Artigo “Da Igreja Ao Movimento” a Cpt e Pastoral Social Nos

download Artigo “Da Igreja Ao Movimento” a Cpt e Pastoral Social Nos

of 11

Transcript of Artigo “Da Igreja Ao Movimento” a Cpt e Pastoral Social Nos

  • 7/25/2019 Artigo Da Igreja Ao Movimento a Cpt e Pastoral Social Nos

    1/11

    DOI: 10.4025/4cih.pphuem.152

    DA IGREJA AO MOVIMENTO: A CPT E PASTORAL SOCIAL NOS

    MOVIMENTOS SOCIAIS EM MATO GROSSO DO SUL

    Andrey M. Martin(Mestrando em Histria UEM. Bolsista CAPES)

    Introduo

    Este artigo busca esclarecer e discutir alguns aspectos sobre a participao da Igreja

    nos movimentos sociais no Estado de Mato Grosso do Sul. Tendo como delimitaoespecialmente sua atuao na regio leste do Estado, buscaremos compreender como se deu

    seu trabalho junto aos movimentos sociais que ali se formaram a partir da dcada de 1970,

    envoltos por meio da atuao de dois principais mediadores: a Comisso Pastoral da Terra e a

    Pastoral Social.

    Mediadores e os novos movimentos sociais

    A discusso que permeia este artigo esta inserida em uma temtica mais ampla,

    referente a nosso trabalho de Mestrado, cuja temtica centra-se no estudo da luta pela terra no

    municpio de Trs Lagoas, situado na regio leste de Mato Grosso do Sul, conhecida como

    bolso Sul-Mato-Grossense.

    Assim, para podemos analisar qualquer situao presente nas aes empreendidas

    pelos grupos que lutaram pela posse da terra ao longo dos ltimos trinta anos no municpio e

    regio, se faz necessrio compreender a figura daqueles que estiveram emaranhados em taisaes, e que contriburam para a realizao e organizao desses e de outros movimentos

    sociais. A participao dos agentes mediadores, quais sejam, a CPT e a Pastoral Social

    encontravam-se emaranhadas em uma rede de movimentos sociais que se formava pela regio

    assim como em outros locais do pas.

    O final dos anos 1970 marca em Trs Lagoas o surgimento de novas frentes de ao,

    oriundas dos movimentos populares que se destacam na luta pelas mais diferenciadas

    reivindicaes, por meio de novas formas de organizao. O germinar destes movimentos

    sociais so acompanhados pelo surgimento de novos canais de expresso que buscam atuar

  • 7/25/2019 Artigo Da Igreja Ao Movimento a Cpt e Pastoral Social Nos

    2/11

    1710

    conjuntamente a estes movimentos e que, como ressalta Sader (1988) proporcionam o

    surgimento de novos sujeitos polticos.

    As famlias que participaram dos movimentos ocorridos na regio, como na luta dos

    ribeirinhos no Alto Paran, nos acampamentos ocorridos em 1984 e 1986 em Trs Lagoas e

    regio e mesmo na conturbada participao no assentamento Pontal do Faia, em 2000,

    encontraram neste apoio, ou pelo menos em setores dela, uma Igreja renovada com aes

    pautadas em direo ao fortalecimento dos movimentos sociais.

    Esta que historicamente marcada pelos distanciamentos e aproximaes dos

    movimentos populares viveu nas dcadas de 1960 e 1970 transformaes em suas prticas que

    as aproximaram dos grupos marginalizados, dos pobres e oprimidos. No caso da Igreja

    Catlica, suas transformaes esto diretamente ligadas ao desenvolvimento de ideiasprogressistas permeadas pelas concepes da Teologia da Libertao1, expressos no

    desenvolvimento das CEBS, Pastorais Sociais e CPT. Segundo Borges e Kudlavicz:

    Os anos de 1970 vieram assinalar um novo tempo na histria da Igreja Catlica noBrasil, e, de um modo geral, na Amrica Latina. Nesse perodo, a doutrina da Igrejacomeou a voltar-se para os pobres e oprimidos. A partir de uma nova leitura bblicaem que a terra passava a ser compreendida como a terra de Deus, a terra vista comoherana, amplos setores da Igreja chegaram compreenso de que era preciso areflexo da bblia relacionada ao que os pobre do campo e da cidade estavamvivendo. (2008, p. 87).

