Apresentação e textos de marco giannotti

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Reflexões sobre a cor 1

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Reflexões sobre a cor

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O GRUPO DE PESQUISAS CROMÁTICAS é formado por alunos e professores de Universidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Busca uma análise ampla do fenômeno cromático a partir do estudo de artistas, filósofos, antropólogos, e cientistas. O grupo parte do entendimento de que a cor constitui uma linguagem, e como tal, requer aprendizado e reflexão. A cor faz parte de modo indissociável do mundo, da natureza que nos rodeia, da arquitetura etc. Tais processos, de uso e percepção da cor, não ocorrem de modo fixo, inalterável, mas trazem consigo marcas próprias de cada época e dos diferentes meios socioculturais. No que concerne ao campo das artes plásticas, a presença da cor se faz constante nas obras que compõem a história da arte; fato que sugere que o estudo da cor como tema pode tanto responder indagações sobre uma tradição cultural quanto fundamentar novas experimentações, inclusive aquelas que fazem uso de novas tecnologias. Contudo, percebe-se que, mesmo no interior do campo das artes, são relativamente poucos os estudos que se dedicam à cor como um objeto de estudo. A proposta de abertura de um espaço de debate - cujo cerne das discussões gira em torno de diferentes percepções e concepções da cor -, situado em um espaço de grande circulação da comunidade acadêmica, como a USP, em São Paulo, favorece o fluxo de ideias entre pessoas oriundas de diversos campos de conhecimento, resultando na possibilidade promissora de troca e intercâmbio de informações. Importa, neste sentido, ressaltar a pertinência do tema deste projeto como uma ferramenta de extensão do conhecimento construído no campo das artes plásticas para

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setores mais amplos da sociedade. Assim, entende-se que a cor configura um universo de pesquisa que, sob determinado ponto-de-vista, é capaz de interligar diferentes áreas do conhecimento.

índice

Apresentação

Cor e linguagem, uma gramática das cores. Marco Giannotti

I. Cor e olhar

Cor e olhar, uma análise das cores fisiológicas na pintura. Marco Giannotti

Cor- luz e arte moderna: concretude e espiritualização. Paloma Carvalho Santos

II. Cor e superfície

Cor e superfície na pintura. Marcela Rangel

Cor e colagem, a fragmentação do espaço. Virginia Aita

Sobre a estampa a cores, diálogos entre desenho gravura, pintura. Claudio Mubarac

Preto e negro, variações cromáticas na pintura. Marcela Rangel

III.Cor e espaço

Cor e espaço: o lugar da pintura. Tais Cabral,

Cor na arquitetura. João Carlos Cesar

A poética da cor em Barragán. Monica Queiroz

IV. O corpo da cor

O corpo e a cor:Experimentações cromáticas nas artes performativas. Fabíola Salles Mariano

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A presença da cor no advento do Bólide de Hélio Oiticica. Angela Varela

V.Cor: técnica e poética

Cor e técnica :sobre a materialidade da cor na pintura. Eurico Lopes

Cor e fotografia: dos processos históricos às poéticas contemporâneas. Maura Grimaldi

Cor e cinema, do Tecnicolor às novas mídias. Guto Araujo

O deserto vermelho no cinema de Antonioni. Yanet Aguilera

Bill Viola e a reminiscência da cor no vídeo. Guto Araujo

Cor e musica, escalas e contrapontos. Teresa Midori Takeuchi e Joceli Domingas de Oliveira

Cor e novas tecnologias, a revolução digital. Luciano Deszo e Vitor Iwasso.

 

APRESENTAÇÃO

Surpreendente seria que o som não sugerisse a cor, que as cores não pudessem dar ideias de uma melodia e que os sons e cores não pudessem traduzir ideias. Baudelaire

Reflexões sobre a cor abrange ensaios de autores distintos sobre o fenômeno cromático na arte moderna e contemporânea em suas diversas manifestações. Devido a seu aspecto complexo, a cor requer um estudo multidisciplinar. Já ao procurar verter parcialmente a Doutrina das Cores de Goethe em 1993 do alemão para o português, contei com o auxílio fundamental de Marcio Suzuki, professor de filosofia na Universidade de São Paulo. Vale lembrar que o termo Doutrina busca contemplar tanto o aspecto prático como teórico na interpretação da cor.1

1 Em sua tradução brasileira a palavra Doutrina (Lehre) remete ao fato de que para Goethe as cores não podem ser analisadas teoricamente, mas devem ser antes vivenciadas na realidade (wirklichkeit).Na Doutrina das Cores de Goethe as cores são interpretadas como fenômenos que aparecem não só na própria retina, mas também nas superfícies, nos objetos assim como na cultura de modo geral (aspectos

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Em 2009 surgiu o grupo de estudos cromáticos do departamento de Artes Plásticas da USP, onde sou professor desde 1998. Participam deste grupo alunos de graduação e pós graduação, bem como professores de universidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre. Muitos destes escritos foram realizados por estudantes de arte que mantêm uma atividade artística, poética com a cor.

O livro resulta destes seminários, cujo objetivo inicial era uma reavaliação do texto de Goethe, sob uma ótica contemporânea. Aliás, esta obra, muito criticada quando foi publicada em 1810, tornou-se a partir do século XX cada vez mais reconhecida mundo afora. Já no final do século dezenove, estudos em fisiologia humana evidenciaram que a cor não é apenas um fenômeno físico exterior e objetivo, mas também algo fisiológico, ou seja, produto da interação entre a nossa retina e o cérebro. A pintura impressionista surge desta motivação. Se por um lado a empreitada de Goethe em buscar uma teoria geral para explicar o fenômeno cromático se mostra impossível atualmente, por outro lado, o poeta não deixa de levar em consideração as diferentes práticas da cor, de modo que este fenômeno aparece para um químico de maneira distinta do que para o pintor etc. não há efetivamente, um único ponto de partida para o estudo da cor.

sensíveis e morais). Faço uma análise destas questões no Prefácio da Doutrina das Cores da edição brasileira, editora Nova Alexandria, 1993, resultado da tese de Mestrado apresentada à Faculdade de Filosofia da USP, com uma seleção do livro vertida para o português. A idea de partir das diferenças cromáticas para entender a arte moderna e contemporânea surgiu em Desvio para a Pintura, minha tese de Doutorado apresentada à Escola de Comunicação e Artes da USP em 1998.

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Por outro lado, a divisão inicial entre cores fisiológicas, físicas e químicas presentes no livro de Goethe permite refletir sobre concepções cromáticas distintas ao longo da história. Se no impressionismo predomina a interpretação fisiológica da cor, a interpretação das cores físicas segundo Goethe é muito instigante para entender como os pintores modernistas passaram utilizar a cor como elemento autônomo, calcado na superfície da tela. Por fim, as cores químicas nos ajudam a compreender a volta ao uso do pigmento puro em artistas como Yves Klein e Hélio Oiticica na década de sessenta. De uma maneira geral, todos os artigos oscilam entre uma análise calcada em obras especificas e considerações históricas mais abrangentes.

Os processos de uso e percepção da cor não ocorrem de modo fixo, inalterável, mas trazem consigo marcas próprias de cada época e dos diferentes meios culturais. A cor deste modo constitui uma linguagem, e como tal, requer aprendizado e reflexão. Este livro busca assim realizar uma análise ampla da cor a partir do estudo de artistas, filósofos, antropólogos, e cientistas. A cor configura deste modo um universo de pesquisa que é capaz de interligar diferentes áreas do conhecimento. Pela sua diversidade, este livro permite vários caminhos a serem trilhados sem respeitar uma linha evolutiva.

As observações que surgem da prática artística não podem se resumir a um manual escolar, principalmente em uma época onde a transmissão dos segredos dos antigos mestres se torna rarefeita. Contudo, cada linguagem artística discutida aqui revela uma escolha, uma postura do artista em relação ao mundo, onde o uso de determinados materiais conferem à cor um sentido único. É muito difícil conceber o fenômeno cromático sem se reportar ao uso particular que cada artista faz no interior de sua obra. Porém, a maneira de se utilizar as cores também está relacionada a um movimento estético de uma determinada época. O diálogo sobre experiências plásticas pode ampliar o campo da atuação artística para além da criação da obra de arte.

As tabelas cromáticas presentes nos livros de Itten e

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Albers se tornaram moeda corrente no ensino sobre a cor, de fato, são fascinantes a primeira vista, mas logo após o impacto imediato, tem-se a sensação de um enorme vazio contido por trás de tão belos matizes. Por um lado pretendem ser “objetivas” na medida em que são calculadas “cientificamente”, por outro lado, são de algum modo também estéreis. Basta compará-las com as aquarelas de Paul Klee, por exemplo, para notarmos como são desprovidas de vida.

Entretanto, é inegável que estes exercícios práticos acabaram por influenciar a dimensão poética deste artistas. Tanto Albers como Itten salientam na introdução de seus textos que o estudo da cor é apenas um instrumento que por si só e não faz de um estudante um artista. Itten chega a dizer que “Doutrinas e teorias são mais indicados para situações de fraqueza. Em situações de força os problemas são resolvidos intuitivamente”.2 Ele afirma que devemos utilizar seu estudo como uma carruagem, um meio de transporte para desenvolver o trabalho de cada um. Albers por sua vez sabia exatamente do alcance restrito seus experimentos, ao dizer que “nenhum sistema por si só é capaz de desenvolver a sensibilidade para a cor.” Embora suas experiências sirvam como uma introdução prática para nos familiarizarmos com as ambiguidades cromáticas, a interação entre as cores só se efetiva através do uso da nossa imaginação. Ou seja, embora úteis para os alunos, são de pouco uso para o artista. Neste sentido, vale lembrar da desconfiança de Wittgenstein sobre os tratados e teorias gerais sobre as cores. Mas, é fundamental poder se libertar deste jogo mecânico entre contrastes de cores. O artista, que joga com a liberdade, pode usá-los como quiser, mas o estudante está sempre sujeito a se perder entre as nuanças cromáticas.

A cor é um fenômeno complexo que ocorre em situações espaciais diversas.3

2 ITTEN, Elements of Color, p. 73 WITTGENSTEIN, afirma nas suas observações sobre as cores: “Dois lugares ao meu redor (umgebung) que, em um sentido, eu vejo como da mesma cor, em outro sentido, posso ver um deles como branco e o outro como cinza. Em um contexto, esta cor para mim é branca em uma má iluminação, em outro é cinza em boa

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Em que medida o que sabemos sobre as cores não varia conforme a maneira como elas se apresentam no espaço? A cor muda de aspecto não só conforme os estilos artísticos, mas também na medida em que aparece em materiais ou suportes distintos. Na arte moderna (e especialmente na arte contemporânea) é muito comum que as obras nos levem cada vez mais a jogar com a experiência temporal do próprio observador.4

Estes ensaios podem ser compreendidos, portanto, como um caleidoscópio, onde cada texto representa uma tomada de posição distinta que interfere na maneira como o fenômeno cromático pode ser interpretado. Os tópicos não podem ser vistos numa ordem progressiva, são antes questões que podem ser desenvolvidas ad infinitum. As cores se infiltram de maneira sinuosa no nosso olhar, nas janelas, nos objetos, nos costumes. Entender a cor hoje em dia implica em tomar pontos de vistas diversos. Não há, efetivamente, um critério único para descrevê-las. As cores podem ser interpretadas das mais variadas maneiras, na verdade, quanto mais as estudamos, mais temos a sensação de nos distanciar delas. Reflexões sobre a Cor são diferentes pontos de vista que podem ser lançados sobre o fenômeno cromático, em contextos diversos, a partir de suas diferentes práticas.

Marco Giannotti

COR E LINGUAGEM uma gramática das coresMarco Giannotti

Nunca se reflete suficientemente sobre o fato de que a linguagem é apenas simbólica, figurada, e de que jamais iluminação.” I.Gramática das Cores, I. 534 É preciso salientar que não se trata de retomar a antiga distinção entre as artes temporais e espaciais, pois como nos diz Gombrich, a percepção de um fenômeno visual no espaço implica sempre uma projeção no tempo, seja através de uma recordação do momento anterior, seja mediante uma antecipação do momento futuro. GOMBRICH, capítulo intitulado Moment and Movement in the Art presente no livro The Image & the Eye.

