Analítica Existencial e Finitude

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAIBA CENTRO DE EDUCAÇÃO - CEDUC DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS CURSO DE FILOSOFIA GILMAR DE SOUZA BARBOSA VASCONCELOS ANALÍTICA EXISTENCIAL E FINITUDE Campina Grande - PB 2012

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O texto trata-se de um TCC apresentado no curso de filosofia da UEPB para conclusão de grau de Licenciatura. Aborda essa temática na obra Ser e Tempo de Matin Heidegerr.

Transcript of Analítica Existencial e Finitude

  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAIBA

    CENTRO DE EDUCAO - CEDUC

    DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E CINCIAS SOCIAIS

    CURSO DE FILOSOFIA

    GILMAR DE SOUZA BARBOSA VASCONCELOS

    ANALTICA EXISTENCIAL E FINITUDE

    Campina Grande - PB

    2012

  • GILMAR DE SOUZA BARBOSA VASCONCELOS

    ANALTICA EXISTENCIAL E FINITUDE

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao

    Curso de Graduao em Filosofia da

    Universidade Estadual da Paraba, em

    cumprimento exigncia para obteno do grau

    de Licenciado em Filosofia.

    Orientador: Prof. Dr. Jos Nilton Conserva de Arruda

    Campina Grande PB

    2012

  • FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UEPB

    V331a Vasconcelos, Gilmar de Souza Barbosa.

    Analtica existencial e finitude [manuscrito] /

    Gilmar de Souza Barbosa Vasconcelos. 2012. 24 f.

    Digitado.

    Trabalho de Concluso de Curso (Graduao em

    Filosofia) Universidade Estadual da Paraba, Centro de Educao, 2012.

    Orientao: Prof. Dr. Jos Nilton Conserva de Arruda, Departamento de Filosofia.

    1. Filosofia 2. Filosofia Alem 3. Metafsica 4.

    Ontologia I. Ttulo.

    21. ed. CDD 110

  • 1

    ANALTICA EXISTENCIAL E FINITUDE

    VASCONCELOS. Gilmar de Souza Barbosa1

    RESUMO

    O artigo prope analisar a realidade do Dasein (Ser-a) segundo Martin Heidegger (1889-1976) na sua

    obra Ser e Tempo. Para tanto, foca os modos de ser da presena (Dasein) como ser-no-mundo, ser-com-

    os-outros e ser-para-a-morte (finitude), delineando a investigao fenomenolgica-existencial do tema

    que fora, segundo Heidegger, esquecido pela tradio filosfica ocidental desde Plato at Nietzsche.

    Apresentamos ainda os modos de ser do Dasein enquanto ser que se projeta, que se angstia, vive e existe

    de forma autntica ou inautntica e, em especial, ser que se decide e se escolhe em sua existncia,

    moldando e dando sentido ao mundo em que est lanado. O Dasein o nico ser que possibilita toda a

    pesquisa, tendo em vista ser o nico ente que abre a condio fundamental para anlise do ser, pois ao

    se interrogar se constitui no ente privilegiado justamente por ter conscincia de sua condio e existncia

    no mundo e, na sua mundanidade, ter conscincia de sua prpria finitude, seu ser-para-a-morte que ao

    contrrio do que muitas vezes teme no o fim de sua existncia, mas o seu possvel poder ser total.

    PALAVRAS-CHAVE: Heidegger, Ser-a, Existncia, Finitude.

    Introduo

    A obra Ser e tempo de Martin Heidegger foi apresentada ao mundo filosfico no

    ano de 1927 na Alemanha. Inicialmente essa obra foi considerada por muitos estudiosos

    como algo desajeitado e mesmo estranho2, possivelmente por causa da difcil

    1 Concluinte 2012 do curso de Licenciatura Plena em filosofia da UEPB; E-mail:

    [email protected]

    2 Um estranho tratado (NUNES, 1992, p.9), assim Heidegger se referiu a Ser e tempo. Publicado em

    1927, nos Anais de investigao filosfica e fenomenolgica, vol.VIII, e editado por Edmund Husserl. A

    pretenso inicial de Heidegger era que seu tratado tivesse duas partes, porm, seus planos no ocorreram

    conforme seu desiderato. Mesmo sendo obra inacabada, o tratado Ser e tempo no fracassou. Para

    Heidegger, o ser e o ente so indissociveis, pois, ser sempre ser de um ente. Contudo, conforme

    assinalamos anteriormente, a sua analtica no se estende at ao ser enquanto tal, e se perfaz numa anlise

    do ser como ser-no-mundo. No obstante, tem o mrito de instaurar um novo incio na filosofia a partir da

    retomada do problema do ser. De modo que Heidegger, ao eleger a questo do ser como sendo a sua

    questo fundamental, alm de se constituir em sua tarefa do pensamento, permitiu-lhe realizar a

    superao da filosofia do sujeito e se elevar como sendo sua contribuio histria da filosofia (Cf.

  • 2

    compreenso de sua temtica central. No entanto, essa obra um marco para o

    pensamento filosfico do sculo XX, pois segundo Ernildo Stein (1988, p.12,13) o

    sculo XX inicia na dcada de 20 com o Tractatus logico-philosophicus (1921) de

    Wittgenstein, com Histria da conscincia de classes (1923) de Lukcs e com Ser e

    tempo de Martin Heidegger. Desse modo, do ponto de vista filosfico, segundo esse

    intrprete de Heidegger, teria um papel fundamental no pensamento do sculo XX, pois

    retomaria a questo do ser a partir da temporalidade, da finitude enquanto destinao

    para a morte3. O propsito do nosso artigo consiste justamente em apresentar o caminho

    percorrido por Heidegger para analisar e desenvolver as implicaes dessa relao entre

    existncia e finitude.

    A singularidade da temtica desenvolvida nesta obra reside, em primeiro lugar,

    no fato de que nela apresentado um projeto de retomada investigativa da questo do

    ser, pois segundo Heidegger (2011, p.37), embora nosso tempo se arrogue o progresso

    de afirmar novamente a metafsica, a questo aqui evocada caiu no esquecimento,

    portanto faz-se necessrio a retomada da questo e exatamente isso que encontramos

    em Ser e tempo. Em segundo lugar, Heidegger desenvolve uma ontologia fundamental e

    coloca no primeiro plano das discusses a questo sobre o sentido de ser da existncia

    humana4.

    Do ponto de vista metodolgico, em Ser e tempo, Heidegger no se prope

    somente em superar a fase de esquecimento do ser, remontando tradio aristotlica

    ou escolstica para assinalar o momento do desvio, mas busca promover uma

    PASQUA, 1993, p.44). (NUNES, 1992, p.9; PASQUA, 1993, p.44. apud, SILVA, Eliane, 2012,

    p.54). 3 Podemos conferir que realmente Heidegger pensa a finitude a partir da temporalidade, explorando

    filosoficamente o problema da morte: Em Ser e tempo, finitude, Endlichkeit, refere-se invariavelmente

    e de maneira mais ou menos explcita, morte, sendo, pois, finitude temporal. A finitude assombra toda a

    nossa existncia: Dasein no tem um fim [Ende], no qual ele simplismente pra; Dasein existe

    finitamente (Ser e tempo, 329) O tempo originrio finito (Ser e tempo, 331). O tempo infinito

    derivado ou secundrio; ao escrever Un-endlichkeit (in-finitude) e un-endlich (in-finito), Heidegger

    sugere que a infinitude (Unendlichkeit) seja posterior finitude (INWOOD, 2002, p. 71).

