Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

13
8/6/2019 Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre http://slidepdf.com/reader/full/artigonarrativaliterariaemsartre 1/13 NARRATIVA LITERÁRIA NA PROPOSTA SARTRIANA DE COMPREENSÃO DA EXISTÊNCIA < 1 l "t:j ARIANE P ArRÍCIA EWALD 1 ~ 1 0 < TAis DE LACERDA GONÇALVES 2 J3 s "t:j ~ ~. a)O "t:j •••• Q .. e -:I e ~ Ó o , . . . , r i > Cll O 'bIJ ~< Ó , o~ "O O o : s k . QI .~ 5 a) ' ::I ABSTRACT: ~~ Ainúng to contribute in the articulatian bet ween the Jl~ philaso phical and literary wo rks o f Sa rtre ,thi s arti c1e ~ ana lyzes how the literary narrative a ppea rsin Sartre's pro posal of understanding existence as a possibility of "rescu ing' the experíence, themo vem ent o fintent ion ality ofconsciousness. RESUMO: Buscando contrib uir na articulação entre as o bras fi los óficas e lit erárias de Sart re, estea rti go ana lisa em que medida a na rra tiva literária surge na proposta sartriana de co mpreensão da existência como possibil idade de "resga te" do vivido, do movimen to de intenciona lidade da co nsciência . PALAVRAS-CHAVE: Intenciona lidade. Literat ura . Hi storicida de. Narrativa. KEY-WORDS: Inten tio nality. Literature. Historicity. Na rrativ e. 1 Psicó log a, P rof essora Adjunta epesquisado ra do Instituto de Psicologia edo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da UNIVERSroA DEDO EsTADODORIo DEJANEIRO(PPGPSjUERJ). 2 Psicól oga, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da UNIVERSIDADEDO ESTADODORIO DEJANE IRO (PPGPSj UERJ ). 14 1

Transcript of Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

Page 1: Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

8/6/2019 Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

http://slidepdf.com/reader/full/artigonarrativaliterariaemsartre 1/13

NARRATIVA LITERÁRIA NA PROPOSTA SARTRIANA

DE COMPREENSÃO DA EXISTÊNCIA < 1 l"t:j

ARIANE PArRÍCIA EWALD 1 ~1 0 <

TAis DE LACERDA GONÇALVES2 J 3

s"t:j~~.a)O"t:j •••••

0°Q .. e -:I

e~Ó o, . . . ,

• r i >Cll O'bIJ~<Ó,o~"O O

o : s k. • • • QI

.~ 5a) '::I

ABSTRACT: ~~

Ainúng to contribute in the articulatian between the J l~philasophical and literary works of Sartre, this artic1e ~analyzes how the literary narrative appears in Sartre'sproposal of understanding existence as a possibility of"rescuing' the experíence,themovement ofintentionality

ofconsciousness.

RESUMO:Buscando contribuir na articulação entre as obrasfilosóficas e literárias de Sartre, este artigo analisa emque medida a narrativa literária surge na propostasartriana de compreensão da existência comopossibilidade de "resgate" do vivido, do movimentode intencionalidade da consciência.

PALAVRAS-CHAVE: Intencionalidade. Literatura.

Historicidade. Narrativa.

KEY-WORDS: Intentionality. Literature. Historicity.Narrative.

1 Psicóloga, Professora Adjunta e pesquisadora do Instituto dePsicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Socialda UNIVERSroADEDOEsTADODORIo DEJANEIRO(PPGPSjUERJ).2 Psicóloga, Mestranda do Programa de Pós-Graduação emPsicologia Social da UNIVERSIDADEDO ESTADODORIO DEJANEIRO(PPGPSjUERJ).

14 1

Page 2: Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

8/6/2019 Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

http://slidepdf.com/reader/full/artigonarrativaliterariaemsartre 2/13

Considerada por seus comentadores um 1/escritormúltiplo", [ean-Paul Sartre não se enquadra na

imagem de filósofo tradicional. Tendo participadoativamente dos acontecimentos de seu tempo, Sartreproduziu não só obras filosóficas, mas tambémescreveu ensaios, dedicou-se ao teatro, à literatura eaojornalismo. Todaesta investida intelectual nabusca

de urna compreensão da vida ordinária e das açõescotidianas do ser humano, fez com que Sartre ficassetambém conhecido corno o "último dos intelectuais" 3

que tem corno dever, diz Sartre ementrevista aoJornalCombat em 1953,1/denunciar a injustiçaem toda parte"(COHEN-SOLAL, 1986). Este "intelectual" pode servisto exatamente cornoelemesmo oprofessou nasériede conferências que fez noJapão nos anos 604, que eledesignou da seguinte forma:

[...] Na França, anuncia-se a sua morte: sob ainfluência de idéias americanas, revê-se odesaparecimento desses homens que pretendemsaber de tudo; os progressos da ciência terão por

3Todos aqueles que sededicam a estudar o pensamento de Sartre,sempre evidenciam nele esta diversidade intelectual. É impossívelcitar aqui uma bibliografia que faça tal percurso de discussão, jáque isto está disperso nos textos publicados. Mas talvez sejainteressante ver o olhar crítico sobre o 11primeiro" Sartre feito porAlam Renault (1993),seguido de um panorama bastante diferentefeito por Bernard-Henri Lévy (LÉVY, 2001).4 As conferências foram real izadas em Tóquio e Kioto em 1965,entre os meses de setembro e outubro com os seguintes títulos: Oque é um Intelectual?; Função do intelectual; e O escritor é um

intelectual? Sobre a recepção e repercussão das conferências, ver(COHEN-SOLAL, 1986), especificamente p. 523-524.