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exprime diretamente os objetos, mas somente por reflexos. Goethe

Já é um senso comum afirmar que a linguagem interfere na percepção e identificação dos objetos cromáticos ao longo da história. Porém, nosso objetivo neste ensaio consiste em analisar como a cor no século XX passa a ser entendida como um linguagem especifica, sujeita a regras próprias, independente de sua utilização mimética. Desde o século XVI perdura um debate interminável sobre a primazia da linguagem escrita sobre a linguagem visual, bem como do desenho diante o colorido.5 Até o século dezoito, se uma obra representava uma paisagem, cabia ao observador narrar os fatos observados: a história dos personagens, o que estão fazendo naquele lugar específico, os objetos ao seu redor etc. O quadro era descrito como um espetáculo da natureza que se desenrola diante dos nossos olhos. O aspecto formal da composição - a disposição das cores, as relações espaciais, as proporções - tendia a ser ocultado pela descrição realista do motivo. A obra era analisada em função da sua capacidade de suscitar um conteúdo claro e distinto. Os critérios de avaliação de um quadro eram literais, a pintura era julgada conforme os critérios estabelecidos pelo escritor. Daí a famosa máxima de Horácio: a pintura como poesia (Ut pictura poesis)6. Contudo, a partir do séc. XVIII as palavras passam a se distanciar das coisas representadas 7, elas são interpretadas como signos 5 Ver a este respeito livro organizado por LICHENSTEIN, Jacqueline, A pintura, textos essenciais, volume 7, O paralelo das artes e volume 9, O desenho e a cor, editora 34, 2006.6 “A doutrina do Ut pictura poesis, tal como se constituiu no Renascimento e se desenvolveu ao longo da década clássica, baseia-se num contra-senso... em Horácio a frase cria um privilégio em favor das artes da imagem... os teóricos do Renascimento inverteram o sentido da comparação: a poesia tornou-se o termo comparativo e a pintura o termo comparado” idem, p.10 volume 7.7 FOUCAULT, As Palavras e as Coisas. Foucault se pergunta como se reconhece um signo. Questão diante da qual a época clássica responde por uma análise da representação, e diante da qual o pensamento moderno responde por uma análise de sentido e da significação. Pelo fato da linguagem não ser nada mais do que um caso particular da representação clássica ou da significação moderna a ligação

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que formam uma linguagem, formas de representação. Elas não são mais vistas apenas como meios de invocar simplesmente as coisas do mundo sensível, revelam uma singularidade tal que devemos pensar a respeito da sua própria natureza. Este movimento, que abrangeu todas as artes, pode ser entendido de uma maneira bastante genérica como o fim do período clássico. Escritores começaram a pensar nas particularidades da escrita, pintores, sobre a relação entre desenho e cor, músicos, sobre a singularidade de cada som. Neste momento, Lessing escreve em seu Laocoonte (1766) a respeito da diferença entre artes temporais e espaciais, ou seja, advoga a independência da pintura (arte espacial) frente à poesia (arte temporal), quebrando a submissão da pintura à narrativa. O pressuposto clássico de que os pintores tenham que descrever determinadas ações também é colocado em cheque. É quando o artista se vê livre das convenções clássicas que ele pode pensar na especificidade do seu meio de expressão: o fato de uma pintura ser feita sempre em uma superfície bidimensional, de que seus instrumentos básicos são desenho e cor. Os pintores sempre tiveram consciência de trabalhar sobre uma superfície, mas a relação entre o espaço virtual e o espaço real, bem como o compromisso com a storia, a dimensão narrativa, faziam com que este problema fosse colocado de outra maneira. A superfície da tela não é mais vista como um meio transparente (a janela renascentista que evoca um espaço virtual), mas como um terreno de experimentação contínua8. Ver cor e superfície

O círculo cromático

É notável como a utilização de esquemas geométricos cromáticos nos tratados sobre a cor partir sec. XVIII antecipa

profunda entre a linguagem e o mundo se desfaz. A primazia da escrita é suspensa, desaparece então esta base uniforme onde se entrecruzam indefinidamente o visto e o lido, o visível e o enunciável. As coisas e as palavras se separam, o olho se destinará a ver, e a ver somente, a orelha a escutar somente.8 A este respeito Leo Steinberg nos mostra o quanto Michelangelo já se preocupava em tensionar a pintura com a sua moldura. STEINBERG, Outros critérios. Cosac Naify

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o abstracionismo do século XX. Em seguida, tentaremos mostrar como tais esquemas abstratos aos poucos escapam do seu uso científico e passam a se firmar como um modo exemplar para se refletir sobre a cor. Durante vinte anos Goethe debate as teorias óticas de Newton acusando-o de empregar uma linguagem matemática que jamais se adequaria ao fenômeno cromático: “números não descrevem um fenômeno” repete ele ao longo deste anos. Entretanto, o círculo cromático newtoniano perdura em sua Doutrina das Cores. Se, por um lado, Newton recorre ao círculo para provar uma experiência cientifica em que o branco surge da síntese das outras cores, Goethe, ao negar esta hipótese, interpreta-o como um fenômeno primordial, ou seja, como o próprio fundamento da sua Doutrina. Assim como o imã é polar, positivo e negativo, e revela uma lei até então considerada pelo autor como oculta na natureza, o círculo demonstra uma lógica na sua disposição cromática.9 Para o poeta é inútil buscar uma teoria por trás dos fenômenos, pois eles mesmos exibem os conceitos, e, ao invés de provar uma teoria cientifica, têm um estatuto estético e espiritual.

Círculo cromático. J. W.Goethe, 1806 (fig.01)

No círculo cromático acima feito a base da aquarela podemos notar como Goethe se esforça em relacionar as manchas cromáticas com nossas faculdades: razão, fantasia, entendimento e sensibilidade, e, em seguida, com os conceitos de belo, nobre, necessário, comum, bom. A aquarela, pela sua natureza técnica, faz com que a cor, ao ser diluída, desafie o contorno ditado pelo desenho. Willian Turner, que chega homenagear Goethe em um de seus quadros, busca elevar esta técnica a uma categoria artística 9 Os primeiros diagramas cromáticos circulares são conhecidos como o de Forsiusem1611e Robert Fludd,c.1630 e continham o preto e o branco no interior do círculo. A primeira tentativa de representar o a refração da luz no círculo foi feita por Isaac Newton em na sua Optics de 1704.. (GAGE, 1993, pp. 162). http://www.huevaluechroma.com/071.php Imagens em wanderingmoonpr.files.wordpress.com/2008/10/0

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autônoma, não mais sendo vista como um estudo preliminar.10

Ao longo do sec. XIX, surge uma estética cientifica que busca juntar a psicologia experimental, a fisiologia e a filologia na busca de um linguagem primordial. Surge uma gramática das artes que busca modos de representação mais sintéticos e abstratos. “Dotada de um coeficiente, a cor entra em um sistema de relações combinatórias puras que a retira definitivamente de sua relação primordial com a mimesis, realizando uma das leis fundamentais da fisiologia, segundo a qual nos percebemos relações e não realidades.”11

Na arte moderna os pintores progressivamente se distanciam do estudo da natureza, eles não buscam mais representar a cor local e registrar uma impressão visual no quadro, mas antes trabalhar com as opções cromáticas que o pigmento oferece na própria palheta do pintor. Para que este salto se efetue, o artista antes teve que abrir mão de conceitos clássicos como a representação mimética da natureza, em busca de uma realidade interior. A cor passa a ser vista como expressão de uma subjetividade artística. O processo da emancipação da cor na pintura coincide com o ápice do Romantismo, que fez com que a beleza da arte consistisse não na adequação a um modelo ou a um cânone externo de beleza, mas na beleza da expressão, isto é na íntima coerência das figuras artísticas com o sentimento que as anima e suscita. Como diz Baudelaire, “o Romantismo não está na escolha do tema, nem na verdade exata, mas na maneira de sentir” 12. A exaltação do romantismo conduz Baudelaire a valorizar a obra de Delacroix, que imprime em suas pinturas um colorido altamente emocional, em relação 10 Em uma carta coletiva ao diretor da Galeria Grovesvenor em 1885 os impressionistas afirmam que na obra tardia de Turner é a cor que se torna o “teatro”. ELIE. Couleurs & theories, p.122, Ovadia, 2009.11 ROUSSEAU,P. Un Langage Universel, l’esthetique scientifique aux origines de l’abstraction, p.20 em Aux Origines de l’ Abstraction Catálogo da exposição realizado no Museu d’Orsay em novembro de 200312 “ Delacroix traduziu melhor do que ninguém o invisível, o impalpável, o sonho, os nervos, a alma sem utilizar outros meios do que o contorno e a cor. BAUDELAIRE, Salon de 1846, p. 610 e, Eugène Delacroix, ses oeuvres, ses idées, ses moyens, p. 856

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ao seu oponente Ingres, que por sua vez privilegia o desenho e os valores neoclássicos (bem como a contenção dos sentimentos). Segundo Gombrich, os artistas já conheciam o potencial expressivo das formas e cores antes da teoria expressionista (por exemplo, em Lorenzo Lotto), mas é um fato incontestável que ela se torna uma questão dominante para os artistas modernos.13

Se no romantismo a cor adquire uma tonalidade interior, no impressionismo, à medida em que a pintura é entendida como um registro de uma percepção visual, as cores são compreendidas na maneira em que aparecem para o sujeito. O dilema entre uma dimensão subjetiva e outra mais objetiva torna-se evidente na dúvida de Cézanne. A valorização do aspecto expressivo das cores mescla-se ao processo de descoberta do mundo interior do artista. Em uma carta a Joaquim Gasquet, Cézanne nos diz: “perder a consciência, descer com a pintura às raízes sombrias presentes nas coisas e voltar a subir com as cores para impregná-las de luz” .9 Por outro lado, para não cair no desvario cromático, é fundamental colocar as cores em ordem numa composição. A mudança decisiva na carreira do artista “ocorreu no início da década de 1870, quando Cézanne, sob a proteção de Pissarro, passou de uma pintura sombria, com tons carregados e contrastes frequentemente violentos (influenciados por Delacroix), para uma fatura impressionista, mais delicada, luminosa e agradável. Com essa mudança, Cézanne libertou-se da turbulência das

13 GOMBRICH, Art and Ilusion, from representation to expression, p. 373.

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paixões em seu trabalho.14 As cores para o artista não estão na natureza, são antes abstrações do nosso espírito.15 Neste processo de distanciamento em relação a “realidade exterior " o artista se identifica muitas vezes com um ser maldito, capaz de tudo criar ou destruir no momento seguinte. Esse processo está descrito com precisão em um conto célebre de Balzac, Le Chef d’ouvre Inconnu - aliás, um dos contos preferidos de Cézanne. Frenhofen é um pintor que acaba enlouquecendo ao retratar um pequeno pé feminino no meio de um amontoado de manchas, a pintura se transforma em uma muralha abstrata, não há profundidade, apenas tinta aplicada na superfície da tela.

Na arte moderna, a matéria pictórica torna-se expressiva, e a escolha de determinadas técnicas já é um ato expressivo. Para Van Gogh, pintar era uma verdadeira catarse, um jorro, uma purgação de sentimentos; não é, contudo, um ato meramente sentimental: a presença da massa corpórea da pintura anula qualquer devaneio, sua presença material garante esta ambiguidade necessária, uma tensão permanente entre a cor como pigmento e

14 SCHAPIRO continua sua análise: “ A pintura das maças também pode ser considerada um meio deliberadamente escolhido de distanciamento emocional e autocontrole; as frutas ofereciam ao mesmo tempo um campo objetivo de cores e formas, com uma aparente riqueza sensual que faltava em sua apaixonada arte anterior... Ao passar da pintura de fantasias à disciplina da observação, Cézanne fez da cor – o princípio da arte aliada à sensualidade e ao pathos na pintura romântica, mas não desenvolvida em suas primeiras pinturas de paixão – a bela substância de formas-objeto sólidas e estáveis e uma estrutura da composição profundamente coerente. SCHAPIRO, As Maças de Cézanne em A Arte Moderna, Edusp, p. 52-77. Em suas obras de juventude, Cézanne buscava pintar primeiro a expressão, justamente por isso que ela lhe faltava, aos poucos percebeu que a expressão é a linguagem da pintura e nasce da sua configuração. LE RIDER p.372 Ainda Cézanne: “Para o pintor, há duas coisas: o olho e o cérebro, ambos devem se ajudar para seu desenvolvimento na pintura: o olho na visão da natureza, o cérebro, mediante a uma lógica de sensações que cria os meios de expressão. CÉZANNE, apud ELIE, Couleurs et theories, p.147.

15 LE RIDER,Les Couleurs et le mots,P.U.F.,1997,Paris,p.65.PICASSOa este respeito afirma:“Está vendo este tubo de cor? Na etiqueta esta escrito verde- maça, contudo, não se trata nem de uma maça nem de uma cor, mas de uma colagem de palavras, um titulo bom para nos deixar aturdidos. PICASSO, Propôs sur l’art , Flammarion, Paris, 2002, p.166

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simultaneamente como emoção.16 Por isso é que ele nos diz que a pintura é o que permitia o adiamento de um colapso iminente. Contudo, nos momentos insanos, o pintor chegava a ingerir a própria tinta.

Ao final do século XIX, a introdução de corantes químicos produziu uma enorme transformação na palheta do pintor, que passa a conter cada vez mais cores artificiais. As cores aplicadas na pintura se distanciam cada vez mais das coisas percebidas como coloridas, são signos que se separam das cores percebidas natureza.Se não há mais uma medida exterior como a mimesis para guiar a prática, como encontrar novas regras para que os artistas não entrem em devaneio? A procura por uma composição cromática mais rigorosa fez com que o artistas se apoiassem em teorias cromáticas como a de Goethe, Chevreul, Ostwald.17 De fato, os pintores abstratos iniciais adotaram uma série de círculos cromáticos, o que permitiu a eles refletir sobre a cor como uma linguagem autônoma. O próprio conceito mimético passa a ser entendido não como a representação de uma natureza exterior, mas a busca por certas medidas ideais que revelariam uma natureza oculta, ideal, suprema. Não é surpreendente que o uso desta linguagem se baseasse em um simbolismo, e que esta linguagem tenha se tornado tão hermética. Ivan Kleiun, no manifesto suprematista de 1919 afirma que “nossas composições cromáticas estão sujeitas somente as leis cromáticas e não às leis da natureza.”18 O que era visto como teoria torna-se motivo para uma inspiração poética.

