

distingue falta de propósito negocial, isto é, a inexistência de outro propósito que não tributário, com falta de negócio. Ou, confundir inexistência de “business purpose” com inexistência de “business”.

Realmente, uma coisa é haver negócio (ou ato jurídico em sentido

estrito) motivado pelo propósito de obter economia fiscal, propósito este que seja dominante ou mesmo exclusivo, e outra coisa muito diferente é não haver negócio real, mas um negócio existente apenas aparentemente.

Para haver validamente um negócio é necessário que as partes

queiram praticá-lo nos termos em que está regido pelo direito positivo, mas não é necessário que o queiram por outro motivo que não o tributário, assim como é irrelevante qualquer motivo lícito que que as movam. No exemplo da compra e venda, esta é a única coincidência de vontades necessária para que o negócio seja válido.

51 A causa, também chamada de causa de atribuição patrimonial, representa a substância do ato ou negócio jurídico, a substância a que aludem os art. 167 (“Art. 167 - É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma”) e 173 (“Art. 173 - O ato de confirmação deve conter a substância do negócio celebrado e a vontade expressa de mantê-lo”) do Código Civil.

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Destarte, desde que elas pratiquem o negócio, ele existe e não pode ser considerado inexistente porque o motivo de uma das partes, o mesmo de ambas, tenha sido tributário.

É verdade que na evasão fiscal ilícita o único motivo das partes é o

tributário, mas elas agem fraudulentamente, não produzindo qualquer efeito real no mundo patrimonial ou negocial, ou desfazendo o efeito produzido. Porém, não é assim na elisão fiscal lícita, em que o ato, motivado exclusivamente pelo interesse tributário, é real e produz seus efeitos.

Em adendo ao que já foi exposto, não se pode esquecer o prestígio

atribuído pelos art. 109 e 110 do CTN aos efeitos produzidos pelos atos e negócios jurídicos, no âmbito patrimonial e econômico, e sua extensão ao âmbito tributário.

Portanto, é possível, sim, praticar um ato ou negócio jurídico,

inclusive constituir uma pessoa jurídica, com o fim exclusivo de obter economia tributária, desde que ele tenha sido realizado com obediência ao seu regime legal.

Dissimulação, simulação e outros comportamentos fraudulentos Ante o exposto no tópico precedente, não há como se confundir

inexistência de propósito negocial com dissimulação, simulação ou outro comportamento fraudulento.

Ou melhor, na origem desses comportamentos ilícitos pode estar o

desejo de obter economia fiscal, e é por isto que a falta de outro propósito não tributário pode se constituir em indício de irregularidade, juntamente com outras circunstâncias (por exemplo, o desfazimento do ato).

Mas se tratará apenas de indício, não de componente substancial da

ilegalidade. Ou até é possível ter em vista que, quando a evasão fiscal for praticada conscientemente, há motivo ilícito para as ambas as partes (escapar do tributo devido), e, sendo ele determinante do ato ou negócio (o ato ou negócio somente é praticado com este intento), neste caso incide a nulidade determinada pelo art. 166, inciso III, do Código Civil.

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Perceba-se a diferença: na evasão fiscal consciente, o motivo é ilícito

porque o tributo é devido. Já na elisão fiscal, portanto, praticada com guarda das normas legais aplicáveis aos atos ou negócios que a produzem, e principalmente antes de o tributo já ser devido, não há motivo ilícito porque é constitucionalmente válido evitar as incidências tributárias.

Realmente, o ato ou negócio jurídico envolvido no planejamento

tributário elisivo deve ser hábil a produzir efeitos no direito privado, sem os quais não se obtém o resultado pretendido, de modo que é pressuposto do mesmo não estar viciado por qualquer defeito jurídico.

Isto é assim também no âmbito dos grupos econômicos, em que as

pessoas jurídicas conservam suas identidades próprias e distintas das outras que de algum modo estejam ligadas a elas, cada uma com seu patrimônio segregado dos patrimônios das outras e também dos sócios ou acionistas titulares das mesmas e possivelmente controladores do grupo.

Esta regra geral pressupõe que os atos praticados entre elas sejam

igualmente livres de irregularidades jurídicas, inclusive dos vícios cuja distinção é solicitada, e que é apresentada a seguir de modo resumido.

Dissimulação é palavra que adquiriu destaque no nosso vocabulário

jurídico tributário ao ser utilizada, na forma do verbo “dissimular”, para a redação do parágrafo único do art. 116 do CTN, cujo verbo foi empregado pelo autor do projeto de lei complementar que se converteu na Lei Complementar n. 104, de 10.1.2001. 52

A pretensão era dar ao termo um significado com abrangência

elástica e indeterminada, para que desse o alcance mais amplo possível à norma pretensamente “antielisiva”, mas o emprego foi incorreto porque termos técnicos, inclusive jurídicos, devem ser empregados pelas leis segundo o sentido que tenham em seus campos próprios (Lei Complementar n. 95, de 26.2.1998, 52 “Parágrafo único - A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.”

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art. 11, inciso I, letra “a”), incorporando preceitos doutrinários e entendimento jurisprudenciais anteriores a ele, inclusive do Supremo Tribunal Federal. 53

É que, tecnicamente, dissimulação corresponde à simulação relativa,

pois apresenta ao mundo um fato não verdadeiro (simulado) que esconde outro verdadeiro (dissimulado). Somente neste sentido, portanto, o verbo pode ser entendido no contexto do parágrafo único acrescido ao art. 116 do CTN.

Ademais, também lexicamente a dissimulação é o resultado de um

ato que apresenta ao mundo exterior algo que não é, ficando oculto o que verdadeiramente é. Por exemplo, dissimula-se a tristeza real através de uma gargalhada falsa.

Percebe-se que a simulação é o ato externo falso, e a dissimulação é

resultado do mesmo quando haja outro ato verdadeiro, o qual fica dissimulado. Outrossim, quando não há dissimulação, a simulação é absoluta, pois se esgota na falsidade do ato externo.

Se alguma dúvida houvesse, estaria espancada com o advento do

Código Civil de 2002, o qual corretamente usa os termos nas mencionadas acepções, quando, no art. 167, determina ser “nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma”.

