AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

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AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 724.170-PE (2005/0022611-0)

Relator: Ministro Paulo Gallotti

Agravante: União

Agravado: Sindicato dos Trabalhadores Públicos Federais da Saúde e Previ­dência Social no Estado de Pernambuco - Sindsprev-PE

Advogados: Cláudio Soares de o. Ferreira e outros

EMENTA

Agravo regimentaL Recurso especiaL Execução. Imposição de mul­ta diária. Astreintes. Art. 644 do cpc. Possibilidade.

1. A melhor exegese do art. 644 do Código de Processo Civil aponta no sentido de que a multa pelo não-cumprimento de obrigação de fazer pode ser aplicada de ofício, inclusive pelo juízo da execução, e não ex­clui a possibilidade de sua utilização contra pessoas jurídicas de direito público.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Tur­ma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taqui­gráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Paulo Medina, Hélio Qua­glia Barbosa, Nilson Naves e Hamilton Carvalhido votaram com o Sr. Ministro­Relator.

Brasília (DF), 31 de agosto de 2005 (data do julgamento).

Ministro Paulo Gallotti, Presidente e Relator

DJ 03.10.2005

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Paulo Gallotti: A hipótese é de agravo regimental em ataque à decisão resumida nos seguintes termos:

"Recurso especial. Administrativo. Astreintes. Obrigação de fazer. Possi­bilidade. Pessoa jurídica de direito público.

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REVIS'IA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1. A melhor exegese do art. 644 do Código de Processo Civil aponta no sentido de que a multa pode ser aplicada de ofício e não exclui a possibilidade de sua utilização contra pessoas jurídicas de direito público.

2. Precedentes.

3. Recurso provido." (FI. 288)

Sustenta a União, ora agravante, que não obstante a possibilidade de imposi­ção de pena pecuniária contra as pessoas jurídicas de direito público, deveriam ter sido apreciadas as peculiaridades do caso concreto, tais como o número elevado de servidores que fazem jus à implantação da vantagem, bem como as limitações orçamentárias a que se sujeita para a implantação do pagamento, pugnando pela fixação de prazo maior para o cumprimento da obrigação.

É o relatório.

VOTO

o Sr. Ministro Paulo Gallotti (Relator): A decisão deve ser mantida por seus próprios fundamentos, porquanto afinados com a jurisprudência desta Corte sobre o tema.

Vejam-se, em reforço, os seguintes precedentes:

A) "Processual CiviL Embargos de declaração. Inexistência de irregulari­dades. Falta de prequestionamento. Fornecimento de remédio. Obrigação de fazer. Descumprimento. Multa. Cabimento. Prazo e valor da multa. Necessi­dade de apreciação do conjunto probatório. Incidência da Súmula n. 7-STJ. Impossibilidade. Bloqueio de contas públicas. Pretensão de rediscussão da matéria. Incabimento. Esclarecimentos.

1. Inocorrência de irregularidades no acórdão quando a matéria que serviu de base à oposição do recurso foi devidamente apreciada no aresto atacado, com fundamentos claros e nítidos, enfrentando as questões suscita­das ao longo da instrução, tudo em perfeita consonância com os ditames da legislação e jurisprudência consolidada. O não-acatamento das teses deduzi­das no recurso não implica cerceamento de defesa. Ao julgador cumpre apre­ciar o tema de acordo com o que reputar atinente à lide. Não está obrigado o magistrado a julgar a questão posta a seu exame de acordo com o pleiteado pelas partes, mas, sim, com o seu livre convencimento (art. 131 do CPC), utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso. As funções dos adaratórios são, apenas, afastar do acórdão qualquer omissão necessária à solução da lide,

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não permitir a obscuridade acaso identificada e extinguir qualquer contradi­ção entre premissa argumentada e conclusão.

2. Falta do necessário prequestionamento quanto ao art. 287 do CPC. Dispositivo indicado como afrontado não foi abordado, em nenhum momen­to, no âmbito do aresto a quo, sem que se tenham ofertado embargos decla­ratórios para suprir a omissão, porventura existente.

3. É pacífico nesta Corte Superior o entendimento de que é possível ao juiz, ex officio ou por meio de requerimento da parte, a fixação de multa diária cominatória (astreintes) contra a Fazenda Pública, em caso de descum­primento de obrigação de fazer.

4. Demonstrado, de modo evidente, que a procedência do pedido está rigorosamente vinculada ao exame das provas depositadas nos autos. A ques­

tão nodal acerca da verificação do prazo e do valor da multa constitui maté­ria de fato e não de direito, o que não se coaduna com a via estreita da súplica excepcional. Na via especial não há campo para se revisar entendimento de 2D. grau assentado em prova. A função de tal recurso é, apenas, unificar a aplica­ção do direito federal, conforme disposto na Súmula n. 7-STJ.

5. O art. 461, § 5D., do CPC ao referir que o juiz poderá, de ofício ou a requerimento da parte, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, 'determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas ou cousas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial' (destaquei), apenas previu al­gumas medidas cabíveis na espécie, não sendo, contudo, taxativa a sua enu­meração. No caso, é permitido ao julgador, à vista das circunstâncias do caso apreciado, buscar o modo mais adequado para tomar efetiva a tutela almeja­da, tendo em vista o fim da norma e a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses fáticas.

É possível, pois, em casos como o presente, o bloqueio de contas públi-caso

6. Enfrentamento de todos os pontos necessários ao julgamento da causa.

Pretensão de rejulgamento da causa, o que não é permitido na via estreita dos aclaratórios.

7. Embargos parcialmente acolhidos, apenas para fins de esclarecimento." (EDcl no Ag n. 645.565-RS, Relator o Ministro José Delgado, DJ 13.06.2005)

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B) "Recurso especiaL Processual CiviL Execução. Fazenda Pública. Im­plantação de reajuste dos 3,17%. Matéria pacificada. Aplicação da multa do art. 644 do cpc. Possibilidade. Reforma da decisão.

Nos termos de pacífico entendimento jurisprudencial desta Corte, a mul­ta diária por obrigação de fazer, disposta no art. 644 do CPC, pode ser deter­minada de ofício, mesmo que no juízo de execução, podendo ser aplicada à Fazenda Pública.

Precedentes.

Recurso desprovido." (REsp n. 507.966-RS, Relator o Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ OS.03.2004)

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 27.794-SP (2003/0052460-8)

Relator: Ministro Paulo Medina

Impetrante: Hailton Apolinário - Defensor Público

Impetrada: Sexta Câmara do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo

Paciente: Oswaldo de Souza Santos (preso)

EMENTA

Penal e Processual. Roubo circunstanciado. Ação penal. Duplicida­de. Condenação dupla. Bis in idem. Nulidade.

Comprovada a prolação de duas sentenças condenatórias em pro­cessos distintos, com base nos mesmos fatos delituosos, prevalece a sen­tença que primeiro transitou em julgado, cabendo anular a segunda, por violação à coisa julgada.

Na espécie, propostas duas Ações (ns. 427/2000 e 776/2000), res­pectivamente perante a 30a e a 2Sa Varas Criminais da Comarca da Ca­pital de São Paulo, com base nos mesmos crimes ocorridos em 26 de novembro de 1999 e 05 de março de 2000.

Ordem concedida, para anular integralmente o Processo n. 776/ 2000, desde o oferecimento da denúncia, inclusive.

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo Gallotti acompanhando o voto do Sr. Ministro-Relator, por maioria, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Vencido o Sr. Ministro Fontes de Alencar. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido e Paulo Gallotti votaram com o Sr. Ministro­Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido.

Brasília (DF), 20 de abril de 2004 (data do julgamento).

Ministro Paulo Medina, Relator

DJ 22.11.2004

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Paulo Medina: Trata-se de habeas corpus impetrado por Hailton Apolinário em favor de Oswaldo de Souza Santos contra acórdão da Sexta Câmara do Tribunal de Nçada Criminal do Estado de São Paulo.

Sustenta o impetrante a existência de dupla condenação do paciente em razão dos mesmos fatos, o que configura constrangimento ilegal.

Requer, liminarmente, a anulação do processo cuja decisão condenatória transitou em julgado por último (776/2000 - 28a Vara Criminal da Comarca da Capital de São Paulo).

Indeferi o pedido liminar, porque se confunde com a questão meritória (fls. 68/69).

A autoridade apontada como coatora prestou as informações solicitadas e fez juntar cópia das principais peças de ambos os processos (fls. 79/240).