    A partir de documentos e trabalhos organizados pela prpria Igreja, podemos dialogar

    melhor com suas histrias, especialmente em torno da criao da CPT, mediador importante

    nas lutas em Mato Grosso do Sul e na regio pesquisada.

    A CPT, criada em Gois em 1975, durante a XIV Assemblia Geral da CNBB, marca

    seu estabelecimento no Estado a partir de 1978, com a criao da CPT na Diocese de

    Dourados, no mesmo momento em que se cria a Diocese em Trs Lagoas, mas no ainda a

    CPT neste local2. Implantada as sementes da organizao, vo estabelecendo o movimento em

    mbito estadual, por meio de equipes que desenvolvem o trabalho junto s comunidades

    assim como em busca de novos apoios para estrutura-l, criando outras regionais, tendo em

    1978 a sede em Campo Grande.

    Atravs destas aes, a Diocese de Trs Lagoas, por meio da Pastoral Social,

    juntamente com a CPT de diversos locais tecem dilogos a fim de entender a realidade do

    Estado e traar objetivos e os caminhos das lutas. A necessidade do debate se dava pela

    diversidade de questes e problemas pulsantes no Estado, nas cidades, periferias, pelos rios e

    no campo, onde a diversidade de sujeitos em luta no se remetia somente a figura do sem

  • 7/25/2019 Artigo Da Igreja Ao Movimento a Cpt e Pastoral Social Nos

    3/11

    1711

    terra, e por isso, posseiros, arrendatrios, parceiros e os sem terra compunham a gama de

    sujeitos em movimento no perodo.

    Estabelecem como necessidade a colaborao e conscientizao da populao em lutas

    como dos muitos homens e mulheres sem terra, na organizao do Sindicato dos

    Trabalhadores Rurais, nas aes de grupos nas periferias, de mulheres, empregadas e

    lavadeiras, associaes e grupo de moradores3. Pode-se observar em mbito estadual que o

    movimento de criao da CPT constri-se por onde se encontravam movimentos populares

    que necessitavam de apoio em suas lutas, sendo que seus efeitos nestes diferentes lugares

    estruturais podem ser socialmente mais profundos ou menos. Podem desencadear

    transformaes (e reaes) em cadeia muito alm do que se pode esperar (e, mesmo, desejar)

    do trabalho pastoral (MARTINS, 1994, p. 95). Desta forma, permeado por uma regio comgraves problemas sociais, se forma a CPT-Trs Lagoas, em 1981.

    O caminhar das aes da CPT-Trs Lagoas foram marcados pela dialtica entre fortes

    represlias, provindas da imprensa e elite local, ao mesmo tempo em que contrastavam com a

    riqueza das muitas aes que foram desenvolvidas no municpio, expressas nas fontes

    produzidas pela prpria CPT, em cartas, jornais e depoimentos do perodo. de se ressaltar

    que a vinda do Bispo D. Izidoro Kosinski para a Diocese de Trs Lagoas, em 1981, contribuiu

    para criao da CPT. Com sua dinmica de ao, pautada na construo de uma Igrejapara/pelos pobres, buscou reunir pessoas da regio assim como de outros Estados, como do

    Rio Grande do Sul, que estivessem interessados em participar das aes pastorais. Consegue

    assim, com a participao de outros sujeitos e agentes, como Mieceslau Kudlavicz, Luiz

    Ernesto Brambatti (Chico), Nair Cardoso Ribeiro, Renier Parrens, Geni, Belkiss M. Maciel

    Kudlavicz, Izabel Prates Oliveri e Joo Carlos Oliveri, dentre outros, fortalecer a Pastoral em

    Trs Lagoas, expandindo suas aes na regio4.

    A ao da Diocese e da CPT, como pontuada por seus membros, pode assim serexpressa como um organismo pastoral que colabora na orientao e organizao de

    movimentos populares, de camponeses e trabalhadores rurais, assim como articulando outras

    frentes de lutas, na defesa dos direitos e contra as violncias empreendidas a diversos grupos

    na regio do chamadoBolso. Por suas aes no se limitarem somente ao municpio, a CPT-

    Trs Lagoas se torna nos anos 1980 muito conhecida e importante na mediao destes

    movimentos populares, no campo e na cidade5.

