APRESENTAÇÃO - Adusp · 2020-03-12 · J. Ripper/Imagens da Terra 32 ENTREVISTA Rosalind P....

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APRESENT AÇÃO C ampeão de desigualdade, o Brasil real foi novamente desnudado para o mundo com a chegada da marcha dos sem-terra a Brasília, dia 17 deste mês. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) mostrou que o país vai mal não só na questão da Reforma Agrária, como também na falta de políticas geradoras de emprego e de resgate das crônicas dívidas sociais das áreas de habitação, transporte, saneamento básico, saúde e educação. Homens e mulheres tiveram de se pôr na estrada e, literalmente, tomar Brasília para tocar fundo nas feridas das injustiças sociais espalhadas por todo o Brasil. As colunas que marcharam rumo ao Planalto Central mostraram claramente que sem reforma agrária, distribuição de renda, saúde e educação o Brasil será eternamente o país do futuro. Simplesmente do futuro. Nunca das gerações atuais. Com o propósito de contribuir para o debate destas questões importantes, esta edição da Revista Adusp convidou vários articulistas para analisar o ensino superior no Brasil e os rumos da economia brasileira. O ex- reitor da USP e atual da Universidade Mogi das Cruzes, Roberto Leal Lobo e Silva Filho, conta suas experiências ao administrar instituições tão distintas –uma delas pública e outra privada. Luiz Antônio Cunha, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, analisa o ensino de 3º Grau na América Latina e Afrânio Mendes Catani, Romualdo Portela de Oliveira e Tamara Montovani de Oliveira, todos da Faculdade de Educação da USP, mostram que as universidades estaduais paulistas não cumprem dispositivo da Constituição Estadual de ampliar o número de vagas no período noturno. Para mostrar o Brasil real, também retratado nos artigos dos professores Nildo Domingos Ourique, da Universidade Federal de Santa Catarina, e Maria Elisa Marcondes Helene, pesquisadora da Estação Ciência da USP, publicamos um ensaio fotográfico de J. Ripper sobre o trabalho escravo em diversas regiões brasileiras. Pelo conteúdo editorial e a gravidade das situações registradas pelo fotógrafo Ripper, esta edição torna clara a divergência entre o discurso oficial do governo e a realidade brasileira. ••• Esta edição é uma homenagem à professora e sindicalista Ligia Marcondes Machado, falecida no início deste ano.

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APRESENTAÇÃO

Campeão de desigualdade, o Brasil real foi novamente desnudado

para o mundo com a chegada da marcha dos sem-terra aBrasília, dia 17 deste mês. O Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra (MST) mostrou que o país vai mal não só naquestão da Reforma Agrária, como também na falta de políticas geradoras de

emprego e de resgate das crônicas dívidas sociais das áreas de habitação,transporte, saneamento básico, saúde e educação. Homens e mulheres

tiveram de se pôr na estrada e, literalmente, tomar Brasília para tocar fundonas feridas das injustiças sociais espalhadas por todo o Brasil. As colunas que

marcharam rumo ao Planalto Central mostraram claramente que semreforma agrária, distribuição de renda, saúde e educação o Brasil será

eternamente o país do futuro. Simplesmente do futuro. Nunca das geraçõesatuais. Com o propósito de contribuir para o debate destas questões

importantes, esta edição da RReevviissttaa Adusp convidou vários articulistas paraanalisar o ensino superior no Brasil e os rumos da economia brasileira. O ex-reitor da USP e atual da Universidade Mogi das Cruzes, Roberto Leal Lobo eSilva Filho, conta suas experiências ao administrar instituições tão distintas

–uma delas pública e outra privada. Luiz Antônio Cunha, professor daFaculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, analisa oensino de 3º Grau na América Latina e Afrânio Mendes Catani, RomualdoPortela de Oliveira e Tamara Montovani de Oliveira, todos da Faculdade deEducação da USP, mostram que as universidades estaduais paulistas não

cumprem dispositivo da Constituição Estadual de ampliar o número de vagasno período noturno. Para mostrar o Brasil real, também retratado nos artigosdos professores Nildo Domingos Ourique, da Universidade Federal de Santa

Catarina, e Maria Elisa Marcondes Helene, pesquisadora da Estação Ciênciada USP, publicamos um ensaio fotográfico de J. Ripper sobre o trabalho

escravo em diversas regiões brasileiras. Pelo conteúdo editorial e a gravidadedas situações registradas pelo fotógrafo Ripper, esta edição torna clara adivergência entre o discurso oficial do governo e a realidade brasileira.

•••

Esta edição é uma homenagem à professora e sindicalista Ligia Marcondes Machado, falecida no início deste ano.

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ÍÍNNDDIICCEE

6MMIINNHHAA EEXXPPEERRIIÊÊNNCCIIAA CCOOMMOO RREEIITTOORR DDAA UUSSPP

EE DDAA UUNNIIVVEERRSSIIDDAADDEE MMOOGGII DDAASS CCRRUUZZEESSRoberto Leal Lobo e Silva Filho

15BBRRAASSIILL EE MMÉÉXXIICCOO

AA DDUUPPLLAA FFAACCEE DDAA MMOOEEDDAA FFOORRTTEENildo Domingos Ouriques

22UUNNIIVVEERRSSIIDDAADDEE EE SSOOCCIIEEDDAADDEE::

UUMMAA NNOOVVAA DDEEPPEENNDDÊÊNNCCIIAA??Luiz Antônio Cunha

26EENNSSAAIIOO

HHOOMMEENNSS DDEE FFIIBBRRAASSOONNHHOO DDEE LLIIBBEERRDDAADDEE

J. Ripper/Imagens da Terra

32EENNTTRREEVVIISSTTAA

Rosalind P. Petchesky

40CCUURRSSOOSS NNOOTTUURRNNOOSS

Afrânio Mendes Catani, Romualdo Portela de Oliveira e Tamara F. Mantovani de Oliveira

46OOSS EELLEETTRRÔÔNNIICCOOSS EE OO FFUUTTUURROO OOBBSSCCUURROO DDAA UUNNIIVVEERRSSIIDDAADDEE

Eli M. Noam

52CCRRIIAATTIIVVIIDDAADDEE NNAA SSOOCCIIEEDDAADDEE DDEE CCOONNSSUUMMOO

Maria Elisa Marcondes Helene

58LLIIGGIIAA MMAARRCCOONNDDEESS MMAACCHHAADDOO

JJOOSSÉÉ MMOOUURRAA GGOONNÇÇAALLVVEESSZilda Iokoi e Francisco Nóbrega

61CCAARRTTAASS

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Abril 1997 RReevviissttaa Adusp

MINHA EXPERIÊNCIA COMO REITOR DA USP E DA UNIVERSIDADE MOGI DAS CRUZES

Roberto Leal Lobo e Silva Filho

Ex-reitor da USP e atual da Universidade Mogi das Cruzes (UMC), Roberto Leal Lobo e Silva Filho traça um paralelo entre a gestão dessas universidades. Segundo ele, a estrutura atual da USP é profundamente

inadequada à introdução de mudanças realmente profundas e cada vez maisnecessárias para que ela possa acompanhar as novas tendências mundiais.

“As idéias expostas numa eleição para reitor (da USP) e aprovadas pela comunidade acabam esbarrando em estruturas consolidadas e estratificadas,

amparadas em complexos e abundantes mecanismos decisórios nos quais quem decide não tem rosto nem é responsável pelos gastos nem pelo sucesso

das decisões tomadas”, diz ele. Em relação à UMC, Roberto Lobo afirma que, a agilidade na implantação das decisões é o ponto positivo. “A pequena qualificação

acadêmica e a inexperiência de inserção e cooperação nacionais e internacionais são fatores negativos que terão de ser suplantados a curto prazo”, afirma ele.

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Em 1961, concluí ocurso de Engenha-ria Elétrica, OpçãoEletrônica, na PUCdo Rio de Janeiro,minha terra natal.

Já desde o terceiro ano de faculda-de era bolsista do CNPq na áreade física e, posteriormente, emcomputação. Passei a integrar oDepartamento de Física da Escolade Engenharia de São Carlos/USPa convite do professor Sérgio Mas-carenhas, então chefe do Departa-mento. De lá saí para a Universi-dade de Purdue nos EUApara aprofundar meus co-nhecimentos em física dosmateriais, onde obtive oDoutorado em maio de1967. Depois de um anotrabalhando na Universida-de de Northwestern e noArgonne National Labora-tory, voltei a São Carlos pa-ra coordenar o grupo deFísica Teórica e iniciar aorientação de estudantesinteressados nesta área.Em 1979, afastei-me da di-reção do então Instituto de Físicae Química de São Carlos, para as-sumir, a pedido do Presidente doCNPq, professor Maurício MatosPeixoto, a direção do Centro Brasi-leiro de Pesquisas Físicas, perten-cente ao Conselho. Foi minha pri-meira experiência efetiva de gestãode C&T e de administração de en-tidade de ensino e pesquisa. O queme parecia temporário e circuns-tancial acabou transformando-senuma nova atividade profissionalque me acompanha desde então.Sempre encarei a atividade de ad-

ministração neste tipo de institui-ção como um problema a ser anali-sado com uma metodologia seme-lhante à utilizada na pesquisa cien-tífica: identificar o problema a par-tir dos dados, montar o quadro devariáveis e correlações importan-tes, eliminar variáveis não-essen-ciais e procurar encontrar a solu-ção correta. É claro que na admi-nistração é necessário abandonar avisão de que existe uma soluçãoúnica, para analisar num leque depossibilidades, optando-se pela demaior probabilidade de sucesso.

No CBPF, iniciamos a discussãosobre a necessidade de um labora-tório nacional na área de mate-riais, capaz de atrair talentos tec-nológicos e experimentais para tra-balhar num projeto internacional-mente competitivo com alta tecno-logia agregada. Surgiu então oProjeto Síncrotron, hoje Laborató-rio Nacional de Luz Síncrotron.Em 1984, assumi, pela segundavez, a diretoria do Instituto de Físi-ca e Química de São Carlos, porindicação unânime, exceto pelomeu voto.

Em 1986, com o falecimento doprofessor André Cruz, poucos me-ses depois da posse, assumi o lugarna vice-reitoria daquele que haviasido meu candidato e amigo. Naeleição seguinte, fui candidato ven-cedor para assumir a reitoria, paraa qual fui imediatamente indicadopelo então governador, apesar daspressões de membros do partidodo governador para que ele esco-lhesse outro integrante da lista, in-dicado em terceiro escrutínio. Tra-balhei intensamente como reitor,cargo que abandonei ao me demi-

tir por discordar radical-mente da forma pela qualestava sendo trabalhada,interna e externamente, asucessão da Universidade.

Fora da reitoria, refletisobre a conveniência deminha permanência naUSP e decidi aposentar-mepara ter a liberdade de per-manecer atuando na áreaque mais me interessavanaquele momento, as polí-ticas de ensino superior e agestão das instituições. In-

tensifiquei minha participação noPrograma Columbus e logo depoisfui convidado a integrar o ComitêCientífico do Programa ALFA, daComunidade Européia, onde fuieleito vice-presidente.

Enquanto trabalhava como con-sultor da FINEP, onde desenvolvilinha de financiamento voltada àgestão da educação, fui convidadoa compor um grupo de consultorespara propor um Projeto Acadêmi-co para a Universidade de Mogidas Cruzes, de forma a torná-la, navisão do presidente de sua Mante-

Fora da reitoria, refleti sobre a

conveniência de minha

permanência na USP e decidi

aposentar-me para ter a liberdade

de permanecer atuando na área

que mais me interessava naquele

momento, as políticas de ensino

superior e a gestão das instituições.

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nedora, a melhor universidadeparticular do Brasil no final desteséculo. Este trabalho, que desen-volvi com muito empenho e tra-zendo muitas experiências do Bra-sil e do exterior, acabou resultan-do num convite para assumir a rei-toria daquela universidade, que seencontrava vaga, com o entendi-mento de que seria implantado umprojeto ambicioso de qualidade eque a universidade gozaria de am-pla autonomia para executá-lo. Porisso, assumi a reitoria da UMC, em22 de junho de 1996.

Sistema de ensino superior brasileiro

Segundo dados do MEC, em1994 o Brasil contava com1.661.034 alunos matriculados noensino de terceiro grau, sendo que75,2% destes no setor particular,como um todo, incluindo-se aí asuniversidades confessionais e co-munitárias e os estabelecimentosisolados. Das novas vagas ofereci-das no mesmo ano, totalizando 574153, 14,8% eram em instituiçõesfederais, 10,2%, em estaduais,5,9%, em municipais e os restantes69,1% em estabelecimentos parti-culares. O número total de matrí-culas no ensino superior corres-pondia a aproximadamente 11%do número de brasileiros na faixaetária de 18 a 24 anos, bastantepequeno tendo em vista os paísesdesenvolvidos (EUA, 60%, e Eu-ropa Ocidental, cerca de 35%) emesmo com países em desenvolvi-mento, como por exemplo a Ar-gentina. Este indicador, tão redu-zido no Brasil, se explica pelo pe-

queno número de estudantes queconseguem concluir os estudos se-cundários, de cerca de 600.000 porano em 1994. Numericamente,portanto, o ensino superior atendeplenamente à demanda, com 1,04aluno formado no secundário porvaga disponível no ensino superior,embora fosse necessário, para umaanálise mais profunda, compararoferta e demanda por curso.

Tem-se verificado, no passadorecente, fenômenos importantes nosistema de ensino superior brasilei-ro: um crescimento muito pequenodo número de matriculados no sis-tema nos últimos quinze anos, umaumento no número de estabeleci-mentos e, mais recentemente, umatendência de crescimento no nú-mero de egressos do segundo grau,que tenderá a reverter o quadro daúltima década e meia.

O ensino particular é, portanto,o responsável pela grande maioriadas vagas e matrículas no terceirograu, o que torna este sistema, aomenos sob o ponto de vista numé-rico, de grande importância por

atender a três quartos da demandapela formação superior em nossoPaís. A participação relativa do sis-tema particular é especialmenteexpressiva nas áreas de humanida-des (77,8% das matrículas em Di-reito, por exemplo) e bem maismodesta em cursos que exigemforte infra-estrutura, como Medici-na, em que participa com 36,8%das matrículas. A pós-graduação ébastante modesta quando compa-rada com o setor público, princi-palmente com as universidades es-taduais de São Paulo, o mesmo po-dendo-se dizer da contribuição desua pesquisa científica. Pela estru-tura do sistema particular é clarasua vocação para a oferta de cur-sos profissionais, dados em suamaioria por professores horistas,muitos deles originários do merca-do de trabalho externo às universi-dades e em cursos novos onde aflexibilidade curricular e a associa-ção interdisciplinar são mais facil-mente obtidas que nas universida-des públicas, com a conseqüentediminuição da competição com asuniversidades mais tradicionais.

Assim, por um lado se constataa falta de financiamento ao setorparticular de ensino no Brasil, coma conseqüente dificuldade de seimplantarem nele a pós-graduaçãoe a pesquisa sem tornar as mensali-dades fora do alcance do mercadoconsumidor, e o pouco interessepor parte deste segmento de ofere-cer um ensino de real qualidade,com um foco muito mais comer-cial que educacional; por outro la-do, se contrapõe, no entanto a ne-cessidade de bem atender o clientedireto, que é o estudante, a flexibi-

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lidade em adaptar cursos e progra-mas às necessidades do mercado ea agilidade administrativa própriado setor privado, tornando a pro-posta de buscar um novo modelode universidade particular para oBrasil um desafio intelectual e so-cial da maior importância. Foi odesafio que decidi aceitar.

A USP como instituição de ensino superior

Com mais de 50 mil alunos, en-tre estudantes de graduação epós-graduação, além de umaquantidade apreciável de indiví-duos participando de cursos deextensão universitária, a USP é,sem dúvida, a mais destacada ins-tituição de ensino superior brasi-leiro. Ela é a mais importante for-madora de doutorandos e dosprogramas de capacitação docente(PICD) do país. Foi ela que, des-de 1934, institucionalizou a pes-quisa na universidade brasileira,contratando famosos mestres es-trangeiros para nuclearem em tor-no de si grupos ativos de pesquisae implantou o regime de tempointegral, essencial para que estasmesmas atividades pudessem fru-tificar. Como maior centro brasi-leiro em produção científica, nagraduação dispara em primeirolugar em todos os rankings. Tem

uma infra-estrutura moderna paraensino e pesquisa e um corpo do-cente altamente qualificado.

Esta posição de destaque noBrasil, em tamanho e qualidade,deve-se, em primeiro lugar, aoapoio contínuo dos governos deSão Paulo à sua primeira universi-dade. Apesar de a Universidadeter passado por períodos de criseem sua relação com o Estado, éinegável a confiança depositadapelos diferentes governos esta-duais nessa instituição.

Há, no entanto, sérios proble-mas no que diz respeito à eficiênciae à eficácia da USP em relação aoaproveitamento dos recursos públi-cos nela investidos. A maioria delesé de caráter estrutural. Se, por umlado, a infra-estrutura posta à dis-posição dos estudantes é das me-lhores, a organização dos cursos de-monstra profunda falta de coorde-nação, os departamentos decidemde forma quase soberana sobre oensino de disciplinas, com poucopoder para as coordenações de cur-so e quase nenhum acompanha-mento dos estudantes ou das tur-mas. Para o bom aluno, a USP ofe-rece uma imensa potencialidade deaperfeiçoamento, porém o processoeducativo é disperso e pouco valori-zado. A exagerada autonomia dosdepartamentos faz com que nas de-cisões eles sejam soberanos, geran-

do com isso um conflito de ações ea ausência de uma política institu-cional clara. O número excessivo degrandes colegiados deliberativos,que pouco compromisso têm comos resultados de suas deliberações,do ponto de vista da instituição, im-pedem a tomada rápida de decisõese inviabilizam a implantação deuma política institucional. Quemdecide geralmente não paga a contae ninguém é diretamente responsá-vel por eventuais fracassos. As pres-sões, por estas razões, são de tal or-dem, que nada se extingue, só secriam novos órgãos, fazendo comque o número de servidores e do-centes cresça acima das reais neces-sidades da Universidade.

Esta análise, excessivamente su-cinta para poder analisar em pro-fundidade uma instituição com acomplexidade da USP, pode ser as-sim resumida: a USP atingiu umaqualidade de corpo docente e de in-fra-estrutura privilegiadas no pano-rama brasileiro, tem importantescontribuições no ensino, na pós-graduação, na pesquisa e na exten-são, seu custo é elevado porque aeficiência é baixa e há excesso depessoal, sua capacidade de decisãoinstitucional é pequena e os proces-sos internos acadêmicos e adminis-trativos deixam muito a desejar. Éuma grande infra-estrutura disponí-vel para quem souber aproveitar.

Há sérios problemas no que diz respeito à eficiência e à eficácia da USP

em relação ao aproveitamento dos recursos públicos nela investidos.

A maioria deles é de caráter estrutural. Quem decide geralmente não paga

a conta e ninguém é diretamente responsável por eventuais fracassos.

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Minha experiência na gestão da USP

Assumi a reitoria da USP em ja-neiro de 1990, trazendo a experiên-cia de três anos e meio como vice-reitor da gestão de Goldemberg. Omomento era de dificuldade emfunção da grande inflação do finaldo governo Sarney, que exigia rea-justes mensais de salários sem umaprevisão clara da arrecadação dosmeses subseqüentes, um aumentoconstante do pessoal e de uma car-reira para funcionários que previapromoções desvinculadas do orça-mento, que resultou num grandedesequilíbrio entre os crescimentosdas folhas de docentes e não-do-centes. No início de 1990, o paga-mento da folha salarial somente foiviabilizado mediante empréstimobancário sujeito a altos juros, doqual só conseguimos nos livrarquase dois anos depois.

Esta crise precedeu outra, ocor-rida no fim do ano seguinte, quan-do fomos forçados a atrasar salá-rios devido à recessão do final doprimeiro ano do governo Collor.

Atrasar salários é uma das pio-res experiências por que pode pas-sar um dirigente. A insatisfação égeral, abala-se a capacidade de li-derança e gera-se um profundosentimento de impotência e frus-tração. Resolvi que esta situaçãonão mais se repetiria enquanto fos-se reitor. Decidi tomar medidasconcretas para garantir a viabilida-de financeira da USP. Analisei nos-so orçamento que estava compro-metido em mais de 90% com a fo-lha de pagamento, fora as surpre-sas mensais originárias das famo-

sas folhas avulsas que correspon-dem a gastos de pessoal não pre-vistos e que atingia às vezes dezpor cento da folha total. A primei-ra conclusão, óbvia, foi a de quereduções em investimentos, já tãoreduzidos, jamais resolveriam oproblema. Em custeio, era possívelreduzir um pouco, mas nada repre-sentaria como solução. Revimos al-guns contratos, racionalizamos al-

guns serviços, mas essa economiaem termos do gasto global era irre-levante. O impasse era no pessoal.Se a USP necessitasse de todoaquele contingente de recursos hu-manos não haveria solução a nãoser por um forte arrocho salarialem que os salários ficassem injus-tamente reduzidos e, em muitoscasos, abaixo do mercado. A USPperderia os melhores quadros e odesempenho institucional sofreriagrandemente. Se esta hipótese fos-se correta, seria necessário explicarao governo e à opinião pública quenosso orçamento era insuficiente.

Mas esta não era a realidade.A verdade é que a USP dispu-

nha de um quadro de funcionáriose de professores muito acima desuas necessidades, se indicadoresinternacionais fossem levados emconta, mesmo de forma benevolen-te. Para agravar ainda mais o pro-blema, a carga didática dos cursosera em geral excessiva, servindocomo desculpa para a contrataçãode mais e mais professores. Esteproblema não é exclusivo da USP.De um modo geral, nossas univer-sidades públicas se apresentam in-chadas de pessoal porque nunca seextinguem serviços, embora novossejam criados rotineiramente.

Resolvi, então, trabalhar comminha equipe num programa de ra-cionalização, buscando indicadorespara equacionar necessidades, pro-mover um programa de estímulo anão recontratações em vagas exis-tentes, eliminei o conceito de vagaociosa (porque muitas das funçõeseram elas mesmas ociosas), restrin-gi promoções às previsões orça-mentárias. Redefinimos, posterior-mente, nosso orçamento a partir deliberações mensais baseadas noICMS, a nossa moeda real, de talforma que os diretores e chefes emgeral fossem capazes de saber comquanto contavam e quando. Estasmedidas fizeram que de um déficitde uma folha de pagamento queencontrei, deixasse em caixa umafolha adicional quando saí da reito-ria. Não havia, na verdade, base pa-ra dizer que a USP precisava mais,sem reduzir gastos desnecessários.Infelizmente, esta postura foi sem-pre mal entendida pelas entidadessindicais da USP, que nunca quise-

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Este problema não é

exclusivo da USP.

De um modo geral,

nossas universidades

públicas se apresentam

inchadas de pessoal

porque nunca se

extinguem serviços,

embora novos sejam

criados rotineiramente.

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ram compreender que é preciso sa-near para reivindicar e que não éjusto exigir que o povo pague pornossa ineficiência. Quanto ao inves-timento, consegui com o então go-vernador Fleury que o governo doEstado honrasse o compromisso derepassar a contrapartida relativa aoprograma do BID, o que permitiuque mantivéssemos o ritmo dos in-vestimentos e fossemos elogiadosao final do Programa com exemplosde eficiência na gestão dos recursosdaquele banco.

