ARTIGO_JornalismoMitoMercado

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45 Zélia Leal Adghirni O Jornalista: do mito ao mercado A imagem do jornalista está mudando. O lugar ocupa- do pelo jornalismo e pelo jornalista ao longo do século XX, como herói, romântico, revolucionário, derrubador de políticos corruptos já não existe. O jornalista já não tem mais os super poderes de Clark Kent. Submetido a rotinas produtivas infernais para alimentar as “tur- binas da informação”, mal pago pelo tanto que produz, ele prefere migrar para as assessorias de comunicação públicas ou privadas. Ou então fazer carreira de chefe alinhando-se incondicionalmente às regras da empre- sa, abrindo mão dos direitos mínimos da legislação trabalhista. Quarto poder, função social ou produtor de sentidos? O que sobrou do jornalista de outrora? A realidade do século XXI é outra. Nem herói nem vilão, os jornalistas, como os guerrilheiros, estão apenas cansados. Resumo Palavras-chave Abstract Keywords The journalist’s image has changed. The image of a ro- mantic, revolutionary hero that fought corruption en- ded in the 20 th Century, today journalists do not have super powers as Clark Kent. Overwhelmed by produc- tion routines and underpaid, journalists migrate to public relation companies or stay at their job hoping to succeed giving up their legal rights. What’s left of the old journalist? There is another reality in the 21 st century. Journalists are not bad or good guys; they are only tired. Jornalistas, quarto poder, rotinas, carreira Journalists, fourth power, routines, career

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Teoria do jornalismo

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    Zlia Leal Adghirni

    O Jornalista: do mito ao mercado

    A imagem do jornalista est mudando. O lugar ocupa-do pelo jornalismo e pelo jornalista ao longo do sculo XX, como heri, romntico, revolucionrio, derrubador de polticos corruptos j no existe. O jornalista j no tem mais os super poderes de Clark Kent. Submetido a rotinas produtivas infernais para alimentar as tur-binas da informao, mal pago pelo tanto que produz, ele prefere migrar para as assessorias de comunicao pblicas ou privadas. Ou ento fazer carreira de chefe alinhando-se incondicionalmente s regras da empre-sa, abrindo mo dos direitos mnimos da legislao trabalhista. Quarto poder, funo social ou produtor de sentidos? O que sobrou do jornalista de outrora? A realidade do sculo XXI outra. Nem heri nem vilo, os jornalistas, como os guerrilheiros, esto apenas cansados.

    Resumo

    Palavras-chave

    Abstract

    Keywords

    The journalists image has changed. The image of a ro-mantic, revolutionary hero that fought corruption en-ded in the 20th Century, today journalists do not have super powers as Clark Kent. Overwhelmed by produc-tion routines and underpaid, journalists migrate to public relation companies or stay at their job hoping to succeed giving up their legal rights. Whats left of the old journalist? There is another reality in the 21st century. Journalists are not bad or good guys; they are only tired.

    Jornalistas, quarto poder, rotinas, carreira Journalists, fourth power, routines, career

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    (...) tous les journaux seront, dans um temps donn, lches, hypocrites, infames, menteurs, assassins; ils tueront les ides, les systmes, les hommes et fleuriront par cela mme. Ils auront le bnefice de tous les tres de raison; le mal sera fait sans que personne en soit coupable. (Honor de Bal-zac, Illusions Perdues)

    O jornalismo e o jornalista ocupam um lugar preponderante na histria do sculo XX, a tal ponto que alguns socilogos (Ne-veu, Ruellan, Palmer) falam de uma mi-tologia do jornalismo. Heris e rebeldes, nas trincheiras de guerra, como correspon-dentes ou como reprteres investigativos nos bastidores do poder ou ainda como co-lunistas de grife lidando com informaes privilegiadas, jornalistas invadiram e ocu-param espao privilegiado na sociedade. Alguns se tornaram cones para jovens aspirantes a Super-Homens travestidos de Clark Kent, o reprter sempre alerta do Planeta Dirio. Para a ltima gerao de jornalistas, a referncia absoluta a dupla Woodward e Berenstein, jornalistas do Washington Post que decifraram o caso Watergate levando a renncia o presiden-te dos Estados Unidos, Richard Nixon, em 1973. Mais do que o exerccio de uma profisso, a imagem do jornalista foi histo-ricamente construda calcada sobre os ide-ais nobres da democracia, da justia e da liberdade. Mas a realidade do sculo XXI outra. Nem heri nem vilo, os jornalis-tas, como os guerrilheiros, esto apenas cansados.

    A histria do jornalismo no Brasil, ca-racterizada pela busca destes ideais at que o surgimento da indstria cultural separa jornalistas de um lado e empres-rios de outro. Mais recentemente, a intro-duo das novas tecnologias na produo e

    distribuio de notcias bem como a hibri-dizao dos gneros profissionais e reda-cionais, provocaram uma reviravolta sem precedentes no universo dos jornalistas. Em crise de identidade e sem parmetros determinados para se reconhecer como ca-tegoria profissional historicamente cons-truda, num momento em que se questiona at mesmo a obrigatoriedade do diploma de jornalista fornecido pelas faculdades, sentimo-nos inclinados a lanar um olhar especulativo e nostlgico sobre jornais e jornalistas.