16 Ver a este respeito o ensaio de Sartre sobre Tintoretto:O rasgo amarelo do céu de Gólgota,Tintoretto não oe scolheu para significar angústia, e muito menos para provocá-la, ele é angústia e céu amarelo ao mesmo tempo, não é um céu de angústia e nem um céu angustiado, é uma angústia submersa nas qualidades próprias das coisas, sua extensão, sua permanência cega, sua exterioridade e uma infinidade de relações que estabelecem entre si” Writers on Artists, p. 141. 17 Idem, p. 366. John Gage a este respeito nos diz que “os objetivos da abstração eram espirituais, mas a fim de realizar estes objetivos, os pintores estavam prontos para utilizar o corpo sólido de teorias cromáticas publicadas ao redor de1900” Colour and Meaning, p. 249 Ver ainda LE RIDER, la langue universelle non verbale. p. 38818 DELAUNAY.Apud ELIE,o. cit. p.161

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DELAUNAY, ROBERT. Formes circulaires, 1930. Óleo sobre tela,128.9 x 194.9 cm (fig. 2)

Um dia, em torno de 1913, abordava o problema da essência da pintura, a técnica mesma da cor. Chamávamos de pintura pura, enquanto fazia experiências com discos simultâneos. O disco primitivo consistiu em um tela com cores opostas que não tinham outra significação além do que estava visível: cores em contraste dispostas em um círculo. Robert Delaunay.

A experiência ótica se torna mais abstrata na medida em que o artista, ao invés de olhar para a natureza na busca de estímulos externos, usa arbitrariamente as cores dispostas em sua palheta e busca expressar um estado interior19. As cores são vistas na sua dimensão fisiológica, nos efeitos que produzem internamente na retina do observador. É neste momento que a obra de Goethe passa a ser discutida seriamente entre os artistas. Ao invés de descrever um comportamento físico da luz, o círculo cromático se torna um recurso para explorar as dimensões fisiológicas, psíquicas e espirituais da cor. Para Kandinsky, a abstração seria o contrário de uma postura intelectualista e sim uma busca das camadas ocultas do psiquismo: “Só num estágio avançado da evolução do homem é que se amplia o círculo das características que incluem diferentes objetos e seres. Nesse estágio tais objetos e seres adquirem um valor interno e, finalmente uma ressonância interna. O mesmo ocorre com a cor que, num estágio mais rudimentar da alma, só é capaz de produzir um efeito superficial, que desaparece apenas terminado o estímulo...Num estágio posterior de evolução, porém tal efeito elementar dá origem a outro, mais penetrante, que provoca um abalo interior. Nesse caso, verifica-se o segundo resultado básico da observação da cor, ou seja, seu efeito psíquico, que provoca uma vibração espiritual. E a primeira força psíquica elementar torna-se

19 ROUSSEAU, idem, p.130. Sobre a importância crescente da palheta ver GAGE, Color and Culture, p. 189

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então um meio através do qual a cor chega à alma”20 Este estado interior precisa no entanto ser objetivado, há um “ocultamento do espírito na matéria”. A forma é a expressão exterior de um conteúdo interior.

A viagem para países mediterrâneos em busca da luz mescla-se a uma viagem interior de formação: Goethe inicia sua investigação sobre a cor após ter descoberto o colorido da pintura italiana, Paul Klee, após uma viagem a Tunísia, se encontra na cor: “a cor me possui, bem o sei” escreve em seu diário. “ é um momento feliz, eu e a cor somos um só. Sou pintor.” Exímio violinista, Klee, cria uma linguagem extremamente original, uma espécie de ideograma, onde a palavra é graphein: letra, nota musical e desenho ao mesmo tempo.

Paul Klee, Aquarela, 1918 (fig.03)

Neste poema-pintura de Klee, a letra surge a partir de um solo cromático, a aquarela adquire uma dimensão sinestésica, a escrita possui sonoridade, timbre e matiz simultaneamente.21 Ao invés de imitar, o artista busca criar um segunda natureza. A utilização das cores um uma grade geométrica por sua vez advém dos esquemas cromáticos descritos acima, onde a cor chega a articular uma gramática própria. A presença de um cinza bem no meio da composição nos faz pensar ainda nos recursos acromáticos que serão utilizados posteriormente por Jasper Johns, 20 KANDINSKY. “O efeito da cor’, 1911, citado em Chipp, Teorias da arte moderna, p.52 Sobre a questão da Forma, Idem, p.154.Mas, conforme, nos alerta Gombrich, Kandinsky, na medida em que busca uma linguagem universal, corre o perigo de buscar absolutos nas associações entre formas e cores com sentimentos espirituais. Embora tenhamos uma reposta imediata a expressão, não podemos considerá-la irracionalmente, pois só entendemos seu significado em um espaço semântico. Revela-se em Kandinsky uma vontade talvez utópica de quantificar objetivamente as nossas respostas subjetivas frente a um fenômeno cromático. Gombrich volta-se para a teoria já tradicional da arte como expressão como um meio de conhecimento. A falha principal do abstracionismo seria, portanto a crença numa expressão imediata das paixões fora de qualquer articulação lingüística.21 KLEE,P.apud POUZOL, F. Robert Walser et la peinture. / Mise en place d'un espace mimétique et critique..http://www. culturactif.ch/livredumois/livredumoiswalser3.htm

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discutidos um pouco mais adiante.Os artistas franceses22, advindos de uma tradição mais

empírica, impressionista da cor, tomam o livro de Chevreul como guia, um tratado menos metafísico e mais pautado na observação da mistura ótica advinda da tapeçaria, quando, por exemplo, fios vermelhos e verdes produzem uma sensação fisiológica de cinza. Se por um lado os neoimpressionistas, em particular Seurat, irão buscar cada vez mais uma fundamentação cientifica para este fenômeno, os fauves procuram uma dimensão expressionista, interior da cor, e assumem uma postura mais as reticente frente à teoria. Como afirma um dos seu percussores, Matisse, uma das grandes conquistas modernas foi ter encontrado o segredo da expressão pela cor. Cor e forma articulam uma nova linguagem.

Gramática das cores

Quando digo, por exemplo, que tal ou tal ponto no campo é azul, não digo apenas isso, mas igualmente que esse ponto não é verde, nem vermelho, nem amarelo. Apliquei de uma só vez toda a escala cromática. Pela mesma razão um ponto não pode ter, ao mesmo tempo cores diferentes. Wittgenstein

22 O recurso da sinestesia é notório entre os poetas do fim do século XIX, Rimbaud sendo o caso o mais notório:: “ A Blanc, E jaune, I rouge, O bleu, U noir” . RIMBAUD, Les voyelles. O descompasso entre a palavra escrita e a sensação cromática só pode ser resolvida no âmbito de um sujeito capaz de articular sinestesicamente todas as sesações. No poema de Klee as metáforas cromáticas são constantes:" Einst dem Grau der Nacht enttaucht,Dann schwer und teuer,Und stark vom Feuer,Abends voll von Gott und gebeugt,Nun ätherlings vom Blau umschauert,Entschwebt über Firnen,Zu klugen gestirnen."PaulKlee,1918.Once emerged from the gray of night,Then heavy and precious and strong from the fire--In the evening filled with God and bowed... Ethereally now rained round with blue,floating off over mountains' snow caps to wise constellations. KLEE,P.apud POUZOL, F. Robert Walser et la peinture. / Mise en place d'un espace mimétique et critique..http://www.culturactif.ch/livredumois/ livredumoiswalser3.htm

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As cores subjetivas ou fisiológicas são as mais importantes da Doutrina das Cores e o ponto de partida para a análise e compreensão de toda as cores resultantes. Mas é justamente neste ponto crucial que Wittgenstein discorda de Goethe, pois este conceito se baseia em uma experiência fenomenológica primordial, ou seja, na busca de um fenômeno anterior a todos os outros, que, paradoxalmente, nos leva a uma contemplação das ideias. Ao invés de buscar um conceito único sintético para as cores, Wittgenstein analisa as relações conceituais que elas estabelecem entre si ao formarem uma gramática ou uma linguagem. Um azul, por exemplo, só pode ser compreendido na medida em que sabemos que não se trata de um amarelo ou laranja, etc. Este sistema cromático varia de cultura para cultura, de modo que as cores só podem ser interpretadas a partir de suas diferentes práticas que se inserem num determinado contexto. Torna-se impossível deste modo aplicar uma teoria geral para um fenômeno tão instável como a cor. Para Wittgenstein, os problemas fenomenológicos perduram à revelia de uma fenomenologia. 23Goethe como Wittgenstein escreve aforismas sobre a cor. É como se a própria linguagem não pudesse dar conta integralmente do fenômeno cromático. Quanto se faz um aforisma abre-se espaço para o que não está dito. Goethe, em sua Doutrina das Cores, oscila entre uma linguagem de natureza cientifica e outra mais poética e fenomenológica, de modo que temos a impressão que nenhuma linguagem é capaz de dar conta integralmente dos fenômenos cromáticos. Isto porque as cores podem ser vistas tanto sob a ótica física, como sob a artística, poética.

O que acontece quando a nossa percepção de uma cor é desafiada pela palavra? Os fenômenos visuais são codificados como uma linguagem, e a compreensão de uma obra parece implicar um entendimento prévio dos códigos de cada cultura. A pintura efetivamente parece cada vez mais falar de si mesma, de seus esquemas de representação, de suas regras espaciais, das maneiras como podemos captar um fenômeno cromático.23 WITTGENSTEIN, L. Bemerkungen über die Farben, p. 49

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Jasper Johns False Start. 1959, Óleo sobre tela, 170.8 x 137.2 cm (fig.04) Jubilee, 1959. Óleo e colagem sobre tela. 170.8 x 137.2 cm (fig.05)

Jasper Johns joga com as ambiguidades semânticas de cada linguagem, questiona a cada instante a maneira como estamos predispostos a olhar uma obra de arte. Isto aparece quando nossas expectativas são de certa forma frustradas. Do ponto de vista cromático, embora esta atitude inovadora de criar uma ambiguidade visual já esteja presente em suas primeiras obras (onde uma bandeira é tanto uma bandeira como uma pintura), False Start é o primeiro quadro onde Johns joga radicalmente com as diferentes maneiras que podemos perceber as cores. Nesta obra, as manchas cromáticas entram em conflito com as palavras aplicadas sobre elas: Johns denomina de amarelo uma superfície azul, uma mancha vermelha tem o nome de laranja e assim por diante. A presença da cor na nossa sensação não mais corresponde ao significado da palavra aplicada. A identidade da cor é posta em xeque, pois dois critérios de identificação da cor são utilizados simultaneamente, um se contrapondo ao outro: o conceito que define o que são as cores entra em choque com a nossa percepção, que parece aturdida, desqualificada. O titulo do trabalho “False Start” justamente reitera esta experiência, visto que um falso começo remete a uma largada queimada em uma corrida de cavalos, é preciso assim recomeçar o jogo. Johns foi profundamente influenciado pela critica que Duchamp faz da maneira como vemos um objeto de arte. A pintura explicita a maneira como nos preparamos para vê-la: “o ato de ver uma obra de arte é transformado em um ato de voyeurismo. Olhar não é uma experiência neutra: é uma cumplicidade, pois ilumina o objeto. O contemplador é um observador (...) Olhar é uma transgressão, mas a transgressão é um jogo criador.”24 De certa forma, toda pintura explicita seus esquemas conceituais que moldam o nosso olhar. Jasper Johns, refazendo no plano sensível a crítica de Wittgenstein a uma interpretação fenomenológica das cores, nos mostra que não

24 DUCHAMP, op. cit., p. 88.

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há mais um critério único para identificar as cores.25 Os critérios para distinguir um fenômeno visual estão imbricados com o uso da nossa linguagem, do que entendemos pela palavra vermelho, de como podemos distinguir um amarelo-alaranjado de um laranja-avermelhado, enfim, como o fenômeno cromático pressupõe uma gramática das cores. Cores e formas deixam de ser o repertório único do artista, que se volta cada vez mais para os limites do fenômeno visual, já que a linguagem passa a interferir no modo como percebemos as coisas.26 A sua critica à autonomia da imagem pura retiniana se baseia no fato que nossa percepção pressupõe uma articulação com a linguagem. Nota-se deste modo uma critica radical à pintura como algo que se realiza exclusivamente na retina do observador. Johns é um dos artistas que coloca novos limites para o uso da cor, quando a utiliza de forma cada vez mais objetiva e impessoal. Não é de se estranhar que suas pinturas tenham uma grande quantidade de cinza, uma cor a seus olhos interessante porque “evita toda qualidade emocional e dramática”.27 Ao buscar uma pintura literal, a fim de conduzir o espectador a regiões mais verbais do que retinianas, Johns evoca a atitude de Duchamp de buscar, através dos títulos que atribui as obras, uma cor invisível.28Porém, na medida em que a cor se torna um fenômeno cada vez mais mediado por outras formas de 25 “As dificuldades que encontramos ao refletir sobre a essência de cores (às quais quis Goethe fazer frente com sua Doutrina das Cores) encerram-se já em não termos apenas um conceito de identidade cromática, mas sim vários deles, uns aos outros aparentados.”(Wittgenstein, op. cit, # 251, III) Os quadros de Johns não permitem uma interpretação exclusivamente fenomenológica da cor.Para Husserl a nossa intuição eidética (categorial) da cor vermelha se prolongaria na nossa percepção do fenômeno cromático, de modo que ao vermos uma mancha vermelha já teríamos o conceito do vermelho. Esta atitude paradoxalmente implica uma volta ao platonismo, que acaba descaracterizando o projeto fenomenológico de uma voltaàs coisa mesmas.26 “ ́É a sensação cromática, mas também a norma lingüística que permite de dizer ou escrever o que quer que seja sobre as cores" WITTGENSTEIN Apud LE RIDER, op.cit, p.39227 JOHNS, Jasper, op. cit, p.162. John Cage escreve a este respeito que “ Você é o único pintor que eu conheço que não pode diferenciar uma cor da outra” in BATTOCK, A Nova Arte, p. 6728 Octávio Paz, op.cit, p. 142.

