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Análise da Influência de Resíduos Potencialmente Reativos nas Propriedades de Argamassas de Construção L. A. Pereira de Oliveira C-Made/UBI Portugal [email protected] J. P. de Castro Gomes C-Made/UBI Portugal [email protected] L. M. O. Fazenda C-Made/UBI Portugal [email protected] Resumo: O artigo apresenta um estudo experimental desenvolvido com o objetivo de verificar a influência de resíduos potencialmente reativos oriundos da indústria de vidro e da indústria mineira nas propriedades das argamassas de construção. O estudo foi desenvolvido a partir de uma argamassa tradicional de cimento, cal hidratada e areia, no traço em volume 1:1:5. Nesta proporção de componentes, os resíduos foram incorporados em substituição da cal hidratada. Procedeu-se à determinação das propriedades físicas e mecânicas destas argamassas com o objetivo de avaliar a influência das mesmas nas propriedades das argamassas no estado fresco e endurecido. Os resultados obtidos viabilizam a utilização dos resíduos estudados como componentes de argamassas de construção. Palavras – chave: argamassas de construção, resíduos, reologia, resistência mecânica. 1. INTRODUÇÃO A incorporação de resíduos em argamassas de cimento é um desafio atual no setor da construção que visa reduzir simultaneamente a quantidade de resíduos levados a aterro e a utilização de recursos naturais. São inúmeros os trabalhos desenvolvidos no domínio da reciclagem e as argamassas têm sido um dos materiais de construção em que se vem prestando a receber os vários resíduos, tanto sólidos urbanos como de origem industrial. Há já algum tempo que investigadores do C-MADE, Centro de Materiais e Tecnologia da Construção, da Universidade da Beira Interior, vêm estudando o comportamento de compósitos com incorporação de resíduos diversos [1,2,3]. Alguns desses estudos são dirigidos às argamassas de construção. Neste âmbito, para além do cimento, a cal hidratada tem sido largamente utilizada na composição de argamassas mistas, também ditas bastardas. A principal vantagem da introdução combinada de cal hidratada numa

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Análise da Influência de Resíduos Potencialmente Reativos nas Propriedades de Argamassas de Construção

L. A. Pereira de Oliveira C-Made/UBI

Portugal [email protected]

J. P. de Castro Gomes C-Made/UBI

Portugal [email protected]

L. M. O. Fazenda C-Made/UBI

Portugal [email protected]

Resumo: O artigo apresenta um estudo experimental desenvolvido com o objetivo de verificar a influência de resíduos potencialmente reativos oriundos da indústria de vidro e da indústria mineira nas propriedades das argamassas de construção. O estudo foi desenvolvido a partir de uma argamassa tradicional de cimento, cal hidratada e areia, no traço em volume 1:1:5. Nesta proporção de componentes, os resíduos foram incorporados em substituição da cal hidratada. Procedeu-se à determinação das propriedades físicas e mecânicas destas argamassas com o objetivo de avaliar a influência das mesmas nas propriedades das argamassas no estado fresco e endurecido. Os resultados obtidos viabilizam a utilização dos resíduos estudados como componentes de argamassas de construção. Palavras – chave: argamassas de construção, resíduos, reologia, resistência mecânica. 1. INTRODUÇÃO A incorporação de resíduos em argamassas de cimento é um desafio atual no setor da construção que visa reduzir simultaneamente a quantidade de resíduos levados a aterro e a utilização de recursos naturais. São inúmeros os trabalhos desenvolvidos no domínio da reciclagem e as argamassas têm sido um dos materiais de construção em que se vem prestando a receber os vários resíduos, tanto sólidos urbanos como de origem industrial. Há já algum tempo que investigadores do C-MADE, Centro de Materiais e Tecnologia da Construção, da Universidade da Beira Interior, vêm estudando o comportamento de compósitos com incorporação de resíduos diversos [1,2,3]. Alguns desses estudos são dirigidos às argamassas de construção. Neste âmbito, para além do cimento, a cal hidratada tem sido largamente utilizada na composição de argamassas mistas, também ditas bastardas. A principal vantagem da introdução combinada de cal hidratada numa

