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1 Maio/Julho – 2012 Edição 62 A pesquisa e o desenvolvimento dos professores Gary Thomas A pesquisa realizada por professores contribui para o aperfeiçoamento da escola, especialmente se for apoiada pela direção, se diversos professores estiverem realizando-a e se o trabalho puder ser avaliado e disseminado O aperfeiçoamento de nossas escolas exige que os professores pensem profundamente sobre o que significa ensinar, compreendam como as escolas podem ser mais eficazes e reflitam sobre suas virtudes e deficiências. Os professores podem não ter tentado fazer esse tipo de reflexão desde a sua última entrevista de emprego ou desde a sua matrícula na formação de professores. Contudo, esse tipo de reflexão — o tipo de pensamento que permite o autoaperfeiçoamento — floresce quando os professores pesquisam um assunto de seu interesse ou do interesse de sua escola, sendo esta uma das razões pelas quais fazer pesquisa pode ajudar os professores a desenvolver suas carreiras. Ter realizado um projeto de pesquisa demonstra que você é capaz de pensar de maneira crítica e reflexiva, é capaz de trabalhar de um modo independente, contínuo e disciplinado, além de ter boas habilidades de gerenciamento de tempo e de projeto. Compartilhar suas descobertas com as pessoas da escola vai aumentar sua visibilidade e talvez você possa canalizar seu conhecimento especializado para a área de aconselhamento ou consultoria no futuro. E a pesquisa é divertida. Ela pode devolver o entusiasmo pelo ensino a professores que o perderam. É emocionante perseguir uma linha de investigação que você mesmo desenvolveu e talvez ser surpreendido pelo resultado. Em meu livro How to do your research project [Como fazer seu projeto de pesquisa], tento explicar como esse processo de autoaperfeiçoamento através da pesquisa é favorecido (Thomas, 2009). No Reino Unido, estamos movendo-nos em direção à docência com nível de mestrado, como é o caso no sistema educacional altamente bem-sucedido da Finlândia. Naquele país, todos os professores têm nível de mestrado. Aqui no Reino Unido, existe um novo mestrado em ensino e aprendizagem de base escolar. Como ele inclui

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Maio/Julho – 2012 Edição 62

A pesquisa e o desenvolvimento dos professores Gary Thomas

A pesquisa realizada por professores contribui para o aperfeiçoamento da escola, especialmente se for apoiada pela direção, se diversos professores estiverem realizando-a e se o trabalho puder ser avaliado e

disseminado

O aperfeiçoamento de nossas escolas exige que os professores pensem profundamente sobre o

que significa ensinar, compreendam como as escolas podem ser mais eficazes e reflitam sobre suas virtudes e deficiências. Os professores podem não ter tentado fazer esse tipo de reflexão desde a sua última entrevista de emprego ou desde a sua matrícula na formação de professores.

Contudo, esse tipo de reflexão — o tipo de pensamento que permite o autoaperfeiçoamento — floresce quando os professores pesquisam um assunto de seu interesse ou do interesse de sua escola, sendo esta uma das razões pelas quais fazer pesquisa pode ajudar os professores a desenvolver suas carreiras. Ter realizado um projeto de pesquisa demonstra que você é capaz

de pensar de maneira crítica e reflexiva, é capaz de trabalhar de um modo independente, contínuo e disciplinado, além de ter boas habilidades de gerenciamento de tempo e de projeto.

Compartilhar suas descobertas com as pessoas da escola vai aumentar sua visibilidade e talvez você possa canalizar seu conhecimento especializado para a área de aconselhamento ou

consultoria no futuro. E a pesquisa é divertida. Ela pode devolver o entusiasmo pelo ensino a professores que o perderam. É emocionante perseguir uma linha de investigação que você

mesmo desenvolveu e talvez ser surpreendido pelo resultado.

