Artigo Pós UTFPR Corrigido 6-11-2014

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AS POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS DE FOZ DO IGUAÇU E SEUS IMPACTOS NA ÁREA URBANA 1 Fabio Rodrigo Malikoski de Souza Arquiteto e Urbanista [email protected] RESUMO: O artigo tem por objetivo analisar as políticas públicas, mais especificamente o Plano Diretor do Município de Foz do Iguaçu, e suas implicações de ordem administrativa e territorial dentro do perímetro urbano. Dada a complexidade dos temas envolvidos, vê-se a importância da avaliação multi-temática e integrada no planejamento urbano, as consequências dessas políticas públicas praticadas no município. Se tratando de questionamentos teóricos, o tema abarca um vasto universo de interesses e conflitos sociais no espaço urbano, cabe buscar entender as consequências socioambientais, apresentando problemas urbanos mais relacionados com o abuso e o poder sobre o recurso da terra como capital e mercadoria, além de entender o plano diretor municipal e seu fracasso. Por meio de estudo documental, e bibliográfico, e dentro do arcabouço das leis municipais específicas de gestão do solo urbano e a realidade dos conflitos sociais na cidade, suas implicações, entender a relevância dos instrumentos e sua elaboração, frente à sua pretensão dentro daquilo que se preconizou na constituição federal de 1988, artigos 182 e 183, e ainda apontar os efeitos de suas possíveis falhas na qualidade ambiental da cidade. Cabe, ao fim, propor uma dialética entre a técnica diretiva e ações efetivas do poder municipal, de forma institucional com participação social, conduzindo a um caminho que leve ao desenvolvimento social. Palavras-chave: políticas públicas, poder e abuso do solo, plano diretor municipal, Foz do Iguaçu. 1. INTRODUÇÃO Quando temas como Habitação de Interesse Social e a Conservação dos Recursos Hídricos são abordados, é comum que estas duas áreas de preocupação das políticas públicas estejam mais permeadas que justapostas, pois, geralmente, são nessas Áreas de Preservação Permanente (doravante APP) dos corpos hídricos 1 Este artigo foi apresentado no II Seminário Internacional dos Espaços de Fronteira, (II GEOFRONTEIRAS): Diferenciações e Interconexões que ocorreu nos dias 23, 24 e 25 de Setembro de 2013 na Universidad Nacional de Misiones UNAM, Argentina. Com as contribuições Professor Pós-Doutor Mauro José Ferreira Cury, do programa de mestrado em Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE.

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AS POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS DE FOZ DO IGUAÇU E SEUS

IMPACTOS NA ÁREA URBANA1

Fabio Rodrigo Malikoski de Souza

Arquiteto e Urbanista

[email protected]

RESUMO: O artigo tem por objetivo analisar as políticas públicas, mais especificamente o Plano Diretor do Município de Foz do Iguaçu, e suas implicações de ordem administrativa e territorial dentro do perímetro urbano. Dada a complexidade dos temas envolvidos, vê-se a importância da avaliação multi-temática e integrada no planejamento urbano, as consequências dessas políticas públicas praticadas no município. Se tratando de questionamentos teóricos, o tema abarca um vasto universo de interesses e conflitos sociais no espaço urbano, cabe buscar entender as consequências socioambientais, apresentando problemas urbanos mais relacionados com o abuso e o poder sobre o recurso da terra como capital e mercadoria, além de entender o plano diretor municipal e seu fracasso. Por meio de estudo documental, e bibliográfico, e dentro do arcabouço das leis municipais específicas de gestão do solo urbano e a realidade dos conflitos sociais na cidade, suas implicações, entender a relevância dos instrumentos e sua elaboração, frente à sua pretensão dentro daquilo que se preconizou na constituição federal de 1988, artigos 182 e 183, e ainda apontar os efeitos de suas possíveis falhas na qualidade ambiental da cidade. Cabe, ao fim, propor uma dialética entre a técnica diretiva e ações efetivas do poder municipal, de forma institucional com participação social, conduzindo a um caminho que leve ao desenvolvimento social. Palavras-chave: políticas públicas, poder e abuso do solo, plano diretor municipal, Foz do Iguaçu.