Na área acadêmica, atividade-fim da Universidade, creio queconseguimos vários sucessos ao la-do de algumas propostas que nãoevoluíram como desejávamos. Aárea de extensão teve um cresci-mento importante, com a criaçãode vários programas de apoio à co-munidade, entre elas o Fim de Se-mana na USP, que atraía cerca decem mil pessoas por fim de semanaem nosso campus. Algumas açõesnas áreas de pesquisa, como o for-talecimento dos núcleos de pesqui-sa, o curso de Ciências Molecula-res, a criação de alguns cursosprincipalmente noturnos e doCampus de Pirassununga, tantoquanto a exigência de seis horassemanais de atividade didática pa-ra os professores, a valorização da

docência principalmente no quediz respeito aos primeiros anos dagraduação, a introdução de Prê-mios como estímulo aos melhoresprofessores, orientadores, pesqui-sadores e doutorandos foram me-didas que, a meu ver, representa-ram avanços nestas áreas.

Dois eventos marcaram, paramim, de forma muito clara, a capa-cidade de mobilização e o poderde pressão da USP, baseados emseu grande prestígio: a contrataçãode professores estrangeiros, semdiscriminações, hoje consolidadapara todas as universidades públi-cas, e a luta pela reversão da deci-são sobre a distribuição do ICMSentre as universidades paulistas.

Estes exemplos foram apresen-tados para melhor elucidar a ques-tão mais importante, não tendo oobjetivo de esgotar realizações e,muito menos, constituir-se em al-guma forma de relatório ou avalia-ção de gestão. Estas ações, como éfácil observar para quem conhecebem a USP, foram possíveis por se-rem do âmbito de decisões da rei-toria. Não me foi possível, entre-tanto, mudar e modernizar os pro-cessos internos que constituem, naverdade, o dia-a-dia da universida-de. A graduação não mudou emsua essência. A falta de coordena-

ção entre cursos e departamentos,a prioridade a esta atividade nãofoi consolidada como era minhaintenção desde minha proposta co-mo candidato. A integração entreunidades para a execução de pes-quisas e pós-graduação, a introdu-ção de uma filosofia de gestão porresultados utilizando melhor os re-cursos do Estado, a participaçãomaior da comunidade externa àUSP em suas atividades, inclusivecom a contratação de profissionaisbem-sucedidos para colaborar emcursos e programas não foram in-corporadas à cultura da universi-dade. A estrutura de decisões daUSP, sua organização interna edescentralização excessiva não per-mitem a implantação de uma polí-tica efetivamente institucional demédio e longo prazos que não semodifique ao sabor das políticasinternas de poder, claramente ma-nifestas nas substituições periódi-cas dos quadros dirigentes. A es-trutura atual da USP é profunda-mente inadequada à introdução demudanças realmente profundas ecada vez mais necessárias para queela possa acompanhar as novastendências mundiais.

As idéias expostas numa elei-ção para reitor e aprovadas pelacomunidade acabam esbarrando

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em estruturas consolidadas e es-tratificadas, amparadas em com-plexos e abundantes mecanismosdecisórios nos quais quem decidenão tem rosto nem é responsávelpelos gastos nem pelo sucesso dasdecisões tomadas.

Continuei, no entanto, mesmodepois de me afastar da reitoria, aacreditar na necessidade de umprojeto de gestão institucional coe-rente e continuei acreditando namaioria das propostas que fiz nacampanha para a reitoria e, poste-riormente, como reitor da USP.

A UMC como instituição de ensino superior

A UMC é uma universidadeparticular, de caráter filantrópico,reconhecida em 1973 como uni-versidade, tendo suas origens nadécada anterior com a implanta-ção de alguns cursos universitá-rios. Num período em que haviapoucos estabelecimentos de ensi-no superior na região, e mesmo nagrande São Paulo, a UMC cresceurapidamente tornando-se uma dasmaiores universidades particularesdo Brasil, com uma média de cer-ca de 16.000 alunos nos últimosanos. Ela se caracteriza pela pre-sença de uma forte área de saúdeque é responsável por aproxima-damente metade dos cursos e ati-vidades de graduação. Voltada aoensino profissional, a UMC tem ocorpo docente basicamente em re-gime horista, com alguns contra-tos para pesquisa, que não se inte-gram num plano de carreira. Ofe-rece cursos de especialização e ex-tensão, mas não possui nenhum

em stricto sensu, por decisão in-terna de não oferecer programasnesta área, que não fossem reco-nhecidos em caráter nacional.

A Universidade tem uma maio-ria de cursos e estudantes em pe-ríodo noturno, atendendo popula-ções de baixa renda, principalmen-te nas áreas tecnológicas e huma-nas. A infra-estrutura está emacentuado crescimento com a in-trodução de redes de informática ea construção de novos laboratórios.

Mas, o que caracteriza a UMC,hoje, é o projeto institucional ini-ciado em 1992 e que vem se acele-rando ao longo dos últimos cincoanos. Depois de atravessar umafase de expansão, a UMC enfren-tou dificuldades no final dos anos80 e início dos 90. Suas estruturasinternas não haviam se adaptadoao novo porte institucional, e acompetição tornou-se muito mais

acirrada devido à criação de mui-tos cursos concorrentes em SãoPaulo, que atendiam às demandasdos alunos da Grande São Paulo,até hoje importante fonte de alu-nos para a UMC.

Decididos a mudar o perfil ins-titucional e a competir pela quali-dade, a Mantenedora e a Chance-laria da Universidade resolveramcorrer o risco de promover altera-ções de fundo. Assim, criaram umaAssessoria de Planejamento parainiciar o processo de mudança. Es-se processo iniciou-se com um pro-fundo diagnóstico da realidade daUMC, seus processos, os perfis dosdiferentes cargos e a adequação deseus ocupantes às atribuições dasfunções, a visão dos responsáveisde cada setor pelas sistemáticasadotadas, tanto do ponto de vistade fornecedor como de cliente deoutros serviços e processos. Se-

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guiu-se uma longa análise queapontou as deficiências, dificulda-des e qualidades da instituição. Pa-ralelamente, iniciou-se o processode preparação de um plano estra-tégico por meio da introdução dalinguagem do planejamento aos di-ferentes segmentos da Universida-de. Em 1995, a UMC efetuou umaprofunda modificação estrutural,criando uma vice-reitoria, que pas-sou a ser ocupada pela pessoa res-ponsável pela Assessoria do Plane-jamento e, portanto, coordenadorado processo de mudança, para queeste atingisse um estágio aindamais institucional. Como conse-qüência, houve uma profunda revi-são da área administrativa da Uni-versidade, com a substituição deantigos funcionários por profissio-nais recrutados através de consul-torias externas, baseados nos perfisnecessários ao preenchimento dasdiretorias recém-criadas.

Nesta mesma ocasião, a Mante-nedora delegou total autonomia àUniversidade incluindo-se aí a se-leção de seu pessoal, docente e ad-ministrativo, e a execução orça-mentária. Cria-se a Câmara deGestão, órgão composto pelos res-ponsáveis pela gestão administrati-va e acadêmica, para opinar sobreos assuntos que envolvem mais deuma área, melhorando a comuni-cação interna e fortalecendo a coe-rência das decisões institucionais.

Reorganizada a administração,considerada como apoio indispen-sável para a realização das mudan-ças na área acadêmica, a UMCvolta-se para esta. Concebeu oProjeto Acadêmico, já mencionadoanteriormente, que apontou alguns

rumos para um salto de qualidadenesta área. Este projeto, ao ladode outros gerados anterior e poste-riormente a ele, foram consolida-dos no Planejamento EstratégicoInstitucional, aprovado no final de1996. As mudanças estruturaisoriundas das decisões tomadas em1995 e a introdução da nova visãopara as estratégias acadêmicas exi-giram, novamente, revisões de car-gos e perfis, induzindo a profundasmudanças de organização e de pes-soal. Todos os cargos de diretoriase pró-reitorias, tanto na área admi-nistrativa como acadêmica têm ho-je novos titulares. Estas mudançassó foram possíveis graças à autono-mia e à agilidade administrativacaracterísticas do setor privado.

A UMC conta, hoje, com umdos melhores quadros dirigentes doBrasil. É claro que não é o suficien-te para transformá-la imediata-mente numa universidade capaz decompetir pela qualidade com asmelhores do país. O processo edu-cacional é sabidamente lento, devepermear as salas de aula e repercu-tir na qualidade dos egressos, quelevam quatro ou mais anos para seformar. O importante, no entanto,é que o processo de melhoria, dabusca de um novo modelo de uni-versidade, está em marcha interna-mente. O sentimento de que é pos-sível mudar, de que é possível so-nhar sem que os sonhos esbarremem obstáculos burocráticos ou cor-porativistas é o que mobiliza e mo-tiva um grupo de pessoas de expe-riências as mais diversas e que ago-ra se reúnem na UMC, acreditandoque seus ideais como educadorespodem ser realizados, desde que se

tenha muita capacidade de traba-lho e a paciência de reconhecerque nada em educação acontece dodia para a noite.

Minha experiência como reitor da UMC

Relatar minha experiência co-mo reitor da UMC é descreverum breve período que se iniciouformalmente no final de junho de1996, uma jornada de apenas al-guns meses, muito curta, portan-to, para permitir uma análise con-solidada dos diferentes aspectosque envolvem os desafios de umareitoria. Antes de completar umano acadêmico, há processos in-ternos pelos quais não passei umavez sequer.

Como mencionado anterior-mente, fui convidado a assumir areitoria da UMC no final de umaconsultoria que tinha por objetivopreparar um projeto acadêmicopara a Universidade. Este projeto,concluído em maio de 1996, serviucomo uma das bases para a elabo-ração do Planejamento Estratégi-co Institucional da UMC, aprova-do pela Chancelaria e pelo Conse-lho Universitário no final daqueleano. Foi um trabalho intenso por-que buscava-se, na sua elabora-ção, dar respostas a uma série deproblemas crônicos nas institui-ções particulares. Este documentofoi publicado e sugiro que sejaconsultado pelos interessados emcompreender a nossa visão dosproblemas acadêmicos essenciais.A partir do documento estratégi-co, a UMC desenvolve agora osplanejamentos táticos e operacio-

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nais que irão indicar as metasconcretas a serem atingidas pelosdiferentes setores da Universida-de, cuja conclusão está previstapara o final de junho. A partir daí,será introduzida a sistemática daavaliação institucional, que irámonitorar nos próximos anos ocumprimento das metas e serviráde subsídio para a etapa seguintedo planejamento.

Este planejamento prioriza oensino de graduação, mas prevêum forte cres-cimento da ex-tensão — taisações já come-çam a apare-cer, por exem-plo, com pro-jetos inéditospara a Univer-sidade juntoàs Secretariasde Estado daEducação e doTrabalho — e a implantação denúcleos de pesquisa, de carátermultidisciplinar, associados a bol-sas de iniciação científica e moni-torias para os estudantes.

Ao lado deste trabalho, o se-gundo semestre do ano passadofoi gasto com a análise dos princi-pais problemas da instituição ecom a busca de pessoal qualifica-do para montar a nova equipe degestão acadêmica da Universida-de. No início de 1997, tínhamosuma nova equipe montada, que in-clui o pró-reitor Acadêmico, novosDiretores de Graduação, Pesquisae Pós-Graduação e Extensão eServiços Comunitários, além dosDiretores dos Centros de Ciência

e Tecnologia, Ciência Humanas eBiomédicas. Houve também asubstituição de doze dos 22 coor-denadores de curso. Esta mudançatão profunda vai exigir um tempode acomodação e de maturaçãopara poder mostrar resultados. Elasó foi possível graças ao sistemade escolha da UMC, onde os car-gos administrativos superiores sãoconsiderados pro tempore, isto é,não têm mandatos fixos, e à auto-nomia que foi dada à Universida-

de por parte da Mantenedora, queem nenhum caso de substituiçãoquestionou a proposta da Univer-sidade nem os nomes propostospara ocupar os novos cargos.

Uma série de dificuldades, al-gumas ligadas à introdução dasmudanças em prazo curto, que ge-ra naturalmente intranqüilidadeno pessoal acadêmico e adminis-trativo e outras de origem mais es-trutural, como a pequena titulaçãoacadêmica, o pouco tempo de per-manência dos alunos na Universi-dade e a falta de uma cultura depesquisa e extensão, não inibem,todavia, a motivação que a procurade um novo modelo de Universida-de, que introduza novos paradig-

mas para o ensino superior brasi-leiro, tem trazido para a equipe daUMC, tanto para os recém-chega-dos como para os antigos funcio-nários docentes e não-docentes.

A agilidade na implantação dasdecisões é, para mim, a maior dife-rença positiva que noto em relaçãoàs minhas funções na reitoria daUMC. A pequena qualificaçãoacadêmica e a inexperiência de in-serção e cooperação nacionais einternacionais são fatores negati-

vos que terãode ser suplan-tados a curtoprazo.

Q u a n d odeixei a reito-ria da USP,i m a g i n a v ahaver cum-prido meumais impor-tante papelem relação

ao ensino superior brasileiro, diri-gindo a maior universidade dopaís no período de implantaçãoda autonomia. Ao tomar posse naUMC, assumi uma nova missão,tão importante quanto a anterior:a de ajudar a construir um novomodelo de universidade capaz deresponder à realidade do setorparticular, que atende à maioriados universitários brasileiros, comqualidade e eficiência.

Demonstrar o teorema de queum modelo original de universi-dade, baseado em novos paradig-mas, é possível (e indispensável),tem sido meu grande desafio pro-fissional e intelectual desde junhode 1996. RRA

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A agilidade na implantação das decisões é, para mim, a

maior diferença positiva que noto em relação às minhas

funções na reitoria da UMC. A pequena qualificação

acadêmica e a inexperiência de inserção e cooperação

nacionais e internacionais são fatores negativos que

terão de ser suplantados a curto prazo.

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Ofantasma da crise estabilizadora per-corre o Brasil: diz-se que é mexica-no, embora seja uma criação dasclasses dominantes internacionais.As autoridades brasileiras empe-nham-se em negar sua existência,

desautorizando qualquer semelhança entre a políticaeconômica aqui aplicada e a que levou nosso vizinhodo norte à maior crise de sua história recente. Porém,ainda que as diferenças sejam sempre importantes, a

cada dia que passa “e se consolida o êxito do processode estabilização brasileiro”, cresce a similitude entreo “modelo” aplicado nas terras de Emiliano Zapata eo que sofremos atualmente.

Esta semelhança não é gratuita, posto que ambosexperimentos são derivações diretas da modalidadedependente de inserção da economia latino-america-na no mercado mundial que caracteriza a todos ospaíses do continente; porém, quando comparados, oBrasil e o México guardam grandes similitudes por-

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BRASIL E MÉXICOA DUPLA FACE DA MOEDA FORTE

Nildo Domingos Ouriques

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que o grau relativo de desenvolvimento capitalista emambos os casos é considerável e também porque oMéxico levou mais longe o “programa de reformasorientadas ao mercado”, como gostam de afirmar osresponsáveis por esta política.

Porém, para os que esqueceram da categoria “de-pendência” e julgam que nosso país não é mais “sub-desenvolvido, mas apenas injusto”, como afirmouFernando Henrique Cardoso, é importante observarcom riqueza de detalhes o“ajuste estabilizador” ain-da dominante no México esua similitude com o apli-cado no Brasil.

Ambos os países acei-taram a hipótese de que ainflação é o pior dos malesque poderíamos contrair eo mais injusto dos impos-tos sobre os pobres quenão possuem mecanismosde defesa diante de tãoabominável praga. Comoelemento estratégico nocontrole da inflação, lan-çaram mão da chamada“âncora cambial” quesempre se revelou eficaz no controle inflacionário acurto prazo. Para evitar a sobre-valorização, ambosrecorreram ao sistema de bandas (limite superior einferior dentro do qual ocorre a desvalorização damoeda nacional), ainda que o México só tenha utili-zado este mecanismo quando a pressão para a desva-lorização era muito forte e, então, no momento desua implantação, a estabilidade veio abaixo no agorafatídico 20 de dezembro de 1994.

No entanto, as mesmas regras responsáveis pelocontrole da inflação produziram outros fenômenos in-desejáveis para o bom funcionamento da economia;as exportações, por exemplo, revelaram um baixo di-namismo nos dois países, o que levou, também a cur-to prazo, à criação de déficit comerciais importantes,que para as autoridades econômicas dos dois gover-nos “não eram preocupantes porque as reservas eramsignificativamente altas.”

Taxas de juros e desemprego

As taxas de crescimento da economia foram tam-bém bastante modestas em ambos os países. Modes-tas em relação à sua média histórica, insuficientes pa-ra competir no mercado mundial com países que cres-cem até 16% ao ano (como a China e outros paísesasiáticos) e insignificantes diante da necessidade deoferecer postos de trabalho a milhões de jovens que

todos os anos deveriam seincorporar ao mercado.Como conseqüência, as ta-xas de desemprego subi-ram de maneira inéditanos dois países e, aindaque os condutores da polí-tica econômica afir-massem que se tratava deum fenômeno mundial, averdade é que, visto emperspectiva nacional, o ín-dice de 17% no Brasil dehoje e superior aos 24%no México pós 94, não dei-xa de ressaltar as raízesnacionais do problema.

Lá, como aqui, o siste-ma de dívidas explodiu. Como a fração financeira éque comanda o processo de “estabilização”, as taxasde juros são invariavelmente altas e revelam uma re-sistência muito grande a baixar. No mesmo sentido,nos Estados Unidos, a tendência a alta das taxas de ju-ros é o fato mais relevante dos últimos dois anos, for-çando o Banco Central a operar em patamares supe-riores aos praticados no cenário internacional. Atraircapitais é uma regra de ouro do modelito em análise ea formação de amplas reservas, condição sine qua nonpara sustentar a supervalorização da moeda nacional.

Sectarismos à parte, é necessário reconhecer dife-renças. O México levou a cabo um megaprojeto deprivatizações que incluiu mais de 1000 empresas –ho-téis, refinarias, telefonia, bancos, centrais elétricas,estradas, entre outras– pelo qual se arrecadou aproxi-madamente 20 bilhões de dólares. Em oposição, nos-so programa de privatizações ainda é relativamente

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As taxas de crescimento da economia

foram também bastante modestas

em ambos os países (Brasil e México)

e insignificantes diante da

necessidade de oferecer postos de

trabalho a milhões de jovens que

todos os anos deveriam se incorporar

ao mercado. Como conseqüência,

as taxas de desemprego subiram

de maneira inédita nos dois países.

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lento, como reclamam nossas autoridades e a grandeimprensa todos os dias. Mas, com a venda da Compa-nhia Vale do Rio Doce, do setor de telecomunicações,e muito provavelmente dos bancos estatais e federais(CEF e BB), em breve igualaremos a marca dos mexi-canos. Neste aspecto, lá como aqui, a justificativa fun-damental para o programa de privatização –na reali-dade um verdadeiro assalto ao estado repleto de fal-catruas, deságios, favorecimentos, etc., representandomais um programa de rapinagem sobre o estado doque seu saneamento– era a necessidade de tornar oestado mais ágil para cumprir suas funções sociais eabater a dívida interna; em caso de êxito, esse progra-ma de “reformas” seria o principal mecanismo parabaixar as taxas de juros. Aceita-se, desta forma, que astaxas de juros são altas porque o endividamento esta-tal é grande e nunca o inverso: a dívida somente che-gou aos patamares atuais porque a taxa de juros prati-cada pelo governo –não pelo mercado– é altíssima!

Endividamento

É claro que este cenário não foi, nem é, privilégio demexicanos e brasileiros; tanto os argentinos como os ve-nezuelanos sofrem dos mesmos males e padecem asmesmas soluções. A dívida interna explodiu na Argenti-na durante a gestão de Domingo Cavallo, quando saiudo patamar dos U$ 61,4 bilhões, em janeiro de 1991, pa-ra os U$ 90.471 bilhões em julho de 1996, momento emque o ex-ministro foi substituído pelo atual Roque Fer-nández. O mesmo endividamento repetiu-se na Vene-zuela entre 1991 e 1993 com particular força, levando opaís a uma crise cambial da qual ainda não se recuperouplenamente, apesar da relativa estabilização monetáriaatual. O quadro completo desta pilhagem sobre a dívidapública ainda está por ser feito, mas podemos adiantar,sem medo de errar, que as cifras serão assustadoras.

No Brasil, o endividamento público interno saltoudos US$ 63 bilhões, quando iniciou o programa oficial(junho de 1994), para uma cifra superior aos US$ 200bilhões, em março de 1997. No México, ocorreu um ex-ponencial crescimento do endividamento externo pri-vado, e a dívida pública interna cresceu de maneira as-sustadora: em 1988 a circulação de valores públicos(em milhões de pesos em 1988) era de 72.971, alcan-

çando em janeiro de 1992 a cifra de 124.826; diminuidurante 1993 e 1994 para voltar a crescer em 1994, semnunca baixar do patamar dos 100 bilhões de pesos. Aparticipação de capitais estrangeiros é o que mais cres-ce, posto que nada detinha em 1988 e, em janeiro de1993, chegou próximo dos 64 bilhões de pesos.

Há, contudo, outra diferença importante: a “autori-dade monetária”, ou seja, o Banco Central, conquistouno México a “autonomia” tão longamente desejada,que não teve dificuldades em ser aprovada pela eternamaioria priísta –o PRI mantém o monopólio do poderpor mais de 70 anos– no congresso nacional enquantoque, no Brasil, diante da “incompreensão e rebeldia”de nossa casa parlamentar, Gustavo Franco promoveuuma pequena reforma no Conselho Monetário Nacio-nal (CMN), eliminando os “interesses corporativos”que não ajudavam a estabilização e por algum temponão se fala mais nisso. O próprio Franco descreveu asrazões e a magnitude da operação dessa forma: “a mu-dança operada na composição do CMN era um passomais amplo no sentido de se incrementar a indepen-dência da autoridade monetária, pois, na estrutura daLei nº 4.595, peça fundamental do ordenamento mo-netário vigente, o CMN é a autoridade monetária, enão o BC, de modo que a presença, no CMN, de ele-mentos nem sempre simpáticos à boa gestão monetáriaresultava em deturpar o funcionamento da política mo-netária. Era preciso despolitizar e retirar qualquer ran-ço de corporativismo do CMN...” Esta foi a razão pelaqual no Brasil não se insistiu muito na conquista da au-tonomia do Banco Central como mais uma das refor-mas indispensáveis para o bom andamento do plano deestabilização. Contudo, a partir dos escândalos finan-ceiros envolvendo títulos da dívida pública de estados emunicípios em 96/97 –com a absoluta complacência doBC– o tema da “autonomia” tende a voltar com redo-brada força. O país, então, deverá perguntar: autono-mia para quem? Atualmente, quem comanda as açõesnesta instituição são os homens vinculado às finançasinternacionais, que no passado trabalharam, e no futu-ro muito provavelmente trabalharão, no mercado fi-nanceiro, dispondo de grande conhecimento dos cami-nhos pelos quais se pode ganhar ou perder no mundodas finanças, principalmente aquele mais sensível, rela-cionado às variações cambiais.

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Quiçá a única diferença realmente importante en-tre a política econômica que levou o México à ruína eque garante nosso êxito atual fosse a determinada pe-lo Nafta. Na época em que se debatia nos EstadosUnidos a sua aprovação, o vice-presidente Al Gorenão deixou dúvidas sobre a importância do tratadopara a economia norte-americana, afirmando que ainiciativa equivalia em termos históricos à aquisiçãoda Louisiana no século passado. No início, a sinceri-dade de tão ilustre personagem foi desconsiderada in-clusive por importantes setores da esquerda que nun-ca se opuseram frontalmente ao “Tratado de LivreComércio”, mas passado algum tempo, já podemosrealizar uma avaliação baseada em resultados. Comefeito, se consideramos a análise de John Sax-Fernán-dez, um especialista no tema, podemos concluir que ocaráter colonial implícito no TLC já conquistou bonsresultados para os Estados Unidos e tirou das mãosdo país latino-americano importantes instrumentosde política econômica e de controle sobre suas rique-zas nacionais, aprofundando ainda mais a dependên-cia daquele país. Hoje, constata-se que os EstadosUnidos não somente foram os grandes beneficiadoscom as privatizações, mas também controlam os prin-cipais meios de transportes, exportaram parte de seudesemprego, monitoram mais amplamente a políticaeconômica e, quem poderia prever, a política externamexicana; que durante décadas comandava –junta-mente com Cuba– a rebeldia latino-americana em re-lação aos interesses imperiais no continente.