    Apoiando diretamente a luta dos pobres da terra e de todos que no possuam uma

    moradia, articularam em 1982 a doao de lotes urbanos pertencentes Igreja para

    aproximadamente 100 famlias na cidade de Trs Lagoas, terrenos estes que em sua maioria

  • 7/25/2019 Artigo Da Igreja Ao Movimento a Cpt e Pastoral Social Nos

    4/11

    1712

    foram doaes de fiis para santos e do municpio para futuras construes de capelas e sales

    comunitrios. Sua atuao na luta pela terra tambm proporcionou, neste momento, o acesso

    de cerca de 217 h para 110 famlias na regio da Vstia, no municpio de Selvria, 72 h para

    35 famlias no patrimnio de So Pedro, no distrito de Inocncia e 35 h para 12 famlias em

    Cabaj, em Aparecida do Taboado.

    Em suas trajetrias, tambm se destaca em Trs Lagoas o trabalho da Pastoral nas

    lutas da populao da periferia e nas muitas organizaes de bairro, auxiliando nas

    reivindicaes expressas naquele contexto. Segundo o boletim informativo A Voz do Povo6

    do ano de 1982, as passeatas ocorridas pela cidade, organizadas pela Pastoral Social,

    colaboraram para dar fora aos movimentos sociais, como a ocorrida em Setembro daquele

    ano. Tudo se inicia na reunio realizada no dia 19 que, contando com a participao de gruposcomo das associaes de bairro, de empregadas domsticas e trabalhadores rurais, so

    debatidos assuntos como o desemprego, custo de vida, salrios e a violncia policial na

    regio. Dessa reunio decide-se realizar uma concentrao na Igreja Matriz no dia 25 de

    Setembro, a fim de reunir o mximo de sujeitos possveis. Segundo o documento:

    Enfim o grande dia chegou, a concentrao feita na catedral. O povo vem de todosos lados: vem mulheres dos bairros, com suas crianas, com suas panelas, com seus

    rostos sofridos. Vem os grupos organizados, com suas faixas de protesto: contra odesemprego, o custo de vida, por melhores salrios, pela reforma agrria (...). Vemos lavradores, vem os sem terra com suas enxadas, com suas foices. A grandeIgreja vai se enchendo (...) o Bispo diocesano abre com sua beno, proclamando oapoio da Igreja s justas lutas do povo. O povo canta, fala, se manifesta, um cruzeiro montado onde so pendurados smbolos do sofrimento do povo: uma enxada, umapanela vazia, uma carteira profissional, uma caixa de remdios, um osso sem carne eum smbolo do FMI.

    Discusses realizadas, saem s ruas em caminhada at a Praa da Bandeira, hoje praa

    Hames Tebet, entoando suas bandeiras, seus hinos, suas necessidades.

    Descortinada as aparncias, o que se pode perceber que as aes ocorridas neste

    perodo possuem as marcas da Pastoral e de uma rede de movimentos sociais que se

    estabelecem na regio neste momento. Os diversos interesses e necessidades presentes

    naquele contexto colaboraram para realizao da ao em 1982, assim como outras ocorridas

    no mesmo perodo. Por meio dos problemas cotidianos, das experincias tecidas na prpria

    participao em movimento, estes sujeitos encontram-se como atores de suas prprias

    histrias, apreendidas em suas prprias aes e cercados, neste caso, por questes que

    transcendem suas imediatas reivindicaes, sinal esta da participao desses mediadores.

  • 7/25/2019 Artigo Da Igreja Ao Movimento a Cpt e Pastoral Social Nos

    5/11

    1713

    Por meio destas aes evidenciamos como os sujeitos em movimento, em luta por

    condies, espaos e acessos, contra a dominao, no s fsica, mas tambm simblica,

    fazem uso do aparato simblico para expressar os descontentamentos, inquietaes e

    reivindicaes. O cruzeiro montado no altar da Igreja se faz palco, como expresso no

    documento, dos smbolos do sofrimento: panelas vazias, carteiras de trabalho em branco,

    caixas de remdio e instrumentos de trabalho, como a enxada, que se tornam representaes

    intimamente ligadas aos interesses, de um grupo, de algum indivduo. Para alm de smbolos

    do sofrimento, se faz ato significante, que o grupo ou sujeito concede ao objeto, na

    representao de determinada luta, lugar ou situao, em que exercer fora para aquele que

    nele se v reconhecido (BOURDIEU, 1989).