    O que j temos como certeza que idia de o jornalismo romntico e bomio, que marcou os primrdios da imprensa no Bra-sil, passando pelo jornalismo militante e libertrio, esto definitivamente mortos e enterrados. A indstria da informao se nivela hoje pelo equilbrio entre a oferta e a demanda. Mais do que discutir os efeitos das novas tecnologias na produo jorna-lstica, os profissionais deveriam se inter-rogar se as modernas empresas de comu-nicao esto de fato respeitando a pleni-tude do direito informao e o direito de opinio de todos os grupos sociais, de todos os cidados conforme exige a verdadeira democracia.

    A idia do jornalismo como contra-poder e vigia dos poderes (Aguinaga,1988:25) est ameaada pela concepo puramente mercadolgica das empresas. Como suge-re a Escola de Frankfurt, mais do que um contra-poder, o jornalismo pode estar se tornando uma extenso de poderes. Sabe-mos hoje que os processos decisrios nas selees das notcias no esto restritos s redaes de jornais, entre reprteres e editores mas se submetem aos servios das estratgias de pessoas e organizaes com vista influncia da cobertura jornalstica (lobbies, polticos, publicidade, etc).

    Nem heri nem vilo, os

    jornalistas, como os guerrilheiros, esto apenas cansados.

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    O jornalista heri est com os dias con-tados. A imagem romntica do jornalista j no existe. Surge no lugar deste, um profissional hbrido, verstil, ora atuando no campo das mdias ora servindo aos se-nhores do campo da comunicao. Enten-da-se aqui a distino que fazemos a partir de uma concepo europia, principalmen-te francesa, entre comunicao e jornalis-mo1. O jornalista hoje um burocrata da notcia sentado diante de um computador que lhe serve de fonte de informao, sala de redao, tela de texto. provvel que nem ele nem a sociedade acreditem mais na funo social do jornalismo.

    At que ponto o jornalista, enquanto for-necedor de matria prima para a manu-teno das mdias, realmente cmplice deste sistema ou simplesmente capitulou diante da supremacia das foras dominan-tes no mercado profissional?

    Seria o jornalista responsvel pela deca-dncia de sua prpria imagem? Para Jean Franois Lacan (1994) esta estranha pro-fisso que outrora excitava o imaginrio popular atravessa uma crise em todos os sentidos. E a culpa no seria do jornalista. Sem identidade profissional definida, pres-sionado pelo mercado em condies de tra-balho cada vez mais precrias e responsa-bilidades sociais cada vez mais fortes, os jornalistas esto cansados. Eles jogaram fora o papel de heris. Ningum mais quer ser Super-Homem. Os jornalistas querem apenas ser profissionais respeitados em seus direitos no mercado de trabalho da informao.

    Jornalista, reprter e quarto poderSegundo Michael Palmer (1994:108), o

    termo journaliste teria surgido no incio do sculo XVIII, mais precisamente em 1703 no Journal de Trvoux, peridico semanal,

    um dos primeiros ttulos em lngua france-sa considerado srio. O jornal pretendia ser mais explicativo que informativo, ao contrrio da Gazette de Renaudot, que se considerava um coletor de notcias. Por-tanto, no incio, a palavra jornalista tinha uma conotao positiva, respeitvel , para se distinguir do gazeteiro (do jornal Ga-zette), que se limitava a divulgar fatos sem explic-los.

    Segundo Ramonet, a palavra journaliste vem de jour (dia) e significa analista de um dia. Ele questiona se a palavra ainda tem sentido hoje diante da presso da velocida-de da informao em tempo real. Ramonet sugere que o jornalista passe a se chamar instantaneista j que a mdia do fluxo noticioso dos sites, em alguns casos, de menos de um minuto.

    Voltando aos primrdios da profisso, Palmer explica que a denominao jorna-lista se degradou rapidamente. A partir do final do sculo XVIII ela j era usada com um certo desprezo. Na Frana esta ambi-gidade da terminologia perdura at hoje, entre os jornalistas que escrevem notcias e os jornalistas formadores de opinio (co-lunistas, analistas). A distino, limitada e redutora de nuances, separa a informao da opinio, a notcia do comentrio, como se fosse possvel estabelecer fronteiras fi-xas entre os gneros jornalsticos.

    Segundo Palmer, a palavra imprensa, nas origens, se referia quilo que era im-presso: panfletos, brochuras e obras diver-sas impressas em papel. Ou seja, remetia idia de tipografia e peas grficas. S bem mais tarde a imprensa designaria pu-blicaes peridicas comprometidas com a divulgao de notcias e anncios.

    Entre os sculos XVII e XVIII, a gnese desta imprensa peridica foi marcada pela circulao de homens, de idias e de tcni-

    1 Comunicao se refere a processos e mediaes sociais e tecnolgicas enquanto que jornalismo se restringe aos processos de produo de notcia, especificamente ligadas s mdias. Os franceses colocam os termos em campos opostos. Ver obra de Erik Neveu.

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    cas, difundidas oralmente ou sob forma de textos e de imagens. A situao era seme-lhante, com pequenas variaes, em todos os pases europeus ainda que a Igreja ten-tasse sempre vigiar, controlar, canalizar ou suprimir estas atividades de comunicao emergentes.

    O termo reprter apareceu mais tarde tendo sido usado primeiramente pela im-prensa americana e inglesa em meados do sculo XIX. Samuel Morse, foi um dos pri-meiros a se referir ao reprter. Ao experi-mentar a linha telegrfica que ele acabava de inaugurar entre Washington e Baltimo-re, enviou a primeira mensagem telegr-fica no dia 23 de maio de 1844: Peam a um reprter para enviar um despacho ao Baltimore Patriot s duas horas da tarde. O despacho chegou uma hora e meia mais tarde. A palavra reprter atravessou a Mancha e o Atlntico e chegou na Frana em 1830 mas a expresso s se generaliza-ria nos anos 1860-1880.