1. INTRODUÇÃO

Quando temas como Habitação de Interesse Social e a Conservação dos

Recursos Hídricos são abordados, é comum que estas duas áreas de preocupação

das políticas públicas estejam mais permeadas que justapostas, pois, geralmente,

são nessas Áreas de Preservação Permanente (doravante APP) dos corpos hídricos

1Este artigo foi apresentado no II Seminário Internacional dos Espaços de Fronteira, (II

GEOFRONTEIRAS): Diferenciações e Interconexões que ocorreu nos dias 23, 24 e 25 de Setembro de 2013 na Universidad Nacional de Misiones – UNAM, Argentina. Com as contribuições Professor Pós-Doutor Mauro José Ferreira Cury, do programa de mestrado em Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.

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que a população segregada é compelida a ocupar e criar novos territórios e redes.

Devido à vulnerabilidade tanto dos corpos hídricos como da população mais carente,

se faz necessário um plano de intervenção e de recuperação dessas áreas

degradadas e de promoção de programas habitacionais que privilegie essa camada

social.

Dado a relevância do tema na cidade de Foz do Iguaçu e sua ressonância na

fronteira internacional, é de suma importância analisar quais instrumentos de

ordenação urbana se desenvolvem na cidade, e mecanismos adotados para sua

construção. Para compreender alguns problemas ambientais que se relacionam com

o uso do solo urbano e a conservação ambiental, é importante, principalmente,

conhecer o norte jurídico da política nacional de regulação urbana e confrontá-la

com a realidade do planejamento urbano local, esta, nos parece ser uma

necessidade básica para se criar novas propostas e diretrizes urbanísticas, além de

ajudar a entender as dinâmicas das cidades na fronteira.

Neste sentido, objetiva-se com este artigo, apresentar tal temática num

recorte direcionado aos instrumentos jurídico-administrativos da política pública

urbana voltados à cidade de Foz do Iguaçu, principalmente através de seu

instrumento básico de ordenação urbana, ou seja, a partir de uma análise do Plano

Diretor Municipal, conforme postula a Constituição Federal de 1988; e, do mesmo

modo, pretende-se analisar a gestão pública municipal através da construção deste

documento oficial de organização do espaço urbano, principalmente, no que

corresponde aos impactos na área urbana fronteiriça.

Com a finalidade de melhor desenvolver o objetivo proposto, este trabalho

possui contribuições da Pesquisa Qualitativa (GIL, 2002) e está organizado da

seguinte forma: primeiro discorremos, na fundamentação teórica, sobre a

organização e origem das cidades em nível macro e micro, neste, inserindo a

configuração e contextualização da área urbana da cidade de Foz do Iguaçu - PR;

em seguida, apresentamos alguns documentos oficiais, como a Constituição Federal

de 1988 (Artigos 182 e 183), Lei 10257/2001 do Estatuto das Cidades, NBR

12267/1992 do Plano Diretor Municipal, Lei Complementar 115/2006 e Plano Diretor

Estratégico do Município de São Paulo, Lei Nº 13.430/2002; para então, realizarmos

uma análise crítica desses documentos na construção do Plano Diretor Municipal e

as possíveis implicações de sua formulação na gestão pública municipal; seguem

por último, algumas considerações e reflexões provisórias.

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2. AS CIDADES E A GEOGRAFIA URBANA

Na gênese das primeiras estruturas sociais, onde se esboçavam as primeiras

vilas, ou ajuntamentos, as atividades rurais predominavam e a vida urbana era

quase inexistente. Ao passo que, a produção agrícola gerava um excedente de bens

de consumo humano e animal em uma determinada área, a mão de obra disponível

permitia que outros membros da unidade familiar se dedicassem a atividades

secundárias, especializando-se em novas ocupações que supriam as novas

necessidades, como por exemplo, a de mercadores, de artesões, e também de

guerreiros para defesa dos novos territórios conquistados, bem como a de

sacerdotes para as novas religiões. Esses novos ramos da sociedade ajudaram a

criar uma nova estrutura social muito semelhante daquelas que vemos hoje nas

cidades (BENÉVOLO, 2004).

