Artigo - Da Extinção Dos Contratos

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102 Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008 Da Extinção dos Contratos * Antonio Augusto de Toledo Gaspar Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de São Gonçalo O tema, a despeito da sua importância, não vinha expressamente tipificado no CC/16, tão somente a ele fazendo-se menção em dis- positivos esparsos na legislação. Assim, passou o novel legislador a regulamentar a questão nos arts. 474/480 do CC/02, sem que, contudo, trouxesse à baila o fim da celeuma existente quanto ao assunto, mais precisamente quanto à terminologia a ser utilizada. Também não foram trazidas nos referidos dispositivos legais – e aí com razão – as hipóteses em que o vínculo se dissolve (ou que é declarado como já dissolvido) em razão da existência de máculas que importam em nulidade ou anulabilidade da avença, mormente por ser tal matéria tratada na Parte Geral do Código Civil, visto que aplicável não só aos contratos (negócio jurídico bilateral), mas também aos negócios unilaterais. Ocorre que, partindo-se de uma acepção ampla, e socorrendo-se dos ensinamentos de Orlando Gomes, podemos verificar a primeira vertente que viabiliza a extinção dos contratos, ou seja, aquela que se refere às causas concomitantes à formação do vínculo (negócio) e que atinge o plano da validade do negócio (arts. 166 e segs. do CC/02). Contudo, há causas específicas de extinção, referentes tão só aos contratos e que são reguladas nos dispositivos mencionados. Ainda citando Orlando Gomes, são causas supervenientes à forma- ção do vínculo, sendo elas: a) resilição; b) resolução. Não se pode olvidar que o pagamento é a causa normal da extinção do vínculo contratual. * O presente estudo tem como intento a análise do término do vínculo contratual.

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Artigo de Augusto de Toledo Gaspar sobre a extinção dos contratos.

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  • 102 Revista da EMERJ, v. 11, n 42, 2008

    Da Extino dos Contratos*

    Antonio Augusto de Toledo GasparJuiz de Direito da 2 Vara Cvel da Comarca de So Gonalo

    O tema, a despeito da sua importncia, no vinha expressamente tipificado no CC/16, to somente a ele fazendo-se meno em dis-positivos esparsos na legislao.

    Assim, passou o novel legislador a regulamentar a questo nos arts. 474/480 do CC/02, sem que, contudo, trouxesse baila o fim da celeuma existente quanto ao assunto, mais precisamente quanto terminologia a ser utilizada.

    Tambm no foram trazidas nos referidos dispositivos legais e a com razo as hipteses em que o vnculo se dissolve (ou que declarado como j dissolvido) em razo da existncia de mculas que importam em nulidade ou anulabilidade da avena, mormente por ser tal matria tratada na Parte Geral do Cdigo Civil, visto que aplicvel no s aos contratos (negcio jurdico bilateral), mas tambm aos negcios unilaterais.

    Ocorre que, partindo-se de uma acepo ampla, e socorrendo-se dos ensinamentos de Orlando Gomes, podemos verificar a primeira vertente que viabiliza a extino dos contratos, ou seja, aquela que se refere s causas concomitantes formao do vnculo (negcio) e que atinge o plano da validade do negcio (arts. 166 e segs. do CC/02).

    Contudo, h causas especficas de extino, referentes to s aos contratos e que so reguladas nos dispositivos mencionados. Ainda citando Orlando Gomes, so causas supervenientes forma-o do vnculo, sendo elas: a) resilio; b) resoluo. No se pode olvidar que o pagamento a causa normal da extino do vnculo contratual.

    * O presente estudo tem como intento a anlise do trmino do vnculo contratual.

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    No que concerne resilio, pode esta ser bilateral ou unila-teral.

