José Giannotti

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Discurso A&E/UFRJ

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140 A R T E & E N S A I O S-N. 2 0-J U L H O D E 2 0 1 0141A nova teoria da representaoJos Arthur GiannottiNa palestra realizada no Espao ABC, em junho de 1980, o filsofo Jos ArthurGiannotti procurou sustentar a tese de que a nova teoria da representao, a partirde pinturas do artista ingls David Hockney, conjugava formas mais ou menos abs-tratas com formas individualizadas pela visibilidade. Para ele, a crise da sintaxe, bemcomo a crise do Abstracionismo, havia originado uma figurao antimetafsica, para-lela a certas filosofias modernas. Aps a transcrio de sua palestra, segue-se a doacalorado debate ocorrido com o pblico presente.Arte e filosofia, teoria da representao, abstracionismo vs. figurativismo, debate crtico.David Hockney,A bigger splash, 1967,acrlica sobre tela,243,8x243,8cm, TateGallery, LondresFonte: www.flickr.com/photos/oddsock/100830944R E E D I O J O S A R T H U RG I A N N O T T IEstranho ler um texto de 1983 e per-ceber que desde aquela pocaat hojehouveumalinhadecontinuidadeemmeu pensamento. Se fosse reescreverotextoiriaretirararepresentaocomo representao do mundo, parafixar nela suas diversidades dentro dejogos de linguagem diferentes. Mante-ria, porm, a tese de que um quadroabstratonorepresentativo,sendoque seu significado brotaria do jogo quetramamseuselementos.Seumqua-dro significa, no por isso que signifi-ca algo. No o que acontece com amsica? Por isso hoje daria mais nfase ideia de jogo representativo que, nocaso de David Hockney, j se aproximadeumarepresentatividadeintelectual.(Comentrio de J. A. Giannotti em 2010sobre o texto da conferncia pronunci-ada em 1980 s publicado em 1983)Agradeo Funarte por este convite. Pre-tendohojepensarcomvocsoqueestacontecendocomanovaexperinciafigurativista,tomandosobretudocomoexemplo alguns trabalhos de David Hockney.Ao preparar, contudo, esta anlise, me deiconta da necessidade de refletir tambm noque foi o velho conceito de representao.Em grandes linhas, quero mostrar que, sobcertos aspectos, a representao pictrica earepresentaonametafsicacaminharammais ou menos paralelamente.A primeira ideia de representao, mais sim-ples, diz que algo est em lugar de algo. Maslogo vem a pergunta: o que est no lugar dealgo e o que esse algo? Podemos afirmarque se trata de uma planta que est no lugarde uma planta, de um leo que est no lugarde um leo. Se fugirmos desta simples ideiade substituio e formos aos poucos ver oque se passou na histria da arte, percebe-mos que as coisas no so to simples as-sim. Vejamos dois exemplos tomados de umlindolivrodoGombrich,Arteeiluso.Aprimeira imagem um baixo-relevo egpcio,de mais ou menos 1450 a.C. Ele tem umahistria. Este fara, Thutmose III, depois desua campanha na Sria, trouxe para o Egitouma srie de plantas novas e pediu a seusescultores que as desenhassem. Notvel que o fara foi verificar ele prprio o traba-lho de seus artistas, confirmando a veracida-de da imagem. Acontece que, hoje, nem osegiptlogos nem os botnicos so capazesde identificar qualquer uma dessas plantas. 142 A R T E & E N S A I O S-N. 2 0-J U L H O D E 2 0 1 0Plantas levadas daSria para o Egito porTutms III, relevo emcalcrio, c. 1450 a.C.Templo de TutmsIII, CarnacVillard deHonnecourt, Leo eporco-espinho, penae tinta,c. 1235, BibliothqueNationale ParisFonte: Gombrich, E.H. Artee iluso. So Paulo: MartinsFontes, 1995: 83 e 84Isto,nosomosmaiscapazesdechegarquela veracidade a que o fara e todos osmembros de sua equipe tinham chegado.Passemos para outro exemplo bem diferen-te.Trata-sedeumdesenhodeVillarddeHonnecourt que, mais ou menos em 1235,fixa a imagem do leo. O artista afirma queesta imagem de um leo vivo; ele sai doesquematradicionaldaartedasuapocaprocurando olhar o leo tal como ele .Ficamos hoje muito assustados ao ver qualera o olhar que o artista tinha de seu leo.Percebemos antes de tudo ser uma espciedeesquemaconceitualvigentenaIdadeMdia, a partir do qual o leo visto.O que esses dois exemplos me serviram paramostrar?Queumesquemapreconcebidoprecede percepo. Desse modo, a ques-todarepresentaopictricanosim-plesmente chegar diante do objeto e substi-tuir este objeto visto por outro objeto es-crito a lpis ou a tinta. Sabemos ademais quetanto os primitivos como as crianas, ao de-senharem, cuidam para que todas as partesdo objeto estejam reproduzidas. A ideia detomar um animal de perfil, de tal modo quefaltem patas, asas, lhes em geral aberrante.Podemos ento concluir que antes do vertemos o conhecer. Anterior visibilidade doobjeto presente existe um esquema. A ques-to como interpret-lo.Tradicionalmente ele pensado como umaespcie de forma, diagrama a partir do qualas coisas, elas prprias, aparecem. Esta ante-rioridadedoesquemacria,portanto,umaespcie de oposio entre a forma e o real,de sorte que a forma aquela coisa perene,aquilo que preside a prpria constituio daimagemedofazer,esteseapresentandoassim como um fazer por intermdio de umparadigma. Assim, pintar no simplesmen-te decalcar, reproduzir aquilo que se co-nhece alm daquilo que se v. Por esse ca-mi nhodesembocamosfaci l mentenoplatonismo, para o qual o mundo como apa-receantesdetudoaqui l oquefoiconstrudo a partir de uma visibilidade intui-tiva das formas; o mundo como vemos foiconstrudo a partir de um decalque invisvel,mas que, por ser justamente a condio detoda visibilidade, era o visvel por excelncia.Por isso os gregos chamavam essa forma in-visvel,responsvelportodavisibilidade,deideia. Justamente da palavra grega eids, nosentido daquilo que tem a visibilidade mxi-ma. Vocs percebem, portanto, como a sim-ples reflexo sobre uma primeira atitude emrelao imagem nos leva a pensar justamenteaquilo que visvel, como resultado de umaproduo, feita na base de um paradigma an-terior e a priori, isto , antes de qualquer ex-perincia possvel. Com isso, o real divididonaquilo que aparece e naquilo que funda-mental; dividido entre a aparncia e a essn-cia. Para que ento representar?143 R E E D I O J O S A R T H U RG I A N N O T T IJ podemos comear a entender o sentidomais imediato da polmica de Plato contraospintoreseosartistasemgeral.Diziaoseguinte: se o leito construdo pelo carpin-teiro como tal a imagem de uma ideia deleito, de uma forma de leito, o que vem fa-zer o artista ao pintar a imagem do leito real?Simplesmente embaralhar nossa relao comasimagensecomoreal,permitindoque,em vez de passarmos deste leito concreto edaqueleoutroleitoconcretoparaavisodoleitoreal,aqueleparadigmticopor-que ele deu uma dimenso imagem de-moremos no simulacro das coisas e no fa-amosessepercursoessencialparaoco-nhecimento e para a prpria vida que sairda aparncia e chegar essncia, ideia.precisopensarumpoucomaisoquesignificou essa polmica de Plato contraos artistas, principalmente situ-la no con-texto grego.Platoestavaassistindoaumaverdadeirarevoluo na arte grega; esta deixava de serparadigmtica, conceitual, deixava de trataras imagens como o artista da Idade Mdia,para se deter na aparncia, tentando detec-tar a visibilidade das coisas. Para Plato istoera uma aberrao. Como um escultor comoFdias, ao fazer uma esttua, no considera oparadigma do deus que est esculpindo, masa maneira pela qual o indivduo vai ver a es-ttua e ter a impresso dele? Considera as-sim que a esttua, ao ser colocada no altodo fronto do templo, ia ser vista de umamaneira diferente do que o seria, vamos su-por, a partir do cho. Esta simples ideia deque o objeto artstico precisava alterar suaforma para obter uma visibilidade mais ade-quada aparncia, de acordo com o pontode vista do observador, era aberrante paraPlato, e contrria quilo que a arte, no seuentendimento, se propunha a fazer. Interes-sante como Gombrich, nesse livro admir-vel Arte e iluso, vincula essa polmica dePlatoaoaparecimentodealgumacoisaextremamente nova na cultura ocidental, isto, o aparecimento do relato como histria.Esta no trata apenas de flagrar um aconte-cimento como se d por seu fundamento,mascontaumandamento;recorda,porexemplo,comoasguerraspersasocorre-ram, como os povos brbaros existem nassuas diferenas em relao ao povo grego.Pela primeira vez no mundo ocidental surgea ideia de uma narrao conectada; a apa-rncia das aes humanas adquire uma con-sistncia at ento inconcebvel.Esta predominncia da aparncia, testemu-nhada pela escultura grega, comeando a es-culpir no apenas os deuses e os heris masa brisa batendo no panejamento, tentandocapturaramaneirapelaqualosgestosseesboam, , de uma maneira extraordinaria-mente percuciente, flagrada por um epis-dio narrado por Plnio. O pintor Zuxis ti-nha conseguido a proeza de desenhar uvasaparentemente to verdadeiras que os pr-priospssarosvinhambic-las.Nesteseuesforodeimitar,porm,foivencidoporoutro pintor, Farrcios. Este convidou Zuxispara visitar seu atelier e ver sua nova produ-o, apostando que ela era muito mais veraz,muito mais prxima da aparncia, do que tudoaquilo que Zuxis tinha feito. Zuxis aceita odesafio,enoatelier,diantedapinturadeFarrcios,pede-lhe:Porfavor,descerraacortinaqueestvedandooteuquadro.Muitos de ns conhecemos o fim da histria:o quadro no era mais do que uma cortinapintada. Zuxis s podia se dar por vencido.Aqui temos a presena mxima da iluso, jus-tamente a presena da coisa na sua visibilida-de desvinculada de qualquer paradigma ante-rior. Entendemos pois por que Plato s po-diarecusaressecaminhoqueatribuaaomundoaparenteumadimensoqueasuateoria das ideias era incapaz de conceber. 