14 3

Page 3: Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

8/6/2019 Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

http://slidepdf.com/reader/full/artigonarrativaliterariaemsartre 3/13

CADERNOS SARTRE

Revista do G.E.S - Grupo de Estudos Sartre daUniversidade Estadual do Ceará - UECE

Número 3 -Agosto de 2010

ISSN 1983 - 6473

REVISTA DO G.E.S - GRUPO DE ESTUDOS SARTRE DA

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARA - UECE

NÚMERO 3 -AGOSTO DE 2010ISSN 1983- 6473

©EDUECE

IIIIAS S OC lA Ç Á O lIAASl! IlA

DAS iC I l D f..\ S VH!VERSI T .l~i\S

Esta Revista não pode ser reproduzidatotal ou parcialmente sem autorização

FICH A CAT ALOGRÁFICA PR E PARADA PE LA

BIBL IO T ECÁ R IA T H E LMA MAR YLA ND A • CRB . 3/623

Cadernos Sartre - Revista do G. E. S.. Grupo de Estudos Sartreda Universidade Estadual do Ceará - UECE - n. 2 (2009)-

Fortaleza: EDUECE, 2009.

AoualDescrição baseada em: n. 2 (2009)

ISSN 1983 - 6473

1. Filosofia - Periódicos. L Universidade Estadual do Ceará,Curso de Graduação em Filosofia.

CDD: 100CDU: 1(05)

I

. ~ CADERNOS

SARTRE

I'

1 :

Page 4: Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

8/6/2019 Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

http://slidepdf.com/reader/full/artigonarrativaliterariaemsartre 4/13

CADERNOS SARTRE

Revista do G.E.S - Grupo de Estudos Sartre daUniversidade Estadual do Ceará -UECE

Número 3- Agosto de 2010ISSN 1983- 6473

PUBLICAÇÃO/ PUBLISHED BYEDITORA DAUNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ EMCO-EDIÇÃOCOM

O

G.E.S - GRUPO DE ESTUDOS SARTRE DA UECE

CAPA!GRAPHICS EDITOR

RUBENS SAMPAIO

EDITORAÇAoffiESKTOP PUBLISIDNG

EMANuEL ANGELO DAROCHA FRAGOSO

IMPRESSÃo/PRINTING

REPROGRAFIA DO CMAF - MIOLO

CENTRO GRÁFICO DA UECE - CAPA E MONTAGEM

TIRAGEMlCIRCULATION

300 EXEMPLARES/COPIES

Solicita-se permutaWe ask for exchanqeOn demande échangeSolicitamos en canje

CORRESPOND~NCIAlTo CONTACT us

CADERNOS SARTRE

Revistado G.E.S - Grupo de Estudos Sartre daUniversidade Estadual do Ceará - UECE

Ale.: Prof. Ms. Eliana Sales Paiva (Editora)Av. Luciano Carneiro, n. 345 - Bairro de Fátima

Tel.lFax.: 55 - 085 - 3101 2033CEP 60.410-690 - Fortaleza - CE - Brasil

E-mail: [email protected]

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

REITOR

FRANCISCO DE ASSIS MOURA .A.RAmPE

VICE-REITOR

ANTÓNIO DE OLIVEIRA GOMES NETO

PRó-REITOR DE GRADUAÇÃOJOSEFA LlNEUDA DA COSTA MURTA

PRó-REITOR DE POLÍTICAS ESTUDANTIS

JOAO CARLOS HOLANDA CARDOSO

PRó-REITOR DE ExTENSÃO

CELINA ELLERY MAG.A..LHÃES

EDUECE

LIDUINA FARIAS ALMEIDA DA COSTA (DIRETORA)

CENTRO DE HUMANIDADES

MARcos ANTÓNIO PAIVA COLARES (DIRETOR)

CURSO DE FILOSOFIA

ALBERTO DIAS GADANHA (COORDENADOR)

Page 5: Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

8/6/2019 Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

http://slidepdf.com/reader/full/artigonarrativaliterariaemsartre 5/13

CADERNOS SARTREREVISTADOG.E.S - GRUPO DE ESTUDOS SARTRE DA

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARA - UECE

NúMERO 3 - AGOSTO DE 2010

ISSN 1983 - 6473

EDITOR CIENTÍFICO/SCIENTIFIC EDITORELIANA SALES P AlVA

EDITOR ADJUNTOIASSOCIATED EDITORCARLOS HENRIQUE CARVALHO SILVA

CONSELHO DE REDAÇÃO/ASSOCIATED EDITORSCARLOS HENRIQUE CARVALHO SILVA

ELIANA SALES PAIVA

PAUlJO JORGE BARREIRA LEA.NDRO

THANA MARA DE SOUZA

CONSELHO EDITORIAL/EDITORIAL ADVISORSABRAHAO COSTA .ANDRADE (UFRN -UFPB- UFPE)

CLÉA GÓIS SILVA (UERJ)

DANIELA RmEIRO SCH.t"IEIDER(UFSC)

DEISE QUINTILIANO PEREIRA (UERJ)

EMANUEL .ANGELO DAROCHA FRAGOSO (UECE)

EMANUEL RrCARDO GERMANO (UFC)

FRANKLIN LEOPOLDO E SILVA (USP)

GLÓRIA APARECIDA RODRIGUES KREINZ (ECAlUSP)