    Neste aspecto, as palavras entoadas em coro, os discursos, as msicas possuem nestesmovimentos uma fora mobilizadora, que possibilita que um grupo ou movimento se

    reconhea no agir e clamar destes discursos. Na poltica, salienta Bourdieu, dizer fazer crer

    que se pode fazer, expressas nas palavras de ordem que do suporte e funo objetiva ao

    grupo. Assim, a representao destes mediadores se torna fora quando reconhecida pelos

    grupos que, em movimento expressam suas vontades, descontentamentos, e tambm,

    representaes. Da mesma forma, o mediador se faz ativo como sujeito daquela luta, como

    homem poltico ao retirar sua fora deste reconhecimento do grupo. Reconhecer e serreconhecido se tornam ento foras nas representaes tecidas na luta.

    Os trabalhos assim desenvolvidos pela Diocese trslagoense, por meio da Pastoral

    Social e CPT, ganharam notria dinamicidade desde sua criao, em fins dos anos 1970.

    Grande parte desta organizao se deve aos constantes contatos com o IAJES de Andradina-

    SP, que sempre esteve presente na caminhada dos movimentos sociais em Trs Lagoas e

    regio. Este segundo Oliveira se definia como:

    Uma instituio-movimento, organicamente ligada ao movimento popular que temsuas origens nas Comunidades Eclesiais de Base de Andradina, uma entidade quevai modificando sua prpria estrutura procurando seguir os passos do movimentopopular em crescimento quantitativo e qualitativo. Com 1984, se abre novo perodoem que as preocupaes principais do IAJES esto voltadas para ajudar a articulaodos movimentos populares e a formao dos quadros para uma regioconsideravelmente mais ampla (2006, p. 144).

    A presena de integrantes do IAJES, como padres, agentes e outros religiosos foram

    constantes na organizao da Pastoral em Trs Lagoas. A vinda de Joo Carlos Oliveri em

    1983, que antes residia em Andradina-SP, representa a adeso de novas experincias e aes

    que do continuidade nos trabalhos da Diocese trslagoense, dando abertura a uma pastoral

  • 7/25/2019 Artigo Da Igreja Ao Movimento a Cpt e Pastoral Social Nos

    6/11

    1714

    popular e libertadora, que permite a estruturao de uma equipe diocesana de servios nesta

    linha7. As aes oriundas dessas relaes podem ser expressas na formao de uma rede de

    grupos e entidades na regio, em cidades como Araatuba-SP, Lins-SP, Andradina e Trs

    Lagoas, nesta ltima trabalhada por meio do SFAP (Servio de Formao de Agentes de

    Pastoral Popular), que posteriormente vem a integrar o Pool de grupos (OLIVEIRA, 2006).

    Desta forma, o dinamismo que brotava das relaes colaborou para o gestar de novos

    encontros, expressos pelas muitas reunies e produes documentais oriundas destes grupos

    com o IAJES. Dentre as muitas correspondncias trocadas entre Joo Carlos Oliveri com

    outras entidades, tecem-se debates sobre as CEBs, assemblias populares, discusses

    oramentrias e os direcionamentos polticos da Pastoral em Trs Lagoas8. Por meio dessas

    cartas, se estabelece, por exemplo, em 21 de Janeiro de 1985 o incio de um debate sobre asdiscusses que norteariam o prximo encontro Estadual das CEBs em Mato Grosso do Sul,

    ficando estabelecida a organizao de um encontro para os dias 2 e 3 de Fevereiro no Centro

    Diocesano da Pastoral, em Trs Lagoas9. Neste encontro so estabelecidos alguns eixos

    norteadores, como a participao aberta de novos grupos e o aprofundamento das propostas

    do Pool.

    Analisando o contedo do Encontro Estadual das CEBs, que veio a ocorrer em Campo

    Grande em Novembro de 1985, percebe-se que estas pautas foram profundamente importantesno debate, que contou com um total de 105 participantes, das diversas Dioceses do Estado,

    como Jardim, Coxim, Trs Lagoas e Dourados. O intuito de buscar auxiliar na organizao

    das novas frentes de luta que se estabeleciam pelo Estado e porque no, pelo pas, surtiu seu

    efeito na presena da questo da terra permeando as discusses. As lutas dos trabalhadores

    rurais e camponeses se tornaram pauta das prximas aes destas Dioceses, principalmente

    por meio da CPT, tanto que ao ser debatido o tema do prximo Encontro Intereclesiais, sua 6

    edio, sobressaram duas propostas: 1- CEBs: povo de Deus em busca da terra prometida, 2 Igreja engajada na libertao da Amrica. A primeira opo foi a escolhida e se tornou o

    norte das discusses daquele encontro realizado em Julho de 1986, em Trindade- GO10.

    evidente como desde o encontro anterior, em Canind-CE, em 1983, a questo da

    terra se destaca como elemento latente nas discusses intermediadas por estas pastorais.