Portanto, também é fácil perceber que um ato ou negócio, inclusive

o de constituição de uma pessoa jurídica, para ser válido e poder produzir o resultado tributário pretendido, e que lhe é peculiar porque decorrente dos seus efeitos jurídicos, não pode estar prejudicado pela nulidade da simulação.

E a simulação, caracterizada secularmente como a discordância

entre a vontade subjetiva das partes e a prática exterior que apresentam ao mundo, bem se determina pelo descompasso entre a causa do ato praticado e o comportamento das partes após esse ato (como, por exemplo, desfazendo-o). 53 “Art. 11 - As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas: I - para a obtenção de clareza: a) usar as palavras e as expressões em seu sentido comum, salvo quando a norma versar sobre assunto técnico, hipótese em que se empregará a nomenclatura própria da área em que se esteja legislando;”

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Como vimos, a causa não se confunde com a motivação das partes, a

qual, salvo quando ilícita, não interfere com a validade do ato, nem que se trate de motivação tributária.

Em suma, não há simulação ou dissimulação quando o ato ou

negócio jurídico é o desejado pelas partes, que se submetem à respectiva disciplina jurídica. E a validade de qualquer ato ou negócio entre pessoas jurídicas de um mesmo grupo empresarial, inclusive de constituição de novas sociedades, depende de não haver simulação ou dissimulação, inclusive para que o objetivo de economia fiscal seja atingido.

Diga-se o mesmo de outros vícios jurídicos, dos quais avultam a

fraude à lei imperativa (art. 106, inciso VI) e o abuso no exercício de direito (art. 18754), inclusive do direito de contratar (art. 42155).

Em breves palavras, a fraude à lei imperativa, isto é, à lei proibitiva

ou preceptiva, corresponde à prática que aparenta ser compatível com a lei, pois se coloca em plena conformidade com a letra da sua dicção, mas na verdade a contraria em seu espírito normativo.

Porém, não há fraude a qualquer lei imperativa na prática de atos ou

negócios, mesmo dentro de grupos econômicos, somente porque visem a economia tributária. Ou melhor, pode haver fraude à lei envolvida nas práticas adotadas com vistas àquele desiderato, mas ela estará fora do motivo tributário em si, pois o ato seria igualmente fraudulento se outro fosse o motivo. Destarte, a fraude se situará na contrariedade com alguma norma que reja imperativamente os atos praticados.

Principalmente, não há fraude à lei imperativa no só desejo de obter

economia fiscal, ou na obtenção desta através de atos ou negócios lícitos, porque não há uma obrigação constitucional de pagar tributo sem que a pessoa incorra 54 “Art. 187 - Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” 55 “Art. 421 - A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”

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livremente na situação que configure o seu fato gerador. Isto é, a própria norma descritora da hipótese de incidência da obrigação tributária não é imperativa, de modo que ela não é suscetível de fraude, ao contrário das normas que disciplinam os atos ou negócios empregados para a obtenção do resultado fiscal almejado, as quais, quando imperativas, são suscetíveis de serem fraudadas.

Portanto, tais atos ou negócios não podem representar fraude às

normas que os disciplinam. Por seu lado, o abuso no exercício de direito, possivelmente

existente no campo das relações econômicas dentro do qual nascem as obrigações tributárias, pode-se materializar, praticamente, apenas pela ação manifestamente excedente do fim social ou econômico do ato ou negócio, que a doutrina explica corresponder – esse fim – à causa do ato ou negócio jurídico.

O abuso no exercício de direito pode muitas vezes confundir-se com

a simulação, mas são conceitos distintos, embora não excludentes, pois um ato ou negócio jurídico pode ser simulado e ao mesmo tempo estar comprometido por abuso no exercício de direito.

Há um tipo de abuso no exercício de direito, catalogado como tal no

Código Civil, que tem peculiaridade própria: trata-se do abuso da personalidade jurídica (art. 50).56

A peculiaridade desse vício jurídico está em que ele não invalida o

ato, pois, ao contrário, ele pressupõe a ocorrência de ato ou negócio jurídico válido, mas com a utilização da personalidade jurídica em favor não da pessoa que a detenha, e, sim, em detrimento dela e em favor de um sócio ou de um administrador.

A consequência do abuso no uso da personalidade jurídica não é a

declaração de inexistência dela, pois a existência da personalidade jurídica 56 “Art. 50 - Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”

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também é um pressuposto para aplicação da norma. Portanto, a consequência do abuso é a desconsideração da personalidade jurídica para o único fim de que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações, contraídas em nome da pessoa jurídica, sejam estendidos aos bens particulares dos seus administradores ou sócios que praticaram o abuso.

Sendo assim, não é correto afirmar a desconsideração da

personalidade jurídica de uma pessoa jurídica existente, mas envolvida em alguma prática evasiva. Ao invés, ela existe, e responde pela evasão praticada, podendo a responsabilidade tributária ser atribuída a terceiros nos casos previstos no CTN, e, na órbita civil, ao sócio ou administrador agente do abuso.

Em outras palavras, a desconsideração da personalidade jurídica

nada tem a ver com a existência de uma entidade, a qual pode ser destinada a um determinado objeto ou ter curta duração, e inclusive ser destinada a receber determinado tratamento tributário. A personalidade jurídica, portanto, somente pode ser invalidada por outras razões de nulidade ou anulabilidade.

E não há abuso, nem desconsideração de personalidade jurídica, se

uma nova entidade for criada, mesmo dentro de grupo econômico, visando algum tratamento tributário mais favorável, o qual será válido, desde que não haja simulação, dissimulação, fraude à lei ou outra invalidade legal.

Legitimidade no âmbito privado e tributário Foi dito acima que já se chegou ao absurdo extremo de afirmar que

os atos podem ser válidos perante direito privado, mas inoponíveis ao fisco! Foi inclusive indagado se, perante essa tautologia, não seriam os

atos inválidos que seriam oponíveis ao fisco, sendo curial que as fiscalizações se empenhem em justificar lançamentos de tributos e multas recorrendo ao descumprimento de normas do direito privado, quando elas tenham sido infringidas, mas queiram negar valor às normas do mesmo direito quando elas sejam cumpridas.