LUCIANO DONIZETTI DA SILVA (UFPI)

Lmz DA.t\iON SANTOS MOUTINHO (UFPR)

OOÍLIO ALVES AGUIAR (UFC)

PAULO DOMENECH ONETO (UFRJ)

THANA MARA DE SOUZA (UFES)

TROMAS FELIX MAsTRONARDI (ZURICH)

SUMÁRIO

9 APRESENTAÇÃO

11 UMA IDEIA FUNDAMENTAL DO EXISTENCIALISMO DE SARTRE:A VIVÊNClA

SUVlEÃo DONIZETI SASS

29 O TRIPLO ASPECfO DA MÁ-FÉ NA ONroLOGIA FENOMENOLÓGlCADE SARTRE

VíTOR HUGO DOS REIs COSTA

49 A FENOMENOLOGIA DE HUSSERL E O PROBLEMA DA LIBERDADEEM SARTRE

JOSÉ JOÃO NEVES BARBOSA VICENTE

63 A EMOÇÃO E O PROJETO DE SER: CAMINHOS E DESCAMINHOSZULEICA PREITO, FABtOLA LANGARO E MARIA APARECIDAOLTRAMARI

85 As EMOÇÕES EMJEAN-PAUL SARTREJÉFERSON PASSIG

99 A PROBLEMÁTICA DO ENGAJAMENTO LITERÁRIO NO CONTO OMURO (1938) DE JEAN-PAUL SARTRE

DANILO LINARD TEODOSEO E SONIA MENESES

121 O EMBARAIlIAR DAS CARTA..')ENfRE DETERMINISMO E LIBERDADE:O "JOGO" DE SARTRE EM OS DADOS ESTÃO LANÇADOS

CAROUNA MENDES CAMPOS E FERNANDA ALT

141 NARRATIVA LITERÁRIA NA PROPOSTA SARTRIANA DECOMPREENSÃO DA EXISTÊNCIA

ARIANE PATRiCIA EWALD E TAIS DE LACERDA GONÇALVES

151 CrNQUENTA ANOS DA CRiTICA DA RAzAO DIALÉITCA

FRANCISCO JúNlOR DAMASCENO PAIVA

175 NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

Page 6: Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

8/6/2019 Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

http://slidepdf.com/reader/full/artigonarrativaliterariaemsartre 6/13

efeito substituir esses universalistas por equipes depesquisadores rigorosamente especializados.

É possível- malgrado suas contradições, encontrarum sentido comum a estas críticas? Sim; digamosque todas elas se inspiram em uma censura

fundamental: o intelectual é alguém que se meteno que não é de sua conta e que pretende contestaro conjunto das verdades recebidas, e das condutasque nelas se inspiram, emnome de uma concepção

global do homem e da sociedade - concepção hojeem di.aimpossível- portanto abstrata e falsa, já queas sociedades emcrescimentosedefinempelaextremadiversificaçãodos modos devida, das funções sociais,dos problemas concretos. [...]. (SARTRE,Em Defesados ll1telectuais,1994, pp. 14-15).

Ao tentarmos explorar a relação entre existênciae narrativa em Sartre, nos aproximamos da discussãoentre filosofia e literatura. Comumente, nos indicaCruickshank (1968) no seu estudo sobre o Romancistac~m~filósofo, considera-se que a filosofia seja algo muitodistinto da arte. Uma filosofia, continua ele, nestesentido comum, nunca é pensada como uma formaliterária. E uma forma literária, mesmo incorporandoa "filosofia" do escritor, raramente tem a ver comfilo~ofia, no sentido estrito da palavra (p. 16).Cruickshank produz então um texto sobre esta questão,abordando autores como Malraux, Camus, Beckett,Blanchot, Beauvoír, Robbe-Grillet além do próprioSartre, mostrando que estes autores conseguiramcolocar em sua produção "literária r com bastanteeficiênciar1iterária, sua filosofia e que as duas coisaspodem caininhar juntas sem prejuízo. Nesta mesma

14 4

direção situa-se o livro de Eric Bentley, O d rama tu rgo como ~pe ns ador (1991), que evidencia o processo de reflexão ~realizados pelos dramaturgos e, principalmente, que o ~

Pensamento na arte é a forma pela qual a emoção é QI

tpresentada à consciência e é, neste sentido, explorada e c i5

relacionada com a experiência e a imaginação. Neste méiier ~encontram-se dramaturgos como Pirandello, Ibsen, '3Tchekhov, Brecht, Büchner, Shaw, só para citar alguns. ~.

Em livro bastante recente, Tzvetan Todorov ~ ~0°

(2009), que sempre foi um expoente da aplicação do §' ':estruturalismo à literatura, surpreende com uma crítica 0 ~

• I .•••

a esta abordagem, usando para isto sua própria 0 0 ~.~

experiência num relato que é, ao mesmo tempo, ç .g <d

0,autobiográfico. Ao tratar da questão da educação e a o ~

"O oliteratura, ele indica que a abordagem estruturalista ~ ~

sobre o texto, converteu 1/ a literatura em coisa de .~ 8QI ,.,

iniciados, tendo os textos literários se tornado cada vez ~ 7 - ;

mais pretextos para um bricabraque teórico-conceitural 4~autônomo (entre os críticos) o,;: exercícios formais ~autorreflexivos (entre os autores) (ANDRADE,2009).É uma reivindicação legítima de retorno do textoliterário ao centro do processo educacional pois a obraliterária, da mesma forma como a filosofia e as ciênciashumanas, afirma Todorov, "épensamento e conhecimentodo mundo psíquico e socialem que vivemos. A realidadeque a literatura aspira compreender é [...] a experiênciahumana" (2009, p. 77).