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argamassa é a obtenção de uma melhor trabalhabilidade, pois confere facilidade de manuseamento e aplicação das argamassas e um melhor poder de sustentação dos agregados, diminuindo a segregação [4]. O papel da cal nas argamassas é o de oferecer maior plasticidade às misturas frescas e aumentar a deformabilidade da argamassa endurecida. É esta vantagem que se quer ver obtida com a incorporação de resíduos, sobretudo os que são produzidos abundantemente. Neste grupo de resíduos produzidos em larga escala, um é o vidro colorido de garrafas e outro é um subproduto da indústria mineira, que se apresenta em forma de lama residual, seleccionados para este estudo. Ambos são produtos que apresentam teores elevados de sílica (óxido de silício, SiO2) nas suas composições e portanto são potencialmente reativos (como material pozolânico) para contribuir para a melhoria das propriedades mecânicas das argamassas. A pozolanicidade do resíduo de vidro é comprovadamente obtida, em argamassas de cimento, quando esses resíduos são reduzidos a partículas com tamanhos menores que 150µm [2]. Fragata et al [5] obteve resultados que comprovam que a incorporação de pó de vidro em argamassas de cal aérea aumenta as resistências à flexão e à compressão quando a cura ocorre em ambiente seco. Nestas condições também foi observado um coeficiente de absorção capilar mais baixo e próximo da argamassa de referência. Por outro lado, esperava-se que as condições de cura húmida promovessem um melhor desempenho das argamassas com incorporação de resíduos de vidro, o que não se verificou. Esta dificuldade da argamassa ganhar alguma hidraulicidade, resultado da formação de silicatos, não ocorreu de maneira suficiente a oferecer à argamassa uma combinação com característica cimentícia. Em relação às lamas residuais de minas, estudos recentes revelam a grande disponibilidade desse resíduo, aproximadamente 16 Mt/ano e, atestam o seu potencial reativo na síntese de ligantes geopoliméricos [3]. Sendo assim, a incorporação de resíduos em argamassas de construção é de interesse, sobretudo se essa incorporação além de benefícios ambientais e económicos possa acrescentar melhorias ao desempenho das argamassas. Neste contexto, este trabalho discute os resultados obtidos em argamassas mistas à base de cimento, nas quais se substituiu a cal hidratada por pó de resíduos de vidro e por lamas residuais calcinadas das minas da Panasqueira. 2. MATERIAIS Os materiais utilizados para a composição de argamassas foram: cimento Portland CEM I 32,5 R, cal hidratada CL 80, areia do Tejo, pó de vidro, lamas residuais calcinadas das minas da Panasqueira e água. A areia do Tejo possui as seguintes características: dimensão máxima 2,0 mm e módulo de finura 2,97 e massa volúmica 2450 kg/m3. O vidro e a lama residual calcinada das minas da Panasqueira são caracterizados mais detalhadamente em seguida. 2.1 Pó de vidro O vidro utilizado foi recolhido nos Serviços Municipalizados da Covilhã, tendo sida feita uma recolha seletiva de forma a obter uma amostra de vidro de cor âmbar e verde. Posteriormente as amostras, moídas nas frações <75µm, foram analisadas através da análise de difração de raios-x de forma a se obter a sua composição, e observado pelo microscópio eletrónico para se conhecer a sua forma. O resultado da análise de difração de raios-x é apresentado na Tabela 1, sendo os valores expressos em termos de percentagem. Os vidros são essencialmente constituídos de óxido de silício, seguidos por percentagens menores de óxidos de cálcio e sódio. A forma das partículas também foi

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analisada e constatou-se que a forma preponderante, que resulta do processo de moagem, é a laminar. A superfície específica de 295 m2/kg foi determinada pelo método de Blaine em amostras de vidro após moagem.

Tabela 1 - Análise Elementar Óxidos % Vidro SiO2 Al2O3 CaO MgO Na2O K2O Âmbar 73,27 3,09 11,36 0,81 10,37 1,10 Verde 72,25 2,54 12,35 1,18 10,54 1,15

2.2 Lamas residuais calcinadas Foram utilizadas, na composição da série de argamassas LC, lamas residuais calcinadas, cuja composição química, determinada por espectrometria de energia dispersiva (EDS) é apresentada na Tabela 2. São essencialmente constituídas por sílica e alumina, e em menores percentagens por óxidos de ferro e de sódio. As lamas, cuja massa volúmica é de 2780 kg/m3, foram submetidas a um tratamento térmico (calcinação) num forno de altas temperaturas durante 2 horas a 850ºC, para aumentar o seu grau de amorfismo e consequentemente o seu potencial de reatividade. Após calcinação obteve-se uma superfície específica de 56,3 m2/kg, determinada pelo método de Blaine. Assim, uma parte das lamas calcinadas foi moída em moinhos de bolas durante 6 horas para obtenção de uma superfície específica de 133,2 m2/kg para compor a mistura LC2.