Opina a Subprocuradoria Geral da República pela concessão da ordem, sob o entendimento de que "caracterizado o bis in idem, anula-se a segunda sentença e respectivo acórdão, proferidos após o trânsito em julgado da primeira condenação (fls. 243/245).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Paulo Medina (Relator): Sr. Presidente, o Dr. José Renato Nali­ni, Presidente do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, informa que (fls. 79/80):

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"Aos 31 de março de 2000, pelo Juízo da Trigésima Vara Criminal, foi recebida denúncia contra o paciente, por ter ele praticado, em 26 de novembro de 1999 e em 05 de março de 2000, roubo consumado, respectivamente contra as vítimas Jurema Aparecida Euono e Pedro Gomes de Andrade (Doc. n. 1).

Em 15 de maio de 2000, outra denúncia foi ofertada, agora perante o Juízo da 28a Vara Criminal, pelos mesmos fatos narrados na peça acusatória anterior, que restou recebida aos 30 de maio subseqüente (Doc. n. 2).

Superada a instrução criminal na Ação Penal n. 477/2000, da 30a Vara Criminal, sobreveio sentença condenatória que apenou o paciente a 6 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão, em regime fechado, além de 15 dias-multa, por infringência ao disposto no art. 157, § 2'1, I e II, c.c. o art. 71, ambos do Código Penal, em regime fechado. A sentença foi publicada em 28 de junho de 2000 (Doc. n. 3).

No tocante a Ação Penal n. 776/2000, da 28a Vara Criminal, por decisão datada de 28 de maio de 2001, o paciente foi condenado por infração ao art. 157, § 2'1, I e II (duas vezes), c.c. o art. 69, ambos do Estatuto Repressivo, a 13 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicial fechado, mais 30 dias­multa (Doc. n. 5).

Inconformada, recorreu a defensoria, tendo a Sexta Câmara deste Tribu­nal, vencida quanto à majorante do uso de arma, por votação unânime, dado parcial provimento para reduzir a pena a 5 anos e 4 meses de reclusão, além de 13 dias-multa, totalizando 10 anos e 8 meses de reclusão, mais 26 dias­multa, mantido o regime inicial fechado. O aresto restou irrecorrido, após a intimação pessoal do Procurador do Estado (Doc. n. 6).

Com efeito.

São duas Ações Penais, respectivamente de n. 427/2000 (fls. 81/161), cuja denúncia foi ofertada em 22 de março de 2000, e n. 776/2000 (fls. 162/241), com denúncia oferecida em 15 de maio de 2000.

Em ambas, o fato é o mesmo, qual seja (fls. 81 e 189):

" ... no dia 26 de novembro de 1999, por volta das 14h30min, no interior da Marsuel Indústria e Comércio de Produtos Químicos Ltda, situada na rua Telma Ritter; altura do número 3, nesta Cidade e Comarca, Oswaldo de Souza Santos e outros três indivíduos não identificados, agindo em concurso e com identidade de propósitos, subtraíram para eles, mediante grave ameaça exerci­da através do porte de armas de fogo, uma máquina de escrever marca 'Olivet­ti', cento e cinqüenta panos de prato, cinqüenta toalhas de mesa, vinte e oito

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colchas de solteiro, cinqüenta quilos de sabão em pasta, oitenta quilos de sabão em pó, o veículo GM, modelo 'Kadet', placas BOV 4146-Sp' e a quantia de R$ 1.500,00 em espécie, pertencentes à vítima Jurema Aparecida Buono.

c. .. ) no dia 05 de março de 2000, por volta das 13h30min, na Rua Mário Caserini, altura do número 8, nesta Cidade e Comarca, Oswaldo de Souza Santos e outro indivíduo não identificado, mediante concurso e identidade de propósitos, subtraíram para eles, mediante grave ameaça exercida através do porte de arma de fogo, a quantia de R$ 150,00 em espécie e as chaves do veículo vw, modelo 'Kombi', pertencentes à vítima Pedro Gomes de Andrade."

Ambas ações julgaram os mesmos fatos, havendo o paciente sido condenado, na primeira, a cumprir 6 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão em regime inicial fechado, com o pagamento de 15 dias-multa, por infração ao art. 157, § 2u, incisos I e c.c art. 71 do Código Penal (fls. 141).

A sentença foi publicada em 28 de junho de 2000 143).

No segundo feito, restou condenado a cumprir 13 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão em regime inicial fechado, com o pagamento de 30 dias-multa (fi. 210).

Esta segunda sentença foi publicada em lU de junho de 2001 (fl. 213).

Evidente, portanto, dupla condenação em face da mesma imputação, razão por que o segundo processo é nulo, eis que ofende a coisa julgada.

Mirabete, a propósito, registra:

''A exceção de coisa julgada se funda, como a da litispendência, no prin­cípio non bis in com a circunstância de que há já uma decisão irre­corrível em um dos processos. Exige-se os mesmos requisitos daquela. É proce­dente quando forem os mesmos, as partes, o objeto e o fundamento do pedido.

[ ... ]

Tem-se entendido, inclusive, pela imutabilidade da coisa julgada da sen­tença absolutória ou condenatória sem se discutir a competência do juiz que proferiu a decisão transitada em julgado. Entretanto, esporadicamente não se leva em consideração a coisa julgada na hipótese de incompetência absoluta."

Sobre a prevalência da decisão anterior, anota o autor:

"Prevalência da sentença anterior - T JSC: 'Havendo duplicidade de sen­tenças condenatórias tendo por base o mesmo fato delituoso, deve prevalecer a que primeiro transitou em julgado, posto que a segunda fere o princípio da coisa julgada' (JCAT 79/574). TACRSP. 'Ocorrendo duplicidade de sentenças condenatórias, isto é, duas condenações proferidas com base no mesmo fato

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considerado como criminoso, deve prevalecer a que primeiro transitou em julgado, pois não padece de qualquer nulidade, ao passo que a segunda con­tém a eiva de violar a coisa julgada'" (RT 573/397).

(Júlio F. Mirabete, "Código de Processo Penal Interpretado", lQa ed., São Paulo, Atlas, 2003, p. 391)

Do exposto, comprovado tratar-se de duplicidade de processos e de sentenças condenatórias, deve prevalecer aquela proferida em primeiro lugar, porque transi­tou em julgado antes da segunda, isto é, a condenação prólatada nos autos da Ação Penal n. 427/2000 (018993/00).

Posto isso, concedo a ordem, para decretar a nulidade do Processo-Crime n. 00/ 34805-8 (Processo n. 776/2000, da 28a Vara Criminal da Comarca de São Paulo).

VOTO-VOGAL

o Sr. Ministro Fontes de Alencar: Senhor Presidente, com todo o respeito vou divergir. Penso que a matéria é demais para o campo do habeas corpus, sobretu­do porque essa matéria não foi levada para o Tribunal de origem.

Não conheço do habeas corpus.

VOTO-VISTA

o Sr. Ministro Paulo Gallotti: Senhor Presidente, Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de Oswaldo de Souza Santos, apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo.

Colhe-se do processado que o paciente foi condenado, em 28 de junho de 2000, na 30a Vara Criminal da Comarca de São Paulo - Processo n. 427/2000 (00/ 018993), a 6 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão, a serem cumpridos em regime fechado, e multa, como incurso no art. 157, § 2!l, I e II, c.c. o art. 71, ambos do Código Penal, sentença confirmada em sede de apelação.

Posteriormente, em 28 de maio de 2001, veio a ser condenado, nos autos da Ação Penal n. 776/2000 (00/34805-8), na 28a Vara Criminal da Comarca de São Paulo, pelo mesmo fato delituoso, a 13 anos e 20 dias de reclusão, e multa. Incon­formado, apelou, tendo o Tribunal de origem dado parcial provimento ao recurso para reduzir a pena corporal a 10 anos e 8 meses de reclusão.

Busca a impetração a decretação de nulidade da segunda condenação, pois teria sido violada a coisa julgada, já que o paciente foi processado e condenado pelo mesmo fato na primeira ação penal, ou seja, naquela que tramitou na 30a Vara Criminal de São Paulo.

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

A Subprocuradoria Geral da República opinou pela concessão do writ.

O Ministro Paulo Medina, Relator, deferiu a ordem, no que foi acompanhado pelo Ministro Hamilton Carvalhido, para decretar a nulidade da Ação Penal n. 776/ 2000 (00/34805/8), devendo prevalecer a condenação proferida na Ação Penal n. 427/2000 (018993/00), que transitou em julgado em primeiro lugar, divergindo o Ministro Fontes de Alencar ao fundamento de que a via estreita do habeas corpus não é apropriada para o exame da matéria, inclusive porque o Tribunal de origem não apreciou a questão.

Após, pedi vista dos autos.

Compulsando os autos, observa-se claramente a ocorrência de dupla condena­ção pela prática do mesmo ato delituoso, sem que haja a necessidade de se operar detido exame de provas, mostrando-se, pois, evidente o constrangimento ilegal a que está submetido o paciente.