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linguagem, não corremos o risco de perder este componente irredutível da representação? É possível resgatar atualmente uma experiência expressiva da cor? Será possível ainda dizer que “a cor é o sensível na, ou melhor, da pintura, componente irredutível da representação escapando da hegemonia da linguagem, experiência pura de um visível silencioso que constitui a imagem como tal?” Johns, Periscope (Hart Crane). 1963Óleo sobre tela (170.2 x 121.9 cm), coleção do artista. (fig.06)

Duchamp explicita a maneira como deciframos uma imagem utilizando critérios linguísticos: “os títulos são escolhidos de tal maneira que impedem de situar meus quadros numa região familiar que o automatismo do pensamento não deixaria de suscitar a fim de subtrair a inquietação”. O principio que reinou durante quinhentos anos, ou seja, o que afirma a separação (ou uma relação hierárquica) entre a representação plástica (que implica semelhança) e a referência linguística (que a exclui), se quebra na medida em que passam a ocupar o mesmo campo visual, de modo que há uma justaposição de figuras com a sintaxe dos signos. Nesta rede inextricável de imagens e palavras, muitas vezes “uma palavra pode tomar o lugar de um objeto na realidade assim como uma imagem pode tomar o lugar de uma palavra numa proposição”.29 A experiência estética da cor parece se diluir no mundo contemporâneo, onde práticas diferentes de utilização das cores parecem se misturar. Técnicas diversas como a colagem, aquarela, móbiles, tintas automotivas, pigmentação etc. passam a apresentar a cor de diferentes modos.

O emprego da cor torna-se mediado por um conceito específico, percebemos cores de diferentes modos, pois a interpretação do fenômeno cromático está condicionada a uma determinada prática e a uma poética: Jasper Johns usa a encáustica, técnica que mistura o pigmento com a cera, para mostrar a opacidade da linguagem. Mark Rothko utiliza 29 MAGRITTE apud FOUCAULT, Isto não é um cachimbo, p.39, 47

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a têmpera a fim de garantir a presença luminosa do pigmento, pois a cor parece se desprender desta fina poeira e começa a habitar o espaço. Jackson Pollock aplica uma tinta veloz, automotiva, para poder implodir a pincelada em um gesto para além da tela. Yves Klein, Hélio Oiticica e mais recentemente Anish Kapoor procuram questionar os limites do objeto e do espaço ao trabalhar com a cor como um pigmento que se transforma em luz. Se não pensarmos neste jogo de resistência entre as cores e o seu meio material, corremos o perigo de lidar com a cor como algo exclusivamente ótico, um jogo virtual de cores. Devemos evitar tratar a cor como uma relação abstrata, onde “x” cor se relaciona com “y” cor.

A cor não pode ser abstraída da técnica empregada bem como do seu contexto espacial. Um amarelo pintado com têmpera é radicalmente diferente do mesmo pigmento utilizado na encáustica. Uma pintura é um jogo permanente entre os significados múltiplos de seus elementos. As cores ainda podem revelar um olhar subjetivo, uma forma de interpretar o mundo ao redor, mas, a fim de resgatar este seu potencial, é preciso entender a cor como um fenômeno complexo, que muda de característica conforme sua utilização. O processo de nomeação cromática está intimamente ligado ao processo da manufatura de objetos cromáticos, sendo que estes muitas vezes adquirem nomenclaturas distintas ao longo da história. Por outro lado, a alquimia fazia com que os próprios matérias se transmutassem, necessitando, logo, de outros nomes. Ver cor e técnica

Um pintor contemporâneo que contrapõe uma gramática das cores frente à antiga storia é Brice Marden. As cores aparecem como uma revelação em seus quadros: Conturbatio, Cogitatio, Interrogatio, Humiliatio, Meritatio (título de uma série de pinturas de 1978) são os diversos momentos representados que fazem parte do ciclo da anunciação à Virgem, da sua surpresa e hesitação ao instante da submissão a uma ordem divina. Durante o Renascimento a diferença de atitude da Virgem frente ao anjo era facilmente reconhecida por um homem

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razoavelmente culto. Entretanto, atualmente, se não fosse o livro de Baxandall,30 não seriamos capazes de captar a sutileza de cada gesto. As pinturas de Marden são como um mistério revelado a um olhar iniciado, há nelas um jogo sutil de cores que só pode ser percebido com tempo. Os pigmentos são misturados com uma base de óleo e cera, de modo que a cor deve vencer a opacidade da cera para aparecer. Contudo, justamente por esta dificuldade, seus quadros apresentam em alto grau uma emoção contida. Neste caso, a variação de escala e matiz cromático em cada pintura produz significações diversas, o observador saberá destrinchar o sentido de cada uma destas telas se estiver mais familiarizado com as teorias cromáticas do que com a bíblia. A semelhança visual entre estas pinturas e os estudos de passagem cromáticas feitas por Goethe há cento e cinquenta anos chega a ser notável.Goethe, passagem do amarelo ao vermelho, aquarela, 1796, Weimar Stiftung, Brice Marden, Meritatio, 1978, pintura a óleo a cera sobre tela. Brice Marden, Homage to Art 14, 1974, grafite, papel e cera. 30×22 3/4”. (fig. 07)

Nomear e ver

Ao invés de condenar estas imperfeições ás palavras, devemos atribuí-las a nosso entendimento, visto que as palavras se colocam entre nosso espírito de verdade das coisas. Leibniz

A interpretação da cor como um fenômeno visual que se articula com uma linguagem não impede uma discussão 30 Baxandall, Painting and Experience in Fifteenth Century Italy, Oxford Press, 1972.38 “É um equivoco interpretar o abstracionismo maduro (Mondrian), ou ainda o monocromatismo Malevitch, Klein, como ex- pressão de sentimentos singulares. Ao contrário, esses artistas buscaram uma totalidade ou uma substância pura, algo que não pode ser reduzido a singularidade, e portanto foge à dialética entre esquema geral e aplicação particular. A obra de arte moderna tende a literalidade, achata-se num único plano, o das sensações ou o dos conceitos, e por essa via se coloca no limiar de qualquer sintaxe. Ela é um objeto ou o universo inteiro ou ambas as coisas, mas quase nunca é a representação de um objeto dentro de um universo. Com o desaparecimento da natureza, a obra de arte assumiu para si o papel de realidade última MAMMI, Lorenzo resenha sobre Meditações sobre um cavalinho de Pau de Gombrich. Jornal de Resenhas.

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questões propriamente fenomenológicas. Neste sentido as cores aparecem ora como fenômenos espaciais, ora como temporais. Chamamos muitas vezes de uma mesma cor dois fenômenos distintos, por outro lado, um só fenômeno pode ter muitos nomes.

Por que vemos em geral uma maçã sempre vermelha (ou verde) apesar de suas variações de luminosidade? A constância cromática explicita o quanto estamos condicionados a ver o que conhecemos. Por outro lado, se buscarmos efetivamente comparar o que estamos vendo com o que nomeamos há um enorme o descompasso. Sabe-se que a percepção da cor é tardia nas crianças e está atrelada a própria educação dos sentidos, sempre mediada pela linguagem. Um esquimó tem mais acuidade em perceber as diferentes nuances de branco, e sua linguagem tem mais termos para este fim, pois saber discernir a neve recente da neve mais antiga pode ajuda-lo na sua sobrevivência. Do mesmo modo os índios da América do Sul criaram mais termos para o verde e azul, associando-os a diferentes formas e texturas de plantas. Neste sentido, cabe indagar por que temos ainda esta crença mítica sobre a existência de cores puras. “Quem tem medo do vermelho, azul e amarelo” é o titulo de um quadro de Barnet Newman que explicita esta crença.

Do mesmo modo, teimamos em ver as sete cores no arco Iris, enquanto seu espectro cromático é infinito. Newton escolheu sete cores para o seu círculo cromático muito mais por questões cabalísticas do que por questões propriamente cientificas. E no entanto, “a concepção espectral da cor se impôs progressivamente e suas consequências sobre a classificação e provavelmente sobre a denominação da cor são profundas. A ordem espectral pouco a pouco substitui a antiga ordem simbólica que predominou durante a idade media31”.Mursi (fig. 08 e 09)

31 TORNAY, S. Voir et Nommer les couleurs. Laboratoire de Ethnologie et Sociologie Comparative, Nanterre, 1978, p.XII Tornay afirma ainda que Newton teria se apoiado em sete cores para firmar a analogia entre luz e som.

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Para combater estes “preconceitos” basta ampliar nossos horizontes e verificar que “a noção de cor não é explicitada por um vocábulo próprio em todas as linguagens: a cor é apreendida, em muitas culturas, paralelamente a outros parâmetros sensoriais, em particular táteis, gustativos, olfativos ou até mesmo auditivos”.32 Wittgenstein por sua vez nos alerta que um dos grandes desafios da filosofia é desfazer as ilusões fomentadas por nossa linguagem.

Uma tribo africana como os Mursi não utilizam o conceito de cor pura. Essa tribo, dependente da coleta do sangue do gado, utiliza como padrão conceitual a pele de vaca, de forma que ao invés de dizerem que a montanha é verde, eles a atribuem um termo que remete a pele estriada do gado. Logo, quando estão falando a respeito da pele de vaca, sempre utilizam termos básicos, mas quando discorrem sobre outros fenômenos, muitas vezes utilizam dois termos e a partir dai, conseguem diversas gradações que lhes permitem descrever o mundo sensível.33

Sob esta ótica é questionável a empreitada feita na década de sessenta por Berlin e Kay, que utilizaram tabelas de cores padronizadas (Munsell) a fim de estabelecer um padrão geral de desenvolvimento na percepção da cor entre as sociedades mais primitivas, que vai do par binário branco e preto, em seguida o vermelho e assim por diante.34O fenômeno cromático é um conceito culturalmente construído, sendo que no caso dos Mursi, por exemplo, nem podemos afirmar que estamos empregando o conceito adequado. Não há nenhuma visão, nenhuma linguagem pura, imediata e transparente, ao contrário do que algumas posições cientificas pretendem postular.32 BALL,P. Colore, una biografia, Rcs Libri, Milano, 2001, p.2033 Não há nenhum nome de cor em Mursi que não seja aplicado ao Gado... O gado confere aos Mursi um modelo mediante a qual clsssificam em termos de cor todos os objetos de seu meio bem como todo objeto advindo do exterior. TURTON, D. La catégorsation de la Couleur en Mursi (Trad. Serge Tonay apud Voir et Nommer lês couleurs), p.35434 GAGE, Colour and Meaning, p.53 .Gage analisa como os conceitos cromáticos tendem a se tornar mais abstratos e distantes do seu referente material ao longo da historia. Ver na p. 58 como no processo de fabricação de vidro o oxido de cobre poderia se transformar em vermelho ou verde conforme o calor aplicado.

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Ao invés de buscar uma linguagem primordial, grande sonho iluminista de uma babel cromática, devemos antes nos ater na diversidade com que a linguagem se metamorfoseia no mundo da cor no espaço histórico e cultural, sempre nos colocando novos problemas fenomenológicos. O emprego de determinados termos como por exemplo o cerúleo, varia de contexto bem como de época, podendo designar além do azul, o amarelo e o verde.35

Os Maoris tem cerca de 3.000 nomes de cor, isto não significa que tenham uma acuidade particular, mas que justamente não identificam os mesmos termos em situações distintas, eles tem uma apreensão mais concreta, menos abstrata deste fenômeno. No entanto, para o mundo ocidental a abstração se tornou uma constante no principio de identificação cromática, seja no emprego de cores puras, seja na tentativa de catalogar e sistematizar este fenômeno. Portanto, determinadas polaridades, ou antagonismos cromáticos, só podem ser compreendidos no interior da gramática de uma cultura especifica: em muitas civilizações o antagonismo entre verde e vermelho ou entre azul e amarelo simplesmente não existe. Desde a Antiguidade se discute em que medida os termos utilizados na linguagem podem corresponder efetivamente a vasta gama do espectro visível.36

Se, como vimos acima, Jasper Johns e Brice Marden utilizaram a cera em suas pinturas com o intuito de acentuar a imbricação entre cor e técnica, de tal forma que a opacidade presente na encáustica torna a apreensão da cor menos imediata, Bruce Nauman confere materialidade a cor na sua articulação com a linguagem. O signo se desprende da frase e adquire um corpo próprio. Estamos longe de uma obra que busca uma percepção meramente visual: a palavra “HOT”-quente em inglês- claramente associa cor a calor, 35 Gage questiona também este procedimento de estabelecer a priori cores primarias, GAGE ,Colour and Culture, p.7936 GAGE dissolve estes antagonismos cromáticos em Color and Meaning, op cit, p.30. Sobre a relação entre a nomenclatura cromática a sua percepção na antiguidade ver como Gage descreve como Aulus Gellius introduz esta questão no sec. 2 dc . Gage, Colour and Culture, op. cit, p. 80

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visto que a cor vermelha é associada as “cores quentes”, por outro lado, a palavra está sendo polida com a cera derretida, quente. Mas, por que acreditamos que o vermelho é uma cor “quente”, embora sua frequência seja menor do que a da cor azul, que é considerada “fria”? Na chama de uma vela a parte mais intensa é justamente a parte azul. A visão da imagem Hot produz um serie de associações táteis, de forma que a apreensão da obra se faz quando o observador passa a trabalhar sinestesicamente com estas sensações que vão além da imagem visual. A obra é feita no ato de polir bem como no ato de sentir o calor produzido pela palavra. O texto nestas imagens produzidas em 1966 adquire uma dimensão tátil ou até mesmo gustativa, quando vemos o artista passar geleia sobre palavras feitas nos biscoitos. Como afirma o artista: “Quando a linguagem começa a se quebrar aos poucos, ela se torna instigante e comunica da maneira mais simples: somos forçados a notar o sons e as partes poéticas das palavras” .

