ARTIGO UMA ANÁLISE BAKHTINIANA

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UMA ANÁLISE BAKHTINIANA: DE QUE FORMA A DISCIPLINA DE LÍNGUA PORTUGUESA PODE CONTRIBUIR PARA A FORMAÇÃO IDEOLÓGICA DO ALUNO DE ENSINO FUNDAMENTAL A PARTIR DOS DIRECIONAMENTOS DOS PCNs

CAROLINA CORREIA MACHADO

RESUMO

No presente artigo toma-se como ponto de partida os preceitos do filósofo da linguagem Mickail Bakhtin para a elaboração de uma análise, em que se pretende comparar os conceitos bakhtinianos de signo, palavra e enunciado para refletir de que forma acontece a veiculação de ideologias vigentes através da língua. Como nas aulas de Língua Portuguesa estas informações chegam aos alunos e como eles podem identificá-las, interpretá-las e se posicionar diante delas. O intuito deste texto é levar o leitor à reflexão sobre o ensino de Língua Portuguesa e como esta disciplina pode ser usada para formar cidadãos conscientes de que forma ler e escrever para se posicionar no mundo e diante dele.

PALAVRAS CHAVE: Bakhtin, enunciação, ideologia, ensino.

INTRODUÇÃO

No presente artigo tem-se o interesse de analisar a contribuição à formação

ideológica do aluno da disciplina de língua portuguesa na escola. Seguindo uma linha

metodológica de análise bibliográfica a partir de Bakhtin, a intenção é de nos situar

diante da importância que a disciplina de Língua Portuguesa tem e que merece ser

analisada mais profundamente, já que é a partir dela que o aluno terá contato com a

escrita, a leitura, o desenvolvimento da oralidade e com a variabilidade e extensão da

língua como instrumento de formação de opinião.

Diante disso, o artigo apresenta as teses de Mikhail Bakhtin para o estudo do

signo e das ideologias e como a partir da língua são construídos conceitos políticos e

sociais. Seguindo deste teórico vamos comparar com o que os Parâmetros Curriculares

Nacionais apontam para o que pode ser trabalhado em sala de aula e de que forma.

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BAKHTIN E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Para se poder verificar onde estão empregadas as ideologias no ensino da

língua, partiremos do conceito do que é signo e de como as palavras constroem o

enunciado.

De acordo com Bakhtin citado pela professora Marina Yaguello na

introdução do livro “Marxismo e Filosofia da Linguagem”, “todo signo é ideológico; a

ideologia é reflexo das estruturas sociais; assim, toda modificação da ideologia é um

reflexo das estruturas sociais.” Mas o que é signo para Bakhtin? Como ele é formado?

Para explicar, Bakhtin parte da Teoria do Signo de Saussure, o primeiro estudioso a

pesquisar a língua independentemente de outras ciências. De acordo com Saussure signo

é a união que proporciona que uma palavra ou símbolo tenha significado e significante,

como uma moeda com suas duas faces, em uma situação em que uma parte não existe

sem a outra. Para explicar melhor: a palavra seria formada pelo seu significado no

mundo, sua função, seu uso. Por exemplo: quando se pensa ou se pronuncia a palavra

“carro” vem à nossa mente imediatamente a imagem de um veículo e o que este objeto é

de fato. Já o significante, a segunda face da moeda, é a sua forma escrita e “falada”

arbitrariamente. Por exemplo: usando a mesma palavra carro, a escrevemos desta forma:

c-a-r-r-o e é este seu uso convencionado socialmente, se alguém vê um carro e o chama

de caneta, estará infringindo o uso veiculado socialmente desta palavra, ou seja, do

signo. Desta forma uma pessoa falante de português não compreenderá que o locutor

está falando de um carro, dizendo caneta, que tem outro significado.

Bakhtin para demonstrar como, de acordo com sua visão, o signo é

composto, divide em tema e forma, indicando que o tema seria o significado (como para

Saussure) e a forma seria como o significante.

Ainda de acordo com Saussure, um signo não precisa ter um significado tão

direto, como “carro” ou “caneta”, existem vários símbolos que carregam um significado

e um significante. Exemplificando: quando trafegamos em uma rodovia e observamos

uma cruz fincada à beira da estrada, sabemos que isto significa que alguém faleceu ali

em algum acidente. Ou quando vemos uma placa de trânsito em que está escrito uma

letra “E” maiúscula com um risco ao meio, sabemos que naquele local é proibido

estacionar.

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Para Bakhtin, naquela placa de trânsito, o indivíduo saber que o significado

dela é informar que ali é um local onde não se pode estacionar, seria o tema daquele

signo e a letra “E”, com um risco ao meio “E” seria a forma.

Agora que sabemos o que é um signo de acordo com estes autores, podemos

então começar a desvendar seu uso ideológico.

Yaguello afirma que de acordo com Bakhtin, “todo signo é ideológico”,

como citado no início do texto. De acordo com esta perspectiva compreendemos que é

através dos signos que recebemos informações, que lemos, falamos, ouvimos,

dialogamos, e temos contato com o mundo e as pessoas ao nosso redor. Bakhtin declara

que “cada signo ideológico é não apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas

também um fragmento material dessa realidade.” O que ele quis dizer com “fragmento

material desta realidade”? Quando lemos algum texto ou uma pequena propaganda de

algum produto qualquer, estamos tendo contato direto e real com aquelas palavras

registradas ali e que querem nos transmitir alguma mensagem. A mesma coisa acontece

quando conversamos com alguém ou ouvimos uma música, estamos tendo contato com

algo dito, com alguma posição tomada com relação a algum assunto, nós ouvimos e

compreendemos o que aquela pessoa quis dizer.