Com a devida vênia do Ministro Fontes de Alencar, não é relevante, no caso, que a matéria não tenha sido apreciada no Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, cuidando-se, como já destacado, de nulidade absoluta, de constatação evi­dente, bastando apenas acentuar que as informações prestadas por seu Presidente, o Juiz José Renato Nalini, admitem sua ocorrência.

Acompanho o voto do Ministro-Relator, concedendo a ordem de habeas cor­pus.

HABEAS CORPUS N. 31.462-ES (2003/0196415-2)

Relator: Ministro Hamilton Carvalhido

Impetrantes: José Maria Ramos Gagno e outro

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo

Pacientes: Heber Valêncio (preso) e Ranilson Alves da Silva (preso)

Sustentação oral: Dr. Francisco de Oliveira (pacientes) e Dra . Cláudia Sampaio Marques

EMENTA

Habeas corpus. Direito Processual Penal. Homicídio qualifica­do. Nulidade. Suspeição do juiz processante. Inocorrência. Prisão pre­ventiva. Fundamentação. Motivação. Legalidade.

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1. A amizade íntima que gera a suspeição do juiz processante, nos termos do artigo 564, inciso I, do Código de Processo Penal, não se con­funde com a admiração e o respeito pelo companheiro de trabalho e o sentimento profundo pela sua morte brutal, pois são traços da essencia­lidade do ser humano normal no comum das relações da vida.

2. Em se oferecendo suficientemente fundamentado o decreto prisio­nal cautelar, evidenciando, como evidencia, os seus pressupostos e moti­vos, definidos no art. 312 do Código de Processo Penal, não há falar em constrangimento ilegaL

3. Ordem denegada.

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unani­midade, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro­Relator. Os Srs. Ministros Paulo Gallotti e Paulo Medina votaram com o Sr. Minis­tro-Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido.

Brasília 11 de maio de 2004 (data do julgamento).

Ministro Hamilton Carvalhido, Presidente e Relator

DJ l3.12.2004

O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido: Habeas corpus contra o Tribunal Ple­no que rejeitou a Exceção de Suspeição n. 100030024077, oposta ao Juiz Carlos Eduardo Ribeiro Lemos, e contra a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Jus­tiça do Estado do Espírito Santo que, denegando o writ impetrado em favor de Heber Valêncio e Ranilson Alves da Silva, preservou-lhes as prisões preventivas decretadas nos autos da ação penal a que respondem como incursos nas sanções dos delitos tipificados nos arts. 121, § 2.Q, incisos I e Iv, 155, § 4.Q, inciso Iv, combi­nado com os arts. 29 e 69, e 288, do Código Penal, combinados com o art. 1'1, inciso I, da Lei n. 8.072/1990, do qual foi vítima o Juiz Alexandre Martins de Castro

Filho.

São estas as ementas dos acórdãos impugnados:

"Exceção de suspeição - Inexistência de qualquer situação que impeça o magistrado de atuar nos autos - Exceção rejeitada.

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXD\ TURMA

Não merece acolhimento a exceção de suspeição quando, de forma inci­siva, o magistrado excepto rebate todos os argumentos dos excipientes, de­monstrando inexistir qualquer situação que o impeça de continuar presidindo os autos, mesmo porque, ditas alegações, não se enquadram em nenhuma das hipóteses elencadas no art. 135 do CPC ou art. 254 do CPP." (FI. 97)

"Ementa. Habeas corpus. Incompetência do juízo: Inocorrência. Au­sência de fundamentação no despacho que decretou a prisão: Inocorrência. Negativa de autoria: Via imprópria para apreciação. Ausência dos requisitos do art. 312 do CPP: Inocorrência. Ilegalidade no sigilo do inquérito policial: Inocorrência. Ordem denegada - Unanimidade.

No que tange ao reconhecimento da incompetência do Juízo da 4a Vara Criminal de Vila Velha para apreciação e julgamento das infrações penais imputadas aos pacientes no Inquérito Policial, verifica-se que a decretação de prisão dos acusados ocorreu por força de requerimento formalizado pelo Mi­nistério Público nos autos do IP n. 011/2003, face à necessidade de apuração de inúmeras infrações penais, consoantes crimes de homicídios, assaltos e tráfico de substâncias entorpecentes imputadas em conluio entre os ora paci­entes e outros acusados, sendo, assim, competente o Juízo da 4a Vara Criminal de Vila Velha para apreciação de crime de homicídio.

Quanto à alegação de ausência de fundamentação no despacho que de­cretou a sua prisão, verifica-se que restou demonstrado que a decisão está devidamente fundamentada, de acordo com a norma legal e em consonância com as disposições legais do art. 315 do CPp, sendo, portanto, manifestamente improcedentes as considerações expendidas no sentido de rotular-se o despa­cho judicial, como destituído da necessária fundamentação legal, sendo impe­riosa e necessária, a teor do disposto no art. 312 do CPp, a manutenção da prisão do ora paciente. Quanto a ausência de justificativa para decretação da prisão preventiva, verifica-se que foram preenchidos os requisitos consignados no art. 312 do Código de Processo Penal, bastando, também, para sua decre­tação, a existência do crime, indícios de autoria um dos requisitos previstos no próprio dispositivo legal.

Ademais, importante atentar-se para o princípio da confiança do Juiz de Direito que decretou a sua prisão, ante a sua proximidade com os fatos e os envolvidos no delito, conforme reiteradas decisões deste egrégio Tribunal de Justiça Estadual.

Quadra registrar, qual a medida cautelar se faz necessária, eis que o crime tipificado na exordial e imputado ao ora paciente, acha-se elencado no

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rol dos hediondos, apenado com reclusão, sendo, destarte, insusceptível de concessão de liberdade provisória.

Quanto a negativa de autoria, o presente remédio jurídico não é meio hábil para apreciação de provas que dizem respeito ao mérito da ação penaL

Quanto à alegação de ilegalidade no segredo de justiça do Inquérito Policial, sem que pese a norma preconizada no inciso XIV do art. 70. do Estatu­to da OAB estar previsto o direito do advogado de acesso aos autos de inqué­rito policial, bem como o de copiar peças e tomar apontamentos do mesmo, a questão em debate não comporta solução singela, porquanto a Constituição Federal, ao mesmo tempo que consagra a inviolabilidade dos atos dos advo­gados no exercício da profissão, dispõe, em seu art. 50., inciso XXXIII, que será garantido o sigilo quando imprescindível à segurança da sociedade e do Esta­do." (Fls. 204/205)

A impetração está fundada na nulidade do processo, em razão da suspeição do juiz processante que "era amigo íntimo da pranteada vítima, Dr. Alexandre Martins de Castro Filho, com quem trabalhava na mesma Vara Criminal e na mes­ma sala, assinando com este, atos de jurisdição, tendo S. Exa ., quando da ocorrên­cia do infausto acontecimento, derramado lágrimas e revelado grande sofrimento, como quem perdera um ente muito querido, o que lhe causou perda de capacidade

emocional nos primeiros dias, como disse o digno Magistrado (. .. )" (fl. 5).

Em conseqüência dessa suspeição, afirmam os impetrantes, que a prisão pre­ventiva dos pacientes, para além de desfundamentada e não apontar indícios das suas participações nos crimes, seria, por igual, nula.

Pugnam, ao final, pela declaração de "nulidade de todos os atos praticados pelo Juiz impedido, a partir do recebimento do Decreto das prisões preventivas dos Acusados," (fl. 28).

A liminar foi indeferida (fls. 171/173).

As informações estão às fls. 177/178 dos autos.

O Ministério Público Federal veio pela denegação da ordem.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido (Relator): Senhores Ministros, habeas corpus contra o Tribunal Pleno que rejeitou a Exceção de Suspeição n. 100030024077, oposta ao Juiz Carlos Eduardo Ribeiro Lemos, e contra a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo que, denegan-

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

do o writ impetrado em favor de Heber Valêncio e Ranilson Alves da Silva, preser­vou-lhes as prisões preventivas decretadas nos autos da ação penal a que respondem como incursos nas sanções dos delitos tipificados nos arts. 121, § 2Jl, incisos I e Iv, 155, § 4Jl

, inciso Iv, combinado com os arts. 29 e 69, e 288, do Código Penal, combinados com o art. 1 Jl, inciso I, da Lei n. 8.072/1990, do qual foi vítima o Juiz Alexandre Martins de Castro Filho.

São estas as ementas dos acórdãos impugnados:

"Exceção de suspeição - Inexistência de qualquer situação que impeça o magistrado de atuar nos autos - Exceção rejeitada.

Não merece acolhimento a exceção de suspeição quando, de forma inci­siva, o magistrado excepto rebate todos os argumentos dos excipientes, de­monstrando inexistir qualquer situação que o impeça de continuar presidindo os autos, mesmo porque, ditas alegações, não se enquadram em nenhuma das hipóteses elencadas no art. l35 do CPC ou art. 254 do CPP." (FI. 97)

"Ementa. Habeas corpus. Incompetência do juízo: Inocorrência. Au­sência de fundamentação no despacho que decretou a prisão: Inocorrência. Negativa de autoria: Via imprópria para apreciação. Ausência dos requisitos do art. 312do CPP: Inocorrência. Ilegalidade no sigilo do inquérito policial: Inocorrência. Ordem denegada - Unanimidade.