    4 Heidegger toma o termo existncia no sentido de presena, outra traduo possvel para o mesmo termo,

    de modo que o contrape noo clssica de essncia: Existenz significa tradicionalmente a existncia

    de um ente, em contraste com a sua essncia Heidegger a utiliza em sentido estrito, aplicando-a somente a

    Dasein: Dasein no possui essncia ou natureza do mesmo modo como os outros entes possuem: A

    essncia de Dasein encontra-se na sua existncia (ST, 42). Devido sua confuso de dois tipos de SER,

    ser-o-que e ser-como, Heidegger ocasionalmente sugere que a nica caracterstica de Dasein ser, isto ,

    existir no sentido tradicional (INWOOD, 2002, p. 58).

  • 3

    reconstruo do conceito de ser a partir de uma nova investigao. Deste modo,

    abandona a ontologia tradicional, cuja preocupao central com o conceito de ser em

    geral, e volta sua preocupao para o que denomina de campo ntico, aquele preenchido

    pelos entes. Toma como ponto de partida o que ele julga como o ente privilegiado para

    a problematizao, pois o nico que coloca para si mesmo a questo do ser e se

    constitui a partir da relao consigo mesmo e com-os-outros: ente denominado Dasein,

    entendido como presena efetiva no mundo, o estar-a sem qualquer determinao

    essencial, pura gratuidade. Porm, essa estrutura privilegiada, no pode ser postulada

    como ponto de partida para a nova ontologia sem uma demorada problematizao,

    devendo ser reconstruda atravs de minuciosa anlise do ser-a, do ser-no-mundo em

    suas relaes com os outros.

    Assim, esse horizonte de preocupao apresentado da seguinte forma por

    Reale (2006, p.204). [...] elaborao do problema do ser significa, portanto, tornar-se

    transparente de um ente, pr aquele que busca em seu ser. E nisso consiste a analtica

    existencial. Longe de ser uma questo simples e por isso meridiana como pensava a

    Tradio Ocidental a partir de Plato, a questo do ser tomada a partir do Dasein

    mostra-se como elemento central de toda investigao filosfica heideggeriana.

    O problema do ser e os preconceitos da tradio

    Heidegger considera a pergunta sobre o sentido do ser sob dois pontos de vista:

    por um lado, a questo tida como a mais universal e a mais vazia (2002, p.70), por

    outro lado essa mesma questo tambm considerada a mais real, pois diz respeito

    existncia de cada ser humano em sua individualidade. Assim, h uma tenso presente

    j no ponto de partida assinalado, pois ao mesmo tempo uma questo vazia de sentido

    e plena de realidade.

    O problema fundamental acerca do sentido de ser foi to negligenciado pela

    tradio filosfica ocidental que se chegou ao ponto de poder ser acusado de cometer

    erro metodolgico quem por ventura levantasse essa problematizao. Heidegger

    analisa alguns pr-conceitos que conduzem negligncia e mesmo a repulsa dessa

    problemtica.

    O primeiro preconceito analisado aquele que toma o ser como o conceito mais

    universal (HEIDEGGER, 2011, p.38), baseado nas explicaes do ser realizadas pela

    ontologia medieval. Esse preconceito deduzia entre outras coisas que a universalidade

  • 4

    do ser abarcaria a totalidade dos entes, o ser como todo abarcaria os entes como partes.

    O segundo preconceito ocorre em decorrncia do primeiro e diz que O conceito de

    ser o mais indefinvel (HEIDEGGER, 2011, p.39), pois qualquer definio

    postulada j pressupe o prprio conceito de ser que se quer definir, gerando uma

    circularidade indesejvel de definir o ser pelo ser. O terceiro nos diz que ser o

    conceito evidente por si mesmo (HEIDEGGER, 2011, p.39), decorrente tambm do

    primeiro pr-conceito, pois se a universalidade afirmada, entende-se que ela no exige

    qualquer elucidao, ser evidente em si mesma.

    Portanto, tomando por base esses preconceitos a tradio filosfica a partir de

    Plato e Aristteles entendeu que a questo acerca do ser era algo de que se tinha

    comum compreenso, isto , frente a uma afirmao como o cu azul

    (HEIDEGGER, 2011, p.39), se estabelecia uma compreenso consensual sobre o

    sentido do ser presente nela. No entanto, esse aparente consenso sobre o seu sentido

    na verdade mais uma incompreenso, pois o enigmtico sentido do ser permanece

    encoberto, justificando assim a necessidade de sua retomada enquanto questo.

    Assim, o exame dos preconceitos tornou ao mesmo tempo claro que no

    somente falta resposta questo do ser, mas que a prpria questo obscura

    e sem direo. Retomar a questo do ser significa, pois, elaborar primeiro, de

    maneira suficiente, a colocao da questo. [...] Deve-se colocar a questo do

    sentido do ser. Tratando-se de uma ou at da questo fundamental, seu

    questionamento precisa, portanto adquirir a devida transparncia.

    (HEIDEGGER, 2011, p.40).

    Assim, Heidegger entende que se faz necessrio o abandono (no destruio) da

    ontologia tradicional do Ocidente que fundamenta a compreenso do ser nesses

    preconceitos que na verdade apenas dizem respeito a algo acerca dos entes e nunca do

    ser mesmo do ente, obscurecendo assim a questo do sentido do ser e se constituindo

    num empecilho para uma nova postura diante da mesma, ou seja, a sua retomada.

    Segundo Giles (1989, p. 92). Heidegger [...] chega concluso de que se

    difcil responder questo do que significa o ser, porque o significado da prpria

    questo no to claro. Portanto, no se trata s de se retomar a mesma questo a

    partir de metodologias diferentes, que possibilitassem um novo discurso sobre o ser; o

    que se apresenta a partir dos pr-conceitos a necessidade de se problematizar

    novamente a questo mesma o que significa ser?

  • 5

    Esse caminho no significa uma ruptura com a histria, nem sua negao,

    mas uma apropriao e transformao do que foi transmitido. Heidegger

    designa essa apropriao com a expresso destruio, que no quer dizer

    arruinar e, sim, desmontar, demolir e pr de lado, abrir o ouvido, torn-lo

    livre para aquilo que na tradio do Ser do ente nos inspira (GILES, 1989,

    p.100).

    A ontologia fundamental de Heidegger envolve essa problematizao do ncleo

    mesmo de sua questo fundamental, pois nela que se radica a possibilidade de um

    recomeo original.

    A questo do ser e o Dasein

    Para tal, preciso entender que existe um ente que pe a questo do ser que se

    configura pela prpria relao com seu ser denominado em Ser e tempo de Dasein (pr-

    sena) ou ainda ser-a. Heidegger apresenta a originalidade de sua abordagem,

    problematizar o ser a partir do ente para quem essa realidade se constitui como questo

    (2011, p.48):

    A presena no apenas um ente que ocorre entre outros entes. Ao contrrio,

    do ponto de vista ntico, ela se distingue pelo privilgio de, em seu ser, isto

    , sendo estar em jogo seu prprio ser. Mas tambm pertence a essa

    constituio de ser da presena a caracterstica de, em seu ser, isto , sendo

    estabelecer relao de ser com seu prprio ser. Isso significa, explicitamente

    e de alguma maneira, que a presena se compreende em seu ser, isto sendo.

    prprio deste ente que seu ser se lhe abra e manifeste com e por meio de

    seu prprio ser, isto , sendo. A compreenso do ser em si mesma uma

    determinao do ser da presena.

    Assim, o Dasein no tomado como mais um ente que se coloca entre os demais

    entes, o Dasein presena, estar-a, cujo modo de ser fundamentalmente marcado

    por colocar em questo o sentido de seu prprio ser, se compreende como sendo e se

    pergunta pelo sentido desse ser. Como compreender, portanto, esse ente que

    privilegiadamente se distingue em seu ser? Para Dubois (2004, p.17) esse ente aparece:

    [...] como o respondedor necessrio da questo do ser. O Dasein o ente a

    quem o ser diz respeito. [...] o Dasein no outra coisa seno o homem, um

    outro ente, trata-se de ns mesmos, mas ns mesmos pensados a partir da

    relao com o ser, isto , com nosso ser prprio, com o das coisas e dos

    outros. Dasein diz a humanidade do homem como relao com o ser. [...]