    Nos Estados Unidos, o uso dos termos reporter, editor (redator) correspondent (correspondente), pressman ( jornalista) e outros stringer (ou free-lancers) ou colum-nist (colunista) se consolidaram de forma progressiva ao longo do sculo XIX. Como em outros pases, estas definies se uti-lizam segundo as diferentes mdias im-pressas ou audiovisuais. Mas o modelo de jornalismo americano foi durante muito tempo mal visto na Europa, que se alinha-va a um tipo de jornalismo de comentrio e opinio, negligenciando a famosa obje-tividade dos fatos defendida pelos anglo-saxes.

    Em 1833, um consrcio entre jornalis-tas e empresrios ingleses e americanos lanou em Paris um jornal (The Morning News) de informaes telegrficas, uni-versais e verdadeiras em estilo americano

    para oferecer aos leitores um modelo dife-rente do jornalismo de opinio francs. A iniciativa foi largamente criticada pelos intelectuais de Paris. Emile Zola conde-nou a excitao dos espritos que resul-taria do excesso de notcias2. Nesta poca havia tambm o embate entre intelectuais e jornalistas no mundo das letras. Pierre-Franois Guyot-Desfontaines dizia que a profisso de jornalista era a mais vil das literaturas. A imagem da corporao jor-nalstica era manchada pelos calorosos debates de idias atravs das pginas dos jornais, onde, s vezes, o nvel do discur-so caa muito baixo. No entanto, grandes escritores do sculo XVII e do Iluminismo, tais como Voltaire, Rousseau, Diderot e Beaumarchais eram igualmente jorna-listas, escreviam sobre jornalismo e de-fendiam a liberdade de expresso contra a censura vigente. Toda a histria do jor-nalismo na Frana por exemplo, do sculo XVIII ao sculo XX permeada pela luta em prol da liberdade.

    Na poca em que Zola encontra Gira-din, em 1830, circulavam em Paris cerca de dez jornais polticos, tantos quanto na Frana atual. mile de Giradin vai pro-vocar uma grande reviravolta no jorna-lismo francs militante deste perodo. O jornalista literrio d lugar ao jornalista proteiforme, com uma percepo aguda da noticiabilidade dos fatos. Ele obedece ao chamado do olho e do faro na busca da informao e passa a ter gosto pelo neg-cio-jornal, antes mesmo do nascimento do jornal-empresa. O profissionalismo de Gi-rardin foi muito criticado por seus contem-porneos que o acusaram de transformar o jornal numa indstria. Quando Giradin morreu, em 1881, aps 50 anos de ativi-dades como jornalista, poltico, homem de negcios, ele possua 50 ttulos entre jor-

    2E.Zola, prefcio de La Morasse, Paris, 1888, p.III, citado por Palmer Michael em Les Journalistes, Paris,

    Syros, 1994

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    nais e revistas e tinha cerca de cinco mil correspondentes3.

    Quanto ao termo quarto poder ele sur-ge num outro contexto. O termo teria sido inventado pelo historiador Macaulay em-bora ele estivesse se referindo a Galeria de Imprensa no Parlamento e no especi-ficamente ao The Times, de Londres, que se considerava o quarto poder, ou a im-prensa como um todo. O conceito medieval de um estado ou poder (espiritual, tem-poral, comum) havia sido quebrado pela revoluo Francesa de 1789 mas sobrevi-veu na Gr-Bretanha no Parlamento e a expresso quarto poder foi usada como ttulo de livro sobre a imprensa em 1850, escrito pelo jornalista F. Knight Hunt. A expresso ganhou o mundo e ate hoje usada indistintamente para se referir ao poder da mdia. Independente da lei que regia cada pas, a imprensa se estabeleceu a partir de 1900 como uma fora social que deveria ser avaliada numa democracia fu-tura4.

    Gnese do jornalismo no BrasilNo Brasil, onde os primeiros jornais s

    apareceram com a vinda da famlia real portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, o jornalismo se dividia entre o ofi-cialismo e a subverso. A Gazeta do Rio de Janeiro, que saa da Impresso Rgia, circulou entre 1808 e 1821, sempre com o apoio oficial. O Correio Braziliense, de Hiplito Jos da Costa, nasceria no exlio, em Londres, pois o jornalista defendia idias revolucionrias tais como a aboli-o da escravatura e a independncia do Brasil. O jornal circulou clandestinamente at 1822.

    Mas a imprensa brasileira tambm foi influenciada pelos filsofos das Luzes. At a Repblica, o jornalismo no Brasil fun-

    cionava como uma tribuna ampliada, se-gundo expresso de Benjamin Constant. O jornalista era um ativista poltico e o jornal o veculo de suas idias (Ribeiro, 1994:23). Como na Europa, o jornalismo brasileiro foi marcado, nos dois ltimos sculos, por uma mistura de elementos po-lticos, religiosos, revolucionrios e romn-ticos. Profundamente impregnado pelo po-sitivismo, a imprensa assumia claramente uma posio engajada como defensora do povo, evangelho da democracia e sagra-da indstria.