No que tange ao reconhecimento da incompetência do Juízo da 4.a Vara Criminal de Vila Velha para apreciação e julgamento das infrações penais imputadas aos pacientes no Inquérito Policial, verifica-se que a decretação de prisão dos acusados ocorreu por força de requerimento formalizado pelo Mi­nistério Público nos autos do IP n. 011/2003, face à necessidade de apuração de inúmeras infrações penais, consoantes crimes de homicídios, assaltos e tráfico de substâncias entorpecentes imputadas em conluio entre os ora paci­entes e outros acusados, sendo, assim, competente o Juízo da 4.a Vara Criminal de Vila Velha para apreciação de crime de homicídio.

Quanto à alegação de ausência de fundamentação no despacho que de­cretou a sua prisão, verifica-se que restou demonstrado que a decisão está devidamente fundamentada, de acordo com a norma legal e em consonância com as disposições legais do art. 315 do CPp, sendo, portanto, manifestamente improcedentes as considerações expendidas no sentido de rotular-se o despa­cho judicial, como destituído da necessária fundamentação legal, sendo impe­riosa e necessária, a teor do disposto no art. 312 do CPp, a manutenção da prisão do ora paciente. Quanto à ausência de justificativa para decretação da prisão preventiva, verifica-se que foram preenchidos os requisitos consignados

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

no art. 312 do Código de Processo Penal, bastando, também, para sua decre­tação, a existência do crime, indícios de autoria um dos requisitos previstos no próprio dispositivo legal.

Ademais, importante atentar-se para o princípio da confiança do Juiz de Direito que decretou a sua prisão, ante a sua proximidade com os fatos e os envolvidos no delito, conforme reiteradas decisões deste egrégio Tribunal de Justiça Estadual.

Quadra registrar, qual a medida cautelar se faz necessária, eis que o crime tipificado na exordial e imputado ao ora paciente, acha-se elencado no rol dos hediondos, apenado com reclusão, sendo, destarte, insusceptível de concessão de liberdade provisória.

Quanto à negativa de autoria, o presente remédio jurídico não é meio hábil para apreciação de provas que dizem respeito ao mérito da ação penal.

Quanto à alegação de ilegalidade no segredo de justiça do Inquérito Policial, sem que pese a norma preconizada no inciso XIV do art. 70. do Estatu­to da OAB estar previsto o direito do advogado de acesso aos autos de inquérito policial, bem como o de copiar peças e tomar apontamentos do mesmo, a questão em debate não comporta solução singela, porquanto a Constituição Federal, ao mesmo tempo que consagra a inviolabilidade dos atos dos advo­gados no exercício da profissão, dispõe, em seu art. 50., inciso XXXIII, que será garantido o sigilo quando imprescindível à segurança da sociedade e do Esta­do." (Fls. 204/205)

A impetração está fundada na nulidade do processo, em razão da suspeição do juiz processante que "era amigo íntimo da pranteada vítima, Dr. Alexandre Mar­

tins de Castro Filho, com quem trabalhava na mesma Vara Criminal e na mesma sala, assinando com este, atos de jurisdição, tendo S. Exa ., quando da ocorrência do infausto acontecimento, derramado lágrimas e revelado grande sofrimento, como quem perdera um ente muito querido, o que lhe causou perda de capacidade emocio­

nal nos primeiros dias, como disse o digno Magistrado C .. )" (fi. 5).

Em conseqüência dessa suspeição, afirmam os impetrantes, que a prisão pre­ventiva dos pacientes, para além de desfundamentada e não apontar indícios das suas participações nos crimes, seria, por igual, nula.

São estes os fatos criminosos que se constituem em objeto do processo da ação penal a que respondem os pacientes, como descritos na denúncia e no seu adita­mento:

"C .. )

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

Registram os autos, que servem de suporte a esta denúncia e que desta passam a fazer parte integrante, que em data de 24 de março do corrente ano de 2003, aproximadamente às 8 horas, na rua Natal e nas imediações da Academia de Ginástica Belle Forme, bairro Itapoã, neste Município de Vila Velha-ES, os denunciados Odessi Martins da Silva Júnior e Giliarde Ferreira de

Souza, contratados, mediante paga ou promessa de recompensa, por terceiras pessoas ainda não identificadas, utilizando-se, respectivamente, de pistolas calibres.40 (ponto quarenta) e .765 (ponto sete seis cinco), desferiram vários tiros na vitima Alexandre Martins de Castro Filho, Juiz de Direito que integra­va a Missão Especial de combate ao crime organizado no Estado do Espírito Santo, causando sua morte, conforme faz prova o laudo de exame cadavérico juntado às fi. 109, fato este que causou enorme clamor público em toda a Sociedade Capixaba, com repercussão a nível, não só nacional, mas também internacional.

Salienta-se que apesar de haver notícia nos autos de que a vitima ao se ver na iminência de ser agredida tivesse esboçado alguma reação, os fatos reais traduzem que naquele momento ela foi surpreendida, já que estava sain­do de seu automóvel para ir à academia de ginástica, visando efetuar seus exercícios matinais, razão pela qual não poderia esperar a atitude brutal por parte dos executores Odessi Martins da Silva Júnior e Giliarde Ferreira de

Souza.

Destaca-se que após a prática do homicídio os denunciados Odessi Mar­

tins da Silva Júnior e Giliarde Ferreira de Souza subtraíram a arma da vitima, uma pistola marca Taurus, calibre .40 (ponto quarenta), de propriedade da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo e que estava acautelada à vítima, fugindo a seguir, utilizando-se da mesma motocicleta em que chegaram ao local do crime.

Ficou constatado que os denunciados André Luiz Tavares e Leandro Ce­

lestino dos Santos concorreram para o hediondo crime já que sabiam que os denunciados Odessi Martins da Silva Júnior e Giliarde Ferreira de Souza iriam praticar um ilícito penal, ajudando-os materialmente para o cometimento do crime, fornecendo, respectivamente, a motocicleta e a pistola calibre '765' (ponto sete seis cinco) para promover a execução.

É de se esclarecer que a identificação dos intermediários e mandantes para o cometimento do hediondo crime em que foi vitima o Juiz de Direito Alexandre Martins de Castro Filho será objeto de outro inquérito policial.

(. . .)." (Fls. 30/35)

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"c. .. ) Segundo depreende do depoimento de Fátima Fernandes, em anexo, co­

lhido, em 26 de maio de 2003, pelo Ministério Público Estadual- Grupo de Trabalho para Repressão ao Crime Organizado - GRCO, portanto, após o oferecimento da denúncia, houve participação efetiva e inconteste dos ora denunciados no evento criminoso, conforme narração que se segue.

Ficou evidenciada a existência de uma organização criminosa especi­alizada em prática de crimes contra a vida e narcotráfico, integrada por Fer­

nando Cabeção (Chefe), Odessi Martins da Silva Júni01; Heber Valêncio, Ranil­

son Alves da Silva, dentre outros.

A quadrilha era organizada, com divisão de tarefas, cabendo a Fernando

Cabeção a chefia. Um dos 'pistoleiros' do grupo, Odessi Martins da Silva, era uma das pessoas encarregadas de eliminar aquelas indicadas pela referida organização criminosa.

Os integrantes da organização Heber Valêncio e Ranilson Alves da Silva,

eram encarregados de dar cobertura aos crimes cometidos pela mesma, utili­zando-se para tanto da condição de policiais militares, além de participarem diretamente do cometimento de diversos homicídios, 'de encomenda', como executores, agindo, assim, como verdadeiro grupo de extermínio na Comarca de Vila Velha.

O grupo se reunia de forma ostensiva na região de Guaranhus, Vila Ve­lha - ES, principalmente na residência de Fernando Cabeção para combinar os crimes que seriam cometidos, inclusive de homicídios.

Verifica-se dos autos que os denunciados Heber Valêncio e Ranilson Alves

da Silva, meses antes do homicídio perpetrado contra a vítima, Alexandre Martins Castro Filho, locaram um apartamento nas proximidades da residên­cia da vítima, certamente com o intuito de mapear a rotina da vítima para facilitar o cometimento do crime hediondo, objeto da presente apuração cri­minal, figurando no contrato de locação como locador Heber Valêncio e fia­dor Ranilson Alves da Silva.