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É também comum a imprópria invocação do art. 118, inciso I, do CTN, sem completar a sua leitura com o inciso II 57, principalmente observando-se que os dois incisos desse artigo estão correlacionados ao art. 116 58, no qual o inciso I trata de fatos geradores que sejam situações de fato, em que realmente a validade jurídica dos atos pode ser irrelevante, mas não quanto aos fatos geradores que sejam situações jurídicas (inciso II), os quais não têm como se perfazer se não estiver completada a situação de acordo com o direito aplicável.

Mais ainda, a atenta leitura dos dois incisos do art. 118 demonstra

que, se não for feita a sua correlação com os incisos do art. 116, nada seria relevante para o fato gerador, pois, segundo o inciso I, seria irrelevante a validade jurídica dos atos e, segundo o inciso II, a irrelevância seria dos efeitos dos fatos.

Portanto, a validade dos atos e negócios jurídicos, conforme o

direito privado, é essencial para a formação dos fatos geradores que sejam situações jurídicas, e também é essencial para os tributos sobre a renda, que não incidem propriamente sobre atos e negócios jurídicos, mas dependem deles para que haja a formação de patrimônios e aumentos de patrimônios, sendo estes os efeitos constitutivos dos respectivos fatos geradores.

Sendo assim, a desconsideração de uma operação válida no direito

privado, inclusive de constituição de uma nova pessoa jurídica ou relativa a negócios entre empresas de um mesmo grupo empresarial, somente será possível se algum dia houver no direito positivo do Brasil uma norma geral “antielisiva” que seja promulgada nos limites do poder de tributar estatuídos pela Constituição Republicana.

57 “Art. 118 - A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I - da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; II - dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.” 58 “Art. 116 - Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.’

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EM SÍNTESE E RESPOSTA: - desde a perda de eficácia do art. 14 da Medida Provisória n. 66, de

2002, falta de propósito negocial não mais vige como norma que autorize a desconsideração de atos ou negócios jurídicos para fins tributários; por isso, é possível, sim, praticar um ato ou negócio jurídico, inclusive constituir uma pessoa jurídica, com o fim exclusivo de obter economia tributária, desde que ele tenha sido realizado com obediência ao seu regime legal; esta validade existe mesmo entre pessoas jurídicas de um mesmo grupo empresarial;

- simulação, dissimulação, fraude à lei imperativa, abuso no

exercício de direitos, inclusive de contratar, e outros vícios jurídicos estão definidos pelo Código Civil, e, quando existentes, impedem que os atos ou negócios jurídicos prejudicados por eles produzam efeitos jurídicos; todavia, não se caracteriza qualquer desses vícios pelo simples fato de haver atos ou negócios jurídicos, inclusive de constituição de nova pessoa jurídica, ainda que dentro de grupos empresariais, pelo simples fato de visarem menor tributação; a desconsideração da personalidade jurídica, decorrente do abuso da personalidade, não significa inexistência da pessoa jurídica ou invalidade dos atos ou negócios praticados, pois apenas acarreta a extensão da responsabilidade pelos efeitos de certas e determinadas relações de obrigações, contraídas em nome da pessoa jurídica, aos bens particulares dos seus administradores ou sócios que praticaram o abuso;

- sem norma geral “antielisiva”, baixada dentro dos limites

constitucionais do poder de tributar, não é possível desconsiderar no campo tributário os efeitos próprios dos atos ou negócios jurídicos praticados validamente perante o direito privado.

5) Quais os requisitos legais necessários para o eventual

redirecionamento da execução fiscal contra sócios ou administradores? Tais requisitos autorizam o redirecionamento também contra sócios ou administradores de outra sociedade integrante de grupo econômico? Qual o termo inicial da contagem do prazo prescricional para esse redirecionamento?

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A responsabilidade tributária de sócios-gerentes e de diretores da pessoa jurídica, estampada no artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, sempre foi objeto de muitas discussões. No entanto, pode-se dizer que, na atualidade, as premissas acerca do assunto, inclusive a extensão que se deve dar ao aludido dispositivo legal, estão assentadas em inúmeros julgados do Superior Tribunal de Justiça, inclusive em sede de recurso repetitivo, na forma do artigo 543-C do Código de Processo Civil. Expliquemos.

A responsabilidade tributária de diretores, ou gerentes da pessoa

jurídica de direito privado é admitida no Direito Tributário, em caráter excepcional, sob o postulado basilar de que a responsabilidade destes indivíduos não é objetiva, mas sim subjetiva, o que significa dizer que ela deve estar fundada em comportamento abusivo do agente, exigindo, a lei, a caracterização de excesso de poder, infração à lei ou ao contrato ou estatuto social. Dispõe o artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, “in verbis”:

“Art. 135: São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: (...) III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”.

Defende parte da doutrina que, por ser pessoal, a responsabilidade

do artigo 135 vincula tão-somente o terceiro, e não a pessoa jurídica, ao adimplemento do crédito tributário, até porque tal dispositivo pressupõe que o primeiro, agindo de forma ardilosa e/ou irregular, tenha dado causa ao não pagamento de crédito tributário, sendo sua, e somente sua, a respectiva responsabilidade, por conta de seu comportamento doloso ou culposo.

Parece-nos correta a posição de Luciano Amaro, quando defende, a

propósito do artigo 135 do Código Tributário Nacional, que “Não se trata,

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portanto, de responsabilidade subsidiária do terceiro, nem de responsabilidade solidária. Somente o terceiro responde, ‘pessoalmente’”5960.

O Superior Tribunal de Justiça, em julgados sobre questões afetas ao

artigo 135 do Código Tributário Nacional, ora chama esta responsabilidade de subsidiária, ora de solidária, ou mesmo pessoal, sem muito se preocupar com a tecnicidade dos conceitos.

Não obstante isso, os requisitos mínimos para que haja

responsabilização tributária de diretores e sócios-gerentes de pessoas jurídicas, como dito, encontram-se, atualmente, definidos por aquele Tribunal.