    No final do sculo XIX j havia no Brasil uma indstria grfica desenvolvida mas faltavam profissionais. Segundo Ribeiro (1994:25) mesmo nas empresas mais orga-nizadas mantinha-se um duplo quadro: os reprteres, que sobreviviam da imprensa e os publicistas, polticos profissionais que usavam os jornais para divulgar seu nome e plataformas. Mas este espao era com-partilhado por grandes escritores brasilei-ros tais como Machado de Assis, Jos de Alencar e Quintino Bocaiuva, que traba-lhavam no Dirio do Rio de Janeiro. Olavo Bilac costumava dizer que o jornal para todo o escritor brasileiro um grande bem. mesmo o nico meio do escritor se fazer ler. Mais tarde Ruy Barbosa tambm se serviria das pginas dos jornais para exer-citar seus talentos polticos e literrios.

    Segundo Lavina Ribeiro (2004:120) a passagem do jornalismo politico-libertrio para um jornalismo ainda com larga cober-tura na rea poltica, mas tambm infor-mativo, literrio e apoiado em bases edito-riais e financeiras prprias coincide com a progressiva ampliao e heterogeneizao do espao pblico. Para a pesquisadora, o que Habermas interpreta como sua inver-so foi mais propriamente, no caso bra-sileiro, um processo de desvinculamento

    3A Central Globo de Jornalismo tem 4.500 jornalistas em atividade atualmente, segundo Ali Kamel, da Rede Globo, em palestra na UnB em 30/03/05.

    4Asa Briggs & Peter Burke , Uma Histria Social da Mdia de Gutenberg Internet, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2004

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    parcial entre o espao institucional da im-prensa e aquele prprio da poltica, num perodo em que se desenvolviam simulta-neamente mudanas qualitativas irrever-sveis nas condies concretas de vida das grandes cidades brasileiras.

    No entanto, os meios de comunicao no Brasil passariam a se desenvolver efetiva-mente a partir dos anos 30, liderados pelo rdio e seguidos de uma imprensa que se consolidava apesar do controle do Esta-do Novo e que, ironicamente, promoveu a regulamentao da profisso de jornalis-ta atravs do Decreto-Lei n 910. A partir dos anos 50, o sistema de comunicao se amplia, com a criao de redes nacionais e regionais de comunicao. Surge a tele-viso e com ela os alicerces de uma nova concepo de jornalismo, mais comercial, mais moldado na concorrncia e mais pro-fissional. No entanto, a partir dos anos 60-70 que se pode falar de indstria cultu-ral no Brasil . Apesar do desenvolvimento tecnolgico e da mentalidade empresarial que se instala, o jornalismo passar por um longo perodo de censura e represso durante os anos em que o pas vive sob o regime militar, a partir do golpe de Estado em maro de 1964. Jornalistas so perse-guidos, presos e at mortos nos pores da ditadura.

    A partir do final dos anos 1980 , pas-sando pelos 1990 at a chegada dos anos 2000, podemos dizer que o jornalismo vive talvez o seu melhor momento em termos de liberdade de expresso. Sem a censura explcita, no entanto, os jornais e os jorna-listas so atualmente submetidos a outros imperativos: desafios tecnolgicos, concen-trao de grupos de mdia que dominam o mercado, concorrncia acirrada entre as diversas mdias, endividamento das empresas que foram obrigadas a investir

    para se modernizar, exploso de faculda-des de comunicao, mo de obra profissio-nal abundante (o que desequilibra a lei de oferta e demanda do mercado), e precari-dade das condies de trabalho segundo as leis trabalhistas, entre outros.

    O desenvolvimento das novas tecnolo-gias de comunicao e a mundializao do mercado da informao alteraram de tal forma o modo de produo das notcias que ainda no temos condies de ava-liar com clareza a nova paisagem midi-tica. Mas temos condies de afirmar, por intuio e pelas evidncias da realidade, que um fenmeno de mutao do jorna-lismo e do jornalista est em curso. Que contornos, que relevo, que densidade tem o jornalismo hoje no Brasil? Quem so os novos jornalistas?

    A comunicao e a informao em campos distintosOs campos da comunicao e da infor-

    mao so vistos, de um ponto de vista europeu, como duas esferas distintas. O primeiro se situa num contexto de comu-nicao social, enquanto o segundo pode-ria ser generalizado no contexto do jorna-lismo. Ou seja, na produo e distribuio de notcias no campo das mdias. Recente-mente, alguns pesquisadores brasileiros, como Ciro Marcondes Filho no seu livro A saga dos ces perdidos5, apontam para uma interpretao de afastamento dos dois campos como se eles fossem duas re-alidades dicotmicas.

    Na referida obra, Marcondes Filho, se-guindo uma tradio francesa na rea da sociologia da imprensa, apresenta um quadro no qual compara como os campos da comunicao e da informao enca-ram o que notcia. Para o autor, quan-to origem, no campo da comunicao o

    5MARCONDES FILHO, Ciro. A saga dos ces perdidos. So

    Paulo, Hacker-Editores, 2000, col. Comunicao & Jornalismo.

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    jornalista recebe gratuitamente a notcia enquanto que no campo da informao, o jornalista tem de buscar a notcia, ela lhe custa trabalho. Quanto concepo de jornalismo, por exemplo, o autor con-sidera que, do ponto de vista da Comu-nicao, jornalismo uma forma de (se fazer) publicidade disfarada, enquanto que, do ponto de vista da informao, Jornalismo acima de tudo denncia e desmascaramento de escndalos, nego-ciatas, imoralidades pblicas. Ou seja, o verdadeiro jornalismo aquele que in-vestiga e denuncia, que aponta os males da sociedade, que cobra justia.