Portanto, para um analista menos atento, esta se-ria uma diferença decisiva, inclusive porque o Brasilcaminha em direção oposta quando organiza o Mer-cosul. Apesar do esforço da grande imprensa que –demaneira geral segue a orientação de nossa chancela-ria– o Mercosul encontraria fortes resistências nosEstados Unidos. Independentemente de eventuaisatritos em assuntos comerciais –próprios do capitalis-mo– a Iniciativa para as Américas, lançada pelos go-vernos republicanos nos Estados Unidos, não são in-compatíveis com outras formas de integração das eco-nomias latino-americanas que, antes de se constituirem obstáculos, a médio prazo são a base necessáriapara transformar a América Latina em uma “grandeárea de livre comércio.”

Projeto político

Outra coincidência notável é o desejo de eternidadeque nos dois casos se verifica. O governo encabeçadopor Carlos Salinas de Gortari –como o de FernandoHenrique Cardoso– também pensava que cumpria umafunção redentora do país, uma espécie de movimentorefundacional, que corrigiria os erros do passado tor-nando-o confiável aos olhos da “comunidade interna-cional”; tal missão implicava o direito de sair apenasquando a tare-fa termi-nasse.A t ém e s -mo a opo-sição acredi-tou em tama-nha pretensão edisciplinou-separa en-frentaro valede lágri-mas que ahistória lhereservou! Aindaque rechaçando a tesedo “fim da história” no ata-cado, aceitava-se essa tese no vare-jo, sobretudo quando notáveis oposicio-nistas repetiam que estavam desarmadosdiante dos planos oficiais, que “não possuíam pro-gramas alternativos” e que não era possível “repetir fór-mulas do passado.”

O atual chanceler mexicano José Angel Gurría,uma raposa das finanças internacionais que recolocouo país na rota colonial em 1982, quando eclodiu a cri-se da dívida externa, afirmou que a nova geração derevolucionários ficaria no poder por 24 anos, o equi-valente a quatro períodos presidenciais no México.Seu amigo Salinas de Gortari, que acreditou na histó-ria tem fortes motivos para ficar irritado com um deseus mais diletos conselheiros, agora que escreve suasmemórias nas frias terras da Irlanda.

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Sérgio Motta não possui a elegância e a discriçãodo diplomata mexicano, mas cumpriu aqui esta funçãocom as características que Deus lhe deu, afirmandoque o governo de FHC pretendia ficar 20 anos no po-der. Além do apego que as classes dominantes reve-lam em relação ao poder, esta posição reflete menos aarrogância e a pretensão das elites e muito mais umelemento fundamental do modelo em curso: é neces-sário garantir a estabilidade política, a continuidadeadministrativa, para assegurar condições ideais ao

bom funciona-mento da

economia.N e s t aconcep-

ção, o ca-pital inter-

nacional é avesso amudanças bruscas, à

falta de firmezae consis-

t ê n c i ano co-m a n d o

da políti-ca econô-

mica. Assim, ocapital financeiro im-

põe no terreno das relaçõesinternacionais a mesma diretriz

que já consolidou no espaço nacionalem relação à necessidade de controlar a in-

flação para assegurar as condições ideais de fun-cionamento da economia. Recentemente, na Argenti-na, o ex-ministro Domingo Cavallo reproduz comgrande claridade esta posição ao afirmar que concor-rerá às eleições para deputado, visando às eleiçõespresidenciais que se avizinham. Perguntado sobre suaestratégia, afirmou: “Defender as transformações eco-nômicas e políticas que se realizaram desde 1983.Também insistirei que não temos boas políticas sociaise que está aumentando o crime organizado. Candida-to-me a deputado, não para ter uma cadeira no Con-gresso, mas para abrir um espaço político de que opaís necessita e que estou em condições de liderar.

Vou desempenhar um papel importante na eleição de1999, influenciar na Argentina por muitas décadas,disse Domingo Cavallo ao jornal argentino La Nación,de 23 de março de 1997. Posto que o domínio do capi-tal é absoluto, é correta a afirmação do filósofo equa-toriano Bolívar Echeverría para quem “o neoliberalis-mo, como todo liberalismo, é a negação da política,não de uma política, mas da política: devemos nos abs-ter de fazer política, porque fazê-la constitui uma inva-são que não nos corresponde.” Em nossas condições,todos os críticos, aqueles que ainda pensam que omundo pode ser diferente e que sempre existem –co-mo historicamente está comprovado– caminhos distin-tos que poderiam ser tomados, são logo desqualifica-dos como “neotolos” para utilizar as palavras de FHC.Nesta linha, hoje dominante no Brasil, somente são in-teligentes e realistas os homens e mulheres que nãovacilam em subir no bonde da modernização inevitá-vel conduzida pelo capital financeiro e buscam, dentrode seus estreitos limites, uma política de melhorismo.

É deste princípio derivado da política do capital,que nasce outra semelhança notável entre os doispaíses: refiro-me a seu ambiente intelectual. O Mé-xico caracterizou as últimas décadas, especialmentedepois que Lázaro Cárdenas recebeu o exílio repu-blicano espanhol por uma intensa vida cultural e po-lítica. A diáspora latino-americana derivada das di-taduras que surgiam uma após outra a partir dosanos sessenta incrementou ainda mais o caldo, dan-do origem a intensos debates entre a esquerda e des-ta com a direita. O México foi, sem sombra de dúvi-da, um lugar privilegiado para pensar desde AméricaLatina e a partir de seus interesses, sem que este cli-ma implicasse provincianismos.

No Brasil a situação é bem diferente, particularmen-te porque 21 anos de ditadura não deixaram imune nos-so sistema cultural e o ambiente intelectual necessáriopara pensar de maneira independente. Agustín Cuevacaptou com extraordinária agudeza o fenômeno; afir-mando que “em alguns casos, como o Brasil, os milita-res simplesmente cortaram culturalmente o país do res-to da América Latina”. Paradoxo da história: entre1964 e 1979, enquanto essa nação adquiria para nóscorporeidade e presença quase cotidiana através deseus brilhantes intelectuais exilados, para os brasileiros

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“do interior” nós apenas éramos um perfil fantasmagó-rico, para não dizer pura ausência. De fato, nem mesmoos intelectuais brasileiros do exílio eram conhecidos emsua terra, em parte porque a censura ditatorial impediae também –ainda que dê pena dizer– porque seus cole-gas do interior em princípio não queriam correr o riscode difundi-los e, depois, quando este risco havia desa-parecido, preferiam reinar sem concorrência.

Apesar da diferença no ambiente intelectual, etambém do reconhecimento de que conseguimos daralguns pequenos passos para superar nossas pobrezasdo passado recente, logo se impôs nos dois países umempobrecimento intelectual assustador. Por um lado,o cinismo sociológico progrediu a ponto de chegaraos primeiros escalões do aparelho de estado e, poroutro, no embalo da onda conservadora dirigida defora para dentro e de cima para baixo, completou-seo serviço com a consiga de “que não temos outro ca-minho a seguir” senão o impulsionado pelo governo.Em ambos países, existiram –no caso do México– co-mo existem, no Brasil, as “ovelhas negras” que alerta-ram com maior ou menor repercussão sobre o desas-tre que resultaria(á) do caminho para a modernidadeescolhida pelos governantes. Os espaços para esse ti-po de crítica viram-se reduzidos à marginalidade ouapenas existiam para aqueles que expressavam umaorientação liberal: a estabilização é ruim porque oscustos sociais são altos; a democracia deve ser respei-tada assim como a independência dos poderes tem deser ampla; gradualmente se abandonou uma radicali-dade que permitiu à esquerda cumprir sua função emum continente marcado pela polarização econômica,a concentração do poder e o autoritarismo político.Seja bem-vinda a crítica que aceita os postulados dapolítica liberal! Fora desta, tudo é delírio!

Neste ponto observamos uma deficiência que severifica em ambos os países, mas que pode tambémser encontrada na Venezuela, Argentina, Chile e Co-lômbia. Os principais partidos políticos abandona-ram uma crítica global ao sistema e renunciaram noterreno econômico a um confronto com os funda-mentos das chamadas “experiências estabilizadoras”.Desta opção resultou, por um lado, um certo prag-matismo no momento de oferecer alternativas reaisà política econômica vigente e, por outro, a submis-

são de um projeto de nacional aos imperativos daeconomia e seus porta-vozes.

No primeiro caso –o pragmatismo nas tentativasde oferecer alternativas– um bom exemplo pode-seobservar no recente encontro de Tepoztlán, no Mé-xico, onde renomados políticos da esquerda latino-americana (entre os quais Lula, José Dirceu e TarsoGenro, do PT, mas também figuras conhecidas denossas classes dominantes, como Itamar Franco eCiro Gomes) discutiram um programa alternativo apartir de um texto-base elaborado por Jorge G. Cas-taneda e Roberto Mangabeira Unger. O encontro,financiado pela ONU, propõe um conjunto de medi-das que visam a favorecer em primeiro lugar a em-presa capitalista e depois estender alguns direitospara as maiorias cada vez mais exploradas pelo siste-ma. No documento-base, aceita-se o desemprego co-mo uma realidade inevitável e omite-se o debate so-bre problemas fundamentais da economia latino-americana, como a dívida externa, a dívida interna ea privatização do estado, ou seja, o cada vez maisnotório caráter de classe que este assumiu na Améri-ca Latina; neste contexto, aceita-se a estabilizaçãomonetária como um passo importante dado pelaselites, que precisa apenas ser completado ou corrigi-do com a distribuição de seus ganhos com os perde-dores. Algo assim como distribuir a riqueza até ago-ra acumulada, que recorda em muitos aspectos oschavões de Delfim Neto quando durante a ditaduraafirmava que, em primeiro lugar, é preciso crescer,para somente depois distribuir.

A conseqüência mais séria desse comportamentopolítico das oposições diante da política do capital fi-nanceiro é que ele termina por privilegiar unicamentesua atuação dentro da ordem –cujos limites são cadavez mais estreitos– revelando-se ineficaz inclusiveneste terreno. Ou seja, as oposições (liberais ou detradição na esquerda) não empolgam as maiorias,posto que, ao nível da consciência existente, se o pro-jeto é a melhoria do programa oficial, ninguém me-lhor que o próprio governo para fazê-lo. É difícil nãoreconhecer que aqui pode estar uma das razões fun-damentais da derrota eleitoral de Cuauhtémoc Cár-denas Solórzano, em agosto, e Luís Inácio Lula daSilva, em novembro de 1994.

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Exército de libertação zapatista

A timidez da oposição mexicana revelou-se aindamais trágica quando, em 20 de dezembro do mesmoano, a política que era conduzida pela “melhor equipede economistas do mundo”, como dizia George Bush–referindo-se à equipe econômica do governo mexica-no–, entrou em colapso. Há menos de quatro mesesnenhum personagem importante da oposição se atre-via a discordar globalmente da política em curso, nemmesmo a rever o Nafta, em um país em que o nacio-nalismo é reconhecidamente uma força popular. Aúnica voz solitária a condenar frontalmente a políticarecomendada pelos organismosinternacionais e aplicada pelasclasses dominantes locais foi ado Exército Zapatista de Liber-tação Nacional (EZLN). Nomesmo dia em que anunciaramsua existência ao mundo, o agoradistante 1º de janeiro de 1994,afirmavam que o Tratado de Li-vre Comércio (TLC) –como lá éconhecido o Nafta– representavaum “atestado de óbito para ascomunidades indígenas”.

É a este acerto que se deve,em grande medida, a legitimida-de popular que permitiu a umaforça maioritariamente indígena, isolada regional-mente e incomparavelmente mais débil em termosmilitares, resistir até a todas as tentativas do governoem resolver o conflito pela via militar com efetivos su-periores a 60 mil homens do exército mexicano, agoralocalizados na região e com completa assessoria nor-te-americana, sabidamente eficaz na guerra contra-in-surgente. Para os que duvidam deste argumento, bas-taria observar com um mínimo de atenção a forçadestrutiva das crises financeiras que arruinam em ho-ras a vida de milhares de empresas e milhões de pes-soas, como o faz agora na Albânia, retirando dos go-vernos a capacidade de manobra política necessáriapara superar a crise e alterar a correlação de forças aseu favor. Até 20 de dezembro de 1994 no México,como também no Brasil destes dias, a política do ca-

pital financeiro era intocável porque representava afórmula correta que abriria as portas da economiamundial para nossos produtos, modernizaria nossasindústrias e faria do subdesenvolvimento e da depen-dência nada mais do que uma “cicatriz de história”.

A história não tardou em revelar a farsa montadapelos governos modernizantes atualmente em voga emtodo o continente com o fatídico 20 de dezembro donão tão distante 1994. Implacável como sempre, encar-regou-se de inscrever os planos de estabilização e suasimaginativas e bem montadas estratégias de moderni-zação na larga história da colonização da América La-tina. O governo mexicano não hesitou em acelerar ain-

da mais o “programa de refor-mas”, uma vez que o “sentido eracorreto” e não teria sentido retro-ceder depois de tanto esforço detoda a sociedade na sua constru-ção: a crise de dezembro era ape-nas um acidente de percurso.

Na mesma linha, porém comoutros argumentos, os governosdos demais países apressaram-seentão, em afirmar que o Brasil,assim como a Venezuela, a Ar-gentina, o Equador etc., nãoeram o México. Alguns afirma-vam que “aqui não existe Chia-pas”, enquanto que outros exi-

biam o “volume das reservas cambiais”, fortaleza con-tra um ataque à moeda nacional. No entanto, depoisda crise mexicana, todos nós dormimos pensando queo fantasma pode tocar em nossa porta e recordar queo pesadelo da longa noite estabelecida pela políticado grande capital financeiro ainda não terminou.

Resta saber se, no momento em que isso aconte-cer, as maiorias e suas vanguardas políticas estarãopreparadas para atuar, aproveitando a inevitável criseda moeda forte para mudar em seu favor as regras dojogo que hoje a condenam à exploração econômica eà marginalidade política.

Nildo Domingos Ouriques é doutor em economia pelaUniversidade Nacional Autônoma do México (UNAM)e professor do departamento de economia da Universi-dade Federal de Santa Catarina (UFSC)

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A única voz solitária a

condenar frontalmente a

política recomendada

pelos organismos

internacionais e aplicada

pelas classes dominantes

no México foi a do

Exército Zapatista de

Libertação Nacional.

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Àprimeira vista, os da-dos estatísticos e o dis-curso oficial sugeremque o potencial do en-sino superior, particu-larmente da universi-

dade, é muito grande na AméricaLatina e no Caribe. Existem na re-gião 536 universidades e 2.821 ins-tituições de ensino superior, nasquais estão inscritos 6,3 milhões deestudantes e trabalha meio milhãode docentes e pesquisadores. Ape-sar da magnitude do setor privadono Brasil e na Colômbia, o setorpúblico ocupa na região um lugardestacado, com 51% das universi-dades e 42% das outras institui-ções, compreendendo, no total,62% dos estudantes.

O discurso dos governantes, porsua vez, tem sido quase sempremuito favorável às universidades eoutras instituições de ensino supe-rior: afirma reconhecer sua capaci-dade inovadora em termos de ciên-cia, cultura e tecnologia; convoca-

as a ocupar uma posição de van-guarda no combate à pobreza e àinjustiça; pede que aumentem asua inserção no sistema produtivo,de modo a contribuir para o desen-volvimento econômico.

Assim, seria fácil prever um fu-turo brilhante, heróico e social-mente receptivo para nossas insti-tuições de ensino superior, espe-cialmente para as universidades.Pelo contrário, seria difícil imagi-nar que tal futuro pareça hoje tãodistante para docentes, pesquisa-dores e estudantes.

Neste texto vou discutir, aindaque brevemente, alguns pressupos-tos que me parecem equivocados,fonte de uma idealização da edu-cação superior na região, que, numfuturo próximo, podem vir a fun-damentar políticas governamentaise expectativas na opinião pública,tendentes a responsabilizar as uni-versidades (mais do que outras ins-tituições de ensino superior) pelonão-cumprimento dos papéis so-

ciais que lhes seriam inerentes.Em primeiro lugar, é necessário

mencionar que as instituições deensino superior são muito hetero-gêneas em termos da dimensão, daestrutura e das atividades que de-senvolvem, para que se lhes possaatribuir funções comuns além doensino propriamente dito. Da mes-ma maneira, nas universidades daregião dificilmente se poderia en-contrar, como elementos comuns,algo mais do que o seguinte: ofere-cimento de cursos superiores, nu-ma variedade de áreas, e aspiraçãoà autonomia acadêmica e funcio-nal diante do Estado.

Esses elementos são obviamen-te insuficientes para definir a uni-versidade, pois todos eles poderiamestar presentes, também, em insti-tuições de outro tipo. Parece-meque uma agenda de pesquisa sobreo ensino superior na América Lati-na e no Caribe deveria dar priori-dade à questão da definição real dauniversidade na região, levando em

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UNIVERSIDADE E SOCIEDADE: UMA NOVA DEPENDÊNCIA?

Luiz Antônio Cunha

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conta (porém, não se deixando le-var por) o discurso triunfalista paracom a universidade ideal(izada).

Sem embargo, algumas obser-vações podem ser feitas, ainda quecomo uma primeira aproximação.

O ensino ministrado pelas uni-versidades orienta-se para a for-mação de profissionais, que sãoproduto de uma tensão difícil deresolver: de um lado, atuam os em-pregadores e seus agentes, orienta-dos pelo man-power approach difu-so; de outro, atuam os docentes,regidos pela lógica do desenvolvi-mento das disciplinas acadêmicasbásicas. Pois bem, a lógica de pro-dução de bens e serviços (que pre-side a atuação dos empregadores eseus agentes) não coincide neces-sariamente com a produção de co-nhecimento científico, menos ain-da com a produção cultural e artís-tica. Como conciliar a demanda deprofissionais para atuar em postosde trabalho específicos, dotados deconhecimentos imediatos e preci-sos, com a ampliação do campocientífico? O resultado é uma dico-tomia que se procura atenuar enfa-tizando o conhecimento básico(mais distante, portanto, das ex-pectativas imediatas dos emprega-dores e seus agentes), com a espe-rança de que a aplicação e/ou acomplementação dos conhecimen-tos necessários seja feita pelos con-cluintes dos cursos universitáriosem interação direta com os proble-mas que enfrentarão.

No entanto, essa orientação en-contra resistência tanto da partedos empregadores e seus agentes,quanto da parte dos estudantes, in-teressados, estes como aqueles, na

aplicação direta e imediata dos co-nhecimentos fornecidos pelas uni-versidades e outras instituições deensino superior.

Em nossas universidades, o en-sino tem sofrido profundas mudan-ças, ainda que com desigual inten-sidade. O processo diferenciadomais persistente de modernizaçãodas universidades da região, na di-reção dos padrões vigentes nosEUA, consiste numa mudança ra-dical na organização dos recursosmateriais e humanos. Ao invés deagrupá-los em função dos produtos(isto é, em faculdades e institutos),como no modelo napoleônico, elespassam a ser agrupados em funçãodas economias de escala no planodo uso dos indutos (implicando aestrutura departamental). O co-nhecimento a ser ensinado tende aser fragmentado em pequenas uni-dades, as disciplinas. No plano dauniversidade, a agregação das dis-ciplinas dá origem aos departamen-tos, mediante processos indutivos(ao contrário do processo dedutivoque originava a cátedra das univer-sidades, segundo o estilo europeudo século XX). No plano dos estu-dantes, essa agregação recompõe aestrutura curricular, mediante oemprego de um sistema peculiar decontabilidade acadêmica, o crédito.Assim, a própria estrutura das uni-versidades tende a revelar a vitóriado empirismo anglo-saxão sobre oracionalismo francês e o idealismoalemão, os quais presidiram o de-senvolvimento do ensino superiorna América Latina até os anos 50do século XX.

A multiplicidade de cursos temcaracterizado as universidades da

região, mas de um modo bastantediferente. Se encontramos a ex-pectativa da “universidade decampo” como essencial à institui-ção, há países onde são exigidossomente três cursos superiores pa-ra que uma instituição adquira ostatus da universidade. Enquantoalguns países exigem cursos em di-ferentes campos de conhecimento,outros não impõem essa condição,o que permite a existência de insti-tuições especializadas, como é ocaso das universidades pedagógi-cas e das universidades técnicas(ou tecnológicas).

A autonomia tem sido uma as-piração compartilhada pelas uni-versidades da região, primeirodiante da Igreja, depois diante doEstado, e, em certos países, diantede ambos. O movimento pela Re-forma Universitária, originário deCórdoba (1918), formulou umideário que se difundiu em seguidapela região, no qual a reivindica-ção de autonomia, como elementoessencial da universidade, ocupavao lugar principal. Todavia, a insta-bilidade política na região, provo-cada por intervenções militares nocampo político, tem levado nossasuniversidades a sofrerem cortes deorçamento, destituição de reitorese diretores, expulsão de docentes eestudantes, invasões policiais e, atémesmo, a suspensão de suas ativi-dades. No entanto, o esgotamentodos regimes militares e a retomadado processo democrático não re-sultaram em aumento da autono-mia da universidade diante do Es-tado, seja no que diz respeito aosrecursos financeiros, seja em ter-mos acadêmicos e funcionais.

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Apesar da festejada grandezadas instituições de educação supe-rior na região, um juízo negativotem sido feito: seu crescimento teriaestado mais vinculado ao sistemapolítico e ideológico do que ao siste-ma produtivo. Esse juízo tem sidofeito com base na comparação dedados da região com os da EuropaOcidental, tomada como referência.

Tal comparação supõe umaimagem fabril, onde o man-powerapproach difuso está presente me-diante o pressuposto de que há ní-veis ótimos de escolari-dade para a força de tra-balho em cada “etapa”do processo de desenvol-vimento econômico.

Com isso, pretende-sedemonstrar a insuficienteatenção às necessidadesde ensino primário e se-cundário em proveito aoensino superior. Mas, amesma comparação, nosentido inverso, tem ser-vido para ilustrar o “ex-cesso” de oferta de ensi-no superior em relação aos níveisinferiores, “excesso” esse que deve-ria ser contido e reduzido.

Mais do que discutir se a ofertade ensino primário e secundário éinsuficiente com relação ao ensinosuperior, ou se este é que é exces-sivo com relação aos outros, meuinteresse aqui é mostrar a inade-quação da imagem fabril, desta-cando que não tem sentido falar dadesvinculação do ensino superiorcom relação ao sistema produtivo,da maneira como se vem fazendo.

Com efeito, se nos livrarmosdas limitações da imagem fabril,

poderemos encontrar importantesconexões entre a educação supe-rior e o sistema produtivo, além damera qualificação da força de tra-balho. Isto não significa, todavia,que eu pretenda atribuir valor po-sitivo a tais relações.