    Qual o modo de ser especfico do Dasein? A existncia.

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    Diante do exposto podemos perceber que a obra Ser e tempo tem um projeto de

    retomada da questo do Ser esquecida pela ontologia tradicional e revista agora por

    Heidegger. Ao desenvolver esse projeto o autor nos apresenta o Dasein como sendo o

    ente privilegiado isso porque condio de possibilidade para todas as demais

    ontologias, O Dasein, entre todos os entes, aquele determinado pela existncia; [...]

    a condio de possibilidade de todas as outras ontologias (DUBOIS, 2004, p.19). Ele

    um ente privilegiado porque capaz de questionar o ser, e possui uma compreenso do

    ser. Isso muito significativo, pois segundo Giles (1989, p.96):

    Todo questionar uma procura e toda procura tem a sua direo prvia que

    lhe vem daquilo que procurado. Questionar procurar conhecer o ente

    naquilo que , como . A procura do conhecer pode assumir a forma de um

    investigar enquanto discernimento do objeto sobre o qual a questo

    formulada.

    Ele (Dasein) existe imediatamente em um mundo. Ou seja, Dasein o homem na

    medida em que existe na existncia cotidiana, junto com os demais entes em seus

    afazeres e preocupaes. Porm, a marca fundamental dessa pre-sena no mundo sua

    relao com o ser. Heidegger pensa o homem a partir dessa relao determinante, de

    modo que pode questionar todas as definies e abordagens sobre o homem

    apresentadas pela tradio filosfica. Da se poder afirmar que o Dasein no a mesma

    coisa que o homem, pois o Dasein implica pensar a partir da relao determinante com o

    ser. Ento, desde sempre se pe no mundo a partir de uma compreenso do ser, mesmo

    que no tematizada, ainda que no explicitamente formulada:

    Enquanto procura, o questionar exige uma orientao prvia pelo objeto

    questionado. O significado do Ser deve ser desde j acessvel a ns de

    alguma maneira. J notamos que nos locomovemos sempre dentro de uma

    compreenso do Ser. Dessa compreenso prvia surge a questo explcita

    sobre o significado do Ser e a tendncia a forjar o conceito correspondente.

    No sabemos o que quer dizer Ser. Mas, j perguntamos que ser,

    encontramo-nos dentro de uma compreenso do que , sem que possamos

    forjar conceitualmente o que o significa. Nem sequer conhecemos o

    horizonte a partir do qual devemos aprender a forjar o significado, mas, ao

    menos essa compreenso comum e vaga do ser um fato (GILES, 1989,

    p.96).

    Assim, podemos perceber que uma das condies fundamentais para a analtica da

    existncia que a existncia sempre se revela primeiramente ao Dasein e que lhe

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    sempre concernente a si mesma. essa compreenso de que abre para si mesmo a

    compreenso da existncia como presena. Acerca disso vejamos o que nos diz

    Heidegger (2011. p.48):

    Chamamos de existncia ao prprio ser com o qual a presena pode se

    comportar dessa ou daquela maneira e com o qual ela sempre se comporta de

    alguma maneira. Como a determinao essencial desse ente no pode ser

    efetuada mediante a indicao de um contedo quididativo, j que sua

    essncia reside, ao contrrio, no fato de dever sempre assumir o prprio ser

    como seu, escolheu-se o termo presena para design-lo enquanto pura

    expresso do ser.

    Assim, para investigar o Dasein, enquanto possuidor de uma compreenso do ser

    impe-se uma analtica existencial, que ter como tarefa explorar a conexo das

    estruturas que definem a sua existncia, quais sejam os existenciais. Vejamos como

    ocorre o processo de compreenso do Ser em Heidegger a partir da atuao da presena

    e sua relao com os momentos existenciais: ser-no-mundo, ser-com-os-outros e ser-

    para-a-morte (finitude). Segundo Dubois (2004, p. 51,52):

    O Dasein est perdido no impessoal. Tem, portanto, de reencontrar. Como

    capaz disso? necessrio que ele retorne de sua identificao a partir do

    impessoal. Como? Recuperando-se, isto , recuperando-se da negligncia de

    si, que significava ser como impessoalmente se . Ser Impessoal quer dizer

    no se escolher enquanto si mesmo. Trata-se portanto no de escolher isso ou

    aquilo, mas de se transportar para diante da clara conscincia de que a

    existncia escolha, que necessrio escolher. [...] de onde provm o

    rompimento com o impessoal? Isso s pode vir de mim [...] o que em mim

    me chama, enquanto eu, a ser eu mesmo? [...] a conscincia.

    Apenas aps compreender essa relao existencial do Dasein com-o-mundo,

    com-os-outros e por fim para-a-morte, a presena poder enfim assumir seu ser

    autntico, ou seja, assumir sua existncia autenticamente, pois enquanto isso no ocorre

    presena se perde no Impessoal e na inautenticidade.

    O Dasein como ser-no-mundo

    Dessa forma, podemos perceber que na obra filosfica de Heidegger existe

    explicitamente a evidncia de que a analtica existencial deve partir do ente que

    sempre Dasein, esse ser-a lanado no mundo e em relao com este mundo: O

    homem, portanto, no um espectador do grande teatro do mundo: o homem est no

  • 8

    mundo, envolvido nele, em suas vicissitudes. E transformando o mundo, ele forma e se

    transforma a si mesmo (REALE, 2006, p.205). Dasein compreendido imediatamente

    como homem, mas ao mesmo tempo tambm como mundo, sendo assim no uma

    mera coisa inerte no mundo, mas ao contrrio medida que compreende o ser se lhe

    abre o campo visual das possibilidades em sua existncia:

    A caracterstica mais importante de ser um sujeito individual que o homem

    pessoalmente preocupado com as possibilidades de sua prpria existncia, e

    pode realizar-se apenas em termos dessas possibilidades. O Ser-a pode tomar

    decises com referncia a essas possibilidades, pode ganhar ou perder seu

    verdadeiro eu em funo delas (GILES, 1989, p. 104).

    Para o Dasein se apresentam diversas possibilidades de existncia, e dependendo

    das escolhas poder realizar ou no uma existncia que corresponda ao seu verdadeiro

    modo de ser. Por esse motivo a presena tem a tendncia de compreender seu prprio

    ser a partir daquele ente com quem ela se relaciona e se comporta de modo especial,

    primeira e constantemente, a saber, a partir do mundo. (HEIDEGGER, 2011, p.53).

    Ele primeiramente presena no mundo, relao com o mundo no qual est lanado e

    deve fazer escolhas entre essas possibilidades. Para melhor entendermos o assunto

    vejamos o seguinte:

    O Ser-a lanado no mundo e regido pelos entes deste mundo. Dentro

    dessa perspectiva, o mundo transcende o Ser-a. Por outro lado, o Ser-a

    essencialmente construtor do mundo. Transcende-o e o ultrapassa. O Ser-a

    liberta o existente do seu ocultamento transcendental e lhe d o ser, isto , o

    seu significado (GILES, 1989 p. 109,110).

    O Ser-a (presena), portanto, nada mais do que o Dasein em sua existncia no

    mundo, ou melhor, seu ser-no-mundo; Enquanto ser-no-mundo, a presena existe,

    faticamente, com e junto a entes que vm ao encontro dentro do mundo

    (HEIDEGGER, 2011, p.418). Sendo assim, quando se percebe a presena j se encontra

    em um contexto de vivencias e relaes dentro de um mundo de culturas e valores

    diversos o qual se revela como desafio, como algo estranho a ser compreendido.

    assim que lanado em um mundo que lhe est mo, ou seja, j lhe dado. Porm

    nesse mesmo mundo que ele se afirma.

