Arte Como Experiência

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'Arte como experiência', de John Dewey, por Ana Beatriz Duarte Arte como experiência, de John Dewey. Tradução de Vera Ribeiro. Martins Editora, 648 páginas Por Ana Beatriz Duarte Se julgar apenas o título, um desavisado pode achar que "Arte como experiência", de John Dewey, da Editora Martins, se trata de um livro sobre teoria estética contemporânea, escrito por algum jovem autor. Mas o volume, embora só agora traduzido na íntegra e lançado em português, foi escrito há quase 80 anos. Já ciente disso, a confusão poderia, ainda assim, persistir: Dewey de fato comunga com os contemporâneos de ideias bastante atuais. Por exemplo, atribui ao espectador um papel ativo na formação da obra, lugar explicitado em obras ditas participativas a partir da década de 1960. Para Dewey, o fruidor da arte teria uma função criativa nas experiências em geral, e na da arte em particular. A recepção estética, para ele, é uma ação de recriação do processo de produção. O artista cria apenas o "produto artístico", diz o autor. A "obra de arte" é o que ele provoca em quem o experimenta. Talvez nosso leitor hipotético também pudesse esperar, já sabendo que o texto é de um dos grandes fundadores da filosofia pragmatistav- criada ao lado de Charles S. Peirce e William James no final do XIX nos Estados Unidos -, uma interpretação um tanto darwinista da história da arte (ao estilo greenberguiano - quem sabe? - 20 anos antes do próprio). Mas, embora os pragmatistas tenham sido de fato influenciados pelas ideias de Charles Darwin, compartilham com ele apenas o consequencialismo, ou seja, o princípio de fazer afirmações apenas a partir de efeitos já dados, não a concepção de melhoria contínua em geral atribuída à teoria científica. Mesmo acreditando que as mudanças concorrem para um desfecho final, apontado no futuro, a antimetafísica de Dewey o defende de uma possível intenção moral que poderia equivocadamente lhe ser atribuída. Como bom pragmatista, não está interessado em julgar, mas em entender como uma obra chega à condição de arte. "[A mente]", cita o filósofo Abraham Kaplan no prefácio, "não é denominada por substantivos nem adjetivos, mas por advérbios". A própria referência de sua estética à "experiência", não a primeira em um livro seu, faz lembrar a fenomenologia da década de 1960, ainda usada por boa parte da crítica de arte hoje. A filosofia de Husserl e Merleau-Ponty, assim como o pragmatismo - o de Dewey pelo menos -, fala sobre o que acontece entre o mundo e o corpo - ou a "a criatura viva", na nomenclatura que usada por Dewey - através dos sentidos. Eis o que seria uma experiência. A arte, segundo "Arte como experiência", também é uma, mas não uma qualquer. É a experiência intensificada, concentrada, exponenciada, aquela que retira o homem da monotonia do cotidiano, ressignificando - o pragmatismo é uma filosofia centrada no signo - objetos em algo singular, desde que guardando pelo menos um resquício de realidade, ressalva o autor. Embora a fenomenologia seja uma ode ao aqui-e-agora e o pragmatismo aponte para o futuro, para o tal desfecho final, para as

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'Arte como experiência', de John Dewey, por Ana Beatriz DuarteArte como experiência, de John Dewey. Tradução de Vera Ribeiro. Martins Editora, 648 páginasPor Ana Beatriz DuarteSe julgar apenas o título, um desavisado pode achar que "Arte como experiência", de John Dewey, da Editora Martins, se trata de um livro sobre teoria estética contemporânea, escrito por algum jovem autor. Mas o volume, embora só agora traduzido na íntegra e lançado em português, foi escrito há quase 80 anos. Já ciente disso, a confusão poderia, ainda assim, persistir: Dewey de fato comunga com os contemporâneos de ideias bastante atuais. Por exemplo, atribui ao espectador um papel ativo na formação da obra, lugar explicitado em obras ditas participativas a partir da década de 1960. Para Dewey, o fruidor da arte teria uma função criativa nas experiências em geral, e na da arte em particular. A recepção estética, para ele, é uma ação de recriação do processo de produção. O artista cria apenas o "produto artístico", diz o autor. A "obra de arte" é o que ele provoca em quem o experimenta.Talvez nosso leitor hipotético também pudesse esperar, já sabendo que o texto é de um dos grandes fundadores da filosofia pragmatistav- criada ao lado de Charles S. Peirce e William James no final do XIX nos Estados Unidos -, uma interpretação um tanto darwinista da história da arte (ao estilo greenberguiano - quem sabe? - 20 anos antes do próprio). Mas, embora os pragmatistas tenham sido de fato influenciados pelas ideias de Charles Darwin, compartilham com ele apenas o consequencialismo, ou seja, o princípio de fazer afirmações apenas a partir de efeitos já dados, não a concepção de melhoria contínua em geral atribuída à teoria científica. Mesmo acreditando que as mudanças concorrem para um desfecho final, apontado no futuro, a antimetafísica de Dewey o defende de uma possível intenção moral que poderia equivocadamente lhe ser atribuída. Como bom pragmatista, não está interessado em julgar, mas em entender como uma obra chega à condição de arte. "[A mente]", cita o filósofo Abraham Kaplan no prefácio, "não é denominada por substantivos nem adjetivos, mas por advérbios".A própria referência de sua estética à "experiência", não a primeira em um livro seu, faz lembrar a fenomenologia da década de 1960, ainda usada por boa parte da crítica de arte hoje. A filosofia de Husserl e Merleau-Ponty, assim como o pragmatismo - o de Dewey pelo menos -, fala sobre o que acontece entre o mundo e o corpo - ou a "a criatura viva", na nomenclatura que usada por Dewey - através dos sentidos. Eis o que seria uma experiência. A arte, segundo "Arte como experiência", também é uma, mas não uma qualquer. É a experiência intensificada, concentrada, exponenciada, aquela que retira o homem da monotonia do cotidiano, ressignificando - o pragmatismo é uma filosofia centrada no signo - objetos em algo singular, desde que guardando pelo menos um resquício de realidade, ressalva o autor.Embora a fenomenologia seja uma ode ao aqui-e-agora e o pragmatismo aponte para o futuro, para o tal desfecho final, para as consequências, as afinidades entre os autores continuam: ambos propõem, guardadas as diferenças, uma quebra de dicotomias, a fusão entre sujeito e objeto. Para Dewey, é a arte, quando se realiza, que promove tal integração. Então com quase 90 anos, e já consagrado como um dos nomes inaugurais da chamada Escola de Chicago, ele ensaia uma solução epistemológica, qualificando a arte como um "desafio à filosofia" (e lembremos que artistas e críticos contemporâneos propõem uma releitura do pensamento para dar conta de uma produção arredia à formação de uma teoria totalizante, que tem sempre que "ampliar seu campo" para comportar novas realidades. Joseph Kosuth, aliás, tenta dar uma solução definitiva colocando a "Arte depois da filosofia"). Depois dele, as teorias estéticas não podem mais optar por enfatizar apenas um dos dois pólos, ou seja, o homem e seu entorno.Kaplan, na extensa introdução, afirma categoricamente que Dewey condenaria a arte contemporânea que, segundo a questionável opinião do prefaciador, se afasta da vida, contrariando o que seu prefaciado, amante de Cézanne, Matisse e Van Gogh, acreditava ser a característica mais radical da arte. Ela seria, segundo ele, a forma de comunicação mais perfeita, veículo de significados incorporados a uma