144 A R T E & E N S A I O S-N. 2 0-J U L H O D E 2 0 1 0Quando se torna possvel esta arte ilusria,do trompe-loeil, arte que engana, porqueoprincpiodaquelaarteconceitual,nortetanto da arte egpcia como da arte medie-val,chegavaaseufim;algumacoisanovaestavaaparecendo.Masessaexperinciagregadesaparecesemdeixartraos.Paracompreenderaartegrega,naopiniodeGombrich,precisojustamenteexplicarcomo foi possvel esse ilusionismo num con-texto da histria universal em que a grandemaioria da arte, para no dizer a totalidadedela, era essencialmente paradigmtica.Vamos reencontrar essa preocupao coma iluso no Renascimento, todo mundo sabedisso. Mas, agora, num ponto de vista muitodiferentedaquelemarcadopelaoposioentreessnciaeaparncia,fundamentoesimulacro, tal como ns acabamos de des-crever, muito rapidamente, na filosofia gre-ga. E para introduzir a nova maneira pela quala representao posta no Renascimento,escolhi um texto do escultor Leon BaptistaAlberti, texto pouco conhecido porque fazparte do seu livro de esttua e no daquelesobre a pintura. Diz ele o seguinte: Acredi-to que as artes que pretendem imitar ascriaesdanaturezaseoriginaramdase-guinte maneira. Num tronco de rvore, nummontedeterraounoutracoisaqualquer,umdiaforamacidentalmentedescobertoscertos contornos que precisavam apenas dealgumas mudanas para parecerem estrita-mente semelhantes a algum objeto natural.Dando-se conta disso, as pessoas tentaramver se era possvel, por adio e subtrao,completar o que ainda faltava para a perfei-ta semelhana. Assim, ajustando e removen-do linhas segundo as demandas do prprioobjeto, obtinha-se o que se queria e isso nosem muito prazer.Vejam bem, aparentemente estamos dianteda mesma situao anterior. O Demiurgo deTimeu, livro de Plato, constri, tendo comoponto de partida as ideias, visibilidades invis-veis, o mundo em que vivemos. Outro ele-mento,porm,extraordinariamentenovoem relao a tudo que havia anteriormente,existe no texto de Alberti. O mundo da apa-rnciaapresentacertasimilitude,certohomeomorfismo entre o mundo das ideias eo mundo da aparncia. O Demiurgo no tra-ta mais uma matria inerte, mas uma matriaque possua uma raiz de similitude com o real,o real por excelncia que o mundo das for-mas. Passa a existir um paralelismo originrioentre o fundamento e a aparncia ou, comodiria a escola cartesiana, entre a ideia e o ide-ado. Nesse homeomorfismo entre a aparn-cia e a ideia, a meu ver, vai-se elaborar a novarepresentao a partir do Renascimento. De-saparece aquele pulular de ideias, formas, queno so totalmente arrumadas a no ser poruma vaga ideia de bem que as une num con-texto.Someomundoparadigmticoquepode ser visto de vrias perspectivas, em lu-gar dele surge um mundo que deve ser vis-to de uma nica perspectiva, de um nicoponto de vista, que aquele capaz de cap-turar tanto a forma inscrita na iluso, na apa-rncia, quanto a forma inscrita no real, isto, na essncia. bvio que essa aglutinao das vrias pers-pectivas da dialtica platnica num nico ca-minho corresponde exatamente ao projetocartesiano da ordem das razes. O que pre-tende Descartes? Afirma o seguinte: se que-roconhecer,sequeroconheceromundoem que vivo, preciso encontrar um ponto devista absoluto a partir do qual as minhas ideiasse encadeiem de tal maneira que o encadeardas minhas ideias a partir de um determina-do momento passa a corresponder s coisastaiscomoelasso.Exatamentecomonotexto de Alberti, apenas o caminho inver-so. Alberti, o escultor, quer entalhar no mun-do que est vendo, de tal maneira que pos-sa descobrir a presena da ideia, tal comoreside visvel nas coisas. Notvel justamente145 R E E D I O J O S A R T H U RG I A N N O T T Ique Descartes pretende o percurso contr-rio: trata de encontrar a ideia mxima, que a ideia de eu enquanto eu existente, e a par-tir desse ponto de vista absoluto atinge to-das as ideias possveis de conhecer o mun-do. bvio que a este abandono das vriasperspectivas corresponde aquela teoria dodesenhoconhecidacomoaperspectivacavaleira.Estaprocuradesenharomundotal como a gente o v, mas no como a gen-teovandando,ouatravessandoavidacotidiana, mas desenh-lo tal como perce-bido atravs de um vidro da janela. E lem-bremosqueoexemplodajanelapara-digmticoparatodaapinturadoRenasci-mento. Se tomarmos uma gravura de Drer,a imagem um decalque feito no vidro re-tangular duma janela, de tal maneira que aimagemdomundodevecorresponderimagem que o artista capaz de traar nointerior desse quadro imaginrio.Estamos diante de uma nova relao entreaparncia e coisa, porque agora no pode-mosmaispensarumacoisafunda-mental alm da aparncia, como seesta fosse apenas imitao da coisa,devemos ainda considerar o sistemade projees que leva a aparncia sua essncia. O artista no to squem representa a coisa mas tam-bm aquele que a representa reve-lando seu sistema de projees. Ex-tremamentesintomtico,comomostraram os estudos de Francastel,queanaturezanessemomentono penetra a arte atravs de umaobservaodosobjetos,mesmoaquela observao atravs do retn-gulo da janela, mas pelo teatro, co-locando-se assim como um simula-cro de um simulacro. As montanhasdeGiottodescendemdaquelespanneauxarmadosnasfrentesdascatedraisondeosmistrioseramrepresentados. A natureza aparn-cia, mundo da visibilidade, mas aparece atra-vs de sistemas de coordenadas articuladopara a encenao teatral.Infelizmentenopossvelmostrarcomoessavinculaodaimagemaosistemaderepresentaes chega a um pice na escul-tura de Donatello; no adianta nada trazeraqui o retrato de uma escultura desse artis-taexatamenteporqueesseaspectonoaparece na fotografia. Mas aqueles que j vi-ram uma esttua de Donatello podero lem-brar-sefacilmentedecomoDavid,porexemplo, no constitudo pelo amlgama,pelo amoldamento da matria, mas, ao con-trrio, surge, aparece, na interseo de vri-osplanosluminosos.comoseaprpriaperspectivafosseembutidanapedraeapartirdessaincrustaoemergisseafigurado guerreiro vencedor.Tudo isso s para mostrar como a partir doRenascimentonoexisteapenasumavinculaoentreaaparnciaeaessncia,independente do seu processo de represen-tao. Sem esta representao, ou melhor,sem a ordem das razes, no mais poss-vel perceber a vinculao entre a ideia e oideado. No de estranhar que ento a pin-turaseponhacomocincia,exatamentecomo a fsica de Galileu ou de Newton. ParaLeonardo, ou ainda para Constable, ela tra-ta antes de tudo de construir modelos doreal, explorando justamente as diferenas deAlbrecht DrerUnderweysung derMessung (Instruo namedio), gravura, 1525,NurembergFonte: Gombrich, E.H. Arte eiluso. So Paulo: Martins Fontes,1995: 265Donatello, David, bronzec. 1430, 158cm de alturaMuseo Nazionale delBargello, FlorenaFonte: http://inadvertentlyart.blogspot.com 146 A R T E & E N S A I O S-N. 2 0-J U L H O D E 2 0 1 0luminosidade, de colorido, de sombra e deluz, a fim de dar, de revelar aquilo que sus-tentaessaaparnci a, aqui l oquenamutabilidade ancora o movimento.Segue-se que essa relao entre aparncia eessncia no mais relao de substituiono sentido clssico, de algo que est no lu-gar de algo ausente. A aparncia coniven-te com a essncia. A aparncia o prprioparadi gma, namedi daemqueesseparadigma se apresenta atravs de um fluxodaaparncia.Istomuitoevidentenumadas tcnicas de Leonardo: o sfumato.ProjeoEstamosmuitofamiliarizadoscomestasfi-guras. Por que as projeto? Exatamente paramostrar como a impreciso do desenho e anebulosidadedocoloridosocapazesdeaprofundar a relao da figura aparente como fundamento essencial da santa que Leo-nardo quer captar.No se trata, como mais tarde vamos men-ci onarrapi damente, daexperi nci aimpressionista, que trata de captar a ilusodo ser na sua presena, mas de traduzir essanebulosidadedorostodetalmaneiraqueela apresente como tal o paradigma da san-ta. Essa conivncia no existia em toda a arteanterior, a no ser na arte grega de Fdias outalvez na de Zuxis (que para ns est per-dida),masacondenaodeambosporPlato caminha nesse sentido.Para dar curso ao meu raciocnio vou men-cionarduasexperinciasexplorandoaomximo essa conivncia entre a aparncia ea forma. A primeira ns todos adivinhamosqual . Trata-se do Impressionismo. De nos-sopontodevistapercebemosclaramenteporqueoImpressionismo,pretendendocaptar a impresso que as coisas do, quisantes de tudo aplicar na pintura as teoriascientficassobrealuz.Nessecaso,aapa-rnciaeailusonoeramtomadassim-plesmente como aparncia, mas como al-guma coisa que revelava a forma das coi-sas. Esta s podia ento ser apreendida notimo da sua visibilidade. Por isso o pintorimpressionista vai postar-se diante de umacatedral para flagrar as vrias aparncias daigreja, pela manh, ao meio-dia e ao cair datarde. Percebe que essas imagens da cate-dral so, de certo modo, a prpria catedraltalcomoelaparansequenoexistemais uma diferena radical entre a catedralforma e a catedral aparecendo sob a varia-bilidade dos raios luminosos.OutraexperinciaquelembroadoCubismo. Experinciacontrriadosimpressionistas,edistantedeumaartedailuso, contrria iluso mas que chega exa-tamente ao mesmo resultado, mesma co-nivncia entre forma e aparncia. Reparemnesta natureza-morta de Picasso em que issofica bem claro.ProjeoLembrem-se do que era uma natureza-mortaat os meados do sculo 19: antes de tudoarranjo de objetos visto, surpreendido, atra-vs dum buraco na parede. O ideal da natu-reza-morta era confundir-se com uma apa-rncia vista atravs de um olho nico. exa-tamente o contrrio do que aquipretendePicasso.Reparemnarelao, por exemplo, da sombracom o objeto; se este sugere al-gumaformaconcreta,asombravem neg-la, se sugere a continui-dade, a interrupo vem neg-la,de tal maneira que o objeto nose completa, mas, no se comple-tando,nopermitequeapareacomoobjeto.Emcontrapartida,encontramosumaespciedepotencializao dos objetos. NoClaude Monet,Catedral de Rouen,fachada e Torre deSaint-Romain, empleno sol. Harmoniaem azul e dourado,leo sobre tela, 1894,107x73cm, MusedOrsay, ParisFonte: picasaweb.google.com147 toa que as figuras humanas, por exem-plo, na poca do Cubismo vo aparecer deperfil e de frente, como se exatamente fos-senecessriaessainterrupodaimagem,essainterrupodaaparncia,paraqueoobjeto na sua visibilidade mxima apresen-tasse a forma de sua realidade.OquesignificaramoImpressionismoeoCubismo?Desaparecearepresentaocomo imagem que est no lugar de algumacoisa. Morre a representao tal como tinhasido elaborada pelo Renascimento, a repre-sentao de uma natureza-morta que est nolugar de um arranjo de objetos. Temos umarranjo de objetos que pretende ser sobre-tudo arranjo