    Quando bilateral, chamada de distrato (ou seja, novo consenso para desfazer o contrato), sendo necessria a observncia dos requisitos de existncia e validade como em um negcio qualquer. Ressalte-se que, luz da autonomia da vontade, podem as partes estabelecer o modo em que os efeitos do distrato se operaro se ex tunc ou ex nunc. O novo CC/02 trata do tema no art. 472 ao falar da forma do distrato, que deve ser aquela exigida para o contrato, se a lei assim fizer. Observe-se: no a forma escolhida pelas partes para o contra-to, mas a forma, excepcionalmente, imposta por lei. Por outro lado, se para o negcio a lei impe forma especfica, como, por exemplo, na hiptese do art. 108 do CC/02, o distrato deve observar tal forma. Diferentemente se o negcio tiver forma livre, quando, ento, poder o distrato ser feito de qualquer forma, ainda que diferente da que foi utilizada no contrato.

    J a resilio unilateral, no que concerne ao seu mbito de incidncia, mostra-se em menor nmero, visto que ela materializa a vontade de uma das partes do contrato, sendo certo que o art. 473 do CC informa que tal forma extintiva s decorre de poder conferido pela lei.

    Diz o mencionado dispositivo legal que a resilio opera-se pela denncia do contrato. Ou seja, a denncia uma das formas de se utilizar a resilio unilateral. Contudo, outras formas de resilio unilateral so apresentadas pela doutrina, tais como a revogao e a renncia.

    Permite-se a denncia em contratos com prazo indeterminado, tal como no contrato de comodato e na locao (art. 46, 2 da Lei 8.245/91 para o inquilino, art. 4).

    O termo revogao oriundo do latim revocare, significando, em sntese, fazer voltar e verifica-se, segundo ensinamento de Ar-noldo Wald, atravs daquele que participa da formao de contrato que tinha como elemento a confiana , tal como ocorre na revogao do mandato pelo mandante (art. 682). Tambm se v a revogao da doao nas hipteses previstas no art. 555.

    Extingue-se, ainda, o vnculo contratual atravs da renncia, como prev, por exemplo, o art. 688 CC/02 (renncia do mandatrio),

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    ou naquelas hipteses em que o credor, renunciando ao seu direito (que disponvel), torna vazio o vnculo contratual, importando na sua extino (quando o contrato for unilateral).

    Ao lado da resilio, temos a resoluo. D-se a extino do contrato pela resoluo quando evento futuro e incerto se verifica, quais sejam: a) inadimplemento; b) onerosidade excessiva. No se pode olvidar, porm, que qualquer outro evento pode figurar como condio a ensejar a resoluo do negcio jurdico, luz do art. 128 CC.

    O evento inadimplemento regulado nos arts. 474 e 475, en-quanto a onerosidade excessiva, nos arts. 478/480.

    Passa-se, pois, anlise da resoluo pelo inadimplemento, tambm chamada de resciso contratual.

    Possvel que as partes contratantes estabeleam, atravs de clusula contratual, que o inadimplemento gerar a resoluo do con-trato. Trata-se, pois, do que se chama de clusula resolutiva expressa. Assim, lendo o art. 474 CC, 1 parte, v-se que a mesma opera de pleno direito, ou seja, no necessria a sentena desconstituindo o contrato, visto que eventual reconhecimento ter efeitos meramente declaratrios. H de se ressaltar que tal clusula pode estar presente at em contrato unilateral (pacta sunt servanda).

    Mas tambm se fala na clusula resolutiva tcita, que recai, to s, sobre os contratos bilaterais.

    Entende-se, nesses contratos, que o inadimplemento causa de pedir de pretenso desconstitutiva deduzida em juzo. Contudo, impe-se a constituio em mora mediante interpelao judicial.

    Seja em razo da clusula expressa, seja em razo da tcita, a extino por inadimplemento, nos termos dos art. 233/256 CC, gera efeitos ex tunc, ou seja, busca-se o retorno ao status quo ante, alm do pagamento das perdas e danos. Entretanto, impende mencionar que as recentes reformas feitas no Cdigo de Processo Civil vieram viabilizar o cumprimento especfico da obrigao, conforme se v dos artigos mencionados.