Neste momento entrando na área proposta que é a da ideologia, vale à pena

citar novamente Bakhtin, no que ele se refere no uso das palavras. “As palavras são

tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as

relações sociais em todos os domínios.” Portanto, é através das palavras que idéias,

pensamentos, posicionamentos políticos nos são ensinados na escola.

Por que as aulas de Língua Portuguesa são tão importantes? Pois é através

desta disciplina, que os alunos terão contato com o estudo da língua e com textos, que

conterão palavras e com estas palavras lhes serão expostas várias formas de ver o

mundo e de escrever sobre ele. Ou seja, o aluno dialoga com estes textos, os lê e elabora

sobre estes suas conclusões.

Bakhtin esclarece que “a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou

de um sentido ideológico ou vivencial.” Ou seja, toda palavra representa uma ideia, quer

transmitir uma ideia. E o conjunto das palavras juntas, ordenadas em um texto, por

exemplo, produz uma enunciação, algo enunciado do locutor para outro, o interlocutor.

A enunciação é sempre dirigida para o interlocutor, o indivíduo que terá contato com

aquilo que foi enunciado.

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Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) documento com textos

redigidos por professores com o objetivo de “orientar professores e educadores no

sentido de passarem para o cotidiano escolar as diretrizes da educação para a cidadania.

[...] os PCNs devem possibilitar uma visão ampla e integrada do ensino fundamental

como sementeira da democracia futura.”

Nesta pequena introdução percebemos a importância atribuída ao ensino de

Língua Portuguesa para a manutenção da democracia em nosso país e é através do

ensino de habilidades comunicativas ao cidadão que vive nesta democracia, que a língua

servirá de instrumento para os brasileiros poderem exercer sua cidadania, como um

“consumidor, eleitor, litigante, fiscal,” (PCNs 2003) entre vários outros papéis.

Os PCNs ainda “apresentam reflexões e atividades voltadas para o valor

social da língua, do ensino e da aprendizagem da língua materna.” Desta maneira

constata-se o grande papel ideológico do professor, pois ele contribui ativamente para a

formação de opinião dos alunos. De uma geração que cresce agora na democracia e

precisa se desenvolver criticamente e socialmente.

Toda a enxurrada de informações que invade nossas vidas diariamente

precisa ser compreendida e analisada. Para isso o cidadão em formação no ensino

fundamental tem a necessidade de saber ler identificando as subjetividades, os

elementos utilizados para lhe vender, para lhe convencer, para lhe informar sobre algo.

Estes elementos são sutis, por isso é imprescindível que o aluno consiga destacar estes

elementos de um texto enunciado e decodificá-los. Da mesma forma, é importante saber

escrever, se posicionar diante da sociedade e das ideologias veiculadas por meio da

língua. É na escrita que será possível se defender e/ou criticar algo na sociedade ou na

comunidade em que ele vive, pois ela é o registro, ficam no papel todas as reflexões e

ponderações sobre qualquer coisa que se escreva.

Por isso é tão importante formar um bom leitor, para se ter um bom escritor.

Como se afirma nos PCNs “é por intermédio da linguagem que os indivíduos interagem

com o mundo, adquirindo a postura de agentes de mobilização para a coletividade.”

Mediante tal afirmação é que reiteramos a importância do desenvolvimento de uma

capacidade comunicativa ampla do aluno para que através da língua ela saiba como

comunicar ideias e saiba ler as ideias transmitidas a ela.

Esclarecendo mais o que se discute neste artigo, Vigotski afirma que: “O

sentido exige uma compreensão ativa, mais complexa, em que o ouvinte, além de

codificar, relaciona o que está sendo dito com o que ele está presumindo e prepara uma

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resposta ao enunciado.” Não basta ensinar a ler e a escrever, o aluno para se tornar

cidadão necessitará compreender o sentido das coisas enunciadas a ele. A partir do

momento em que ele compreende o sentido, o motivo, o porquê daquele enunciado, com

o qual naquele momento ele tem contato, a partir daí ele pode elaborar uma resposta.

Esta resposta seria concordando ou não com aquele pensamento, desmentindo ou

aprovando aquela “verdade”.

Para finalizar, Todorov, citado por Freitas (1996) atesta que “o enunciado se

relaciona com a realidade, reportando-se a outros enunciados reais, previamente

produzidos.” Ou seja, que todas as ideologias, políticas, culturas que dirigem nossa vida

e nossos pensamentos são partes de enunciados de ideologias vigentes, e quando o aluno

consegue escrever destacando seus pontos de vista e os fundamentando, ele passa a

produzir enunciados também, enunciados com aspectos que os farão atingir outros

interlocutores como eles foram atingidos. É uma cadeia infinita em que as formas de se

fazer “ouvir” estarão cada vez mais sofisticadas e direcionadas.

Não se tenciona a partir deste artigo inspirar uma educação para grandes

pensadores e grandes escritores, mas se pretende refletir sobre a importância da

formação de um senso crítico no cidadão comum; com esta sensibilidade aguçada são

obtidas as condições para perceber as nuances e as sutilezas dos discursos que por meio

da língua chegam até nós. Desta forma teríamos melhores condições de dialogar

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mickail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo:

Hucitec, 1997.

FREITAS, Maria Teresa de Assunção. Bakhtin e Vigostki: Pscologia e

Educação - um intertexto. São Paulo: Ática, 1996.

BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa. São

Paulo, 2003.

SAUSSURE, Ferdinand. Curso Geral de Linguística. São Paulo: Cultrix,

1996

VIGOTSKI, Levi. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes,

1996.

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