e depois objetos, porque, no fun-do, objeto real o prprio quadro.De um lado, assistimos assim ao Impressio-nismo destruindo o objeto representado, edeoutro,oCubismoprovocandosuapotencializao; ambos terminam por des-tru-loenquantoobjetoigualasimesmo.Objeto que vai poder se dar como objetoe apresentar-se na sua desigualdade, obje-to que, para parecer rosto, precisa ser aomesmo tempo perfil e frente.Obviamente est aberto o caminho para oAbstracionismo, em que finalmente o obje-tooprprioquadro,semquealgosejarepresentadomaisalm.Apinturadesco-bre que a representao no o processoemquealgoficanolugardealgo,masoconjunto de relaes que determina o lugarem que o objeto se tece. Em vez de se pin-tarem objetos, pintar uma jarra e uma gui-tarra, como no Cubismo, o que se pretende pintar a conivncia da jarra com a guitarra,dessas vrias aparncias tais que umas se dopara as outras.Essadescobertasimultnea,pelomenosdo ponto de vista formal, descoberta danova representao tal como se desenvolvenas teorias da linguagem, em particular, comSaussure. A palavra mesa no algo que estno lugar da mesa, mas significa algo na medi-daemquesediferenciadeumasriedeoutras palavras contextuais. Este jogo da di-ferena faz com que a palavra possa adquirirum significado qualquer. Se o quadro con-junto de relaes, a linguagem vai ser enten-dida como uma espcie de jogo de xadrezque no precisa como tal ter nenhuma ati-tude basicamente representativa.Ela antes de tudo um jogo e como jogovale pelo seu processo de diferenciao. Afonologia e a sintaxe predominam e todosns sentimos hoje os efeitos desse imprioque esqueceu o lado semntico da lingua-gem, que sempre continua a dizer coisas domundo. No existe linguagem que no te-nha nomes prprios, e estes s podem terdenotao se o objeto posto como algoque se d na sua identidade. No posso dis-cutircomvocsacrisedoestruturalismomoderno, nem discutir a crise da filosofia dadiferena,queromostrarapenascomoanova figurao dos artistas plsticos, depoisdo Abstracionismo, depois desse paroxismoem que se identificou a obra de arte com omundo,comoqueessesnovosartistascaminham no sentido, a meu ver, muito pr-ximo da nova semntica, muito prximo deuma nova filosofia que no quer pensar ape-Pablo Picasso, Natureza-morta, leo sobre tela,1918, 97 x 130cm,National Gallery of Art,WashingtonFonte: www.nga.gov/fcgi-bin 148 A R T E & E N S A I O S-N. 2 0-J U L H O D E 2 0 1 0nas nas diferenas, mas que pretende refle-tir a conivncia das coisas idnticas consigomesmas e com suas diferenas.Vou tomar como exemplo um pintor muitojovem, mas a meu ver de grande importn-cianapinturacontempornea: DavidHockney.Esteepidiascpionopermitemostrar a capa de sua autobiografia. Mas valeapenamostraracapanasuavisibilidadeprpriaenonasuavisibilidadesimuladaatravs de uma projeo.Notemcomointeressante.SeonomeDavid Hockney aparece atravs da duplica-oespecular,afiguradoartistaaparecenuma simultaneidade com a sua imagem, queperde o sentido de representao e de si-mulao.comoseoartistafosseduplo,como se a unidade do artista fosse antes detudosuavisibilidadeenquantohomemfo-tografadoeasuavisibilidadevistaporelemesmo enquanto homem pintado. preci-samente esta identidade a partir do jogo dasdiferenas que pretendo examinar.VamosantesexaminarumagravuradeHogarth, depois reproduzida pelo Hockney,e atentar para o jogo da iluso num pintordo sculo 18 e verificar como retomadohojenumpintorneofiguracionista,vamosdizer, semanticista, do sculo 20.ProjeoEsta gravura de Hogarth, que se chama Falsaperspectiva, foi desenhada em 1754. O quevemos? A inverso total das perspectivas. Afigura que acende o seu cachimbo numa velaempunhada por uma senhora que est mui-tofrentedafiguraposterior;asrvoresobedecem a outra perspectiva, pois, em vezde decrescerem conforme se aprofundam,crescem; observem esta viga completamen-te descentrada; observem o pescador que,graas curva da sua vara, capaz de buscarum peixe l na profundidade do quadro.Mas o notvel que mesmo comtoda essa inverso de perspecti-vaspermanecearepresentaode um mundo organizado ao in-verso. como se olhssemos umailustrao de Alice no Pas das Ma-ravilhas. No entanto, me importamostrar que, mesmo utilizando-se da falsa perspectiva e jogandoao mximo com a destruio dasiluses, Hogarth continua constru-indo um mundo ordenado na suadesordem, como se a multiplici-dade de pticas estourasse den-tro de uma perspectiva nica. A identidadedo mundo e a identidade dos objetos per-manecem.precisamenteessaidentidadequedesaparecenoadmirvelquadrodeDavid Hockney que reproduz esta gravura.Infelizmente vamos ter que v-lo por partesporque o epidiascpio no o apanha por in-teiro. Conservam-se os mesmos traos deperspectiva ilusionista, mas desaparece a im-presso de um mundo organizado. As for-masseindividualizamdetalmaneiraqueexiste uma espcie de nico objeto forma-do por essa mancha verde; o pescador trans-forma-se numa esttua annima; no senti-mos qualquer iluso da perspectiva do pei-xe, e as imagens se colocam como se esti-vessem num quadro de Giotto.Reparem nessas figuras do monte e da rvo-re: como se realmente nascessem de umquadro pr-renascentista, em que a individu-alidade de cada uma dada pela prpria figu-ra e no por seu contexto, mas em seguidaesse contexto comea a preponderar na cons-truodoquadro,sendoquecadaobjetoento se pe como o cruzamento das suasprojees. Ou seja, cada objeto aparece numaindividualidadeinicialparadepoisserpostoem relao com o resto das outras individua-lidades e com isso ganha nova dimenso semperder sua identidade originria.David Hockney by DavidHockney: my early years,capa de sua autobiografia,publicada originalmente em1976 pela editora Thames& HudsonFonte: www.pallantbookshop.com149Oquepretendeestaadmirvelnatureza-morta? O Hiper-realismo, como sempre, co-mea com tinturas metafsicas. O objeto pintado com tal nitidez que por si mesmopassaarepresentarummundofantstico.Mas o que me importa ainda mostrar quecada um dos objetos possui uma identidadeprpria, no aparecendo apenas como ima-gem da lmpada ou do vaso de tulipa, sur-gindocomotalnaqualidadedesimulacroconsistente,existnciaquevaledeperse,convivendo porm com outros objetos cujosistema de representao localiza essas figu-rasaomesmotempoqueasexpulsadesua dominao. A mesa contra o plano defundo sustentando os objetos da natureza-morta; mas em vez de conjuminao ob-servamos um universo nominalista em queapenas um espao abstrato d a conforma-o de cada unidade.Esse quadro, a meu ver, muito caractersti-co daquilo que estou tentando mostrar. Se,de um lado, vemos um sapato e plantas in-teiramente individualizados, de outro, vemosumapiscina,tosumareminiscnciadeum quadro abstrato, e uma parede lembran-doumquadrocubistaumacomposioconceitual, esquemtica, recordando o leode Vuillard de Honnecourt ou as plantas dosescultores egpcios mas em compensaotodososobjetosestocoabitandocomaimediao de cada um. Presena simultneade uma certa arte conceitual e a arte da ilu-so, da arte que pretende captar o paradigmae a arte que pretende captar a individualida-de na sua forma mais visvel; sombras abs-tratas ao lado de uma figura de manequimextremamente individualizada, e a conivn-cia entre o real e o imaginrio desse espaoformado por coisas que perderam a sua iden-tidade para realar a identidade do rapaz.Duascoisasqueriaressaltarparaservirdebase s nossas discusses. Primeiro, a novafigurao conjumina formas mais ou menosabstratascomformasindividualizadaspelavisibilidade. Estamos num novo domnio emque a figurao ela prpria um processode fazer o objeto, promover a individualida-de atravs das suas prprias projees.Segundo, o tema no para ser desenvolvidomas para ser cogitado: existe na histria daWilliam Hogarth, Falsaperspectiva, gravura, 1754,Frontispcio de Dr. BrookTaylors Method ofPerspective Made Easy, deJohn Joshua Kirby, LondresFonte: www.illusionen.bizDavid Hockney, Kerby(After Hogarth) UsefulKnowledge, leo sobretela, 1975, 183 x 153cm,MoMA, Nova YorkFonte: www.hockneypictures.com 150 A R T E & E N S A I O S-N. 2 0-J U L H O D E 2 0 1 0arte uma conivncia mais profunda entre arepresentao pictrica e a reflexo filosfi-ca sobre a representao? Como possvel,afinal de contas, essa combinao entre umaarte conceitual e a crtica de Plato, a repre-sentao perspectiva do olho nico e Des-cartes, e hoje a crise do abstracionismo e acrise das filosofias da diferena? E a surpresade encontrar a identidade da identidade eda diferena num quadro de um pintor mo-derno. Alguma coisa corre paralela entre aarte e a filosofia. O que ser?Vamos, porm, passar aos debates, que cer-tamente sero a parte mais interessante dareunio de hoje.DebatePaulo Sergio Duarte Evidentemente o Prof.Giannotti privilegiou uma certa continuida-de na histria da arte, e a gente viu um qua-dromuitobempintado,porsinal.Eudiriaat segundo as leis de uma certa perspecti-va histrica, mas evidentemente na histriada arte, e sobretudo na histria da arte denossos dias, no existe mais esse ponto defuga que concentra o nosso olhar, mas exis-te uma diversidade de pontos de fuga, o queembaralha um pouco a perspectiva de umquadro bem pintado. Ento, o mnimo queeu veria, na passagem do objeto quase som-bra e a sombra quase objeto do Cubismoat a individualizao dos objetos no DavidHockney, a histria de uma outra arte quetalvez seja filha da filosofia da diferena ouirm da filosofia da diferena ou quem sabecoincida com a filosofia da diferena, mas quesobretudo uma arte que a meu ver con-quistou uma certa autonomia devido ao fatode ter a posse dos meios de produo pic-tricos.Ouseja,oqueahistriadaarte,pelo menos no Ocidente, garantiu no cam-po, por exemplo, pictrico, da prtica pict-rica,foiqueassegurouaoartistaapossedesses meios e por isso garantiu-lhe diantede um mundo no mais conversar com essemundo,masolhandoomundoquedavatoda razo para que ele desse as costas aomundo,ele,realmente,comagarantiadaposse desses meios de produo pictricos,desse as costas a esse mundo e produzisseuma outra arte que constri um outro mun-do ao