Analise Estrutural de Mitos em Contos de Fadas

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“A necessidade do mito O mito é o nada que é tudo O mesmo sol que abre os céus É um mito brilhante O corpo morto de Deus Vivo e desnudo Este, que aqui aportou Foi por não ser existindo. Sem existir nos bastou. Por não ter vindo foi vindo E nos criou. Assim a lenda se escorre A entrar na realidade. E a fecundá-la decorre. Em baixo, a vida, metade De nada, morre. ”(Fernando Pessoa) Nesse trabalho, vamos tentar analisar, a partir da obra de Lévi-Strauss, a concepção do mito em contos. Primeiramente, é importante conceituar como o conceito de mito foi historicamente construído. Ele inicia-se na filosofia grega pré-socrática como um pensamento do passado grego que deveria ser superado pela idéia de razão, ocorrendo, dessa maneira, na ordem do irracional. A dicotomia entre razão (ordem do inteligível) e mito (ordem do sensível), na qual o segundo pressupunha uma abstração, que deveria ser substituída pela filosofia, a qual o projeto estruturalista pretende superar, sendo o mito da mesma ordem que a razão, apenas operando de formas diferentes. O conhecimento científico do mundo seria fruto de formas abstratas de conceitos, sendo autodestrutivo e nunca tornar-se-ia completo, aberto a novas concepções, enquanto o pensamento mítico, acreditado como fechado e se auto-realiza em si mesmo, entretanto, Lévi-Strauss mostra que o mito não é fechado, pois está aberto à mudanças, como mudanças de

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“A necessidade do mitoO mito é o nada que é tudoO mesmo sol que abre os céusÉ um mito brilhanteO corpo morto de DeusVivo e desnudoEste, que aqui aportouFoi por não ser existindo.Sem existir nos bastou.Por não ter vindo foi vindoE nos criou.Assim a lenda se escorreA entrar na realidade.E a fecundá-la decorre.Em baixo, a vida, metadeDe nada, morre. ”(Fernando Pessoa)

Nesse trabalho, vamos tentar analisar, a partir da obra de Lévi-Strauss, a concepção do

mito em contos. Primeiramente, é importante conceituar como o conceito de mito foi

historicamente construído. Ele inicia-se na filosofia grega pré-socrática como um

pensamento do passado grego que deveria ser superado pela idéia de razão, ocorrendo,

dessa maneira, na ordem do irracional. A dicotomia entre razão (ordem do inteligível) e

mito (ordem do sensível), na qual o segundo pressupunha uma abstração, que deveria

ser substituída pela filosofia, a qual o projeto estruturalista pretende superar, sendo o

mito da mesma ordem que a razão, apenas operando de formas diferentes. O

conhecimento científico do mundo seria fruto de formas abstratas de conceitos, sendo

autodestrutivo e nunca tornar-se-ia completo, aberto a novas concepções, enquanto o

pensamento mítico, acreditado como fechado e se auto-realiza em si mesmo, entretanto,

Lévi-Strauss mostra que o mito não é fechado, pois está aberto à mudanças, como

mudanças de personagens, cenários e situações. Assim como a ciência, o mito não

possui dono. Ele é algo a priori, já colocado no mundo. Ele não é possuído pelo

narrador, que apenas é um interlocutor para a transmissão daquele. Enquanto o mito está

numa tradição passada oralmente, a ciência está numa tradição escrita, possuindo,

entretanto, uma similaridade, que pode ser percebida que ambos enunciam como as

categorias empíricas podem ser ferramentas conceituais, encaixadas em proposições,

sendo aí que os pensamentos civilizado e primitivo se encontrariam.