Ficou apurado ainda, que o ora denunciado Heber Valêncio, foi visto em companhia de outra pessoa, a bordo de um veículo, tipo picape, cor branca, e em horário concomitante ao da prática do homicídio em tela, na academia Visual, que localiza-se apenas a duas quadras da academia Belle Forma, pe­dindo informações sobre a localização dessa academia, local onde a vítima se exercitaria quando foi abatida covardemente, evidenciando, outrossim, parti-

'-'+"""cUV no evento.

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

Finalmente, relata o depoimento colhido no GRCO, que Fernando Cabe­

ção é proprietário de uma camionete de cor preta, com película bastante escura nos vidros, veículo com características semelhantes ao avistado por testemu­nhas dando cobertura aos executores da vítima.

Assim, não restam dúvidas que os ora denunciados, Heber ValênCÍo, Ra­

nilson Alves da Silva e Fernando Cabeção, contribuíram para a prática delitu-0sa em apuração, dando cobertura para o seu cometimento e, ainda, serviram de intermediários entre os mandantes, e os executores." (Fls. 41142)

A suspeição do juiz, de que trata o art. 254 do Código de Processo Penal, primeiro dos fundamentos da impetração, tem, entre as suas causas, como se lê no seu inciso I, a amizade íntima e determina a nulidade do processo, como sanciona­do pelo art. 564, inciso I, da mesma lei processual que antes se aludiu.

E como preleciona, com precisão, Câmara Leal:

"c. .. ) ° amor e o ódio são paixões que tiram a serenidade e impelem à prática

de atos contrários à justiça. Já Antônio Vieira dizia: - 'se os olhos vêem com ódio, a pomba é negra: se, com amor, o corvo é branco'.

Não pode revestir-se de imparcialidade o juiz que alimenta amor ou ódio em relação a qualquer das partes. Por isso o art. 254 estabeleceu como moti­vos de suspeição - ser o juiz amigo íntimo ou inimigo capital de alguma das partes.

Esse motivo é tradicional em nosso direito e figura em todas as legisla­ções estaduais.

° que o legislador omitiu, porem, foi a definição do que se deve entender por amizade Íntima ou inimizade capital.

Para que a amizade possa ser qualificada de íntima, deve exercer as proporções comuns das simples relações de a..'1lizade, caracterizando-se pela assiduidade nas visitas recíprocas e afeição profunda entre amigos. Em regra, essa amizade gera parentesco espiritual, tomando-se compadres os amigos pelo batismo ou pela confirmação, em que servem de padrinhos aos filhos uns aos ouu·os." (in, "Comentários ao Código de Processo Penal Brasileiro", VoI. II, p. 219, n. 713).

Há amizade íntima, averbe-se o que se recolhe de Mirabette, "quando existe extrema familiaridade, freqüência assídua na residência do amigo, relação de compadrio, existência de favores etc. Basta esta relação com qualquer das partes

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para que ocorra suspeição. Não configura amizade íntima a superficial, efêmera, comum, que constitui apenas relações de deferência, confiança, simpatia pessoal etc., como ocorre freqüentemente nas Comarcas menores entre magistrados, mem­bros do Ministério Público, advogados etc." (in, "Código de Processo Penal Inter­pretado", Editora Atlas, 1994, São Paulo, p. 298).

É este, a meu ver, o caso dos autos, na exata razão de que a admiração e o respeito pelo companheiro de trabalho e o sentimento profundo pela sua morte brutal são traços de amizade que integra a essencialidade de ser humano normal no comum das relações da vida, não se confundindo com a amizade íntima que produz suspeição e faz parcial o juiz.

Este, por último, o despacho que recebeu o aditamento da denúncia e decretou a prisão preventiva dos réus:

"1) Recebo o presente aditamento da denúncia.

2) Designo interrogatórios dos novos denunciados para o dia 10.06.2003 às l3h.

3) Citem-se. Intimem-se.

4) Requisite-se as FAC's.

5) Certifique-se o Sr. Escrivão sobre os antecedentes criminais dos Acusa­dos nesta Comarca.

6) Quanto aos pedidos de prisões preventivas passo a me manifestar:

como é cediço, o crime pelo qual os acusados Heber Valência, Ranilson Alves da Silva e Fernando de Oliveira Reis, vulgo 'Fernando Cabeção' estão sendo processados por homicídio qualificado, furto qualificado e formação de qua­drilha, sendo que o primeiro deles enquadra-se hediondos, na forma do art.

10., inciso I, da Lei n. 8.072/1990.

7) Inicialmente, impende observar que a nossa Carta Magna, ao estabe­lecer o princípio da presunção de inocência (Constituição Federal, art. 50., LVII), fê-lo não revogando as supracitadas prisões processuais existentes em nosso ordenamento jurídico (STF, in RTJ l38/762 e 142/856). É que essas prisões processuais - também conhecidas por 'prisões provisórias' - têm natureza cautelar, cabíveis sempre quando houver séria probabilidade de aco­lhimento dos termos da persecução penal (fumus boni iuris),juntamente com o risco concreto para a aplicação da lei penal, ou para a ordem pública, ou em caso de necessidade para a instrução criminal ou a investigação policial, perigos e necessidades derivados da liberdade do agente e da mora processual (periculum in mora).

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

8) Há, pois, assim, prova bastante da existência do crime e indícios suficientes da autoria (fumus boni im"is). O fumus boni iuris está cal­cado na prova do crime e em indícios suficientes de sua autoria.

9) Na lição de Borges da Rosa 'Processo Penal', v. 3, p. 281), os indícios 'devem ser tais que gerem a convicção de que foi o acusado o autor da infração, embora não haja certeza disso. No entanto, eles devem ser suficien­tes para tranqüilizar a consciência do Juiz'.

10) A moderna jurisprudência tem entendido ser possível o decreto dessa medida excepcional em virtude da gravidade do delito, aliado a outros ele­mentos autorizadores da prisão preventiva (RT 483/306).

11) Paulo Lúcio Nogueira 'Curso Completo de Processo Penal', p. 223), assevera, in verbis: 'A prisão preventiva tem cabimento nos crimes punidos com reclusão: nos delitos punidos com detenção, quando se apurar que o acusado é vadio ou, havendo dúvida sobre sua identidade, não fornecer ou indicar elementos para esclarecê-la; se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso em sentença transitada em julgado, ressalvando a reabili­tação automática para efeitos penais, em que a reincidência não prevalece, tendo em vista o decurso de cinco anos. Nos crimes afiançáveis, pode também ser decretada a prisão pn:;ventiva, se os acusados forem elementos perigosos ou tiverem vários processos em andamento (RT 623/401 e 617/330)'.

12) Existem motivos que as determinam, devendo as mesmas serem de­cretadas, como garantia da instrução criminal (garantindo a segurança das testemunhas), manutenção da ordem pública (evitando novos crimes) em ra­zão do conjunto probatório até então já amealhado, sendo necessárias e con­venientes também em razão da gravidade do delito perpetrado e com negativa

repercussão até internacional, e ainda por se tratarem de pessoas presumida­mente perigosas, que respondem também a inquérito por envolvimento com uma organização criminosa especializada em ceifar vidas, com reiteração cri­minal anunciada nos autos, já que uma testemunha cuja identidade se mantém em segredo por questão de segurança, em seu depoimento informou: Que a depoente afirma que os policiais militares de nomes Valêncio e Ranilson são pistoleiros de Fernando Cabeção ... Que a depoente afirma que Ranilson e Valêncio estabeleceram uma sociedade com Fernando Cabeção passando ter lucros nas mortes encomendadas por Fernando ... Que inúmeras vezes presen­ciou as pessoas de Ranilson e Valêncio conversando na rua com Fernando Cabeção sobre movimento de drogas e pistolagem ... Que também Ranilson e Valêncio davam cobertura a Fernando Cabeção, pois quando a polícia ia dar

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uma blitz na favela, a pessoa de Fernando Cabeção e seus comparsas eram avisados, tendo tempo de evadirem da favela ... Que a depoente já presenciou diversas vezes Fernando Cabeção, Lombrigão,Valêncio e Ranilson em reuniões realizadas na rua ... Que quando Ranilson e Valêncio precisavam de matadores, pediam a Fernando Cabeção que determinava que alguns de seus pistoleiros da sua quadrilha executassem o homicídio, agenciando crimes de mando .,. Que a quadrilha realizou uma lista com nomes de pessoas que deveriam ser mortas ...

13) Verifica-se com facilidade, que necessário se faz a custódia preventi­va dos mesmos, pois, certamente em liberdade, causarão sérios transtornos à segurança da ação, digo, aplicação da lei penal, como também criarão obstáculos à instrução criminal.

14) Quadra ressaltar que em qualquer fase do processo pode o juiz, veri­ficando a necessidade de aplicação da medida preventiva, decretá-la até de ofício e, da mesma forma, se verificar que já foram afastadas as causas que deram origem à decretação, poderá revogá-la.