lado desse mundo do qual ele no vaimais reproduzir os objetos.Seria o caso de um Mondrian, independen-te da ideologia que ele tem da sua arte. In-dependente do que Mondrian pensa do queele faz, o que ele faz efetivamente demons-trar a posse dos meios de produo pictri-cos em que no existe mais nenhum objetodesse mundo imediato emprico. Mas ele vaiconstruirumaempiriaaolado,queaempiriadessahistriadaarte,autnomaquase,diantedeummundoaquemessaautonomiafoigarantidapelaprpriafrag-mentao do trabalho; foi aquilo que a gen-te chama normalmente a diviso social dotrabalholevadasltimasconsequnciasdentro de um determinado momento his-trico. Ento eu vejo sem dvida esse obje-todeartepodendoserexplicadoatravsda histria, mas, assegurado com essa expli-cao, ele escreve sua prpria histria. En-to Mondrian no vai se preocupar mais como copo, com a jarra ou com a piscina, mes-mo como fragmento de abstrao; ele d ascostas para o mundo que merece que lhesejam dadas as costas. o mundo ao qual oartista, alis, para realizar uma parte da suaarte, d as costas e reconstri, e o recons-tri eventualmente sob a forma de figura eeventualmentesobaformadenofiguraou, se quiserem, de abstrao. Para mim uma redundncia chamar qualquer arte denosso sculo de abstrata, porque evidente-mente tanto faz a lata de cerveja de JasperJohns,apiscinadeDavidHockneyouumquadrado vermelho de Mondrian. Para mimsofigurasabstratasdentrodetalcampo,151Kazimir Malevich,Quadrado pretosuprematista, leosobre tela, 1914-1915,79,5 x 79,5cm, GaleriaTretiakov, MoscouFonte: Gooding, Mel. Arteabstrata. So Paulo: CosacNaify, 2002: 13R E E D I O J O S A R T H U RG I A N N O T T Ide tais instncias de mediao que elas vopassar desse mundo real, concreto, da pro-duo, digamos por exemplo da produodos metalrgicos do ABC de So Paulo, eno do ABC do Rio de Janeiro, que est emfrentedaLagoa.Entoeuvejorealmenteque nessa histria o Prof. Giannotti privile-giou uma certa continuidade, uma continui-dade que garante, dentro do espao da pro-duoartstica,oprivilgiodeunsobjetosque esto ao alcance de todos. Digamos queo Prof. Giannotti quer produzir condutoresdemocrticos de percepo na arte que elequer, que sem dvida ele reconhece comoumaarteplenamenterealizadadentrodeuma certa circunstncia histrica, como foio exemplo do David Hockney, mas que aomesmotempotantofazserMi mi , ometalrgico(ou,podiaseronossoLula,outro caso, que um brilhante lder polti-co) quanto o sujeito, o professor de filosofiadacoleNormaleSuprieure,emParis:ambos, olhando o quadro de David Hockney,reconhecem um rapaz e uma piscina.Evidentemente, diante de um quadrado ne-gro de Malevich, o mnimo que se cria dian-te de certas pessoas que no tm acesso aesse quadrado negro de Malevich um cer-to mal-estar. Saber que voc est privilegia-do pela posse de saber que est vendo umMalevich e grande parte da humanidade nov mais nada do que um quadrado preto alidentro. E essa posse desses meios de pro-duo pictricos, que est assegurada a umacerta elite intelectual, lhe d uma certa cul-pa, pela prpria posse desse objeto, que osaber.Entoelaprocura,napromessadademocracia dos condutores democrticos depercepo na obra de arte, se reconciliar comesse mundo que est perdido na histria daarte.Porque,semdvida,seoDavidHockney serve para expor um determinadoteorema,nstemosoutrosteoremasquesoexpostosparacontrariarereduziraoabsurdo a tese do David Hockney. Era issoque eu tinha a dizer.Prof. Giannotti Bem, em primeiro lugar euno quis pintar o quadro, eu quis pintar umquadro. Evidentemente no queria em horanenhuma dar uma interpretao da histriada arte, apenas colocar uma questo que aqueladarepresentao.Etocaralgunsexemplosdecomoestarepresentao,como que funciona o mecanismo da re-presentao, isto , a relao entre o repre-sentante e o representado. por isso quetomei o exemplo da arte conceitual, da arterenascentistaedonovorealismo.Nosetrata de levar isso para o absoluto, coisa queeu no quis fazer. bvio que ns podemostraar outros quadros. Agora, uma coisa vocpode dizer: que do ponto de vista da repre-sentao o Abstracionismo leva a um paro-xismo da conivncia entre o representantee o representado, o que obriga, a meu ver, asair do quadro e a comear a fazer a teoriado quadro como se um quadro realmentecorrespondesse teoria do seu prprio ser.Essenegciodeapropriaodemeiosdeproduopictricaeunoentendo.Voc 152 A R T E & E N S A I O S-N. 2 0-J U L H O D E 2 0 1 0me desculpe, mas eu no entendo o que isso. Dizer que para que possa observar umMondrianeuprecisodaapropriaodosmeios pictricos e a partir da fazer uma ana-logia, a meu ver aberrante, entre a produ-o do quadro e problemas de metalrgicosdo ABC, mais absurdo ainda.Digo o seguinte: no quero pintar o quadroda histria da arte, mas um quadro que temcertacoerncia.DessepontodevistaoAbstracionismo pode corresponder eufo-riadasintaxenalingusticaefilosofiadadiferena.Esehumacrisenalingusticamoderna, mostrando que a linguagem no apenas jogo, tornando impossvel fazer teo-riadalinguagemsemsemntica,entoeumeperguntoenosouartistaparadaressarespostasepossvelcontinuarnateimosia abstracionista e no voltarmos denovo relao entre figura e objeto. E quisapenas dizer que a volta para a relao en-tre representante e representado no signi-fica, de modo nenhum, recuperar o passa-do, pelo contrrio, significa recolocar de umamaneira at ento indita a relao do indi-vduo e da forma, da essncia e da aparn-cia.Damesmamaneiraqueesthavendohoje uma crtica tanto filosofia da diferen-a como uma crtica cerrada a Chomsky, aostransformacionalistaseestruturalistasemgeral, dada a impossibilidade de elaboraremuma semntica razovel, pergunto at queponto a arte tambm no exerce essa crti-ca na medida em que a presena do objetodeixou de ser apenas a presena de objeto,e que em vez de laborarmos com a velhateoria de que a arte tambm a teoria defazeraarte,senovaleapenavoltarmospara uma situao muito mais crtica, muitomais percuciente, muito mais moderna, que uma nova teoria da figurao.Ronaldo Brito Bom, eu vou tentar te ata-car no teu plano, no plano da figurao. Pri-meiro eu gostaria que voc explicasse me-lhor o que seria essa questo da identidade,como que voc salvaguardaria a identida-de dos objetos e ao mesmo tempo mani-festariasuadiferena.Oqueseriacentralnessanovateoriadarepresentao?Quetipo de identidade essa que voc est ven-do e como que ela passaria que noseria o velho realismo, bem entendido. En-toquetipodeidentidadeseriaessaquevoc veria no Hockney, por exemplo, e queno estaria num quadro abstrato? No ado objeto emprico imediato.Prof. Giannotti Afirmo o seguinte: pode-mos dizer que existe um objeto que se cha-ma Vnus, mas acontece que ns nunca ve-mos Vnus, o que vemos uma estrela damanh, astro que se apresenta durante umperodonamanhedepoisdesaparece.Vemos outro objeto, a estrela da tarde, queperduranocudurantealgumashorasedepoisdesaparece.Esomentedepoisdequatro meses, se ns tivermos a persistn-cia de traar a trajetria da estrela da manhe da estrela da tarde, que, pelo processodemensurao,descobrimosqueaquelesdois astros visveis se constituem na aparn-ciadeumastrobsico,idntico,quesedcomo estrela da manh ou como estrela datarde. Isso significa o seguinte: no possvelestabelecermosarelaodeidentidadedoobjeto sem a mensurao das suas aparncias;portanto, a partir justamente das suas apa-rncias que temos a constituio de um ob-jeto idntico. No h pois essa relao entreaparncia e essncia sem todo um processoprticodeconstituio.Masesseprocessoprtico de constituio no fica fora do obje-to constitudo, isso que eu quero dizer.Ronaldo Brito Essa parte eu entendo per-feitamente.Prof. Giannotti Agora, quero dizer que, ameuver,aposiodoAbstracionismofoiaquelaquedisse:aestreladamanhumastro e acabou. E ficou exatamente nessa iden-153 R E E D I O J O S A R T H U RG I A N N O T T Itidade absoluta da aparncia, sem se pergun-tar se o movimento da estrela da manh noindicava outro astro. Acho muito bom, achotimo que a experincia abstracionista tenhasido feita e continue a ser feita.Agora, acho tambm que, do ponto de vistada filosofia e do ponto de vista das perspec-tivas que se abrem para o velho dilogo en-tre o representante e o representado, siste-mas como o do Hockney, em que o esque-ma abstrato instrumento pelo qual chega-mos individualidade, e a individualidade o instrumento pelo qual podemos percebero esquema abstrato, so mais interessantesdo que o Abstracionismo. Claro?Ronaldo Brito A ento eu teria que dizervrias coisas. A primeira delas que a ques-to seria a identidade da estrela da manhcomo arte.Prof. Giannotti Como o qu?Ronaldo Brito Como arte.Prof. Giannotti No, como aparncia. Oproblema a aparncia, porque arte... Vejabem,estamosadmitindoqueaartetenhaum componente representativo.Ronaldo Brito Sim, mas ns estamos ad-mitindo que a arte uma operao da re-presentao, portanto ela tem uma histriaprpria como operao de representao.Prof. Giannotti E da?Ronaldo Brito Ento a estrela da manhque vai aparecer na arte no a estrela damanh emprica.Prof. Giannotti Isso bvio.Ronaldo Brito Claro, e modifica essa ques-to.Eupergunteisobreaidentidadequevocachaquepodeencontrardentrodaestrela da manh como objeto de arte.Prof. Giannotti No!Ronaldo Brito Essa a identidade que eumeperguntosevocconseguiriamostrar:qual a identidade maior ou a diferena maiorentreumesquemaabstratoeumaestrelada manh, porque enquanto arte os dois sosignos dentro de uma mesma histria, den-tro de uma operao, de uma manipulao,dentro de um certo segmento e s ali voter aquele sentido.Prof. Giannotti Ns temos uma coisa queimediata.Aarteabstratanorepre-sentativa.Ronaldo Brito Do ponto de vista que vocest falando eu acho que a arte abstrata representativa.Prof. Giannotti Do qu? Onde est o re-presentante,ondeestorepresentadonaarte abstrata?Ronaldo Brito Bom, a gente pega um qua-dro abstrato e v na origem daqueles signostodos aquela materializao sgnica e conse-gue inclusive detectar as operaes que de-rammargemquilo.Entonososignosempricos, no so objetos empricos imedi-atos, mas so objetos detectveis, tm umaidentidadeprpriaouentovocsuporiaque o artista...Prof. Giannotti E da? Mas isso no significaque seja representao. Veja bem, que voctome um objeto, um automvel, e identifi-que os atos da sua produo, e at chegue afazer uma teoria do trabalho alienado a par-tir da produo dos objetos em massa, nosignifica que o Volkswagen seja uma repre-sentao e estamos admitindo de incio queestamos tratando da representao. Se vocdisser: a arte abstrata no representao,ento eu digo: ento no me interessa.Ronaldo Brito Masavocestfazendoum corte arbitrrio. 