O mito, teorizado por Strauss, é uma espécie de “liquidificador”, misturando apenas

ordens que deveriam estar separadas. Desse modo, tudo pode acontecer e os fatos que

nele acontecem se contrapõe à realidade, como transformações de homens em animais e

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coisas, como no mito indígena a ser exemplificado posteriormente. O mito junta

natureza e cultura, mostrando que essas duas dimensões acontecem em um mesmo

contínuo, pensado pelo autor como um pensamento que ocorre em uma cisão entre

natureza e cultura, baseado em livres associações que fazem parte do universo das

regras, como fatos naturais da vida, universais, enquanto fenômenos descontínuos

seriam particulares ou culturais. O mito, assim, não é particular a um grupo, pois existe

apenas um mito, o mito da mitologia, que possui diferentes versões, pertencentes à

mesma estrutura. A preocupação de Strauss e também desse trabalho é mostrar as

relações existentes entre os elementos internos dos contos regionais e também de fadas.

O mito da mitologia, para Lévi-Strauss, deveria ser explicado a partir de outros mitos,

uma vez que eles operam em cadeias de transformações uns dos outros, não importando

a escolha inicial que se faça para começar a análise mitológico-estrutural. Na sua obra, o

autor escolhe o mito Bororo para começar a análise, enquanto nós apenas

compararemos as semelhanças e diferenças entre alguns contos escolhidos. O método

escolhido pelo autor para a análise pode ser descrito no trecho que segue:

“... cada mito é analisado independentemente, procurando-se traduzir a sucessão de

acontecimentos por meio de frases o mais curtas possíveis. Cada frase é inscrita numa

ficha que traz um número correspondente a seu lugar na narrativa. Percebe-se, então,

que cada cartão consiste na atribuição de um predicado a um sujeito. Ou melhor,cada

grande unidade constitutiva tem a natureza de uma relação” (Strauss, pag. 243.

1955/1970)

Assim, a análise chega à conclusão de que nenhum mito é uma versão completa das

coisas, mas fragmentos de uma mesma coisa. Como já dito, pode ser necessário

procurar em outros mitos e também outras culturas, pois podem deixar buracos de

explicação. O modo como os mitos são retomados entre si, através da similaridade de

personagens, mostra como sujeitos e predicados se relacionam. O mito é ele próprio em

o objeto de seu pensamento, pois pensa a si mesmo. Ele não é uma realidade

transcendente, mas o espírito humano em estado bruto.

Para poder analisar o mito presente nos contos de fada, é necessário fazer uma

diferenciação entre ele e o mito em si. O conto de fadas resulta em grande parte do

conteúdo consciente e inconsciente, tendo sido moldado pela mente consciente, do

consenso de várias pessoas, estas que também os consideram problemas humanos

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universais, e aceitam as soluções desejáveis obtidas. Se todos estes elementos não

fossem constituintes do conto de fadas, ele não seria contado e recontado por inúmeras

gerações. Ou seja, um conto de fadas deve satisfazer as exigências conscientes e

inconscientes de muitos indivíduos. Há uma concordância geral de que mitos e contos

de fadas falam-nos na linguagem de símbolos que representam conteúdos inconscientes.

Por exemplo, psicanalistas freudianos se preocupam em mostrar que tipo de material

reprimido ou de forma inconsciente está subjacente nos mitos, assim como nos contos

de fadas e como estes se relacionam com sonhos.

Não existem apenas semelhanças essenciais entre mitos e os contos de fadas. Há

também diferenças inerentes. Embora as mesmas figuras exemplares e situações se

encontrem em ambos, e as mesmas situações mirabolantes ocorrem nos dois, há algo

que os difere bruscamente. O mito transmite um sentimento único, singular, isto é, não

ocorreria em nenhuma outra hipótese, e nem mesmo com outros indivíduos, sendo seus

acontecimentos grandiosos que inspiram admiração. Mesmo as situações dos contos de

fadas também chegando a ser inusitadas e às vezes improváveis, são descritas como

algo “comum”, relatado de maneira casual e cotidiana, ou seja, realizável perante

qualquer outro indivíduo. Outra diferença significante são os finais encontrados em cada

tipo, isto é, enquanto os mitos são quase sempre trágicos, os contos de fadas possuem

sempre finais felizes. Por este motivo, histórias tidas como contos, não deveriam

realmente pertencer a esta categoria, por exemplo: a “Menina dos Fósforos”, que conta

a história de uma menina que possui apenas uma caixa de fósforos para se aquecer

durante uma noite e termina por morrer de frio ao acender todos de uma vez para

conseguir ver o espírito de sua avó, o “Soldadinho de Chumbo”, que narra a história de

um soldado de brinquedo sem perna que se apaixona por uma bailarina de chumbo e por

fim tem a sua perna, feita de chumbo, fundida à da bailarina e também a “Rainha de

Neve”.

