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Revista Expressão, Mossoró-RN, v. 41, n. 1, p. 47-57, jan./jul. 2010 A INCLUSÃO DOS SURDOS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR NUMA PERSPECTIVA MULTICULTURAL Keile Correa Picolomini * Marcos Roberto dos Santos ** RESUMO: O artigo nos remete a uma reflexão sobre as questões multiculturais que abordam as políticas de ações afirmativas sobre a inclusão na Educação Superior para atender a demanda da diversidade dentro das universidades. O multiculturalismo, implica em proporcionar aprendizagem significativa através de abordagens metodológicas diferenciadas, dando ênfase ao reconhecimento identitário e cultural, a fim de que o discente tenha consciência de si mesmo dentro do espaço universitário. Para este trabalho destacam-se os estudos de Antônio Sidekum(2003), Paulo Freire(1996), Ronice de Quadros(2006), Gladis Perlim(1998), e Paulo Ricardo Ross(2006), podemos observar o importante papel da academia na alteridade da construção da identidade dos indivíduos surdos para que se sintam integrantes do processo educacional. Palavras-Chaves: Educação Superior. Multiculturalismo. Identidade Surda. Introdução A presente pesquisa propõe uma análise no cenário da Educação Superior, partindo de um prisma de educação multicultural voltada para atender à demanda da diversidade, dentro do espaço acadêmico, a fim de que possa construir bases teóricas que permitirão o pleno reconhecimento, a proteção e a asseguridade dos direitos humanos fundamentais, principalmente no que se refere à inclusão dos surdos. * Professora Pedagoga da rede privada de ensino, pós-graduada em Psicopedagogia Clinica e Institucional e Pós-graduando em Docência do Ensino Superior (Faculdade Afirmativo / Cuiabá-MT) [email protected] ** Secretário Executivo e Profissional Tradutor/intérprete de Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS reconhecido com o Exame Nacional de Proficiência em Tradução e interpretação da Língua Brasileira de Sinais realizado pelo MEC e a Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-graduado em Docência do Ensino Superior (Faculdade Afirmativo / Cuiabá-MT) [email protected]

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Revista Expressão, Mossoró-RN, v. 41, n. 1, p. 47-57, jan./jul. 2010

A INCLUSÃO DOS SURDOS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR NUMA PERSPECTIVA

MULTICULTURAL

Keile Correa Picolomini* Marcos Roberto dos Santos**

RESUMO: O artigo nos remete a uma reflexão sobre as questões multiculturais que abordam as políticas de ações afirmativas sobre a inclusão na Educação Superior para atender a demanda da diversidade dentro das universidades. O multiculturalismo, implica em proporcionar aprendizagem significativa através de abordagens metodológicas diferenciadas, dando ênfase ao reconhecimento identitário e cultural, a fim de que o discente tenha consciência de si mesmo dentro do espaço universitário. Para este trabalho destacam-se os estudos de Antônio Sidekum(2003), Paulo Freire(1996), Ronice de Quadros(2006), Gladis Perlim(1998), e Paulo Ricardo Ross(2006), podemos observar o importante papel da academia na alteridade da construção da identidade dos indivíduos surdos para que se sintam integrantes do processo educacional. Palavras-Chaves: Educação Superior. Multiculturalismo. Identidade Surda.

Introdução

A presente pesquisa propõe uma análise no cenário da Educação Superior, partindo de um prisma de educação multicultural voltada para atender à demanda da diversidade, dentro do espaço acadêmico, a fim de que possa construir bases teóricas que permitirão o pleno reconhecimento, a proteção e a asseguridade dos direitos humanos fundamentais, principalmente no que se refere à inclusão dos surdos.

* Professora Pedagoga da rede privada de ensino, pós-graduada em Psicopedagogia

Clinica e Institucional e Pós-graduando em Docência do Ensino Superior (Faculdade Afirmativo / Cuiabá-MT) [email protected] **

Secretário Executivo e Profissional Tradutor/intérprete de Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS reconhecido com o Exame Nacional de Proficiência em Tradução e interpretação da Língua Brasileira de Sinais realizado pelo MEC e a Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-graduado em Docência do Ensino Superior (Faculdade Afirmativo / Cuiabá-MT) [email protected]

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Na Educação Superior, existe todo um aparato de políticas afirmativas no âmbito da inclusão social. Porém, o que pretendemos suscitar, nesse artigo, é a falta da práxis do envolvimento da comunidade acadêmica com a cultura surda, para que, assim, os surdos possam construir sua identidade sentindo-se parte integrante do meio.