    No Brasil, os dois campos se confun-dem. Jornalismo e comunicao funcio-nam quase como sinnimos e os prota-gonistas destes cenrios atuam ora num campo ora noutro. Mas todos se auto-definem como jornalistas uma vez que a profisso determinada pelo diploma obtido nas faculdades de Comunicao, Habilitao Jornalismo, registrado no Ministrio do Trabalho e exigido pelas empresas para o exerccio profissional. Mas nos ltimos anos, por uma srie de razes, o campo do jornalismo propria-mente dito vem encolhendo em detri-mento do campo da comunicao (leia-se assessorias de comunicao, de empresas privadas ou instituies pblica).

    O pesquisador francs Erik Neveu debruou-se sobre a questo das trans-formaes no jornalismo nos ltimos 25 anos. Sua inteno declarada na obra Sociologia do Jornalismo (2001) ofe-recer uma contribuio que possa ser usada por pesquisadores e jornalistas que desejam avanar nos jornalismos nacionais. Para ele, a conseqncia pos-svel de um jornalismo de mercado nada mais que a dissoluo da profisso

    jornalstica em um amplo amlgama de profisses na rea de comunicao, ilus-trado pelo neologismo americano media-worker. Os ndices de tal evoluo so perceptveis no desaparecimento crescen-te das fronteiras entre profisses ligadas produo da notcias. A informatizao das redaes contribuiu para que os jor-nalistas assumissem tarefas antes re-servadas a tcnicos. A emergncia de um jornalismo sentado (trabalho limitado ao tratamento de notcias de agncias e releases distribudos pelas assessorias de imprensa), o uso do fax, do telefone e da internet, sem precisar sair da reda-o, segundo Neveu, foi determinante para reduzir a autonomia dos jornalistas diante das fontes. Diluem-se as frontei-ras clssicas entre as funes de fonte e redator, criando um novo conceito de for-necedor de notcias, ou seja, surge aquilo que Francisco SantAnna chama de m-dias das fontes. O desenvolvimento de uma imprensa institucional (empresas, administraes, rgos pblicos, minist-rios, etc) tem provocado debates sobre a identidade profissional do jornalista.

    Segundo os pesquisadores canadenses Charon e Bonville (1996) estamos diante de um fenmeno de emergncia de uma nova gerao de jornalistas de comuni-cao. Ele surge das lgicas comerciais e de uma hiperconcorrncia entre publi-caes, suportes e mensagens. Este novo profissional no lida necessariamente com a notcia quente, mas com mat-rias requentadas, informaes-servio , conselhos de auto-ajuda. No h com-promisso com os fatos. Este jornalista apenas um intermedirio, conselheiro a servio dos mais diversos pblicos. No estamos aqui falando de reportagem ou de jornalismo investigativo.

    ...o verdadeiro jornalismo aquele

    que investiga e denuncia, que

    aponta os males da sociedade, que cobra

    justia.

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    Mutaes no jornalismoO mercado de trabalho nas assessorias

    de comunicao o que mais cresce no Brasil. O setor da comunicao ins-titucio-nal representa hoje mais de 40% do merca-do do jornalismo, estimado em 60 mil jor-nalistas com registro profissional6. Apenas na Cmara e no Senado trabalham mais de 200 jornalistas. Sem contar os profissio-nais de publicidade e relaes pblicas que trabalham para a Secretaria de Comuni-cao dos rgos (SECOM) e que, de certa forma, tm impacto na produo das pau-tas assimiladas pelas mdias.

    Segundo SantAnna (2004) difcil iden-tificar o que causa e o que conseqn-cia deste processo. A histria aponta que os veculos reduziram suas equipes, elimina-ram coberturas jornalsticas setorizadas, dispensaram os profissionais especializa-dos em temas considerados pelo novo pa-radigma mercadolgico da imprensa como de segunda importncia e passaram a atuar nestas reas quase que apenas com os informes institucionais. Desta forma, o noticirio de determinados setores passou a ser assegurado quase que integralmente pelas prprias fontes. No incio do ltimo quarto do sculo XX, embora embrionria, no Brasil a comunicao social j exercia um peso importante nas rotinas jornalsti-cas.

    SantAnna afirma que diversos fatores distintos contriburam para que nos anos 1980 o Brasil vivenciasse uma grande mi-grao de jornalistas atuantes para o cam-po das assessorias de imprensa. Ele cita os primeiros anos de aplicao do Decreto no 83.284/79 que classificava como jornalsti-cas uma srie de atividades, independente do seu local de desempenho. E determina-va que mesmo nos rgos pblicos, onde eram executadas tais funes (assessorias

    de imprensa e coordenaes de comunica-o social), a regulamentao profissional do jornalista deveria ser respeitada. De outro lado, a imprensa escrita brasileira vivenciava grave crise econmica e acele-rada introduo de modernas tecnologias que exigiam quantidades menores de mo-de-obra. A reduo de jornalistas cobrindo o cotidiano, aguou o interesse de diversas instituies em garantir seus espaos na mdia.

    Assim,vrios profissionais especializados viram-se, repentinamente, em um novo ter-ritrio: o espao, do outro lado do microfone, do outro lado das lentes das objetivas. Em 1986, as estruturas de comunicao insti-tucional respondiam pela contratao de contingentes equivalentes ao total de Jor-nalistas trabalhando para todas as rdios, TVs, jornais e revistas do pas. Cerca de dez mil profissionais de cada lado do balco, alguns dos dois lados, simultaneamente. (SantAnna, 2004: XXX).