Em meu livro How to do your research project [Como fazer

seu projeto de pesquisa], tento explicar como esse processo de autoaperfeiçoamento através da pesquisa é favorecido

(Thomas, 2009). No Reino Unido, estamos movendo-nos em direção à docência com nível de mestrado, como é o

caso no sistema educacional altamente bem-sucedido da Finlândia. Naquele país, todos os professores têm nível de

mestrado. Aqui no Reino Unido, existe um novo mestrado em ensino e aprendizagem de base escolar. Como ele inclui

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um elemento obrigatório baseado em pesquisa, as habilidades necessárias para fazer pesquisa

são essenciais. Trata-se de os professores desenvolverem sua própria prática, reunindo informações através de observação sistemática e sendo criticamente reflexivos.

O Office for Standards in Education, Children’s Services and Skills (Ofsted)¹ relata que a pesquisa realizada por professores contribui para o aperfeiçoamento da escola, especialmente se

for apoiada pela direção, se diversos professores estiverem realizando-a e se o trabalho puder ser avaliado e disseminado. Mais recentemente, as evidências para o governo do Reino Unido

relativas à formação de professores assinalaram que a pesquisa e a prática reflexiva são um elemento importante no desenvolvimento e na abordagem de um professor após a

qualificação, apontando para o valor de os professores avaliarem sua prática no ambiente escolar a fim de compreendê-la e aperfeiçoá-la.

Atualmente, os projetos de pesquisa de base escolar no Reino Unido são, em sua maioria, realizados por professores que estão obtendo alguma qualificação universitária supervisionada

por uma instituição de ensino superior ou fazendo um curso de pós-graduação mais prolongado. Apresento a seguir três breves estudos de caso de professores reais que fizeram

esse tipo de autoaperfeiçoamento através da pesquisa.

Durante o mestrado, Jean realizou um projeto de pesquisa em sua universidade local com base nas necessidades das crianças em sua turma de 1ª série. Ela criou um programa para ensinar habilidades sociais específicas e habilidades para aprender, tais como escuta, pensamento independente e estabelecimento de metas para promover a autonomia. Além disso, inscreveu

os alunos em um “clube de habilidades” e criou um “quadro de tarefas” (com seis tarefas semanais) a serem escolhidas pelas crianças durante um tempo livre reservado para essas atividades.

Jean observou os alunos durante um período de oito semanas enquanto eles realizavam as tarefas. Algumas delas eram abertas (como criar um novo modo de ensinar cores a crianças pequenas) e outras eram fechadas (como trabalhar em equipe para fazer uma cadeira para

Cachinhos Dourados). No fim do projeto, um grupo de seis crianças optou por planejar uma festa como tarefa extra, incluindo fazer uma lista de compras e escolher enfeites e músicas.

“Descobri que habilidades mais complexas, como

estabelecimento de metas e planejamento, eram menos visíveis após oito semanas do que aperfeiçoamento na

escuta, concentração, pensamento independente e perseverança, mas que o foco nas tarefas melhorou a

motivação e a preparação para a aprendizagem”, disse Jean. “Os benefícios tornaram-se mais claros à medida que

as oito semanas transcorreram e as crianças foram acostumando-se com um estilo mais autônomo de aprendizagem durante o tempo de atividade não estruturada”.

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Jean pediu a seus alunos que fizessem desenhos de si mesmos aprendendo antes e depois das

oito semanas no clube de habilidades. “No início, muitos deles não se mostravam na sala de aula”, disse ela. “No fim, até suas expressões faciais eram mais positivas”.

Executar um projeto de pesquisa em seu primeiro ano depois de formada trouxe desafios, ela admite. “Talvez esse caminho não seja para todos, mas eu já vinha estudando há cinco anos

[sua primeira formação levou quatro anos] e pretendia fazer isso enquanto estivesse engajada em estudar. Minha escola deu todo o apoio e ofereceu um assistente uma hora por dia durante

as oito semanas para que eu pudesse observar as crianças como pesquisadora. Estou feliz por ter tido a chance de fazer este trabalho no início de minha carreira. Ele definitivamente

contribuiu com minha prática de ensino e ainda me mostrou o quanto as crianças gostam de poder escolher entre tarefas e de se sentir incluídas na própria aprendizagem”. Outra professora, Miriam, também realizou pesquisa como parte de seu mestrado. Seu projeto de pesquisa foi sobre a unidade de comportamento e inclusão que sua escola compartilha com outra escola de ensino médio. Assim como Jean, ela está feliz por ter vivenciado a pesquisa cedo

em sua carreira. “Sempre tive interesse pelo paradoxo entre a ênfase na inclusão e o elemento competitivo na educação representado pelas tabelas de classificação e em como, sendo

professores, enfrentamos essas demandas”, explicou. “Foi muito bom ter uma oportunidade de refletir sobre essas questões”.