    A ttulo de esclarecimento, nas hipteses de clusula resolutiva expressa em relao de consumo constituda por fora de negcio de execuo diferida ou de trato sucessivo, tem a jurisprudncia iden-tificado a necessidade de no se extinguir o contrato, mas to s de

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    se cobrar ao consumidor o efetivo cumprimento de sua obrigao quando j cumprida boa parte do contratado, mormente em razo do princpio da boa-f objetiva e da funo social do contrato (arts. 421e 422 CC). Nesse passo, o legislador no mais permite que a clu-sula resolutiva expressa importe na clusula de decaimento (art. 53, Lei 6.078/90), embora, tambm luz da boa-f objetiva e da funo social do contrato, esteja a jurisprudncia fazendo, na hiptese de ser o contrato extinto, uma compensao entre o que foi pago e o que foi utilizado; em sntese, do que o consumidor se beneficiou. Julgados do Tribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro, como a apelao cvel n 2003.001.30031, Rel. Des. Luiza Cristina Bottrel Souza, fixaram perda de 30% em prol do fornecedor.

    Falando-se em inadimplemento, h de se verificar que pode ser este reconhecido por meio de defesa de mrito indireta, denominada exceptio non adimplenti contratus, estudada nos art. 476/477 CC, aplicvel aos contratos bilaterais, onde um contratante no pode exigir do outro o cumprimento da prestao se ainda no cumpriu com a sua. Nesse contexto, conclui-se que, se as partes no houverem estabelecido o cumprimento sucessivo das prestaes, ou ento a lei, como dispe, por exemplo, o art. 491 do CC/02, a pretenso de cobrana s surge aps o cumprimento da obrigao.

    Pode, ainda, ocorrer a extino do contrato pela resoluo em virtude de onerosidade excessiva, tema que regulamentado nos art. 478/480 CC.

    O tema, embora no tivesse colhido a simpatia dos romanistas, teve na Idade Mdia o seu nascedouro, com a ponderao de seus juristas de que o momento da execuo dever estar em perfeita con-corrncia com o momento de constituio do contrato, sob pena de ofensa a uma das partes. Tal teoria foi conhecida como clusula rebus sic stantibus, ou seja, deve o contrato ser cumprido de acordo como as coisas vinham se dando (ocorrendo).

    Nos dias atuais, deu a clusula rebus sic stantibus ensejo ao nascimento da teoria da impreviso, que, segundo Caio Mrio, mostra-se mais adequada, embora a teoria da base do negcio jurdico tambm alcanasse o mesmo efeito, ao dizer que a base do contrato comutativo a equivalncia das prestaes. Uma vez composta tal base, compe-se o prprio contrato.

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    Segundo o art. 478 CC, aplica-se a onerosidade excessiva nos contratos comutativos de execuo diferida ou de trato sucessivo (exe-cuo continuada) quando, por motivos supervenientes e imprevisveis, a prestao de uma parte se torna excessivamente onerosa, podendo esta pedir a resoluo do contrato. Mas, a parte contrria pode evitar a resoluo, oferecendo-se a modificar de forma eqitativa o contrato.

    H de se ressaltar que a teoria da impreviso j havia sido ado-tada pelo CDC em seu art. 6, V, inclusive de forma mais completa, pois contempla a reviso, luz do princpio da manuteno dos negcios, no exigindo a comprovao do requisito da imprevisibili-dade. Observe-se que a supervenincia uma das caractersticas que distingue a onerosidade excessiva da leso.

    Enfim, o art. 480 CC/02 considera a onerosidade excessiva aos contratos unilaterais, para reviso da prestao, e no, para resoluo, ou seja, deu tratamento mais adequado ao contrato unilateral frente ao bilateral comutativo, circunstncia esta que se apresenta como uma incoerncia, merecendo do intrprete a necessria adequao no sentido de sempre se buscar a manuteno do vnculo contratual.

    Depreende-se, pois, ter a novel codificao dado um largo passo no sentido de uma escorreita regulamentao das causas extintivas do vnculo contratual indo ao encontro do que afirmavam Doutrina e Jurisprudncia..