154 A R T E & E N S A I O S-N. 2 0-J U L H O D E 2 0 1 0Prof. Giannotti No estou fazendo cor-te nenhum. Eu estou estudando a repre-sentao...Ronaldo Brito Certo, mas evidentementea arte produz representaes. Evidentemen-te Kandinsky tem representao, num certosentido um ato de representao. Porquefaz sentido...Prof. Giannotti No faz sentido!Ronaldo Brito Ah no?Prof. Giannotti O Lvi-Strauss dizia exata-mente que no possvel lngua sem duasarticulaes. Voc quer fazer a representa-o com uma articulao. No d!Ronaldo Brito Kandinsky no faz sentido?Prof. GiannottiFazsentido,masnofazrepresentao.Ronaldo Brito Esto gravando, hem! b-vio que Kandinsky...Prof. Giannotti Faz sentido, mas se eu bri-gar com voc ou lhe der um soco tem sen-tido segundo a velha classificao dos com-portamentos sociais, mas isso no a repre-sentao!Ronaldo Brito Mas como que se produzo sentido seno pela representao? Qual a outra maneira de se produzir um sentidosenopelarepresentao,porumatodarepresentao, dentro da metafsica ociden-tal, bem entendido?Prof.GiannottiBom,masnsestamosquerendo sair exatamente dessa metafsica.Ronaldo Brito Certo, mas no assim.Prof. Giannotti O que eu disse exatamen-te, em outras palavras, que Hockney cortacom a relao metafsica entre forma e con-tedo,cortacomametafsicamoderna,eKandinsky no.Ronaldo Brito Est fora da metafsica?Prof. Giannotti metafsica s.Ronaldo Brito Mas a metafsica repre-sentao.Prof. GiannottiNo,no.metafsicano sentido mau da palavra, certo?Ronaldo Brito Bom, vamos cortar essa dis-cusso que ficou no meio, no ? Eu achoque essa identidade que voc est encon-trandonoHockney...vamospassarparaaPop, daqual , al i s, oHockneyumsubproduto,umareleitura.Agoraestoueu falando, certo? Ento na Pop tem aquelacerveja do Andy Warhol, ou do Jasper Johns,pouco importa. Na sua suposio, se eu en-tendi (acho que todo mundo aqui conhecearte, sabe disso), se o Hockney operou essatransformao, na verdade no foi ele quemoperou,foiaPop.Enarealidadeeuachoque aquele processo ali um processo dediferenciaodoobjeto,umprocessoJasper Johns, PaintedBronze (Ballantine AleCans), bronze pintado,1960, 14 x 20 x 12cm,Museum Ludwig, ColniaFonte: www.kunstgeschichte.uni-freiburg.de/Members/schlink/diss_schlink/lander155Piet Mondrian, BroadwayBoogie-Woogie, leosobre tela, 1942-1943127 x 127cm, MoMA,Nova YorkFonte: http://vr.theatre.ntu.edu.tw/fineartR E E D I O J O S A R T H U RG I A N N O T T Iesquizoide de justamente trazer aquele ob-jeto para fora de si mesmo. Ento o que vaiacontecer ali o oposto. uma radicalizaoinclusiveemrelaopinturaabstrata,euacho, que voc produzir um signo aparen-temente emprico, dado como arte e satu-rar aquele signo a ponto de ele perder qual-quer sentido positivo; ento ele resulta ob-jeto negativo, objeto contra si mesmo, obje-to contra sua situao de arte, objeto queremete a uma crtica, uma negao dele en-quanto uso social e no vejo a qual a identi-dade, a empatia positiva que a Pop vai dar,em que essa figurao poderia resultar posi-tivamente.Porqueaquestoa,quandooPaulo Sergio falou na conduo de percep-o, que talvez fosse interessante, inclusi-ve para todo mundo, que voc explicitassemaisoobjetivodessefigurativismo.Querdizer, que tipo de arte... Porque a tem umapoltica cultural que voc est expressando,umapolticadearte...Entoeudiriaose-guinte: o Hockney recupera a Pop para umsentido antigo, anterior, um sentido de re-presentao, do meu ponto de vista, an-terior mesmo porque ele d margem a umjogo com os elementos da histria da pintu-ra,umjogopositivodeidentificaoesemascara enquanto objeto de arte. Agora naPop mesmo, na Pop radical, o que se vai terumprocessodesetirarasubstncia,dessubstancializaraimagemeoprodutoenquanto coisa institucionalizada, coisa arteinstitucionalizada.Porqueevidentementeagarrafinha de cerveja no uma garrafinhade cerveja, uma coisa de arte, e eu achoqueaPopnoremeteaumencontroempticoentreoartistaeumagarrafinhadecervej a. Aocontrri o, remeteaoquestionamento da arte enquanto uma figu-raabstrata;asimseriaabstrata,genrica,dentro do qual aquela garrafinha vai apare-cer para no fazer sentido. No sei se estousendo claro...Prof. Giannotti Se eu estou te entenden-do, no concordo.Ronaldo BritoCerto,noparacon-cordar.Prof. Giannotti E por que eu no concor-do?NovouentraraquinasubordinaodoHockneyaoPop,doPopao...nomeinteressa. Eu tomei o Hockney como podiatomar um outro hiper-realista, no importa.O que importa apenas a seguinte tese: apartir de um determinado momento, os qua-dros deixaram de pensar que eles eram omundoecomearamaterprojeesemrelaoadeterminadosobjetos,isto,oobjetonoestavamaisalicomooobjetoabstrato,masestavaaliparasugerirumaausncia ou uma presena.RonaldoBritoDeixaeuteinterromperum momento. Mondrian tambm desse pon-to de vista at mais radical, porque a pro-postadeleorganizarumespao,eesseespao iria se materializar...Prof. Giannotti Mas no representativo!Ronaldo Brito representativo. 156 A R T E & E N S A I O S-N. 2 0-J U L H O D E 2 0 1 0Prof. Giannotti No, ele pretende organi-zar um espao que exista como espao, masquenotenhanenhumavinculaocomqualquer outro espao fora dele.Ronaldo Brito Eu peo que voc olhe essasala.Prof. Giannotti Bom, e da?Ronaldo Brito Olha essa sala. Essa formaquetemaqui . . . estcarregadadeconstrutivismo abstrato.Prof. Giannotti Mas no tem nada com isso.Ronaldo BritoTem,namedidaemqueremete a um objeto.Prof. Giannotti Mas qualquer propagandahoje est carregada de construtivismo, cer-to? Mas eu quero saber a relao do boogie-woogie com alguma coisa fora desse boogie-woogie. No h nada.Ronaldo Brito Mas claro que h! Duzen-tosmilhesdecoisas!Tudomediado,evi-dentemente.BastavocpegarentoumaesculturadoBrancusieoFordBigodedapocaevercomoaestruturaplsticadoBrancusi interveio diretamente numa formaprodutiva. Agora voc est procurando umobjeto numa integridade realista, a a sua his-tria da arte no a abstrata que voc estlendo negativamente, a sua histria teria queremontar tradio e ao realismo. A partirdo Impressionismo voc j est tropeando.Prof. Giannotti Vejabem,eunoqueropegar a histria da arte; o que estou di-zendo desde o incio. Vocs querem dar aomeu discurso um carter totalizante e tota-litrio que ele no tem. Eu quero estudar aquestodarepresentao.S.Sedaquiapouco voc me falar da msica de Bach, eunotenhonadaavercomissoaqui.Estclaro? Muito bem.Que um quadro de Mondrian possa ser pa-recido com a msica de Bach, v l, faamou no faam teoria, no me interessa. Meinteressa o seguinte: mesmo na Pop, a latade cerveja uma lata de cerveja que est lpara sugerir uma ausncia ou uma presenade um outro objeto que passou a ser repre-sentado. E, sob esse aspecto, a arte Pop no mais uma arte abstrata porque ela tem estadualidade entre o representante e o repre-sentado e isso voc no pode me negar. Queoutrasformasderepresentaovocvaiencontrar na arte abstrata, est muito bem.Apenaseuquerodizeroseguinte,vejambem a minha tese. A partir da crise da sinta-xe e a partir da crise do Abstracionismo, est-se comeando a fazer figuraes diferenteseessafiguraodiferentetemumacrticaantimetafsica que paralela a certas filosofi-as modernas. S. Eu no quero discutir todaa arte. Eu no quero discutir nenhum proje-to,nenhumprogramadoqueosartistasdevem fazer. Certo? Apenas eu digo o se-guinte:existeounonessafiguraodoHockney uma novidade?Ronaldo Brito No.Prof. Giannotti Por qu?RonaldoBritoPorquesimplesmentenarepetio do esquema abstrato de represen-tao Pop...Prof. Giannotti Existe na arte Pop, no nvelde representao, alguma novidade?Ronaldo Brito Na Pop existe uma novida-de radical.Prof. Giannotti Oqueeuquerodizerque em vez de eu pegar na Pop, eu pegueino Hockney. Acabou!Ronaldo Brito Mas na Pop justamente aquesto a seguinte: assim como voc re-157 R E E D I O J O S A R T H U RG I A N N O T T Ipresentaumalatadecerveja,vocrepre-senta um Mondrian, um Lichtenstein. Pega oMondrian... um objeto real para voc, en-to, a representao de um Mondrian comoquadro.Prof. Giannotti Claro. Se voc pegar umaimagem do Mondrian e souber que a ima-gem do Mondrian se reporta ao quadro doMondrian, voc tem um processo represen-tativo.Ronaldo Brito Saber, no ?Prof. Giannotticlaro.Mastambmsevoc tem uma planta e trouxer uma pessoaque nunca viu uma planta, a mesma coisa.bvio.Ronaldo Brito Mas obviamente, no ?Prof. Giannotti Obviamente, no existe umsaber absoluto.Ronaldo Brito Mas obviamente qualquerpessoa que viu um Seurat, um desenho emque tem uma garota branca vestida de bran-co, sabe de onde que saiu o branco sobrebranco do Malevich, que est reportado di-retamente a um trabalho de Seurat.Prof. Giannotti No sabe. E voc no vaimedizerqueprecisadeumSeuratparapoder gostar do Malevich. No ?Ronaldo Brito Justamente a...Prof. GiannottiVocnopodeteressaconcepodetalformaelitistadahistriada arte que s aqueles que viram, que sa-bemdahistriadaarte,voentenderoAbstracionismo. No tem sentido.Ronaldo Brito Mas no essa a questo.O que eu remeto s o seguinte: que osobjetos ali so mediados por uma histria, ahistria da arte. Ento se no h esse objetoemprico,nopodehaveressaidentidadeemprica que voc est querendo...Prof. Giannotti No estou pedindo nenhu-ma identidade emprica! Estou pedindo umarelao de representao, s isso! Onde esta empiria?Ronaldo Brito A empiria que esse obje-to que voc acha que est representando um objeto do mundo.Prof. Giannotti Quem disse?Ronaldo Brito Se no for...Prof. Giannotti Pode ser outro objeto re-presentado, pode ser outra aparncia.Ronaldo Brito Ento por que voc nega aarte abstrata e ento a representao?Prof. Giannotti Porque no existe isso, noexiste essa dualidade.Ronaldo Brito Mas o que ela no repre-senta?Prof. Giannotti Voc me d o que ela re-presenta!Ronaldo BritoElarepresentasignoshis-toricamente determinados.Prof. Giannotti Que signos?Ronaldo Brito Todos os signos. Todos oselementos, formas, cores, evidentemente.Prof. Giannotti Espera um pouquinho. Ah uma confuso muito grande. Se eu tenhoum quadrado e depois tenho um outro qua-drado, um quadrado no signo de um ou-tro quadrado. A duplicidade das figuras nosignifica que elas sejam representantes umada outra.Ronaldo BritoEuqueestouperplexocom o sentido imediato assim... 