    Sabemos de antemo que o conceito de ser-no-mundo uma das estruturas

    fundamentais do Ser-a, embora no seja suficiente para determinar completamente seu

  • 9

    ser. Vejamos o que nos diz Heidegger a esse respeito (2011, p. 99) O ser-no-mundo ,

    sem dvida, uma constituio necessria e a priori da presena, mas de forma nenhuma

    suficiente para determinar por completo o seu ser. Fica evidente que apesar de no ser

    suficiente para determinar o ser da presena o modo de ser-no-mundo extremamente

    necessrio, pois atravs dele pode-se identificar a unidade que existe entre o homem e o

    mundo. Veja nesse sentido; mundo no determinao de um ente que a presena em

    sua essncia no . Mundo um carter da prpria presena (HEIDEGGER, 2011,

    p.112).

    Para um melhor entendimento da questo faamos a seguinte pergunta: O que

    significa ser-no-mundo segundo Martin Heidegger? Para respond-la evocamos aqui

    Dubois (2004, p.42): Ser-no-mundo significa ser junto s coisas no hbito e na

    familiaridade, e este hbito reforado pelo Impessoal, que o sentimento do estar em

    casa como asseguramento. Embora o Dasein seja lanado em um mundo catico ele

    tem a capacidade de organizar e dar sentido ao mundo em que vive, pois diferentemente

    dos demais entes que esto no mundo como coisas dentro de outra coisa, o Dasein

    est no mundo como existencial e assim sendo organizando o mundo e as coisas nele

    existentes dando-lhes sentido e determinando-lhes segundo as suas necessidades.

    Na realidade o Dasein se sente particularmente familiarizado com o mundo,

    acostumado com ele. Assim, acerca de sua realidade no mundo nos fala Dubois (2004,

    p.36): O Dasein como dissemos, em funo de si. Este ser em funo de si a raiz na

    qual se configura o mundo, o mundo sendo sempre pro-jetado, lanado em vista de mim

    mesmo, como meu mundo. Isso acontece porque o Dasein o ente privilegiado que

    tem a conscincia de sua participao decisiva no mundo, o que no acontece com os

    demais entes intramundanos que so simplesmente dados como objetos no mundo, por

    exemplo, uma mesa, ou uma cadeira que esto no mundo, mas no interagem nesse

    mundo justamente porque carecem do carter de dasein.

    O Dasein, no entanto percebe nessa relao com o mundo que no o nico ente

    lanado no mundo, bem como os demais entes viventes no mundo no so apenas

    objetos a mo, mas que existe uma realidade exterior quela que sempre sua, ou seja a

    realidade da existncia de outros entes que tem a mesma capacidade do ente que eu

    mesmo sempre sou, pois do mesmo modo que o Dasein que sempre sou como ser-no-

    mundo existe, tambm existem outros Dasein que vivem como seres-no-mundo e que

    possuem traos ontolgicos semelhantes aos meus.

  • 10

    Ser-com-os-outros

    Desse modo, inevitvel a concluso de que a minha existncia enquanto Dasein

    se processa no apenas no relacionamento que tenho com o mundo e seus entes

    simplesmente dados, mas tambm na relao que estabelecida com os outros Dasein:

    por esse motivo ser-no-mundo tambm significa indiscutivelmente ser-com-os-outros:

    A caracterizao do encontro com os outros tambm se orienta segundo a

    prpria presena [...]. Os outros no significam todo o resto dos demais

    alm de mim, do qual o eu se isolaria. Os outros, ao contrrio, so aqueles

    dos quais, na maior parte das vezes, no se consegue propriamente

    diferenciar, so aqueles entre os quais tambm se est. Esse estar tambm

    com os outros no possui o carter ontolgico de um ser simplesmente dado

    em conjunto dentro de um mundo. O com uma determinao da

    presena. O tambm significa a igualdade no ser enquanto ser-no-mundo

    que se ocupa de uma circunviso. Com e tambm devem ser entendidos

    existencialmente e no categorialmente. base desse ser-no-mundo

    determinado pelo com, o mundo sempre o mundo compartilhado com os

    outros. O mundo da presena mundo compartilhado. O ser-em ser-com os

    outros. (HEIDEGGER, 2011, p.174,175).

    Uma vez que o Dasein percebe a existncia de outros Dasein e entes que existem

    no mundo como ele, passa ento a se compreender no seu aspecto sociolgico, ou seja,

    o Dasein um ente que interage com outros entes que tambm se encontram no mundo

    de forma privilegiada e que justamente por isso tambm se manifestam de maneira

    singular e no apenas se lhe aparecem como objetos. O Dasein est em um mundo-com

    onde mantm relaes com entes simplesmente dado e ainda com outros entes

    privilegiados como ele.

    Heidegger deixa claro como se d essa relao no mundo com os outros entes.

    Segundo nos diz ela acontece de duas formas as quais denominou de preocupao

    (Frsorge) e ocupao (Besorge), enquanto que em sua relao com outros Dasein o

    homem se preocupa, na relao com os outros entes que esto a mo no mundo ele se

    ocupa:

    Se o ser-com constitui existencialmente o ser-no-mundo, ele deve poder ser

    interpretado pelo fenmeno da cura, da mesma forma que o modo de lidar da

    circunviso com o manual intramundano que, previamente, concebemos

    como ocupao. Pois esse fenmeno determina o ser da presena em geral

  • 11

    [...]. O carter ontolgico da ocupao no prprio do ser-com, embora esse

    modo de ser seja um ser para os entes que vm ao encontro dentro do mundo

    como ocupao. O ente, com o qual a presena se relaciona enquanto ser-

    com, tambm no possui modo de ser do instrumento mo, pois ele mesmo

    presena. Desse ente no se ocupa, com ele se preocupa (HEIDEGGER,

    2011, p.177).

    Vimos assim que em certos sentido a ocupao antecede a preocupao - embora

    encontremos certa simetria entre ambas - dentro dessas relaes no mundo, pois s a

    partir da convivncia que passa a existir a possibilidade de compreender-se e afirma-

    se enquanto existncia. Aqui chegamos a um ponto crucial da analtica existencial, pois

    nesse momento que a presena tende a lanar-se na vida pblica uma vez que a ideia

    de preocupao traz consigo em seus modos duas possibilidades que esto em extremos

    opostos (negativo e positivo). O modo negativo acontece no momento em que o Dasein

    se antecipa existncia do outro, muitas vezes usurpando-a para si e com isso tambm

    assume suas respectivas responsabilidades, esquecendo-se de si mesmo:

    Nessa preocupao, o outro pode tornar-se dependente e dominado mesmo

    que esse domnio seja silencioso e permanea encoberto para o dominado,

    essa preocupao substitutiva, que retira do outro o cuidado, determina a

    convivncia recproca em larga escala e, na maior parte das vezes, diz

    respeito ocupao do manual (HEIDEGGER, 2011, p. 178).

    Dessa maneira, o Dasein passa a viver de uma forma inautntica caindo no que

    Heidegger chama de impessoalidade.

    O modo positivo da preocupao diz respeito possibilidade de antecipao em

    sua possibilidade existenciria de ser, no para lhe retirar o cuidado e sim para

    devolv-lo como tal (HEIDEGGER, 2011, p.178,179). Mas agora se faz necessrio

    entender como que a presena nessa convivncia com outras presenas acaba por

    mergulhar na impessoalidade e assumir uma forma inautntica de existncia.