Os contos dificilmente colocam nomes próprios em seus personagens, e sim lhe

atribuem apelidos de acordo com características, como Chapeuzinho Vermelho, ou

quando o atribuem, utiliza-se de nomes genéricos tais como João e Maria.

Partamos a uma análise mais detalhada de três dos contos de fadas mais conhecidos da

cultura ocidental. No conto da Bela Adormecida, o Rei e a Rainha tinham dificuldades

para terem um filho, então quando a princesa nasceu, deram uma festa para festejar seu

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nascimento, convidando muitas pessoas. Em algumas versões, eles esqueceram-se de

uma fada; em outras, a fada não é chamada pelo fato do rei não ter mais um prato de

ouro. Cada fada presenteou a princesa e, um pouco antes da última presentear, a fada –

bruxa - que não foi convidada apareceu. Ela amaldiçoou a princesa, afirmando que esta

morreria ao furar o dedo num tear quando completasse 16 (ou 15, dependendo da

versão) anos. Para evitar que a menina morresse, a última fada então amenizou a

maldição ao falar que ela cairia num sono profundo, durante 100 anos, até que seu

verdadeiro amor a beijasse e a despertasse.

O rei, em vão, proibiu teares no reino inteiro, assim não teria como a maldição

se concretizar. A princesa crescia e se tornava a mais bela e gentil de todas. No dia de

seu aniversário, passeava pelo castelo e encontrou uma escada circular, que dava numa

portinha com uma chave na fechadura. Curiosa, ela gira a chave e entra na sala pequena

e vê uma senhora, com um tear. Como nunca tinha visto aquele objeto, ela fica

interessada e, ao relar, fura seu dedo (que sangra). A princesa então cai no sono

profundo, como todo o reino. A maldição se torna realidade.

A medida que a história passava de homem para homem, uma floresta cresce em

volta do castelo, dificultando seu acesso. Assim, além da princesa só despertar com o

beijo do verdadeiro amor, teria que ser alguém corajoso e forte. Vários tentaram e

sempre fracassavam.

Após os 100 anos, um príncipe ouviu a história e decidiu tentar. Conseguiu

passar pela floresta densa e pelos espinhos, entrando no castelo e encontrando tudo

abandonado. Achou o cômodo que a bela princesa se encontrava, ficando deslumbrado

com tanta beleza. Deu-lhe um beijo, acordando a princesa. Após ela despertar, todos os

outros também despertaram. O príncipe, apaixonado, pede a mão da princesa em

casamento. Os pais dela, profundamente agradecidos permitem e eles se casam. E

vivem felizes para sempre.

Na história da Branca de Neve, o rei e a rainha também tinham problemas para

terem um filho. Um dia a rainha bordava na janela cor de ébano do castelo, enquanto se

distraiu com a beleza da neve. Furou o dedo com a agulha, caindo três gotas de sangue

na neve. Ao olhar a neve, a rainha desejou que tivesse uma filha branca como a neve,

corada como o sangue e com cabelos negros como o ébano.

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Alguns meses depois, seu desejo foi atendido, dando nome a sua filha de Branca

de Neve. Pouco tempo depois, a rainha faleceu. O rei então se casa novamente, com

uma mulher extremamente vaidosa e invejosa. Ela tinha um espelho mágico e

diariamente perguntava a ele quem era a mais bela. A resposta sempre era ela, até

Branca de Neve crescer e superar a madrasta em beleza.