Quando se trata então de explorar a relação entreexistênc ia e na rr ativa, este campo de debate se apresenta.Neste sentido, dentre as várias possibilidades dearticulação entre a re flex ã o filosófic a e a exp eriên cia d eficç ão em Sartre, entendemos que a direção dada por

145

Page 7: Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

8/6/2019 Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

http://slidepdf.com/reader/full/artigonarrativaliterariaemsartre 7/13

g ~ Franklin Leopoldo e Silva (2004), que propõe~~ compreender tal articulação como uma viz inhançaz;: comunicante, é plenamente satisfatória para nossa~ ~ ,discussão. Para ele, isto significa dizer que tanto ae í ~ expressão filosófica como a expressão literária emj~artre, são necessárias. Elas são, na sua totalidade a~ < - '~ g expressao do seu pensamento e devem ser vistas not - : j conjunto da~ refl~xões de.Sartre pois são dele partes~ ~ ~nd~~entaIs cnaomeras ilustrações do seu conceitual, . . . J o filosófico. Esta relação de uma para a outra, segundo~ ~ ele,acontecepor urna fiespécie de comunicação", como8 ~ uma passagem mas que é interna (p ass ag em interna )~'~ o~d~ dois "ambientes", considerados externamente1 § ~ distintos, possuem uma comunicação direta de tal~!;:; ordem que esta ficomunicação direta anulasse a

~ ~ ~ifer:r:ça" (2004,p.13). D~p.o~todevista das reflexões~ -e fílosóficas de Sartre, esta vizinhança comunicante" é9~ perfeitamente adequada ao próprio conceito de

~ ~ univer~al ~ing~lar, .que elellel~bora e explicita em~ § comurucaçaofeitanaJornada Kierkegaard vivant" em

1966 (SARTRE,1972).Mas Franklin L. Silva adverteque 1/ o fato de serem comunicantes não implica que apassagem à qual sealudiu sejadada: trata-se de realizá-Ia, e isso é uma tarefa da consciênciahistórica, porqueaordem humana é histórica" (p. 14,grifo nosso). Com

o objetivo de construir uma "passagem" que articuleexistênciaenarrativa apartir dopensamento deSartre,tomamos como ponto de partida o conceito dein ten ci onalidade da consciência para poder articulá-lo àsingularidade de uma narrat iva.

A noção de i nt enc iona li dade da consc iênc ia torna-se o ponto de partida de Sartre para a elaboração de

14 6

toda a sua proposta de compreensão da existência, t 3passando por suaconcepçãode eu epor sua teoriadas ~emoções. Tal conceito foi introduzido por Edmund ~Husserl a partir da idéia de que a consciência tem por f• . .característica inienci onar (fazer um movimento em ~

rndireção a) objetos e, assim, ser sempre consciênc ia de ~

alguma coisa. A perspectiva fenomenológica- " g~existencialista irá se interessar justamente por este r :: l •

movim ent o daconsciênciaem d ir eção aoobjeto,que toma ~:::0°

homem e mun do co-or igi nários. Luiz Damon Moutinho ê ~(1995)nos lembra que, embora as idéias de Husserl o o

d,...,

tenham sido fundamentais para odesenvolvimento e C I5 c :l'blseu pensamento, Sartre reformula a fenomenologia, ~ <

d~,

apropriando-se da noção de intencionalida e e o~"t i o

discordando da presença do Ego como pólo na . s ~

consciência (p. 24-25).Seu texto mais empreendedor '~.§nesta direção é La Transcendance de l'Eg o (1996), IX: Z

publicado original em 1936, como resultado de seus ~estudos na Alemanha durante os anos de 1933e 1934.. ~DeacordocomDonizetti Sass,neste período repercutia ~na França uma preocupação que teve na frase de [eanWahl um mote importante para Sartre, /I para oconcreto" (SASS, 1999). Esta preocupação tambématingiu oentão jovem assistente deMartin Heidegger,Herbert Marcuse que, da mesma forma que Sartre,

estava em busca de uma 1/ filosofia concreta" a qualsentia como necessária para seu mundo naquelemomento (MARCUSE,1969).Em nota conectada aotítulo de seu textoele afirma: "Opresente estudo tentaresgatar, a partir da posição que o livro de HeideggerSein un d Zeít elaborou para afilosofiafenomenológica,a possibilidade de uma filosofia concreta e sua

14 7

Page 8: Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

8/6/2019 Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

http://slidepdf.com/reader/full/artigonarrativaliterariaemsartre 8/13

necessidade na situação atual" (Marcuse, 1969, p.121,

grifo nosso). Esta sempre foi a preocupação de Sartn r

unir a filosofia ao mundo concreto e poder, ao falar

desse mundo concreto e por extensão da existência

humana, fazer filosofia sem que esta fosse considerada

algo "menor". As afirmações de Marcuse já estão

seguindo este rumo em 1929 como podemos ver nestpequeno trecho deste seu texto:

Não é possível que a existênciahumana concreta játenha se apropriado, no seu modo e na sua açãohistórica, das verdades que o conhecimentofilosófic,oainda não descobriu? De tal modo que,nesse caso, a tarefa da filosofia seria liberar essasverdades pela interpretação da existência concreta?Por outro lado, a filosofia não engloba também a

preocupação com as possibilidades totalmenteconcretas pelas quais a existência humana está emcondição de se apropriar de suas verdades? Afilosofia não tem também a tarefa de preparar oterreno para suas verdades e, no caso em questão,de lutar por esta preparação na esfera da existênciahumana?