Assim, pode-se dizer, em primeiro lugar, que o mero não

recolhimento do tributo não dá margem à responsabilização de sócios-gerentes ou diretores, entendimento esse materializado na Súmula n. 430 do Superior Tribunal de Justiça, cujos dizeres são “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”. É o que evidencia, também, a ementa da seguinte decisão daquele Tribunal, proferida pelo rito dos recursos repetitivos, como seja:

“TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. TRIBUTO DECLARADO PELO CONTRIBUINTE. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. DISPENSA. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO. TRIBUTO NÃO PAGO PELA SOCIEDADE. (...) 2. É igualmente pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese, circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiária do sócio, prevista no art. 135 do CTN. É indispensável,

59 “Direito Tributário Brasileiro”, 10ª edição, Editora Saraiva, pg. 319. 60 Em sentido diverso, Hugo de Brito Machado sustenta que “Dizer que são pessoalmente responsáveis as pessoas que indica não quer dizer que a pessoa jurídica fica desobrigada. A presença do responsável, daquele a quem é atribuída a responsabilidade tributária nos termos do art. 135 do Código Tributário Nacional, não exclui a presença do contribuinte” (“Comentários ao Código Tributário Nacional”, Artigos 96 a 138, Vol. II, Editora Atlas, pg. 594).

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para tanto, que tenha agido com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa (EREsp 374.139/RS, 1ª Seção, DJ de 28.02.2005). 3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08”. (REsp 1101728 / SP; 1ª Seção; Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI; DJe 23.3.2009)

A responsabilidade pessoal de que trata o artigo 135 também não

poderá ser imputada ao indivíduo que, ao tempo do inadimplemento da obrigação tributária, não ocupava cargo de gerência ou administração61 da sociedade, como dão conta os seguintes julgados, cujas ementas seguem redigidas abaixo:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. NOME DO SÓCIO CONSTANTE DA CDA. REDIRECIONAMENTO. POSSIBILIDADE. MATÉRIA JULGADA SOB O REGIME DOS RECURSOS REPETITIVOS (ARTIGO 543-C DO CPC). RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. DATA DO FATO GERADOR. ADESÃO A PROGRAMA DE PARCELAMENTO DE DÉBITOS TRIBUTÁRIOS. AGRAVO IMPROVIDO. (...) 2. Em havendo redirecionamento da execução fiscal, é responsável pelos créditos tributários da empresa o sócio que exercia cargo de gestão à época do fato gerador do tributo.

61 Note-se que é indiferente o fato de a pessoa ser, ou não, sócia da pessoa jurídica. Para a lei, o que importa é que ela detenha poderes de gestão, que a obriguem a zelar bela boa condução dos negócios da sociedade, até porque o administrador se submete aos deveres de diligência e de lealdade, impostos pelos artigos 153 e 155 da Lei n. 6404, de 15.12.1976, além de ser necessário que tenha, “no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios”, nos termos do artigo 1011, “caput”, do Código Civil.

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3. A adesão ao programa de parcelamento efetuada pelo sócio remanescente da empresa em nada ilide a responsabilidade do sócio-gerente à época do fato gerador do tributo. (...)”. (AgRg no REsp 1152903 / PR; 1ª Seção; Relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO; DJe 19.4.2010) “TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL CONTRA DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO A EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. SOCIEDADE LIMITADA. DISSOLUÇÃO. SÓCIO-GERENTE. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. LIMITES. PRECEDENTES. (...) 3. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN. 4. A solidariedade do sócio pela dívida da sociedade só se manifesta, todavia, quando comprovado que, no exercício de sua administração, praticou os atos elencados na forma do art. 135, caput, do CTN. Há impossibilidade, pois, de se cogitar na atribuição de tal responsabilidade substitutiva quando sequer estava o sócio investido das funções diretivas da sociedade. 5. In casu, a execução abrange período anterior a época de responsabilidade do embargado e as dívidas anteriores (ou posteriores) à permanência do sócio na empresa não podem, via de regra, atingi-lo, até mesmo porque ausente qualquer prova de liame entre o embargado e os fatos geradores dos períodos restantes. 6. Não se encontra ultrapassado o posicionamento esposado no decisório guerreado, mas, sim, o julgado citado do ano de 1996 que

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não mais se amolda ao entendimento desta Corte Superior. Precedentes. (...)”. (AgRg nos EREsp 109639 / RS; Ministro José Delgado; Primeira Seção; DJ 28.02.2000) – destacou-se

Na Portaria PGFN n. 180, de 25.2.2010, alterada pelas Portarias

PGFN n. 904, de 3.8.2010, 1242, de 2.12.2010, e 713, de 10.10.2011, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional consolidou algumas premissas fixadas pelo Superior Tribunal de Justiça em torno da matéria ora examinada, encampando, por exemplo, o entendimento de que somente o sócio-gerente ou diretor que ocupava cargo de gerência ou de administração ao tempo da ocorrência do fato gerador pode ser responsabilizado pela dívida fiscal. Veja-se o que diz o artigo 1º da Portaria PGFN n. 180:

“Art. 1º - Para fins de responsabilização com base no inciso III do art. 135 da Lei Nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, entende-se como responsável solidário o sócio, pessoa física ou jurídica, ou o terceiro não sócio, que possua poderes de gerência sobre a pessoa jurídica, independentemente da denominação conferida, à época da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária objeto de cobrança judicial”

O Superior Tribunal de Justiça também firmou entendimento acerca

da dissolução irregular de sociedades frente ao artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional.

De fato, entende aquele Tribunal que a dissolução irregular constitui

causa autorizadora do redirecionamento da execução fiscal aos sócios-gerentes e diretores, na medida em que configura hipótese de infração à lei, a legitimar a aplicação do artigo 135.

Tanto é assim que foi editada a Súmula n. 435, segundo a qual

“Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.

Conquanto não haja, na lei, uma definição para o que seja dissolução

irregular, o Superior Tribunal de Justiça, debruçando-se sobre o tema nos

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últimos anos, tem entendido que constituem indícios suficientes de dissolução irregular, capazes de impor o redirecionamento da execução fiscal ao sócio-gerente ou diretor da pessoa jurídica: (i) o fechamento da sociedade, com encerramento de suas atividades sem comunicação aos órgãos competentes e sem baixa na Junta Comercial; (ii) mudança de domicílio sem comunicação; (iii) não localização da sociedade no local62 ou localização de outra pessoa jurídica em funcionamento; (iv) não localização dos responsáveis legais da sociedade; (v) inexistência de faturamento por determinado período; e (vi) não localização de bens63.