Tabela 2 – Características da lama residual das Minas da Panasqueira Constituintes SiO2 Al2O3 TiO2 Fe2O3 Na2O K2O

% em massa 68,54 18,27 1,17 5,64 1,14 5,24 3. MÉTODOS 3.1 Argamassas no estado fresco As argamassas ensaiadas apresentam a mesma proporção em volume de materiais ou seja 1:1:5 (cimento:cal hidratada:areia), que se identifica neste estudo como argamassa de referência. As demais misturas tiveram a unidade de volume de cal hidratada substituída pelos materiais finos vidro ou lama calcinada, respectivamente. Para maior precisão de medida, as quantidades em volume dos diferentes materiais foram transformadas em massa. A água de amassadura foi determinada em função da consistência desejada ou seja um valor compreendido entre 190 mm ± 10 mm obtido pelo método da mesa de espalhamento, segundo a norma EN 1015-3 [6]. Nas argamassas frescas foram também determinadas as massas volúmicas, a retenção de água e a consistência pelo método de penetração, segundo as normas EN 1015-6 [7], EN 1015-8 [8] e EN 1015-4 [9], respectivamente. A retenção de água da argamassa é obtida conhecendo-se a percentagem de massa de água da amassadura absorvida por um ou dois papeis de filtro colocados em contacto com a superfície da amostra da argamassa durante 5 minutos. O ensaio de penetração é realizado com uma sonda cuja massa é de cerca de 90 g e no qual mede-se a profundidade, em mm, da penetração da dita sonda. Na Tabela 3 apresentam-se as composições em massa das argamassas com as percentagens de água em relação a massa seca total necessárias para a obtenção da consistência desejada.

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Tabela 3 – Composição das argamassas frescas Tipo Cimento

(kg) Cal hidratada

(kg) Pó de vidro

(kg) Lama

calcinada (kg)

Areia (kg)

Água (%)

C 1,00 0,35 - - 6,70 20 V1 1,00 - 0,72 - 6,70 18 V2 1,00 - 0,72 - 6,70 16

LC1 1,00 - - 1,05 6,70 18 LC2 1,00 - - 1,05 6,70 16

O comportamento reológico das argamassas foi estudado através do reômetro Viskomat NT, ilustrado na Figura 1.

Fig. 1. Detalhes do reômetro Viskomat NT

As medidas foram efetuadas 5 minutos após terminada a mistura. A velocidade de rotação do recipiente que acondiciona a amostra pode ser programado e, neste estudo, foi utilizado um perfil denominado “step”. A velocidade de rotação é ajustada para variar com o tempo, variando de 20 em 20 rpm, passando de um valor inicial de zero a 160 rpm e em seguida de 160 rpm até zero. Para cada velocidade, aguardou-se cerca de 1 min antes de aumentar ou diminuir 20 rpm de acordo com o esquema da Figura 2. Este perfil permite chegar a valores de equilíbrio de torque para cada velocidade, e construir as curvas de equilíbrio de escoamento para uma melhor determinação dos coeficientes relativos de viscosidade plástica e a tensão de cedência (h e g, respectivamente).

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Fig. 2. Perfil de velocidade tipo “step”