    Podemos observar tal fato como um reflexo do que estes mediadores estavam vivenciando por

    todo o pas, a crescente luta dos trabalhadores rurais, como se expressava desde o incio dos

    anos 1980 em Mato Grosso do Sul.

    O trabalho da Diocese de Trs Lagoas, juntamente com a colaborao do IAJES

    suscitou ao longo dessas histrias a averso de determinadas classes e sujeitos na cidade.

  • 7/25/2019 Artigo Da Igreja Ao Movimento a Cpt e Pastoral Social Nos

    7/11

    1715

    Grande parte da elite local, dos ruralistas, setores polticos, posicionaram-se radicalmente

    contra a linha de ao adotada pela Pastoral, principalmente em relao defesa dos

    movimentos de luta pela terra. Utilizando-se da imprensa local e regional, expressaram seus

    ataques aos agentes pastorais, ataques estes que no ficaram apenas nas palavras 11.

    No dia 11 de Novembro de 1982, cobrindo toda a 3 pgina da edio do Paranaba

    Jornal12encontramos uma notcia intitulada Evangelizao ou Politizao?, que suscitava

    o tom dos ataques a Diocese. Assinada por Alberto Medeiros trazia em contedo o relato do

    mesmo sobre uma palestra da Comisso Pastoral da Terra, assistida quando de passagem

    por Trs Lagoas em fins de Setembro daquele mesmo ano. Em seu relato, expressa como era a

    ao de conscientizao poltica feita pela CPT naquela noite na Capela Dom Bosco:

    Olha, s vendo pra crer! Em nvel de comunicao popular, um modelo de didtica.Quadros sugestivos, embora em estilo rstico e semi-primitivo. Texto adequado eprovocante. Entonao motivacional ao ponto. Um primor pedaggico. Porm, emtermos de contedo, nada mais aberrante e extico. Pelo menos em referencia aotipo de pastoral que o Papa demonstrou em nosso meio, dois anos atrs. Em sntese,politizao partidria sem peias nem retoques. Diziam: O Brasil esta dividido emduas classes antagnicas, ricos e pobres. Pior, exploradores e explorados. O governono faz outra coisa a no ser perpetuar o sistema de massacre do povo. Para aindaridicularizar o governo que, no dia anterior, havia estado em Trs Lagoas e oferecidoum churrasco ao povo, no faltaram aluses as vacas do Pedrossian. Finda a pea,voltei para o hotel convicto de uma coisa. Se isto no for poltica partidria, os

    partidos da oposio ao governo esto evangelizando13

    .

    A rplica a tais questes no demoraram a sair. No dia 28 de Outubro o bispo D.

    Izidoro Kosinski vem a pblico em nome da Diocese e divulga uma carta populao em que

    responde as consideraes feitas por Alberto Medeiros. Este relato, para alm de contrapor

    as afirmaes feitas, transparece muito das aes realizadas pela Diocese e pela CPT.

    Mostrando-se surpreso com as afirmaes desferidas, ressalta que a Diocese de Trs Lagoas, a

    partir de seus Crculos Bblicos, da Pastoral Social e da CPT, buscam desenvolver aes em

    prol dos pobres e oprimidos da regio, a partir das situaes expostas naquele contexto,

    seguindo sempre os fundamentos da CNBB e acompanhando um trabalho de educao

    popular que a Igreja do Brasil esta desenvolvendo. Ressalta que a CPT naquele momento foi

    convidada a exibir as projees e tecer discusses sobre a situao do campo na regio, e por

    meio do trabalho de estudar, informar e denunciar proporcionar ao povo novas formas de

    participao poltica em sua sociedade14.

    O contedo poltico sempre esteve presente nas aes e discusses da Diocese,

    trabalhados na direo do fortalecimento dos movimentos sociais na regio. Por meio das

    palestras, dos cadernos produzidos, dos panfletos, nas passeatas e comisses, buscaram

  • 7/25/2019 Artigo Da Igreja Ao Movimento a Cpt e Pastoral Social Nos

    8/11

    1716

    trabalhar visualizando a insero da diversidade de grupos e movimentos no campo poltico.