Bruce Nauman, Waxing Hot, 1966 e Eating My Words from Eleven Color Photographs 1966-67/70 © ARS, N Y and DACS, London 2006 Whitney Museum of American Art, New York (fig. 10)“sem titulo”, Mira Schendel, 1965 (fig. 11)

Uma arte de palavras e quase palavras onde o signo gráfico veste e desveste vela e desvela...Uma arte onde a cor pode ser o nome da cor. Haroldo de Campos

No meio de uma floresta de grafismos, uma palavra em alemão aparece calcada no centro desta monotipia. Rot significa vermelho e está desenhado com a cor vermelha. Mesmo aquele que não sabe alemão é induzido a esta resposta. Para Mira Schendel, que falava alemão, italiano e português com sotaque, só o desenho se caracterizava como ursprache, linguagem primordial que remonta ao graphein, desenho e grafia ao mesmo tempo. Mira nos faz pensar no seu antecessor suíço Paul Klee, que traz para a arte moderna o desenho e a grafia unidos em uma intima aventura. A monotipia embaralha a palavra frente ao gesto

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gráfico, que é sempre feito de maneira invertida, como num espelho. O gesto é rápido e deve ser produzido com a mesma velocidade do que a palavra enunciada. Para Mira, o principio era o verbo. Escrever e desenhar, ver e nomear são atividades simultâneas.

Referências Bibliográficas

CRARY. J. Suspensions of perception. MIT Press , 2001GAGE, John. Colour and Culture. Thames and Hudson . 1993. ____Color and Meaning Thames and Hudson 1999 .LE RIDER, Jacques Le Rider. Du scepticisme linguistique à l’analyse des jeux de langageJUDD. Donald.On some aspects of colour in generalNAUMAN, Bruce. Bruce Nauman’s Word. Writings and interviews. Edited By Janet Kraynak MIT Press, 2005RICHIR, M. Phénomenologie des Couleurs.TURTON, D. La catégorisation de la Couleur en Mursi . Tradução de. Serge Tornay presente em seu livro apud Voir et Nommer les couleurs. Laboratoire de Ethnologie et Sociologie Comparative, Nanterre, 1978.

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COR E OLHARuma análise das cores fisiológicas na pinturaMarco Giannotti

Não vês que o olho abraça a beleza do mundo inteiro?... é a janela do corpo humano, por onde a alma especula e frui a beleza do mundo, aceitando a prisão do corpo que, sem esse poder, seria um tormento... Ó admirável necessidade! Quem acreditaria que um espaço tão reduzido seria capaz de absorver as ima- gens do universo? .. O espírito do pintor deve fazer-se semelhante a um espelho que adota a cor do que olha e se enche de tantas imagens quanta coisa tiver diante de si .Leonardo da Vinci

Perspectivas

Uma obra de arte aparece conforme estamos preparados para vê-la, e isso depende dos critérios que utilizamos para decifrá-la. Pretendemos aqui analisar como a cor adquire um papel crescente na construção do espaço pictórico moderno a partir do Renascimento. Uma breve analise histórica deste processo merece ser feita para esclarecer as transformações que ocorreram na interpretação do fenômeno cromático a partir da visão e refletem por sua vez uma investigação constante a respeito da percepção humana.

A identificação entre a pintura e o olhar durante o Renascimento Italiano é tamanha que Brunelleschi baseia a perspectiva a partir do ponto de vista do observador e o

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plano da imagem, determinando assim o ponto de fuga.37 Este espelhamento entre o ponto de vista e o ponto de fuga, contudo, se efetiva através da geometria, a construção do espaço se faz mediante a linha. O quadro é visto como uma intersecção da pirâmide visual: segue-se dai que todas as propriedades pictóricas são proporcionais aos objetos vistos. Há uma ruptura com o espaço hierático e simbólico da idade media. Neste caso, por exemplo, a figura de Cristo pode ser menor do que a figura de um cachorro, dependendo da posição em que ocupam no espaço visualizado. Este processo de racionalização da visão humana passa por uma concepção em que o olhar não é entendido como um processo divino, mas humano, cujas distorções devem ser corrigidas pela razão e pela ciência. O espaço deixa de ser concebido a partir da sua essência simbólica, mas da sua aparência, o espaço divino passa a ser um espaço existente não nas alturas, mas no interior da consciência humana. Alberti ressalta que a figura humana (através do seu olhar) é que proporciona a medida de qualquer coisa que o artista procura representar. A tela é concebida como algo transparente que desvela um mundo virtual. A perspectiva formulada por Bruneleschi e divulgada por Alberti em seu tratado sobre a pintura em meados do séc. XV determina teoricamente os preceitos desta construção matemática de

37 A demonstração empírica da tavoletta de Brunelleschi se apoia na imagem refletida do batistério. O emprego do espelho adquire uma carater corretivo. (Alberti 64, 83) Tavoletta San Giovanni, apud PARRONCHI Alexandro, Studi su la dolce prospettiva, fig. 90. Milan, 1964. Perspectiva deriva etimologicamente do latim perspectiva, portanto de perspicer (ver claramente) traduz o termo grego optike, ciência da visão (apud PANOFSKY, p.8). Durante a antiguidade e idade media havia distinção entre ver claramente e estudar as leis óticas da visão, embora os tratados antigos – de Euclides a Geminus, Ptolomeu, Damianos e Proclus tenham um caráter matemático e geométrico, enquanto que os tratados da idade media, de Alhazen a Roger Bacon, John Peckham a Vitellio, demonstram um interesse em relação ao fenômenos fisicos e psicológicos da visão. Utilizada na antiguidade mais para efeitos cenográficos, é somente no Renascimento que ela se apresenta não apenas como um modelo cientifico da visão mas como ciência da representação artística. No Renascimento o caráter dos tratados de Perspectiva mudam radicalmente de Alberti - primeiro a codificar a primeira construção legitima do renascimento, Piero della Francesca, Leonardo, Gaurico, Jean Pelerin, Durer, Daniele Barbaro, Lomazzo, Vignola, Serlio até Guidobaldo del Monte – todos os teóricos da perspectiva se referem a leis dos fenômeno ópticos, ou seja a perspectiva naturalis, apenas como introdução para seus tratados, cujo objetivo final é ensinar as regras e os procedimentos da perspectiva artificialis.

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um modelo perceptivo. Tal modelo, contudo, tem um aspecto utópico, projetivo. Pierre Francastel sempre ressaltou este aspecto imaginário das técnicas artísticas ao lembrar que os artistas do Renascimento projetaram uma cidade ideal que só iria ser efetivamente construída posteriormente.38

O que é uma janela, senão um espaço arquitetônico, mediante o qual o olhar se lança sobre o exterior? A visualização da percepção é um fenômeno tipicamente urbano. A arquitetura amplia o espaço da pintura, que deixava de representar a relação exclusiva do sagrado e do profano, para estabelecer uma visão múltipla, que explorava indiferentemente a proximidade e a distância, o homem e a paisagem.

Em seu célebre livro A perspectiva como forma simbólica Erwin Panofsky questiona a existência de uma perspectiva anterior ao Renascimento. Embora os tratados de ótica da antiguidade tivessem pleno conhecimento dos fenômenos óticos de distorção retiniana e de angulo visual, embora o afrescos presentes em Pompéia revelem um domínio de recursos pictóricos que possam sugerir uma profundidade visual, Panofsky alega que a concepção do espaço ainda não se pautava na ideia de um infinito continuo, pois o espaço era sobretudo concebido a partir dos corpos existentes. Entretanto, tal concepção, por assim dizer mais topológica e finita, é mais próxima da nossa percepção cotidiana do nosso espaço circundante. Embora a perspectiva se paute na visão do sujeito, este é antes o modelo ideal de um observador monocular e estático.

38 KOYRE, Do mundo fechado ao universo infinito, p.98. Neste livro ele analisa a passagem do espaço simbólico medieval para o espaço experimental do renascimento que é infinito, mensurável: “essas mudanças me pareciam redutíveis a duas ações funda- mentais e estreitamente relacionadas entre si, que caracterizei como a destruição do cosmos e a geometrização do espaço ou seja: (a) a substituição da concepção do mundo como todo finito e bem ordenado, no qual a estrutura materializava uma hierarquia de perfeição e valor, por um universo indefinido ou mesmo infinito, não mais unido por subordinação natural, mas unificado apenas pela identidade de seus componentes supremos e básicos e (b) a substituição da concepção aristotélica de espaço, um conjunto indiferenciado de lugares inframundanos, pela concepção da geometria euclidiana - uma extensão essencialmente infinita e homogênea - a partir de então considerada como idêntica ao espaço real do mundo

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Para que a perspectiva passe a ter validade é preciso que a sua formulação matemática seja entendida como modelo de toda percepção, de modo que a grandeza visual passe a ser determinada não pelo angulo visual mas pela distância dos objetos. A perspectiva é entendida assim como forma simbólica, ou seja, como significante de ordem inteligível que passa a determinar os signos concretamente. Isto só acontece quando o homem passa a ter uma nova interpretação do espaço distinta da antiguidade, onde não há ainda uma concepção de extensão tridimensional continua, ou do vazio como uma entidade positiva: a totalidade do mundo ainda permanece como uma realidade descontinua. Com efeito, durante o Renascimento surge uma nova concepção do mundo e do espaço. Segundo John White, o espaço construído no Renascimento é matematicamente rigoroso, mas artificial e sem base natural, já a "perspectiva sintética" 39 formulada na antiguidade era mais empírica e mais próxima da nossa experiência visual, pois leva em conta o efeito de curvatura que as linhas retas sofrem na imagem retiniana. A identificação crescente da realidade pictórica com a realidade tridimensional não indica por sua vez uma busca iniludível pelo trompe l’oeil, pois nota-se o esforço em harmonizar a composição em relação à superfície pictórica. Por outro lado, as qualidades ilusórias agora parecem perdidas para nós, pois as figuras presentes nos quadros do séc. XIV parecem agora um tanto artificiais, entretanto, para um olhar renascentista como o de Lorenzo Ghiberti, estas figuras pintadas pareciam adquirir a volumetria semelhante a das estátuas.Tavoletta de Brunelleschi 1410- 14135 (fig. 01)Leonardo da Vinci, adoração dos magos, 1481. (fig. 02)

Na perspectiva linear, contudo, a cor não é um fator determinante na construção do espaço. A noção clássica de que a cor é secundária para a captação da forma é corrente no Renascimento, e mesmo nos tratados que não opõem um 39 WHITE, J. Birth and Rebirth of pictorial space, p. 8

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ao outro, como o de Cennino Cennine de 1390, é comum um aprendizado que parte do desenho, passando pelo chiaroscuro, para se chegar ao colorido.40 A cor é vista em função da luz, e seu uso deve partir do contraste do claro com o escuro. Segundo Alberti, o pintor deve mostrar toda sua técnica na aplicação do preto e do branco. Já no alto Renascimento italiano a perspectiva linear não é considerada suficiente para dar conta do espaço virtual, outros esquemas espaciais passam a ser utilizados, de modo que o espelhamento entre o ponto de fuga e o ponto de vista já não é tão rígido. O desenvolvimento no século XV de uma interpretação antagônica entre o disegno e colore é aos poucos substituída pelo reconhecimento de que a cor desempenhava uma função na percepção da luz através de uma gradação tonal e por uma revalorização do aspecto simbólico da cor presente na arte medieval.” 41

A oposição entre o desenho florentino e o cor veneziana se dissolve quando surge uma tendência em empregar a cor como um fator espacial: a perspectiva aérea de Leonardo da Vinci exemplifica este processo. O azul do céu é interpretado como fenômeno atmosférico e não como cor intrínseca. Leonardo tenta integrar um conhecimento teórico dos tratados medievais sobre a supremacia da luz e dos problemas ópticos- fisiológicos com estudo empírico da natureza.42 Ele aconselhava o pintor a comparar suas cores com a cor natural do motivo. Suas nuances cromáticas por 40 Ver a este respeito a análise de Gage no capítulo sobre Disegno versus Colore, Colour and Culture., Thames and Hudson.41 Gage salienta que Alberti não opõe propriamente o desenho á cor, visto que o pintor deve saber além de desenhar, bene conscriptam- colorir. com excelência GAGE, Op. Cit Colour and Culture, p. 119 Desde o século 12 Já se tinha conhecimento de que o olho teria receptores monocromáticos bem como policromaticos. p 11742 “A leitura de Leonardo das fontes medievais , em particular Alhazen, Bacon, Witelo and Pecham, o levou a entrar em contato com a ótica fisiológica. Muito do seu trabalho pode ser visto, como em Ghiberti, como uma tentativa de testar, depurar e ampliar os seus vastos estudos sobre a natureza”. GAGE, Color and Culture, p. 133. “Leonardo reacende o preconceito de Vitruvio e Plinio contra o colorido extravagante e continua a desenlvolver praticas do Quatrocento em direção à uma harmonia mais coerente e de tons mais rebaixados” GAGE Colour and Culture, pg. 133-134. Leonardo valorizava sombra distinguindo-ao das trevas, e criando o tecnica do sfumato. Ver ainda como a polêmica sobr eas questões gráficas de trasposição de uma espacialidade tridimensional para o bidensional ofuscava o debate sobre o colorido, entendido durante o sec. XV e XVI como secundário.