Por ser vaidosa e invejosa, a madrasta manda um guarda matar Branca de Neve e

arrancar seu coração, assim ela voltaria a ser a mais bela de todas. O guarda vê Branca

de Neve e não consegue matá-la, entregando a rainha o coração de algum animal. Ele

ainda avisa o plano da madrasta à Branca, para que ela consiga escapar. A madrasta

então manda prepararem o coração e o come (remetendo a idéia de que ao comer

órgãos, você adquire as características da coisa). Mais tarde pergunta ao espelho quem é

a mais bela, e este fala que Branca de Neve ainda é. Ela então percebe que foi enganada

pelo guarda.

Branca de Neve então encontra uma casinha pequena. Como estava cansada,

decide entrar e descansar um pouco. Antes de descansar, ela limpa e arruma a casa. Os

anões retornam a casa e encontram Branca de Neve dormindo em uma das camas. Eles

permitem que ela fique desde que arrume a casa.

A madrasta logo descobre onde Branca de Neve está e tenta, por duas vezes,

produtos que matem Branca, mas os anões sempre conseguiam salvá-la. Na primeira

vez foi uma fita, que ela apertou tanto na cintura de Branca de Neve que a deixou

desacordada. Na segunda vez, foi uma escova de cabelo envenenada. Os anões sempre

alertavam Branca de Neve em relação as armadilhas que poderia cair.

Na terceira vez, a madrasta decide usar uma maçã. Ela envenena metade da

maçã e consome a outra metade, para fazer Branca de Neve acreditar que não tinha

algo. O pedaço que Branca de Neve comeu inchou em sua garganta, a sufocando. Os

anões ao chegarem em casa, vêem Branca de Neve desmaiada no chão, mas não

conseguem achar a causa disso, então supõe que ela morreu mesmo. Com dó de enterrá-

la por causa de sua beleza, a colocam num caixão de vidro.

Um dia, um príncipe passava pela mata e viu a bela princesa no caixão. Pede aos

anões para levá-la ao seu castelo, já que estava apaixonado por ela. Uma versão diz que,

no caminho, a carruagem tropeça numa pedra, fazendo com que o caixão pulasse e o

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pedaço de maçã saísse da garganta de Branca, despertando-a. Já a outra diz que o

pedaço de maçã sai com o beijo apaixonado do príncipe. Eles então se casam e vivem

felizes para sempre.

Em Rapunzel, um casal desejava muito ter um filho. Quando finalmente a

mulher fica grávida, no final da gravidez, ela tem um desejo enorme pelas frutas e

legumes cultivados no jardim de sua vizinha, chegando a ficar doente por isso. O

marido, receoso pela sua mulher, decide pular o muro e roubar alguns itens. Na terceira

noite que fazia isso, a vizinha, uma bruxa má, a pega no ato e faz um trato: ele poderia

pegar qualquer coisa, desde que entregasse a criança quando nascesse.

A criança nasce, os pais cuidavam bem dela, até a bruxa malvada ir cobrar a

dívida. A bruxa então pega a criança e dá o nome de Rapunzel, nome da fruta que a

grávida tanto desejava. Rapunzel cresce e vai ficando cada vez mais bela. A bruxa, com

medo que alguém tirasse Rapunzel dela, a tranca numa alta torre, sem portas. Único

modo de entrar seria ela jogando suas tranças pela janela, como se fosse uma corda.

Todo dia a bruxa chegava e gritava para Rapunzel jogar suas tranças. Ela subia e

dava comida para Rapunzel. Um dia, um príncipe estava passeando e ouve Rapunzel

cantar. Apaixona-se pela sua voz, mas não achou uma entrada para a torre. Observou

então a bruxa gritando para que Rapunzel jogasse as tranças e outro dia voltou para

fazer isso. Rapunzel jogou suas tranças para o príncipe, achando que era a bruxa e se

assustou ao vê-lo. Conversaram e ele explicou como estava apaixonado. Ela então diz

que poderiam se encontrar, as escondidas, já que a bruxa era bem ciumenta.