A tensão de cedência é a força mínima necessária para quebrar as interações que existem no núcleo do material e iniciar um movimento. Depende do número de lugares que se interagem e da força dessas interações. A tensão de cedência pode ser considerada a resistência à entrada em escoamento uma vez que a viscosidade plástica é uma medida da resistência da mistura ao aumento da velocidade desse escoamento. A tensão de cedência é então uma estimativa da solidez da estrutura mesoscópica do material ao passo que a viscosidade plástica é a medida dos atritos internos [10]. 3.2 Argamassas no estado endurecido Nas argamassas endurecidas foram realizados ensaios em 3 corpos de prova prismáticos de 40 x 40 x 160 mm, por argamassa, de acordo com a EN 1015-11 [11], para determinação da resistência à tração na flexão e da resistência à compressão aos 28 e 90 dias. A massa volúmica da argamassa endurecida e o módulo de elasticidade dinâmico foi determinado, aos 28 dias, em 3 corpos de prova prismáticos. O módulo de elasticidade dinâmico foi determinado pelo método de velocidade da onda de ultra-sons [12]. Os ensaios de absorção de água por capilaridade, conduzidos segundo a EN 1015-18 [13] foram conduzidos em 3 corpos de prova prismáticos de 40 x 40 x 160 mm, em cada mistura na idade de 28 dias, após a secagem dos mesmos em estufas na temperatura de 60ºC ± 5ºC até constância de massa. Para a determinação da retracção livre das argamassas foram produzidos, para cada mistura, 3 corpos de prova com as dimensões de 40 x 40 x 160 mm, instrumentados nas faces dos topos com pernos de aço inoxidável de 6 mm de diâmetro e 22 mm de comprimento. As variações dimensionais após desmoldagem dessas argamassas foram determinadas segundo o projeto de norma prEN 1015-13 [14], nas idades de 2, 7, 14 e 28 dias. Os corpos de prova foram mantidos em câmara condicionada (50% de humidade relativa e 20°C de temperatura), durante o período de ensaio. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO A Tabela 4 apresenta os resultados referentes às propriedades medidas nas argamassas no estado fresco. O intervalo de consistência desejada foi obtido pelas misturas C, V2, LC1 e LC2. Nesta última mistura a lama residual utilizada tem um grau de finura mais elevado

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que a utilizada na mistura LC1. A argamassa V1 apresentou um valor de espalhamento significativamente superior ao intervalo desejado, deste modo foi excluída dos demais ensaios. Os valores de retenção de água são muito próximos nas argamassas C, LC1e ligeiramente mais baixo na V2. Tendo em conta o coeficiente de variação máximo de 7,0 % pode-se afirmar que a diferença entre argamassa LC1 e LC2 não é significativa, apesar da superfície específica da lama calcinada na mistura LC2 ser muito mais elevada. Resultado possível uma vez que a retenção de água não está diretamente relacionada com o acréscimo da superfície específica dos componentes da mistura [15]. De qualquer maneira, os resultados obtidos indicam uma elevada capacidade de retenção de água dessas argamassas. Observa-se também uma tendência, dentro do intervalo de consistência desejado, de uma relação crescente dos valores de espalhamento com os do ensaio de penetração.

Tabela 4 - Propriedades das argamassas frescas Tipo Massa

volúmica (kg/m3)

Espalhamento (mm)

Penetração (mm)

Retenção de água (%)

C 2005,9 198,5 26,5 96,2 V1 1863,2 244,3 27,7 94,2 V2 1923,2 195,5 26,8 84,3

LC1 1913,1 185,8 21,5 93,6 LC2 2031,3 191,8 27,5 89,3

Na Tabela 5 apresentam-se os valores dos parâmetros reológicos obtidos pelo modelo de Bingham para as misturas ensaiadas. Nesta podemos constatar que o valor para o parâmetro g, que indica a tensão de cedência da mistura, é crescente para a sequência de misturas V2, LC2 e C. O que indica também uma maior solidez da estrutura mesoscópica da mistura C e por consequência uma maior resistência da mesma ao início de escoamento. Os atritos internos nas misturas V2 e LC2 são menores que nas restantes misturas, assim como a resistência que oferecem ao aumento da velocidade de escoamento. Este comportamento não é refletido pelos ensaios de espalhamento, embora os valores médios dos ensaios de penetração possam indicar uma tendência semelhante na classificação obtida pela reometria, o desvio padrão de 1,0 mm para as misturas V2 e LC2 não indicam diferenças nas médias. Tais constatações realçam a maior sensibilidade dos estudos reológicos a favor de uma melhor identificação do comportamento da argamassa no estado fresco.

Tabela 5 - Equações do modelo reológico

Misturas Modelo de Bingham

T = g + h N R2

C T= 48,65 + 0,1170 N 0,841

V2 T= 39,447 + 0,0618 N 0,815

LC2 T= 41,957 + 0,0967 N 0,869

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Se analisarmos as curvas de escoamento apresentadas na Figura 3, constata-se que a mistura cujo escoamento ocorre sob baixa tensão é a mistura V2. Pelos valores de tensão de cedência g e de viscosidade plástica h, apresentados na Tabela 5, pode-se constatar um comportamento reológico mais favorável das argamassas com adição de resíduos.