Acreditamos que esse artigo venha contribuir para o processo de ensino e aprendizagem dos surdos, dentro das universidades, processo esse que, histórica e culturalmente, esteve comprometido pelo fato da unificação do ensino, que não legitimava e não tratava com relevância a diversidade cultural dentro das salas de aula.

Um olhar sobre a Educação Superior no Brasil

Para iniciarmos nossa discussão sobre a proposta de inclusão do novo milênio, não poderemos deixar de falar sobre a proposta da Educação Superior no Brasil, qual o currículo que as universidades vem imprimindo em seus acadêmicos ao longo da história? As IES1 tem dado relevância as questões do multiculturalismo dentro do ambiente universitário?

Diante desses questionamentos, observamos que a historicidade da educação superior é construída num cenário de educação vertical, em que o professor assume um papel de detentor do saber que transmitirá conhecimentos instituídos aos acadêmicos. Estes receberão a mesma educação, ao desconsiderar suas diferenças histórico-sociais e culturais conduzindo-os num abismo intelectual desconectando da realidade social, ou seja, unifica o saber posto pela academia.

A partir da década de 1990, algumas reformas começaram a abalar a estrutura universitária no Brasil, desde a organização administrativa à autonomia política das Instituições Federais de Educação Superior. Apontamos que dentre as reformas realizadas na Educação Superior, ocorreu paralelamente a universalização e ampliação do ensino médio, que aumentou de forma significativa o procura pelos cursos universitários. A consequência do aumento pela procura dos cursos superiores ocasionou o crescimento da oferta da Educação Superior no

1 Sigla referente às Instituições de Educação Superior.

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setor privado, visto que a demanda não foi ampliada nas instituições públicas.

O cenário tecido aponta que desde o ano de 2000, eclodiram no ambiente universitário ações que atendessem aos jovens e adultos, por meio das políticas afirmativas para a Educação Superior. É válido ressaltar que, a partir das políticas afirmativas, surge um movimento de inclusão dos grupos segregados (sejam eles negros, índios, homoafetivos e deficientes), que, historicamente, viveram à margem do sistema educacional. Desde então, a universidade vem vivenciando um choque de diferenças no espaço acadêmico, originando, assim, a multiculturalidade nas salas de aula.

Neste sentido, faz-se necessário abordarmos as contribuições da multiculturalidade na educação de surdos. A opção didático-pedagógica adotada na feitura do presente artigo dar-se-á à formação histórica das tramas que tecem os sujeitos da educação de surdos no espaço acadêmico. Na sequência, vamos observar a educação de surdos e a multiculturalidade. A educação de surdos e o multiculturalismo

Na esteira do debate da inclusão de surdos na Educação Superior, observamos que o tema está intrinsecamente relacionado ao conceito de Multiculturalismo. Ao longo da história da humanidade, a sociedade vem sofrendo muitas modificações. Com o avanço da globalização e, consequentemente, a crise de valores, onde não existem mais limites para determinadas violações, fica evidente, então, que a educação toma uma outra face, a do multiculturalismo, que defende uma educação para todos, respeitando a diversidade dentro do ambiente das salas de aula, eliminando os estereótipos dos grupos minoritários. Segundo SIDEKUM, o multiculturalismo caracteriza-se como:

[...] lutas dos direitos humanos que deve ser aportada como o movimento social contemporâneo de maior força e maior radicalidade, que enfatiza o direito à diferença e abarca em seu delicado e difícil trabalho filosófico o resgate da memória e da história das vítimas que haviam sido condenadas ao silêncio. (2006 p. 5)

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A universidade é historicamente marcada pelo silêncio do saber único e absoluto. O saber popular, ou os saberes do povo, é abortado na academia da supremacia do saber. Sabemos que os grupos segregados, marcam a ruptura do silêncio ao gritarem sua cidadania. Cidadania conquistada no estado democrático com a Carta Magna do País, a Constituição da República Federativa do Brasil.