Como exemplo da importânciaque as funções das instituições deensino superior têm para o funcio-namento do sistema produtivo,enumero as seguintes:

1) Habilitação diferenciada daforça de trabalho para favorecer a

distribuição desigual e arbitráriada massa salarial;

2) ampliação da reserva de for-ça de trabalho, de modo a impediro crescimento dos salários de cer-tas categorias profissionais;

3) absorção temporária de jovensdesempregados ou inempregáveis;

4) articulação estreita com asinstituições de controle corporati-vo do mercado de trabalho, contri-buindo tanto para a regulação daquantidade, como da qualidadedos profissionais diplomados;

5) inculcação das ideologias queproduzem e justificam a divisão

entre o trabalho manual e o traba-lho intelectual; e

6) acumulação de capital pelasinstituições privadas de educaçãosuperior.

Como não reconhecer que sãotodas elas resultado de uma es-treita articulação entre as institui-ções de ensino superior e o siste-ma produtivo?

No meu entendimento, a insis-tência na imagem do desajuste en-cobre um fato muito importante: aprodução das universidades em

termos de cultura, ciên-cia e tecnologia tem sidodescartada tanto pelo sis-tema produtivo quantopelo próprio sistemaeducacional.

Apesar das experiên-cias exitosas de aprovei-tamento de conhecimen-tos produzidos nas uni-versidades da região pe-las empresas públicas eprivadas, a situação maiscomum é de indiferença.Se, de um lado, ainda

existe um certo desprezo dos aca-dêmicos pela aplicação prática deseu trabalho, não é menos verda-deiro que raras empresas se inte-ressam de fato pela incorporaçãodo produto universitário que nãosejam os profissionais. Os empre-sários têm pressa e, por isso, pre-ferem comprar “pacotes tecnológi-cos” a financiar o desenvolvimentode produtos ou processos nas e pe-las universidades, cujo resultado éobviamente incerto, como todaatividade de pesquisa. As empre-sas multinacionais, por sua vez,têm no pagamento de royalties às

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A produção das universidades

em termos de cultura, ciência

e tecnologia tem sido descartada

tanto pelo sistema produtivo

quanto pelo próprio sistema

educacional. (...) A situação

mais comum é de indiferença.

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suas matrizes uma via adicional deremessa de lucros, não lhes inte-ressando substituí-la pelo desen-volvimento nacional de alternati-vas. Assim, as universidades da re-gião são depositárias de uma pro-dução tecnológica não absorvidapelo sistema produtivo, motivo degrande frustração, mais naquelasdo que neste.

No âmbito do próprio sistemaeducativo, é fácil comprovar o des-carte pelas escolas primária e se-cundária dos conhecimentos pro-duzidos no nível superior. Antesde tudo, os salários pagos aos pro-fessores primários e secundáriossão tão baixos, que somenteatraem os abnegados e os que nãoencontram outra ocupação, levan-do a que o pessoal docente conti-nue sendo improvisado. Não obs-tante, os interesses comerciais daseditoras, os preconceitos religiosose a inércia das administrações edu-cacionais fazem com que os livrosdidáticos para as escolas primáriase secundárias sejam reimpressosano após ano, impermeáveis à rá-pida ampliação e renovação do co-nhecimento que se processa no ní-vel superior. Infelizmente, as polí-ticas educacionais dificilmente in-corporam o resultado das pesqui-sas e dos experimentos financiadose promovidos pelos mesmos gover-nos que as implantam.

Como que ignorando esse du-plo descarte e o caráter hegemôni-co do processo de globalização daeconomia, uma nova função temsido atribuída às instituições de en-sino superior, especialmente àsuniversidades: a produção de co-nhecimentos que propicie e acele-

re a reinserção dos países da re-gião no mercado mundial.

Mas, se levarmos em conta aglobalização hegemonizada e o du-plo descarte da produção de nos-sas universidades, deduziremosque se poderia estar transforman-do o caráter da dependência des-sas instituições: em vez da depen-dência diante da Igreja ou do Esta-do, a dependência diante do mer-cado. Este, ao contrário daquelasoutras fontes de constrangimento,não é passível de ser personificadoem figuras-símbolo, como é o casodo bispo ou do general-presidente.Ao invés de ser indicador de debi-lidade, a não-personificação dasforças de constrangimento do mer-cado revela seu poder, provenien-te, também, da dissimulação dosmecanismos de controle sobre aprodução acadêmica.

Ademais, é preciso chamar aatenção para a existência de con-tradições nessa articulação preten-dida: o mesmo mercado que temsido assinalado como motor e des-tinatário da produção universitáriacontribui para o enfraquecimentodessa instituição. Senão vejamos:

1) O crescimento indiscrimina-do das instituições privadas de en-sino superior, em geral de baixaqualidade, tem pressionado os or-ganismos governamentais de fo-mento a desviar das instituiçõespúblicas parcelas crescentes de re-cursos, dificultando, quando nãoinviabilizando, o desenvolvimentoda pesquisa universitária.

2) Os baixos salários pagos pe-las universidades públicas e a cres-cente dificuldade de obtenção derecursos para pesquisa promovem

a evasão de pessoal altamente qua-lificado para outras atividades,quando não para outros países;

3) Os altos subsídios dados pe-los governos dos países desenvolvi-dos do Norte a suas universidades,como, também, o forte investimen-to em pesquisa e desenvolvimentopelas empresas multinacionaiscondenam à obsolescência os co-nhecimentos produzidos em nossasuniversidades, em proveito da ven-da de “pacotes tecnológicos”, demarcas e de processos.

Mesmo assim, quando existe in-teresse direto de uma empresa nodesenvolvimento de um certo pro-jeto, está presente a contradiçãoentre duas lógicas: de um lado, a ló-gica empresarial, que exige a apro-priação privada dos resultados doprojeto de que participa, preservan-do-o mediante cláusulas de uso res-trito e de segredo; de outro lado, alógica universitária, de inequívocabase iluminista, que pretende aapropriação coletiva do saber me-diante sua mais ampla difusão.

Por fim, mas não em último lu-gar, cumpre dizer que as universi-dades da região podem inserir-seno mercado, sem perder sua auto-nomia, com a condição de deter-minarem quando, como e para quêfará tal inserção. Mas, sendo fielaos seus princípios, elas não pode-riam deixar de atuar, também, con-tra o mercado, cujos mecanismos,tão celebrados neste momento deglobalização hegemonizada, repro-duzem eficazmente a miséria e adominação em nossos países.

Luiz Antônio Cunha é professor daFaculdade de Educação da Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro.

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Ensa io

HOMENS DE FIBRA

SONHO DE LIBERDADE

Fotos e texto: J. Ripper/Imagens da Terra

OO cenário é medonho. O calor insuportável chega a mais de 60º; a fumaça provoca asfixia e a poeira do carvão entope as narinas.

Depois de uma hora de trabalho, o carvoeiro cospe preto. Em média, eles passam mais de dez horas na rotina de abastecer, retirar carvão

e colocar madeira nos fornos novamente. Durante a noite, no lugar de descansar, têm de vigiar para os fornos não explodirem. As crianças envelhecem antes do tempo.

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As que conseguem ir àescola demoram de três acinco anos para completarapenas um ano escolar.Vivem exaustas.

Sidney Pereira dosReis, 10, sonha em jogarfutebol. Sabe carregarforno, tocar fogo,descarregar, barrear.Pega no garfo, naesteira; tem orgulho doseu trabalho, mas nãopercebe que está perdendoa infância. Não vai àescola, nunca vai ser jogador de futebol. Não tem casaco. “Quando fica muito frioacendo uma fogueira”, conta Sidney. Com ele trabalham mais três irmãos: Edson, 8,Alexandre, 12, Sidcley, 15. Todos “vivem” na carvoaria para ajudar a pagar a “dívida” do pai,José da Conceição, de 38 anos, responsável por fornos da Carvão Tocantins Ltda., que derruba

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cerca de 680 mil árvores por mês,aproximadamente 120 hectares de floresta depinos e eucaliptos na Fazenda Financial, em

Ribas do Rio Pardo (MS).João Rodrigues, a esposa Alaíde Pereira e o filho

Anderson, 9, trabalham para a Itaú Magnésio, emMontes Claros, no norte de Minas Gerais. Sem poder

abandonar o local, sonham com uma escola rural paranão verem o filho crescer analfabeto. “Pra quem vivenesse inferno o sonho é só uma forma de suportar a

dor”, diz João Rodrigues, orgulhoso do garotoAnderson, que aos nove anos de idade é considerado

um dos melhores carvoeiros da região.O trabalho escravo se estende por vários

outros setores da economia brasileira,principalmente nas áreas rurais; nos

seringais do Acre, onde muitos sãoobrigados a trabalhar em troca de

comida. Sempre ficam devendo aosseringalistas. No interior dasfazendas, durante as derrubadas naAmazônia, principalmente no sul doPará, os trabalhadores ficam presos

no interior das florestas sobvigilância armada de

pistoleiros. Quando tentamfugir, são presos, torturadosou assassinados. Ao final de

cada empreita, ao invés dereceberem, ficam sabendo“no acerto de contas” queainda devem e são levadospara trabalhar em outra

fazenda. Em alguns casos,entre um trabalho e outro,são colocados empequenos hotéis onde

aguardam transporte paraa mata. Toda a conta dahospedagem é acrescidaao débito do trabalhador

e, assim, muitos chegam aficar até seis meses escravos

dos fazendeiros.

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Na região deSantana do Araguaia,sul do Pará, é comumfamílias levaremmeses, até anos,procurando por seusparentes escravos.Maria FranciscaCruz, 43, mãe de setefilhos, nunca maisencontrou seu maridoJosé Alves de Souza.Ele foi levado peloempreiteiro Franciscodas Chagas, em Santanado Araguaia, paratrabalhar na FazendaBacuri. “Até hoje nãorecebi notícias nemdinheiro dele. Falam quemorreu gente por lá, outrosconseguiram fugir. Atéagora ele não voltou”.

Em outras regiões, ematividades diferentes, não chega aexistir a presença do pistoleiroarmado. Porém, não existe outraopção ao trabalhador rural senão ade trabalhar em situações terríveis,verdadeira escravidão moderna.Adultos e crianças trabalham de sol asol, em troca de R$ 2 a R$ 5 porsemana nas pedreiras em váriosmunicípios baianos, comoRetirolândia. A prefeitura é quemcompra a produção para usar nasconstruções da cidade. Em Valente,município vizinho, a exploraçãoocorre nos sisais. Naquela região seregistra o maior índice de mutilaçãodo mundo. Nos últimos três anos,mais de cem sisaleiros tiveram membrosesmagados e perderam dedos, mãos e atébraços nas arcaicas máquinas quetransformam o sisal em fibra.

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Abril 1997 RReevviissttaa Adusp

Entrev is ta

Rosalind P. Petcheskypor Bernardo Kucinski

FEMINISMOCONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS

Rosalind Petchesky é uma feminista de longa data,fundadora e dirigente de uma das mais

importantes organizações de pesquisa e ativismopolítico no campo dos direitos sexuais e

reprodutivos: a International Reproductive RightsReserach Action Group (IRRRAG), com sede emNew York. É também pesquisadora e docente de

“Women’s Studies”, área interdisciplinar bemdefinida nas universidades estrangeiras, mas aindapouco presente na academia brasileira, apesar da

marcante contribuição das feministas edemógrafas brasileiras aos estudos dos problemasda mulher e da reprodução humana. Alguns dostrabalhos de Rosalind foram escritos em parceria

com pesquisadoras brasileiras, entre as quaisSonia Correa. Rosalind participou do 8º EncontroInternacional Mulher e Saúde, realizado no Rio de

Janeiro, em março último, onde concedeu estaentrevista. Compareceram ao encontro cerca de

450 mulheres de todo o mundo. E nenhumhomem. O encontro foi fechado aos homens.

Rosalind, uma das principais conferencistas, falousobre o “Corpo, Direitos Reprodutivos e Sexuais

– Convergências e Divergências”.

Fotos: Nair Benedicto/N. Imagens

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Adusp - Gostaria de pedir-lheuma breve descrição de sua mili-tância. Como você começou nomovimento feminista? O que vocêfaz hoje?

Rosalind - Eu comecei no Mo-vimento Feminino, nos EstadosUnidos, como parte do Movimen-to Geral de Mulheres que surgiuda esquerda e do movimento con-tra a guerra do Vietnã. Tornei-me,então, mais envolvida com asquestões das mulheres porque es-távamos muito preocupados comas restrições ao direito de abortoe as questões de saúde reproduti-va. Isto foi há muito tempo. Foinos anos 70, na minha cidade,New York. Começamos uma orga-nização chamada Comitê pelo Di-reito de Aborto e contra a Esteri-lização Abusiva (Carasa). Fui par-ticipante desse comitê e do movi-mento nos Estados Unidos e es-crevi um livro chamado Aborto e aSaúde da Mulher, publicado nosEstados Unidos, que muitas pes-soas aqui conhecem. Mais tarde,tornei-me diretora do Programade Estudos da Mulher do HunterCollege, na Universidade da Cida-de de New York, onde ainda souprofessora de Ciências Políticas eEstudos da Mulher. Durante essetempo, envolvi-me ainda maisnessas questões em âmbito inter-nacional. Comecei a organizar al-guns encontros de mulheres de to-do o mundo sobre essas questõesde saúde reprodutiva e sexual eformamos o Grupo Internacionalde Ação na Pesquisa de DireitosReprodutivos (IRRRAG), quetem feito pesquisas em diversospaíses, incluindo o Brasil.

Adusp - Como você vê a recen-te história desses movimentos demulheres, em particular em tornodos direitos reprodutivos? Quaistêm sido os maiores progressosaté o encontro do Rio de Janeiro?

Rosalind - Tem havido uma lon-ga evolução nesses movimentos.No início, e estou falando agoranão somente dos Estados Unidos eEuropa, mas da América Latina, aênfase maior era na busca pela ob-tenção de aborto legal seguro etambém de contraceptivos seguros.Mas, rapidamente, as questões in-cluíram maternidade segura, o di-reito de ter filhos com dignidade esegurança, bem como o direito denão tê-los. E começaram tambéma incluir questões de saúde clínicada mulher, infecções do trato re-produtivo, cânceres. E quando co-meçamos a nos perguntar sobre ascondições necessárias para ter essasegurança, tranqüilidade e saúdepara nossos corpos, tivemos queolhar mais profundamente para asinfra-estruturas dos países, tivemosque olhar para as políticas públi-cas, não apenas em relação ao sis-tema de cuidados da saúde mastambém em relação a muitas ou-tras condições básicas de capacita-ção. Aqui no Brasil nos preocupa-mos com condições de todos os ti-pos. Você não pode ter acesso amétodos de contracepção bons eseguros se não tem meios de trans-porte para chegar a uma clínica.Ou se você não tem condições sa-nitárias, você não pode usar muitasformas de contracepção. Mesmo sevocê observar o estreito nicho deplanejamento familiar ou controleda fertilidade, você tem de ter mui-

tas condições para exercer esse di-reito. Então, começamos a pensarmais profundamente em termos decomo a saúde sexual e reprodutivainterliga-se com a saúde em ter-mos gerais, e como a saúde em ter-mos gerais interliga-se com muitasquestões de desenvolvimento sus-tentável. São todos fragmentos deuma mesma matéria.

Adusp - Como foi que a expres-são “direitos sexuais” passou afazer parte do conceito de “direi-tos reprodutivos”, dando origemao conceito mais amplo de direi-tos sexuais e reprodutivos? Como,quando e por quê?

Rosalind - Estou contente quevocê tenha feito essa pergunta por-que apesar de recebermos congra-tulações do movimento feministapor acrescentar sexo à reprodução,na verdade foi o movimento mun-dial de prevenção à pandêmicaAids que trouxe a público a pala-vra “sexual”, e trouxe-a como pala-vra feia. Ela veio à tona devido àAids e admite-se que, apenas ago-ra, temos um discurso de direitossexuais em termos afirmativos noplano internacional, nas NaçõesUnidas, e em documentos tais co-mo o de Beijing, devido ao movi-mento organizado a partir da Aids.

Adusp - Houve também contri-buição do movimento lésbico nes-te sentido de atingir direitos se-xuais independentemente das fun-ções reprodutivas?

Rosalind - Isto sempre foi enfo-cado. Primeiramente, as lésbicastêm sido sempre uma parte centrale importante de grupos feministas e

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de grupos de saúde reprodutiva dasmulheres e de direitos reproduti-vos. Sempre, desde o início, elastêm estado em uma posição naturalde liderança e ativismo. Elas sem-pre têm falado a respeito e temossempre encabeçado questões daslésbicas, tais como maternidade daslésbicas, seu acesso a cuidados mé-dicos e assim por diante. Mas o queme parece novo agora é uma ênfa-se sobre o direito não somente à di-ferença sexual e orientação sexual,mas ao prazer sexual para todos osgrupos de pessoas.

Adusp - Mas isso não contra-diz o que você disse antes, que oque trouxe esta questão foi a pan-dêmia da Aids? Assim, não temhavido uma espécie de conotaçãonegativa, uma espécie de conota-ção defensiva, em vez de uma co-notação de prazer?

Rosalind - Não penso que hajacontradição. Penso que a Aids real-mente ameaçou destruir a discus-são sobre sexualidade. Criou umcontexto de negatividade, de preve-nir alguma coisa antes de permitiralguma coisa, mas, na realidade, foisomente devido ao horror da Aids.E às discriminações, às muitas for-mas de discriminação que as pes-soas soropositivas e aidéticas têmexperimentado, particularmente asmulheres, que agora constituemcerca de 40% dessa população ai-dética ou soropositiva. É somentepor causa dela que podemos publi-camente anunciar a sexualidade co-mo parte fundamental da vida hu-mana, e que sem o direito femininode determinar sua própria sexuali-dade, de exigir sua própria satisfa-

ção e segurança, as mulheres corre-rão o risco desta doença fatal.

Adusp - Estava lendo, outrodia, um clássico do feminismo, ea escritora americana CatharineMacKinnon começou dizendo quea sexualidade está para o feminis-mo assim como o trabalho estápara o marxismo: o que há demais pessoal e, no entanto, o queé mais expropriado.Você concordacom essa colocação?

Rosalind - Sim, eu conheço aMacKinnon e concordo com ela.

Adusp - Entendo que os con-ceitos de direitos reprodutivos esexuais estão evoluídos, portanto,gostaria de saber como você defi-ne hoje os direitos reprodutivos e

sexuais. Que tipos de direitos es-tão garantidos?

Rosalind - Há uma definiçãoformal no Programa Adoção doCairo, bem como na plataforma deação de Beijing, você pode vê-lanos artigos 72 e 73 do Documentodo Cairo e também na plataformade Beijing. Mas, muito simplifica-damente eu diria que a definiçãoestá no direito de decidir se, quan-do e com quem ter filhos ou nãoter filhos; o direito de decidir se,quando e com quem ter sexo ounão ter sexo. E todas as condiçõese meios e informação necessáriospara tornar este direito concreto erealizável na prática.

Adusp - Sua fala nesta confe-rência foi sobre Direitos Reprodu-tivos e Sexuais — Convergências eDivergências. Quais são, para vo-cê, os principais pontos divergen-tes e convergentes, atualmente,nas discussões entre as mulheressobre direitos reprodutivos?

Rosalind - Um deles é uma ve-lha discussão dentro do movimen-to de mulheres. É uma questão detecnologias reprodutivas e em queextensão deveríamos focar na peri-culosidade daquelas tecnologias,ou nos seus aspectos positivos. Pa-ra muitas de nós, ambas as coisassão verdadeiras. Não podemos teruma ou outra, é uma questão deênfase, realmente.

Adusp - Periculosidade em quesentido?

Rosalind - Periculosidade nosentido de tecnologias que envol-vem prejuízo à saúde das mulhe-res, que são impostas coercitiva-

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O que me parece novo agora é uma

ênfase sobre o direito não somente à diferença sexual

e orientação sexual, mas ao prazer

sexual para todos os grupos de pessoas.

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mente por programas populacio-nais de fornecedores de assistên-cia médica, que estão mais inte-ressados em controlar a fertilida-de das mulheres e em controlar ocrescimento populacional do queem promover saúde e bem-estardas mulheres. Todos os grupos fe-ministas têm preocupações nessesentido, mas alguns grupos estãoespecialmente preocupados, aponto de suspeitar de qualquertecnologia. Havia, por exemplo,um movimento muito forte, aquino Brasil, contra o contraceptivode longa ação chamado Norplant.O Norplant é um contraceptivode longa ação, não é permanentemas é administrado através deimplantes no braço das mulheres,e há sérias preocupações quantoaos efeitos colaterais do Nor-plant, sobre sua administração amulheres muito jovens (na verda-de, não foram feitos estudos lon-gitudinais suficientes sobre os im-pactos severos em mulheres mui-to jovens por um período de tem-po) e, finalmente, sobre o fato deque aparentemente é difícil remo-ver o implante. Muitas mulheresfizeram o implante e não gosta-ram, sentiram efeitos colaterais,principalmente muita hemorragiae excesso de sangramento, e pedi-ram a remoção dos implantes e os“fornecedores” recusaram-se aremovê-los ou porque é muito di-fícil ou porque acham que a mu-lher é louca... Ela não é! Isto éum problema muito sério. NoBrasil, alguns movimentos de mu-lheres ficaram tão aborrecidoscom a introdução do Norplantneste país, que se organizaram

para realmente eliminar o Nor-plant. Tanto quanto eu saiba, oNorplant não é mais usado noBrasil. Outros grupos diriam: sim,estamos muito preocupados como uso abusivo, com a falta de in-formação, o não-atendimento dospedidos de remoção de algumasmulheres etc., mas não devería-mos condenar o método, não de-veríamos eliminar sua disponibili-dade porque haverá mulheres pa-ra quem ele poderá ser útil e efi-caz. Isto é um tipo de divergência.

Adusp - Existem agora novastecnologias que permitem a re-produção sem a necessidade damulher. Desta maneira, as mulhe-res não perderão um dos seusprincipais poderes? O poder so-bre a procriação?

Rosalind - Esta é uma boa per-gunta. Primeiramente, não háqualquer tecnologia já desenvolvi-da que não precise da mulher.Não há ainda muitos experimentosque possam excluir totalmente asmulheres. Eles precisam para a re-produção, pelo menos do óvulo.Mesmo implantado...

Adusp - Bem, podemos arma-zená-lo e então...

Rosalind - Pode-se estocá-lomas você ainda terá que obtê-lo, etanto quanto eu saiba não tem ha-vido nenhum desenvolvimentobem-sucedido de útero artificial.Você ainda precisa do útero mes-mo que uma mulher doe o óvulo,mesmo que ele seja artificialmentefertilizado, ele terá que ser implan-tado em outro útero... o processoainda exige uma mulher. Isto pode

mudar e é interessante porque vo-cê poderia dizer: sim, por muitosmilhares de anos, as mulheres nãotêm sido somente discriminadasdevido à sua capacidade maternalmas têm obtido também um certopoder disso. Não há dúvida sobreisso. Entretanto...

Adusp - Que é talvez a razão pe-la qual elas foram discriminadas.

Rosalind - Talvez. Concordo.