Nesse sentido, cabe citar as seguintes decisões: RESP n.

1096444/SP, 1ª Turma, Ministro Teori Albino Zavascki, DJe 30.3.2009; RESP n. 622736/RS, 1ª Turma, Ministro Relator Luiz Fux, DJ 28.6.2004; e RESP n. 812753/RS, 2ª Turma. Ministro Relator Castro Meira, DJ 7.8.2006.

Ainda de acordo com a jurisprudência firmada no Superior Tribunal

de Justiça, o indivíduo que não concorreu para com a dissolução irregular da sociedade não pode ser responsabilizado na forma do artigo 135, quando, no momento de sua destituição da gerência ou administração, a empresa operava regularmente. Outrossim, neste mesmo caso, é pressuposto da responsabilização que o sócio-gerente ou diretor tenha poderes de gestão à época do fato gerador. É o que revelam as seguintes decisões:

62 No Ag Rg no RESP n. 1.268.993/DF, de relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, a 1ª Turma, em 8.5.2012, entendeu que: “a não localização da empresa no endereço fiscal é indício de sua dissolução irregular, mas, por si só e independente de qualquer outro elemento, é insuficiente para o pronto redirecionamento, que depende de prévia apuração das razões pelas quais tal fato ocorreu, bem como da comprovação do elemento subjetivo na conduta ilícita do sócio”. 63 Este fato, por si só, não tem o condão de caracterizar a dissolução irregular, tampouco a responsabilidade nos termos do artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, como relatado pelo Ministro Teori Albino Zavascki no RESP n. 651.406/PR, DJ 23.4.2008: “no que diz respeito ao redirecionamento da execução aos administradores da pessoa jurídica executada, é pacífico o entendimento do STJ no sentido de que não basta o simples inadimplemento e a falta de bens penhoráveis no patrimônio da sociedade devedora para autorizar o redirecionamento da execução ao sócio-gerente”.

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"EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. ARTIGO 135 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE POSTERIOR À RETIRADA DO SÓCIO-GERENTE. INCABIMENTO. 1. O redirecionamento da execução fiscal, na hipótese de dissolução irregular da sociedade, pressupõe a permanência do sócio na administração da empresa ao tempo da ocorrência da dissolução. 2. Precedentes de ambas as Turmas que compõem a Primeira Seção. (...)". (EAg 1.105.993 / RJ; 1ª Seção; Relator Ministro HAMILTON CARVALHIDO; DJe 1.2.2011) “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. REDIRECIONAMENTO. ART. 135 DO CTN. VERIFICADA A DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE À ÉPOCA DOS FATOS GERADORES. (...) 2. O redirecionamento da Execução Fiscal para o sócio-gerente da empresa é cabível apenas quando demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou no caso de dissolução irregular da empresa, não se incluindo o simples inadimplemento de obrigações tributárias. 3. Verificada a dissolução irregular da empresa, o redirecionamento da Execução Fiscal somente é possível contra o sócio-gerente da sociedade à época do fato gerador, o que não ocorre no caso dos autos. (...)”. (AgRg no Ag 1.394.554 / RJ; 2ª Turma; Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN; DJe 10.6.2011)

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“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 544 E 545 DO CPC. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. ART. 135 DO CTN. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA VERIFICADA. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE À ÉPOCA DOS FATOS GERADORES. SÚMULA 7/STJ. 1. O redirecionamento da execução fiscal e seus consectários legais para o sócio-gerente da empresa somente é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa. Precedentes: RESP n.º 738.513/SC, deste relator, DJ de 18.10.2005; REsp n.º 513.912/MG, DJ de 01/08/2005; REsp n.º 704.502/RS, DJ de 02/05/2005; EREsp n.º 422.732/RS, DJ de 09/05/2005; e AgRg nos EREsp n.º 471.107/MG, deste relator, DJ de 25/10/2004. 2. Ademais, verificada a dissolução irregular da empresa, o redirecionamento da execução fiscal é possível contra o sócio-gerente da sociedade à época do fato gerador. Precedente da 2.ª Turma: AgRg no Ag 1.105.993/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 18/08/2009, DJe 10/09/2009. (...)”. (AgRg no Ag 1.173.644/SP; 1ª Turma; Relator: Ministro LUIZ FUX; DJe 14.12.2010)

Num primeiro momento, a Procuradoria da Fazenda Nacional havia

encampado, “in totum”, a orientação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que os sócios-gerentes ou diretores somente poderiam ser responsabilizados pelo crédito tributário, na hipótese de dissolução irregular da sociedade, quando verificado que, ao tempo deste evento e também do fato gerador, possuíam poderes de gerência ou de administração, como se verifica da redação original do parágrafo único do artigo 2º da Portaria PGFN n. 180, reproduzido abaixo:

“Art. 2º (...) Parágrafo único. Na hipótese de dissolução irregular da pessoa jurídica, os sócios-gerentes e os terceiros não sócios com poderes de gerência à época da dissolução, bem como do fato gerador, deverão ser considerados responsáveis solidários."

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Contudo, com o advento da Portaria n. 713, de 14.10.2011, alterou-se a redação do parágrafo único do artigo 2º da Portaria PGFN n. 180, entendendo-se passível de responsabilização o sócio-gerente ou diretor que não tenha ocupado a gerência ou a administração da sociedade à época da ocorrência dos respectivos fatos geradores, embora a simultaneidade entre os poderes de gestão e a dissolução irregular continue sendo pressuposto da responsabilidade tributária. É o que se dessume da omissão à expressão “bem como do fato gerador”, constatada no inciso I do parágrafo único do artigo 2º, como se nota a seguir:

“Art. 2º (...) Parágrafo único. Na hipótese de dissolução irregular da pessoa jurídica, deverão ser considerados responsáveis solidários: I - os sócios-gerentes e os terceiros não sócios com poderes de gerência à época da dissolução irregular; II - os sócios-gerentes e os terceiros não sócios com poderes de gerência à época da dissolução irregular, bem como os à época do fato gerador, quando comprovado que a saída destes da pessoa jurídica é fraudulenta”.