A partir daí, os surdos tiveram várias mudanças a seu favor, seja na consciência da sociedade a respeito do sujeito surdo, e até mesmo perante a lei, como por exemplo, as diretrizes e bases do Conselho Nacional de Educação para a educação inclusiva, a lei da Acessibilidade, o reconhecimento oficial da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e a inserção obrigatória dela como disciplina curricular nos cursos de Licenciatura e Fonoaudiologia.

Esses grupos minoritários já estavam inclusos, mesmo antes das políticas afirmativas sobre a Inclusão, porém não havia legitimidade dessa “aceitação” do diferente dentro das IES, pelo que era muito natural negros, homossexuais, surdos, pobres entre outros, desistirem de suas formações acadêmicas, por causa dos preconceitos sofridos. Com a reforma universitária passamos a discutir agora a função do multiculturalismo na educação.

Para tratarmos especificamente da educação de surdos, o multiculturalismo assume um papel de consolidar direitos fundamentais dos surdos brasileiros que historicamente sofreram grande marginalização do ensino, direitos que trazem a concepção de dignidade humana em nossa sociedade.

O Multiculturalismo defende a valorização da cultura nos diversos grupos sociais e entende o que há de mais valioso na sociedade que é a sua diversidade. Nesses movimentos multiculturais, estão presentes surdos e ouvintes que vivem realidades diferentes, mas são enquadrados numa educação igualitária, ou seja, igual para todos, porém as perspectivas para a inclusão do surdo mobilizam e promovem transformações significativas nos sujeitos de aprendizagem, esperando assim contribuir com as reflexões sobre as práticas pedagógicas oferecidas nas academias. Segundo SIDEKUM.

[...] O tema multiculturalismo já alcançou um avançado nível na discussão acadêmica. Esse alcance é a marca principal das últimas décadas do século XX. Esse avanço

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consolidou-se, sistematicamente, pelos estudos comparados da cultura, desenvolvidos pela antropologia cultural e pela psicologia aplicada, também conhecida por psicologia social intercultural.(2003 p.9)

Para tratarmos sobre a educação e os aspectos culturais dos

sujeitos surdos, será abordado, primeiramente, o processo histórico cultural e social, o qual eles sofreram.

Baseados nos estudos de PERLIM (1998 p. 56) sobre comunidade surda, constatamos que, na Antiguidade, os surdos eram vistos como aberração da natureza, não exerciam a sua cidadania, eram desprovidos de qualquer direito.

Com o fim da Idade Média e início da Idade Moderna, onde há a transição do teocentrismo2 para o antropocentrismo3, os deficientes passam a ser alvo de interesse dos médicos e da ciência, chegando, assim, uma nova fase para os surdos.

No século XIX, ocorreu um Congresso em Milão, na Itália, denominado Congresso de Milão, marco na cultura surda. Pessoas de todo o mundo se reuniram, a fim de decidirem sobre a vida dos surdos; porém a bancada era constituída somente por ouvintes. Nesse congresso decidiu-se, então, a preferência da língua oral à língua gestual, o oralismo se expandiu por toda a Europa, começou, então, a não aceitação dos ouvintes em dividir o seu papel com os surdos dentro da sociedade, e um bom exemplo disso foi a demissão de todos os professores surdos, a fim de que evitassem o contato com os alunos surdos, para que não adquirissem a língua de sinais.

A partir do século XX, começaram a surgir relatos da insuficiência educacional, pois grande parcela deles não conseguiam obter êxito na oralidade, muitos grupos de estudos surgiram, principalmente do americano Willian Stokoe, na década de 1960, que descobriu uma estrutura gramatical semelhante à das línguas orais, provando, assim, o seu valor e sua capacidade de expressão em qualquer nível de abstração.