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matéria que lhe serve de vetor. A experiência artística é, diz, o resultado da reorganização de outras experiências, da ênfase de características e relações do mundo invisíveis na modorra do cotidiano. Daí o repúdio do autor por certa "concepção de arte que a espiritualiza, retirando-a da ligação com os objetos da experiência concreta". A arte, porém, não representa tais traços e objetos, mas possui a capacidade de expressar significados "abstraídos" de particularidades do ambiente; comunica, é uma experiência do artista que inspira experiências naquele que dela desfruta. Eis sua singularidade.E eis também seu universalismo. É isso que, para o filósofo, faz com que criações de tempos passados, surgidas em contextos até desconhecidos, sejam reconhecidas como arte por civilizações futuras. Nela, um povo expressa o significado de suas vidas. O produto artístico se torna clássico ao se distanciar das condições em que foi criado. Mesmo quando a obra traz valores anteriores - como religião, por exemplo -, estes não exercem influência sobre seu valor estético.Ironicamente, Dewey acabou mais estudado e seguido por pedagogos que por postulantes a artista, críticos ou filósofos. A rebelião contra o hábito inspirou educadores - e arte-educadores - que valorizavam a capacidade crítica como índice de inteligência. O rompimento com o hábito, acreditam, instaura uma desejada visão crítica diante da vida. A escola progressivista, baseada em suas crenças, convoca o uso da democracia, outra palavra frequente em seus escritos, como lema.No Brasil, o autor impulsionou o movimento Escola Nova, cujo maior expoente, Anísio Teixeira, foi seu primeiro tradutor e um dos maiores difusores de suas ideias no país. A atualidade da abordagem de Dewey poderia nos fazer perguntar se o atraso, em princípio vergonhoso, na tradução de um (discutível, até por ele mesmo) "clássico" não teria colaborado para um certo diacronismo bem-vindo. Em 1934, quando saiu nos Estados Unidos, nossa Semana de 22, por assim dizer, nem existia para a história. Seria "inventada" apenas nos anos 1950, uma época já mais acostumada com a "tradição da ruptura". Ao reeducar a percepção, a crítica devedora de suas ideias forma o experimentador ideal da arte, aquele que cria sua experiência diante de uma obra e, nessa interação, constitui sua subjetividade, que não existe antes dela. O mais importante elemento da experiência é o movimento, a ação. E para um pragmatista, não é possível explicar o mundo fora dela.ANA BEATRIZ DUARTE é jornalista 

 Transcript 1. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ Curso de graduação em

FilosofiaDisciplina Estética IIQuestões sobre o livro “Arte como experiência”, de John Dewey. 1. O que é uma experiência? 2. O que torna uma experiência singular? 3. Como um olhar embotado interfere na vivência de experiências significativas? 4. A experiência estética está ligada apenas à arte? Explique. 5. Qual a relação entre o tempo presente e a vida para uma experiência estética? 6. Como os sentidos e a relação humana com o ambiente natural colaboram para a vivência de experiências? 7. Como as experiências sensoriais conduzem a experiências estéticas poéticas, místicas e espirituais? 8. Porque uma conclusão não é mais importante que uma experiência se a conclusão é um processo que resulta da própria experiência? 9. O que diferencia uma experiência estética das belas-artes de uma experiência estética intelectual além de seu material? 10. Por que há dificuldade em vivenciar experiências estéticas na sociedade urbana contemporânea?ReferênciaDEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010.