15) Face ao exposto, levando-se em consideração ainda, que os indícios de autoria e a materialidade do delito emergem incontestes, Decreto as prisões

preventivas de Heber Valência, Ranilson Alves da Silva e Fernando de Oliveira

Reis (Cabeção), qualificados nos autos, por conveniência da instrução crimi­nal e para a conveniência da ordem pública, tudo com base nos arts. 311 e 312 do CPP.

16) Expeçam-se os mandados, em acordo com as formalidades do art. 286 do estatuto legal supramencionado." (Fls. 134/137)

Ao que se tem, de ausência dos pressupostos e motivos da prisão preventiva, não há falar.

É que, ao contrário do sustentado pelos impetrantes, à luz da gravidade do crime, das suas circunstâncias e da perigosidade dos agentes, se oferece suficiente­mente fundamentada a medida cautelar, evidenciando, como evidencia, os seus pressupostos e motivos, definidos no artigo 312 do Código de Processo Penal, por bem demonstrados, não apenas a materialidade e a participação dos pacientes no homicídio de que foi vítima o Juiz de Direito Alexandre Martins de Castro Filho, como também a necessidade de assegurar o normal desenvolvimento da instrução criminal e garantir a ordem pública, de modo a fazer induvidosa a legalidade do processo e da prisão preventiva dos pacientes.

Pelo exposto, denego a ordem.

É o voto.

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

VOTO

o Sr. Ministro Paulo Medina: Sr. Presidente, a página revestida de sensibilida­

de e beleza que nos foi ofertada por V. Exa. para afastar a suspeição, sem dúvida,

está respaldada na prova inserida nos autos do processo. O juiz, como fizera ressal­

tar a Subprocuradora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio Marques, sensibi­lizara-se - e, instintivamente, todos sentimos - dada a forma e a natureza com

que fora morto o juiz no Espírito Santo. Tal aspecto, por si só, não levaria à suspei­ção. Assim, peço vênia ao ilustre Advogado para afastar a suspeição do juiz.

Outro aspecto que me impressionou foi o argumento que têm os executores até

que se apresente o mandante. Mas o próprio Advogado, após indicar quem poderia

sê-lo - e o único que poderia sê-lo, se houvesse mandante, seria o Governador do

Espírito Santo -, afasta tal hipótese para dizer que outro quadro estaria sendo

desenhado, ou seja, o crime de roubo seguido de morte. Sendo assim, preso deveria

estar apenas quem os cometera, sem pensar em ir adiante na questão do mandante.

Também preocupou-me se seria a gravidade do crime a única razão que leva­

ra à prisão preventiva. O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido dissertou longamente e

mostrou que a gravidade do crime pesa, sem dúvida, na consciência do juiz, mas

não somente ela fora motivo da prisão. Há de acrescer que ela decorre da notícia de que se trata de pistoleiros pertencentes a uma quadrilha e envolvidos em outros

inquéritos policiais com fatos criminosos mais graves. Tal notícia está embasada em provas que estão nos autos. Se os fatos são verdadeiros, não nos cumpre nessa

análise perfunctória aferir. Basta que sejam revelados fundamentadamente por

meio de decisão do juiz.

Desse modo, acompanho o voto do Sr. Ministro-Relator, denegando a ordem

de habeas corpus.

HABEAS CORPUS N. 31.542-SC (2003/0199452-2)

Relator: Ministro Paulo Medina

Impetrante: Ademir Bell

Advogados: Alessandre Reis de Freitas e outro

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina

Paciente: Ademir Bell

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EMENTA

Penal. Habeas corpus visando à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Questão não apreciada na decisão do Tribunal Estadual. Sentença condenatória transitada em julgado. Existência de outro habeas corpus ainda não julgado visando à anula­ção do processo por inexistência e/ou deficiência de defesa. Situação que não obsta o julgaÍnento deste pedido. Reiteração do mesmo pedido de substituição da pena em dois habeas corpus impetrados em datas posteriores. Situação impeditiva de apreciação quanto ao mérito dos pedidos repetitivos. Circunstâncias do art. 44, inciso Cp, desfavorá­veis ao paciente. Decisão adequadamente motivada. Ausência de ilegali­dade ou constrangimento. Ordem denegada.

Não há por que sustar-se o julgamento do habeas corpus pela existência de outro que contém pedido de anulação do processo de ori­gem, desde a defesa prévia, por nulidade advinda da inexistência ou deficiência de defesa, já que distintos os processos no pedido e na causa de pedir.

Existência de habeas corpus impetrados posteriormente, nos quais é feita mera reiteração do mesmo pedido constante do presente writ. Trata-se de "reiteração" e não de "renovação" do mesmo pedido. Impossibilidade, pela litispendência, de julgamento quanto ao mérito desses pedidos posteriores.

A reincidência e os maus antecedentes não são, por si sós, bastantes para a negativa quanto à substituição da pena privativa de liberdade. A decisão reputada ilegal, todavia, se baseou na presença de outras cir­cunstâncias desfavoráveis ao paciente, devidamente expostas e funda­mentadas quando da fixação da pena-base. Desnecessidade de nova e repetida indicação de urna a urna e de cada urna na ocasião do exame quanto à suficiência da substituição. Circunstâncias inalteradas e que figuram simultaneamente nos arts. 59 e 44, UI, do CP.

Se a circunstância acaba de ser referida e examinada - pois se é a mesma circunstância indicada pelos fatos ali comprovados! - seria pro­vidência de caráter excessivamente formal exigir-se que o Juiz novamen­te viesse a nominá-las, tendo acabado de fazê-lo, corno se o que valesse fosse urna espécie de "fórmula de repetição". O que muda não é a cir­cunstância, mas o enfoque requerido pela finalidade de cada análise: urna; para fixação do à responsabilização crimi-nal, outra; a '-0<"'-'"<,,",,

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

Essa resposta foi suficientemente dada no presente caso. Não há exagero ou gritante injustiça na negativa quanto à substituição.

Ordem denegada.

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima HH.U.'-QUct0,

acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unani­midade, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro­Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido e Paulo Gallotti votaram com o Sr. Ministro-Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido.

Brasília (DF), 06 de maio de 2004 (data do julgamento).

Ministro Paulo Medina, Relator

DJ 07.06.2004

O Sr. Ministro Paulo Medina: Cuida-se de habeas corpus impetrado por Alessandre Reis de Freitas contra acórdão da Primeira Câmara do Tribunal de Jus­tiça do Estado de Santa Catarina (fls. 183/190/STJ), que negou provimento à Ape­lação Criminal n. 2002.017128-5 movida pelo paciente, Ademir BeU (Processo de Origem n. 036.97.000.772-3 - Comarca de Jaraguá do Sul-SC).

O paciente foi condenado à pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclu­são, em regime semi-aberto, e a 100 (cem) dias-multa, à razão de um décimo do salário mínimo por dia, pela prática da conduta descrita no tipo penal do artigo 171, caput, do Código Penal Brasileiro.

Ao entendimento de que a análise das circunstâncias do artigo 44 do CP resul­tou desfavorável ao paciente, o Juízo da condenação não efetuou a substituição da pena privativa de liberdade.

O Tribunal Estadual negou provimento ao apelo e adequou a pena de de ofício, reduzindo-a para 25 (vinte e cinco) dias, mantido o valor do dia-multa.

Indeferi o pedido liminar, conforme decisão de fls. 105/196/STJ, por entender

que a medida pleiteada possuía inegável caráter de tutela satísfativa antecipada.

O Ministério Público Federal apresentou o Parecer de fls. 198/200/ST J, mani­festando-se pela "sustação do julgamento" deste habeas corpus, em face da exis­tência de outro Habeas - n. 32.977 -SC - contra o mesmo acórdão, no

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

qual O mesmo paciente pede a anulação do processo de origem (n. 036.97.000.772-3) por "inexistência e/ou deficiência de defesa". Opina pelo apensamento dos autos deste processo aos autos do HC n. 32.977-SC.

É o relatório.

VOTO

o Sr. Ministro Paulo Medina (Relator): Em primeiro lugar, entendo não haver razão para sustar-se o julgamento do presente wlit em vista do Habeas Corpus n. 32.977-SC. Diversa é a causa de pedir e inteiramente distintos os pedidos constantes deste e daquele processo: o que permite seu conhecimento e julgamento em separa­do.

Neste processo, pede-se a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos, naquele outro, a anulação do feito de origem, a partir da defesa prévia e, claro, como conseqüência da pretendida anulação da sentença condenatória, a colocação do paciente em liberdade. O processo em exame estaria prejudicado, por perda de objeto, somente na hipótese de julgamento favorável do pedido formulado no outro habeas corpus - o que não se dá aqui, pois o julga­mento ainda não ocorreu.

