Analise e Int. da Obra Lit - Wolfgang Kayser

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DA OBRA LITERÁRI.A 223 3. Atitudes e Formas do Lírico (a) Ali/uda Tratámos a noção de «gémro» no seu primeiro sentido. Depararam-se-nos dois aspectos: fala-se de Lírica, Íl.pica e Dramática num scntido mais exterior, em que a forma de aprescntação da obra é decisiva para a subordinação genérica. Num sentido mais inte- rior falou-se do lírico, épico e dramático, e aí se mostrou como os limites não eram por forma alguma tão rfgi- dos como acontecia no primeiro caso. Como «formas naturais» da poesia ou «atitudes básicas», o IIrico, o épico e o dramático, retrotrafram-se às três funções da própria língua. Mas também indicámos logo que a palavra género é ainda usada num sentido mais restrito, pois cons- truções corno canção, novela, tragédia, etc., são designa- das também como «géneros». E agora, decerto, teremos que contar com que, de qualquer maneira, iremos deparar com estruturas acabadas em si, com formas. Em alguns compassos, em alguns versos pode, decerto, deparar-se-nos o IIrico, mas uma canção é claramente alguma coisa que temos de entender da primeira à última palavra, ou então não a entendemos como canção; quando, no intervalo, abandonamos o teatro, vivemos com certeza algo de drarmitico, mas não a respectiva tragédia. Temos de nos virar agora para todos estes problemas e, de momento, ficamos na área do lfrico e da Lirica. A linguagem lfrica, como vimos, é a expressão de uma emoção em que se Í11terpenetram objectividade e

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DA OBRA LITERÁRI.A 223

3. Atitudes e Formas do Lírico

(a) Ali/uda

Tratámos a noção de «gémro» no seu primeirosentido. Depararam-se-nos dois aspectos: fala-se deLírica, Íl.pica e Dramática num scntido mais exterior,em que a forma de aprescntação da obra é decisivapara a subordinação genérica. Num sentido mais inte-rior falou-se do lírico, épico e dramático, e aí se mostroucomo os limites não eram por forma alguma tão rfgi-dos como acontecia no primeiro caso. Como «formasnaturais» da poesia ou «atitudes básicas», o IIrico, o épicoe o dramático, retrotrafram-se às três funções da próprialíngua.

Mas também indicámos logo que a palavra géneroé ainda usada num sentido mais restrito, pois cons-truções corno canção, novela, tragédia, etc., são designa-das também como «géneros». E agora, decerto, teremosque contar com que, de qualquer maneira, iremosdeparar com estruturas acabadas em si, com formas.Em alguns compassos, em alguns versos pode, decerto,deparar-se-nos o IIrico, mas uma canção é claramentealguma coisa que temos de entender da primeira àúltima palavra, ou então não a entendemos como canção;quando, no intervalo, abandonamos o teatro, vivemoscom certeza algo de drarmitico, mas não a respectivatragédia. Temos de nos virar agora para todos estesproblemas e, de momento, ficamos na área do lfricoe da Lirica.

A linguagem lfrica, como vimos, é a expressão deuma emoção em que se Í11terpenetram objectividade e

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alma. No exemplo, em quc tcnt;Ímos mostrar a «liri-cizaçãw), tornaram-se linguagem a emoção, a dispo-sição, -- porém a fus:ío do objcctivo e subjcctivo sófoi até um certo ponto. Viveu-se, por certo, pelo sen-timento, uma experiência objcctiva e, por certo, aiRda

foi a disposição emocional que impregnou a lingua-

gem, que deu tom a tudo c se comunicou por inteiroao leitor. 1.Jas o prÓprio proccsso objectivo não semodificou, ficou o mesmo, vivido ou não por um eu;o sentido dos vcrsos era, cm última análise, exprimir

o seu ser (<objectivo», inevitávcl. O eu, o eu poéticoou lirico, estava-lhe em frentc, apreendia-o e expri-mia-o.