158 A R T E & E N S A I O S-N. 2 0-J U L H O D E 2 0 1 0Tunga ... que um matiz de uma cor repre-sentado num quadro do Renascimento, deumpanejamento,ummatizdiferente,doistons diferentes de vermelho, um pode estarrepresentando o outro, assim como eles es-to representando um panejamento que oterceiro, que esse objeto. Assim, como doisquadrados, um pequeno e um grande, o pe-queno pode estar representando o grande.Prof. Giannotti Exatamente o que eu quismostrar desde o incio que a representa-o nunca foi uma coisa no lugar de outracoisa. Isso no representao, isso sinali-zao. Claro? bvio. A fumaa no lugar dofogo no uma representao. Se trata deumprocesso,todomundosabedisso,desinalizao. A representao implica um sis-tema de projees e implica um sistema, umcruzamentodeidentidadeediferenas.Oque voc me disse apenas um processode sinalizao e um processo de sinalizaode um quadrado para outro quadrado nomedrepresentao.Vejabem,euachoperfeitamente justo que se faa arte abstra-ta, eu admiro extremamente arte abstrata.Agora, dizer que ela representativa ou queela tem uma dimenso representativa, eu souinteiramentecontrrioaessasteoriasquevocs esto querendo elaborar.interveno inaudvelProf. Giannotti Da minha parte ou da sua?Ronaldo Brito Da representao metafsicaclssica do pensamento e da representaosensvel da arte que voc inclusive...Prof. Giannotti No me diga que umarepresentao sensvel da arte.Ronaldo Brito . Porque a arte representasensivelmente. A representao clssica opoder de voc fazer a correspondncia como objeto atravs do pensamento. A arte faza representao sempre numa forma sens-vel, da a grande polmica eterna com a filo-sofia. Bom, eu no estou entendendo, vocest escapulindo com o teu conceito de re-presentao porque eu insisto em que eles pode significar uma relao com o mun-do emprico projetar um mundo de proje-es tambm tem na arte abstrata. A estru-tura do Mondrian tem uma projeo, b-vio.Agora,numcertosentidosedizqueMondrian no representativo; claro queele no representativo num sentido clssi-co, no quer ser representativo, quer fundara autonomia do prprio quadro. Isso lgi-co. Agora, neste outro sentido de represen-tao, mais profundo, bvio que Mondrian representacional.Prof. Giannotti Me d os elementos dessanova representao, que eu no conheo.Ronaldo Brito A que est: passando sen-sivelmente uma ideia, atravs de cores, for-ma, etc., que forma uma sintaxe.Prof. Giannotti Eu nunca vi sintaxe trans-mitir ideia de coisa nenhuma. A sintaxe semsemntica no traduz nada.Ronaldo Brito Ento voc teria que dizerqueasintaxedaarteabstratanoproduzsentido, no isso?Prof. Giannotti .Ronaldo Brito bvio que Mondrian temum sentido histrico e um sentido artstico.Prof. Giannotti Mas outra coisa que euestou dizendo. Que ele tem um sentido his-trico e um sentido artstico, no h dvida,mas este sentido no uma representao.Nem tudo que sentido representao, isto o que eu estou dizendo desde o incio.Veja bem, um ato com sentido no neces-sariamenteumatorepresentativo.estacoisa elementar que eu estou tentando pe-dir que voc reconhea.159Ktia Muricy Giannotti, uma questo maisaemtornodoseuquadro,emtornodateoria da representao que voc est dis-cutindo. Voc fez aluso a que uma repre-sentao um jogo de identidades e dife-renas. Quando voc focalizou a teoria darepresentao cartesiana, voc se referiu subjetividade. Mas a ocorre um problema:para que uma representao no reenvie aoutra e a outra, e a outra, existe uma garan-tia uma espcie de legitimador (no sculo17 a figura de Deus, o infinito, etc.) e derepente isto no existe, ns temos a subjeti-vidade e este reenvio constante de repre-sentao a representao, sem o legitimador.Eumepergunto,quandovocintroduzaquesto da filosofia da diferena, etc., em queponto isso resvala, essa teoria da represen-tao,quandovocfalanumanovateoriada representao. Ainda no est vinculadaa essa representao clssica, sculo 17, etc.,semesteelementoessencialparaateoriadarepresentaoqueseriaafiguradolegitimador do representador. E na questoda arte eu no saberia realmente transpor.Prof. Giannotti Vejam bem, o seguinte.Na minha exposio eu no toquei porqueno acho necessrio, na teoria da represen-taocartesiana,pensarnocernedocon-ceitoderepresentao,naideiadeDeus.PorqueaideiadeDeusemDescartesvaidizeroseguinte:arepresentaoqueeutenho, por exemplo, desta rvore, para queelasejaverdadeira,elaprecisadaideiadeDeus,masDescartesnuncanegouqueaminharepresentaosejaarepresentaoda rvore.Ktia Muricy Sim, mas a no teria nenhumvalor objetivo.Prof. Giannotti Este o problema.Ktia Muricy o que est sendo discuti-do aqui.Prof. Giannotti No, ningum est discu-tindo a questo da objetividade da arte, euestou discutindo simplesmente o seguinte...Ktia Muricy Quando se falou em empiria...Prof. Giannotti Empiria foi o Ronaldo quemfalou...Ktia MuricyMaseuestoumesituandodentro do debate, no s em relao a voc...Prof. Giannotti A arte conceitual grega eraa representao da forma, no tinha nada deempiria, era a representao do conceito.interveno inaudvelProf. Giannotti Voc no pode identificaroconceitodemesanarepresentaodemesa que tinha na arte grega.interveno inaudvelProf.GiannottiEunoentendoestaempiria que voc enfia de todo lado.interlocutor no identificado No, porquepara voc representao representar umobjeto, no pode ser representar...Prof. Giannotti E por isso ento algo fun-damentalmente emprico?interlocutor no identificado Mas bvio,porque o objeto o mundo da aparncia,evidentemente. Se voc nega ao artista...Prof. Giannotti Quer dizer que se a arterepresentativa fala de coisas...Ronaldo Brito E a arte abstrata tambmfala de coisas.Prof. Giannotti No, no fala, no mximopode falar de quadrados, de signos...Ronaldo Brito E isso no so coisas?Prof. Giannotti Quadrado no coisa; queeu saiba, no.R E E D I O J O S A R T H U RG I A N N O T T I 160 A R T E & E N S A I O S-N. 2 0-J U L H O D E 2 0 1 0Ronaldo Brito Evidentemente para um pin-tor, dentro do contexto efetivo de produ-o dele, to coisa quanto. Voc acaboude dizer que o Hockney pinta uma mesa queno uma mesa direta e sim um conceitodiferenciado de mesa. O que voc no queraceitarqueasupressodamesa,numalinha,possaserrepresentativa.Vocestapegado a um realismo.Prof. GiannottiEunoestouapegadoaum realismo, eu estou apegado possibili-dade de haver, de falar de objetos, de falarde coisas, do mundo...Ronaldo Brito O que eu acho que o teudiscurso fala de um realismo. Da exignciado realismo.Prof. Giannotti a exigncia da represen-tao.Ronaldo Brito a exigncia do realismo.Prof. Giannotti No, pelo contrrio, vocno pode dizer: o Surrealismo representa-o.Ronaldo Brito Sim, porque um realismo.O Surrealismo claramente um realismo.Prof. GiannottiEntoqualquerartequeno seja abstracionista realista.Ronaldo Brito No, eu acho que acabarianum naturalismo este seu negcio. PorqueoqueoHockneyfaznaturalizaraquiloque tinha sido desnaturalizado pela Pop. Dopontodevistadahistriadaarte, oHockney um recuperador daquela tenta-tiva de diferena de estabelecer uma rup-tura dentro do objeto de arte. Ele recupe-ra aquilo para dentro do realismo, do natu-ralismo. Acho que seria conveniente discu-tir o conceito de realismo seu, no sentidode que este figurativismo seria um realismo,seria uma exigncia da arte falar das coisas.Prof.GiannottiAssimnod.Vocmejogacontraasparedesemquatropassos.Em uma hora eu simplesmente tentei tratarda representao, de um conceito de repre-sentao e como que isto entra em crise ecomoqueapareceumanovaformaderepresentao.Ronaldo Brito Eu concordo com a crise,mas o que eu no acho que voc possafazer a leitura da...Prof. Giannotti Eu insisto no seguinte: den-tro desta teoria da representao, em queh a relao entre um representante e umrepresentado, e que este representado algoaparente,obviamentenotemnadaavercom o Abstracionismo. E dentro deste pon-to de vista, o Abstracionismo aparece comoum exagero de sintaxe, sem a semntica.interlocutornoidentificadoQualquerforma musical, ou cinema...Prof. Giannotti Isto no representao.interveno inaudvelProf. Giannotti Matemtica tambm no .Simbologia a representao da... Os algaris-mos so representao do nmero. Mas quenmero seja alguma coisa que representa umaoutra coisa eu nunca soube disso. A lingua-gem matemtica uma representao.Ronaldo Brito A geometria um modelode representao por excelncia para Plato...O modo de pensar, o Scrates tinha l umescravo para demonstrar isso, no ?Prof.GiannottiArepresentaootringuloquevocfaznaareia,quere-presentaotringulodasideias.Aideiade tringulo. Bom, e da?RonaldoBritoOtringulonoumafigura...161Prof. Giannotti So duas coisas, o tringu-lo representado que diferente das vriasimagens de tringulo. Ns temos que distin-guir esta identificao das vrias imagens e otringulo representado.Ronaldo Brito O tringulo no existe, otringulo uma figura intelectual, uma figu-ra criada...Prof. Giannotti Quem disse que no exis-te?Ronaldo Brito Ah, ? Ento ns encontra-mos tringulos na rua?Prof. GiannottiEsquandovocen-contra na rua que existe?Ronaldo Brito Do seu ponto de vista, nodo meu. Do seu ponto de vista, se voc pintaum tringulo um pintor representativo, por-que representou um tringulo, mas o tringu-lo uma figura geomtrica que no existe.Prof. Giannotti Nunca soube que o pintorabstrato, ao pintar o tringulo, esteja tratan-dodotringulogeralcujasrelaesmate-mticas ele quer evidenciar. Isto um pro-cesso representativo. Agora, pintar