Assim, a diversidade das questões apresentadas também não recomenda o apensamento daqueles a estes autos - totalmente dispensável no caso. Finalmente, o julgamento do presente writ não obsta o conhecimento e o julgamento do outro habeas corpus. Por isso, e sem mais delongas, passo ao exame do mérito deste pedido.

A matéria ora trazida à discussão pelo paciente não foi submetida à Corte Estadual, quando do ingresso do recurso de apelação - não foi direta e expressa­mente apresentado o pedido de reexame da negativa de substituição da pena priva­tiva de liberdade por pena restritiva de direitos. Como se depreende das razões da apelação (fls. 155-161/STJ), o então recorrente pugnava pela "absolvição por au­sência de dolo, ou, alternativamente; pela aplicação do disposto no § 1 U do artigo 171".

O acórdão manteve a decisão de primeiro grau - exceto no que respeita à fixação do número de dias-multa - sem analisar o cabimento da substituição, quando poderia fazê-lo, não obstante a ausência de pedido do recorrente, pois que a negativa quanto à substituição é parte integrante da sentença recorrida, cuja apreciação é inteiramente devolvida ao Juízo recursal. A Corte Estadual procedeu somente ao exame da substituição prevista no § 2U do art. 155, c.c. o § 1 U do art. 171, ambos do Cp, para indeferi-la, ao meu ver, acertadamente, à míngua de um

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

dos pressupostos indispensáveis de seu cabimento: ser de "pequeno valor o prejuí­zo".

Certo é que operou-se o trânsito em julgado da condenação e, nessa fase, ao contrário do que sugere a impetrante, nem seria de cogitar-se da competência do Juízo das Execuções, no que se refere à avaliação sobre o cabimento ou não da substituição prevista no artigo 44 CP. A análise quanto ao cabimento da medida é obrigatoriamente anterior ao início do cumprimento da pena, pois define a própria execução: qual pena deverá executar-se?! Ora, por óbvio que a substituição deve ser feita - se for caso dela - na própria sentença. (O Juízo de Execução somente se manifestará quanto à matéria, decidindo sobre a conversão, no caso de superveni­ência de condenação a pena privativa de liberdade por outro crime).

Não se trata, outrossim, de identificar-se, em favor do paciente, a medida que se apresenta mais benéfica, pois que o seu deferimento não é livre de condições, não é fruto exclusivo do arbítrio ou da faculdade judicial, mas é ato vinculado pela antecedente afirmação ou negação quanto à existência do pressuposto legal do direito. (Comparativamente, a aplicação somente da pena de multa é mais vantajo­sa que a própria substituição da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas penas restritivas de direitos, porém, conforme já foi dito, não tem o paciente direito à substituição recomendada na Parte Especial do Código Penal).

Trata-se, no exame de mérito deste writ, exatamente de verificar se o paciente tem ou não o direito que pleiteia de forma tenaz. E assim afirmo porque idêntico pedido foi reapresentado por mais duas vezes a este Superior Tribunal de Justiça, através de dois outros habeas corpus, aos quais foi negado seguimento por haver simples reiteração do pedido - através de decisão do Sr. Ministro Nilson Naves, que ordenou seu apensamento aos estes autos.

São os Habeas Corpus de ns. 32.946-SC (02 dejaneiro de 2004) e 33.010-SC (06 de janeiro de 2004), a mim distribuídos por prevenção, nas respectivas datas mencionadas. Verifica-se, realmente, que os pedidos foram simplesmente reitera­dos. Não há que se confundirem as situações de "reiteração" e "renovação". Se a denegação do wnt não faz coisa julgada, é possível que o mesmo pedido seja reno­vado, pelos mesmos motivos, em favor do paciente. Não é o que ocorre neste caso! Aqui o que existe é mera reiteração. É inegável a identidade dos mesmos elementos da ação: mesma causa de pedir, mesmo pedido, mesmas partes (paciente e órgão apontado como coator). Evidente a litispendência. Acertada a decisão quanto ao não-prosseguimento pela presença de um pressuposto negativo da demanda: o que impede um juízo de mérito quanto aos dois outros habeas corpus.

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REVIS11\ DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Insiste o impetrante que é ilegal a decisão que denegou ao paciente o benefício de substituição a que se refere o art. 44 do Cp, porque baseada tão-somente em certidões de antecedentes relativas a processos em que foi decretada a prescrição da pretensão punitiva. Alega que o paciente é primário, não podendo as ações anteri­ores, uma vez extinta a punibilidade pela prescrição, serem consideradas para o efeito de gerar antecedentes criminais. Apresenta, para embasar a tese, vários jul­gados do Supremo Tribunal Federal, de outros Tribunais, inclusive, do STJ.

Assim se expressa: "Ora, se o Superior Tribuna de Justiça já decidiu ser aplicá­velo art. 44 do CPB, mesmo no caso do paciente já ter sido anteriormente condena­do, o que dizer, então, no caso presente, em que, na certidão de antecedentes, consta que os processos foram arquivados pela incidência da prescrição da preten­são punitiva do Estado, com maior razão o benefício deveria ter sido concedido, porque, inclusive, no Brasil nenhuma pena tem caráter perpétuo".

E arremata: "Negar-lhe o benefício da substituição da pena nessas circunstân­cias é transformar em letra morta o comando constitucional e a Lei n. 9.714/1998, que deu nova redação ao Código Penal".

À fi. 133/STJ, o Juízo da condenação assim se manifesta:

'í\nalisadas as circunstâncias judiciais verifico que o acusado não possui boa conduta social, como prova a sua extensa lista de antecedentes (fi. 40 e v.). Sua personalidade, portanto, apresenta-se desviada para a prática de atos delituosos. Agiu por cobiça desenfreada. Sua culpabilidade foi de grande in­tensidade e as circunstâncias do crime lhe desabonaram sobremaneira a con­duta, pois iludiu as vítimas em duas oportunidades, não tendo nenhum cons­trangimento em sacar a poupança de duas crianças. As vítimas não contribu­íram para o crime e sofreram grande prejuízo".

( ... )

"As circunstâncias do art. 44 do Cp, não autorizam e nem recomendam a substituição da pena privativa de liberdade para pena restritiva de direitos".

A lei penal em vigor prevê o deferimento da substituição da pena privativa de liberdade até mesmo em favor do reincidente, preenchidas nas condições positivas e negativas expressas no § 3ll do art. 44 do Código Penal. O inciso III do art. 44, ao definir as circunstâncias subjetivas para a substituição, nem sequer menciona a primariedade. Se, pela circunstância da reincidência em si mesma, não é a substi­tuição vedada ao condenado, com mais razão, não deve ser igualmente negada ao réu de maus antecedentes, pela existência pura e simples desses registros desabona­dores antecedentes. Em tese, portanto, não deveria ser, apenas por isso, negada a

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

Na concreta decisão apontada como ilegal, vê-se que, contrariamente ao que afirma o impetrante, não foram as mencionadas certidões de antecedentes crimi­nais (fi. 57 e v./STJ) que orientaram a conclusão judicial quanto à não-substituição da pena. Ou, pelo menos, não podem ser consideradas como únicos empecilhos à concessão da medida.

Vejamos.

O inciso IH do art. 44 relaciona as condições que devem ser levadas em conta na análise do direito à substituição - a maioria delas de natureza subjetiva. Essas condições figuram também no art. 59 do Código Penal.

A análise da culpabilidade, da conduta social, da personalidade, dos motivos e demais circunstâncias apreciadas e devidamente fundamentadas na sentença, teve resultado desfavorável ao paciente. Em conseqüência, a conclusão foi no sentido de que a substituição não era recomendável- o que ocorreria independentemente da primariedade ou dos antecedentes do paciente.

Não foram os "antecedentes", por si sós, impeditivos do benefício. A "lista de antecedentes" a que se refere o Juízo da condenação, mesmo não devendo ser tecni­camente considerada indicativa de "maus" antecedentes, relaciona-se à "conduta social", embora não guarde relação de sinonímia com esta última circunstância, de significado mais amplo que a primeira.

Fazendo-se abstração da circunstância contida na sentença, de que o acusado "não possui boa conduta social", ainda assim, face às demais circunstâncias obser­vadas e de acordo com o raciocínio judicial ali desenvolvido, igualmente haveria de ser negada a pretendida substituição. Ademais, o Juízo de primeiro grau expôs as razões de fato e de direito que o levaram a não conçeder a substituição.

Não é exigível que volte o Juiz a referir-se a cada uma, uma a uma, das circunstâncias já verificadas quando da fixação da pena-base.

É preciso deixar bastante claro o seguinte: se a circunstância acaba de ser referida e examinada - pois se é a mesma circunstância indicada pelos fatos ali comprovados! - seria providência de caráter excessivamente formal exigir-se que o Juiz novamente viesse a nominá-las, tendo acabado de fazê-lo, como se o que valesse fosse uma espécie de "fórmula de repetição". (Se estamos de acordo que tal circunstância não haverá de sofrer mutação no transcurso do ato de sentenciar!)