Assim pensamos ter conseguido uma atitude básicamais especial dentro do lírico, a <Iual podcmos encon-trar sempre de novo. Designamo-Ia com () nome decmmciaçtlo lírica ((yrisches Nl'Illlfll). Num olhar retros-pcctivo para essas três funçÔcs da língua mostra-seque neste domínio - absolutamente dentro do lírico-existe, por assim dizer, uma atitude épica: () eudefronta-se com alguma coisa, alguma coisa que existe,

apreende-a e exprime-a.Se esta interpretação está certa, dela resultam

necessàriamente duas e sÓ duas outras atitudes líricasfundamentais. Uma é mais «dram~1tica»; aqui não se

confrontam separadas as esferas anímica e objectiva,mas sim actu:1tTIullla sobre a cJlJtra, desenvoh"crn-sc no

encontro: a (lbjectividade transforma-se num «tu».A manifestação !frica dá-se na excitação desta actuaçãorecIproca. Designamos um til falar como «apóstrofelírica» ((p-isches A 11Sprechen).

A terceira atitude fundamental é a mais autêntica-

mente lírica. Aqui já não existe a objectividade situada

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em frente, actuando sobre o eu; aqui fundem-se osdois em absoluto, é tudo interioridade. A manifestaçãolfrica é a simples auto-expressão da disposição íntima..Designamos um tal falar corno linguagem da canção(liedhaftes Sprechen).

Estas três atitudes liricas fundamentais são as

únicas que existem e podem existir na lingua. Toda a.poesia lírica de todos os tempos vive dentro destas trêsatitudes e vive delas. Não se quer dizer com isto quenuma poesia lírica determinada só uma delas tivesseintervindo. Assim os chamados Hinos pSClldo-homéricoscontêm somente pequenas partes expressas naquela.atitude afectada pelo encontro, por ..lÓSdesignada comoapóstrofe lírica (e que hoje é considerada a essênciado hino). Na sua grande maioria são estes hinosexpressos na atitude do efJIl11ciare pode até assegurar-secom razão que, no fundo, são poemas épicos, devidoao carácter descritivo na parte objectiva e à atitudenarrativa. A pluralidade de atitudes torna-se ainda maisnítida nos EPinlcios de Pindara. Destrufda a antigacrença no poder embriagador da linguagem e no vooilimitado da fantasia relativamente à estrutura, a inves-

tigação renunciou durante algum tempo a procurar aunidade, perante a abundância e disparidade das diver-sas partes. Na realidade, as atitudes da enunciaçãosentenciosa e da entoação hlnica encontram-se, emcada caso vàriarnentc matizadas, em alternância varie-

gada. Em face disto, diz Wcrner Jaegcr na Paideia(1, pág. 278): «Mas a obra ele arte, considerada comoum todo, continua a ser um problema instante e, pre-cisamente num poeta que liga a sua arte com tantaseveridade a uma única tarefa ideal, é duplamentejustificado perguntar se ex.iste uma unidade de forma

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nas suas canções de vitória que transcenda a simplesunidade do estilo». O prÓprio Jaeger vê a unidade daatitude no louvor da aretê (virtude) que empolga ovencedor; desde então, a investigação preocupou-sevivamente com () problema da unidade. Segundo' estemodo de ver, os Epi1Jiciosde Píndaro não são, como

se podia esperar de tais poesias e de muitas outrastambém da época helénica, poesias em que se «enun-ciam» um vencedor e uma vitória condignamente

como tais, a partir do ponto de vista firme e segurodo eu que fala. São antes autênticos hinos, em quese canta um poder mais alto. No encontro com essepoder (e não sÔmente na figura do vencedor ele senos depara aqui), () eu como que se ergue, penetradopelo numinoso, de forma que não fala em sequêncialógica, mas sim duma maneira «obscura»: basta somentecomparar a sequência clara e lógica daquele epigramade Bocage com a célebre obscuridade de Pindaro, parase tornar bem palpável a diferença linguistica das duasatitudes. Nas discussões sobre os Epil1idos de Píndaro

parece-nos ainda significativo que a investigação acen-tue tão unânimemente a. «unidade do estilo». Quer

isto dizer que o estilo cunhado pela atitude básicahínica abrange também as partes que, sem dúvida, nosBpi1Jfcio.fsão «enunciati vas)) e chegam até a uma con-centração sentenciosa. ,\ amí\ise do estilo prcparaportanto () reconhecimento daquela última unidatle tlaatitudc pertencente à «obra tle artc como todo», citandomais uma vez as palavras de Jaeger.