    No dilogo com Remond (1996), observamos que o campo do poltico no possui fronteiras

    fixas, nem tanto uma linearidade e se constri como modalidade a partir das prticas sociais

    destes grupos, captando as experincias destes homens e mulheres, por meio de seus modos

    de conceber, praticar e viver a poltica.

    Em uma cartilha produzida pela CPT no ano de 1984, intitulada Trs Lagoas, sua

    terra, sua luta, sua esperana, cujo contedo muito ilustrativo nos apresenta as vrias faces

    das trajetrias e lutas no municpio nos anos 1980, a expresso do poltico se mostra

    permeando toda a discusso, pensada como a chave concreta para o fazer-se da luta,

    ressaltando sua funo como a chave que abre as possibilidades, til como instrumento, no

    como finalidade15. No contexto das lutas do municpio, especificamente as lutas no campo, adiscusso calcada se mostra relacionada assim com a necessidade destes movimentos

    encontrarem novos espaos de ao, de expresso do poltico, para alm dos partidos,

    prefeitura e sindicatos, por considerarem instituies controladas pelo Estado e assim, pelos

    meandros do regime militar. Tal fato para a CPT esvaziaria as possibilidades de reivindicao

    destes movimentos, dando nfase a necessidade de organizao dos grupos e claro, da

    colaborao destes mediadores.

    O confronto com outros poderes locais decorrente desta concepo poltica eraevidente. As prticas da Pastoral da Terra batiam de frente com a elite rural da regio, fazendo

    com que fossem constantemente alvo de crticas, especulaes e demais atos contrrios as

    suas aes. O Sindicato Rural de Trs Lagoas, juntamente com outros setores ruralista

    exerceram forte presso para tentar findar com a CPT-Trs Lagoas. Assim, inmeras so as

    trocas de acusaes que estampam as pginas dos jornais na regio naquele momento.

    Na edio do Jornal da Manha,de Campo Grandedo dia 17 de Maio de 198416o

    presidente do Sindicato Rural de Trs Lagoas, Jos Queiroz Moreira, estando em CampoGrande para divulgao de evento agropecurio, aproveitou sua passagem para publicao de

    um artigo em que denuncia uma possvel ao da CPT em terras trslagoense. J apresentando

    seu posicionamento no ttulo da matria, Trs Lagoas: invaso preparada relata que uma

    rea de 700 h s margens do Rio Paran, pertencentes propriedade de Orestes Prestes

    Tibrio, estaria prestes a ser invadida por sem terras. Segundo o autor, o plano estaria sendo

    arquitetado pela CPT-Trs Lagoas e a figura de Luiz Ernesto Brambatti, conhecido como

    Chico, mencionada como mentor da ao. No restante, a matria suscita crticas diretas a

    CPT e faz grande divulgao do evento agropecurio.

  • 7/25/2019 Artigo Da Igreja Ao Movimento a Cpt e Pastoral Social Nos

    9/11

    1717

    Desconstruindo tais afirmativas, podemos ponderar algumas consideraes: primeiro

    que se observa naquele contexto que o ataque a figura de Brambatti representava tambm um

    ataque a todos pertencentes a CPT, que em outros momentos j haviam trocado farpas por

    divergncias polticas17. Em segundo, o fato do presidente do Sindicato Rural estar em plena

    campanha de reeleio, marcada num momento em que as pginas dos jornais estampavam

    nas capas as ocorrncias em Ivinhema, na ocupao da Gleba Santa Idalina18, posicionar-se

    contrrio a tais aes e mostrar-se a favor do governo vigente, poderiam representar

    elementos favorveis a sua campanha. Como visto o fato de ter conseguido uma verba de 15

    milhes de cruzeiros junto ao Governador Wilson Barbosa Martins, para a exposio

    agropecuria de Trs Lagoas, reala o tom das notcias vinculadas.