Resumindo o sentido dessas questões, não se deve,para começar, reconsiderar a filosofia a partir daexistência humana concreta e questioná-Ia a partir

dessa existência? (MARCUSE, 1969, pp. 126-7.Tradução feita por Décio RochaeKatharina JeanneKelecom a partir da tradução francesa, ainda nãopublicado).

Segundo Jorge Coelho Soares, este texto de

Marcuse é o que se pode chamar de um "texto de

combate" I produzido em meio ao U calor" das

148

discussões intelectuais e políticas daquele período na ~

Alemanha e, para Marcuse. era algo com o qual se ~

poderia pensar e enfrentar a realidade. Os trabalhos

do "jovem Marcuse", afirma ainda Jorge C. Soare~,/I representam aprimeira tentativa original de construI!

e desenvolver um marxismo fenomenológico" (Sobre

a possibilidade de construção de uma filosofia concretaem Herbert Marcuse, texto ainda inédito feito como

apresentação da tradução de Sur Ia p hilo sophie co ncrêie).

No marxismo, que se apresenta comouma Uciência

estrutural" onde todos os fatos históricos estãorelacionados a estruturas mas não à existênciahumana, há sempre o perigo de se descartar o serhumano real e concreto das análises e se cair, porexemplo, num economicismo esterilizante eburocrático. Heidegger, por sua vez, trabalha comabstrações da realidade, fala em historicidade masnunca em história real. Marcuse acreditou que aíhavia uma lacunaaser preenchida pelomaterialismohistórico para o qual Uensinaria" aHeidegger que ahistória se cristaliza nas relações sociais concretas,nas relações de produção e poder. Em 1929,Marcusetenta demonstrar que esta du-pla fecundação era

viável. (Soares, texto inédito) 5.

Sartre então, ao mesmo tempo que se apropria

de conceitos husserlianos que vão em direção a este/I concreto", procura também se distanciar de qualquer

possibilidade de idealismo, o que já está demarcado

no seu trabalho de 1936, La Transcedance de L'ego. Do

5Ver também deste mesmo autor o livro Marcuse, uma trajetória,

1999.

149

Page 9: Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

8/6/2019 Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

http://slidepdf.com/reader/full/artigonarrativaliterariaemsartre 9/13

ponto de vista da fenornenologia, lança mão de algumasimagens que auxiliam na caracterização da noção deconsciência in tenciona l : "não há mais nada nela a não ser.um mooimenio para fugir de si , um deslizar para fora d e s i"(2005, p. 56, grifos nossos). Sartre nos faz visualizar aconsciência como algo que" não tem interior", que 11não énada senão o exterior de si mesma", que é uma 1/ fuga

absoluta", uma "recusa de ser substância" (2005,p. 56).Apartir desta noção de consciência intencional, Sartre rompecom o pensamento dicotômico da tradição cartesiana,abandonando qualquer referência a uma supostainierior id ad e, a umencapsu lamen to ou solipsismo, que separeohomem do mundo. Através das descrições apresentadaspor ele, podemos mais facilmente imaginar a cons ciênciacomo algo que não tem conteúdos, como um flux o emconstante devi r, um mooimenio delançar-separa 11fora", emek-sistência. A expressão que dá origem ao existencíalismotem sua raiz justamente neste mao imenio da consciênciaintencional em dir eç ão ao mundo, o que já aponta para aproposta de compreensão da ex istênc ia trazida por estaabordagem. Torna-se clara a impossibilidade defechamento da consciência, sua condição de aber tura e ainseparável relação entre homem emundo.

Luiz Damon Moutinho (1995) propõe que, aoter contato com a fenomenologia, Sartre utiliza a noçãode in tendonal idade da consciência como instrumento para

elaborar uma crítica à psicologia e à filosofia de suaépoca, especialmente em relação aos chamados"conteúdos da consciência". Segundo Moutinho, aodiscordar da forma como eram concebidos elementosda psicologia clássica, como a sensação e a imagem,Sartre fez um esforço no sentido de "purificar" a

15 0

consciência de qualquer conteúdo, de forma ~ 11fazê-Ia t 5aparecer como pura consciência de alguma coisa, como f : 5

mera intenção" (p. 44). Assim, em Sartre, o :e r da ~consciência fica reduzido a seu aparecer, aseu fenomeno, ~como ele trabalha longamente na Introdução de O Ser ~

e o Nada (2007, pp. 15-40). . . , . ~Ao restabelecer a relação co-ongmanu entre B

con sciência e mund o, Sartre (2005) atesta que "Husserl ~ ôreinstalou o horror e o encanto nas coisas" (p. 57). Isso ~ C;porque, para Sartre, não há como nos relacionarmos 8 ' ~com as coisas de forma" neutra", já que estamos se~pre ~ .sconstituindo sentidos para o mundo a part~r de u : i ~

determinadas perspectivas ou" perfis" que a~sum:mos, ~ ~Assim, Sartre se apropria da noção de intenclOna~hdade .. g ~

de Husserl para abando~ar qua.l~l.uer t~,ntatIVa"de iacesso imparcial à realidade. Ja que . horro~ e ~ ~"encanto" são modos através dos quals as coisas ~aparecerem anós. Ara re.r ~e~ta cO~,cepção,ele apresenta ~sua concepção de subjetiVIdade : ~

[...] Eis-nos libertados [...[. Libertados da "vidainterior" [...] afinal de contas tudo está fora, tudo,até nós mesmos: fora, no mundo, entre os outros.Não é em sabe-se lá qual retraimento que. nosdescobriremos 6 : é na estrada, na cidade, no meio damultidão, coisas entre as coisas, homem entre oshomens (2005, p. 57).