    SantAnna diz ainda que corporao de jornalista (organizao sindical e seus as-sociados) no se ops a idia de que o cam-po das assessorias de imprensa era dotado de funes jornalsticas e por isso deveria ser exercido exclusivamente por aqueles que fossem detentores de registro profis-sional. Ele conta que no houve tambm significativa reao empresarial quanto a isto, mas esta posio gerou uma fissura nas relaes jornalistas e relaes pbli-cas. Resultado deste embate que os jor-nalistas ampliaram seu territrio e os pro-fissionais de Relaes Pblicas recuaram as linhas de suas fronteiras.

    Nas rotinas produtivas do jornalismo em Braslia onde se observa a maior con-centrao de jornalistas per capita do Bra-

    6Dados do Sindicato de Jornalistas Profissionais do Distrito Federal em

    2000.

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    sil (6500 jornalistas para uma populao de dois milhes de habitantes, ou seja, um jornalista para cada 350 habitantes7) ficam evidentes as influncias das fontes oficiais na construo da notcia. poss-vel interpretar as rotinas produtivas do jornalismo a partir do conceito de mdias das fontes8. Ou seja, como os rgos insti-tucionais dos Trs Poderes interferem (ou tentam interferir) na pauta das mdias convencionais para influenciar o agenda-setting. Chamamos de mdias convencio-nais aquelas de carter comercial, tradi-cionais veculos de empresas e redes de comunicao instaladas no mercado para distinguir de mdia das fontes. As institui-es criaram seus prprios servios de co-municao para falar com jornais, rdio, televiso, internet.

    De acordo com SantAnna, a imprensa tradicionalmente vista como um espec-tador externo aos fatos comea a perder a totalidade do domnio da cena informa-tiva e a opinio pblica passa a contar com informaes coletadas, selecionadas, tratadas editorialmente e difundidas por entidades ou movimentos sociais. Ou seja, corporaes que possuem interesses cor-porativos. Para o pesquisador, essa mdia tambm poderia se chamar mdia corpo-rativa.

    Neste contexto, alteram-se as relaes dos atores nas rotinas produtivas do jor-nalismo que passam a atuar no limite das fronteiras hbridas dos campos e ter-ritrios: jornalista/assessor de imprensa e jornalista/funcionrio pblico, junto s esferas miditicas governamentais (Pode-res Executivo, Legislativo e Judicirio). Trata-se de observar a roupa nova do jor-nalista como ator profissional cuja identi-dade parece menos estratificada e estvel que no passado, atravs de produtos cujos

    cdigos esto mais turvos, mais movedios e sem contornos definidos.

    Na construo conceitual pedimos em-prestada a noo de campo de Bourdieu9 para analisar as interferncias e hibridiza-o verificada no campo do jornalismo que nos parece minado de interferncias es-tranhas. As empresas jornalsticas perde-ram o monoplio da produo de notcias. As fontes criaram suas prprias mdias e tentam interferir nas pautas da mdia con-vencional. E quando estas fontes jorram do poder poltico estruturado que gover-na o pas, os gneros se embaralham, as funes se subvertem, os desafios e jogos de interesse tornam-se opacos e indistin-guveis para a sociedade. No est claro a quem pertence o capital simblico dos diferentes campos em atuao. Se para Bourdieu o capital simblico superior aos demais por dar sentido ao mundo e transi-tar por todos os campos, a quem pertence o poder de fazer crer? s mdias das fontes ou aos jornalistas da mdia convencional? E se o poder de fazer crer do jornalismo est diludo em diferentes formas de ativi-dades, do reprter de agncia ao assessor de imprensa, do jornalista de setor ao jor-nalista/funcionrio aprovado em concurso pblico que trabalha para o Estado, em quem acreditar?

    O poder de fazer crer est ligado imagem de credibilidade do jornalismo. E este seria ainda o capital maior do cam-po do jornalismo. Aparentemente todos os segmentos dos jornalismos praticados na esfera do poder ou das empresas privadas reivindicam a credibilidade mas ser que todos tm legitimidade para isso? Embo-ra a Cmara e o Senado empreguem mais de 200 jornalistas, oficialmente eles no recebem e denominao de jornalistas. Segundo o Departamento de Pessoal eles

    7 quase impossvel informar com exatido quantos jornalistas esto em efetivo funcionamento. Pelos nmeros do Sindicato de Jornalistas, em 25/03/04 foram emitidos no Distrito Federal 3.500 registros para jornalista profissional (registro plenipotencirio); 476 para jornalista reprter-fotogrfico; 241 para jornalista reprter-cinematogrfico; 224 para jornalistas diagramadores e 80 para jornalistas ilustradores. Totalizando 4.521 registros emitidos no DF. Pelos menos uns 2 mil a 2,5 mil profissionais com registro de fora esto no DF. O que d um total de 6.500 jornalistas registrados. Calcula-se que o elevado nmero de jornalistas que passam a atuar no mercado sem qualquer vnculo com o sindicato: free-lancer, cooperativa, pessoa jurdica etc. Metade da categoria trabalha para o setor extra-redao.

    8Termo cunhado pelo pesquisador Francisco SantAnna que realiza tese de doutorado sob a orientao de Denis Ruellan (Rennes 1, Frana) e da autora deste trabalho.

    9Segundo Bourdieu com a noo de campo obtm-se o meio de apreender a particularidade na generalidade, a generalidade na particularidade.

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    so analistas legislativos em comunica-o social.

    O campo jornalstico importante no mundo social porque detm um monop-lio real sobre os instrumentos de produo e de difuso em grande escala dos acon-tecimentos suscetveis de influenciar os demais campos. O campo do jornalismo um universo estruturado sobre oposies que so ao mesmo tempo objetivas e sub-jetivas, cada jornal e cada jornalista ocupa um lugar numa rede de estratgias.