De acordo com Coulanges (2006), os indivíduos detentores dos meios de

produção formavam a nova classe, que surge simultânea à cidade primitiva. Esta

nova estrutura social também passa a dominar e controlar o crescimento dos

habitantes e a produção; com o surgimento da escrita e de um sistema monetário

que substitui parte significativa do escambo, ou seja, estabelece novas relações

comerciais, ampliando a potencialidade econômica, promovendo a divisão de

classes, e desse modo, essas redes passaram a atrair mais pessoas para dentro

dos núcleos pré-urbanos.

A cidade para Munford Lewis (1960) nasce da necessidade de contato,

comunicação, organização e troca entre homens e mulheres. O autor também

pontua que do conceito de Polis, palavra grega para cidade advinda dos gregos

antigos, decorre a nossa Política primitiva, isto é, a nossa organização social

hierarquizada, assim como termo latino de cidadania, referente à participação ativa

na cidade.

Com o fim da era primitiva da simples agricultura de subsistência e da

manufatura artesanal com pouca expressividade, surge segundo Benévolo (2004),

uma clara divisão de classes, onde quem planta não é mais dono das terras e quem

faz o artesanato e a manufatura não é mais o dono dos meios de produção,

acentua-se uma divisão econômica e política dentro das novas cidades. Distantes

das aldeias pré-históricas, a nova cidade desenha-se como um centro atrativo e

gerador de cultura, conflitos, abusos e exploração, descreve o autor.

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Karl Marx (1999), em co-autoria com Engels no livro O Manifesto Comunista,

discute que desde o surgimento das cidades já se vislumbra uma relação de

expropriação da mão de obra e da produção resultante do trabalho da classe

escrava, pois nas cidades primitivas, era imprescindível que uma classe fosse por

outra explorada. Advém desta nova estrutura social, muitos dos problemas que

ainda no século XX, já eram possíveis de ser observado, como a aglomeração

humana desordenada, o saneamento básico inexistente ou precário, a educação de

má qualidade - quando ela existia -, acesso aos serviços básicos de deveriam

resultar da pesada carga tributária que é submetida toda sociedade desde tempos

arcaicos, entre outros problemas.

A cidade é, antes de tudo, objeto de conceituações variadas entre estudiosos

de diferentes áreas. A complexidade conceitual não se limita apenas a aglomerados

de pessoas, mas também de bens e serviços, culturas e etnias circunscritos em um

espaço geográfico delimitado ou em uma parcela de solo onde todos esses

fenômenos ocorrem. No entanto, cabe apresentar a definição de “cidade” proposta

pelo filósofo francês Lefèbvre (2008), cuja ideia remete, essencialmente, ao lugar

para o viver ideal do ser humano, ele tem direito a ela na mesma e recíproca

existência, tanto é verdadeira e necessária sua existência mútua, em condições de

qualidade de pleno gozo de seus saudáveis atributos citadinos. Defende ainda que,

o direito à moradia, uma habitação de qualidade, é prioridade em uma ótica de pleno

direito à cidade. A privação desse direito desconstrói a noção de pertencimento, que

se perde nessa relação de exclusão na rede de serviços e atendimento de

condições de igualdade, resultando numa apatia que retira do indivíduo excluído, a

capacidade de transformar a cidade e participar de qualquer transformação positiva

(LEFÉBVRE, 2008).

2.1 A urbanização das cidades no Brasil

A evolução da ocupação e desenvolvimento urbano no Brasil, assim como em

outros países, passou pela industrialização no final do século XIX e levou milhares

de pessoas às cidades metropolitanas e interioranas. Com esse grande contingente

deixando o campo até meados de 1940, o país começa a mudar seu perfil, além da

ocupação territorial, a urbanização cria novas redes de geração e fortalecimento do

capital, novas relações econômicas e hierárquicas entre campo e cidade, bem como

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o incremento na comunicação e infraestruturas de transporte. Esses e outros

atrativos, ou seja, essa nova realidade, atrai uma população com poucas

perspectivas sociais e econômicas no campo ao espaço urbano mais acessível.