Fig.3. Curvas de escoamento torque x velocidade

Os valores de resistência à tração das argamassas são semelhantes aos 28 dias (Figura 4), porém a resistência atinge valor significativamente elevado para a argamassa com pó de vidro e com lama residual calcinada aos 90 dias. Considerando o desvio padrão máximo de 0,9 MPa aos 90 dias, pode-se afirmar que o aumento de resistência demonstra o potencial pozolânico reativo dos resíduos estudados, em especial da mistura V2 que atinge valor da ordem de 70% superior ao das misturas LC1 e LC2. Tendo em conta o desvio padrão da mistura C de 0,3 MPa aos 28 dias, constata-se que a resistência à tração dessa mistura é praticamente igual aos 28 e 90 dias.

Fig. 4. Resistência à tração na flexão das argamassas aos 28 e 90 dias

Os resultados apresentados na Figura 5 indicam uma tendência semelhante para as argamassas com resíduos. Para a mistura C existe uma diferença significativa nos valores

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médios, tendo em conta o desvio padrão de 0,6 MPa aos 28 dias e 0,2 MPa aos 90 dias, que indica um decréscimo de resistência à compressão aos 90 dias. Esse comportamento pode ser analógo ao constatado por Veiga e Carvalho [15] ao estudar argamassas de cal hidraulica natural no traço 1:4, com maior percentagem de espalhamento, observaram que existe uma diminuição de resistência, tanto à flexão como à compressão, dos 7 dias de idade para os 28 dias de idade. É possível também que a existência de alguma parte de cal não hidratada provoque essa redução por um efeito da expansão na hidratação retardada, podendo gerar microfissuras na argamassa aos 90 dias. Uma nova série de ensaios está sendo realizada para esclarecer a causa da redução da resistência mecânica da argamassa C. Esta série de ensaios se estende à caracterização da microestrutura da argamassa e à caracterização mais detalhada da cal utilizada.

Fig. 5. Resistência à compressão das argamassas aos 28 e 90 dias

Após a determinação da resistência à compressão e a tração das diferentes argamassas, é possível obter um valor da ductilidade das argamassas através da relação Rt/Rc. A ductilidade indica a capacidade da argamassa se deformar consoante as solicitações mecânicas a que está sujeita. Segundo Veiga e Carvalho [16], quanto maior este coeficiente, mais ductil é a argamassa. Um comportamento mais ductil permite otimizar as resistências das argamassas às tensões criadas, sem que sejam transmitidos esforços muito elevados para o suporte. Os valores da relação Rt/Rc apresentados na Tabela 6 indicam um acréscimo significativo da ductilidade da idade de 28 dias para 90 dias, sobretudo para as argamassas com resíduos, o que se explica pelo potencial pozolânico desses materiais. Para a idade de 28 dias não há diferenças evidentes entre as misturas C, V2 e LC2. Outra ideia da ductilidade pode ser expressa pelo módulo de elasticidade, neste caso sendo o módulo obtido aos 28 dias, pode-se considerar que a evolução do módulo de elasticidade é coerente com a evolução das resistências e com exceção da mistura LC1 esta evolução é também coerente com a relação Rt/Rc.

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Tabela 6 - Propriedades das argamassas endurecidas Tipo Massa

volúmica (kg/m3)

Módulo de elasticidade

(GPa)

Rt/Rc aos 28 dias

(MPa)

Rt/Rc aos 90 dias

(MPa) C 1836 6,3 0,33 0,38

V2 1840 12,5 0,34 0,68 LC1 1831 6,9 0,38 0,83 LC2 1858 10,8 0,33 0,59

A tabela 7 apresenta os valores médios, desvio padrão e coeficiente de variação de retração livre das argamassas aos 7, 14 e 28 dias de idade. Aos 28 dias de idade a mistura V2 apresentou o menor valor de retração livre seguida da mistura C. Os valores obtidos com a mistura LC2 embora elevados já aos 7 e 14 dias permanecem praticamente constante até os 28 dias.

Tabela 7 - Retração livre das argamassas nas diferentes idades (mm/m)

Misturas 7 dias 14 dias 28 dias

C Média (mm/m) 0,23540 0,52479 0,52773

Desvio padrão (mm/m) 0,01540 0,01730 0,01340

Coef. de variação (%) 6,5 3,3 2,5

V2 Média (mm/m) 0,25901 0,38437 0,32743

Desvio padrão (mm/m) 0,02090 0,02210 0,01950

Coef. de variação (%) 8,1 5,7 6,0

LC2 Média (mm/m) 0,52005 0,59618 0,56080

Desvio padrão (mm/m) 0,03720 0,04360 0,03900

Coef. de variação (%) 7,2 7,3 7,0 Na Figura 6 observa-se que os coeficientes de capilaridade obtidos aos 28 dias de idade são menores para as argamassas V2 e LC2, considerando os seus respectivos valores de desvio padrão 0,01 kg/m2. min 0,5 para argamassa V2 e 0,02 kg/m2. min 0,5 para a LC2. Ao possuir uma superfície específica mais elevada, pela incorporação respectiva de resíduos de vidro e cinza, as misturas V2 e LC2 apresentam poros de menores dimensões e tal como observa Rato [17], poros de menores dimensões conduzem a coeficientes de capilaridade menores. De acordo com a classificação MERUC [18] os valores apresentados identificam argamassas de baixa capilaridade que pertencem a classe 2 e 3.