Uma vez, conversando com a bruxa, Rapunzel, distraída, reclama que a bruxa é

mais pesada que o príncipe. Furiosa, a bruxa corta os cabelos de Rapunzel e a leva ao

deserto. Fica na torre esperando pelo príncipe, e solta as tranças, fazendo com que o

príncipe caia. Com a queda, ele machuca seus olhos nos espinhos e fica cego,

caminhando sem rumo, procurando a sua paixão. Anda até chegar ao deserto,

encontrando Rapunzel, que chora. Ao chorar, duas lágrimas caem nos olhos do príncipe,

fazendo com que sua visão retorne. Eles então se casam e voltam ao castelo do príncipe,

sendo felizes para sempre.

Analisando esses contos, nota-se que muitos elementos são comuns, repetindo-se

em várias histórias: o fato das personagens serem mais conhecidas pela sua função, em

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vez do nome (rainha, rei, princesa, fada, bruxa, etc.); suas qualidades serem comuns em

todos os contos (as heroínas sempre belas e gentis, os príncipes valentes e fortes, o vilão

sempre malvado) e a repetição das personagens. Essas personagens são construídas de

modo que a criança consiga se projetar em vários, não apenas em um.

Os contos servem para mostrar as crianças os pecados (inveja, preguiça, ira,

avareza, gula, luxúria e preguiça), além da questão de formar valores e conflitos de

poder. Cada conto pode ter um ou mais pecados demonstrados, mas comumente trata-se

apenas um. Os pais cometem erros (pecados), levando a punição, que é o tema central

de cada história: em Branca de Neve, o desejo da mãe de ter uma filha bela; em Bela

Adormecida, esquecer uma pessoa e em Rapunzel, menosprezar, desejar o que pertence

ao outro. Os pecados também aparecem como tentações às heroínas, por exemplo, a

tentação de ficar mais bela com as fitas e escovas de cabelo que a madrasta oferece à

Branca de Neve. Eles preparam as crianças para eventos posteriores: por exemplo, o

sangramento quando Branca de Neve é concebida, indica o sangramento da

menstruação e da relação sexual, onde o hímen é rompido. Assim a criança assimila que

para ela nascer, é necessária uma pequena quantia de sangue.

Essas histórias previamente citadas, sempre mostram a dificuldade dos pais em

terem filhos, demonstrando que podemos ter que esperar um bom período para

encontrarmos realização sexual, sugerindo que não devemos nos apressar para o sexo.

Em todas as histórias comparadas, os pais tentam retardar o crescimento e

desenvolvimento da heroína ao máximo. Em Branca de Neve, a madrasta não

necessariamente a queria morta, posto que poderia tê-la matado da primeira vez, mas

sim impedi-la de superá-la, mostrando a mãe que mantém por algum tempo o domínio

sobre desenvolvimento da filha. Em Bela Adormecida, o sangramento dela no tear

significa a menstruação, que o rei tanto tenta evitar, já que é um valor socialmente e

biologicamente aceito que uma vez que a mulher menstrua, ela já está pronta para ter

relações sexuais, o que, aos olhos da figura de um pai, protetor, é algo não-aceitável tão

facilmente. Em Rapunzel, a bruxa a tranca na torre, para que ninguém perceba seu

desenvolvimento. Alcançar a maturidade física, relacionada nas histórias com à

menstruação, não é sinal de amadurecimento se você não crescer psicologicamente,

emocionalmente e intelectualmente. É fundamental tempo e crescimento para que os

conflitos sejam superados e então estamos prontos para nosso parceiro do outro sexo e a

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relação íntima com ele. Em uma outra visão, Mircea Eliade afirma que o conhecimento

de uma coisa confere uma espécie de domínio mágico sobre ela, de saber onde

encontrá-la e como fazer para reaparecer no futuro.

Todo conto retrata um renascimento, um despertar, que demonstra a conquista

de um estado mais amadurecido, estimulando a criança a desejar um sentido mais

elevado, uma maturidade e um maior autoconhecimento. Esse renascimento geralmente

vem depois de um período de inatividade, onde o descanso e concentração sobre seu eu

são essenciais. Essa mudança é melhorar, é a necessidade de abandonar algo que

gostamos para evoluirmos e ficarmos mais felizes. Uma mostra de superação, coragem

e força para ser feliz possuem um exemplo que pode ser visto nas figuras dos príncipes.