Percebe-se então, um maior aumento demográfico da população brasileira a partir

dos anos 1950, assim como, queda da mortalidade infantil, integração territorial

nacional promovida pelo poder militar nos anos 1960, o que faz com que o Brasil

chegue aos anos 1970, com forte caráter urbano, consequente produção e

desenvolvimento do capital, tanto no campo como na cidade, mudando a realidade

socioeconômica drasticamente (IBGE, 2013).

O novo perfil urbano vem com novos problemas relacionados ao uso do solo

na cidade, principalmente no perímetro urbano, pois a distribuição espacial não é

igualitária, e essa camada social que passa a ocupar as cidades, tem uma faixa de

renda tão baixa que não pode adquirir bens imóveis em loteamentos formais ou

regulares, e acabam ocupando regiões marginais nas cidades, em áreas de

mananciais. Outra causa dos problemas sociais urbanos, segundo o geógrafo

brasileiro Milton Santos (1994), é a globalização, raiz de grande parte do mal-estar

social, econômico que atinge as camadas mais pobres da sociedade, ele chama

esse processo de “globalitarismo”, expressão geográfica do totalitarismo, a um

conjunto complexo e perverso de redes, meios, técnicas e relações globais de

trânsito de capital, ideologia imperativa de interesses que em detrimento do capital,

tem sistematicamente segregado o ser humano, aumentando a pobreza e a miséria,

criando e fomentando a violência contra o ser humano. Frente ao capital, está o ser

humano que fica à mercê dos interesses das redes que se formam para privilegiar a

formação da mercadoria e fortalecer o capital (SANTOS, 1994).

2.2 A cidade e sua ordenação

Segundo aponta a urbanista e atual relatora da Organização das Nações

Unidas para o direito à moradia, Raquel Rolnik (2009), muitos problemas decorrem

do planejamento urbano fragmentado e subserviente ao capital. O próprio Estatuto

das Cidades, criado para regulamentar a Constituição Federal, cria instrumentos

equivocados de parceria entre o capital privado e a administração pública que deixa

por omissão e conivência, os interesses coletivos mais básicos de lado, em

detrimento aos interesses do capital econômico privado (ROLNIK, 2009). Sobre a

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questão da moradia, afirma a urbanista, que a moradia adequada está para o poder

público como um artigo meramente publicitário, pensado apenas como estratégia de

campanhas eleitoreiras, e não como uma adequada política pública. Os formatos

atuais, praticados pelo poder público não atende aos princípios básicos previstos no

artigo V da Constituição Federal de 1988. O cidadão brasileiro, tampouco participa

de decisões sobre os processos, nem mesmo dos projetos que envolvem por vezes

exílio espacial e segregação urbana, além de alienar em reassentamentos e

remoções equivocadas, destruindo redes sociais, culminando em problemas como

geração de demandas de infraestruturas,como por exemplo, transporte público

adequado. Por fim, ressalta a urbanista Raquel Rolnik (2009), que o ordenamento

jurídico brasileiro pontuado nos marcos legais, não promove o desenvolvimento

urbano com técnicas adequadas e habitação digna.

Desde o surgimento da cidade como estrutura político-administrativa, várias

normas são criadas para tentar organizá-la e normatizá-la a partir de suas

demandas. Neste sentido, o espaço como definição do território, meramente uma

área geográfica fica definida em tratados de natureza jurídica, onde cada uso é

definido, cristalizado, compartimentado, isolado do restante, cada um em seu

zoneamento (VILLAÇA,1998).

Ainda em conformidade com a Constituição Federal do Brasil de 1988, em

seus artigos 182 e 183, regulamentados pela Lei Federal 10.257/2001 do Estatuto

das Cidades, são definidas as diretrizes de ordenamento urbano:

(...) Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I - garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 2001).