um trin-gulo como sinal no representao. Vocsconfundem sinalizao com representao.Neste caso, sinal de trnsito representa-o?Claroqueno.Amatemtica,aomesmotempo,umalinguagemeumcon-junto de objetos e a linguagem matemticase reporta a um conjunto de objetos, e tan-to assim que, de acordo com a lgica cls-sica, a linguagem da matemtica no cobretodos os objetos matemticos. Isto , entrealinguagemmatemticaformalizadaeosobjetos matemticos, h uma decalagem detal forma que existe uma separao entre alinguagem matemtica e o mundo dos obje-tos matemticos. A linguagem matemtica representativa. Agora querer dizer que umsinaldetrnsitoquedizproibidoestacio-nar seja uma representao confundir alhoscom bugalhos, porque no tem nada a vercom a linguagem, se trata simplesmente designosdiferenciadores.Umaemrelaoaoutra, e no se trata de uma linguagem. Alinguagemtem,pelomenos,duasarticula-es. Isto confundir a noo de represen-tao com a noo de sinalizao.interlocutor no identificado Que tipo derepresentao essa que existe na lingua-gemmatemticaemrelaoaesteoutrotipoderepresentaoquevocfala,queremete sempre ao referente exterior a ela?Prof. Giannotti Na linguagem matemticaexiste o algarismo dois e o nmero dois. E,mais ainda, o algarismo dois aparece relacio-nando-se com o nmero dois, que existe namedida em que ele diferente do nmeroum e do nmero trs. na sequncia dosnmeros naturais que o nmero dois existe,ele no existe como objeto isolado, certo?Ento h uma linguagem, um tratamento sin-ttico de smbolos, e uma semntica. Se notivermos uma sintaxe e uma semntica, nsnotemosumalinguagem,nstemosumprocesso de sinalizao. Eu posso encontrarum processo de representao que dife-rente da linguagem num quadro figurativo.Agora,dizerquehumalinguagemnumquadro abstrato, apesar da enorme admira-oqueeutenhopelapinturaabstrata,ameu ver confundir a noo de representa-o. S isso.interlocutor no identificado Uma identifi-caodoquadropintadocomoobjetoJackson Pollock, AutumnRhythm (Number 30),leo sobre tela, 1950,266,7 x 525,8cm, TheMetropolitan Museum ofArt, Nova YorkFonte: http://picasaweb.google.com 162 A R T E & E N S A I O S-N. 2 0-J U L H O D E 2 0 1 0umprocessodeidentificao;ento,voccoloca a pintura moderna como no existin-do mais essa identificao. Ento uma pinturado Pollock, ele no se preocupa mais em re-presentar nada. Quer dizer, ele est se preo-cupando em exprimir o ato de pintar, ele estmais ligado a fazer um objeto, como um mar-ceneiro quando faz uma mesa. O marceneirono quer representar uma mesa, ele est fa-zendo uma mesa. A pintura moderna entono seria mais a representao, o quadro nose situaria como a representao de algumaoutra coisa, mas como o prprio objeto.Prof. Giannotti Isso no verdade. Noh dvida de que a action painting tendeu,teve essa ideologia. Agora vamos ver o re-sultado. Quando voc faz um objeto, vocsenta, voc usa, voc vende, de uma certamaneirapreparaumconsumoqueodes-tri. Voc no faz isso com um quadro doPollock. Voc bota num museu. Este ato queo quadro sugere, os gestos que o compuse-ram,estO.K.Agora,istonooidentificacomoumatoprodutivo,porissoumapintura de ao, e no uma pintura de pro-duo, so coisas diferentes. Isto tambm diferentedeumaarterepresentativa,por-que ela no tem as caractersticas necessriasparaquesepossafalardeumquadrodePollockcomoumquadroquetenhaumalinguagem. S isso que eu quero distinguir,que a nova figurao alguma coisa diferen-te da figurao passada.Ismail Xavier Eu tenho uma dvida: estse falando em sinalizao e representaocomocoisasdiferentesqueestosendoconfundidas. Osistemadeprojeesortogonal,quetofilhodaRenascenaquantoaperspectivacavaleira,eleumasinalizao ou uma projeo?Prof. Giannotti Ele no representa porque uma linguagem formal.Ismail Xavier Portanto, se eu colocar aqui,segundo o sistema de projeo ortogonal, aimagem de um objeto, eu garanto que quemno for familiarizado com esse sistema for-mal, com uma formao mnima em enge-nharia, vai ver um quadro abstrato. Vai vertringulos,crculos,linhas.Eupossorepre-sentar um objeto aqui...Prof. Giannotti Voc pega uma frase emportugus, e passa para o cdigo morse, peaqui, eles tambm no vo identificar...Ismail Xavier Mas ento o que determinaas diferenas entre representao e sinaliza-o no o problema da formalizao...Prof. Giannotti Claro que no.Ismail XavierEupergunteioqueeraarepresentao, voc falou que era um sis-tema formal.Prof. Giannotti Ele uma representaoformal na medida em que, ao construir seusistema de signos, se reporta a uma constru-o de objetos, mas existem objetos de umlado e sinais de outro. isso o que eu estoudizendo...Paulo Sergio Duarte Eu acho que este l-timo exemplo, inclusive, d para eu fazer apassagem e retomar aquela questo de quefalei,daapropriaodosmeiosdeprodu-o pictricos. Ao fazer esse sequestro doconceito do campo do social para o campoesttico, ele tem um sentido. Tem um senti-do, inclusive, porque eu no acho que issosempreserealizou,eforamdeterminadascondies histricas que permitiram a utili-zaodesseconceito,dessesequestroserrealizado, e ser um sequestro legtimo, comooutros j foram realizados na vida real e eramlegtimos, apesar de ilegais. Ento eu me douao luxo de sequestrar o conceito de apro-priao de meios de produo para o cam-po esttico e reconhecer que isso foi dado163num determinado momento de formalizaoda histria da pintura moderna. Isso da med o seguinte: quando eu falava que no es-tava me relacionando com o objeto de arteproduzidoeosmetalrgicosdoABC,euqueria dizer que a piscina do Hockney, como seu par de sapatinhos do lado da escada,legveltantopelometalrgicodoABCquanto por ns nesta sala. Ento eu dou oexemplo de outro objeto de arte, que seriao quadrado negro do Malevich, e que nemtodos os metalrgicos do ABC seriam capa-zesdereconhecernoquadradonegrodoMalevich um objeto que pertence histriadapinturaocidentalequemarcoudeummodoimportanteahistriadessapintura.Eu vejo que o que garantiu essa apropriaodosmeiosdeproduopictricosfoiumdeterminadonveldedesenvolvimentodadiviso social do trabalho, que atinge a cul-tura quer queira, quer no queira, inclusiveos seus sistemas de signos, e que permite aumquadradoouumcrculosetornarumobjeto de referncia externa pintura e pas-sar para o quadro sob forma representada.Prof. Giannotti Veja bem, o reconhecimen-to de um objeto como objeto artstico ouno bvio, est ligado cultura, ao treina-mentodessapessoa.Issooelementar.Portanto, que uma pessoa no veja um qua-dro construtivista como um quadro, no nada de estranhar porque outras pessoas novover,porexemplo,umobjetoCaldercomo uma escultura. Isso no significa, e isso que voc tem que me provar, que parafazer esse reconhecimento preciso estar apar da produo artstica. Isso para mim umapassagemnegradoteuraciocnio.Ameu ver, o caso que nem naquelas socie-dades que designam no espectro apenas trsou quatro cores, e naquelas outras que veem12 cores, eu no vejo que para haver essapassagemeuprecisechegaraomododeproduo das coisas.Adriano de Aquino Quando voc falou arespeitodoHockney,naquelequadrodapiscina, principalmente, voc deu trs refe-rncias:duasdocamporeal,doobjeto,euma assinalada como se ali tambm estives-semcontidoscertospreceitosabstratos.Comoelessefizeramrepresentar?Princi-palmente no Cubismo. Como eles se fize-ram representar, num quadro, esses precei-tos cubistas?Prof. Giannotti Graas justamente ao pro-cesso de individualizao. o par de sapa-tos, o desenho perfeitamente mineral da-quelas duas rvores, que faz com que aquiloque na nossa leitura era uma leitura abstratase transforme numa piscina.Adriano de Aquino Ela vira representao?Prof. Giannotti A ela vira representao.Adriano de Aquino S a?Prof. Giannotti S a.Adriano de Aquino Eu no entendo real-mente como pode ser transportada uma coi-sa que no representativa ao campo repre-sentativo quando a imagem transformada.Prof. Giannotti S possvel atravs datransformao da imagem que ela seja re-presentativa. Se voc pegar um leo e co-locar na nossa frente, ele no a imagemdo leo. S a transformao do objeto realem imagem...O objeto real o quadro, mas ele foi re-presentado. A piscina um quadro abstra-to representado, j no mais um quadroabstrato, vamos supor que ns temos umquadro abstrato que um objeto e depoisa representao dele na piscina graas aoseu enquadramento num determinado uni-verso significativo.R E E D I O J O S A R T H U RG I A N N O T T I 164 A R T E & E N S A I O S-N. 2 0-J U L H O D E 2 0 1 0Adriano de Aquino No universo da arte?Prof. Giannotti No universo da arte.interveno inaudvelProf. Giannotti Mas tambm claro e qual o problema? Mas tambm se torna pisci-na? E graas a essa dimenso semntica.interveno inaudvelAdriano de Aquino Que era um objetoquevocreportouaoCubismoouaoAbstracionismosetransformaderepentenuma representao. Qual o processo queleva a isso?Prof. Giannotti O processo esse proces-so de abstrao... Eu estou tentando estabe-lecer processos da representao artstica.interveno inaudvelProf. Giannotti Claro, pois ela tem umadimensosemntica,semoquenoerapiscina.interlocutor no identificado Na verdade,oquevocexpssonamorosesepara-es da arte com a representao. Em se-gundo lugar, voc no acha que necessaria-mentearepresentaosejaarepresenta-o de um objeto concreto, dado na empiria;pode haver, como no caso da matemtica,representao de objetos abstratos que noso dados. basicamente isso. No caso deumquadroabstratooartistanopoderiadizer que ele est representando jamais.Prof. Giannotti No, ele no tem objetosalm da...interlocutor no identificado Quer dizer,na verdade seria uma espcie de exercciode canto. Colocado em outros termos, se-ria um puro exerccio de canto, em que vocno est cantando, est fazendo exerccioscom uma determinada habilidade, que vocno est dizendo que ou no arte, vocsimplesmente diz assim: a arte aqui se sepa-rou da questo da representao, basicamen-te isso.interveno inaudvelProf. Giannotti Houve na filosofia e na te-oriadalinguagemumatalnfasesques-tes de sintaxe que foi possvel imaginar queos objetos de que se fala pudessem ser com-postosatravsdetraossemnticoscujaestruturaerai