    O impessoal

    Para Heidegger o modo de ser que a presena mais tem proximidade justamente

    o impessoal. Vejamos o que nos diz Macdowell (1993, p. 174,175):

    O homem de incio e de ordinrio, decai do seu ser prprio e autntico,

    alienando-se no mundo. Ele no se entende a partir de suas possibilidades

  • 12

    prprias de ser, antes projeta-se a partir do ente intramundano e das

    possibilidades, que este lhe oferece. Esta inclinao ao decaimento, a no ser

    ele mesmo, representa um dos traos fundamentais do ser do homem, ao lado

    da compreenso do ser, da finitude fctica e da expressividade.

    Assim a presena decai de seu ser-com para o ser-entre, perdendo-se enquanto

    referncia de si-mesma, busca na impessoalidade o seu norte. Nesse modo de ser a

    presena perde seu poder de decidir, pois sua deciso estar sempre condicionada a dos

    outros a coletividade a referncia, ela que dita o que certo e errado e assim

    revela-se o quem da existncia cotidiana como sendo antes de tudo segundo Heidegger

    todo mundo velando-se assim o ser autntico da presena. Heidegger chamou a esse

    modo de compreenso do ser da presena de decadente, pois nesse movimento do ser

    que sai do modo autntico de existncia para o modo inautntico o ser passa a viver na

    dimenso do pblico tendo como caractersticas os modos de ser do afastamento,

    medianidade e nivelamento:

    Tudo que originrio se v da noite para o dia, nivelado como algo de h

    muito conhecido. O que se conquista com muita luta torna-se banal. Todo

    segredo perde sua fora. O cuidado da medianidade desvela tambm uma

    tendncia essencial da presena, que chamamos de nivelamento de todas as

    possibilidades de ser (HEIDEGGER, 2011, p.184).

    Vemos assim que na cotidianidade h uma compreenso mediana das coisas que

    pe tudo sob um mesmo nivelamento e forma um modo de ser que existe no anonimato.

    Essa medianidade controladora, e impe-se sobre toda primazia. Aqui no existe

    individualidade, mas sempre a coletividade no horizonte de compreenso da vida

    cotidiana que forma ento o ser-pblico. Desse modo, realiza-se superficialmente a

    prpria compreenso e com isso tambm a compreenso do ser. A publicidade, todavia,

    no penetra a fundo na origem e sentido das coisas, o que faz com que exista sempre

    uma obscuridade com relao compreenso das mesmas, pois o pblico:

    Rege, j desde sempre, toda e qualquer interpretao da presena e do

    mundo, guardando em tudo seu direito. E isso no por ter construdo um

    relacionamento especial e originrio com o ser das coisas [...] o pblico

    obscurece tudo, tomando o que assim se encobre por conhecido e a todos

    acessvel (HEIDEGGER, 2011, p.184,185).

  • 13

    A impessoalidade em que a presena se esconde caracterizada tambm pela

    falao5, pela curiosidade e ainda pela a ambiguidade, que so na verdade a forma de

    existncia em que se encontra denominada por Heidegger de decadncia6:

    A falao, a curiosidade e a ambiguidade caracterizam o modo em que a

    presena realiza cotidianamente o seu pre, a abertura de ser-no-mundo.

    Como determinaes existenciais, essas caractersticas no so algo

    simplesmente dado na presena, constituindo tambm o seu ser. Nelas e em

    seu nexo ontolgico, desvela-se um modo fundamental de ser da

    cotidianidade que denominamos com o termo decadncia da presena

    (HEIDEGGER, 2011, p. 240).

    O que podemos constatar no pensamento filosfico heideggeriano com relao

    decadncia que a mesma no tem o sentido negativo, mas na verdade ela configura

    algo necessrio compreenso do ser, pois o ser se compreende num primeiro momento

    em sua relao-com e junto-ao-mundo. Vejamos o que nos diz Heidegger (2011, p.241):

    Enquanto ser-no-mundo ftico, a presena, na decadncia, j decaiu de si

    mesma; mas no decaiu em algo ntico com o que ela se deparou ou no se

    deparou no curso de seu ser, e sim no mundo que, em si mesmo, pertence ao

    ser da presena. A decadncia uma determinao existencial da prpria

    presena e no se refere a ela como algo simplesmente dado, nem a relaes

    simplesmente dadas com o ente do qual ela provm, ou com o qual ela

    posteriormente acaba entrando em um commercium.

    Assim, a presena se encontra em sua forma decadente de maneira que

    poderamos dizer necessariamente (grifo nosso), pois compreender-se enquanto ser

    5 O verbo alemo reden significa falar, discursar, discorrer. Dele se derivou a forma das Geredete para

    exprimir uma conotao especfica de excesso, superficialidade e descompromisso com o que se fala.

    Esta conotao, porm, corresponde a uma tendncia constitutiva do exerccio concreto da existncia.

    Para traduzi-lo, recorreu-se ao uso corrente da palavra falao (HEIDEGGER, 2011, p. 575,576).

    6 O termo decadncia corresponde expresso alem Verfallen, inclusive nas conotaes morais e

    desabonadoras que Ser e tempo exclui. Trata-se de um termo que remete estrutura ontolgico-

    existencial que a presena e no a uma qualidade ou moralidade. Em portugus, o timo de cadncia, do

    latino cadare, exprime literalmente o que Heidegger expressamente insiste de que decadncia significa

    movimentao do ser. (HEIDEGGER, 2011, p.576) Apesar do sentido de deteriorao, Heidegger insiste

    que Verfallen no um termo de desaprovao moral, nada tendo em comum com a acepo crist de

    queda da graa (XX, 391; ST. 179s; CH, 329/235s) (INWOOD, 2002, p.31).

  • 14

    exige da presena essa relao com o mundo. O problema que surge dessa relao que

    na forma decadente em que a presena se encontra envolvida pela falao, pela

    curiosidade e pela ambiguidade, ela perde sua individualidade tornando-se um ser

    pblico, uma vez que passa a viver de forma imprpria, pois abre mo de suas escolhas

    e deixa a responsabilidade de si a cargo dos outros.

    Envolvida pelo sentimento de segurana e estabilidade que o impessoal lhe

    proporciona a presena se entrega a esse modo imprprio de viver-no-mundo, pois

    pela falao a presena compreende seu mundo e a relao de si-com-os-outros, o

    falatrio retira da presena sua responsabilidade diante de sua possibilidade mais

    prpria. A partir da vive-se como todo mundo, seguindo sempre o que o impessoal

    prescreve:

    Assim nos divertimos e entretemos como impessoalmente se faz; lemos,

    vemos e julgamos sobre a literatura e a arte como impessoalmente se v e

    julga; tambm nos retiramos das grandes multides como impessoalmente

    se retira; achamos revoltante o que impessoalmente se considera revoltante.

    O impessoal, que no nada determinado, mas que todos so, embora no

    como soma, prescreve o modo de ser da cotidianidade (HEIDEGGER, 2011,

    p.184).

    O palavreado do falatrio envolve o Dasein de tal forma que j no se preocupa

    (grifo nosso) em suas relaes com-os-outros, apenas se ocupa (grifo nosso) de levar

    adiante o que ouviu, no importando a fonte nem o contedo, apenas deseja romper o

    silncio meramente para manter uma comunicao. A comunicao estabelecida aqui

    tende a empurrar a presena para a segunda forma da decadncia degenerada na

    impessoalidade que a curiosidade7, pois j no procura o questionamento genuno das

    coisas, o seu por que. A busca nesse momento por informao e atualidades que

    acreditamos estar acontecendo no mundo. Quem compreende ou Quem comunica? O

    7 A voracidade insacivel de novidades pelo simples fato de ser diferente e diverso integra o mecanismo

    da despersonalizao e descaracterizao de toda autonomia e respeito da propriedade. O curioso no se

    interessa por transformar-se e diferenciar-se. Ao contrrio, busca nas mudanas incessantes de novidade

    preservar e manter esttica e parada sua realizao. Ao se traduzir Neugier por curiosidade, perde-se o

    sentido imediatamente inscrito no timo alemo de novo (neu), ficando apenas o sentido latino de cuidar

    em ver, de concupiscncia do olhar (HEIDEGGER, 2011, p. 576).