Neste ponto inicia-se a inclusão da necessidade de participação social,

esperando que desta forma a gestão democrática surja como alternativa de

ampliação das redes conectoras de atores.

II - gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

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III - cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social; IV - planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; VI - ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: (...) c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana; (...) (...) e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua sub utilização ou não utilização;(...)

Neste item espera-se que estes instrumentos orientem os prefeitos na busca

pela proteção da universalização da terra, acesso à moradia e uso do solo com sua

função social garantida.

f) a deterioração das áreas urbanizadas; g) a poluição e a degradação ambiental; VII - integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua área de influência; (...) IX - justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; (...) XII - proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; XIII - audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população; XIV - regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais; XV - simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais; XVI - isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse social. (...) (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004).

Assim, ficam elencados os objetivos que a política pública deve alcançar e

como deve relacionar-se com a sociedade, pelo menos nas premissas jurídicas e

institucionais. Percebemos que a administração pública possui ao seu alcance

instrumentos de gestão do solo e promoção social, a fim de evitar invasões nessas

áreas e promover a recuperação e preservação do meio ambiente, principalmente,

ao longo dos corpos d’água que são frequentemente ocupados por grandes

contingentes humanos.

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Conforme Silva Neto (2008), o resultado esquizofrênico dessa realidade é o

grande número de investimentos públicos em caríssimos projetos de

desfavelamento, gerando mais ônus para cofres públicos municipais e para milhares

de famílias vivendo às margens da cidade, em áreas periféricas marginalizadas,

longe dos centros comerciais e produtivos e de outras redes sociais, ao passo que,

do outro lado desse panorama, tem-se grandes áreas vazias à espera do melhor

momento mercadológico para sua venda, impelindo assim, a população cada vez

mais distante, forçando assim o poder público a ter que investir em mais

infraestrutura para atender essa nova demanda.

Um resultado inevitável desse processo, é o surgimento das estigmatizadas

favelas ou invasões, deixando na cidade um passivo ambiental, que ao longo de

anos, torna a qualidade de vida da cidade muito baixa, gerando resíduos que são

lançados nos córregos, rios, lagos, mananciais, nascentes e outros corpos hídricos

sem nenhum tipo de tratamento dentro do perímetro urbano; onde se localizam

geralmente, esses assentamentos precários, muitos destes rios fazem parte da rede

de abastecimento de água potável das cidades (ROLNIK, 2008).

Conhecer, evitar, bem como, corrigir essa realidade é o papel do urbanista, do

geógrafo e do gestor ambiental, além de diversas disciplinas que fazem parte do

quadro de áreas que dispõem ou pode dispor a Administração Pública. Caberia

salientar que o solo também sofre com a presença do homem e de suas atividades

conflitantes, frente a ausência de políticas públicas eficazes.

2.3 Caracterização do Município de Foz do Iguaçu e suas condições

socioambientais

O Município de Foz do Iguaçu está geograficamente no extremo oeste do

Estado do Paraná. Tendo seus limites bem definidos assim: ao norte, limitado pela

Usina Hidrelétrica Itaipu Binacional; ao sul, pelo Rio Iguaçu, fronteira com a

Argentina província de Missiones e a cidade de Puerto Iguazú; ao leste, tendo os

Municípios de Santa Terezinha de Itaipu e São Miguel do Iguaçu, no estado do

Paraná como limite; a oeste, fisicamente tem-se o Rio Paraná, a fronteira com o

Paraguai e as cidades de Presidente Franco e Ciudad del Este.

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Segundo a Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu, a cidade possui área

territorial totalizada em 617,71 km2. A parte do município ocupada pela área urbana

totaliza 191,46 km2 e corresponde a 31% do total, enquanto que a área rural

representa 138,17 km2, respondendo por 22,37% do total. O Parque Nacional do

Iguaçu, por sua vez, ocupa 138,6 km2, o que representa 22,44% da área total, e a

área alagada pela Usina Hidrelétrica de Itaipu corresponde a 149,10 km2, que

equivale a 24,14% do território do município. A Ilha Acaray corresponde a 0,38 km2,

essa divisão fica clara na figura 01, gráfico 01 (PLANO DIRETOR MUNICIPAL,

2006).