2 TEOCENTRISMO – do grego THEOS = Deus + KENTRON = Centro. É uma teoria que impõe Deus como o centro do Universo, tudo foi criado por Ele, e por Ele tudo é dirigido. 3 ANTROPOCENTRISMO – do grego ANTHROPOS = Humano + KENTRON = Centro. É uma teoria que surge com o Renascentismo e exalta que a humanidade deve permanecer no centro do entendimento dos humanos.

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Concluíram, então, que a língua de sinais não atrapalhava o surdo em seu desenvolvimento cognitivo, mas ajudava-o a adquirir a fala, por isso Bimodalismo ou Comunicação Total, pois falava e sinalizava simultaneamente.

Esse processo ocasionou um desencontro com a cultura surda. Quando é pedido a um surdo que se comporte linguisticamente de forma semelhante ao ouvinte, sem considerar suas particularidades de comunicação, ele não é supostamente diferente do ouvinte, mas é obrigado a que se comporte e construa, através da alteridade, sua identidade baseada na identidade ouvinte, a qual não aceita essas diferenças, consequentemente isso não irá formar uma auto-identificação positiva, intersubjetivamente reconhecida. Segundo a doutora surda PERLIM: “Ser surdo é participar de um mundo de experiências visuais-espaciais e não de experiências orais-auditivas” (1998 p. 56).

Então, alguns trabalhos desenvolvidos na Europa a partir da década de 1980, principalmente da Dinamarca e Suécia, introduziram o enfoque bilíngue na história dos surdos.

Bilinguismo é uma proposta que atua como possibilidade de integração do indivíduo ao meio sócio-cultural, pois respeita o surdo em todas as suas particularidades e diferenças. Para QUADROS4(2006 p. 18), a língua de sinais é tida como L1, e a língua portuguesa como L2; assim, o surdo pode se desenvolver com um sentimento positivo em relação à sua identidade, enquanto pessoa surda. Não é focado somente na educação científica, mas também em seu desenvolvimento como indivíduo em si mesmo e sua participação na sociedade. Uma reflexão sobre a inclusão dos surdos na Educação Superior

Atualmente, muito se tem falado em Inclusão Social, um termo que até tem se transformado em modismo, todos fazem e praticam a tão propalada temática, partindo de um prisma apenas material ou físico que se caracteriza em fatores econômicos, qualidade de vida, raça, entre

4 Pesquisadora da Língua de Sinais, em seu livro Idéias para ensinar português para alunos surdos, aborda sobre a temática do Bilínguismo que classifica como L1 a língua de sinais como língua materna dos surdos, ou seja, a primeira língua, e L2 sendo a língua oral e segunda língua, que deverá ser ensinada na modalidade escrita.

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outras ausências, porém há todo um aparato de metodologias específicas a cada caso, (DEMO, Apud SIDEKUM 2003 p. 99) afirma: “Essa é apenas a crosta externa do fenômeno da exclusão/inclusão”.

Quando falamos na inclusão dos surdos na educação, torna-se um assunto com um maior grau de complexidade, pois vai envolver culturas e línguas diferenciadas; não basta apenas inserir o surdo em determinado espaço, é necessário propiciar formas com que ele possa afetar e ser afetado pelo meio.

De acordo com o Código de Ética dos Profissionais Tradutores/intérpretes de Língua Brasileira de Sinais, o intérprete é apenas um dos instrumentos de acessibilidade; é necessário muitos mais, incluir um surdo implica a alteridade da sua identidade e valorização de sua cultura dentro do espaço acadêmico. Para FREIRE:

A questão da identidade cultural, de que fazem parte a dimensão individual e a de classe dos educandos cujo respeito é absolutamente fundamental na prática educativa progressista é problema que não pode ser desprezado. Tem que ver diretamente com a assunção de nós por nós mesmos. (1996, p. 41)

O termo inclusão é tão velho quanto a humanidade; todos

precisam ser incluídos. Desde que nascemos, somos incluídos na família, na escola, no mercado de trabalho etc. Com relação aos surdos, estão incluídos numa sociedade preconceituosa onde, para se desenvolverem e exercerem sua cidadania, dependerão de outras pessoas para intermediar suas relações com o mundo. Ao deparar com um surdo dentro do cenário de uma sala de aula, qual o papel da universidade para que esse indivíduo não perca suas características dentro do grupo?