Algo que se torna cl~o é.q~e. Sartr~ tr~z comomarca uma concepção de subJehvldade nao c?~Oalgo que é relativo à "vida interior" de um SUjeito

6 Aqui preferimos a tradução: "Não é em nenhum refúgio que

nos descobriremos".

15 1

Page 10: Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

8/6/2019 Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

http://slidepdf.com/reader/full/artigonarrativaliterariaemsartre 10/13

« .~~ encapsulado. Mas sim, para ele, "subjetividade" refer

~~ se.amodos de re laçã o estabelecidos co~ ~mundo. OuZ Çl .. seja, o modo como cada pessoa constitui sentido na..:~. suas relações com o mundo irá apontar uma

~ ~ ~eter~ada subjetividade. Conforme propõe Sartre,~ ~ enomOVImentode lançar-se parafo ra d e s i, demisturar-

~,~ seàs coisas, ao.m~r:do, à vida cotidiana, que ohomem~ ~ revela sua subjetividade. Desse modo, a existência em~ ~ sua concretude será oponto departida desta proposta

6 , 8 ~e c~o~p,:eensão do h?mem, e não uma supostaZ í :5 esse~.cIa humana nascida apartir de uma abstração.8 g Ao afirmar que só o que há é um movimento de ek -~,~ s is tê nc ia , Sartre rompe com uma concepção de sujeítoo~'t"d b I'~ < zn enonza o , su sta ncia .izado e essencializado. Assim, se

P .. . ~ hom~m e,mundo são co-originários, não há interior e

~ ~ exten or, haapenas uma ab e rt ur a d e s e ntid o que possibilita~ -e este encontro.,z

9 , I ' O mé to do f en ome no ló gi co d e i nv es ti gaçã o consiste~ Justamente no esforço de retorno ao vivido, ao campo~ de relação entre homem e mundo. Ao ter o foco na

relaçã~, tal mét.odo propõe a descrição dos fenômenos,ou seja, daquilo que aparece à consciência em seumovimento de ek-sistência, O que a fenomenologiabuscará, então, não é um acesso ao que 11realmenteocorreu", "tal qual ocorreu", o que envolveria uma

posição deneutralidade emrelação aosfenômenos. Talpretensão seria contraditória com seu próprio preceitode que nos relacionamos com omundo sempre apartirde ~a.determinada "visada" de sentido. No "resgate"do VI~ldo, o que tal método estabelece é que opesquisador assuma uma ati tud e de abertura e atençãoaomodo como cons tituímos sentidos para este viv ido. A

15 2

partir daí, nosso trabalho passa a ser acolher as t 5narrativas criadas sobre o vivido. ~

;: JFranklin Leopoldo e Silva (2004) apresenta ~

algumas possibilidades de articulação entre hist oricidade ~" Ee nar rativ a na proposta de Sartre de compreensão da c J: í

existência.Silvafazumadiferenciaçãoentre duas formas ~

de estudar história: aquelaque fazumahistóriaà distância, ]que "monta" uma compreensão linear dos eventos, & .

I QI o

entendidos como 11fatos" dopassado; eaque aproposta ~ ~

por Sartre, que busca se aproximar do processo de e ~historicidade evisaumacompreensão do vivido. Apartir o o

de I +'desta compreensão da noção de hisioricida ,tanto a rr . i ~.~

fenomenologia quanto a literatura são concebidas como P :g - <~I

instrumentos que nos auxiliam a chegar a um mesmo o ~~ o

objetivo:a r es ign if ic ação narr a ti va do v iv ido . Issoporque, ~ ~

segundo Silva,ambas buscam um "modo denarrar" que '~ .§evita o 11 sobrevôo", o distanciamento, já que se ~ zposicíonam deformaaassumir umponto devistasituado, ~proporcionando um "mergulho" na particularidade da .~experiênciahumana singular. ~

A partir disso, Silva (2004)propõe que aquiloqueconcebemos como fisubjetividade" se formaapartirdo surgimento deuma c on sc iê nc ia n a rr at iv a que buscauma apropriação resignificativa do vivido a partir desua situação histórica. Assim, segundo o autor, a

narrabil idade participa da constituição do eu 7. A partir

7 Sartre se contrapõe à concepção de um eu transcendental datradição cartesiana, compreendido como pólo unificador derepresentações e produtor de estados e qualidades. Ao rompercom esta tradição, Sartre concebe um eu trans cen den te que nãoestá no vivido, mas sim, surge posteriormente, quando aconsciênciaposicio nu o vivido.