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sua vez acabam cada vez mais confinadas ao jogo do claro e do escuro (chiaroscuro), descrita no seu tratado como uma ciência de grande relevância.. Ele aconselhava o pintor a comparar suas cores com a cor natural do motivo. Leonardo afirma que o azul sustenta a perspectiva e manifesta a espacialidade atmosférica: “O azul é a cor do ar. As coisas mais distantes parecem mais azuladas, devido à grande quantidade de ar que se encontra entre a vista e o objeto (...). O sentido de realidade física da pintura renascentista baseia-se na conjugação das perspectivas aérea e linear. (...) Sem a perspectiva das cores, a perspectiva linear não é suficiente em seu movimento para determinar as distâncias’”.43

Roger de Piles, no seu Dialogo sobre o Colorido de 1672, justamente aponta para o fato de que durante todos estes trezentos anos de renascimento da pintura sdificilmente poderia se reconhecer uma meia dúzia de pintores que tenham utilizado bem a cor, e, no entanto, podería-se listar pelos menos trinta grandes artesãos. A razão para isso é que o desenho tem regras baseadas na proporção, ou na anatomia, que são praticadas de forma sistemática, enquanto que a coloração tem dificilmente regras conhecidas, e mesmo que alguns estudos tenham sido feitos de acordo com os diferentes assuntos tratados, nenhum conjunto preciso de regras foi estabelecido.

A pintura holandesa por sua vez sempre se distanciou do paradigma italiano da perspectiva, pois a construção do espaço pictórico se fazia empiricamente. A luz, neste caso, não é considerada uma simples linha geométrica, pois é a partir dela que surge o fenômeno cromático. Com o desenvolvimento das teorias óticas do séc. XVII o órgão visual passa a ser considerado um instrumento independente - um jogo de lentes - que pode ser utilizado em várias direções. Os artistas abrem mão deste espelhamento rígido que a perspectiva impunha entre o ponto de vista e o ponto de fuga. A verdadeira visão é aquela proporcionada pela geometria da luz e das lentes, de sorte que instrumentos como o telescópio ou a câmera 43 Leonardo da Vinci apud Israel Pedrosa, ibdem, p. 41.

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escura captam o que nossos olhos não podem ver. Essa decisão é reforçada com a difusão da ótica e dióptrica de Kepler, que definira o olho como instrumento e mecanismo ótico e a visão como formação de uma pintura (pictura) que representa a imagem das coisas (imago rerum) na superfície côncava da retina, independentemente do observador”. 44

Desde a Antigüidade se acreditava que a luz branca era indivisível, de modo que as cores só apareciam quando a luz interagia com a sombra (Skieron) ou ausência de luz.45 Newton pela primeira vez desafia esta concepção ao demonstrar que a luz branca pode ser decomposta em raios que são percebidos como cores distintas de acordo com o grau de refração. Ou seja, há uma inversão total na maneira de se interpretar as cores, pois o que é simples (a luz) passa a ser entendido como composto. 46Newton no célebre experimentum crucis (1666), demonstra como a cor surge a partir da refração da luz branca em um prisma. Embora Newton procure determinar objetivamente o fenômeno cromático a partir do seu grau de refração, ele nunca questionou o fato de que as cores aparecem no olho de forma subjetiva.

Newton Experimentum Crucis,1666 (fig. 03)Newton descrimina os raios cromáticos a partir do

44“A pintura italiana, de Alberti a Michelangelo, instítuia o cânone pictórico enfatizando o lugar do pintor como ponto de vista preexistente, externo e como medida para a representação do mundo, determinara o lugar do mundo como quadro, isto é, como aquilo que é visto da janela retangular onde se situa o olhar de sobrevôo do pintor, e definira o corpo masculino como proporção e escala para representar todas as coisas. A pintura holandesa, herdeira da tradição do Norte europeu, recusa o paradigma italiano. Essa decisão é reforçada com a difusão da óptica e dióptrica de Kepler que definira o olho como instrumento e mecanismo óptico e a visão como formação de uma pintura (pictura) que representa a imagem das coisas (imago rerum) na superfície côncava da retina, independentemente do observador” Marilena Chauí, Imanência e Luz: Espinosa, Vermeer e Rembrandt, Discurso (26), p.114..45 GAGE, em Colour and Meaning, p. 212, nos mostra como a luz em Aristóteles ativava a cor, bem como durante o período medieval era o veiculo da cor . Já para Newton e Descartes a luz passa ser vista como cor em si. Sobre Newton ver ainda anexo.Imagenshttp://www.college-optometrists.org/index.aspx/pcms/site.college. What_We_Do.museyeum.online_exhibitions.observatory.newton/http://www.anisn.it/scuola/strumenti/visione/images/newton.jp46 M.Elié, Lumière, Couleurs et Nature, Vrin, p. 39

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experimentum crucis, que só pode ser realizado em um quarto escuro. Ao invés de observar os fenômenos da natureza ao ar livre, Newton constrói um aparato mediante o qual ele pode controlar a aparição do fenômeno cromático. É contra tal tomada de posição cientificista frente ao fenômeno que Goethe se coloca.

As cores passam a ser compreendidas de uma maneira sistemática na sua vinculação com um olhar ágil em percorrer o mundo. Há alguns anos atrás o artista David Hockney criou uma polêmica entre os historiadores de arte ao afirmar que a verossimilhança notável presente nos quadros a partir do século XV estaria vinculada ao desenvolvimento de dispositivos óticos. Polêmica à parte, importa antes perceber a transformação de uma visão de mundo, que de fato faz com que o homem entenda a percepção como um fenômeno humano, não divino, que pode ser corrigido racionalmente mediante esses instrumentos.

Joahnes Vermeer, Mulher segurando uma balança,1662-1663 Dutch painter Johannes Vermeer. It is housed in the National Gallery of Art of Washington, D.C. (fig. 04)

Um quadro de Vermeer como a Mulher segurando uma balança,1662-1663, por exemplo, explora claramente esta potência do olhar em captar os objetos. Vale a pena observar como nosso olhar é incentivado a percorrer minuciosamente cada detalhe do quadro, que aparece como uma perola perdida. O ponto de fuga aparece aqui antes para compor os planos da visão do que sugerir uma profundidade infinita. A luz presente em seus quadros reflete a teoria óptica da época, que imaginava a luz não como uma propriedade passiva e sim como uma força ativa que se deslocava em raios de superfícies luminosas em direção à inteligência organizadora do olho. Deste modo, embora a transparência da pintura de Vermeer se contraponha às

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pinturas de Rembrandt, que torna o mundo turvo com suas pinceladas, a luz em ambos parece emanar dos objetos e das figuras e ir de encontro ao olhar.

A Doutrina das Cores

4 Goethe ao realizar sua pesquisa sobre as cores, decifrar para o fenômeno cromático. fig. (05)

Após viagem à Itália em 1791, onde se encanta com o colorido presente nas pinturas e no clima mediterrâneo, o jovem Goethe pede prismas emprestados afim de se iniciar no estudo da cor. Um dia, ao olhar casualmente em direção a uma parede branca através de um prisma, não vendo cor alguma, diz imediatamente a si mesmo que a teoria de Newton estava errada. A ideia de que a luz branca fosse composta de luzes mais escuras, ou mesmo por raios, lhe parecia tão absurda que jamais questionou a indivisibilidade da luz. Ele estava interessado nas condições necessárias para que o fenômeno das cores se manifestasse. Para ele, não basta dizer que a cor surge da luz, mas como aparece junto à sombra. Goethe diz no parágrafo [69] da Doutrina das Cores (1810) que a própria cor é algo “sombreado” (ein Schattiges). O grau de opacidade é o que indica a quantidade de luz e sombra particular a cada cor: uma luz obscurecida excita o amarelo no olho, enquanto a escuridão, quando clareada, produz o azul. As cores são essencialmente polares e contêm em si uma ação (luz) e uma paixão (sombra). As diferentes proporções de luz e sombra distinguem uma cor da outra. O azul é a cor mais negativa porque contém mais sombra; o amarelo é a mais positiva, já que é a cor mais próxima da luz. Goethe questiona os experimentos de Newton e afirma que as cores só existem na medida em que são produzidas pela nossa retina, que desempenha um papel ativo na produção de cores, ela não absorve simplesmente os raios cromáticos: as

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cores são feitas no “olho e para o olho”. A cor não pode ser simplesmente causada pela luz, devendo ser pensada na sua relação com o órgão específico da visão, como afirma Goethe: “Estão numa pista falsa, na medida em que procuram em Newton a causa essencial da luz em uma modificação original e particular dela, enquanto ela reside na modificação particular e original da retina."47 Em sua batalha campal contra Newton, ele propõe então uma interpretação das cores a partir do órgão da visão, que não pode ser identificado apenas como um conjunto de prismas e lentes, pois o olho é um órgão vivo. A investigação ao ar livre, onde o olhar reencontra a natureza, parece fasciná-lo. Na verdade, ele já estava procurando distinguir as condições ou esferas em que este fenômeno aparece. Após ter definido, na introdução de seu livro que a cor é “um fenômeno elementar da natureza para o sentido da visão”, Goethe nos diz que há três formas de manifestação da cor. Em primeiro lugar “na medida em que pertencem ao olho e dependem da sua capacidade e agir e reagir”. Em segundo lugar, “na medida em que as percebemos através de meios incolores ou com o auxílio destes. Por fim, são dignas de nota na medida em que podemos pensá-las como fazendo parte do objeto. Chamamos as primeiras de fisiológicas, as segundas de físicas e as terceiras de químicas. As primeiras são constantemente fugidias, as segundas são passageiras, embora tenham certa permanência. As últimas têm uma longa duração.” 48O que distingue um fenômeno cromático de outro é sua permanência na visão.

No entanto, se o mundo necessariamente se espelha no sujeito, nem tudo o que olho produz se reflete no mundo: “veja bem, não há nada exterior a nós que não esteja ao mesmo tempo em nós, assim como o mundo exterior, o olho possui suas cores. Somente por meio dessa ciência pode-se separar nitidamente o objetivo do subjetivo. Portanto, comecei a tratar apenas das cores pertencentes ao olho, a fim que distingamos bem se as cores realmente existem no exterior ou se é apenas uma cor aparente, que o exterior 47 GOETHE, Carta a Schopenhauer, apud Doutrina das Cores, op. cit, 1948 GOETHE.J.W. Doutrina das Cores, p46, Nova Alexandria, 1993

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engendrou por si mesmo”.49 É a atividade da retina que diferencia o fenômeno cromático. As cores são ações (tat) e paixões da luz (leiden). Se a atividade da retina é maior, têm-se cores subjetivas (fisiológicas); se ela sofre um estímulo externo por mais tempo, sua ação é menor, e as cores são consideradas mais objetivas (químicas). As cores subjetivas ou fisiológicas são as mais importantes da Doutrina e o ponto de partida para a análise e compreensão de todas as cores resultantes.

Ao se posicionar contra Newton, Goethe afirma que a luz branca não pode ser decomposta, de modo que as cores só existem na medida em que a luz branca interage com a sombra ( Skieron). Ele retoma assim a concepção clássica da luz branca indivisível. Já Schopenhauer em seu Tratado sobre a visão e as cores (1815) irá tentar conciliar estes dois pontos de vistas aparentemente irreconciliáveis, procurando quantificar objetivamente o grau de atividade da retina segundo as regras de refração. Ele procura conciliar uma teoria quantificável da cor presente em Newton com uma interpretação fisiológica da cor como atividade da retina provinda de Goethe. Transfere para o olho as determinações numéricas que Newton atribuía aos diferentes graus de refração dos raios luminosos. A divergência de Goethe em relação a Newton não se reduz assim a uma disputa pessoal, pois acabou envolvendo toda uma polêmica entre o idealismo alemão e os físicos newtonianos. Na verdade, o que estava por trás dessa dissensão é o confronto de dois modos completamente distintos de pensar a natureza. O idealismo alemão recusa a ótica mecanicista, já que interpreta tanto a natureza quanto a arte a partir da ideia de organismo, de uma finalidade interna. Porém, embora Newton procure determinar objetivamente o fenômeno cromático a partir do seu grau de refração, ele nunca questionou o fato de que as cores tivessem uma dimensão subjetiva. Se esta polêmica se tornou irrelevante para a física, abre-se contudo, uma nova perspectiva para a interpretação das cores.Logo, a polêmica se torna sem sentido na medida em que 49 idem, p.173

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não precisamos mais de um critério único de identificação das cores: o conceito físico de refração da luz não exclui necessariamente a interpretação da cor como um fenômeno fisiológico.

Ao julgar a cor como um fenômeno fisiológico Goethe foi durante anos criticado pelos cientistas que se apoiavam em Newton. Contudo, A partir de 1957, várias experiências demonstraram (principalmente com Edwin Land) a “existência de” “ilusões” de cor no sentido de Goethe, ilusões que demonstravam uma verdade neurológica - que as cores não estão “lá” no mundo, nem são (como sustentava a teoria clássica) um correlato automático do comprimento de onda, mas são construídas pelo cérebro.50 Segundo John Gage a teoria cromática na tradição ocidental pode ser dividida em duas fases. Até o século dezessete, a ênfase primordial era dada à condição objetiva da cor no mundo, qual seria sua natureza51, e como ela se organizava em um sistema coerente de relações. A partir de Newton, por outro lado, a ênfase se torna cada vez mais subjetiva, centrando-se sobretudo numa interpretação da cor como fenômeno gerado e articulado pela nossa visão e percepção. A Doutrina das Cores e o Tratado sobre a visão e as cores representam dois momentos fundamentais desta mudança de ponte de vista.

Goethe inaugura ainda um estudo inovador sobre o Daltonismo no capitulo dedicado às cores patológicas, ou seja mediante o estudo de uma visão distinta, atenta para a dimensão subjetiva do fenômeno cromático. Durante o Iluminismo vários estudos sobre a cegueira são um tema recorrente para analisar a visão subjetiva, nada mais antagônico do que um olhar cego em contraponto ao olhar com a hiperacuidade quase divina do Renascimento, capaz de discernir objetos a uma longa distância.