Como se vê, a par de certa resistência vezes encontrada nas

instâncias inferiores e também de alguma dissonância da Portaria PGFN n. 180 no que tange ao assunto, pode-se dizer que a interpretação e, de conseguinte, a abrangência que se deve dar ao artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional encontram-se pacificadas no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, para o qual não se admite a responsabilização pessoal de que trata o aludido dispositivo legal quando (i) o sócio-gerente ou diretor não revestir estas condições ao tempo da ocorrência do fato gerador; (ii) a dissolução irregular e, concomitantemente, o fato gerador tiverem ocorrido quando o indivíduo não possuía poderes de gestão; e quando (iii) se tratar de mero inadimplemento do tributo.

Esses requisitos de interpretação são mínimos, não podendo ser

olvidados quando da responsabilização de sócios-gerentes ou diretores, nem mesmo olvidados pelo legislador ordinário, que não pode instituir responsabilidade tributária destes indivíduos independentemente do

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atendimento das balizas traçadas pelo Código Tributário Nacional, recepcionado que ele foi, pela Constituição Federal, com estatura de lei complementar, responsável por editar as normas gerais de Direito Tributário. Tanto isto é verdade que o Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, no Recurso Extraordinário n. 562276-PR, de 9.2.2011, que reputou inconstitucional o art. 13 da Lei n. 8620, de 5.1.199364, que havia instituído responsabilidade solidária entre os sócios de sociedade limitada pelos débitos relativos à Seguridade Social, afirmou que:

“O preceito do art. 124, II, (...) não autoriza o legislador a criar novos casos de responsabilidade tributária sem a observância dos requisitos exigidos pelo art. 128 do CTN, tampouco a desconsiderar as regras matrizes de responsabilidade de terceiros estabelecidas em caráter geral pelos arts. 134 a 135 do mesmo diploma. A previsão legal de solidariedade entre devedores (...) pressupõe que a própria condição de devedor tenha sido estabelecida validamente”.

Registre-se que os pressupostos para a responsabilização de sócios-

gerentes ou administradores, a todo rigor, são aplicáveis aos dirigentes da pessoa jurídica executada, e não aos dirigentes de sociedades pertencentes a seu grupo econômico. Isto porque o art. 135, inciso III, requer, para ter aplicação, que os indivíduos responsabilizados pessoalmente tenham efetivo poder de gerência, direção, mando ou comando da pessoa jurídica, o que, como regra, somente ocorre com os sócios-gerentes ou diretores da própria sociedade executada, e não de sociedades integrantes de seu grupo econômico.

Para arrematar o tema afeto aos limites para a responsabilização

pessoal de sócios-gerentes ou diretores da pessoa jurídica, há que se dizer que somente mediante prévia e adequada investigação dos fatos, da qual devem resultar evidências materiais, relacionadas à prática de atos abrangidos pelo artigo 135 do Código Tributário Nacional, é que poderá militar em favor da Fazenda Pública a presunção de liquidez e certeza da dívida inscrita, conforme determina o artigo 204 do mesmo Código.

64 O aludido dispositivo acabou revogado pelo art. 79, inciso VII, da Lei n. 11941, de 27.5.2009.

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Por idênticas razões, o disposto no artigo 334, inciso IV, do Código de Processo Civil, para o qual “Art. 334. Não dependem de prova os fatos: (…) IV - em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade”65, apenas terá aplicação se realmente houver presunção de liquidez e certeza da dívida, isto é, se o fisco tiver investigado os fatos previamente à inscrição do débito66.

A Portaria PGFN n. 180, neste particular, parece representar um

avanço em relação ao assunto, pois seus artigos 2º e 4º a 6º exigem que a inclusão do sócio-gerente ou diretor da pessoa jurídica no polo passivo da execução fiscal seja precedida de decisão fundamentada dos agentes fiscais, acompanhada de documentos comprobatórios da prática de atos que deem ensejo à aplicação do artigo 135 do Código Tributário Nacional. Eis o que se nota da redação daqueles dispositivos, com grifos apostos, para realçar o que se disse:

“Art. 2º A inclusão do responsável solidário na Certidão de Dívida Ativa da União somente ocorrerá após a declaração fundamentada da autoridade competente da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) ou da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) acerca da ocorrência de ao menos uma das quatro situações a seguir: (...)”. “Art. 4º Após a inscrição em dívida ativa e antes do ajuizamento da execução fiscal, caso o Procurador da Fazenda Nacional responsável constate a ocorrência de alguma das situações previstas no art. 2º, deverá juntar aos autos documentos comprobatórios e, após, de forma fundamentada, declará-las e inscrever o nome do responsável solidário no anexo II da Certidão de Dívida Ativa da União”.

65 Correspondente ao art. 374, inciso IV, do Novo Código de Processo Civil (Lei n. 13105, de 16.3.2015). 66 Não à toa, no acórdão proferido no Ag Rg no RESP n. 1.268.993/DF, de 8.5.2012, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça apontou que: “Ao meu sentir, como a declaração de dissolução irregular importa no reconhecimento de uma infração, é inadmissível essa conclusão sem prévio procedimento. A prova do ato infracional compete a quem alega a sua ocorrência, no caso, ao credor (Fazenda Pública) que requer o redirecionamento. A inversão do ônus probandi a favor da parte menos favorecida só deve ser feita nos casos em que a lei a admite expressamente e, ainda assim, excepcionalmente”.

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“Art. 5º Ajuizada a execução fiscal e não constando da Certidão de Dívida Ativa da União o responsável solidário, o Procurador da Fazenda Nacional responsável, munido da documentação comprobatória, deverá proceder à sua inclusão na referida certidão. Parágrafo único. No caso de indeferimento judicial da inclusão prevista no caput, o Procurador da Fazenda Nacional interporá recurso, desde que comprovada, nos autos judiciais, a ocorrência de uma das hipóteses previstas no art. 2º desta Portaria”. “Art. 6º Ante a não comprovação, nos autos judiciais, das hipóteses previstas no art. 2º desta Portaria, o Procurador da Fazenda Nacional responsável, não sendo o caso de prosseguimento da execução fiscal contra o devedor principal ou outro codevedor, deverá requerer a suspensão do feito por 90 (noventa) dias e diligenciar para produção de provas necessárias à inclusão do responsável solidário na Certidão de Dívida Ativa da União, conforme disposto no art. 4º desta Portaria. Parágrafo único. Não logrando êxito na produção das provas a que se refere o caput, o Procurador da Fazenda Nacional deverá requerer a suspensão do feito, nos termos do art. 40 da Lei Nº 6.830, de 22 de setembro de 1980”.