Figura 1: Área Municipal De Foz do Iguaçu Fonte: SMPU, PMFI, 2006, anexo do Plano Diretor Municipal.

Gráfico 1: divisão territorial do município de Foz do Iguaçu. Fonte: SMPU, 2006, anexo do Plano Diretor Municipal.

31,00%

22,37%

22,44%

24,14%

0,06%

Área urbana

Área rural

Parque Nacional

Área do lago de Itaipu

Ilha Acaray

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Na menor porção do seu território localizado a oeste do Município de São

Miguel do Iguaçu, está a localidade denominada Vila Bananal, que possui

aproximadamente 61 km2, e é banhada pelo reservatório de Itaipu em todo o

perímetro sul, oeste e norte.

3. ANÁLISE DO PLANO DIRETOR E DA GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL

Num panorama, onde os instrumentos de ordenamento jurídico-administrativo

do espaço urbano de Foz do Iguaçu, configura-se apenas nas leis complementares

de controle do uso e ocupação do solo urbano, como aqueles previstos pela

Constituição Federal de 1988, instituindo, por exemplo, o Plano Diretor Municipal

como proposta apenas para o controle territorial, acaba por gerar conflitos na

dimensão social decorrentes da ineficiência prática destas mesmas políticas

públicas. Quando analisamos as diretrizes e proposições que se desenham ao final

da elaboração do Plano Diretor Municipal, percebe-se que o documento que se

propõe a contribuir para um avanço na gestão pública, acaba por via prática, no

entanto, limitando-se em arrecadação e limitação relativa ao uso do espaço urbano,

seja na aprovação de loteamentos fechados, condomínios e atividades danosas ao

meio natural, seja no abandono dos recursos hídricos da cidade.

O Plano Diretor Municipal (doravante PDM) é construído após a avaliação

temática em etapas preliminares à sua elaboração, a partir de audiências públicas,

reuniões setoriais, devidamente documentados e seus anexos, denominados assim

de volumes finais do Plano Diretor. Segundo lei federal, o PDM deve ser de acesso

livre a todos, bem como, deve-se a ele dar publicidade conforme Artigo 40 do

Estatuto das Cidades através da Lei 10.257/2001, que define critérios para o Plano

Diretor Municipal, este, por sua vez, deve ser previsto para um período de dez anos

no planejamento da cidade.

Passamos à análise, então, de um recorte pontual de um item da lei municipal

de Foz do Iguaçu, este capítulo é um elemento que engloba e caracteriza as

propostas para a Política Pública Ambiental e apresenta os objetivos e diretrizes

para os recursos hídricos contidos, trata-se de um item integrante dos anexos do

Plano Diretor Municipal. Assim fica expresso no corpo da lei:

(...) Recursos Hídricos São objetivos relativos aos Recursos Hídricos:

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(...) II - Garantir a participação do Município na gestão da Bacia Hidrográfica do PARANÁ e baixo Iguaçu. São diretrizes para os Recursos Hídricos: I - Participação efetiva na composição do sistema de gestão da bacia do Paraná III e baixo Iguaçu; II - A articulação da gestão da demanda e da oferta de água, particularmente daquela destinada ao abastecimento da população, por meio da adoção de instrumentos para a sustentação econômica da sua produção nos mananciais; III - A recuperação e o aproveitamento de novos mananciais na Bacia do Alto Tietê, particularmente no Município de São Paulo; (...) (PMFI, PLANO DIRETOR MUNICIPAL, 2013).