A partir do século XVII a cor torna-se um elemento fundamental para a diferenciação espacial, tendendo a ser vista como instrumento que ativa a nossa percepção, de 50 SACKS,O, Um Antropólogo em Marte, Cia das Letras, p.41.

51 GAGE , Colour and Culture, op. cit, p. 191

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modo a dar uma sensação de profundidade. As cores são utilizadas a fim de aproximar (vermelho) ou distanciar (azul) os diferentes planos de percepção. Cada vez mais o que é visto passa a ser filtrado através da cor. Não temos mais objetos isolados pelo desenho como nos quadros que se baseavam exclusivamente na perspectiva para criar um espaço virtual. Até então todas as figuras representadas, não importando a distância, tendiam a apresentar o mesmo grau de nitidez. “A pintura de Chardin não é mais uma representação da substância - ou da natureza - como se diz depois da Renascença, mas uma representação do ato de perceber essa substância”.52 Neste sentido, Baxandall nos mostra como a variação de nitidez de cada objeto revela a percepção do artista e não somente a construção dos vários planos de um espaço como no sfumato presente em alguns quadros do Maneirismo. Trata-se de uma nova forma de se abordar o espaço, pois não se busca através da perspectiva um espaço ideal, mas de afirmar a visão particular de cada artista. O olhar passa a refletir o mundo, não há cisão entre realidade interna e externa.

O pintor joga com os diferentes pontos de vista das figuras representadas bem como do observador em relação a elas, Para incentivar um olhar de longa duração, temas como os jogos de entretenimento dão uma dimensão temporal ao olhar concentrado, absorto no jogo. À medida que os pintores passam a abor- dar temas mais prosaicos como a natureza morta, a pintura rejeita sua subordinação à literatura. Graças a Chardin é que Diderot entrevê um outro regime para a pintura: o programa do quadro não é estabelecido a priori, visto que a execução se reduz neste caso a explicitação de um conteúdo, de uma história. Há algo mais a apreender em um quadro do que a ilustração de uma ideia ou um tema: uma nova sensação de cores, uma nova fisionomia de objetos culturais ou naturais, um saber visual e um prazer do visível inexprimível em palavras. Diderot busca descrever sua obra e, na falta de

52 BAXANDALL, patterns of Intention e FRIED, Sobre a privilegio conferido ao olhar absorto. Absorption and theatricality. Painting Beholder in the age of Diderot p. 122 e RIDER p. 82.

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compreender tudo, fala de mágica. No salão de 1767 Diderot afirma: “As composições de Chardin chamam a atenção tanto do ignorante como do especialista. É de um vigor cromático inacreditável, de uma harmonia geral, um efeito picante e verdadeiro, belas massas, uma magia de fazer desesperadora, um mistura de variedade e de ordem. Distancie-se, aproxime-se, a mesma ilusão (note a reação à perspectiva - que pressupõe um observador estático), nada de confusão, nada de simetria, nenhuma papillotage (embrulho), o olho se recria a todo instante, pois há calma e repouso. Paramos-nos diante de um Chardin como que por instinto, como um viajante fatigado de seu percurso ao sentar-se sem estar ciente do lugar que lhe oferece a vegetação, silencio, sombra e água fresca.” Anos mais tarde Matisse nos diz que procura propiciar em suas pinturas a mesma sensação para um observador fatigado do trabalho.

Olhar e impressão

Monet, Impression soleil levant, 1874. (fig. 06)

Com o Impressionismo a percepção passa progressivamente a se tornar o próprio motivo do quadro. A extinção dos universos clássico e romântico trouxe, para a pintura, a perda dos contextos coerentes e coesos dos quais ela derivava e se alimentava. Os artistas buscam novos motivos diante de situações novas, para os quais não possuía referências seguras. A fim de reencontrar a natureza os artistas impressionistas precisam abrir mão do olhar treinado pela academia. Surge um ímpeto comum entre os jovens artistas para a observação direta da natureza, vista sob a ótica e o temperamento do artista. Em vários quadros impressionistas podemos notar espectadores que se deleitavam com o revigoramento dos sentidos propiciados pela paisagem.

Cultiva-se desde o Realismo o olhar ingênuo e puro de uma criança que descobre o espetáculo do mundo pouco a pouco. O período da primazia da visão sobre os outros sentidos se inicia no século XIX com a modernização das

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cidades, quando as grandes estruturas de ferro e vidro viabilizam largas janelas e vitrines que passam a mostra o interior dos aposentos. O mundo se torna um grande espetáculo a ser vivenciado nas grandes avenidas, nas exposições internacionais, nas bibliotecas, nas lojas de departamento, nos circos e nos jardins de inverno

As transformações técnicas também fazem com que o homem veja o mundo de outra forma, ao utilizar, ao invés do cavalo, o trem. Vitor Hugo deixou um relato clássico de sua primeira viagem 1835: “Um movimento magnífico, indescritível, tendo de ser experimentado diretamente. A rapidez é inacreditável. As flores à beira da estrada deixam de ser flores. E passam a ser manchas, ou melhor, listras vermelhas ou brancas. Não existem mais pontos, tudo é listrado. As espigas de trigo são grandes cabeleiras amarelas, as verduras são longas tran- ças verdes; cidades, campanários e árvores dançam e se mesclam furiosamente no horizonte, vez ou outra, uma sombra, uma forma, um espectro erguido, aparece e desaparece como clarões de raio ao lado da porta; é um guarda cancela de uniforme. Pessoas dizem no vagão; faltam três léguas, chegaremos a dez minutos”53

Os estudos sobre a fisiologia da visão sobre os cones e bastonetes evidenciavam a instabilidade de nossa percepção, de modo que a cor interpretada referia-se a uma sensação e não a um objeto. Em 1855, Hermann Helmholtz afirma que nunca percebemos os objetos externos diretamente, pelo contrário, percebemos apenas seus efeitos no nosso sistema nervoso. A perspectiva perde definitivamente a sua função, já que o objetivo dos artistas não é mais retratar os objetos em um espaço virtual: “O espaço é profundo, a retina não é. E a pintura não deve interpretar o que está diante dos olhos, mas aquilo que está na retina daquele que olha. Não se distingue nem mesmo as coisas e o ambiente espacial luminoso onde se encontram: as cores não são iluminadas, são o fator luminoso, portanto

53 SCHAPIRO, M. O impressionismo, Cosacnaify, 2002 p.112, 279. e BUTOR,Michel , Claude Monet or the world upside down, The Writers on Artists, p.213

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são elementos construtivos do quadro”54. Livre do desenho diretor a pintura transforma o próprio suporte; o vidro em que o mundo se vê seletivamente é substituído pela superfície da própria pintura. Há também o impacto de obras advindas do oriente com novos paradigmas visuais como a gravura japonesa, que apresenta estampas com cores chapadas e vibrantes. Ver cor e superfície

Monet é considerado o impressionista exemplar. Ele abandona cedo os estudos, a erudição e o debate não lhe pareciam ajudar a resolver os problemas da pintura. Suas obras buscam captar o instantâneo como experiência, onde a impressão de um momento é tão relevante como a do momento seguinte, o objeto representado está sempre mudando de aspecto conforme as variações atmosféricas e cromáticas. A aparência remete à série total das aparências e não a uma realidade oculta, não esconde a essência, mas a revela. A impressão surge de um impacto emocional original, não apenas de uma sensação retiniana, mas da sensação vivida.

A apreensão da realidade é eminentemente sensorial: “ela se faz pelos olhos, pela língua, pelos ouvidos, pelo nariz, pelas mãos. Mas tudo aquilo que recebem os sentidos está filtrado pelos estados segundos da consciência. Por isso surge a necessidade dos paraísos artificiais: as drogas, o enfraquecimento físico, a febrilidade, a música de Wagner, própria a criar uma embriaguez prodigiosa. Baudelaire é o homem que não esquece nunca de si. Ele se olha ver, olha para se ver olhar; é a sua consciência da árvore, da casa que contempla e as coisas só lhe parecem através dela, mais pálidas, menores, menos tocantes, como se ele percebesse através de uma luneta.”55 As variações cromáticas podem suavizar as paixões. Em o Pintor da Vida Moderna ele dedica um capitulo especial a maquiagem das mulheres, que por meio das nuances cromáticas pode atenuar a passagem do tempo no rosto de uma mulher.Cézanne “Rideau, cruchon et compotier” (1893-1894). (fig. 07)

54 ARGAN, G.C., L'Arte Moderna, Sansoni, p.14155 BAUDELAIRE, Baudelaire apud Coli, p. 236

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A natureza morta por sua vez deixa de ser um gênero inferior e passa a ser explorada sistematicamente. Schapiro, em um artigo sobre as maças de Cézanne, sabiamente nos mostra como a natureza morta é artificial, um microcosmo ao alcance da mão humana. É interessante notar como todas as grandes transformações formais que aparecem na pintura do séc. XVIII até o cubismo muitas vezes aparecem no interior desta segunda natureza. A fim de se dedicar exclusivamente aos estudos dos fenômenos naturais, Cézanne teve de abrir mão do seu romantismo e partir para um estudo obsessivo das aparências, buscando captá-las através de pequenas pinceladas justapostas de modo metódico. Ele descobre que, sem se apoiar em certos sistemas de projeção, a realidade é fugaz. Poderíamos dizer que foi pioneiro ao questionar a pintura impressionista ao buscar ir além da representação do instante efêmero. A percepção é entendida como processo construtivo que envolve atividades cerebrais e não apenas a sensação. Em 1904, ele escreve a Emile Bernard “Eis algo indiscutível, estou seguro disso: uma sensação ótica é produzida em nosso órgão visual que nos faz classificar em termos de tons de luz, meios tons, ou quartos de tons, os planos representados por sensações cromáticas.” Cézanne o aconselhou a ver na natureza o cone o cilindro e a esfera, algo que está na verdade na nossa mente, pois na natureza, efetivamente, não há linhas retas. Do mesmo modo, a cor para Cézanne é o lugar onde o nosso cérebro e o universo se juntam. Desenho e cor são aplicados na pintura como realidades distintas. Em 1905, chegando ao fim da vida, ele afirma: “A sensação da cor que proporciona a luz são a razão para abstrações que não permitem que cubra integralmente a tela.” Ele estava ciente da natureza distorcida e fragmentada da imagem, que se completa por um mecanismo fisiológico de compensação ótica, na medida em que o cérebro produz uma ilusão de continuidade dos diversos momentos perceptivos, deste modo, ele alcança a profundidade que tanto almejou. Mediante a introdução de um verde no céu, de um azul na terra etc. suspende-se as

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definições locais e, portanto, os limites estáveis ou as formas dos objetos Ao pensar a pintura não mais como um processo mimético, mas como processo construtivo, Cézanne da um passo definitivo em direção a arte moderna. inicia-se o eterno conflito entre desenho e cor, como afirma Matisse alguns anos mais tarde, cor ao invés de subsumir ao controle da linha a pincelada passa a criar massas cromáticas que desafiam o esboço previamente traçado.Seurat , “Tour Eiffel” , 1889 (fig. 08)

No neo-impressionismo o olhar do pintor torna-se exemplar para o observador: não é à toa que Signac escreve sobre L’Education de L’Oeil. As regras agora são instituídas pelo olhar do artista, que cria um mundo novo a partir dos efeitos luminosos que produz na tela e que se refletem no olho do observador: “A cor pela cor, sem outro pretexto!” 56. Busca-se compreender suas leis de interação, criar uma metodologia de ordenação das cores, criar uma gramática, a fim de instrumentalizar a operação construtiva do pintor: “observação das leis sobre as cores, uso exclusivo de cores puras, renunciar a mistura tantas vezes utilizada, equilíbrio metódico de elementos; eis aí o progresso que os impressionistas deixaram por fazer aos pintores inquietos com sua pesquisa”57. Esta tarefa se transforma no método pontilhista. Para os neo-impressionistas a cor deve ser pura58, pois sua síntese se dá doravante na retina do observador. A superfície do quadro torna-se seu espelho, uma vez que a interação das cores é feita a partir de contrastes simultâneos entre cores complementares. É de importância fundamental: “Que a analise da visão esteja presente no procedimento técnico, que, decompondo a sensação visual, reconheça-se que ela não é uma simples impressão, mas tem uma estrutura e se desenvolve através de um processo, que o quadro seja construído com a matéria-cor e que esta tenha um caráter funcional, como os elementos de sustentação de uma arquitetura, que o quadro 56 SIGNAC, D’Eugene Delacroix au Neo-impressionisme, p.74.57 IDEM, p.8758 ARGAN,G.C. Arte moderna, p.118

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não seja mais considerado como uma tela onde se projeta a imagem, e sim como um campo de forças em interação que formam ou organizam a imagem”. Eles procuravam essencialmente sínteses cromáticas no nosso olhar. Para este fim, buscavam cores puras, mas a relação entre as cores era medida unicamente pelo efeito que produziam na nossa retina. Paradoxalmente, os pontos de cores, utilizados de maneira sistemática, acabavam produzindo no seu conjunto uma tonalidade cinza.