  • 15

    Quem do impessoal na verdade so os outros que ao mesmo tempo no

    ningum8.

    Dessa maneira somos levados pelo palavreado e pela curiosidade a ocupar-nos de

    questionamentos sobre os quais qualquer um pode dizer qualquer coisa e assim

    decamos na terceira forma da inautenticidade que Heidegger chamou de

    ambiguidade. Vejamos como ele se expressa sobre o assunto:

    A ambiguidade da interpretao pblica proporciona as falas adiantadas e os

    pressentimentos curiosos com relao ao que propriamente acontece,

    carimbando assim as realizaes e as aes com o selo de retardatrio e

    insignificante. Desse modo, no impessoal, o compreender da presena no v

    a si mesmo em seus projetos, no tocante s possibilidades ontolgicas

    autnticas. A presena sempre por a de modo ambguo, ou seja, por a na

    abertura pblica da convivncia, onde a falao mais intensa e a curiosidade

    mais aguda controlam o negcio, onde cotidianamente tudo e, no fundo,

    nada acontece (HEIDEGGER, 2011, p.239).

    Em face de tudo isso o Dasein perde sua autenticidade e passa a viver de forma

    inautntica. Porm, importante frisar que a inautenticidade como vimos no tem um

    sentido negativo ou positivo, pois ao fazer parte da condio necessria para nossa

    existncia ela nos proporciona interpretar nosso prprio existir. O problema que essa

    interpretao parte sempre do impessoal e dessa forma o Dasein no assumi sua

    existncia prpria, pois para isso ele precisaria interpretar sua existncia de forma

    pessoal e no coletiva. Ora, o Ser-a que d sentido as coisas, por outro lado, sempre

    se constri enquanto ser de relaes com-outros e com as coisas que esto no mundo,

    pois como j notamos em tpicos anteriores no h existncia da presena no-mundo se

    no houver relaes com-os-outros.

    8 Esses ninguns encenam uma pea espectral no palco de Heidegger. So mscaras, mas no h nada por

    trs delas. Nenhum si mesmo. Onde ficou o si mesmo? Impropriedade um estado de afastamento, de

    separao, de estranhamento do mesmo prprio? O verdadeiro si mesmo aguarda em ns ou atrs dos

    bastidores, para finalmente voltar a ser realizado (verwirklicht)? No, diz Heidegger. A impropriedade

    seria a forma original de nosso dasein, e no apenas no sentido do (onticamente) habitual, habitual, mas

    tambm do ontolgico. Pois a impropriedade um existencial como o ser-em (In-Sein). (SAFRANSKI, 2005, p. 203).

  • 16

    Poderamos nos perguntar o que queria Heidegger ao questionar a autenticidade

    ou no da forma de existir do Dasein e ao fazermos essa pergunta obteramos de

    Vattimo a seguinte resposta:

    Heidegger diz que o estar-a pode ser autntico ou inautntico j que sendo

    ele prprio a sua possibilidade, . Por outro

    lado, [...] a inautenticidade parece caracterizar-se essencialmente pela

    incapacidade de alcanar uma verdadeira abertura em direo das coisas, uma

    verdadeira compreenso, j que em vez de encontrar a prpria coisa nos

    mantemos nas opinies comuns. A autenticidade (Eigentlichkeit) tomada

    por Heidegger no sentido etimolgico literal, em conexo com o adjectivo

    (eigen). Autntico estar-s que se apropria de si, isto , que se

    projecta na base da sua possibilidade mais sua (VATTIMO, 1989, p. 43,44).

    Diante do que Vattimo coloca percebemos que o intuito de Heidegger que o

    Dasein assuma seu ser autntico e para isso preciso assumir sua responsabilidade, o

    que s ser possvel se ele assumir sua condio de liberdade que determina sua

    existncia autntica. O Dasein livre em suas escolhas.

    Diante da cotidianidade e da relao que estabelece com-outros o Dasein precisa

    voltar-se para a compreenso do cuidado9, pois s a partir dessa compreenso possvel

    assumir uma identidade prpria. O cuidado, portanto tem por finalidade o

    desprendimento do Ser-a enquanto relao utilitria estabelecida com o mundo:

    O que o cuidado? Heidegger caracteriza o cuidado como ser na

    antecedncia de si (momento da existncia como projeto, ser para um poder-

    ser) [...] o cuidado portanto o ser do Dasein, e funciona a este ttulo como

    puro a priori. Ele , assim, a condio de possibilidade, a abertura necessria,

    o espao de jogo para fenmenos como o querer, o desejar, a propenso, a

    inclinao (DUBOIS, 2004, p.43).

    9 (lat. Cura; al. Sorge; it. Cura). A preocupao, que, segundo Heidegger, o prprio ser do Dasein (Ser-

    a), da existncia. O C. a totalidade das estruturas ontolgicas do Dasein (Ser-a) como ser-no-mundo:

    em outros termos, compreende todas as possibilidades da existncia que estejam vinculadas s coisas e

    aos outros homens e dominadas pela situao. [...] Como foi cuidado quem primeiro imaginou o homem,

    que fique com ele enquanto ele viver (Sein und Zeit, 42). Todavia, Heidegger adverte: Essa expresso

    nada tem a ver com aflio, tristeza, preocupao da vida como se revelam onticamente em cada

    Dasein (Ser-a). Ao contrrio, onticamente possvel algo como despreocupao e alegria, justamente

    porque o Dasein (Ser-a), ontologicamente entendido, cuidado (cura); como ao Dasein (Ser-a) pertence

    de modo essencial o ser-no-mundo, seu ser em relao com o mundo essencialmente ocupao

    (ibid.,12) (ABBAGNANO, 2007, p.261).

  • 17

    Esse desprendimento ser possvel atravs do projeto10

    . Pois, o Dasein lanado

    como ser em projeto. Compreender-se neste ou naquele projeto de si igualmente

    colocar-se diante da obrigao de ter de escolher (DUBOIS, 2004, p.54). Como

    possvel estar nesse projeto uma vez que vive de forma imprpria e impessoal? O que o

    possibilita projetar-se a conscincia que tem de sua condio e de sua dvida:

    A conscincia no um higienista espiritual recomendando-nos lavar a

    sujeira do mundo e mantermo-nos longe dele; , ao contrrio, uma

    recordao do fato de que estamos inexplicavelmente ligados ao mundo pelas

    linhas do cuidado. Ela nos chama a ateno para nossa existncia como

    projeo lanada, e renova nosso reconhecimento de que nunca podemos nos

    apoderar de [nosso] ser mais prprio a partir dos fundamentos. por isso

    que a conscincia autntica sempre uma conscincia culpada. (RE, 2000,

    p.47,48).

    Essa condio consciente em que o Dasein se encontra faz com que o mesmo se

    angustie diante da possibilidade do seu poder-ser mais prprio, qual seja o ser-para-a-

    morte. Isso faz num primeiro momento, com que fuja, ou seja, o Dasein est lanado

    num mundo o qual no escolheu e ao se perceber como ser no mundo descobre em

    seguida que a finitude de sua existncia o que ele tem em si de mais seguro e certo.

    Diante disso foge para a impessoalidade e a forma de existncia inautntica uma vez

    que lhe proporciona certa segurana. Eis a a dvida, a fuga de seu ser autntico.