Sempre que possível, e por obediência aos princípios da ampla

defesa, do contraditório e do devido processo legal (art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal), deve-se oportunizar ao sócio-gerente ou diretor da pessoa jurídica o direito de se manifestar e de se defender administrativamente a respeito das evidências materiais coletadas pela Fazenda Pública para justificar a aplicação do art. 135 do Código Tributário Nacional67.

67 A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no Ag Rg no RE n. 608426/PR, julgado em 4.10.2011, concluiu que o sujeito passivo, inclusive o responsável, só pode ser chamado a arcar com o crédito tributário se lhe for, antes, assegurado o contraditório e a ampla defesa na esfera administrativa. A despeito da importância desta decisão, notadamente pelos fundamentos nela lançados, ela deve ser vista com cautela, na medida em que, na situação concreta, o recurso interposto pelo responsável tributário teve seu seguimento negado, uma vez que, segundo relatado no acórdão, o sujeito passivo fora

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Por fim, com relação à prescrição para o redirecionamento da

execução fiscal aos sócios-gerentes ou diretores, a rigor, não existe na legislação nenhuma norma regulando específica ou expressamente esta questão. Mas o Superior Tribunal de Justiça, diante dos constantes redirecionamentos de feitos executivos a sócios-gerentes ou diretores, firmou entendimento, baseado na interpretação do art. 174 do Código Tributário Nacional, de que, embora a citação da sociedade executada tenha o condão de interromper, também, a prescrição em relação ao sócio-gerente ou diretor, uma vez feita tal citação da sociedade executada, decorridos cinco anos deste evento até a citação do sócio-gerente ou diretor, considerar-se-á prescrito o crédito tributário, sob pena de se tornar imprescritível a ação judicial de cobrança do crédito tributário. É o que retrata a seguinte ementa:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL – REDIRECIONAMENTO DE EXECUÇÃO FISCAL – REEXAME DE PROVAS – PREQUESTIONAMENTO AUSENTE – INADMISSIBILIDADE. (...) 4. A Primeira Seção do STJ pacificou entendimento no sentido de que a citação válida da pessoa jurídica executada interrompe o curso do prazo prescricional em relação ao seu sócio-gerente. Todavia, na hipótese de redirecionamento da execução fiscal, a citação dos sócios deverá ser realizada até cinco anos a contar da citação da empresa executada, sob pena de se consumar a prescrição. (...) (REsp 1100777/RS; Órgão Julgador: 2ª Turma; Relatora: Ministra ELIANA CALMON; DJe 4.5.2009)

notificado administrativamente, tanto que havia, inclusive, ofertado defesa nesta esfera, pelo que era descabida a alegação de ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. De qualquer forma, esta decisão é bastante relevante, sob o ponto de vista teórico, pois o entendimento nela manifestado, a todo rigor, serve para rechaçar a inversão do ônus da prova, franqueada pelo Superior Tribunal de Justiça quando o sócio-gerente ou diretor tem seu nome arrolado na certidão de dívida ativa, como também para rechaçar a postura das autoridades fiscais de raramente outorgar aos sócios-gerentes ou diretores a oportunidade de se manifestarem administrativamente.

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Cumpre destacar que o art. 174 do Código Tributário Nacional, em sua redação primitiva, dizia que a citação do devedor é que interrompia a prescrição, o que, na prática, acabava culminando na prescrição de uma série de dívidas, tendo em vista que muitos devedores não eram encontrados.

Foi então que a Lei Complementar n. 118, de 9.2.2005, alterou, por

meio de seu artigo 1º, o artigo 174, parágrafo único, inciso I, do Código Tributário Nacional, de modo que a prescrição para a cobrança judicial do crédito tributário passou a ser interrompida, não mais pela citação do devedor, mas pelo despacho do juiz que a ordenar, ou seja, houve uma antecipação do marco interruptivo da prescrição, não mais se exigindo que o Poder Judiciário logre encontrar o devedor para que a prescrição seja interrompida68.

Diante de tal modificação, o Superior Tribunal de Justiça vem se

pronunciando no sentido de o artigo 174, parágrafo único, inciso I, em sua nova redação, consubstanciando norma processual, aplica-se às execuções fiscais ajuizadas antes de tal alteração, e em cujos autos o despacho ordenando a citação do devedor tenha sido proferido após a entrada em vigor do artigo 1º da Lei Complementar n. 118, isto é, em 9.6.2005. É, por exemplo, o que a 1ª Seção daquele Tribunal disse no RESP 999901/RS, de relatoria do Ministro Luiz Fux, DJe 13.5.2009.

Significa dizer que, tratando-se de execução fiscal proposta antes da

entrada em vigor da alteração imposta pelo artigo 1º da Lei Complementar n. 118, e em cujos autos o despacho de citação seja anterior a 9.6.2005, a interrupção da prescrição nortear-se-á pela citação do devedor, e não pelo despacho do juiz que a ordenar.

Diante dessa alteração legislativa, por coerência, para as execuções

fiscais cujo despacho de citação da sociedade executada tenha sido proferido a partir de 9.6.2005, deve-se considerar como marco interruptivo da prescrição não mais a citação, mas sim tal despacho. Em tal situação, haverá prescrição se, 68 Vale dizer, a mora na citação dos sócios-gerentes, quando atribuível a mecanismos da Justiça, e não à Fazenda Pública, não implica a prescrição do crédito tributário, ainda que ultrapassado o prazo prescricional, tendo em vista o que preveem o artigo 219, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil (art. 240, parágrafo 3º, do Novo Código) e a Súmula n. 106 do Superior Tribunal de Justiça.

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entre o despacho que ordenar a citação da sociedade executada e o despacho que autorizar o redirecionamento, tiverem transcorrido mais de 5 anos.