    Os esclarecimentos pontuados pela CPT em rplica publicada no Jornal GazetaPopular, em 26 de Maio, contestam o posicionamento do Sindicato Rural e alegam que o

    trabalho da pastoral se constri em prol dos trabalhadores sem terra da regio, por meio do

    Movimento dos Sem Terras que se criara no Estado, e que a prtica de invaso mais dada

    a grileiros impunes, a maioria deles fazendeiros ambiciosos e gananciosos. Tambm reala

    a necessidade de movimentos como estes, j que o Estado no buscava ajudar os

    trabalhadores, e que cada vez mais corroborava com a legitimao do latifndio e a expulso

    destes sujeitos do campo.Lutar pela reforma agrria na dcada de 1970 e 1980 em Mato Grosso do Sul

    representava uma luta contra o Estado, contra os proprietrios de terras e, por vezes, contra

    grande parte da sociedade, que repreendia os trabalhadores e criminalizava suas aes. Da

    mesma forma, aqueles sujeitos ou entidades que neste perodo desenvolviam prticas que

    corroboravam com os movimentos de luta pela terra, eram considerados pelo regime militar

    foras subversivas que atuavam contra os interesses nacionais, sendo alvos de perseguies,

    prises e assassinatos

    19

    . Mieceslau Kudlavicz, agente da Pastoral da Terra no perodo e queainda atua no municpio e regio ressalta que:

    (...) Ento havia muita perseguio, , a reforma agrria era vista muito como umacoisa dos comunistas! Ento tinha muito isso, o pessoal aqui quer introduzir osocialismo no Brasil, no esto interessados na terra, mas em trazer o comunismo,o socialismo pro Brasil, ento voc tinha, uma das barreiras era essa. A violncia e aturbulncia do latifndio era muito grande, mas tambm a violncia e turbulnciado latifndio hoje no mundo. Tambm violento aqui no Estado, o tal do Estadolatifundirio20.

    A relao entre a CPT e os movimentos sociais gestados na regio se faz na

    observao desta como principal canal de articulao e manifestao das lutas de Trs Lagoas

  • 7/25/2019 Artigo Da Igreja Ao Movimento a Cpt e Pastoral Social Nos

    10/11

    1718

    nos anos 1970 e 1980. Pode ser entendida, como matriz da organizao do Movimento dos

    Sem Terra, dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais, de ligao para formao do Centro de

    Apoio aos Movimentos Populares, o CEDAMPO, assim como de inmeras cooperativas pelo

    Estado e da Coordenao das Associaes dos Assentamentos do Mato Grosso do Sul

    (COAMS) (BORGES; KUDLAVICZ, 2008). Seu envolvimento com a questo dos atingidos

    pela construo de barragens no Rio Paran tambm tamanha, visto que se torna o principal

    interlocutor entre os flagelados, o governo e demais instituies presentes.

    Ao mesmo tempo, devemos ressaltar que da mesma forma que a CPT se tornou canal

    de expresso dos movimentos sociais, principalmente na luta pela terra, no podemos

    esquecer que foram os trabalhadores que sensibilizaram a Igreja para a relevncia histrica de

    suas lutas, e no somente setores da Igreja que levam estes trabalhadores para a participao.

    Consideraes Finais

    Assim, por meio de cartilhas e outros documentos produzidos pela CPT-Trs Lagoas,

    podemos apreender importantes momentos destas lutas, que nos apresentam contedos

    significativos para a compreenso deste momento histrico. A partir do trabalho da pastoral, e

    das outras fontes produzidas neste perodo, conseguimos mapear, de certa forma, trajetriasque esboam momentos norteadores do que se configurou a luta pela terra em Trs Lagoas.

    So pistas, que ressaltam a necessidade da compreenso de todo o conjunto para o

    entendimento da problemtica.

    Notas

    1Segundo Leonardo Boff (2005) um de seus telogos, a Teologia da Libertao formulou-se nos anos 1960 econtribuiu para profundas mudanas na ao da Igreja latino-americana, expressando sua renovao e atuaojunto aos pobres e marginalizados. Por meio de inmeras aes neste perodo, buscou construir ideais de umaIgreja direcionada na luta contra opresso poltica e social e para a libertao dos povos. Destes ideais formam-

    se nas prximas dcadas muitos movimentos sociais, como o MST e mediadores destas lutas, como a CPT.2 CPT-Trs Lagoas, 2000.3Igreja e Terra. Pastoral Social e CPT, Trs Lagoas, 1984.4Jornal do Povo. Trs Lagoas/MS. 06 de Maio de 2009.5Jornal O Estado de So Paulo, 03 de Julho de 1982.6A voz do Povo um boletim informativo dos movimentos populares, ligado comisso de direitos humanosde Lins. O objetivo desse informativo divulgar informes, notcias das lutas do povo e dos movimentospopulares na regio noroeste do estado de So Paulo. Porm, encontramos em suas matrias muitas informaessobre outras regies que se encontram ligadas ao IAJES - Andradina, como no caso da microrregio de TrsLagoas-MS, assim como outras mais que reconstroem toda uma rede de movimentos sociais neste perodo. elaborado pelo IAJES e a Faculdade de Servio Social de Lins.7Comisso Missionria Popular- Proposta de trabalho para o Trinio 1987-89. Pastoral Social, Trs Lagoas,1986.8

    Caderno do Encontro Estadual CEBs, 15-17/11/1985- Campo Grande-MS.