Adusp - Para mantê-las no lugar.Rosalind - Exatamente! Por-

que, na verdade, é uma modalida-de misteriosa e real de poder con-seguir produzir crianças e a próxi-ma geração. Por outro lado, eudiscutiria se este poder e sua res-ponsabilidade são lados de umamesma moeda, se vêm mais daprática das mulheres como nutri-doras e menos de sua capacidadefisiológica de dar à luz. E sãoaquelas funções nutridoras que asrelações sociais de reproduçãonão mudarão dramaticamentecom a simples invenção de umútero artificial. Quem ainda cuidadas crianças, de seu crescimento,tem acesso ao desenvolvimentoda criança, é a mulher. Se este re-lacionamento social começar amudar de maneira séria, se os ho-mens começarem a assumir amesma responsabilidade pelo queacontece às crianças, pelo seu cui-dado diário e nutrição, penso queveremos mudanças radicais emesmo revolucionárias nas políti-cas de reprodução. Mas estamosmuito distantes disso neste mo-mento. Em nossa última pesquisa,uma das coisas que descobrimos,

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muito interessante, é que muitasdas mulheres, em todos os diver-sos países onde fizemos nossapesquisa, reclamaram seu direitode tomar decisões sobre contra-cepção, aborto e sexualidade combase nas suas responsabilidadescomo mães. Elas dizem “sou euquem sofre, sou eu quem arcocom todo o peso, ele não faz na-da, ele somente vem toda noite,às vezes nem vempara casa à noite, as-sim sou eu que te-nho que decidir”. Oque é interessanteaqui é que as mulhe-res estão também re-clamando sobreaqueles “pesos”; elasreclamam que os ho-mens não dividemmais no trabalho do-méstico e cuidadocom as crianças. Háum dilema, uma con-tradição aqui, umaespécie de dilema fe-minista, da tensão entre o valorde um controle...

Adusp - Você não pode ter asduas coisas.

Rosalind - Sim, você não podeter as duas coisas. É o valor de umcontrole e poder, de um lado, e ovalor de dividir responsabilidade,de outro. Sei que se hoje, nestemomento, se você perguntasse amuitas das mulheres que entrevis-tamos no Egito, nas Filipinas, ouaqui no Brasil, “como você gosta-ria que fosse...vamos conversarcom seu marido e envolvê-lo maisna contracepção ao invés de ter

que fazer aborto”, as mulheres di-riam “não, vamos mantê-lo foradisso. Eu tenho tudo isso, faço is-so discretamente, e não desejo vê-lo envolvido, não quero que elesaiba”. Para atingir um ponto deverdadeiro diálogo e compartilha-mento dessas questões, penso quedeverá acontecer muita educaçãoe treinamento sexual dos homens.Homens e rapazes.

Adusp - Penso que o Brasil ealguns outros países estão aindamuito atrasados em direitos re-produtivos, pois as mulheres se-quer têm direito ao aborto.

Rosalind - É verdade.

Adusp - Você acredita que issomude no futuro imediato?

Rosalind - Penso que já come-çou a mudar. Descobrimos em nos-sas pesquisas no Brasil e no Egito,um país muito diferente e sur-preendente, e também nas Filipi-nas, que é novamente um país cató-lico com uma forte presença daIgreja na política, descobrimos que

as mulheres, um movimento em-brionário de mulheres, estavamfreqüentemente mudando a reli-gião para ajustá-la às suas própriasnecessidades.

Adusp - Mudando de uma reli-gião para outra? Ou mudando aforma como vêem a religião?

Rosalind - Mudando o modo deinterpretar a religião para adequar

o que a igreja diz oucomo são os ensina-mentos. Isto tem aver especialmentecom mulheres quefazem abortos, queusam contraceptivosquando acreditamque isso é pecado,que se recusam a fa-zer sexo com seusmaridos quando nãoquerem, emboraacreditem nos ensi-namentos que dizemque essa é uma obri-gação da mulher ca-

sada. Essas mulheres diriam “eu seique é pecado, mas acredito queDeus entende. Ele sabe qual é mi-nha situação e Ele me perdoará”.Então, inventaram esta divindadebenevolente para justificar suas ati-tudes. E aqui no Brasil, esta inven-ção de uma divindade benevolentetem uma longa tradição, vem deuma religião popular tradicional,da teologia da libertação e de co-munidades de base organizadas deque muitas das mulheres que en-trevistamos têm participado. Elasnão estão inventando completa-mente sozinhas, mas extraem destatradição popular a fim de criar um

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Em nossa última pesquisa, uma das coisasque descobrimos, muito interessante,

é que muitas das mulheres, em todos osdiversos países onde fizemos nossa pesquisa,

reclamaram seu direito de tomar decisõessobre contracepção, aborto e sexualidade

com base nas suas responsabilidades comomães. Elas dizem “sou eu quem sofre, sou eu quem arco com todo o peso,

ele não faz nada, ele somente vem toda noite, às vezes nem vem para casa à

noite, assim sou eu que tenho que decidir”.

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sentido de responsabilidade pelosdireitos reprodutivos; isto é um ti-po de mudança. Um outro tipo émais prática em termos de legisla-ção. Agora, tal como entendo, que-ro descrever uma dinâmica no Bra-sil que envolve um relacionamentoentre esses movimentos embrioná-rios de mulheres e grupos feminis-tas organizados. Há um forte e ex-tenso movimento de saúde e saúdereprodutiva no Brasil. Este movi-mento é um modelo de engajamen-to e de provisão de serviços educa-cionais entre mulheres muito po-bres em suas comunidades nas ci-dades e áreas rurais, particular-mente no Nordeste, em Pernambu-co, ou nas favelas de São Paulo eRio. E dessa atividade organizada,os grupos feministas no Brasilaprenderam que muitas dessas mu-lheres estão fazendo abortos, usan-do Citotec. Nós conhecemos asdrogas que elas podem comprarnas farmácias, ou têm outros meiosde induzir abortos ou fazer abortosilegalmente e, então, têm complica-ções e vão a um hospital, e o queacontece é que elas são muito maltratadas quando...

Adusp - Como criminosas?Rosalind - Como criminosas,

como pessoas sujas...

Adusp - Se pegam uma infec-ção é porque mereceram.

Rosalind - Exatamente. E sãotratadas punitivamente, são igno-radas, são repudiadas, e as mulhe-res estão muito zangadas com isso,furiosas. Como resultado do co-nhecimento que o movimento demulheres brasileiras tem da situa-ção, elas levaram esse conheci-mento ao Cairo e a Beijing, paraas Conferências Internacionais.Essas conferências internacionaisnão estão ainda capacitadas parareconhecimento universal doaborto como um direito humano.Ainda não chegamos lá. Mas oque obtivemos foi um reconheci-mento nos documentos do Cairo ede Beijing de que todos os paísesdeverão prover tratamento seguro,adequado e contínuo para mulhe-res que estejam sofrendo de com-plicações de um aborto ilegal inse-guro. Está escrito nos documen-tos. No Brasil, esta cláusula do do-cumento de Beijing está sendo de-batida no legislativo e pode passar,e a legislação pode mudar dessamaneira no Brasil.

Adusp - Você vê o movimentofeminista crescendo rapidamenteno momento em que outros movi-mentos sociais estão enfraquecen-

do e desmoronando, ou você achaque o movimento feminista tam-bém está perdendo força? Comovocê vê isso?

Rosalind - Penso que este mo-mento de globalização das novasteorias econômicas liberais e doscapitais transnacionais, e, tambémde crescimento do fundamentalis-mo em todo o mundo, é um perío-do difícil para todos os movimen-tos progressistas, o que inclui osmovimentos das mulheres. Os mo-vimentos feministas estão na de-fensiva, há muita pressão contranós e isso tem tornado muito difí-cil crescer porque estamos apenasdefendendo o que já temos. Paraser honesta, e só posso falar pormim mesma sobre isso, penso queos movimentos de mulheres emmuitas partes do mundo estãomais fortes que nos Estados Uni-dos e Europa. É muito mais forteaqui no Brasil que no meu país.Porém, todos os movimentos demulheres estarão em perigo de ex-tinção a menos que se aliem a ou-tros movimentos progressistas.Penso que esse ponto é crítico. Osgrupos de direitos humanos, osgrupos de desenvolvimento, osgrupos organizados contra a Aids(os quais transcendem o movi-mento gay), os grupos de ambien-

Os movimentos feministas estão na defensiva, há muita pressão

contra nós e isso tem tornado muito difícil crescer porque estamos apenas

defendendo o que já temos. Para ser honesta, e só posso falar

por mim mesma sobre isso, penso que os movimentos de mulheres em

muitas partes do mundo estão mais fortes que nos Estados Unidos e Europa.

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talistas e os grupos que estão dire-cionando a hegemonia de institui-ções financeiras internacionais,como o Banco Mundial, FMI,USAID, têm que realmente cons-truir alianças, não apenas falandosobre isso mas fazendo-o e come-çando a trabalhar juntos em açõese estratégias comuns.

Adusp - Esse é um dos princi-pais pontos desta conferência.Quais são as outras questões quelhe parecem mais importantesnesta conferência?

Rosalind - Uma das principaisquestões é a globalização. Globa-lização do mercado, dos funda-mentalismos, e, por outro lado,globalização dos nossos movimen-tos. E muitas pessoas têm faladosobre uma organização mais hori-zontal, ao invés de vertical, o quesignifica a formação dessas alian-ças em nível local, nacional e,também, internacional. Assim, emtermos de estratégia, sim, pensoque isto é algo importante nestaconferência. Um outro foco im-portante é como fazer com que asquestões de sexualidade e repro-dução, que parecem ser muitoparticulares e íntimas, sejam naverdade questões de desenvolvi-mento, sejam vistas como ques-tões de desenvolvimento humanosustentável, parte da saúde, bem-estar e educação, os quais, porsua vez, são partes de qualquerdesenvolvimento humano.

Adusp - Como você comparaessa proposta de alianças hori-zontais com o fato de que os ho-mens não são admitidos nesta

conferência e alguns deles que ou-saram aparecer foram banidos?

Rosalind - Eu percebo a sombrade rancor em sua voz neste ponto eeu não deveria apenas ser defensi-va para dizer que, como um dosmembros do Comitê Consultivo In-ternacional da Conferência, acredi-tava que em 1997, estamos fortes obastante em nosso movimento, pa-ra convidar homens que sejam alia-dos para a conferência. Mas fuiderrotada. O que penso é que pre-cisamos trabalhar juntos novamen-te, estabelecendo confiança mesmoem áreas de conflito, e isto é muitoimportante para as organizações dedesenvolvimento, de direitos hu-manos, onde quer que estejam, nasquais os homens são maioria, paraque isso possa ser alcançado não

apenas nos grupos de mulheres emgeral, mas nos movimentos femini-nos de saúde em particular, não so-mente em solidariedade mas emcomunhão sobre temas específicos.As ameaças ambientais são um te-ma importante onde podemos tra-balhar juntos. O problema de eco-nomias distorcidas devido a ajustesestruturais é outro, certamente.

Adusp - A principal área ondehomens e mulheres estão juntos éna reprodução. Então, por quenão começar com a discussão con-junta sobre direitos reprodutivos?Não posso entender isso.

Rosalind - Talvez nessa arena,onde as mulheres têm algum con-trole, têm alguma autoridade, elasestejam receosas de perder. Isto

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O movimento fe-minista vem se distin-guindo de outros mo-vimentos políticos,por se alimentar for-temente de pesquisasde campo. Dessas pes-quisas vão surgindocontinuamente novosconhecimentos, modi-ficando os conceitosbásicos do movimen-to, que por isso estãoem constante evolu-ção. A última pesqui-sa coordenada porRosalind Pethescky,através da IRRRGem sete países, tentouaferir o grau de cons-ciência das mulheressobre seus próprios

direitos reprodutivos,investigando de queforma as mulherestentam controlar suavida reprodutiva nascondições adversasque hoje prevalecem,tanto institucionais,como culturais e reli-giosas; que estraté-gias usam para tanto,e quais as principaisdiferenças de com-portamento entremulheres de meio ur-bano e rural, casadase não-casadas, de di-ferentes etnias ou re-ligiões, trabalhandofora ou não. Os prin-cipais resultados fo-ram os seguintes:

1) As mulherestentam controlar suafertilidade e mater-nidade, mesmo nãoo conseguindo mui-tas vezes; para issousam freqüentemen-te de técnicas de dis-simulação e do se-gredo, por medo daviolência domésticaou de conflitos;

2) Sua principaljustificativa para oexercício desses di-reitos reprodutivos éa de que são elas quesofrem a gravidez eas dores do parto,que vão amamentar ecuidar da criança,que terão a maior

ÚLTIMA PESQUISA DE ROSALIND

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pode ser verdade. Estamos deter-minadas a ficar abertas a isso. Maspenso que deveríamos começarrealmente com pequenos diálogoslocais e nacionais antes que essesencontros internacionais possamser abertos. E é um bom item paraa agenda desta conferência. E nãome importo de introduzi-lo. Deagora até o ano 2000, em cada umade nossas áreas locais, em cada umdos nossos países, deveríamos co-meçar a fazer tentativas de iniciaresses diálogos sobre qual é o papeldos homens na tomada de decisãosexual e reprodutiva. Deveríamosestar nos aliando, como eu disseantes, com o movimento contra aAids, porque eles passaram por is-so para estabelecer tal diálogo,portanto podemos aprender muito

com eles. O próprio movimento demulheres está atrasado nesse as-pecto. Penso que temos muito tra-balho a fazer. Até o ano 2000, estedeveria ser um encontro com muitaparticipação masculina.

Adusp - Minha última pergun-ta: observo no mundo acadêmicopaulista e brasileiro que entre osestudantes há muito pouco inte-resse em desenvolver estudos queutilizem um enfoque do gênero.Isto também ocorre na universi-dade americana? Por quê?

Rosalind - Sim. Tenho lecionadonos programas de estudos da mu-lher por cerca de 22 anos, e tenhovisto grande mudança em meus es-tudantes. Tenho sempre dado aulaspara as universidades públicas, o

que significa estudantes de rendamais baixa. Alguns deles são a pri-meira geração de suas famílias a fre-qüentar a universidade e descobri,nos últimos anos, menos interesseem questões sexuais, parcialmenteporque, nos Estados Unidos, as jo-vens estudantes sentem “já sabe-mos tudo isso, já somos iguais, va-mos ser iguais em nossos trabalhos,não há problema. Eu jamais ficareicom um homem que não faça o tra-balho doméstico nem cozinhe, eunão ficaria com um homem assim.Eu não ficaria em um trabalho on-de fosse discriminada, não eu”. Ésomente quando entram no mundodo trabalho e também em relaçõesmais íntimas de longa duração quecomeçam a ver: “é, não é tão fácil”.E então encontramos estudantesmais velhas muito mais reativas. Emparte, isso tem a ver com experiên-cia de vida. Em parte com uma su-perexposição, nos Estados Unidos,a um certo tipo de feminismo deconsumo na mídia. Assim, todaspensam que são feministas mas quenão têm que ser feministas porque,lá, isto já é ultrapassado, e isso é umgrande problema para nós. Pensoque uma vez que os estudantes co-mecem, mesmo que tenham umúnico e simples curso que encabecequestões sexuais e um caminho di-nâmico e poderoso, eles começam amudar imediatamente... e é somen-te uma questão de conseguir essaexposição, e penso que os progra-mas de estudos de mulheres podemser muito subversivos e que certa-mente os professores masculinospodem desempenhar um papel im-portante realizando estudos sexuaisna universidade. RRA

carga de trabalho eresponsabilidade enão os maridos ouparceiros ou paren-tes e portanto elastem o direito de to-mar as decisões;

3) A religião exer-ce influência muitopequena não apenasnas decisões das mu-lheres terem ou nãoterem filhos, tam-bém nas suas justifi-cativas éticas; mes-mo em sociedadesmuito religiosas, co-mo Brasil e Egito, asmulheres freqüente-mente imaginam umDeus misericordiosoe compreensivo que

entende suas neces-sidades de abortar eas perdoa;

4) Em muitos am-bientes a consciênciae o poder da mulhersobre seus direitosreprodutivos são am-pliados pelo fato deter sua própria ren-da, de trabalhar forado lar, e, em algunscasos, de pertencer asindicatos ou gruposcomunitários;

5) Na maioria dospaíses, especialmenteno Brasil , Egito, Mé-xico e Estados Uni-dos, as mulheresquestionadas recla-maram de uma má

qualidade de vida,inacessibilidade e al-to custo dos serviçosde saúde, e do trata-mento humilhante edesumano que rece-bem dos provedoresde saúde;

6) Muitas das mu-lheres questionadasexpressaram baixograu de consciênciados direitos e atémesmo de desejo deter prazer sexual; is-so, em contraste comum alto grau deconsciência do direi-to de não serem sub-metidas pelos mari-dos ao sexo não de-sejado ou violento.

SOBRE SEXUALIDADE

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Opresente artigo constitui relato dosresultados de pesquisa que procurouinvestigar os efeitos práticos do arti-go 253 da Constituição EstadualPaulista de 1989. Tal artigo, em seuparágrafo único, prescrevia que pelo

menos um terço das vagas nas Universidades PúblicasEstaduais seriam oferecidas no período noturno.

O objetivo da pesquisa foi recuperar o contextodo ensino superior no Estado de São Paulo, a trami-tação do dispositivo na Constituinte Paulista, osefeitos produzidos na oferta de vagas pelas universi-dades estaduais, constatando-se, como conclusão,que há necessidade de ofertar mais 1.130 vagas noscursos noturnos para se poder atender ao requisitoconstitucional.

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CURSOS NOTURNOSESTUDO DOS EFEITOS PRÁTICOS

DE UM DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL

Afrânio Mendes Catani, Romualdo Portela de Oliveira e Tamara F. Mantovani de Oliveira

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Políticas educacionais

A partir da promulgação da Constituição Federal(CF) em 05/10/1988, iniciou-se o processo de elabora-ção das Constituições Estaduais (CEs), tendo um anocomo prazo de promulgação, exceto os antigos terri-tórios de Roraima e Amapá, elevados a Estados, cujoprazo para promulgação da respectiva ConstituiçãoEstadual foi dezembro de 1991.

Entre as preocupações educacionais contempladasnos textos constitucionais brasileiros desse períododestaca-se a relativa ao ensino superior. A Constitui-ção Federal, em seu artigo 207, estabelece que:

“as universidades gozam de autonomia di-dático-científica, administrativa e de gestãofinanceira e patrimonial, e obedecerão aoprincípio de indissociabilidade entre ensi-no, pesquisa e extensão”.

O parágrafo único do artigo 60 das DisposiçõesConstitucionais Transitórias prescreve que:

“em igual prazo (dez anos) as universida-des públicas descentralizarão suas ativida-des, de modo a estender suas unidades deensino superior às cidades de maior densi-dade populacional”.

A Constituição Paulista foi promulgada em 5 deoutubro de 1989 e, em seu capítulo sobre a educação,prevê no artigo 252 a constituição de um sistema pró-prio de ensino público superior. O artigo 253, por suavez, define as normas para a organização deste siste-ma nos seguintes termos:

“A organização do sistema de ensino supe-rior do Estado será orientada para a am-pliação do número de vagas oferecidas noensino público diurno e noturno, respeita-das as condições para a manutenção daqualidade de ensino e do desenvolvimentoda pesquisa”.

O parágrafo único desse artigo dedica-se ao ensinonoturno, especificando que:

“as Universidades públicas estaduais deve-rão manter cursos noturnos que, no con-junto de suas unidades, correspondam aum terço pelo menos do total das vagas porelas oferecidas”.

O legislador constitucional paulista procurou esta-belecer no texto legal um padrão de expansão do Sis-tema Público de Ensino no Estado. Observe-se quetal padrão difere do tradicional e clientelístico proces-so de “estadualização” de escolas superiores, privadasou fundações municipais, pelo governo do Estado(Cf. Helene e Oliveira, 1993).

A tramitação do dispositivo na AL

O deputado Tonico Ramos (PMDB), então presi-dente da Assembléia Legislativa, nomeou, em09/05/1989, pela Resolução nº 668 (28/04/1989), osmembros das “Comissões incumbidas de deliberar,respectivamente, sobre as emendas ao Anteprojeto eao Projeto de Constituição”. Procuramos rastrear atramitação na Assembléia Legislativa do que veio aser o artigo 253 da Constituição de São Paulo e en-frentamos uma série de dificuldades, pois não há rela-tórios ou atas das atividades das Comissões. A partefinal dos trabalhos realizou-se às pressas e o que searmazenou nos computadores foi apagado pela em-presa que prestou serviços à Assembléia Legislativa,uma vez que esta não efetuou o respectivo pagamentopela tarefa desenvolvida. O Diário Oficial do Estado(D.O.E.) publicou na íntegra as emendas apresenta-das, acompanhadas do parecer do relator.

Assim, ao que consta, o primeiro parlamentar a ela-borar emenda ao Anteprojeto de Constituição relativaao “caput” do que seria o artigo 253 foi Guiomar deMello (PSDB) –Emenda 1294 (05/06/1989)–, incluindoa expressão “estabelecimentos públicos” a fim de expli-citar a responsabilidade do Poder Público com a ex-pansão do ensino superior. A redação original era a se-guinte (art. 289): “A organização do sistema de ensinosuperior será orientada para a ampliação do númerode vagas nesse nível ...”. Outras emendas se dedicarama esse “caput”, a saber: emenda 1933 (08/06/1989),Guiomar de Mello; Emenda 2652 (08/06/1989), LuizFurlan e Inocêncio Erbella (ambos do PFL); Emenda3583 (09/06/1989), Osmar Thibes (PMDB) e emenda4413 (09/06/1989), Mauro Bragato (PMDB).

Por sua vez, a Emenda 2084, de Wagner Rossi(PMDB) (D.O.E., 10/06/1989), acrescentou ao artigo289 do Anteprojeto, o seguinte parágrafo único:

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“As Universidades Públicas Estaduais de-verão manter cursos noturnos que, noconjunto de suas unidades, correspondama pelo menos 1/3 do total das vagas porelas oferecidas”.

A justificativa do deputado foi assim expressa:“São conhecidas as imensas dificuldadesdos jovens oriundos das camadas popula-res de conseguirem ingresso nas Universi-dades Públicas. Esse processo de exclusãoperversa se reforça na medida em que agrande maioria das vagas oferecidas pelasUniversidades Públicas são nos períodosdiurnos, agravando as dificuldades dos jo-vens que necessitam trabalhar para provera própria subsistência. Por outro lado, con-siderando que os equipamentos básicos pa-ra o oferecimento de cursos noturnos já es-tão disponíveis nas UPs –prédios, bibliote-cas, laboratórios, salas de aula, corpo ad-ministrativo etc.–, certamente os custos adi-cionais para a sua implementação serãograndemente reduzidos”.

Assim, o artigo 253 recebeu a redação final játranscrita que obriga as universidades estaduais pau-listas a oferecer pelo menos um terço de suas vagasno período noturno.

Os governos Orestes Quércia (1987-1990) e LuizAntônio Fleury Filho (1991-1994), reconhecendo a ca-rência de vagas no ensino superior público do Estadode São Paulo, direcionaram sua política de ampliaçãoatravés da “estadualização” de Universidades priva-das: a Universidade de Bauru foi incorporada à Unespno governo Quércia, enquanto a Faculdade de Enge-nharia Química de Lorena e as Faculdades de Medici-na de Marília e São José do Rio Preto o foram na ges-tão Fleury, na qualidade de unidades isoladas. Deve-se mencionar, ainda, a existência, já em 1994, de 64pedidos de estadualização de escolas superiores juntoao Conselho de Reitores das Universidades EstaduaisPaulistas (Cruesp).

Segundo Helene & Oliveira, o principal motivo:“(...) que leva o governo estadual a realizartais processos de estadualização é a consta-tação de que a promessa e a efetiva instala-

ção de uma Instituição de Ensino SuperiorPública em uma cidade do interior paulistaé um importante ato de legitimação políti-ca. Da mesma forma que nos anos 50 ospolíticos populistas se legitimavam com aexpansão da rede pública de ensino de 1º e2º graus, a partir dos anos 70 a aspiraçãode amplos setores da população, em termoseducacionais, transferiu-se para o terceirograu, uma vez que a ditadura militar reali-zou um processo de expansão do ensinopúblico muito inferior à ocorrida no con-junto do ensino superior do período (...)que, em especial no Estado de São Paulo,calcou-se na ampliação das vagas no ensi-no particular” (1993:27).