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Fig.6 – Coeficiente de capilaridade das argamassas aos 28 dias

5. CONCLUSÕES Tendo em vista os resultados dos ensaios, a incorporação de resíduos influencia as propriedades das argamassas das seguintes formas: - Para uma mesma consistência desejada verifica-se, nas argamassas com resíduos, uma redução da demanda de água. - A capacidade de retenção de água da maioria das argamassas com resíduos é semelhante à da argamassa de referência, embora na mistura V2 o percentual de retenção de água seja ligeiramente mais baixo. - Verifica-se nas argamassas V2 e LC2 um comportamento reológico mais favorável em razão dos escoamentos ocorrerem sob baixa tensão e sob menor resistência à velocidade de escoamento. - Os resultados de resistência à tração e à compressão, que são semelhantes aos 28 dias, têm um acréscimo significativo aos 90 dias, sobretudo com a argamassa V2. - Verifica-se um acréscimo significativo da ductilidade das argamassas com residuos na idade de 90 dias, o que se explica pelo potencial pozolânico desses materiais. Para a idade de 28 dias não há diferenças evidentes entre as misturas C, V2 e LC2. - Pode considerar-se que a evolução do módulo de elasticidade, aos 28 dias, é coerente com a evolução das resistências e com exceção da mistura LC1 esta evolução é também coerente com a relação Rt/Rc. - O valor de retração livre aos 28 dias de idade é menor com a argamassa V2.

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- Os coeficientes de capilaridade obtidos aos 28 dias de idade são menores para as argamassas V2 e LC2, conferindo às mesmas baixas capilaridade. Finalmente, face as propriedades exigidas às argamassas de construção, a incorporação de pó de resíduos de vidro e de cinza de lamas residuais calcinadas de minas confere às argamassas comportamentos semelhantes aos 28 dias e superiores aos 90 dias de idade. Revelando nesse contexto o potencial reativo dos resíduos utilizados neste estudo. 6. REFERÊNCIAS

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[12] Monte, R.; Almeida, V., Kudo, E. K.; Barros, M. S. B.; John, V. M. Módulo de elasticidade dinâmico: comparação entre velocidade da onda utrassônica e frequência

ressonante. VII Simpósio Brasileiro de Tecnologia das Argamassas – VIISBTA 2007. Recife – Pernambuco, 01 a 04 de Maio de 2007

[13] EUROPEAN COMMITTEE OF STANDARDIZATION (CEN) - Methods of test for mortar for masonry – Part 18: Determination of water absorption coefficient due to capillary action of hardened mortar. Brussels: CEN; December 2002. EN 1015-18.

[14] EUROPEAN COMMITTEE OF STANDARDIZATION (CEN), Methods of test for mortar for masonry. Part 13: Determination of dimensional stability of hardened mortars, PrEN 1015-13 Brussels (1993).

[15] Sébaıbi Y., Dheilly R.M., Quéneudec M. Study of the water-retention capacity of a lime–sand mortar: Influence of the physicochemical characteristics of the lime. Cement and Concrete Research 33 (2003) 689–696

[16] Veiga, M. R., Carvalho, F.R. - Argamassas de revestimento na reabilitação do património urbano. In 2º ENCORE, Encontro sobre Conservação e Reabilitação de Edifícios, Lisboa, LNEC, Junho/Julho de 1994. Vol. I. pp 195-206.

[17] Rato, V. - Influência da microestrutura morfológica no comportamento de argamassas. Lisboa, 2006. Tese de doutoramento pela Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências e Tecnologia.

[18] CENTRE SCIENTIFIQUE ET TECHNIQUE DU BATIMENT - Certification CSTB des enduits monocouches d’imperméabilisation - Classification MERUC. Cahiers du CSTB, Paris, Livraison 341, n 2669-3, juillet – août. 1993