Conforme já foi citado, são necessárias, para o processo de ensino e aprendizagem do discente com surdez, a construção da identidade surda e o fortalecimento da sua cultura dentro do ambiente, o que ocorrerá através dos contatos com o meio, pois esse processo pedagógico vai além das paredes da sala de aula, o que possibilitará a formação de cidadãos mais participativos nos processos decisórios sociais. Mas, quando essa relação de alteridade na construção da identidade é negada dentro do espaço acadêmico, surgem, então, grandes dificuldades na interação do surdo com o meio, pois ele não se

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reconhece como sujeito dotado de ações, conhecimentos e saberes numa perspectiva instituinte. Partícipes de ambientes com jogos de poder impostos pelas instituições, de uma forma colonizadora, há, então, uma desconstrução da sua identidade, pois na grande maioria há uma resistência das universidades em contratar intérpretes e muito mais em assegurar a valorização da cultura surda. O CNE/MEC Apud FONSECA da SILVA faz a seguinte consideração a respeito da inclusão:

Entende-se por inclusão a garantia, a todos, do acesso contínuo ao espaço comum da vida em sociedade, sociedade essa que deve estar orientada por relações de acolhimento à diversidade humana, de aceitação das diferenças individuais, de esforço coletivo na equiparação de oportunidades de desenvolvimento, com qualidade, em todas as dimensões da vida. (2008 p. 3)

Já que a inclusão assume esse caráter citado acima, a universidade

deve propiciar formas para que o acadêmico sinta-se confortável em conviver nesse espaço cada vez mais diversificado, que ele tenha a garantia de uma interação harmoniosa e que todos possam conviver com grupos, culturas multifacetadas.

É necessário que o acadêmico e o docente, na alteridade da construção identitária, se assumam como ser pensante, e a prática didático-pedagógica seja rebuscada de forma clara e precisa para dentro do espaço universitário, segundo FREIRE:

Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que o educando em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. (1996 p. 41)

Refletindo sobre o pensamento freiriano, qual o efeito pérfido na

identidade do surdo na atual proposta da inclusão? É papel da universidade e do docente mergulhar na cultura surda, saber quem é esse indivíduo dentro da academia para que possa fazer um paralelo entre o conhecimento científico e as experiências sociais e culturais pela qual passam os acadêmicos, porém para isso exige pesquisa. ROSS em seu

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artigo sobre as práticas inclusivas faz a seguinte crítica à inclusão social, tratando-se da formação do professor docente:

É preferível, então, ser aquele que ignora, porque ignorar significa não conhecer. Aquele que o seu papel passa a ser exercido voluntária e espontaneamente pelos alunos em situações esporádicas e indeterminadas. O aluno com deficiência deixa de receber o trabalho sistemático do professor, dirigente da aula, assumindo a função de mendigar ajudas, instaurando-se um processo de dependência nocivo à conquista de sua autonomia. Segue-se aí o abandono do aluno à própria sorte, seu isolamento, ocasionando a não aquisição e aprendizagem de conceitos e conteúdos fundamentais. Trata-se, neste caso, da distorção dos conceitos de necessidades educativas especiais, integração e inclusão. (2006 p. 284)

Quando a universidade e o docente negam essa alteridade para a

formação da identidade do surdo dentro da sala de aula, nega-se, também, a aquisição de saberes e conhecimentos em sua totalidade, e a competência do discente no decorrer do curso poderá estar comprometida, pois, pela falta das abordagens metodológicas diferenciadas e da sua identidade linguística, ele não conseguirá abstrair todos os conceitos fundamentais necessários para sua formação.

O docente, por sua vez, se encontra num grande paradoxo, entre efetivar a inclusão dos surdos e cumprir a temporalidade da Educação Superior para se adequar a essas metodologias.