Por isso, todo conto de fadas termina com um “feliz para sempre”. Uma das exceções é

a história d’ “A Menina dos Fósforos”, de Hans-Christian Andersen, mas que de certa

forma ainda termina de uma forma branda, ao falar “mas nunca ninguém soube quantas

coisas lindas a menina viu à luz dos fósforos, nem o brilho com que entrou, na

companhia da avó, no Ano Novo”.

É interessante ver como a figura do conto popular, ou “de fadas” possui em outras

culturas, se possui diferença entre os temas existentes em sua “moral” ou se são

semelhantes. Utilizando-se de lendas de diversos continentes, faremos uma comparação

entre a origem do Sol para diversos povos. Primeiramente, uma lenda senegalesa, onde

um mito cósmico pretende estabelecer as diferenças de ambos os corpos astrais e se

propõe a explicar de uma maneira muito simples, embora carregada de conotações

míticas e emblemáticas as grandes diferenças entre a Lua e o Sol. O brilho, o calor e a

luz que se desprendem do astro-sol impedem que sejamos capazes do olhar fixamente.

Em compensação, podemos contemplar a Lua com insistência sem que os nossos olhos

sofram mal algum. A lenda senegalesa nos explica que isso ocorre, pois, em certa

ocasião, estavam banhando-se nuas as mães de ambas as luminárias (sol e Lua).

Enquanto o Sol manteve uma atitude carregada de pudor, e não dirigiu o seu olhar nem

um instante para a nudez da sua progenitora, a Lua, em compensação, não teve reparos

em observar a nudez da sua antecessora.

“Depois de sair do banho, foi dito ao Sol: ‘Meu filho, sempre me respeitaste e desejo que a

única, e poderosa deidade, te bendiga por isso. Os teus olhos se afastaram de mim enquanto me

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banhava nua e, por isso, quero que, desde agora, nenhum ser vivo possa olhar para ti sem que

a sua vista fique danificada. E à Lua foi dito: "Minha filha, tu não me respeitaste enquanto me

banhava. Olhaste para mim fixamente, como se fosse um objeto brilhante e, por isso, eu quero

que, a partir de agora, todos os seres vivos possam olhar para ti sem que a sua vista fique

danificada nem se cansem os seus olhos".

Um mito indígena a respeito da origem do Sol refere-se a um moço forte e bonito que

vivia entre os Tucuna, (e que se chamava Sol), que um dia

“...olhou para o fogo que ardia, soltando longe suas faíscas. Olhou para o urucu

borbulhante, vermelho, quente. Desejou beber aquele líquido e pediu permissão à tia

que consentiu. A medida que ia bebendo a tintura quente, o rapaz ia ficando cada vez

mais vermelho, tal qual o urucu e a muipiranga. Depois, subindo para o céu,

intrometeu-se entre as nuvens e passou desde então a esquentar e iluminar o mundo.”

A questão da metamorfose constitui um aspecto de forte ligação entre diversos mitos, já

que em sua grande maioria, a transformação ocorre, seja entre homem/animal/coisa ou

vice e versa, garantindo aspectos humanos aos demais seres.

Um mito japonês muito famoso é o de “Amaterasu”, a Deusa do Sol. Esta divindade

japonesa que vela sobre os homens e os enche de benefícios, nasceu do olho esquerdo

de Izanagi e domina o panteão xintoísta, em que figura certo número de personificações

das forças naturais.

"Amaterasu vivia em uma gruta, em companhia de suas criadas, que lhes teciam

cotidianamente um quimono da cor do tempo. Todos os dias de manhã, ela saía para iluminar a

Terra. Até o dia em que seu irmão, Susanoo, deus do Oceano jogou um cavalo esfolado nos

teares das criadas tecelãs. Assustadas, elas se atropelaram, e uma delas morreu, com seu sexo

furado por sua própria laçadeira. A deusa Amaterasu não apreciou a brincadeira, e zangada,

recolheu-se em sua gruta e a luz desapareceu.”