Os efeitos do artigo 253

O passo seguinte da pesquisa foi verificarmos aevolução na oferta de vagas, particularmente no pe-ríodo noturno, nas três universidades estaduais pau-listas: a Universidade de São Paulo (USP), a Univer-sidade de Campinas (Unicamp) e a Universidade Es-tadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”(Unesp).

Os resultados obtidos são apresentados a seguir, apartir das informações constantes dos “Manuais deCandidatos” aos vestibulares das três universidadesno período 1989-1996, elaborado pelas três entidadesresponsáveis pelos vestibulares aos cursos da USP,

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Unicamp e Unesp, res-pectivamente, Fuvest,Coordenadoria Executi-va dos Vestibulares daUnicamp e Vunesp. Asinformações relativas aoano de 1989 registram asituação imediatamenteanterior à promulgaçãoda Constituição Estadual e serve, portanto, como re-ferência para comprovarmos os seus efeitos práticos.

USP

Na USP, a conseqüência imediata do dispositivoConstitucional pode ser sentida pela Resolução 3.731,de 04/09/1990, do Reitor:

“Art. 1º - Cada um dos Campi da USP deve-rá criar vagas em cursos noturnos que, noconjunto de suas Unidades, correspondam apelo menos um terço do total das vagas porelas oferecidas em cursos de graduação. Art.2º - No prazo máximo de um ano, deverãoser elaborados, pelos Campi do Interior, pro-jetos relacionados à instalação de cursos no-turnos. Parágrafo Único - Na medida em queos projetos forem considerados tecnicamen-te viáveis e aprovados pelo Conselho Univer-sitário, eles serão implantados, desde que se-ja assegurada sua viabilidade econômica”.

A USP mantinha, em1989, sete campi, emSão Paulo, Bauru, Pira-cicaba, Pirassununga,São Carlos, RibeirãoPreto e Cubatão, sendoque, até 1993, apenas ocampus da capital ofere-cia vagas em cursos no-turnos, quando São Car-los e Ribeirão Pretopassaram a oferecer va-gas no período noturno.Observando-se os se-guintes percentuais para

o campus da capital: 1989 (34,01%); 1990 (33,67%);1991 (33,67%); 1992 (33,73%); 1993 (33,60%), 1994(33,45%), 1995 (33,45) e 1996 (32,61) –ou seja, sem-pre mantendo-se bem próximo da exigência legal.

Para o período analisado (1989-1996), a distribui-ção global das vagas na USP foi a da tabela acima.

Uma série de processos se iniciou com a finalidadede cumprir a exigência constitucional, mas somentenos Campi de Ribeirão Preto e São Carlos começarama funcionar cursos noturnos, ambos em 1993. Foi cria-da a Faculdade de Economia, Administração e Conta-bilidade em Ribeirão Preto, com 40 vagas em cada umdesses três cursos perfazendo um total de 120 vagas(120 sobre um total de 550, isto é, 21,82%). Em SãoCarlos, junto ao Instituto de Física e Química, abri-ram-se as 40 vagas (licenciatura) do Curso de CiênciasExatas (40 sobre 410, ou seja, 9,75% de vagas notur-nas). Junto à Reitoria, tramitam processos solicitandoa abertura de cursos noturnos em Ribeirão Preto (Li-cenciatura em Física e Habilitação em Química Tecno-lógica) e em Piracicaba (Nutrição, na Escola Superiorde Agricultura “Luiz de Queiroz”).

Levando-se em conta a oferta de vagas de 1996,para cumprir o dispositivo constitucional, a USP de-veria ofertar mais 478 vagas no período noturno, par-tindo-se do pressuposto que não seriam suprimidasvagas no período diurno. A forma de calcular estedéficit é: (nº total de vagas atualmente oferecidas +número de vagas noturnas a serem oferecidas)/3 =(número de vagas noturnas a serem oferecidas + nºde vagas noturnas atualmente oferecidas). Para o ca-so da USP, seria (6862 + x)/3 = (x + 1969), cujo re-sultado é 477,5 vagas. O cálculo vem de (1990 + x)/3= (x + 525), cujo resultado é 207,5 vagas. O resulta-do apresentado é fruto da resolução da equação:(4347 + x)/3 = (1153 + x).

1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996

Diurno 44991111 44995588 44993333 44772233 55001188 44886633 44887733 44889933

Noturno 11886611 11884444 11884444 11884444 22002299 22002299 22002299 11996699

Total 66772222 66880022 66777777 66556677 77004477 66889922 66990022 66886622

% not 2277,,4488 2277,,1111 2277,,2211 2288,,0088 2288,,7799 2299,,4444 2299,,4400 2288,,6699

Evolução da oferta de vagas na USP

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Unicamp

A Unicamp tem trêscampi, localizados emCampinas, Piracicaba eLimeira. Até 1988, sóoferecia no período no-turno três cursos tecno-lógicos no campus deLimeira (Centro Superior de Educação Tecnológica),a saber: Construção Civil (Edifícios), Construção Ci-vil (Obras de Solos) e Tecnologia Sanitária (Sanea-mento), com 30 vagas em cada um (total: 90 vagas nonoturno). Nesse mesmo ano de 1988, o campus deCampinas passou a oferecer a sua primeira opção no-turna: o curso de Licenciatura em Matemática (45 va-gas). Posteriormente, a seqüência da criação de vagasnoturnas nos vários cursos foi a seguinte:

1991 - Pedagogia (30 vagas); ampliação das vagasdos três cursos de Tecnologia para 45, perfazendo umtotal de 135;

1992 - Engenharia Química (30); Física (30); En-genharia Elétrica (30); Tecnologia em Processamentode Dados (45); Ciências da Computação (30); Enge-nharia de Alimentos (30); Educação Física (50) eCiências Sociais (30);

1993 - Ciências Biológicas (40).Dessa forma, a evolução da oferta total de vagas

no período estudado nesta pesquisa, para a Unicamp,foi a da tabela acima.

Da mesma forma como fizemos para a USP, paracumprir o dispositivo constitucional a Unicamp deve-ria oferecer mais 208 vagas.

Unesp

A Unesp possui 15 campi, distribuídos em váriaslocalidades do Estado, a saber: Araçatuba, Arara-quara, Assis, Bauru, Botucatu, Franca, Guaratin-guetá, Ilha Solteira, Jaboticabal, Marília, PresidentePrudente, Rio Claro, São José dos Campos, São Jo-sé do Rio Preto e São Paulo. Em 1989, oferecia1575 vagas (32,31%) no período noturno em novede seus campi. Na passagem de 1989 para 1990, ex-tinguiu 455 vagas noturnas do campus de Bauru,

que havia sido incorporado havia pouco tempo. Poroutro lado, nos anos seguintes, criou vagas noturnasem outros campi:

1991 -10 em Química (Licenciatura, ampliadas pa-ra 20, em 1992), em Araraquara e outras 10 em Servi-ço Social (Franca).

1993 - Direito, em Franca (15 vagas): Física, Li-cenciatura, 10 vagas (Guaratinguetá); Pedagogia, Li-cenciatura, 10 vagas (Presidente Prudente);

1994 - Biológicas, Licenciatura, 10 vagas, (Bauru).A distribuição entre os períodos diurno e noturno

no período analisado está na tabela da página 45.Da mesma forma como fizemos para as demais

universidades, a Unesp para cumprir o dispositivoconstitucional deveria oferecer mais 444 vagas no pe-ríodo noturno.

Conclusões

O dispositivo Constitucional analisado é uma formaconcreta de expansão, a baixo custo, da oferta de vagasdo ensino superior público no Estado, sendo um ins-trumento democratizador do ensino de terceiro graupara o aluno trabalhador. Além disso, o cumprimentodeste dispositivo otimiza a utilização dos recursos pú-blicos nas universidades estaduais, incidindo, portanto,no atual debate sobre a avaliação do ensino superior.

Tal expansão, segundo o Texto Federal, deveria di-recionar a oferta de vagas às regiões de maior densi-dade populacional (no caso, para a Baixada Santista epara a região do ABC).

A Unicamp, apesar de se situar aquém do estabe-lecido pela Constituição Paulista, ampliou significati-vamente sua oferta de vagas noturnas, devendo ofere-cer, ainda, 208 vagas no período noturno.

A USP, embora também não cumpra o referido dis-

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1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996

Diurno 11555500 11557700 11447700 11446600 11446655 11446655 11446655 11446655

Noturno 113355 113355 221100 448855 552255 552255 552255 552255

Total 11668855 11770055 11668800 11994455 11999900 11999900 11999900 11999900

% not 88,,0011 77,,9922 1122,,5500 2244,,9944 2266,,3388 2266,,3388 2266,,3388 2266,,3388

Evolução da oferta de vagas na Unicamp

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positivo, experimentou, nos primeiros anos de vigênciada Constituição paulista, um incremento na oferta devagas noturnas, tendo, entretanto, estacionado a ofer-ta em 1993. Além disso, em 1996 diminuiu a oferta no-turna em 60 vagas. Para cumprir a legislação, a USPdeveria oferecer mais 478 vagas no período noturno.

A Unesp, após a redução drástica da oferta em1990, reiniciou um aumento da oferta de suas vagasnoturnas, apenas com um diminuição localizada de1991 para 1992, e uma diminuição, em números rela-tivos, de 1995 para 1996.

A maior parte das vagas noturnas oferecidas pelaUSP e pela Unesp concentra-se na área de Humani-dades, isto é, cursos “mais baratos” e socialmente me-nos valorizados, enquanto a Unicamp privilegiou ascarreiras de exatas e tecnológicas.

Particularmente na Unicamp:“(...) a partir de estudos realizados pela Co-missão Nacional de Vestibulares/Unicampsobre o perfil dos alunos de graduação daUniversidade, [cujas conclusões] afirmamser uma minoria o percentual de alunos tra-balhadores presentes nos cursos noturnos daUniversidade, alguns passaram a defender ofim desses cursos. Essa defesa é feita sob oargumento de que por não ter alterado o per-fil do aluno que normalmente estuda naUnicamp, o curso noturno perdeu sua fun-ção social e, por isso, não justifica mais asua existência.” (Zan, 1996:12)

A Universidade pública brasileira tem sofrido umcontínuo processo de elitização nas últimas décadas,tendência esta mais acentuada no caso das estaduaispaulistas. Entretanto, boa parte das causas desseprocesso encontra-se no sucateamento da escola pú-blica de primeiro e segundo graus. Dessa forma, se

aceitássemos o argu-mento da ineficiênciados cursos noturnos pa-ra reduzir a elitizaçãoda universidade e, apartir daí, passássemosa defender a sua extin-ção, com muito maisrazão deveríamos de-

fender a extinção dos cursos diurnos, sabidamentemais elitizados que os noturnos. Além disso, outroestudo realizado por Lara Bezzon (1995), na própriaUnicamp, constatou que:

“(...) os cursos noturnos, na sua maioria,figuram entre os que apresentam uma me-nor elitização quanto aos alunos que o fre-qüentam.” (apud Zan 1996:12)

As três universidades estaduais paulistas têm cercade 11 mil professores, 30 mil funcionários (8 mil naárea de saúde hospitalar) e 100 mil alunos (70 mil emcursos de graduação e 30 mil em pós-graduação). As-sim, acreditamos que este é o momento para discutir-mos a melhor utilização dos recursos públicos nela in-vestidos, com a finalidade de aprimorar e ampliar osserviços que elas oferecem, evitando-se a lógica “ra-cionalizadora” –que implica a retração da oferta– tãopresente nas ações de boa parte dos administradoresdas três instituições.

A oferta de mais 1.130 vagas no período noturnopelas três universidades estaduais paulistas repre-sentaria mais que o dobro da oferta noturna atual daUnicamp, praticamente a oferta noturna atual daUnesp e pouco mais do total de vagas noturnas ofe-recidas pela USP.

O imediato cumprimento do dispositivo constitu-cional previsto no parágrafo único do artigo 253 daConstituição paulista representaria uma real amplia-ção das oportunidades de escolarização superior pa-ra a população.

Afrânio Mendes Catani e Romualdo Portela de Oliveirasão professores na Faculdade de Educação da Univer-sidade de São Paulo. Tamara F. Mantovani de Oliveiraé aluna na Faculdade de Educação da USP e bolsistado Programa Institucional de Bolsas de IniciaçãoCientífica - CNPq/USP.

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1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996

Diurno 33330000 33008888 33006600 33004466 33110011 33110011 33111166 33119944

Noturno 11557755 11112200 11118800 11115500 11117755 11118855 11119955 11115533

Total 44887755 44220088 44224400 44119966 44227766 44228866 44331111 44334477

% not 3322,,3311 2266,,6622 2277,,8833 2277,,4411 2277,,4488 2277,,6655 2277,,7722 2266,,5522

Evolução da oferta de vagas na Unesp

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OS ELETRÔNICOS E O FUTURO

OBSCURO DA UNIVERSIDADE

Eli M. Noam

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Atualmente, todostêm conhecimentodo tremendo a-vanço em redes decomputador comoinstrumentos de

pesquisa; da livre comunicação en-tre pesquisadores em todo o mun-do; da queda da sufocante hierar-quia organizacional e dos controlesgovernamentais coercivos; e da éti-ca de compartilhamento de infor-mações em vez da comercializaçãodelas. A tecnologia, parece, criouuma série de novos instrumentospara os esforços acadêmicos, forta-lecendo e enriquecendo o ambien-te de pesquisa existente.

Partes deste excitante cenário es-tão realmente tornando-se realida-de. Seria ingenuidade concluir que aaldeia acadêmica global é apenasganho e nenhuma dor (apesar, tal-vez, de precisar se proteger contrauns poucos imaturos mas criativosjovens). Na verdade, a tecnologia decomunicações conectará as fontesde informação do globo. Mas, en-quanto alguém conecta os novos ca-minhos, outro alguém desconecta osvelhos. E, enquanto as novas tecno-logias de comunicação são conve-nientes e adequadas para reforçar apesquisa, elas também causam o en-fraquecimento das principais insti-tuições tradicionais de ensino, asuniversidades. Ou seja, em lugar deprosperar com os novos instrumen-tos, muitas das funções tradicionaisdas universidades serão abandona-das, sua base financeira erodida, suatecnologia substituída, e seu papelna pesquisa intelectual reduzido.Este não é um panorama animadorpara a educação de nível superior.

A atividade acadêmica, vistasem paixão, consiste basicamentede três elementos: (1) criação deconhecimento e avaliação de suaeficácia; (2) preservação do conhe-cimento, e (3) transmissão desteconhecimento para outros. A reali-zação de cada uma dessas funçõesbaseia-se em aspectos tecnológicose econômicos. Junto com fatoreshistóricos e políticos, elas dão ori-gem às instituições. Mude a tecno-logia e a economia, e as institui-ções, eventualmente, mudarão.

A velha direção dos fluxos de informação

As instituições de informaçãotiveram início cerca de 5.000 a8.000 anos atrás, quando, em dife-rentes locais em todo o mundo,sacerdotes emergiram como pro-dutores e preservadores especiali-zados de informação. Coletiva-mente, eles foram também osprincipais “armazenadores” de in-formação de suas sociedades. Co-mo a confiança na memória indi-vidual ou grupal para transmitirinformação através do tempo e doespaço era ineficiente, surgirammétodos de registro. Escritores ti-veram de ser treinados, e as esco-las surgiram. Escrever, por suavez, levou à criação de instituiçõesformais de armazenamento de in-formações. Sob o reinado do reiassírio Assurbanipal (668 a 627a.C.), a biblioteca real em Níniveacumulava mais de 10.000 traba-lhos. Documentos eram organiza-dos por assunto, tais como leis,medicina, história, astronomia,biografia, religião, comércio, len-

das e hinos, cada um em uma salaseparada. Homens sábios reu-niam-se nessa biblioteca para usara informação e para aumentá-la.Não há dúvida de que eles tam-bém discutiam entre si e eram cer-cados por discípulos. Portanto, co-nhecimento e pesquisa já estavamsendo organizados de maneirasurpreendentemente similar aosdepartamentos acadêmicos dauniversidade de hoje.

Este modelo —informação ar-mazenada de forma centralizada,cientistas vindo para buscar a in-formação, e um largo espectro deassuntos abrigados sob um tetoinstitucional— era lógico quandoa informação era escassa, a repro-dução de documentos era dispen-diosa e restrita, e o nível de espe-cialização era baixo. Tornou-setambém o modelo para a mais for-midável das instituições de ensinoe conhecimento da antiguidade, aGrande Biblioteca de Alexandria.No seu auge, a biblioteca reuniaaproximadamente 700.000 volu-mes, e era mais reconhecida emseu papel de biblioteca do que emseu papel de universidade gradua-da. Desde o início, Ptolomeu I Só-ter e seu bibliotecário Demetriusrecrutaram alguns dos mais notá-veis filósofos da cultura helenísti-ca, como o matemático Euclides,para o que foi chamado o “mu-seu”. Esses filósofos eram cerca-dos por discípulos e aprendizes.Novamente, o modelo era similar.Mais filósofos acorreram para asinstituições de armazenagem deinformação e produziram, colabo-rativamente, ainda mais informa-ção, atraindo mais estudantes.

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A nova direção dos fluxos de informação

Este sistema de educação supe-rior permaneceu marcantementeestável por mais de 2.500 anos.Agora, entretanto, enfrenta umprocesso de colapso. A razão não éprincipalmente tecnológica: a tec-nologia simplesmente permite quemudanças ocorram. A razão fun-damental é que a atual produção edistribuição de informação estãominando o fluxo tradicional de in-formação e com ele a estruturatradicional da universidade, dei-xando-a pronta para desmoro-nar em câmara lenta uma vezque as alternativas para sua no-va função tornem-se possíveis.

Muitos ramos da ciência mos-tram um crescimento exponencialde cerca de 4% a 8% ao ano, comum período de duplicação de 10 a15 anos. Como ilustração dessatendência, a publicação ChemicalAbstracts levou 31 anos (1907 a1937) para publicar seu primeiromilhão de abstrações; o segundomilhão levou 18 anos; o mais recentemilhão levou somente 1,75 ano.Desse modo, mais artigos sobre quí-mica têm sido publicados nos últi-mos dois anos que durante toda ahistória anterior a 1900.

A resposta das organizações pa-ra o aumento no volume de infor-mações tem sido melhorar a capa-cidade de processamento por vá-rios meios, tais como melhor edu-cação, maiores equipes, reorgani-zação interna e investimento emtecnologia. A principal estratégia,entretanto, tem sido aumentar aespecialização. Quando o corpo de

conhecimentos cresce, campos deexpertise evoluem para segmentoscada vez mais estreitos.

A inexorável especializaçãocientífica significa que mesmo uni-versidades de pesquisa não podemabranger todas as áreas de interesseem face da expansão do universo deconhecimento, a menos que suasequipes de pesquisa cresçam maisou menos à mesma taxa que a pro-dução dos especialistas, dobrando acada cinco a dez anos. Isto não ésustentável nem econômica nem or-

ganizacionalmente, nem permite aexistência de pequenas universida-des de elite. Como resultado, asuniversidades não cobrirão maisuma ampla variedade de conheci-mento. Elas poderão ofertar muitasdas principais disciplinas acadêmi-cas (o que quer que isso signifique),mas somente numa quantidade li-mitada das numerosas sub-especia-lidades. Pela mesma razão, muitosexpertises encontram cada vez me-nos colegas com especialização se-melhante em seus próprios campipara fins de complementaridade detrabalho. Ao invés disso, cresce a

interação de especialistas distantesentre si mas com interesses simila-res, ou seja, mais no campo profis-sional que no físico.

Nada disso é novo, claro! En-quanto a pressão por especializaçãode informação à distância tem cres-cido, também crescem os meios detornar os colégios invisíveis a princi-pal afiliação. O transporte aéreo es-tabeleceu o professorado a jato. Ascomunicações eletrônicas estão ago-ra criando novas comunidades cien-tíficas eletrônicas em resposta à ne-

cessidade elementar de colabora-ção intelectual. Ironicamente, é auniversidade que paga pela co-nectividade da rede que ajudaseus especialistas residentes amudar o foco de sua atenção pa-ra o mundo externo –ou, no jar-gão das comunicações eletrôni-cas, juntar comunidades virtuaisno ciberespaço. Enquanto istoacontece –estamos apenas no iní-cio da tecnologia conveniente– avantagem da proximidade físicados acadêmicos nas universida-des declina acentuadamente.A segunda função da universida-

de é o armazenamento da informa-ção. Tem sido dito que uma univer-sidade é tão forte quanto sua biblio-teca. Mas aqui, também, considera-ções econômicas e tecnológicas mu-dam tudo. Enquanto a produçãodos estudiosos aumenta exponen-cialmente, assim também aumentao custo de aquisição e referência.Por exemplo, em 1940, uma assina-tura anual da Chemical Abstractscustava $12; em 1977, era $3.500; eem 1995, $17.400. Como as coleçõesde biblioteca abrangentes têm setornado financeiramente proibiti-

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O transporte aéreo

estabeleceu o professorado

a jato. As comunicações

eletrônicas estão agora

criando novas

comunidades científicas

eletrônicas em resposta à

necessidade elementar de

colaboração intelectual.

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vas, as alternativas eletrônicas tor-naram-se poderosas em sua capaci-dade de armazenagem, conteúdo deamplo espectro e eficiência em re-cuperação. Portanto, as universida-des estão gradualmente mudandode investimento na presença físicada informação para a criação deacesso eletrônico. É uma respostalógica e enfraquece o papel funda-mental da universidade como repo-sitório de informação especializada.Em breve, a combinação de laptopcom linha telefônica servirá a estepropósito tão bem –e freqüente-mente melhor– em qualquer lu-gar, a qualquer tempo.

A terceira função da universi-dade é a transmissão de infor-mação, isto é, seu papel de ensi-nar. É difícil imaginar que oatual sistema de aulas de baixatecnologia sobreviverá. A intera-ção estudante-professor já estásob stress como resultado docrescente abismo entre ensinobásico e pesquisa especializada,e vem acompanhada de um altopreço. Concretizadas as tecnolo-gias instrucionais alternativas e sis-temas de credenciamento, haveráuma migração para fora da clássicaeducação superior baseada emcampus. Os instrumentos para issopoderiam ser servidores de vídeocom palestras de cientistas e estu-diosos proeminentes; acesso eletrô-nico a materiais de leitura e exercí-cios de estudo interativos; interati-vidade eletrônica com faculdades eassistentes de ensino; livros de hi-pertexto e novas formas de expe-rienciar conhecimento; conferênciapor computador e vídeo e progra-mas de tradução de idiomas. Mes-

mo sendo verdade que as vanta-gens dos meios eletrônicos de ensi-no têm sido absurdamente exagera-das, o ponto não é que eles sejamsuperiores ao ensino face-a-face(apesar de que este último é fre-quentemente romantizado). Oponto é que eles podem ser ofere-cidos a custos dramaticamentemais baixos. Um currículo, uma vezcriado, poderia ser oferecido ele-tronicamente não apenas a cente-nas de alunos das proximidades,mas a dezenas de milhares em todo

o mundo. Isto seria fornecido poruniversidades em busca de rendaadicional em um período de declí-nio da demanda, embora provavel-mente isso não aconteça de iníciocom as escolas de elite, as quaismantêm seu valor de raridade.