    Dasein e angstia

    Porm, uma vez que a angstia11

    sempre possibilitar uma abertura ao Dasein

    para assumir sua possibilidade mais prpria ele poder livrar-se do ser inautntico da

    cotidianidade e do impessoal, pois como Heidegger nos diz:

    10

    [...] Em geral, a antecipao de possibilidades: qualquer previso, predicao, predisposio, plano,

    ordenao, predeterminao etc., bem como o modo de ser ou de agir prprio de quem recorre a

    possibilidades. Neste sentido, na filosofia existencialista, o P. a maneira de ser constitutiva do homem

    ou, como diz Heidegger (que introduziu a noo), sua constituio ontolgica existencial (Sein und Zeit,

    31). Heidegger insistiu tambm na tese de que todo projetar-se, por antecipar possibilidades de fato,

    incide sempre no fato e no vai alm: de tal modo que a mxima do homem que se projeta S o que s

    (ibid). Em outro trecho Heidegger disse que P. do mundo, em que consiste a existncia humana,

    antecipadamente dominado pela facticidade, que ele procura transcender, mas acaba reduzindo-se e

    nivelando-se com a facticidade (Vom Wesen des Grundes, 1929, 3; trad. It., pp. 67 ss). (ABBAGNANO,

    2007, p.943).

    11 A raiz da A. a existncia como possibilidade. [...]. Ao contrrio do temor e de outros estados

    anlogos, que sempre se referem a algo determinado, a A. no se refere a nada preciso: o sentimento

  • 18

    Na presena, a angstia revela o ser para o poder-ser mais prprio, ou seja, o

    ser-livre para a liberdade de escolher e acolher a si mesma. A angstia arrasta

    a presena para o ser-livre para... (propension in), para a propriedade de seu

    ser enquanto possibilidade de ser aquilo que j sempre . A presena como

    ser-no-mundo entrega-se, ao mesmo tempo, responsabilidade desse ser

    (HEIDEGGER, 2011, p. 254).

    dessa maneira que Heidegger nos faz entender que no conceito de angstia

    onde se encontra o trao totalizante que define o ser-a, isto a angstia como uma

    disposio compreensiva que oferece o solo fenomenolgico para a compreenso

    explicita da totalidade originria do Dasein. Podemos dizer dessa maneira que angstia

    na filosofia de Heidegger no somente um fenmeno que se refere apenas a um ente,

    mas sim possui tambm uma dimenso ontolgica, pelo fato de nos remeter a possvel

    totalidade da existncia como ser-no-mundo.

    A forma decadentente em que o Dasein se encontra como j notamos algo

    fundamental para a sua compreenso do ser, pois a partir da relao com o mundo e

    com outros Dasein que possvel uma primeira compreenso do ser. A negatividade

    que se faz presente no projeto do Dasein o fato de no querer assumir sua

    possibilidade mais prpria, ou seja, seu ser-para-a-morte, estando assim sempre em

    dvida consigo por no assumir-se.

    Para assumir-se como autntico a presena precisa romper com toda forma de

    impessoalidade e isso angustiante e amedrontador uma vez que no impessoal se sente

    segura, pois o impessoal, oculta o ser mais prprio do Dasein no mundo do pblico.

    Como nos diz Heidegger:

    puro da possibilidade. O homem no mundo vive de possibilidade, uma vez que a possibilidade a

    dimenso do futuro, e o homem vive continuamente debruado sobre o futuro. Mas as possibilidades que

    apresentam ao homem no tm nenhuma garantia de realizao. [...] na realidade, como possibilidades

    humanas, no oferecem garantia alguma e ocultam sempre a alternativa imanente do insucesso, do

    fracasso e da morte. [...] Heidegger centrou na A. sua anlise existencial [...] A A. a situao afetiva

    fundamental, que pode manter aberta a contnua e radical ameaa que vem de ser mais prprio e isolado

    do homem: isto , a ameaa da morte. Na A., o homem sente-se em presena do nada, da

    impossibilidade possvel da sua existncia. Nesse sentido, a A. constitui essencialmente o que Heidegger

    chama de ser para a morte, ou seja a aceitao da morte como possibilidade absolutamente prpria,

    incondicional e insupervel do homem (Sein und Zeit, 53). Mas nem por isso a A. o medo da morte ou

    dos perigos que possam provoc-la (ABBAGNANO, 2007, p. 63,64).

  • 19

    Sabe-se com certeza da morte e, no entanto, no se est propriamente certo

    dela. A cotidianidade decadente da presena conhece a certeza da morte, mas

    escapa do estar-certo. Esse escape, no entanto, atesta fenomenalmente que a

    morte, aquilo de que se escapa, deve ser compreendida como a possibilidade

    mais prpria, irremissvel, insupervel, certa. Diz-se que a morte certamente

    vem, mas por ora ainda no. Com esse mas, o impessoal retira a certeza da

    morte. O por ora ainda no no mera proposio negativa e sim uma

    autointerpretao do impessoal, em que testemunha aquilo que, numa

    primeira aproximao, ainda permanece acessvel e passvel de ocupao

    para a presena. A cotidianidade fora a importunidade da ocupao e se

    prende a um pensar na morte cansado e ineficaz. A morte transferida para

    algum dia mais tarde, apoiando-se numa assim chamada avaliao

    genrica(HEIDEGGER, 2011, p.334,336).

    por intermdio da angstia, portanto que o Dasein pode libertar-se da sua

    condio impessoal e inautntica em que est inserido. A totalidade do ser a qual

    Heidegger se refere nada mais do que assumir seu ser mais prprio o ser-para-a-

    morte. Enquanto no assumir essa atitude ante o impessoal, continuar confiante em

    meio aos seus utenslios tranquilizadores tentando esconder seu desamparo, no

    querendo reconhecer sua realidade, ou seja, de que est lanado no mundo sem nenhum

    tutor. Vivendo inautenticamente, tentando se desviar do seu prprio ser, do ser que

    estar-a desamparado sem consolo, o ser que est-para-morrer.

    Dasein e finitude

    Diante do que podemos observar nos pargrafos anteriores o Dasein possui um

    projeto, qual seja, a antecipao de possibilidades, se trata de um poder-ser total que s

    poder acontecer na compreenso da morte como finitude da presena em sua

    existncia:

    um lugar comum dizer que a morte a grande igualizadora, mas em outro

    sentido, como Heidegger aponta, ela o que nos individualiza de forma

    mais absoluta. A morte no nos dota de individualidade no sentido de uma

    personalidade interna distinta, mas estabelece as diferenas nuas que separam

    uma existncia de outra: os fatos tumulares da vida. Apesar da sociabilidade

    extrema do mundo-compartilhado, cada existncia , ao fim e ao cabo,

    radicalmente no relacional. Sua morte diz respeito unicamente a voc,

    porque quando voc morre, seu estar-no-mundo-com-outros chega a um fim,

    mas o deles, embora possa ser afetado de um ou outro modo, continua. O

    nico sentido em que voc pode apreender sua existncia como um todo

    confrontando a possibilidade de no-poder-mais-estar-a [...] como sua

    possibilidade mais prpria, e vendo assim sua vida como uma permanente

    incompletude que no obstante chegar a um fim (RE, 2000, p. 49,50).

  • 20

    A grande questo que surge nesse momento como o Dasein pode alcanar essa

    totalidade uma vez que a sua existncia caracterizada por uma permanente

    incompletude? Pela capacidade que tem de antecipar o futuro, pois justamente essa

    incompletude que denuncia o carter singular do Dasein, uma vez que o mesmo no

    se constitui apenas do passado, presente ou futuro como comumente o tempo

    compreendido no impessoal (existncia inautntica) numa sequncia de agoras, mas

    enquanto existncia autntica pode tambm estender-se ao futuro. Por isso Heidegger

    trabalha a questo da temporalidade evidenciada na morte que inevitvel:

    A presena no preenche um trajeto e nem um trecho da vida j

    simplesmente dado. Ao contrrio, ela se estende a si mesma de tal maneira

    que seu prprio ser j se constitui como ex-tenso. No ser da presena j

    subsiste um entre que remete a nascimento e morte. De forma nenhuma, a

    presena s real num ponto do tempo, de maneira que, alm disso, estaria

    cercada pela no realidade de seu nascimento e de sua morte.