Neste mito, temos o surgimento da deusa do Sol, assim como a imagem de

personificações presente nos demais. Aspectos fundamentais que fazem ligação ao

próximo texto é a questão da morte presente no mito, assim como a idéia de que algum

dia, os deuses do Sol podem decidir não saírem em sua carruagem para levar luz, assim

como na mitologia grega onde um dia, o deus Apolo, por conseqüência da morte de seu

filho, deixa de abrir o dia carregando o Sol. O Deus grego do Sol é Apolo, filho de Zeus

e Leto, e irmão gêmeo de Artemis deusa da Lua, identificado em outras tradições como

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Hélio (romana), e Aplu (etrusca), representando sempre um deus radiante e da luz

benéfica. Apolo é sempre representado jovem, porque o sol não envelhece. Algumas das

suas estátuas o mostram até com os caracteres da adolescência, por exemplo, o Apollino

de Florença, assim como no mito indígena onde Sol é também um jovem vigoroso e

bonito.

Há três mil anos, não existiam explicações científicas para grande parte dos fenômenos

da natureza ou para os acontecimentos históricos. Portanto, para buscar um significado

para os fatos políticos, econômicos e sociais, os gregos criaram uma série de histórias,

de origem imaginativa, que eram transmitidas, principalmente, através da literatura oral.

Todos os mitos relatados referem-se à mesma ênfase (se interligam pelo tema) em

explicar o inexplicável, isto é, ou seja, tentar compreender algo de acordo com as suas

próprias condições culturais, sem embasamento na questão cientifica, e sim no

tradicional, o senso-comum.

Os seres mitológicos gregos (Hercules e Aquiles, quimeras e minotauros, etc.) que se

equivalem, isto é, ocupam a mesma função de sujeito tais como em demais mitos, ou

seja, sempre a mesma estrutura prevalece, um herói, um antagonista, e a função de

explicação de algo desconhecido.

Para concluir nosso trabalho, uma última análise sobre um conto de Uganda para

explicar sobre como os mitos se espalharam sobre o mundo, a partir de uma explicação

também mítica. Havia dois animais, um rato e um gato, que eram amigos e trabalhavam

juntos e guardavam os produtos frutos de seu trabalho. Mas o gato mudou o esquema e

o rato sugeriu que colocassem o leite em uma igreja, após observar um processo de cura

do leite pelas mulheres da tribo. A partir desse momento, eles começaram a guardar o

leite em uma sacola de couro para fermentar, precisando de um local de

armazenamento. Como não confiavam um no outro, esconderam a sacola em uma igreja

construída pelos europeus. O rato comeu o queijo produzido por eles durante várias

noites e inventava nomes de parentes de sua família que seriam batizados na igreja,

como “Quase Cheio”, “Metade” ou “Vazio”.

Quando o gato viu que não havia mais queijo, o rato já tinha desaparecido, fugindo para

cabanas, entrando em santuários, indo com caravanas nômades até as pirâmides,

passando pelas cidades, andando pelas mesquitas e passeando por mercados árabes. No

porto, dentro de navios, começa a tecer cordões para não se esquecer das suas viagens e

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dos mitos de cada lugar. Em uma tempestade, que carrega seus cordões e histórias

mundo afora, que conhece finalmente os mitos do mundo inteiro. Assim, podemos

entender que os mitos espalharam-se pelo mundo através de pessoas, que, viajando pelo

mundo, levaram as histórias ouvidas, mostrando a pessoalidade da visão de mundo e

dos significados sociais existentes e inculcados em cada uma delas.

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PESSOA, Fernando. Os Castellos, Primeiro. Ulisses

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Universidade Federal de São Carlos

Departamento de Ciências Sociais

Trabalho Análise EstruturalAntropologia Contemporânea 1, ministrada pelo prof. Dr. Piero de Camargo Leirner

Andressa Gusmon da Silva RA: 346195

Cíntia de Melo Dias RA: 346179

Matheus Lucas Hebling RA: 346128

São Carlos, 28 de Junho de 2010