    No caso brasileiro, o campo do jorna-lismo institucionalizado e legitimado atravs de enquadramentos jurdicos (le-gislao trabalhista sobre o exerccio do jornalismo, diploma universitrio, lutas sindicais) e de regras pragmticas, fruto das convenes estabelecidas nas rotinas produtivas. Em Braslia, onde um univer-so rico de centenas de profissionais de alto nvel, confundidos em diversas categorias que se enlaam e se cruzam em fronteiras tnues na malha da produo jornalstica diria, podemos afirmar que eles parti-lham o mesmo campo.

    O campo poltico se insinua no campo do jornalismo particularmente pelo poder das instncias governamentais que tem o monoplio da informao legtima (fontes oficiais). Vencio Lima (1993:15) parte da hiptese que existe uma particularidade na prtica do jornalismo no Distrito Fede-ral (DF), que tem rotinas e subculturas prprias e um jornalismo que ele chama de oficial conseqncia do fato singular de Braslia sediar os trs poderes da Rep-blica e de no ter tido representao pol-tica prpria at a Constituio de 1988. O jornalismo de Braslia nasce com a cidade que, por sua vez nasce com a transferncia da capital federal do Rio de Janeiro.

    Conforme Vencio Lima, a concentrao

    de jornalistas nas capitais, sede da buro-cracia governamental, refora a tendncia geral, tanto profissional como adminis-trativa do jornalismo, de se privilegiar as fontes institucionais e estveis, isto , as fontes oficiais. No Brasil esta tendncia foi ainda mais reforada durante os 21 anos de regime militar, pois a centralizao do poder e a censura direta ou indireta no deixavam alternativa para os jornalistas.

    A transio e a hibridaoA migrao de jornalistas para o setor

    das assessorias e a atrao pelos concur-sos pblicos pode ser explicada, em parte, pela crise das empresas, quase todas endi-vidadas e pela precariedade das condies de trabalho oferecidas nas redaes.

    Diante de jornadas produtivas que se es-tendem at 12 horas, do achatamento dos salrios, das falta de contratos estveis com carteira assinada (as empresas esto preferindo contratar pessoas jurdicas em vez de pessoas fsicas) os jornalistas pro-fissionais, dos jovens recm formados aos veteranos cansados, todos correm para as funes pblicas. Neste momento de tran-sio e migrao, torna-se necessria uma investigao no campo acadmico sobre os tangenciamentos que atingem o jorna-lismo enquanto profisso historicamente construda em conseqncia das transfor-maes que vm se produzindo no campo do jornalismo e que vm afetando o status e a identidade do jornalista.

    O novo jornalista um profissional h-brido com perfil de camaleo, ora identifi-cado com as rotinas da redao, ora como assessor de imprensa, ora como jornalista/funcionrio. Tambm pode estar produ-zindo contedos para um site na inter-net, numa empresa privada, numa ONG ou atuando no contexto da advocacia de

    O campo jornalstico importante no

    mundo social porque detm um

    monoplio real sobre os instrumentos de produo e de difuso em

    grande escala dos acontecimentos suscetveis de

    influenciar os demais campos.

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    causas pblicas e/ou scio-humanitrias.Talvez nem exera mais funes tpicas

    do jornalismo (cobertura, redao, edio e editorao), mas tenha-se tornado um pro-fissional de alto nvel e bem remunerado, cuja especialidade a de ser um articula-dor junto imprensa.

    Deixando de lado as inmeras definies de jornalismo consagradas, vamos simpli-ficar e dizer que jornalismo investigativo e produz notcias para o pblico consumi-dor dos veculos comerciais enquanto que o assessor de imprensa produz pautas, na forma de press releases ou no, decorren-tes de uma atividade muito complexa mas pode ser resumida como um trabalho que consiste em ajudar o cliente a discernir o que notcia ou no e a se relacionar com a imprensa.

    Segundo Barbara Hartz10, vem da boa parte da confuso. A tradio cultural ad-vinda da formao e alimentada pela con-tinuidade da convivncia no meio traduz-se, em alguns casos, em um orgulho de pertencer categoria. Em outros, a origem pode servir como barganha para valorizar-se junto ao cliente. E, talvez em alguns, as duas hipteses estejam misturadas. Fora o subjetivismo, ela acredita que os sindi-catos de jornalistas aumentam a confuso ao querer manter entre seus associados os dois tipos de profissionais.

    Mas devemos a Philip Schlesinger (1992) o questionamento da idia do midiacen-trismo dos estudos centralizados sobre viso do jornalista como nico protagonis-ta ativo da produo de informaes. Sch-lesinger convida a refletir sobre a profis-sionalizao das fontes e a capacidade des-tas em desenvolver uma racionalidade es-tratgica baseada sobre a antecipao das rotinas e das prticas jornalsticas para fornecer material pronto-a-publicar.

    SantAnna acredita que a atual situao pode ser explicada pelo critrio de muta-o social, uma transformao de perfis e espaos profissionais provocadas por con-junturas scio-econmicas e culturais.

    Esta mutao, segundo SantAnna, deve ser apreciada a partir do conceito de fron-teiras, importado por Ruellan da Geografia e aplicado na anlise do processo de ocu-pao agrcola e urbana na Amaznia bra-sileira. Num espao profissional saturado, seja normal que os profissionais afetados procurassem terras virgens e expandissem o territrio de suas fronteiras ocupacio-nais. A fronteira, explica o autor, no um limite formal de um territrio de um gru-po social, mas sim um espao novo a ser ocupado e conquistado. O nascimento de uma profisso e seu reconhecimento pela coletividade deve-se, em primeiro lugar, sua capacidade de definir um territrio (Ruellan,1997:68)11.