Ganham-se assim ao mesmo tempo bases para ava-liações críticas. Quando entre a unidade do estilo e aunidade da atitude surgem discrepâncias intranspo-níveis, a obra torna-se frágil. Onde, por exemplo,

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é necessário exprimir a essência da verdade de umaexperiência, onde, portanto, há como base a atitudedo enunciar sentencioso, a poesia falha, falta-lhe aunidade da obra de arte autêntica, se a expressão tivero tom totalmente próprio da canção. (Parece-nos quea citada poesia. de Bocage não consegue, comple-tamente, realizar o carácter de epigrama, porque osprimeiros versos pertencem demasiado ao gênero«canção».) Da mesma maneira, o jovem Schiller res-valava, com demasiada facilidade, para o tom hinico,até quando isto não se ajustava. ao sentido e centroda sua poesia, ao passo que os poetas do Iluminismotambém «enunciavam» no ponto em que queriam«cantar», i. é, impelidos pela «fusão», pela disposiçãointerior.

Pindaro é a fonte sempre perene e fertilizadora dapoesia hínica europeia. Seria tarefa do historiador daliteratura mostrar isto em cada caso. A outra fonte é

a poesia hínica cristã, inspirada sobretudo nos salmos.(Com uma investigação mais minuciosa revelam-se, naverdade, muitos dos chamados hinos como poesias do«enundar».)

Reconhece-se fàcilmente que o hino é uma singu-larização determinalla dentro da atitude básica geral(jue designãmos como apóstrofe litica. No hino, o «tm>representa roderes superiores, divinos, aos c{uaiso euemocionado ergue n SCllcanto. Se a emoção se inten-sifica até se tornar êxtase, temos entãu aquele cunhoespecial de apóstrofe lírica que tradicionalmente édesignada como ditiral//bo. O facto de existirem pon-tos de contacto entre o ditirambo e o drama gregoconfirma como é adequada aquela tri-partição por nósaceite das atitudes básicas IIricas. O ditirambo per-

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tence ao géncro mais «dramácico» em que as tensõesentre um «tu» e um «eu» mocivam e determinam a

manifestação lingulscica. (A afinidade Intima do diti-rambo com o drama reside ainda em que nes~e setorna visível o fenómeno de transformação, o fenómenofundamental da Dramática.)

Como terceira singularização desta atitude básica,bem marcada na história da lfrica, aparece a odo. Aquinão se trata, no «tu» que se nos depara, somentede poderes superiores e numinosos, aos quais só sepode falar com emoção funda e solene. O tu fica aqui,habitualmente, mais próximo de quem fala, torna-seacesslvel à contemplação, desenvolve-se no encontro,e o «louvor» solene já não é a atitude a tomar peranteele. Toda a maneira de falar é mais racional, mais

circunspecta; a objectividade é de contornos mais fir-mes e, no todo, mais ordenada, mais clara quanto àsrelações; o eu ergue-se mais firme, é mais tangível

e torna-se-nos como que mais familiar do que o vatedos autênticos hinos. Enquanto também a realidade(<inferiam se manifesta, revela-se na ode com clareza

máxima () que no fundo é válido para toda a apóstrofeao tu: no encontro surgem normas. O encontro levaa um exame e obriga a tomar uma posição. (Tam-bém nisto reside, por certo, Intima ligação com ()dramático.) Assim; na oele podem bem aparecer-nospoderes superiores, mas no meio de uma realidademais terrcna; desenvolvem () seu «cthos», mas nâo oseu mistério.