O princípio da mistura ótica, decisivo para o neoimpressionismo, está claramente exposto por Rood, um dos teóricos cuja obra foi objeto de estudo de Seurat. O físico explica dois modos opostos e governados por diferentes leis de se obter uma determinada cor: o principio aditivo baseado na mistura de luze o princípio subtrativo baseado na mistura de pigmentos. Ver cor e fotografia

A cor expressiva

Para o artista a criação começa na visão. Ver já é uma operação criadora que exige um esforço. Tudo o que vemos na vida corrente sofre mais ou menos a deformação que os hábitos adquiridos provocam, e o fato é talvez mais sensível numa época como a nossa, em que o cinema, a publicidade e as revistas nos impõem quotidianamente uma profusão de imagens já feitas, que são, de certo modo, no âmbito da visão o que é o preconceito no âmbito da inteligência59.

A grande conquista da arte moderna foi a expressão pela cor. Matisse.

Em Gauguin, Munch e Van Gogh, e em seguida com o fauvismo podemos perceber um processo de objetivação da pintura como pintura, tinta aplicada na tela e não um gesto que nos levaria diretamente ao seu referente. Ao contrário 59 Matisse. Escritos e reflexões sobre Arte. Ulisseia.p.329

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do pontilhismo que, paradoxalmente, acaba neutralizando a composição cromática através da mistura ótica, estes artistas buscam uma pincelada que carrega a cor pura, e que, ao interagir com as colorações vizinhas, passa a modular as formas. As cores afirmam sua presença na tela, e não precisam mais necessariamente respeitar as regras da mistura ótica. Os artistas se distanciam da teoria cientifica na aplicação da cor como tinta, o que os levam a se interessar muito mais pelo pigmento, síntese subtrativa, do que pela teoria ondulatória, síntese aditiva. Paralelamente a um processo teórico de entender a cor através da percepção, seu uso pratico tende a mostrar as qualidades extrínsecas da cor-pigmento-matéria, principalmente quando a pintura deixa de ser interpretada como um correlato da visão.

Cada cor passa a valer por si mesma, como tinta aplicada na tela, tendo, portanto, uma natureza distinta das cores percebidas, que existem apenas quando sintetizadas na retina. Elas passam antes a expressar um sentimento interno do artista em relação ao tema retratado. Por isso, é que estes artistas são considerados figura primordiais para o expressionismo, movimento que se consolida na Alemanha no começo do século vinte e com o fauvismo em Paris durante o mesmo período.

O espelhamento entre a retina e a superfície da tela é posto em xeque neste instante, na medida em que estes artistas não buscam reproduzir nos quadros as mesmas sensações cromáticas que observavam. A figura e o espaço circundante são construídos a partir de diversos planos cromáticos, pincelada e cor se fundem num gesto expressivo. Neste caso, as cores efetivamente desempenham um papel ativo no quadro, já que a interação entre os campos cromáticos proporciona uma sensação expansiva da cor, desempenhando assim um papel fundamental na construção do espaço pictórico.

Com estes artistas a pincelada e a cor se fundem num gesto expressivo. Neste caso, as cores efetivamente desempenham um papel ativo no quadro, já que a interação entre os campos cromáticos proporciona uma sensação

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expansiva da cor, desempenhando assim um papel fundamental na construção do espaço pictórico. Posteriormente, seguindo o caminho aberto por Gauguin e Van Gogh Matisse irá explorar aspecto decorativo advindo do oriente, onde, ao contrario da perspectiva, o arabesco e a cor passam a modular o espaço a partir da superfície.

Matisse, 1905 La raie verte (Portrait de Madame Matisse) óleo sobre 40.5 x 32.5 cm Statens Museum for Kunst, Copenhagen (fig.09)

Neste quadro Matisse nos mostra que um retrato uma mulher não precisa ser pintado a fim de proporcionar uma sensação de sua pele, e o artista pode utilizar grandes superfícies com cores gritantes como o verde ao lado do vermelho e fazer uma pintura equilibrada do ponto de vista do contraste entre as cores. Sua atitude causou grande choque no grande publico, que passou a chamar Matisse e seu grupo de "bestas" ( fauves) Na arte moderna a pintura visão passa a ser entendida não mais como registro de uma impressão, mas como um processo cognoscitivo. – percepção, e não apenas um mecanismo, mediado pela cultura, pela palavra, pela memória. Cores e formas são entendidas como uma operação construtiva que se distancia de um referente visual previamente estabelecido, tornando-se essencialmente uma operação mental que se recria a cada instante na pintura.

O olhar fragmentado

Pablo Picasso, retrato de Daniel-Henry Kahnweiler, 1910. (fig. 10)

O que tinham visto os cubistas em Cézanne? Em primeiro lugar, a construção do quadro, a ideia de que o quadro não é, como diziam os impressionistas, uma fatia da natureza servida com arte ou uma janela aberta para o mundo exterior, mas que o quadro é, em primeiro lugar uma

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superfície de certa dimensão na qual o pintor quer nos entregar suas sensações. ... Ou seja, eles pintavam desde aquela época, ao menos parcialmente o que se sabe do objeto e não somente o que se vê. Kahnweiler

Picasso estuda um objeto como o cirurgião disseca um cadáver. Apollinaire

Com o cubismo temos um a concepção que a pintura é uma como realidade concreta e material em detrimento da representação e da aparência: a pintura não visa mais a impressão do objeto, mas é em si um processo de construção do objeto. Em seu belo ensaio intitulado a Ascensão do Cubismo de 1915, Kahnweiler afirma que o cubismo se apoiava na utilização de formas a priori (cilindro, esfera e o cone de Cézanne) sem o qual não existiria para nós uma percepção visual, um mundo físico. O cubismo recorre a nossa capacidade de sintetizar as percepções internamente a partir dos dados sensíveis. Entretanto, se o cubismo analítico aparentemente rompe com o naturalismo ao multiplicar os pontos de vista lançados sob o objeto, ele não é capaz de abrir mão do quadro como representação do mundo. A pintura cubista inicial ainda nos remete a uma metáfora visual, uma forma de visão do objeto exterior. Daí a utilização tardia do chiaroscuro como resquício de uma iluminação natural que confere aos objetos uma aparência tridimensional. Será a partir da colagem que o cubismo sintético poderá, paulatinamente, abrir mão do naturalismo ainda restante na fase anterior. ver cor e colagem

Embora a palheta se torne mais homogênea no período cubista analítico, o espaço é construído pela tênue variação dos planos cromáticos. Os diversos matizes de cinza e marrom animam o espaço através da sobreposição de planos. O cubismo efetua, segundo Braque, uma exploração que parte da crítica da cor local e leva a cisão entre forma e cor: “quanto ao tom local, antes se desenhava um objeto e ele implicitamente tinha sua cor, não é? Pois bem, nós percebemos que a cor agia independentemente da forma”. A ação independente da cor a conduz cada vez mais para o

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espaço real, a cor é entendida cada vez mais como matéria: “ notei quanto a cor depende da matéria. Eis um exemplo: molhe dois tecidos brancos com matérias diferente na mesma tinta, as suas cores serão diferentes. É evidente que esta dependência que liga a cor à matéria é ainda mais sensível na pintura. E o que me agradava muito era precisamente esta “materialidade” que me era dada pelos diversos materiais que eu introduzia nos meus quadros.” 60

Posteriormente, com o Cubismo sintético e a colagem, a cor se transforma numa entidade cada vez mais autônoma. A relação entre os diversos planos cromáticos torna-se cada vez mais importante para a construção do espaço, uma vez que a linha que contornava as figuras no período anterior não modula mais a figura a partir do claro-escuro, o traço passa a vagar livremente pelos diversos campos de cor.

É através da cor que os suprematistas russos conseguem liberar-se da forma do objeto representado. Partindo do branco sobre branco Malévitch inicia a pesquisa sobre os monocromos. A tela se torna um quadrado que recorta a cor no espaço. O Cubismo e o Futurismo a seu ver ainda estavam atrelados ao tema do objeto. A cor vermelha por si é mais dinâmica do que a “falsa sensação de movimento” que os futuristas tentavam criar: “O galope de um cavalo pode ser transmitido com um único tom de lápis. Mas é impossível transmitir o movimento do vermelho, do verde ou das massas azuis com um único lápis”61. A cor seria o único caminho para se chegar ao que ele chamava de quarta dimensão, o tempo. Deste modo, artistas como Malévitch passam considerar o tempo como um valor consciente na percepção do espaço de uma obra.

Os pintores modernos percebem efetivamente que não existe uma correlação fixa entre a pintura (de duas dimensões) e o mundo percebido. Existem certos 60 BRAQUE, Georges. Braque, la peinture et nous/ Propos de l’artiste recuellis pour Dora Vallier”Cahiers d’Art, vol.29, 1954, pp. 16-7. Esta citação se encontra na tese de Doutorado de Luiz Martins. No capítulo “A arte como coisa corporal”61 PERLOFF,M., O Momento Futurista, EDUSP, p. 211. Sobre a quarta dimensão, pg 226. É impressionante notar como o texto de Venturi (Cf. nota acima) se adequa perfeitamente à Malévitch: é através da duração da cor no tempo que a cor se expande para o espaço. Mais adiante veremos como Hélio Oiticica irá se apropriar destas questões.

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mecanismos visuais tais como constância cromática, visão seletiva, que não podem ser projetados diretamente em uma superfície plana. A pintura afirma assim sua autonomia no início deste século. A tela torna-se um terreno livre para as experiências cromáticas. O pintor moderno não procura reproduzir nos quadros as mesmas cores que vê. A pintura é uma realidade vivente e autônoma e não apenas uma representação. A cor ganha sua autonomia quando é pensada como um fenômeno vivo que existe por si mesmo, e não como um simples meio de representar o mundo sensível. Não há mais a ideia de um espaço estabelecido a priori. A construção do espaço pictórico é mediada tanto pelo trabalho do artista como pela experiência do olhar do observador. Antes do que uma simples tela projetada, a visão representa a possibilidade de apreendermos as coisas ao nosso redor. Ela não pode ser mais entendida segundo um modelo estático: “a visão é uma ação”62.O olhar se torna móvel e ubíquo e a cor começa a ser pensada à revelia de um ponto de vista fixo ou até mesmo de uma figura desenhada previamente. Torna-se possível experimentar diferentes abordagens espaciais da cor.

A visão passa a ser entendida como processo (e não apenas um mecanismo) mediado pela cultura, pela palavra, pela memória. É neste momento que artistas como Marcel Duchamp realizam uma crítica do olhar retiniano, pautado na concepção de um olhar puramente visual, e questionam qual será o lugar que uma obra de arte deve ocupar no mundo moderno. Cores e formas são entendidas como uma operação construtiva que se distancia de um referente visual previamente estabelecido, tornando-se essencialmente uma operação mental.63 Segundo Duchamp, finalmente a pintura está pronta novamente para suscitar outro tipos de 62 MERLEAU-PONTY,M., Phenomenologie de la Perception, p.432.63 Paralelamente, nos lembra Venturi, a concepção sobre o espaço também muda na filosofia: “mais surpreendente é o fato que em 1888 Bergson modifica as idéias de espaço no Essai sur les Donnés Immediates de la Conscience, onde considerava o contínuo temporal (durée) como a única base da consciência e reduz o espaço a uma única projeção do tempo”. VENTURI,L. Cuatro Pasos hacia el Arte Moderno, pg.75. A autonomia da arte baseada na visão pura será ponto de encontro da arte com a estética do final do séc. XIX. Ver ainda a relação apontada por Venturi entre Manet e Konrad Fiedler, p. 67.

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associações não apenas visuais.As cores assim parecem progressivamente se “objetivar”

no mundo e “escapar” do olho. Este processo que vem desde a Renascença se distingue por três fases (ou recortes ideais) distintas: no primeiro momento, quando o olhar é regido pelas leis da perspectiva, o ponto de vista se espelha no ponto de fuga virtual, na medida em que ambos criam a ilusão de um espaço tridimensional. As cores neste caso, em maior ou menor grau, são sempre monitoradas por um desenho previamente dado. No segundo momento, o olho é visto como um instrumento óptico móvel e a retina como um órgão capaz de produzir as cores. A superfície da tela passa a espelhar a retina, visto que ambas produzem cores em um espaço bidimensional, seja na superfície da tela, seja na própria retina. Neste instante, as cores ganham mais autonomia, na medida em que passam a sugerir um espaço a partir de suas relações. Em seguida, quando o vínculo entre a visualidade pictórica e o mundo percebido se quebra, as cores passam a ser entendidas como elementos construtivos capazes de estabelecer novas relações espaciais à revelia de um mundo previamente representado. Esta conquista do espaço começa com a afirmação da autonomia da pintura frente o mundo percebido, neste sentido, a pintura tende a se firmar como tinta aplicada na superfície da tela. Não que os artistas não soubessem que toda pintura é feita sobre um plano bidimensional, a pintura sempre jogou com esta ambiguidade entre um mundo representado em duas dimensões e o espaço percebido em três dimensões, mas na medida em que a pintura é vista como uma pintura, e não um correlato óptico da visão, os pintores modernos tendem a salientar oque uma pintura tem de particular, ou seja, o fato de situar-se apenas em dois planos.

Este breve recorte temporal deve ser entendido como um preâmbulo necessário para entender as novas possibilidades que se abriram a partir de então para o uso da cor. É preciso salientar que este processo de “objetivação” da cor que, como veremos (ver cor e superficie), acentua-se ainda mais neste século,

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paradoxalmente cada vez mais exige do espectador sua cumplicidade fisiológica, para não falar subjetiva. Talvez fosse mais correto dizer que as pinturas refletem cada vez mais uma consciência crítica do artista sobre as potencialidades espaciais da cor. Este processo não pode ser entendido em hipótese alguma como uma teleologia da cor, cada momento em si deve ser compreendido como um recorte que contém sua forma de saber. Mas na medida em que a arte cada vez mais questiona a si mesma, é natural que uma percepção crítica da cor se torne cada vez mais presente nas obras.64

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