    O caso de um mitoA forte rejeio idia da criao do Con-

    selho Federal de Jornalismo recentemente proposto pela FENAJ revela a opo pelo jornalismo de mercado contra o jornalis-mo de responsabilidade social. Por isso os mais veementes inimigos do projeto se en-contram entre os punhos rendados da pro-fisso12, jornalistas consagrados que no necessitam mais das instncias ou entida-des de classe para regular as prticas de uma profisso que tem a aparncia de uma profisso liberal. Apenas a aparncia por-que na verdade os jornalistas no passam de assalariados. Conforme Neveu (2000), o jornalista no um profissional liberal da informao ou um escritor da atualida-de. O jornalista s pode ser compreendido dentro de uma organizao profissional luz da sociologia do trabalho.

    10Jornalista e diretora da Hartz artigo Comunicao Corporativa publicado no site do Observatrio da Imprensa em 2/07/2003. www.observatoriodaimprensa.org.br

    11Expresso utilizada pelo professor Luis Martins, da UnB, em debate na Universidade para se referir aos jornalistas com os mais altos salrios na profisso, que, coincidentemente se opuseram criao do Conselho.

    12Expresso utilizada pelo professor Luis Martins, da UnB, em debate na Universidade para se referir aos jornalistas com os mais altos salrios na profisso, que, coincidentemente se opuseram criao do Conselho.

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    ADGHIRNI, Zlia Leal. Informao online: jornalista ou produtor de contedos? Anais do XXIV Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao. Campo Grande, 2000.AGUINAGA, Enrique. Essncia do Periodismo: la Periodificacin. Universidade Complutense de Madrid, 1988. In: SOUSA, Jorge Pedro. As Notcias. Universidade Fernando Pessoa: Porto, 1994. BERGER, Christa. Campos em Confronto : a terra e o texto. Porto Alegre: Editora da Universidade, 1998.BOURDIEU, Pierre. Sobre a televiso. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.______. O campo cientfico. In: ORTIZ, Renato. Pierre Bourdieu. So Paulo: tica,1983.LACAN, Jean-Franois; PALMER, Michael; RUELLAN, Denis. Les Journalistes. Paris: Syros, 1994.LIMA, Vencio. A Imprensa em Braslia. In Jornalismo de Braslia, Impresses e Vivncias. Sindicato dos Jornalistas do DF, Braslia, 1993.MARCONDES FILHO, Ciro. A saga dos ces perdidos. So Paulo: Hacke, 2000.NEVEU, Erik. Sociologie du Journalisme. Paris: Ed. La Dcouverte, 2001.RAMONET Ignacio. La Tyrannie de la Communication. Paris: Galile, 1999. RIBEIRO, Lavina Madeira. Imprensa e Espao Pblico- a institucionalizao da imprensa no

    Para Bourdieu (1997:30) o jornalista uma entidade abstrata que no existe; o que existe so jornalistas diferentes se-gundo o sexo, a idade, o nvel de instruo, o jornal o meio de informao. Ele v o mundo dos jornalistas dividido em confli-tos, concorrncias, hostilidades. Um mun-do hierarquizado. No topo da pirmide es-to aqueles que aderiram ao novo sistema empresarial. Profissionais maduros que ocupam altos cargos de chefias ou jovens recm-formados selecionados para os pro-gramas de treinamento interno das gran-des empresas de mdia. Na base, os ces perdidos de quem fala Ciro Marcondes Fi-lho. Outros, por razes que j explicamos, optaram pelo jornalismo de comunicao praticado pelas mdias das fontes ou pelas assessorias de imprensa pblicas ou priva-das. A verdade que a roupa de Super-Ho-mem no serve mais no jornalista de hoje. Ele prefere vestir a fantasia da circunstn-cia que lhe permite subir na vida profissio-nal ou simplesmente sobreviver diante do desafio das rotinas produtivas infernais s quais est submetido dentro de um mercado desconfigurado pelas tecnologias e pela legislao trabalhista. Em resumo, como os guerrilheiros de Fernando Gabei-ra, os jornalistas esto cansados.

    Bibliografia

    A autora jornalista, professora na Uni-versidade de Braslia desde 1993 (atual-mente, chefe do Departamento de Jorna-lismo), pesquisadora do CNPq, membro-fundadora da SBPJor e ex-coordenadora do GT de Jornalismo na Comps. doutora em Cincias da Informao e Comunicao pela Universidade Stendhal , Grenoble, Frana e ps- doutora pela Universidade de Rennes 1. Foi reprter e correspondente em vrios jornais no Brasil e no exterior.

    Zlia Leal Adghirni

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    Brasil, 1808-1964. Rio de Janeiro: E-papers, 2004.RUELLAN, Denis. Le professionnalisme du flou identit et savoire-faire des journalistes franais. Grenoble: PUG, 1993.SANTANNA Francisco.Textos de tese em andamento sobre Jornalismo das Fontes, sob co-orientao de Zlia Leal Adghirni. Universidade de Rennes l, Frana. Orientador principal: Denis

    Ruellan.SCHLEISINGER, Philip. Repenser la sociologie du journalisme. Les stratgies de la source dinformation et les limites du mdiacentrisme Rseaux n 51, 1992, p.75-99.UTARD,Jean Michel. O embaralhamento nos gneros miditicos. Gnero de discurso como conceito interdisciplinar para o estudo das transformaes da informao miditica. In