    9Carta de Joo Carlos Oliveri e Belkiss ao conselho regional do IAJES, 21 de Janeiro de 1985.

  • 7/25/2019 Artigo Da Igreja Ao Movimento a Cpt e Pastoral Social Nos

    11/11

    1719

    10Os Encontros das CEBs tiveram sua primeira realizao em 1975, em Vitria-ES, e desde ento j foramrealizados 12 encontros, em 11 Estados diferentes, sendo seu ltimo encontro realizado em Porto Velho, emJulho de 2009.11 O prprio Bispo D. Izidoro Kosinski foi vtima destas perseguies, sendo at mesmo espancado em suaresidncia e levado em estado de coma ao Hospital. Jornal do Povo, Trs Lagoas/MS. 06 de Maio de 2009.12

    O Paranaba Jornal foi fundado na dcada de 1970, em Paranaba, por Francisco Moyses de MenezesMachado e Drusio Magnani Zana, donos de outros meios editoriais da regio, como o rdio. Este jornal seencontra em circulao at hoje.13Paranaba Jornal. 11 de Novembro de 1982, p. 03.14Esta carta vem a ser publicada no Jornal do Povo, em 3 de Novembro de 1982.15Caderno CPT-Trs Lagoas, Outubro de 1984, p. 25-26.16Esta mesma notcia vem a ser posteriormente publicada no Jornal Tempo,de Trs Lagoas, no dia 24 deMaio de 1984.17 oportuno ressaltar que em fevereiro deste mesmo ano, em uma reunio ocorrida no Trs Lagoas Clube emprol das campanhas pelas eleies diretas, Brambatti sofreu alguns ataques depois do discurso proferido pelomesmo no evento, ataques vindos de partidos, instituies e sujeitos, como de Iranilson Alves da Silva, que jteria sido processado pela CPT um ano antes (Jornal Gazeta Popular 18/02/84 e Nota Imprensa, Trs Lagoas,27/04/1983).18 A ocupao da Gleba Santa Idalina ocorreu em 28/04/1984, onde aproximadamente 1000 a 1200 famliasocuparam 8.762 h de terras pertencentes a empresa SOMECO S/A. Este momento marca a continuidade deoutras lutas que estavam ocorrendo no Estado desde 1981, e pode ser considerado como um importante marco nahistria da luta pela terra em Mato Grosso do Sul.19Observa-se ainda hoje que estas aes de repreenso continuam vivas, marcando as lutas no campo com osangue destes agentes. Cita-se o caso da Missionria americana Dorothy Stein, morta por fazendeiros no Par,em 12 de Fevereiro de 2005.20Kudlavicz, Mieceslau. Entrevista. Agente CPT-Trs Lagoas, 09 de Maio de 2007.

    Referncias Bibliogrficas

    BORGES, Maria Celma; KUDLAVCZ, Mieceslau. Histria e vida da CPT em Mato Grossodo Sul. In: ALMEIDA, Rosemeire A. (Org).A questo agrria em Mato Grosso do Sul - umaviso multidisciplinar. Campo Grande: Ed.UFMS, 2008.

    BOURDIEUR, Pierre. O Poder Simblico. Trad. Fernando Tomaz. Lisboa: Difel, 1989.

    MARTINS, Jos de Souza. O poder do atraso. Ensaios de Sociologia da Histria Lenta. SoPaulo: Hucitec, 1994.

    OLIVEIRA, Mariana Esteves de. O grito abenoado da periferia: trajetrias e contradiesdo IAJES e dos movimentos populares na Andradina dos anos 1980. 2006, 298 p. Dissertao

    (Mestrado em Histria) - Universidade Estadual de Maring-UEM, Maring-PR.

    REMOND, Ren. Por uma Histria Poltica. Rio de Janeiro: UFRJ/FGV, 1996.

    SADER, Eder. Quando novos personagens entram em cena. Experincias e lutas dostrabalhadores na grande So Paulo. 1970-1980. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.