Antes de arrematar o estudo acerca da prescrição para o

redirecionamento, cumpre dizer que há decisões do Superior Tribunal de Justiça não a reconhecendo em determinadas situações, que devem ser aqui abordadas, dada sua importância. Vejamos.

O Superior Tribunal de Justiça já deixou de reconhecer a prescrição

para o redirecionamento da execução fiscal, por força da aplicação do princípio da “actio nata”, segundo o qual o prazo prescricional tem fluência quando a pessoa (credor ou aquele que é lesado) toma conhecimento do fato que dá base à sua pretensão. Por exemplo: ajuizada execução fiscal somente contra a sociedade executada e, em seu curso, desvendada a dissolução irregular desta, o prazo prescricional fluirá, não a partir da citação da sociedade, mas, sim, da ciência deste evento.

Tal raciocínio parte da premissa de que a prescrição é um instituto

que visa punir aquele que fica inerte durante certo período, de tal arte que, se a Fazenda Pública diligencia na tentativa de localizar a sociedade executada, desvendando, somente após decorridos alguns anos, a inatividade desta, não se há de cogitar de sua inércia e, pois, de prescrição.

Nesse sentido, cabe citar duas decisões do Superior Tribunal de

Justiça, proferidas por sua 2ª Turma, aplicando o princípio da “actio nata” ao redirecionamento da execução fiscal, consoante retratam as ementas a seguir transcritas:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. CITAÇÃO DA EMPRESA E DO SÓCIO-GERENTE. PRAZO SUPERIOR A CINCO ANOS. PRESCRIÇÃO. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. 1. O Tribunal de origem reconheceu, in casu, que a Fazenda Pública sempre promoveu regularmente o andamento do feito e que somente após seis anos da citação da empresa se consolidou a pretensão do redirecionamento, daí reiniciando o prazo prescricional.

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2. A prescrição é medida que pune a negligência ou inércia do titular de pretensão não exercida, quando o poderia ser. 3. A citação do sócio-gerente foi realizada após o transcurso de prazo superior a cinco anos, contados da citação da empresa. Não houve prescrição, contudo, porque se trata de responsabilidade subsidiária, de modo que o redirecionamento só se tornou possível a partir do momento em que o juízo de origem se convenceu da inexistência de patrimônio da pessoa jurídica. Aplicação do princípio da actio nata. (...)”. (AgRg no REsp 1062571/RS, Órgão Julgador: 2ª Turma; Relator: Ministro Herman Benjamin, DJe 24.3.2009) “EXECUÇÃO FISCAL – DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA – MARCO INICIAL DA PRESCRIÇÃO – "ACTIO NATA". 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que o termo inicial da prescrição é o momento da ocorrência da lesão ao direito, consagração do princípio universal da actio nata. 2. In casu, não ocorreu a prescrição, porquanto o redirecionamento só se tornou possível a partir da dissolução irregular da empresa executada. Agravo regimental improvido”. (AgRg no REsp 1100907 / RS; Órgão Julgador: 2ª Turma; Relator: HUMBERTO MARTINS, DJe 18.9.2009)

O princípio da “actio nata” pode (e deve) nortear o exame da

prescrição para o redirecionamento de executivos fiscais, já que ele é pressuposto dos prazos extintivos de direito. No entanto, em hipótese alguma, pode-se admitir a não decretação da prescrição para o redirecionamento se a Fazenda Pública deixar de diligenciar no sentido de promover os atos necessários ao regular andamento do processo.

É bem verdade que vigora, no Direito Processual Civil brasileiro, o

princípio do impulso oficial (“Art. 262 - O processo civil começa por iniciativa da

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parte, mas se desenvolve por impulso oficial” - Código de Processo Civil69), porque, consoante leciona Cândido Rangel Dinamarco, “não obstante seja das partes o interesse primário pela solução dos conflitos em que estão envolvidas, nem por isso se pode desconsiderar que o processo é o instrumento público de exercício de uma função pública – a jurisdição. Embora possam as partes ter a disponibilidade das situações de direito material pela qual litigam, não pode o Estado-juiz permanecer inteiramente à disposição do que elas fizerem ou omitirem no processo, sem condições de cumprir adequadamente sua função. O processo não é um negócio, ou mesmo um jogo entre os litigantes, mas uma instituição estatal”70.

Contudo, o impulso oficial não é um enunciado absoluto. Se fosse,

sua aplicação importaria em dar guarida, deixando impune, a parte que abandona o processo, sem promover seu regular andamento, ao longo de anos, esperando e confiando na eficiência e no bom funcionamento da máquina estatal, a despeito da sabida morosidade desta, diga-se, não solucionada simplesmente pela inclusão no inciso LXXVIII no artigo 5º da Constituição Federal, consoante o qual “LXXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Logo, parece-nos que se a Fazenda Pública fica inerte, ou age com

morosidade, deixando de investigar se a sociedade executada sofreu dissolução irregular, ou se seus sócios-gerentes ou administradores, de algum modo, agiram irregularmente, não pode invocar, em seu proveito, o princípio da “actio nata” na tentativa de afastar a ocorrência da prescrição para o redirecionamento.

Resposta: Nos termos do art. 135, inciso III, do Código Tributário

Nacional, admite-se a responsabilização pessoal quando (i) o sócio-gerente ou diretor revestir esta condição ao tempo da ocorrência do fato gerador; (ii) a dissolução irregular e, concomitantemente, o fato gerador tiverem ocorrido quando o indivíduo possuía poderes de gestão; e/ou quando (iii) não se tratar de mero inadimplemento do tributo. Esses pressupostos para a responsabilização de sócios-gerentes ou administradores são aplicáveis aos dirigentes da pessoa 69 Correspondente ao art. 2º do Novo Código de Processo Civil. 70 “Instituições de Direito Processual Civil”, vol. I, 5ª edição, Malheiros Editores, pg. 241.

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jurídica executada, e não aos dirigentes de sociedades pertencentes a seu grupo econômico, contra os quais não cabe redirecionamento de execução fiscal por dívida da executada. O termo inicial da contagem do prazo prescricional para o redirecionamento da execução fiscal aos sócios-gerentes ou diretores da pessoa jurídica executada, após a entrada em vigor das alterações promovidas pela Lei Complementar n. 118/05, é o despacho que ordenar a citação da sociedade executada.