A educação eletrônica à distân-cia já está disponível para uma gran-de quantidade de atividades educa-cionais através das tecnologias deradiodifusão, cabo, on-line e satéli-te. Tais formas de ensino apelam pa-ra estudantes motivados com em-pregos de tempo integral, obriga-ções familiares, mobilidade limita-

da, moradia distante e necessidadede cursos especializados. Um exem-plo é a Agricultural Satellite Net-work (AgSat), que permite a vinte equatro colégios agrícolas intercam-biar suas ofertas de curso e reduzirduplicidade. Tais esforços por redu-ção de custos não serão, provavel-mente, bem recebidos pelos benefi-ciários do ensino de baixa tecnolo-gia, as faculdades, as quais final-mente definem a missão e estruturade suas instituições e mostram-setão resistentes a mudanças quanto

qualquer outra profissão.De qualquer modo, os mais

recentes provedores de um cur-rículo eletrônico não serão uni-versidades (elas simplesmente“quebrarão o gelo”) mas, sim,empresas comerciais. Editoresde livro implantarão sofisticadoscursos eletrônicos, ministradospelos mais eficazes e prestigia-dos palestrantes. No momento,os custos de ensino nas universi-dades privadas estão próximosde US$ 50 por hora/aula por es-tudante, sem contar o apoio pú-

blico e filantrópico que as universi-dades recebem, ou os custos decursos de oportunidade.

Com tais preços de “show daBroadway”, os fornecedores alter-nativos ingressarão inevitavelmen-te no mercado de educação eletrô-nica. Os estudantes de hoje, sebuscam empregos de prestígio ouprofissões de acesso restrito, geral-mente não têm outra escolha quenão seja cursar uma universidade.Entretanto, esta é uma base desustentação frágil para a universi-dade –apoiar sua existência na le-galidade ou na raridade– tão frágil

Um currículo,

uma vez criado,

poderia ser oferecido

eletronicamente não

apenas a centenas

de alunos das

proximidades, mas

a dezenas de milhares

em todo o mundo.

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quanto os controles de seus portei-ros sobre a entrada e saída de pes-soas autorizadas e quanto a aceita-ção pública de credenciais alterna-tivas. Quando este apoio enfraque-ce, podemos bem ver no futurocertificados ou graduações “Uni-versidade McGraw-Hill”, exata-mente como programas de gradua-ção in-house oferecidos por algu-mas companhias. Se esses progra-mas forem valorizados por empre-gadores e pela sociedade em prolda qualidade dos estudantes admi-tidos, do conhecimento que os es-tudantes adquirem, e dos requisi-tos que os estudantes devempreencher para se graduar, essesprogramas poderão competir commuitas universidades tradicionais,sem ter de suportar a despesasubstancial das instituições físicas.É provável que editores comerciaiscriem pacotes de ensino eficazes eatualizados, fazendo o currículotradicional das universidades pare-cer estúpido, assim como “SesameStreet” aumentou as expectativasde alunos para um estilo instrucio-nal animado. Já está disponível emvídeo as “Melhores palestras dosprofessores superstar da América”,distribuídas por uma companhiaque se divulga como “sua própriauniversidade particular, compostaexclusivamente por um ‘dreamteam’ dos melhores professores daAmérica”. Graduações são garan-tidas pelo complexo eletrônico In-ternational University College, as-sociado da grande TV a cabo, Jo-nes Intercable. A mesma compa-nhia também oferece cursos emseu canal Universidade de Expan-são da Mente, que recebe crédito

dos programas de graduação dedezenas de colégios.

Fornecedores comerciais ofere-cerão principalmente ensino pro-fissionalizante e cursos de gradua-ção. Ao mesmo tempo, alguns doscolégios invisíveis de especialistasinterligados, hoje caracterizadospor uma informalidade não geren-ciável, serão transformados em de-partamentos virtuais mais estrutu-rados que poderão oferecer cre-denciais de graduação, especializa-ção, socialização e aprendizagem,enfraquecendo, assim, também es-ses papéis das universidades.

Evidentemente, uma outra ra-zão para freqüentar uma universi-dade é participar de um rito de pas-sagem para a vida adulta e para arede de relações sociais a ela ine-rente. Embora este seja um impor-tante aspecto da experiência univer-sitária, ele poderia ser vivido de ou-tras maneiras –como era nos milha-res de anos que precederam o aces-so massivo às escolas– e sempre emlocais e climas mais atraentes.

Se a dominância da universidadesobre a educação superior falhar,sua fundação econômica será erodi-da. Nestes tempos de pressões orça-mentárias, muitas das universidadesnão poderão compensar as perdascom aumento de verbas públicas. Opapel do setor privado terá quecrescer a fim de abastecer e mantero sistema existente. As doações par-ticulares tendem a cair, isto se hou-ver alguma, com a redução do pa-pel central da universidade em pes-quisa e ensino e com a crescentedesilusão sobre a capacidade daeducação de nível superior de resol-ver problemas da sociedade.

O impacto sobre a universidade

Os problemas que afetam asuniversidades não serão unifor-mes. Na área de ensino, o impactomais negativo será sobre a educa-ção profissionalizante e a massa degraduandos, e sobre os camposavançados e altamente especializa-dos. Os menos afetados serão osprogramas de contato intensivo,tais como o estudo de artes liberaisseletivas e tutoriais (especialmentese estão apoiadas por doaçõessubstanciais), assim como treina-mento de habilidades que requei-ram metodologia de multiplicaçãoe retorno, e pequenos mas estáveiscampos de estudos graduados quenão são lucrativos para fornecedo-res comerciais.

Na área de pesquisa, os menosafetados serão os campos que nãoexperimentam crescimento e espe-cialização substanciais, e ondepesquisadores partilham um fortenúcleo. (Eles serão financeiramen-te pressionados, porém, pela per-da de subsídios que eram manti-dos pelos antigos esquemas dedoações da Universidade). Maisafetada será a pesquisa altamenteespecializada, na qual se manteratualizado é crítico. Isto não querdizer que equipes de exigentespesquisas e equipamentos compar-tilhados não estarão alocados nocampus; quer dizer que serão basi-camente conectados a outras uni-dades estejam onde estiverem – nauniversidade, na indústria e no go-verno. A universidade existirá en-tão como uma espécie de centralde escritório de unidades semi-au-tônomas, cada uma responsável

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por sua própria gestão financeira.A administração das universidadesprovavelmente será ainda maisdescentralizada que hoje, e par-cialmente gerida à distância porequipes de telecomutação e tercei-ros especializados.

O papel futuro da universidade

Ao apresentar este panoramadesolador para o futuro da univer-sidade, posso parecer um outrosombrio economista ou fatalistatecnológico, e é fácil pedir uma res-posta que reafirme a importânciada educação de qualidade, dos va-lores acadêmicos, do papel históri-co da educação no crescimentopessoal, e da necessidade humanade livre intercâmbio. Tais argumen-tos são corretos, podem fazer al-guém sentir-se bem, mas estão forade foco. A questão não é se univer-sidades são importantes para a so-ciedade, para o saber, ou para seusmembros – elas são!– mas, sim, se afundação econômica do atual siste-ma pode ser mantida e sustentadaem face do alterado fluxo de infor-mação trazido pelas comunicaçõeseletrônicas. Não é pesquisa e ensi-no que estarão sob pressão –elesserão mais importantes que nunca–mas, sim, sua estrutura instrucio-nal, o sistema da universidade. Pa-ra ser culturalmente importante énecessário (espera-se) mas, infeliz-mente, não suficiente, um apelomaior aos recursos públicos e pri-vados. Podemos lamentar isso, masnão podemos negá-lo.

Este cenário sugere uma mu-dança de ênfase para as universida-des. Real ensino e aprendizado é

mais que informação e sua trans-missão. A educação é baseada emmonitoração, internalização, identi-ficação, definição de papéis, orien-tação, socialização, interação e ati-vidade em grupo. Nesses processos,a proximidade física desempenhaum importante papel. Assim, a for-ça da universidade física do futuroestá menos em informação pura emais em escolas como uma comuni-dade; menos em palestras vendidaspor atacado e mais em acompanha-mento individual; menos em ciber-nética e mais em escolas de contatopessoal. Tecnologia aumentaria,não substituiria, e forneceria novosinstrumentos para fortalecimentoda comunidade no campus, mesmodepois da graduação. Em pesquisa,a força da universidade física estáem estabelecer ilhas internas de ex-celência que se beneficiariam dacomplementaridade da proximida-de física. Isto exige o ativo gerencia-mento de prioridades, e um signifi-cativo desempacotamento das fun-ções de pesquisa, credenciamento,ensino e zeladoria. Na validação dainformação, a universidade tornar-se-á mais importante que nunca.Com o crescimento explosivo naprodução de conhecimento, a socie-dade requer confiáveis guardiões deinformação, e tem confiado algu-mas dessas funções às universidadese seus especialistas residentes, nãoa redes de informação. Mas salva-guardar a credibilidade desta fun-ção exige que as universidades se-jam vigilantes contra tentações deautocomercialização e autocensura.

As ameaças às universidadespodem não surgir da noite para odia, mas certamente chegarão. As

pessoas freqüentemente superes-timam o impacto da mudança acurto prazo, mas também o subes-timam a longo prazo. Elas lem-bram que as primeiras promessassobre o potencial da radiodifusãocomo um instrumento de educa-ção à distância não se concretiza-ram, e agora acreditam que mes-mo um meio interativo profunda-mente mais eficaz terá o mesmodestino, para sempre. As forçasfundamentais no trabalho não po-dem ser ignoradas. Elas são aconseqüência de uma reversão nadireção histórica do fluxo de in-formação. No passado, as pessoasvinham à informação, que estavaarmazenada na universidade. Nofuturo, a informação irá às pes-soas, onde quer que elas estejam.Qual então é o papel da universi-dade? Será mais que uma coleçãode funções físicas remanescentes,tais como laboratório de ciênciase time de futebol? O impacto doseletrônicos sobre a universidadeserá como o da impressão na ca-tedral medieval, terminando seupapel central na transferência deinformação? Teremos nós atingi-do o fim da linha de um modeloque remonta a Nínive, mais de2.500 anos atrás? Podemos nósauto-reformar a universidade, oudevem as coisas, primeiro, ficarmuito piores?

Eli M. Noam é professor de Finan-ças e Economia e diretor da Colum-bia Institute for Tele-Information,Graduate School of Business, daColumbia University, em New York.Este artigo foi publicado original-mente na revista Science, vol. 270.Tradução: Telma Regina Matheus eJane M. Menezes

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CRIATIVIDADE NA SOCIEDADE DE CONSUMO

Maria Elisa Marcondes Helene

A moderna civilização industrial se desenvolveudentro de um certo sistema de mitos convenientes.

As forças motoras da moderna civilização industrial têm sido os ganhos materiais

individuais que nós aceitamos como legítimos.Noam Chomsky, lingüista,

Manufacturing Consent, parte 2, 1992.

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Acriatividade é uma característica doser humano, a qual parece sem espa-ço para ser posta em prática numa so-ciedade de consumo, onde a criaçãosegue as necessidades do mercado: aforma de produção é a da linha de

montagem e o conteúdo criado se dirige para as partesdesmanteladas dos setores das sociedades humanas.

Em nossa sociedade moderna urbana e indus-trial, a criação é enclausurada pelas estruturas decontrole social, o que permite a manutenção do po-der e sua influência. A compreensão dessas estrutu-ras –como elas funcionam e quais são suas mais im-portantes instituições– é vital para a luta em favorda liberdade de criação.

Em nossos dias, a criatividade se manifesta dentrodos moldes da sociedade em que vivemos, muito dife-rentes dos moldes daquela na qual foi desenvolvida atecnologia que nos trouxe onde estamos. Processos im-portantes ocorreram nas sociedades dos séculos XVII,XVIII e XIX para que chegássemos ao século XX coma disposição de construir uma sociedade de consumo.Esses processos incluem alterações na organização dasociedade e nos papéis desempenhados pelas pessoas epelas instituições. Juntos, esses processos são chama-dos de enclausuramento, nome dado por ambientalis-tas de várias partes do mundo (Ecologist, 1992). O ter-mo vem do inglês, “enclosure”, que significa “cercar”.

O enclausuramento

O enclausuramento subordina todas as manifesta-ções do ser humano. É um processo combinado queafeta a natureza e a cultura, o lar e o mercado, a pro-dução e o consumo, a germinação e a colheita, o nas-cimento, a doença e a morte. Nenhum aspecto da vi-da ou da cultura permanece imune a ele.

Como o mercado destrói os alicerces da auto-de-pendência dos regimes comunitários, estes começama se atrofiar. Como membros de uma comunidadeenclausurada, deixamos de depender dos amigos, fa-miliares e vizinhos. Quando necessitamos de ajuda,recorremos ao mercado, não apenas para obter ali-mento, abrigo e vestuário, mas também para buscarrecreação e serviços especializados em tratamento

de crianças, velhos, doentes e deficientes físicos oumentais. Procuramos também o mercado de bens eserviços para satisfazer nossas necessidades emocio-nais. Com isso, a comunidade deixa de se alimentarpara ser alimentada ou alimentar outras; deixa de seajudar para ser ajudada; deixa de se entreter paraser entretida, e assim por diante. Ela troca a credibi-lidade pessoal pelos padrões racionais, o artesanatopelas profissões, o respeito pelo uso das pessoas co-mo instrumentos.

O enclausuramento redefine a comunidade: elemuda os pontos de referência através dos quais as pes-soas são valorizadas. Os indivíduos se tornam “unida-des” cujo “valor” para a sociedade é definido por suasrelações com o nova entidade política que emerge doenclausuramento. Assim, ele faz surgir uma nova or-dem política: o meio ambiente é usado de outra for-ma, requerendo novas regras e novas formas de orga-nização; o enclausuramento redefine então como omeio ambiente é manejado, por quem e em benefíciode quem. Formas tradicionais de manejo ambientalsão deixadas de lado, ridicularizadas, consideradas an-tiquadas, inoperantes, malignas ou ilegais.

O enclausuramento não apenas redefine o fórumno qual as decisões são tomadas, mas também redefi-ne que vozes contam neste fórum. A fim de colocar aadministração nas mãos de pessoas com fonte de po-der fora da comunidade, o enclausuramento elimina aética local, abrindo caminho para a burocratização eo enclausuramento do próprio conhecimento.

Em resumo, o enclausuramento é uma mudançana rede de poder que envolve, contra a vontade, omeio ambiente, a produção, a distribuição, o processopolítico, o conhecimento, a pesquisa e a lei. O enclau-suramento reduz o controle exercido pela populaçãolocal sobre os assuntos da comunidade.

O poder da linguagem

O enclausuramento, ao tirar algo de um matriz so-cial e forçá-lo dentro de uma outra matriz, redefinin-do sentidos, envolve o processo de tradução. É o queacontece quando a escola deixa de ensinar o que inte-ressa para a comunidade, como o cuidado com o solonuma comunidade rural, e ensina o que interessa aos

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habitantes das grandes cidades. A palavra “semente”,por exemplo, se refere então àquilo que se compraantes da plantação de cada safra (as sementes de altorendimento dão frutos estéreis e devem se compradastodo ano) e não mais as sementes que os agricultoresguardavam de suas melhores plantas para o ano se-guinte. A palavra “semente” está então ligada à agro-indústria e não ao fazendeiro, pertencendo ao univer-so industrial ao invés de pertencer ao universo rural.A semente da agro-indústria poderia ter recebido ou-tro nome; mas isso não ocorreu.

Quando um conceito é enclausurado no contexto deuma linguagem completamente estranha, alguma coisainevitavelmente é perdidana tradução. Quando o queé perdido é essencial para aidentidade e sobrevivênciade um grupo, e este grupoé impedido de usar sua lin-guagem nativa para defen-der ou pegar de volta o queperdeu, a defesa do grupoé enfraquecida e ele se tor-na vítima.

Com o declínio da es-cravidão, a estratégia dosproprietários de escravosdesaguou em algo mais su-til: as linguas nativas vemsendo infiltradas delibera-damente com conceitosocidentais estranhos à lin-gua e à cultura. Por exemplo, na campanha de “vilari-zação” na Tanzânia, durante a metade da década de70. Nas novas vilas, as pessoas eram encorajadas acontruir suas casas em estilo ocidental e cada homemera tratado por “você e sua família”; mas na línguaSwahili, o termo “família”, no sentido de um grupodoméstico não existe. Assim, achou-se necessário to-mar o conceito contido no termo em inglês –family– ecolocá-lo dentro de uma forma “familia” da linguaswahili. Tal uso lingüístico contém várias premissas –-que a unidade na sociedade é “um homem e sua famí-lia”, e que esta unidade requer uma casa e uma uni-dade de terra. Em outras palavras, conceitos estra-

nhos vêm sendo introduzidos nessa sociedade.O processo da armadilha conceitual se desenvol-

veu durante as eras da formação do estado, do colo-nialismo, do desenvolvimento econômico e, atual-mente, se desenvolve na era do manejo ambiental.Nenhum desses sistemas de dominação podem supor-tar a atitude de “viver e deixar viver” em relação asmilhares de outras línguas e culturas existentes noplaneta e componentes de nosso universo social. Es-ses sistemas necessitam se expandir em escala globale, por isso, quaisquer outros sistemas com enorme va-riedade de objetivos e de formas de resolver conflitosatrapalham sua expansão. E, quando isso ocorre, os

sistemas diversificados sãoenclausurados, ou seja, sãoespremidos pelo sistemaabrangente, pegos numaarmadilha. Imediatamente,os conflitos passam a serresolvidos através de crité-rios determinados pelosenclausuradores.

Essa prisão conceitual émoralmente justificada sim-plesmente persuadindo aspessoas de que elas sãoobrigadas a tolerá-la, semdireito à recusa, sendo oprocesso realizado atravésda tradução de suas pala-vras, práticas e formas devida para uma linguagem

estrangeira. O enclausuramento reivindica que sua pró-pria estrutura social e sua linguagem são normas uni-versais, uma matriz capaz de assimilar todas as outras.O que for “perdido na tradução” é obrigatoriamente in-significante, subdesenvolvido ou inferior com relaçãoao que se ganha com a “tradução”. O que o sistema glo-bal não pode compreender e apropriar, ele não somen-te não sabe apreciar, mas também não tolera.

No encontro do conhecimento moderno com oconhecimento vernacular, o perigo não se encontrano fato de que o conhecimento moderno irá apro-priar-se do vernacular, mas no fato de que essa apro-priação far-se-á parcialmente e que esse conheci-

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No encontro do conhecimento

moderno com o conhecimento

vernacular, o perigo não se encontra

no fato de que o conhecimento

moderno irá apropriar-se do

vernacular, mas no fato de que essa

apropriação far-se-á parcialmente e

que esse conhecimento parcial

retornará como o sólido cerne de

verdade extraído de uma rede de

superstições e falsas crenças.

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mento parcial retornará como o sólido cerne de ver-dade extraído de uma rede de superstições e falsascrenças. O que fica na intersecção entre o conheci-mento moderno e o conhecimento vernacular corre orisco de ser totalmente perdido.

Por acharem que falam uma linguagem universal,os enclausuradores modernos não têm nenhum escrú-pulo ao se comunicar com os enclausurados. O quelegitima o enclausuramento na mente do enclausura-dor é a suposição tácita de que ele é conhecedor dadifícil situação do enclausurado tão bem quanto oumelhor do que ele próprio. Nos nossos dias, são inú-meros os exemplos de pessoas em papéis generosos,compreendendo a opressão e a dificuldade do próxi-mo e achando sua ajuda essencial.

A necessidade de desenvolver formas de organiza-ção, matrizes, contextos, ou seja, estruturas mentaisque instrumentalizassem não só os enclausuradores naexecução de sua tarefa de nos tornar a todos do plane-ta muito parecidos (usa-se o termo “globalização”),mas também os enclausurados na aceitação tranqüilado subjulgo, estimulou a ciência da comunicação epropiciou seus inúmeros avanços tecnológicos.

A comunicação a serviço dos enclausuradores modernos

A cultura de massa não tem raízes. É superficial edepende da substituição rápida de um produto poroutro, para manter a produção diversificada de bens,que sustenta a economia e o emprego. Em funçãodesse dinamismo, nossos valores são também rapida-mente mudados.

Como nossa matriz de valores tem sofrido grandese rápidas mudanças, pode-se dizer que “habitamos”nossa cultura de massa com valores pouco enraizados.E, enquanto a sociedade de consumo faz-nos muitoativos, mas pouco reflexivos, transformando-nos emagentes dóceis do consumismo, os meios de comuni-cação de massa lembram-nos de nosso papel de con-sumidores com extrema insistência.

Mais de 90% das notícias internacionais impressasem todos os jornais do mundo são provenientes de qua-tro grandes agências. Cada uma delas construiu sua es-fera de influência a partir dos antigos impérios coloniais:

• A United Press International (UPI) e a Associa-ted Press (AP), ambas norte-americanas, têm suas in-formações amplamente veiculadas no Japão, na Co-réia do Sul e nas Filipinas — áreas de controle norte-americano no período do pós-guerra — e estão tam-bém ligadas à América Latina.

• A Reuters, de Londres, tem mantido considerá-vel influência sobre os países do Commonwealth2 delíngua inglesa.

• A Agence France Press (AFP), de Paris, é forte-mente ligada aos países africanos de língua francesa.

A comunicação de massa nos países do terceiro mundo

Os jornais da América Latina, da África e da Ásiapreferem comprar suas notícias das quatro grandesagências, já que a manutenção de correspondentes es-trangeiros permanentes é muito cara.

O Terceiro Mundo, que representa mais de doisterços da população e da área do mundo, respondeapenas por um quarto das notícias dessas quatrograndes agências — a menos que se trate de guer-ras, fomes etc. Dando preferência a notícias sobreo Primeiro Mundo, os jornais dificilmente permi-tem que informações sobre os países pobres alcan-cem os leitores de Nova Iorque, Londres ou Paris.A AP envia de Nova Iorque para a Ásia, 90 mil pa-lavras por dia e recebe 19 mil de seus correspon-dentes naquele continente e das agências nacionaisda Ásia. A Reuters e a UPI enviam de quatro a cin-co vezes mais notícias para a Ásia em relação àsque de lá recebem.

No que nos atinge, cerca de 50% de todas as notí-cias publicadas na América do Sul são provenientesdas duas agências de notícias norte-americanas, aUPI e a AP, e outros 10%, da Reuters e da AFP. As-sim, os sul-americanos vêem o mundo da mesma for-ma que americanos, franceses e ingleses.

As prioridades dessas quatro agências na captaçãoda notícia se refletem na posição ocupada pelos seuscorrespondentes: 34% estão confinados nos EstadosUnidos; 28%, nas capitais da Europa; menos de 20%,na Ásia e Austrália; 13%, na América Latina; e, pro-vavelmente, menos de 10%, na África.

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Dessa forma, tanto os fatosnoticiados referentes aos paísesdesenvolvidos quanto os con-cernentes aos países subdesen-volvidos são descritos maciça-mente conforme a concepçãodos cidadãos dos países do Pri-meiro Mundo. Com isso, o mo-nopólio das agências ocidentaisdistorce até mesmo a visão queo Terceiro Mundo tem de sipróprio. A superficialidade dascoberturas reforça estereóti-pos, e após, a população dospaíses em desenvolvimento,aprendemos sobre nós mesmospor meio dessa imagem distorcida. E, assim, estamosnos tornando muito provavelmente o que aprende-mos que somos: ignorantes, pobres, corruptos, brutos,culturalmente curiosos ...

Mídia e democracia

Nas ditaduras civis ou militares, o que se controlaé a atitude das pessoas: elas têm sua liberdade de ex-pressão restringida. Já, nas democracias, em que oexercício da liberdade de expressão é considerado defundamental importância, a homogeneidade culturalé mantida às custas do controle do pensamento.