Na história da poesia ódica europeia não têm fal-tado invasões estiHsticas dos hinos pindáricos (que aliáseram considerados <<Ddes»),mas sempre de novo temcatuado o grande exemplo de IIorádo, que com mui-

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tas das suas poesias, pode ser considerado como o rea-lizador do estilo puro da ode. Pode estudar-se a (atitudeódica» numa poesia como a célebre Odi profanumvlilgus: como a poesia - após o começo solene e jácheio de normas - se vai desenvolvendo nas conside-

rações sobre a vida, a vida cheia de cuidados dos pode-rosos da terra, como depois a insónia do (<Ímpius»desperta a zona oposta do lavrador modesto que podedormir descansado, - como a sua ausência de cuida-

dos, sempre mostrada em plenitude objectiva, sugerede novo a zona contrária em que TÍlnor et Afinaodeterminam a vida - até que de todas estas exposiçõesda existência preocupada se fortalece a resolução de serparco e modesto, e a vida no vale dos Sabinos recebeentão o seu completo significado. A forma lingufsticada resolução na pergunta: Ç/(r ",oliar... Ç/(rperllJI/tem...?

é bem própria da ode, exprime ainda mais uma veztoda a emoção pessoal em que se deu o encontro coma objectividade dominada pelos cuidados, é expressãoda substância lírica.

A ode deve ser estudada em tais poemas «puros»;re~onhece-se então fàcilmente que, assim como emPIndam a fala hInica se apoderava também de partesheterogéneas da poesia, também em Horácio a falaódica se impõe poderosamente noutras ocasiões. Acon-tece isto, por exemplo, nos versos a Diana, que pode-riam ter-se transformado em hino (III, 22), tambémem lII, 12, em que fica recoberto o que intima-mente é de canção, ou na célebre poesia final do3.° livro (lU, 30): Exegi !JJOl1f1!J/et1ll1llJ...que, pelasua atitude básica, é um «enunciar», um (profe-tiZ::If», e que, não obstante, se desenvolve na formade mIe.

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Tais poesias, em que a atituJe de ode se sobrepõeà atitude do «enunciam, existem com abundância em

Horácio. Não se quer dizer com isto que haja quebras:a relativa firmeza do eu que fala, a clareza racional. dalinguagem deixam compreender como tal ligação fàcil~mente se podia dar.

Porém, isto era tanto mais fácil em lU, 30, quantoaqui a própria verdade enunciada era alguma coisade solene, de elevado: a divindade de ser-poeta. .Assimcomo a atitude básica da apóstrofe lirica se podiacunhar diversamente - conforme a essência do tu a

que se dirige -, também a enunciação se diferencia.Se <) enunciado é de cadcter numÍnoso, resulta a

a1Jflllcia((jo c, compreensIvelmente, () estilo linguísticocontém muito de comum com () estilo elevado da

apóstrofe.Assim corno ao lado do hino «divino» fica a ode

«mais humana», assim também fica ao lado da al1tl1l~

dafão de um ser superior a el1unciafão inferior elesentido. Exprime-se, então, o sentido inerente a deter-minados acontecimentos «reais». Bocage com o seuepigrama forneceu-nos um exemplo ele um tal falar.Finalmente, pode provir a emoção, que se tornaexpressão linguistica numa pocsh, não da verdadeahstracta, contida nos fenÔmenos, mas sim da sua

existência concreta. Cheg:l-se, então, a uma maneiraLle falar a llue podemos chamar dl'scrífâo, termo esseque nos lembra o aspecto mais «épico» dessa atitudelirica.

Parece não haver expressÔes diferentes da atitudefundamental da cal/filo: a fusão do subjecti vo e doobjecti vo, a auto-rcvelação de uma disposição interiorsÔ é, evidentemente, possivel dCl1tTo de determinados

limites, embora, certamente, a expressão do júbilo tenhade ser mais viva do que a do lamento.

Na atitude do «tom ele canção» não se desenvol-

vem relações e não surgem normas. Dá-se antes, aqui,o processo lírico em séries sem subordinação nemestratificaçào; talvez seja mais acertado dizer: esseprocesso realiza~se num movimento circular. Tudogira e gravita em torno desse centro secreto do estadode alma. Por isso, também não há pontos cruciais