153

Page 11: Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

8/6/2019 Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

http://slidepdf.com/reader/full/artigonarrativaliterariaemsartre 11/13

15 4

nos ajudar a ampliar o grau de com~lexidade ~e ::os~a tlcompreensão das relações que constituem a eXlstenCla. ~Consideramos que é justamente esta a aposta de S~tre ~ao criar narrativas literárias que nos permItem .;"mergulhar" nas si tuações que se apresentam e ~acompanhar os personagens em sua~ ~~cruzilha~a~. ~

Assim a narrativa literária nos possibilita a descnçao ~do ví vido a partir da exploração fictícia das situaç ões ~ óhumanas (Silva, 2004, p. 48) que o escrit?r põ~ em cena. ~ ~Tal modo de narrativa possibilita ao leitor nao apenas e ~pensar sobre a existência, mas princi~,almer:te, er:.volver- C ? . sse com ela, a partir de uma" imersão em situaçoes que a :i ~

formam o ambiente cotidiano em que ela se mostra. ~ ~A partir disso,consideramos possível comp~e.ender .. g ~

que, ao reinventa r a , es cr ita , a. li ,teratura pode auxiliar na ~ ~res igní fi cação narra tzva do nioido, mostn.~ndo-~e como ~ ':3

importante ferramenta capaz de levar o leitor a colocar- ~ zse na situação" do personagem, Ao ser "lançado" e.=n~~um ambiente e contexto que, a p~incípio, lhe sao Iestranhos, o leitor vai se apropnando do t~xto,envolvendo-se com aquilo que 1/ aparece" a ca~a l~a,a cada virar de página. Ao penetrar a rede de ~Ituaçoestecida pela narrativa, o leitor tem a opor~m?ade deconhecer naooe mundos e vi ver novas expenenClas ..

Neste sentido, Michel de Certeau (1994) afirma

que a leitura não é uma prática pa.s~iva, comogeralmente se pensa, mas sim, uma ativIdade, uma"produção silenciosa". Segundo Certeau, durante a

leitura, o leitor:insinua as astúciasdo prazer e de uma reapropriaçã~no textodooutro: aí vai caçar, ali é transportad~, ~hse faz plural como os ruídos do corpo. Astúcia.

155

~~ da compreensão de que o eu é po sterior ao vivido,~~ Frank1in questi?n~: "~omo ~ode o sujeito narrar~se a siZ~ mesmo a sua existência se nao há nenhuma antecipação~ Õ .de algo concatenado e necessário?", a que responde3 1 logo em seguida:

~ i : 5 [ . . . ] seanarraiiuidad eforummodoprivilegiadodebuscar~ Q a verdade da existência,talvezela deva ser reinventada~ ; a p artir dessas d ificuldades não para solucioná-Ias,mas~ ~ para fazer delas uma formamais autêntica de narrar,~ 8 em que a expressã o d a su bjetivid ad e esteja mais~ í: l diretamente atravessada pelas exigências éticas da~ ~ represen~ção do humano (p.45,grifasnossos).

i~em-se aí, então, que, o que se busca é um modo~ ~ de narrar o vivido que constitui a experiência do homem

~§ "" situação . A gue~tão que nesta busca retorna sen;pre~ ~ e: como as narratioas po dem revelar algo que esta emc : S ; z constante deoir, como o pr oce ss o de hístoricidade? Tal qual~ Silva, consideramos que esta dificuldade deva estar~ presente não como algo a ser resolvido em definitivo,

mas sim, como questão que deve se manter como ohorizonte a partir do qual nossas análises serãoelaboradas. Devemos abrir espaço para uma reinpençãoda narrat ividade que permita uma maior aproximaçãodas exigências éticas próprias ao processo de

historicidade constituído pelo homem.Sem buscar FI decifrar" ou explicar os fenômenos

que se mostram, passamos a assumir a atitudejenomen ol ógíca de interrogar o vi vido acerca dasmúltiplas nar ra tiva s que sobre ele se produzem. Oesforço aí é por um movimento de ir lá onde asnarrativas se constroem e fazer com que elas possam

Page 12: Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

8/6/2019 Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

http://slidepdf.com/reader/full/artigonarrativaliterariaemsartre 12/13

metáfora, combinatória, estaprodução é igualmenteuma 'invenção' de memória. [...] A fina película doescrito se toma um remover de camadas, um jogodeespaços. Ummundo diferente (odoleitor)seintroduzno lugar doautor. Estamutação to rna o texto hab itáve l ,à maneira de um apartamento alugado. Elatransforma apropriedade do outro em lugar tomado

de empréstimo, por alguns instantes, por umpassante. Os locatários efetuam uma mudançasemelhante no apartamento que mobiliam com seus

gestos e recordações (...) (p.49, grifos nossos).

Consideramos muito interessante acomparaçãofeitapor Certeau entre aapropriação do textopelo leitore as adaptações feitas por um morador para tornar"habitável" um apartamento alugado. O autor nosproporciona aí uma imagem do movimento feito peloleitor para transformar as palavras do escritor emcenase situações com as quais se envolve. É justamente nessemovimento de constituição de sentidos parao textoquea narrativa ganha vida e passa a fazer parte do novomundo que oleitor passa ahabitar. Assim, nestaespéciede "arte do encontro" entre o texto e seu leitor, há umaintensa produção subjetiva, o que nos levaaconceber aliteratura como uma p rá ti ca soc ia l a ser levada emcontaem nossas análises daconstituição de narrativas.