Nas democracias capitalistasexiste uma certa tensão com re-lação ao locus do poder, já que,nelas, o poder emana do povo,ou seja, pelo menos, em princí-pio, é ele quem dita as regras.Mas, na prática, o poder de to-mar decisões nas principaisáreas da vida de toda a popula-ção fica nas mãos de setoresprivados, detentores do podereconômico, com efeitos de lon-go alcance na esfera social.

Uma forma de resolver essatensão seria estender o sistemademocrático, por exemplo, à

organização do trabalho, crian-do ou recriando as atividadesprofissionais que permitam oexercício da criatividade, paraque, assim, todos, tenham aoportunidade de participar doprocesso de formação de opi-nião pública. Isso constituiriauma imensa revolução social.

Nas sociedades industriaisavançadas são usadas váriasformas para enfraquecer asreais estruturas políticas demo-cráticas, deixando-as ao mesmotempo formalmente intactas.Uma grande parte desse traba-

lho é realizada pelas instituições ideológicas, que cana-lizam os pensamentos e as atitudes dentro de limitesaceitáveis, desviando qualquer ameaça potencial deaparecimento de novos privilégios e novas autoridades,antes que se fortaleçam. Essas instituições têm muitasfacetas e são formadas por inúmeros agentes, entre osquais se destacam, atualmente, os meios de comunica-ção de massa e as elites intelectuais a eles relacionadas.

Para atingir esse objetivo, a mídia escrita, falada outelevisiva, ao divulgar um determinado fato, não se con-tenta com a mera apresentação apenas. Aspectos comoo tom a ser empregado e a freqüência de repetição nacondução da notícia, bem como sua valorização, são le-

vados em consideração. Dessemodo, além dos padrões de co-municação usados nas campa-nhas de indignação (como nocaso de P. C. Farias) ou de soli-dariedade (por exemplo, namorte do campeão de automo-bilismo Ayrton Senna), existemos tons e as ênfases, a cuidadosaseleção das premissas e a ordemde apresentação do conteúdo.Essa forma é extremamente útilaos que exercem o poder, poistransmite a informação com asnuanças de interpretação. Umexemplo disso é o fato de os

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muçulmanos, via de regra, serem chamados de “fanáti-cos religiosos”, em notícias que a eles fazem menção.

As afirmativas deste texto são:a) os trabalhadores, com sua mínima ou nula par-

cela de criatividade e identificação com seu objeto decriação, participam da sociedade de consumo, tornan-do-se meros proprietários de bens.

b) os meios de comunicação de massa mantêm aselites intelectuais a eles relacionadas informadas deuma realidade que os leva a profundar a sociedade deconsumo, a produção de bens e a usurpação do exer-cício da criatividade do trabalhador.

c) os meios de comunicação de massa mantêm amassa trabalhadora ocupada e entretida, quandonão está produzindobens de consumo, semsequer considerar apossibilidade de parti-cipar do mecanismode formação de opi-nião pública.

d) a democracia,atualmente, em nossasociedade moderna ur-bana e industrial, é umexercício de poder dosque ditam as regras.

Quanto à formaçãode opinião pública, elaé realizada pelosmeios de comunicação de massa, dela participandoum número extremamente pequeno de pessoas. Aliás,são eles os encarregados de introduzir, no nosso dia-a-dia, novas necessidades de uso de produtos desco-nhecidos. Assim procedendo, os meios de comuni-cação de massa atendem à condição fundamental pa-ra a sobrevivência da sociedade de consumo: acriação e o consumo acelerados de bens.

Nós, consumidores, devemos trabalhar para ga-nhar dinheiro e gastá-lo, adquirindo a produção in-dustrial e satisfazendo, assim, nossas necessidades ar-tificialmente criadas. Para o crescimento e sobrevi-vência do capitalismo e dos empregos que cria, é fun-damental o aparecimento de novos consumidores.Por isso, devemos consumir toda a sorte de novida-

des. Isso exige mudanças de hábitos e, para que elasocorram, são necessários mecanismos que alterem ra-pidamente nossos desejos e vontades. A propagandaestá intimamente envolvida nesse processo.

Uma prova disso é o incrível crescimento dos gas-tos mundiais com propaganda, indústria que mantémum estreito laço de interdependência com o consumo.A propaganda foi uma das indústrias de mais rápidocrescimento durante a última metade do século XX.

O consumismo e sua globalização são compatíveisapenas com o capitalismo, quer numa democracia,quer numa ditadura. E todas as nossas atitudes —voluntárias ou obrigatórias, individuais ou grupais —que se alinharem à melhora e sofisticação do consu-

mismo e de sua globa-lização são contráriasaos princípios huma-nitários e éticos daeqüidade.

Os trabalhadores,com sua mínima ounula parcela de criati-vidade e de identifica-ção com seu objeto decriação, apenas parti-cipam da sociedade deconsumo como merosproprietários de bensou potenciais consu-midores.

No entanto, a sociedade de consumo só interessaàqueles que são seus líderes e que, aliás, não são con-sumidores da produção em massa. As elites encomen-dam carros produzidos um a um, fazem roupas emmodistas, não se alimentam nas redes de lanchonetes,não moram em apartamentos dos Sistemas Financei-ros da Habitação, e assim por diante. O consumo quelhes interessa é o dos outros, que financia a realizaçãode seus desejos exóticos.

A sociedade de consumo nos obriga — para sobre-viver — a trabalhar para ela e a consumir sempremais e mais produtos. Para termos status, precisamoster dinheiro, e aí tudo começa...

Maria Elisa M. Helene é pesquisadora na área de Ener-gia e Meio Ambiente junto à Estação Ciência da USP.

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Nós, consumidores, devemos trabalhar

para ganhar dinheiro e gastá-lo, adquirindo

a produção industrial e satisfazendo, assim,

nossas necessidades artificialmente criadas.

Para o crescimento e sobrevivência

do capitalismo e dos empregos que cria,

é fundamental o aparecimento de novos

consumidores. Por isso, devemos

consumir toda a sorte de novidades.

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Certa vez, num passado não tão distante, quando o golpe militar de 64instalou o regime ditatorial no Brasil, um coronel do Exército seapresentou ao professor José Moura Gonçalves, à época diretor daFaculdade de Medicina de Ribeirão Preto, com o propósito de investigar atividades “subversivas” e instaurar, dentro daquelafaculdade, uma Comissão de Inquérito. Nem bem havia terminado aformulação da frase, o coronel ouviu a negativa: “se a Comissão insistirem se instalar no campus, decreto recesso por tempo indeterminado”.

Por aquela mesma época, Moura teve um outro enfrentamento. Desta feita com alguns colegas que pretendiam redigir um manifestode apoio ao golpe militar. Ao tomar conhecimento do propósito de alguns professores, Moura foi até o local da reunião e impediu o ato de adesão. Recolheu o abaixo-assinado sob a argumentação de que, uma manifestação de docentes da FMRP seria deresponsabilidade da Congregação da Faculdade. Com o falecimentodo professor José Moura, em outubro de 96, parte do passado deresistência da USP também desapareceu. Assim como tantos outros,ele não se vergou às disputas internas e nem aos militares.

No início deste ano, a Universidade perdeu também Ligia Marcondes Machado, uma docente com apurado senso dejustiça e solidariedade. Dois eram os seus amores: os alunos e a pesquisa. Foi essencialmente dela a luta, ainda não vencida, contra a contratação precária de professores na USP. Para ela, era preciso sempre resistir, debater, questionar, entender. A exemplo de Moura Gonçalves, Ligia não se curvava; investia contra aburocracia universitária e queria, sempre, saber os porquês. No final de 92, suas críticas desnudaram o processo de avaliação de docentes em curso na USP, revelando as incoerência internas e seus efeitos nefastos para a Universidade.

Os professores Moura Gonçalves e Ligia Marcondes Machado, pelas contribuições que deram não só à universidade, mas ao país e à defesa da cidadania, merecem ser lembrados e re-lembrados. Nas próximas páginas, Zilda Iokoi, professora do Departamento de História, e Francisco G. Nóbrega, do Instituto de Biociências,contam um pouco da história de cada um deles.

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Ela chegou com seu sota-que mineiro, e com to-das as sutilezas da mi-neiridade. Fala mansa,olho atento e semprebrilhante e com o minha

flô como uma saudação afetiva esempre alegre. Foram anos de conví-vio onde ela preferiu dedicar-se ascausas sindicais e políticas em lugardas administrativas departamentais.Dois eram seus amores, os alunos ea pesquisa. Nenhuma reunião doFórum das Seis, ou mesmo da Dire-toria competia com esses níveis depreocupação e de prazer intelectualdesta mulher radical.

Seu sentido de justiça, de solida-riedade e de preocupação com asviolentas alterações que já se proces-savam sobre o nosso fazer universi-tário estão bem apontados no artigoCafé na Cama, publicado no Jornalda Adusp, edição novembro/dezem-bro, de 1992.

As críticas ali registradas têm hojemais sentido. Os perigos da burocra-cia enquanto fim em si mesma, a que-bra do prazer e da inventividade queo conhecimento permitem, o congela-mento das formas em conteúdos quenão passam de formas vazias, a repe-tição seqüencial, estão cada vez maisvisíveis na vida universitária. Para ela,homogeneizavam-se nas estruturas in-ternas de poder concepções sobre sin-gularidades finas das várias áreas doconhecimento e impunha-se uma for-matação rígida para o específico.

Uma lição sempre recomendada

por ela estava impres-sa no não sucumbir.Resistir, debater, criti-car, questionar enten-der os porquês, con-trapor idéias. Estarcom ela era exercitardialeticamente a ima-ginação imaginada,ou seja, pensar commovimento, viver acentralidade móvelnecessária ao pensa-mento crítico . Foicom ela que o ques-tionamento dos nos-sos veículos de co-municação resultouem propostas comoa da Revista Adusp.Ela lutou para ulti-mar essas altera-ções discutindo umtema caro ao pensamen-to filosófico ou seja, o esgotamentodas formas. Alegre e animada, pro-moveu várias festas de confraterniza-ção e defendia sempre a idéias de nosjuntarmos pelo prazer da conversa,pela riqueza do encontro e pela ale-gria do reconhecimento das diferen-ças. Conversávamos muito sobre ahistória. Ela, destacando pontos cru-ciais deste vivido próximo e longín-quo, procurando nexos e explicaçõesmais substantivas para o presente.Lembro-me muito bem do dia que,brincando, eu lhe disse que os fatosnão existem. Foi tão sério o debateque percebi como ela dava importân-

cia à palavra e como ouvia com cui-dado todos os assuntos. Passamosdias debatendo como as interpreta-ções sobre os acontecimentos dãoconteúdo e longevidade às ações hu-manas. Com ela me aproximei de co-legas da Psicologia que enriqueceramminha experiência profissional e atra-vés dela ganhamos sua contribuiçãomais preciosa, seu filho, que hoje estáentre os alunos da história.

Falar da Ligia é relembrar os últi-mos cinco anos de dilemas tanto naslutas sindicais, como nos impassesacadêmicos. Tudo piorou muito,mais concentração de decisões e de

LIGIA MARCONDES MACHADO, UM ATÉ BREVE...

Zilda Iokoi

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poder, menos democracia, menorpoder de combate, mais desafios pe-la frente. Hoje vive-se diante de umnovo desafio. Não mais se publiqueou desapareça, mais consiga dinhei-ro ou desapareça! Hoje não se esca-moteia mais a burla do RDIDP, maselogia-se o pagamento de overheadpara que um professor se dedique àpesquisa. Recomenda-se a publica-ção no exterior mesmo que mediantepagamento de alguns dólares...

Uma pergunta da Lígia ainda me-rece ser respondida: Será que Har-vard exige de seus docentes publica-ção no exterior? Será que o Brasilpode oferecer espaço em sua Scienceand Culture para os do MIT?

Pois é minha amiga, minha per-gunta vai em outra direção: Será queos nossos melhores referidos no exte-rior conhecem este país? Essa menta-lidade colonizada já foi cantada emverso e prosa e dela melhor falarampersonalidades como Mario e Osvaldde Andrade, Calado e Sérgio Buar-que, Candido e Florestan. Esses pila-res do pensamento crítico não precisa-ram de justificar seus trabalhos lá fora.Eles foram reconhecidos exatamenteporque responderam aos problemasde seu rincão. Inverte-se a chave mes-tra do criativo, do novo da descoberta.A poiéses e a minéses foram substituí-das pela imitação acrítica, pela cópiabarata e pela navegação na Internet.O significado das coisas é hoje as coi-sas do significado e neste jogo de re-tórica sobram os acordos entre ami-gos, o eu te cito, tu me citas e a for-mulação de relatórios cada vez maisconfusos e complexos para não seremlidos nem entendidos. Multiplicam-seas comissões e as reuniões para nãoconcluir nada. Assim, lembrando nos-so papo sobre o querido StanislauPonte Preta, o FEBEAPÁ aumentoue não tem Rosamundo ou Tia Zulmi-ra que dêem conta do caos. Aí ondevocê está, não há de ter senão café nacama que é o que todos estamos pre-cisando e merecendo. Tcháu flô...

Oprofessor José MouraGonçalves faleceu nodia 19 de outubro doano passado, aos 82anos de idade. Foi umdos mais destacados

bioquímicos de sua geração, comgrande influência na formação demuitos jovens cientistas. Formou-seem medicina em 1936 e iniciou suacarreira na Biofísica no Rio de Janei-ro. No início dos anos 50 foi para aFaculdade de Medicina de RibeirãoPreto onde dirigiu um grupo de pes-quisa em bioquímica e fisicoquímicavoltado particularmente para o estu-do de proteínas. Dirigiu depois o se-tor de radiobiologia no Instituto deEnergia Atômica da USP (atualmen-te IPEN). No exterior trabalhou emMadison, Wisconsisn (Estados Uni-dos), na Suécia, com o famoso Sved-berg e em Copenhagem, com o tam-bém ilustre Linderstron-Lang.

Sua trajetória científica certa-mente será resgatada por outro arti-culista. Nesta pequena nota preten-demos homenagear o homem de co-ragem, caráter e integridade, relem-brando alguns episódios marcantes.

Moura Gonçalves era o Diretorda Faculdade de Medicina de Ribei-rão Preto quando o golpe militar de64 instalou o regime de exceção nopaís. Quando o coronel encarregadode investigar atividades “subversivas”se dirigiu ao diretor no sentido deinstalar dentro da faculdade uma co-missão de inquérito, ouviu do profes-sor Moura uma negativa firme; se acomissão insistisse em se instalar nocampus ele decretaria recesso portempo indeterminado! Na mesmaépoca um grupo de professores re-

solveu redigir um manifesto de apoioao golpe militar. Moura, acompanha-do do professor Pedreira, foi até olocal da reunião (a casa de um doscolegas) e impediu o ato de adesãorecolhendo o abaixo-assinado e es-clarecendo que, uma manifestaçãode docentes da FMRP seria de res-ponsabilidade da Congregação daFaculdade. Estas atitudes resultaramem efeito antídoto contra a pessonhada adesão e a tentação de que umclima de delação se estabelecessedentro do campus. Infelizmente ocampus de São Paulo, com as honro-sas exceções de sempre, não teve ho-mens deste porte em certos momen-tos críticos. A delação foi incentivadapela atitude de adesão explícita ouimplícita de docentes no topo da hie-rarquia universitária e indivíduos damelhor qualidade humana e acadê-mica foram perseguidos e expulsos.Para todos o motivo era uma alegadaposição de “esquerda”. Sob essa de-nominação havia um amplo espectrode personalidades, desde progressis-tas que adotavam o modelo america-no do norte na condução da questãocientífica e educacional até colegasque militavam no Partido Comunis-ta. O que todos tinham em comumera talento, capacidade profissional eenorme entusiasmo no sentido deatacar nosso subdesenvolvimentocientífico e social.

O professor Moura Gonçalves foium dirigente universitário que pos-suía uma noção aprofundada do queé Universidade e dos direitos e deve-res de um cidadão e não recuou desua visão mesmo quando tantos seacovardaram ante a preportência doregime instalado.

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JOSÉ MOURA GONÇALVES

Francisco G. da Nóbrega

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HospitalUniversitário

“Em relação àmatéria intitulada‘Reflexões sobre umHospital Universitá-rio que deveria serescola’, de autoriada professora Pri-mavera Borelli, pu-blicada na RevistaAdusp n° 7, a Co-missão de Ensino e Pesquisa (CEP)do Hospital Universitário da USP(HU/USP) tem a fazer as seguintesconsiderações:

1) A autora cita que se recordadas visitas ao HU durante a suaconstrução (o HU iniciou suas ati-vidades em 1981, ou seja, há quinzeanos). No entanto, a CEP não temconhecimento de visitas mais recen-tes, além de não ter sido procuradapara qualquer informação, esclare-cimento ou mesmo questionamentosobre a filosofia implementada noHU com relação às atividades deensino e pesquisa. Deste modo, pa-rece-nos, no mínimo estranho, que

a docente se refiraàs mesmas comtanto conhecimentode causa.

2) A docentetambém afirma: ‘osalunos em nível degraduação, na maio-ria dos cursos afins,não passam peloHospital’. Na verda-de, o ensino de gra-duação é contempla-

do nas áreas de Medicina, CiênciasFarmacêuticas, Enfermagem,Odontologia, Saúde Pública (Nutri-ção) e Psicologia, conforme descri-to a seguir (veja quadro abaixo).

Em nível de pós-graduação‘sensu-lato’, o HU propicia o de-senvolvimento de Cursos de Espe-cialização (Farmácia Clínica e Hos-pitalar; Enfermagem, Obstétrica eEnfermagem em Cuidados Intensi-vos), além de promover Cursos deExtensão regularmente (14 em1995; 4 até agosto de 1996; 4 pre-vistos até outubro de 1996).

3) No que se refere à pesquisa, adocente afirma que não há uma po-

lítica incentivada, além da mesmanão ser inovadora. Neste sentido, ospesquisadores do próprio HU, bemcomo aqueles ligados às diversasunidades de ensino que o integram,têm total liberdade para propor aexecução de protocolos de pesquisa.No momento, a CEP tem o registrode 75 (setenta e cinco) projetos quese encontram em andamento, alémde quatorze em fase de análise.

4) Quanto ao incentivo para oaprimoramento profissional do seuquadro de funcionários, o HU con-ta com vários mestrandos (44) edoutorandos (48). Verifica-se aindaque o número de servidores quecompletaram o mestrado duplicounos últimos dois anos.

O incentivo à pós-graduaçãotambém é refletido pelo número dealunos bolsistas no HU. Atualmentetreze mestrandos e dois doutoran-dos recebem bolsa para o desenvol-vimento de suas pesquisas nas áreasde Clínica Cirúrgica, Clínica Médi-ca, Clínica Pediátrica, Enfermagem,Informática, entre outras, distribuí-das no período de 1993 a 2000.

O HU também conta com a Es-cola de Auxiliares de Enfermagemque dispõe de 35 vagas, sendo 25para funcionários e dez para outrasunidades ou comunidade. O Servi-ço de Apoio Educacional tem comofinalidade o processo de seleção,treinamento, desenvolvimento eavaliação de todo o pessoal de en-fermagem. De agosto de 1995 a

Cartas

Área N°. de Disciplinas N°. de Alunos (1995)

MMeeddiicciinnaa 772299EEnnffeerrmmaaggeemm 1100 442288CCiiêênncciiaass FFaarrmmaaccêêuuttiiccaass 0022 221188OOddoonnttoollooggiiaa 0011 2200SSaaúúddee PPúúbblliiccaa 0011 1133PPssiiccoollooggiiaa 0011 1122

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1996, foram ministradas 306 horas-aula para os funcionários.

Além disso, destacam-se numero-sas solicitações de visitas às diversasáreas do HU. A farmácia recebeuvinte visitas nos últimos dois anos. ODepartamento de Enfermagem rece-beu no período de agosto de 1995até o momento 34 solicitações de vi-sitas, o que revela o interesse dosprofissionais do mercado em conhe-cer a estrutura, instalações e ativida-des desenvolvidas nesta Instituição.

5) Por último, lamentamos que adocente não tenha tido iniciativa deentrar em contato com esta Comis-são para se informar e se atualizar,não passando pela constrangedorasituação de, na qualidade de diri-gente da Adusp, exarar pareceresincorretos e inverídicos. A CEP doHU/USP sempre está à disposiçãopara esclarecer dúvidas a respeitodo Ensino e Pesquisa desenvolvidosnesta Unidade”.Professores Nelson Fontana Margarido,Dulce Maria Rosa Gualda, Waldir AntonioJorge e Silvia Storpirtis. Março de 1996

RReessppoossttaa ddaa aarrttiiccuulliissttaa –– “Em re-lação às considerações emitidas pelaComissão de Ensino do HU/USP,tenho a comentar que, lamento quea referida Comissão não tenha en-tendido que não estava discutindoquestões numéricas e sim a filosofiaque permeia as atividades desenvol-vidas no HU. Assim o fiz por acredi-tar que o corpo docente e técnicoque nele trabalha apresenta excelen-te qualificação e boa vontade. Acre-dito que o HU/USP poderá, desdeque seja prioridade da Reitoria e ór-gãos pertinentes, ser um hospital-es-cola com propostas inovadoras.

Informo, visto que a Comissãode Ensino e Pesquisa diz não terconhecimento do fato, que estoufreqüentemente no HU. Não naqualidade de visitante, mas sim detrabalho docente. Informo, ainda,que sou responsável pela disciplinaFBC 901, ministrada no HU, e, co-mo docente, tanto de cursos de gra-duação como de pós-graduação, te-nho tido a oportunidade de estarem contacto com a área de ensino.Primavera Borelli

Em defesa da Igreja

“Como aposentado do IME/USP,atualmente professor Emérito naMcMaster University, Canadá, rece-bo regularmente a Revista Aduspgraças à gentileza da minha colegaprofessora O.T. Alas. Fiquei muitochocado com o artigo de León Fer-rari “Sobre hóstias, cópulas, bispos edivorciados”, edição nº 6, pelos mo-tivos que passo a explicar:

1) Certamente concordo com oautor sobre nosso dever em protes-tar da infeliz atenção de membrosda igreja católica em favor do regi-me repressivo argentino durante odomínio militar;

2) Por outro lado, não concordocom o autor em sempre se referir à“Igreja” e não “Igreja argentina daépoca”, dando a impressão que aigreja católica como um todo parti-cipava da atuação em favor dos mi-litares. Isso é totalmente falso comose pode ver em inúmeros países, in-clusive no Brasil, onde uma ala bemrepresentativa da Igreja se opôsfrontalmente ao regime militar queoperou em nossa terra por 25 anos.Basta lembrar o nome de D. HélderCâmara, entre outros.

3) O artigo do sr. León Ferrari seenquadra perfeitamente numa cam-panha mundial contra a igreja católi-ca e o cristianismo em geral. Pode serque, no caso presente, seu autor nãotenha tido essa intenção, mas é cadavez mais comum o uso de incidentescomo o indicado no presente artigopara desmoralizar a Igreja. Porexemplo, é cada vez mais freqüenteo número de filmes e histórias mos-trando padres devassos, bispos ho-mossexuais, freiras sexomaníacasetc. Na verdade, uma campanhamundial de destruição do cristianis-mo é muito bem planejada e orques-trada por um pequeno e poderosogrupo que controla todos os meiosde comunicação do mundo e cujoslíderes conservam a sua identidadeoculta, como “top secret”. Daí ve-mos apoiado por eles toda a porno-grafia no mundo, a exemplo de pu-blicações de revistas tipo Playboy eoutras marcadas de sexo. Em segui-da, vem a destruição do casamento,o aborto, a ridicularização da igreja.Creio que cumpro minha obrigaçãode católico ressaltando esses fatos".Rubens Gouvea Lintz, professor aposenta-do do IME/USP