    Compreendido existencialmente, o nascimento no e nunca pode ser

    passado, no sentido do que no mais simplesmente dado. Da mesma

    maneira, a morte no tem o modo de ser algo que ainda simplesmente no se

    deu, mas que est pendente e em um advento. De fato, a presena s existe

    nascente e nascente que ela j morre, no sentido de ser-para-a-morte. Estes

    dois fins e o seu entre so apenas na medida em que a presena existe

    faticamente, e apenas so na nica maneira possvel, isto , com base no ser

    da presena enquanto cura12

    . (HEIDEGGER, 2011, p.445,446).

    Compreendendo-se dessa maneira o Dasein liberta-se ento de sua vida

    inautntica e passa a assumir a responsabilidade de sua existncia, pois s ao assumir

    essa responsabilidade que poder existir enquanto ser total.

    Noutros termos, a vida autntica este reconhecimento de um ser-para-a-

    morte, que se manifesta mediante a certeza da morte {como} possvel a

    cada instante. A responsabilizao do individuo frente a sua prpria morte

    (como no sendo adiada ou remetida ao fim da vida) , portanto, a tomada

    de conscincia profundamente existencial de que ele no deve a significao

    de sua existncia a nada seno a seus prprios atos, e sobretudo no deve

    12

    Quando se pretende remeter para o nvel de estruturao da presena em qualquer relao, usa-se

    sempre o termo latino cura, pois indica a constituio ontolgica. Quando porm se quer acentuar as

    realizaes concretas do exerccio da presena, ou seja, a sua dimenso ntica utiliza-se a palavra cuidado

    e seus derivados (HEIDEGGER, 2011, p.565).

  • 21

    utilidade e atividade cotidiana. O ser autntico ento aquele que

    reconhece sua morte como nica especificidade, visto que ningum pode

    substitu-lo em sua prpria morte; assim, ela a nica coisa que lhe pertence

    propriamente (HUISMAN, 2001, p.115,116).

    Na aceitao dessa condio finita reside ento o poder ser livre para escolher-se

    autenticamente, pois enquanto vive na impessoalidade no consegue enxergar sua

    finitude que lhe ocultada pela forma de viver cotidiana que fazendo uso de sua

    temporalidade coloca a existncia em uma sequncia de agoras onde o fator morte

    visto como algo que acontecer em um momento ainda distante, tendo vista que

    nascemos, crescemos e s depois, bem no fim morremos. Todavia na antecipao o

    Dasein compreende o seu ser-para-a-morte e assume sua condio de finitude que pode

    acontecer a qualquer instante:

    Se, antecipando a morte, a presena pode tornar-se potente em si mesma,

    ento, na liberdade para a morte, a presena se compreende na potncia

    maior de sua liberdade finita. Nesta, que s no ter-escolhido da escolha, a

    presena assume a impotncia de estar entregue a si mesma, tornando-se

    capaz de ver, com clareza, os acasos da situao que se abriu. (HEIDEGGER,

    2011, p. 476).

    Consciente de sua condio, impotente diante da morte, irremissvel e insupervel

    o Dasein se assume ento como ser que se determina em suas possibilidades, pois

    apenas ele e nenhuma outra entidade que condiciona sua existncia como ser-no-mundo

    e com-os-outros. Assume-se enquanto projeto de ser autntico em que consegue fundir

    o passado (nascimento), presente (extenso) e o futuro (finitude) compreendendo assim

    a temporalidade originria do ser, que existe a partir do ser-no-mundo.

    CONSIDERAES FINAIS

    Martin Heidegger sem dvida nenhuma, um dos principais filsofos do sculo

    XX destacando-se principalmente no campo da filosofia da analtica-existencial. Suas

    reflexes indiscutivelmente marcaram a histria do pensamento ocidental, pois ao

    pensar o problema acerca do Ser, faz com que a filosofia retome a abordagem desse

  • 22

    tema que esquecido e considerado resolvido pela tradio novamente posto como

    problema.

    Nossa atividade consistiu ento de uma anlise dos conceitos empregados por

    Heidegger, em sua obra Ser e Tempo, bem como na utilizao de comentadores que nos

    possibilitaram ferramentas indispensveis para uma melhor compreenso de seu

    pensamento. A nossa proposta limitou-se a pensar a analtica-existencial apresentada

    por Heidegger em Ser e Tempo sobre o aspecto do sentido do Ser em seus trs modos

    existenciais, quais sejam, o ser-no-mundo, o ser-com-os-outros e o ser-para-a-morte,

    dando especial destaque ao conceito de ser-para-a-morte uma vez que abordamos aqui

    a existncia como finitude.

    Ao longo do artigo procuramos evidenciar os principais conceitos utilizados na

    obra Ser e Tempo e que foram fundamentais em nossa anlise, como o caso do

    conceito de Dasein (Ser-a ou Presena), que conforme argumentamos, seguindo

    Heidegger, fundamental para se compreender a analtica da finitude, pois o mesmo

    tomado como a base ontolgica para toda investigao. Analisamos ainda conceitos

    como impessoal, inautntico, autntico, imprprio, prprio, angstia, cotidianidade, e

    outros, que j de antemo apontavam para a limitao e sua consequente finitude.

    Nossa tarefa consistiu em compreender como foi ento desenvolvida toda essa

    problemtica existencial e como o Dasein pode buscar em meio a um mundo pblico do

    impessoal a sua individualidade, o seu ser mais prprio. Descobrimos que o caminho

    que possibilitou essa forma prpria de existir, ou seja, de viver autenticamente e assim

    poder responder por si como ente privilegiado que e que d sentido a sua prpria

    existncia, aponta para sua compreenso enquanto ser-no-mundo que se relaciona com

    as coisas e com-outros Dasein, e para a tomada de conscincia de sua condio finita,

    ou seja, compreender que um ser-para-a-morte. Essa tomada de conscincia e a

    aceitao de sua condio a liberdade que encontra na sada do modo de vida pblico,

    e enfim consegue assumir-se como propriedade de si mesmo, est nesse momento de

    posse de todo o seu projeto e de todas as suas possibilidades, inclusive a da morte.

    Ser-para-a-morte assumir o sentido prprio da existncia e isso o que propcia

    ao Dasein o afastamento das iluses do mundo pblico. Antecipar a morte no

    cometer suicdio, mas encontrar o sentido do ser enquanto existente como Dasein.

  • 23

    ABSTRACT

    The article aims to analyze the reality of Dasein (Being-there) according to Martin Heidegger (1889-

    1976) in his work Being and Time. Therefore, focuses on the ways of being of presence (Dasein) as being

    in the world, being-with-others and being-toward-death (finitude), delineating the existential-

    phenomenological investigation of the theme, according to Heidegger, that was forgotten by the

    Western philosophical tradition from Plato to Nietzsche. We also present modes of being of Dasein as a

    being that is projected, that anguish, lives and exists in an authentic or inauthentic and, in particular, being

    that decides and choose himself your existence, shaping and giving meaning to the world in which is

    released. Dasein is the only being that enables all the research, in order to be the only being that opens the

    fundamental condition for the analysis of being, then if to ask if the entity is privileged precisely because

    he is aware of his condition and existence in the world and in its worldliness, to be aware of their own

    finitude, his being-toward-death that contrary to fears often is not the end of its existence, but its power

    can be total.

    KEYWORDS: Heidegger, Being-there, Existence, Finitude.

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