gual zi nhadostraosfonolgicos.interveno inaudvelProf. Giannotti No, os traos semnticos.Por exemplo, uma teoria da linguagem, comLukcs, vai dizer o seguinte, que ns vamosdizer que a pintura abstrata apesar de todasuagrandezasejaumalinguagem.Porqueexatamentenarelaocomarepresenta-o entre o representante e o representa-dohouveumatalcolagem,quevocnopode fazer esse processo, esse movimentoque vai do representante ao representado.Ismail Xavier Eu vou falar contra. A questofundamental a seguinte: qual o ato inaugu-ral. E eu vou dizer que no entendi por queinaugural. Primeiro, a sua hiptese me pareceparalela ou praticamente idntica do Lvi-Strauss quando ele ataca o Abstracionismopelas mesmas razes de que no se cons-tri a partir de uma dupla articulao e queparaexistirlinguagemprecisahaverduplaarticulao.claroqueessemodelovemdeSaussureeummodelolingustico,equeLvi-Strausstentapensaroproblemada visibilidade, do reconhecimento dos ob-jetos a partir da. Eu no vou entrar em to-dos os problemas existentes neste transplan-te, eu acho uma questo muito complicadaparaseformularagora.Euachoqueesse165transplante problemtico, a ideia de arti-culao lingustica passada para o plano darepresentao visual. A minha questo aseguinte: ao fazer a crtica do Abstracionismo,quando Lvi-Strauss coloca a necessidade dedeterminadossuportesnarepresentaopictrica que dariam a capacidade de repre-sentartalcomovocestcolocando,eletentouumahistriadaartefigurativaparadarcomoexemploaofazeracrticadoAbstracionismo.Eu queria que ficasse mais claro o que queh de inaugural, por exemplo, naquele qua-dro do Hockney apresentado, quando aquelasuperfcie azul embaixo virava uma piscina,porque h um sapato que constri um con-texto para o qual se d uma direo de lei-tura para aquela superfcie azul. Eu acho queisso acontece em toda a arte figurativa des-deosgregos.Aquestodaexistnciadeum contexto em que h uma individuaopara que determinado elemento adquira acapacidade de representar, que est aqui noHockney,agentepodepegarataquelaquesto elementar de uma pessoa se apro-ximar de um quadro, e as cores irem per-dendoasuacapacidadederepresentarmedida que a estrutura global do quadro vaisendo perdida, medida que a gente se apro-xima dele. E o Impressionismo jogou muitocom isso. Eu queria s que ficasse mais claroqual o ato inaugural, tal como se apresen-tou para mim nesse quadro. Eu no entendibem qual o ato inaugural, eu entendi a suacrtica ao Abstracionismo e acho que os pres-supostos dela esto bem claros.Prof. Giannotti No esto to claros assimna medida em que voc me reduziu a Lvi-Strauss.Ismail Xavier Pelo menos a argumenta-o at agora foi de Lvi-Strauss.Prof. Giannotti No, no foi, pelo contr-rio.Oqueeudisse,aocontrriodoquepretendeLvi-Strauss,queadimensosemntica da linguagem fundamental, e issoo Lvi-Strauss no diz. Pelo contrrio, ele responsvelnafilosofiadascinciashuma-nas pelo predomnio da sintaxe.Ismail Xavier Eu sei disso. Agora, em rela-o ao Abstracionismo, nesse texto espec-fico, ele faz uma reclamao nesse sentido.Eu no estou dizendo Lvi-Strauss no con-junto da sua obra.Prof. Giannotti O ato inaugural era o se-guinte. Qual foi o esquema de que eu faleiaqui? Mostrei em primeiro lugar que h umaarte conceitual, pelo menos h um lado daarteconceitual,humaartedailuso.Estaoposio entre iluso e conceito, entre apa-rnciaeessncia,paralelaoposiometafsica entre forma e contedo, entre for-maeaparncia.DepoisdaexperinciadoAbstracionismo, o que ns vamos encontrarno apenas o problema da individualizaopelo contexto, mas uma dialtica entre o in-divduo e a arte conceitual e o esquema, quefaz com que o processo de individualizaono seja mais tradicional. Isto , trata-se deumaartefigurativaque,aomesmotempo,quercaptarcertosaspectosmuitoprecisosda individualidade no contexto de uma arteconceitual.Ismail Xavier Desculpe, mas eu acho quepara ler desse jeito precisa ter a histria daarte como mediao. Ento a sua objeo aquem usa a histria da arte como mediaopara fazer certos reconhecimentos, para queseja representao de determinado quadro,no fundo o mecanismo de leitura o mes-mo, ou seja, da mesma forma como certosquadrosabstratosforamaquilevantadoscomo afetos representao atravs de umaleitura que tem esta mediao da histria daarte, foi negado isso, foi negada a legitimida-de dessa mediao.R E E D I O J O S A R T H U RG I A N N O T T I 166 A R T E & E N S A I O S-N. 2 0-J U L H O D E 2 0 1 0Prof. Giannotti A mediao da histria daarte no pe em xeque o conceito de repre-sentao que eu estou usando desde o incio.Paulo Sergio Duarte A piscina fica piscina.O que desaparece o quadro abstrato nagua da piscina sem a mediao. Sem a me-diao da histria da arte...Prof. Giannotti ... a piscina como leo, nocomo sapato...Paulo Sergio Duarte Nem como uva...Prof. Giannotti Nem como a uva.Paulo Sergio Duarte Claro, isso eu enten-di. Inclusive tem hiper-realistas, que no soDavid Hockney, que fazem uva mesmo, fa-zem o non do anncio cintilar mais que onon de verdade.Eu queria fazer uma pergunta. Queria saberem que voc fundamenta, j que eu discor-dodoexemplodocanto,dequeseriamexerccio de canto a arte abstrata e haveriaalguns namoros na histria da arte e tudo sepassaria assim... Na escuta que eu fiz da suapalestra,euescuteioseguinte:nessanovarepresentao,nessaretomadadeumasemantizao da pintura se ela nunca de-sapareceu na verdade digamos que numcontextobastanteelitistaelaperdeuahegemoni aeel apoderi aretomarahegemonia. Porque se ns pegarmos a his-triadapinturacomrelaoaomundohegemnico sempre foi a figurao e a re-presentao saindo desse espao da histriada arte, que o mediador elitista da nossadiscusso aqui, somente nesse espao, queo mediador elitista que a histria da arte queaabstraofoiumdiahegemnicaetalvez ainda seja, no vamos discutir essa dis-putadeterrenohoje.Oqueeuvejooseguinte: porque dentro desse espao, essanova retomada nesse espao da histriada arte porque dentro da pintura do bo-tequim, da casa do operrio, a representa-o figurativa sempre teve hegemonia, por-que essa retomada no espao da histria daartedanovarepresentao,vocvessasemantizao nesse espao da histria da artesuperaria em alguma coisa a chamada criseque representaria a abstrao ou que a re-presentao seria o paralelo de uma deter-minada crise do pensamento ocidental emdeterminadomomento,equeseriaahegemonia da sintaxe tambm num pensa-mento bastante elitista, porque pelo que eusaiba na linguagem do povo, no uso do sen-so comum, sempre o hegemnico foi o se-mntico,ningumfalavaparaperceberasarticulaes,nemasduplasarticulaes.Alis,olinguistasquandoestfazendolingustica que ele pensa em dupla articula-oporqueumpassodeabstraoquefoi uma conquista do conhecimento. Agoraeu pergunto por que nessa histria da arte porque s na histria da arte que esthavendo essa questo de uma nova repre-sentao, evidente. Quer voc queira ouno, voc hoje saiu da filosofia e entrou nadiscusso da histria da arte. Por que seriapositiva essa semantizao?Prof.GiannottiOproblemanosim-plesmente porque positiva a semantizao.O que eu acho que positiva a nova rela-o entre essncia e aparncia, entre o indi-vidualeouniversal,ejustamentenestacaptura das oposies da metafsica que euvejo um grande interesse na pintura se re-fletir ou aparecer tambm num debate que metafsico. S. Eu no sei o que vai dar,no sei como a pintura vai, apenas eu ficocontente em ver que na pintura aparece tam-bm uma reflexo sobre questes da indivi-dualidade e da universalidade, que so pro-blemas centrais da filosofia moderna. S.Paulo Sergio DuarteUmelementoqueeu havia tocado sem desenvolver. Quandoeu falei de condutores democrticos de per-167cepo,eudiferenciobemdecondutorespopulistas de percepo. Eu achei que vocvalorizou condutores democrticos de per-cepo, mas eles no deixam de ser demo-crticos porque eu insisto que sem a media-o da histria da arte a piscina continua pis-cina para qualquer um, enquanto o quadra-do negro no continua quadrado negro paraqualquer um. Entendeu? O circuito da artedessanovarepresentaoficaaqumdaquesto do universal e da essncia, ele vai auma arte que se produz para uma escala maislarga, ento tem que se fazer tambm umaleitura poltica desse objeto. Esse objeto temumacirculao,essanovarepresentao,muito mais ampla do que um objeto que stem uma circulao restrita, mas ao mesmotempo ele s existe e s adquire sua densi-dade nessa circulao restrita da histria daarte, porque seno ele perde muito de suadensidade,secolocadoaoladodecertosobjetos que circulam como condutores depercepo em outras esferas de conhecimen-toquenosoasdaelitequepossuiahistriadaarte.Euachoimportantesituarissoporqueumadasquestesquensqueramos desenvolver, eu pelo menos gos-taria,emfuturasdiscusses,porqueesseembatedegeneracomfrequnciaquandono colocado nesse nvel, para uma defesadescarada e mesquinha de uma superaodasquestesemnomedecondutorespopulistas de percepo, que no foi o casode hoje, aqui, realizado pela sua palestra. Eque um embate ideolgico bem ntido, ain-da que num campo elitista, mas um emba-te ideolgico representando posies con-traditrias.Prof. Giannotti Ningum pode tirar daqui-lo que eu disse uma defesa do realismo so-vitico.Paulo Sergio Duarte No, voc no! No,issonoexiste.Orealismosoviticoestmorto, enterrado, pelos prprios soviticos.Prof. Giannotti Nosso debate poderia seprorrogar. Os pontos de diferena e os pon-tos de irritao j esto perfeitamente deli-neados.EstetextofoioriginalmentepublicadoemCadernos de Textos 4: Arte e Filosofia. Riode Janeiro: Funarte, 1983.JosArthurGiannottiprofessortitularemritodoDepartamentodeFilosofiadaFaculdadedeFilosofia,Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Pau-lo. Coordenador da rea de Filosofia e do Programa deFormao de Quadros Profissionais do Centro Brasilei-ro de Anlise e Planejamento Cebrap, que conta comapoiodaFundaoCapes.FormadoemfilosofiapelaUniversidade de So Paulo, atua nessa rea, com nfaseem lgica, principalmente nos seguintes temas: tica, ar-tes, poltica e universidade.R E E D I O J O S A R T H U RG I A N N O T T I