Comparemos agora com o trecho da lei paulista, Plano Diretor Estratégico,

Lei Nº 13.430, de 13 de Setembro de 2002, que define suas diretrizes a da forma

que segue:

(...) Art. 62 - São diretrizes para os Recursos Hídricos: I - a instituição e o aprimoramento da gestão integrada dos recursos hídricos no Município, contribuindo na formulação, implementação e gerenciamento de políticas, ações e investimentos demandados no âmbito do Sistema de Gestão da Bacia do Alto Tietê; II - a articulação da gestão da demanda e da oferta de água, particularmente daquela destinada ao abastecimento da população, por meio da adoção de instrumentos para a sustentação econômica da sua produção nos mananciais; III - a recuperação e o aproveitamento de novos mananciais na Bacia do Alto Tietê, particularmente no Município de São Paulo; (...)(PMSP, 2002).

As semelhanças estruturais no texto das duas leis vão além da simples cópia,

o que se vê neste exemplo de plágio, é a falta de capacidade técnica na produção

de um importante documento que é considerado pela Lei 10.257/2001 do Estatuto

das Cidades, que atribui ao Plano Diretor Municipal em conformidade com o

pressuposto no Artigo 182 da Constituição Federal, que imputa ao poder público

municipal a competência de gerir o espaço urbano, na sua competência

administrativa, sendo tutor de sua territorialidade.

Se levarmos em conta a quantidade de meses de estudo e da criação de um

arcabouço relevante de avaliações temáticas integradas às discussões e debates

com a iniciativa privada, com as lideranças sociais, movimentos sociais engajados,

grupos de interesses variados, gerando ao final desse processo um elenco de

proposições, reivindicações sociais, por temas e regiões da cidade, percebemos que

ao longo do estudo, um série de proposições que deveria refletir os anseios locais, e

a realidade local com seus limitadores, físicos, naturais, econômicos, sociais,

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culturais, e jurídicos foram totalmente desconsiderados, e em seu lugar substituído

por uma mera cópia de uma lei deslocada do município de Foz do Iguaçu.

Uma cópia tão grosseira, que não pode ser considerada um mero lapso, pois

se apropria de um texto de lei alheia, distante da realidade local, o que faz surgir

uma série de questões, porém aqui nos limitamos a quatro delas:

1. Que partes das propostas e diretrizes da Lei 115/2006 também não são

cópias de outras leis?

2. As etapas preliminares revelam um inventário diagnóstico que reflete

realmente a realidade da cidade?

3. Outros pontos do plano diretor são possíveis de considerar resultados

legítimos de um estudo em conjunto com a sociedade?

4. Outros instrumentos de ordenação possuem erros ou falhas tão sérias

como estas?

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Responder a essas questões não é o objetivo desse artigo, senão expor à

sociedade local uma realidade preocupante das cidades brasileiras que

desenvolvem seus planos diretores, previsto sua obrigação na Constituição Federal

e em leis e decretos municipais. A preocupação ainda é maior quando se trata de

uma cidade proeminentemente ligada aos recursos hídricos, que propagandeia em

seu material de autopromoção no trade turístico preocupação institucional com a

questão hídrica. Ao deparar-se com uma postura irresponsável como esta,

demonstra a necessidade de melhor gerir as políticas públicas voltadas à

construção e formulação do orçamento para elaborar seus planos diretores.

A simples cópia de um plano diretor não demonstra a falta de capacidade

técnica, mas deixa clara a incapacidade de gerenciar temas de maior relevância na

gestão pública urbana. Se pudermos considerar o meio natural como bem de uso

comum necessária à boa qualidade de vida, e se expandirmos a análise a outros

temas, teremos mais exemplos de inoperância dos órgãos públicos.

Esta análise não se esgota neste artigo, porém traz a necessidade de uma

constante pesquisa documental e de campo para agregar contribuições à geografia

urbana em área de fronteira. Cabe portanto uma reflexão última, em proporcionar

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uma efetiva e real inclusão da participação social em todas as etapas de elaboração

de um documento, com audiências publicas, onde a população tenha conhecimento

de fato, sobre os temas e não uma simples apresentação coletiva do que se faz no

Plano Diretor Municipal, não apenas uma reunião para burocraticamente cumprir

uma exigência normativa e legal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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