Suas aulas, ministradas na unidade um período por semana durante sete meses do ano letivo 2007-2008, serviram de base para a pesquisa. A dissertação resultante ganhou o prêmio de

melhor dissertação do ano, o que, segundo ela, “deixou com a certeza de que fazer o projeto foi algo muito bom para mim, tanto pessoal quanto profissionalmente”.

Miriam acrescenta: “Eu queria descobrir se a unidade de comportamento e inclusão estava atendendo às necessidades dos alunos. Constatei que a unidade estava atendendo muitas de suas necessidades sociais e emocionais enquanto eles não estavam preparados para o retorno ao ensino tradicional. Fazer esse trabalho conscientizou-me ainda mais do quanto o ambiente no qual trabalhamos pode ser difícil para as crianças e ainda me fez questionar o ideal de que

elas devem ser todas ensinadas da maneira tradicional”.

A terceira professora, Alison, era uma aluna veterana. Ela já

ensinava há 20 anos quando decidiu fazer um curso de pós-graduação em educação inclusiva. Para isso, teve de

elaborar um projeto de pesquisa e uma dissertação de 15 mil palavras para obter seu título de mestrado. Reaprender

as habilidades de estudo foi seu primeiro desafio. “Quando iniciei o curso, fazia 20 anos que eu não realizava uma

tarefa escrita, mas o curso era modular, de forma que muitas vezes eu tinha um intervalo de duas semanas após entregar um trabalho. Para uma dissertação, você tem de

sustentar o trabalho durante um período mais longo e reescrever muitas ideias, por isso é

preciso reservar mais tempo do que se imagina para relatar os resultados”.

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Sua dissertação versava sobre a relação entre o serviço de apoio no qual ela trabalha e os

professores em começo de carreira. “Eu queria explorar o grau de correspondência que havia ou não com as expectativas e que implicações isso poderia ter”. Alison entrevistou 50

professores recém-formados por meio de questionários e pesquisou sua própria equipe com o apoio de seus empregadores: “Nossas condições de emprego incluem dois dias de licença para estudos por período letivo, e o governo municipal apoia ativamente pessoas que fazem mestrado. Examinei alguns questionários com minha equipe e também pude levar alguns deles

a um evento de treinamento para professores”.

Segundo a professora: “A experiência de fazer pesquisa oportunizou-me refletir sobre minha

prática. Agora eu me vejo analisando criticamente meu próprio trabalho em termos de inclusão e do impacto nos resultados para as crianças”. Encontrar tempo pra escrever a tese foi o seu maior desafio. Alison estendeu o trabalho por seis meses, fazendo uma média de 10 horas por semana no tempo letivo e mais nos feriados. “Meu filho é nadador competitivo, e eu passo muitas manhãs em estacionamentos de academias de natação esperando por ele. Assim, trabalhei muito no carro às 6 horas da manhã. Quando você decide que vale a pena fazer o

curso, deixa outras atividades de lado para encontrar tempo”.

Esses três exemplos mostram que a pesquisa pode ser uma ferramenta poderosa para o

autoaperfeiçoamento como professor, especialmente se for estruturada mediante inscrição em uma universidade, onde você terá de examinar minuciosamente suas metas e intenções, bem

como os métodos que pretende usar na condução de sua pesquisa. O próprio projeto de pesquisa encorajará a reflexão sobre a sua prática e oferecerá fortes evidências para que você

possa repensar e refinar essa prática. Em meu livro (Thomas, 2009), ofereço orientações sobre como estruturar essa pesquisa. Os exemplos do trabalho de alguns professores mostram o

quanto o pensamento desses profissionais pode ser desenvolvido por meio da pesquisa.

NOTA

1. Ofsted é o departamento não ministerial do governo do Reino Unido que define os padrões de qualidade do ensino.

Gary Thomas é professor da Escola de Educação da Universidade de Birmingham (Reino

Unido). [email protected]

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