Jinguísticos (corno, p. ex., o tranqu.ilo e desassossegadosono, ou a ausência de cuidados na oele Odi profa1J1(tl/de Horácio), donde se possa penetrar em novas áreas.Em troca M pa/avras-chat,cs(k~~'lJotcs,Schliissc/u!ortc)(lue indicam () centro interior. Ao passo t]ue os pontoscruciais linguísticos numa ode produzem movimento,e isto num plano horizontal, as «palavras-chaves» dacanção dirigem-se para a profundidade. Muitas vezcsse pode observar que se repetem tais «palavras-chaves»,mas dc conteúdo cada vez maior. Uma tal integraçãolírica encontra-se na palavra «bela» na Barca Bela

de Garrett. Encontra-se ainda na segunda Cal/fãoNoctuma do Viandantc) de Goethe: Quando a palavra«RI/h» (paz) do segundo verso se repete no final, agoracom peso e profundidade muito mais significativos,trata-se de uma intc~r;1çã() verdadeiramcnte lírica:, .

Obcr alkll C;ipfcln1st Ruh,

1n alIen WipfclnSpürest duKaum cinen Hallch;Dic Vogelcin schwcigen im \'{'alde.\X/arte nur, baldeRuhcst du allch.

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[Por todus cstes mOIHCsReina paz,Em todas cstas frondesA custo sentirás

Sequer a brisa leve;Em todo o bosque não ouves nem lima avc.Ora espcra, suavePaz vais ter em breve.)

(Trad. de Paulo Quinrela)

( b) Forma i1Jterior

Vultemo-nos mais uma vez para a ode de Horácio

Odi profal1l1m vulglls... Deve ela ajudar-nos a reco-nhecer e a entender um último estrato formal da

obra de arte. Imaginemos que a poesia nos tinha sidotransmitida sem as duas últimas estrofes, que contêm

especialmente aquelas duas interrogações. A poesiacontinuaria sem dúvida a ser uma oele; cada palavranela dita é dita de acordo com a atitude típica da ode,e este seu cadcter de forma alguma é prejudicado

pela omissão das duas estrofes. Todavia, reconhece-seimediatamente que à poesia faltaria alguma coisa deessencial sem a conclusão actua!. Não sàmente, por

certo, quanto à plenitude objectiva e ao conteúdoideológico -' isso não seria decisivo -, mas sim quantoao arrednndamento, à forma. Tudo o que precede,

todo o processo lírico que se desenvolveu, tende paraeste final com estas perguntas que contêm uma reso-lução, a resolução de uma determinada forma de \'ida

perante o peso dos cuidados da existência. A resoluçãorepresenta uma pedra de fecho indispensável que é oque vem dar consistência à construção.

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Isto quer dizer, falando na generalidade: na obrade arte IIric:t actuam, como aspecto genérico, duascoisas conjuntamente: uma atitude, em que se fala-- no nosso caso, era a atitude de ode como expressãoespecial da apóstrofe Hrica-- e uma forma em que odiscurso se arredonda e se torna unidade: no nosso

caso podemos designar a forma como formulação deuma resolução. Estamos diante do mesmo caso dosmodos e formas do discurso: há um modo de falar

e há uma forma, em que o discurso se concentra em siprórrio e chega a uma estrutura fechada. Nisto serevela logo a íntima afinidade entre linguagem e forma:chegar a uma resolução como forma carece de umencontro entre o tu e o eu, de um desenvolvimentodo tu e das relações: a reso/llçãoé uma forma interior-mente ligada à atitude de ode; por outro lado, a atitudede ode, o desenvolvimento das tensões, conduzeminsistentemente a um determinado fim. Podia-se quasedesignar a linguagem, numa determinada atitude, deágua-mãe, e a forma podia ser considerada a formaimanente em que aquela cristaliza. É certo ser a com-paração um tanto arrevesada: pois desperta a impres-são de que sàmente na figura da «resolução» é queuma ode pode tomar forma, quando, na verdade,a pode adquirir ainda de outras maneiras. Assim, naode lU, 2 de Horácio, o desenvolvimento arredonda-seem pret'Cllçiio.Reconhece-se entretanto fàcilmente comoa forma interna actua por si, na linguagem, plàstica-mente, e cria «gestos ling1/isticos»típicos e próprios:desta maneira, as perguntas «Cl/r», na Gde lll, 1, sãogestos lingufsticos da resolução.

Para o descobrimento da forma contribui essen-cialmente o estudo da construção. Seria uma ajuda,