No entanto, compete à Universidade discutir a aplicabilidade das políticas de inclusão dos surdos em seu ambiente, para que as “lindas” campanhas de responsabilidade social saia do papel e seja vivenciada na práxis do processo de ensino e aprendizagem. Considerações Finais

O termo inclusão/exclusão tem sido alvo de debates nas diversas esferas sociais, e não podemos deixar de levá-lo para dentro das nossas universidades. O multiculturalismo, movimento iniciado a partir das políticas afirmativas da Inclusão, tem por base os fundamentos teóricos e práticos para a mudança no cenário das injustiças e desigualdades pelas quais sofrem os grupos minoritários, submissos às culturas dominantes.

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O que colocamos em evidência, é que mais do que incluir, as universidades necessitam repensar as estratégias e metodologias para que não prossigam com o processo de exclusão na sua formalidade através da inclusão e a comercialização dos saberes, o que nos permite indagar qual o objetivo da educação superior com relação a inclusão?

Quando falamos na inclusão de surdos, ressaltamos a importância na presença de outros elementos que irá cercear esse processo. Além do profissional tradutor/intérprete de língua de sinais também todo o envolvimento da comunidade acadêmica com a causa. Para isso, a universidade e o corpo docente necessitam estar abertos para a proposta causando uma desconstrução e a quebra de velhos paradigmas construídos históricamente. Para finalizarmos, gostaríamos de deixar uma reflexão sistemática de como está ocorrendo a inclusão dos surdos nas universidades numa perspectiva bilíngue e multicultural, que nos leva a questionar: seria a cultura surda impossibilitada de ascensão social ou a cultura ouvinte inflexível? Referências FONSECA da SILVA, Maria Cristina da Rosa. VI Congresso Português de Sociologia: Políticas da Inclusão no Ensino Superior: Panorama na Legislação Brasileira. UDESC. Santa Catarina 2008.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Editora Paz e Terra. São Paulo 1996.

PERLIM, Gladis T. T. Histórias de vida surda: Identidades em questão. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre – RS 1998.

QUADROS, Ronice. SCHMIEDT, Magali L. P. Idéias para ensinar português para alunos surdos. MEC/SEESP – Brasília-DF 2006.

ROSS, Paulo Ricardo. Aprendizagem e conhecimento: fundamentos para as práticas inclusivas. Revista Perspectiva UFSC. Florianópolis – SC 2006.

SIDEKUM, Antônio (Org.). Alteridade e Multiculturalismo. Ed. Unijuí – Ijuí-RS 2003.

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Recebido em 15/11/09. Aprovado em 03/04/10.

ABSTRACT: THE INCLUSION OF DEAFS IN HIGHER EDUCATION UNDER A MULTICULTURAL PERSPECTIVE The article makes us to reflect about the multicultural aspects that are around affirmatives actions politics about the inclusion in higher education to attend the demand of diversity in the universities. The multiculturalism implies to provide meaningful learning through different methodological approaches, emphasizing the identity and cultural recognition, so that the students are aware of themselves within the university area. For this article, we highlight searchs of Antônio Sidekum(2003), Paulo Freire(1996), Ronice de Quadros(2006), Gladis Perlim(1998) e Paulo Ricardo Ross(2006) we can observe the important part of the university in otherness of the identity construction of deaf people with the objective they feel members of the educational process. Keywords: Higher Education. Multiculturalism. Deafs Identity. RESUMEN:

LA INCLUSIÓN DE LOS SORDOS EN LA UNIVERSIDAD BAJO UNA

PERSPECTIVA MULTICULTURAL El artículo lleva nos a una reflexión sobre las cuestiones multiculturales que se ocupan de las políticas de acciónes afirmativas sobre la inclusión en la educación superior para satisfacer la demanda de la diversidad en las universidades. El multiculturalismo implica en proporcionar aprendizaje significativa a través de diferentes enfoques metodológicos, haciendo hincapié en el reconocimiento de la identidad y cultura, para que el estudiante ha conocimiento de sí mismo en el espacio universitário. Para este trabajo destacan los estudios de Antonio Sidekum (2003), Paulo Freire (1996), Ronice de Quadros (2006), Gladis Perlim (1998) y Paulo Ricardo Ross (2006), se puede observar el importante papel de la universidad en la alteridad de la construcción de la identidad de las personas sordas para qué ellas se sienten miembros del proceso educativo. Palabras-Clave: Educación Superior. Multiculturalismo. Identidad Sorda.