A partir de uma compreensão da iemporalidadecomo dinâmica de constante 1/ evasão de si" daconsciência intencional, como seria possível construiruma narrativa capaz de revelar o movimento detempora lizar-se do homem? Com a instalação desteproblema no campo das ciências humanas e sociais, anarrativa literária passa a assumir um papel de grande

156

relevância nos debates contemporâneos em tomo daconstrução discursiva do conhecimento. É a partir daconstatação de que "não é possível restituir oacontecimento porque o passado nos escapa" (Silva,2004,p. 121),que otrabalho do pesquisador passaaseracolhidae escritade narrativas que se produzem sobre ovivido. Consideramos que é justamente aí que anarrativaliterária surge comoum importante ob je to d e e st udo, umavez que constitui um mod o d e n arr ar que 1/ faz .aparecer"

a p lu ra li da de d e v iv id os de um mesmo aconteclffiento.Encontramos ainda em Peter Burke (1992)esta

preocupação com a exploração de ~oss~bil~~adesdearticulação entre historicidade e n ar ra no a l iie râria. Burkediscute oretorno danarra tiva histórica dos acontecimentos,como movimento de contraposição à busca pelasestruturas danarrativa tradicional dahistória. A li teratura

entra em cena quando o autor comenta: " (...).poder~aser possível tomar as guerras civise outros co~tos maisinteligíveis, seguindo-se omodelo dos ~omanC1stasquecontam suas histórias, partindo de mais de um ponto de

vista" (p.336,grifos nossos). .O autor busca no rrabalho dos romancistas um

"modelo" de narrativa que possibilite que um maiornúmero de pontos de vista sobre um acontecimento

seja levado em conta. Assim como Sart~e, ~~rke

procura articular aanálise do processo de hIstonC ldadeàs formas narrativas capazes de revelar modos dehistori cizar-se diversos. Exemplos de narrativasliterárias que cumprem bem esta função sãoencontrados nas obras: Sursis, de J-P. Sartre, e em Osom e a fú ria , do escritor William Falkner. Tais ?brasoferecem ao leitor uma diversidade de per spe ctIvas e

157

Page 13: Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

8/6/2019 Artigo_NarrativaLiteráriaemSartre

http://slidepdf.com/reader/full/artigonarrativaliterariaemsartre 13/13

g ~ modos.de narrar uma mesma situação, que revelam a~~ pluralidade de modos com que os personagens vivem~;: sua hisioricidade.

~ ~ . .Consideramos, por fim, que a questão da(j ~ narrai ioa, posta em cena por Sartre e por diversos~ ~ .autores contemporâneos, remete à discussão acerca da

~ § po.sição assumida pelo pesquisador em relação aor - : ~ obLetode p~squisa. Ao ~:)Uscarnas narrativas literárias~ ~ o res~ate da plu ralidade de vividos de um mesmo~ 8 acontecimento , Sartre constrói um caminho alternativo:ll: l à tradição que foi responsável por orientar o~ ~ desenvolvime~to das ciências modernas.

i~EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

~~ ANDí2 RADE, F . S. (2 8 de fevereiro de 2009). Todorov e a

~ ~ verdade dos livros. Folha de São Paulo. Ilus trada, p. E5.

~

~ ' I ZBENTL~Y, E: (::91). O dramatur go co mo pen sador. Rio;:: de [arteiro: Civilização Brasileira.

BURKE, P. (1992). A história dos acontecimentos e orenascimento da narrativa. In:P. Burke,A es cri ta da hi st ória .Novas per spectivas (pp. 327-348 ). São Paulo: UNESP.

CERTEAU, M . d. (1994). A invenção do cotidiano.Petrópolis, RJ:Vozes.

COHEN-SOLAL, A. (1986). Sartre . Porto Alegre:L&PM.

CRUICKSHANK, J . ( . (1968). El novelis ta c omo f il ós ofo.Buenos Aires: Paidós.

LÉVY, R-H. (2001). O Século de Sartre . Rio de Janeiro:Nova Fronteira.

158

MARCUSE, H. (1969).Sur la philosophie concrete. ln: ~H.Marcuse, Mar cus e, philosophie e revolu tion (pp. 121- ê 3156). Paris: DenoeljGonthier. ~)

MOUTINHO, L . D. (1995). Sa rtre : existen cialism o e ~=

l iberdade. Rio de Janeiro: Moderna. ~oR EN AULT , A. (1993).Sar t re.le d em ier phi. lm flp he . Paris:Grasset 1SARTRE, J.-P. (1.994). Em Defes a dos In te lectua is . São r : oPaulo: Ática. " g 8..~

SARTRE,J.-P.(1996).La transcendanc ede l'eg o. Paris:J. Vrin. ~ ~I .•••

SARTRE, J.-P. (1972). L'Universel Singulier [19661·In: r 4 ~J.-P. Sartre, Situa tion, IX (pp.152-190). Paris: Gallimard. ~ ~

SARTRE, J.-P. (2007). O Ser e o Nada . Ensaio de on~olog}a ~ 8!eno menológica (15 ed.). (P. Perdigão, Trad.) Petropohs, ~ E

~ ,;;1

RJ:Vozes. ~ zSARTRE, J.-P. (2005). Uma idéia fundamental da ~fenomenolo~a de husserl: a int:ncional~dade. In: J:-P. ~Sartre, Si tuaçoes, I (pp. 55-57). Sao Paulo. Cosac Na ífy . ~

SASS, S. D. (1999). A concepção sartriana de egotranscendental. Educaçã o e F ilosofia, 13, nO 26, 263-274.

SILVA, F. L. (2004). É tica e Lite ra tu ra em Sar tr e: e nsaio s

introdutórios. São Paulo: UNESP.

SOARES, J.C. (1999).Marcuse. Uma trajetó ria. Londrina:EdUEL.TODOROV, T. (2009). A Literatura em Perigo . Rio de

Janeiro: Difel.

159