O que muda não é a circunstância, mas o enfoque requerido pela finalidade da análise: num caso, se procede à fixação da pena-base, sua individualização suficiente e adequada; trata-se da censurabilidade, da medida de responsabilização pelo ato - que deve refletir-se no maior ou menor grau da reprimenda. Noutro

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REVISTI\ DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

caso, o objetivo da análise não é mais dosar a resposta penal e sim responder quanto à suficiência da substituição, no que respeita a sua eficácia sobre a pessoa do condenado. É emitir um juízo de valor sobre os efeitos da substituição, é respon­der se ela se mostra socialmente recomendável no caso específico. Essa resposta foi suficientemente dada no presente caso. Não há exagero ou gritante injustiça na negativa quanto à substituição.

Sob essa ótica é que deve ser examinada a matéria na qual se baseia o pedido. Qualquer apreciação mais aprofundada quanto à possível "injustiça" da decisão seria como tomar as veredas da prova e perquirir seus detalhes - o que não é possível na âmbito do habeas corpus.

Adequadamente motivada se mostra a decisão judicial, baseada na boa inter­pretação do direito e na correta valoração das circunstâncias fáticas. Não vislum­bro o apontado constrangimento a direito do paciente. Não há ilegalidade nas decisões.

Posto isso, denego a ordem.

HABEAS CORPUS N. 36.257-SC (2004/0086744-0)

Relator: Ministro Nilson Naves

Impetrante: Leandro Gerrero Guimarães

Impetrada: Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4.a Região

Paciente: Pedro Luiz de Vargas

EMENTA

Sentença (não transitada em julgado). Pena privativa de liberdade substituída por penas restritivas de direito. Execução (suspensão).

1. A sentença de penas restritivas de direito é exeqüível depois de transitada emjulgado.

2. É o que se depreende dos arts. 393, I, e 669 do Código de Proces­so Penal, bem como do art. 147 da Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210, de 1984).

3. Também é o que se verifica da jurisprudência do Superior Tribu­nal (portodos, o HC n. 31.053, DJ 11.10.2004).

4. Habeas corpus deferido.

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXD\ TURMA

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unani­midade, conceder em parte a ordem de habeas corpus nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Paulo Gallotti e Hélio Quaglia Barbosa votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Medina e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti.

Brasília (DF), 17 de fevereiro de 2005 (data do julgamento).

Ministro Nilson Naves, Relator

DJ 18.04.2005

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Nilson Naves: Em processo pelo crime de apropriação indébita previdenciária, a pena privativa de liberdade foi substituída por restritivas de direi­to, e o Tribunal Regional Federal da 42. Região, acolhendo o voto do Relator, deter­minou se oficiasse "ao MM. Juízo a quo, para que providencie o imediato cumpri­mento das penas impostas, salvo pena de multa, porquanto eventual recurso especial ou extraordinário não possui efeito suspensivo".

Em Florianópolis, o Juiz Federal designou "o dia 17.06.2004, às 13h30min, para a audiência admonitória, exceptuada a pena de multa".

Daí o presente habeas corpus, com pedido de ordem a fim de que seja suspensa "a execução da pena enquanto não transitar em julgado a sentença penal condenatória, em homenagem ao art. 50., LVII, da CF /1988, bem como aos artigos 147 da Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/1984) e art. 669 do Código de Processo Penal".

Suspendi a realização da audiência até o julgamento deste pedido.

O parecer do Subprocurador-Geral Dantas Nobre traz esta ementa:

"Habeas corpus. Cumprimento imediato de pena restritiva de direito. Direito de reCorrer em liberdade. recurso especial e extraordinário. Ausência de efeito suspensivo. Violação do princípio da presunção de inocência. Cons­trangimento ilegal inexistente.

I - A prisão decorrente de mandado prisional, bem como a intimação para a audiência admonitória, expedidos após o julgamento de recurso de

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

apelação em 2D. grau, com a possibilidade de início de cumprimento da pena, constitui-se em mero efeito da condenação, não se cogitando, entretanto, de qualquer violação ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não-culpabilidade.

n -Tanto o recurso especial quanto o extraordinário não têm, de regra, efeito suspensivo, razão pela sua eventual interposição não tem o condão de impedir a imediata execução do com a expedição de de intimação contra o réu para o início do cumprimento da pena. Precedentes do STJ e do STF

IH - Ordem denegada."

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Nilson Naves (Relator): Senhores Ministros, o meu voto é no sen­tido de conceder a ordem. Dispõem o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal, respectivamente, o seguinte:

- "Só depois de passar em julgado, será exeqüível a sentença, salvo: ... " (art. 669).

- "Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o Juiz de execução, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, promoverá a execução, podendo, para tanto, requisitar, quando necessário, a colaboração de entidades públicas ou solicitá-la a particulares" (art. 147).

Mestre Carvalhido nos lembra ainda o art. 393, I, da lei processual, confor-me a ementa escrita para o HC n. 31.053 (DJ 1l.10.2004):

"1. Em sendo a pena plivativa de liberdade substituída por pena restritiva de direito, a sua execução depende do trânsito em julgado do decisum condenató­lio, eis que o único efeito que a lei vigente lhe atribui, até que transite em julgado, é o da sujeição do réu à plisão, assim nas infrações inafiançáveis, como nas afiançáveis enquanto não prestar fiança, como é da letra dos arts. 393, inciso I, e 669 do Código de Processo Penal e 147 da Lei de Execuções Penais.

2. Ordem concedida para suspender a execução da pena até o trânsito em julgado da condenação."

Eis o que escreveu o Ministro Medina no HC n. 33.106, DJ 06.09.2004: "Tanto o art. 669 do Código de Processo a Lei n. 7.210/1984 exigem o trânsito em julgado de decisão que aplica pena restritiva de direitos para a execução da replimenda."

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

Ratificando a liminar, defiro o habeas corpus a fim de suspender a execução até o trânsito em julgado.

HABEAS CORPUS N. 37.526-RS

Relator: Ministro Nilson Naves

Impetrantes: Ney Fayet Júnior e outro

Impetrada: Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4a Região

Pacientes: Carlos Strassburger, Oscar Strassburger, Vitória Regina Strassburger Reuter e Juarez Fernandes da Silva

EMENTA

Pena privativa de liberdade/pena restritiva de direitos (substitui­ção). Fundamentação (necessidade).

1. A substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos requer se faça por ato fundamentado.

2. Ao réu assiste o direito de saber os motivos da eleição do critério de substituição.

3. Habeas corpus deferido em parte.

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo o julgamento após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo Gallotti acompanhando a Rela­toria, no que foi seguido pelo Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, por unanimidade, conceder parcialmente a ordem de habeas corpus nos termos do voto do Sr. Minis­tro-Relator. Os Srs. Ministros Paulo Gallotti e Hélio Quaglia Barbosa votaram com o Sr. Ministro-Relator. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido e Paulo Medina. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti.

Brasília (DF), 03 de fevereiro de 2005 (data do julgamento).

Ministro Nilson Naves, Relator

DJ 16.05.2005

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1553

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REVIS1A DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Nilson Naves: É este o "histórico fático" apresentado pelos pró­prios impetrantes na petição inicial, em nome dos pacientes (são quatro):

"Os pacientes responderam às Ações Penais n. 98.0016882-6 e n. 98.0027938-5 (Apelações Criminaisns. 2002.04.01.038716-7 e 2002.04.01.038718-O, respectivamente), perante a 3a Vara Federal Criminal, em Porto Alegre - RS, pelo delito previsto no art. 168-A do Código Penal, de forma continuada, por terem descontado o valor correspondente às contribuições previdenciárias dos empregados, deixando de repassar o valor descontado ao INSS, quando, se­gundo o Ministério Público, exerciam a administração das empresas Frances­ca Indústria e Comércio de Calçados Ltda e Pilot Indústria e Comércio de Calçados Ltda.

Por ocasião do recebimento da denúncia, na Ação Penal n. 98.0027938-5, a ilustre Magistrada da 3a Vara Federal Criminal da Subseção de Porto Alegre-RS determinou a reunião dessa à Ação Penal n. 98.0016882-6, por entender existir entre ambas conexão, com o que os feitos se desenvolveram conjuntamente. Ao final, apresentadas as alegações finais (da acusação e de­fesa), foram os pacientes absolvidos, ao se lhes afastar a censurabilidade das condutas pelo reconhecimento de cláusula de exclusão da culpabilidade (ine­xigibilidade de conduta diversa). Irresignado com o decisum absolutório, o Ministério Público Federal houve por bem dele apelar.

Em segundo grau de jurisdição, após colhido o parecer da Procuradoria da República, decidiram os Excelentíssimos Desembargadores da 8a Turma do Tribunal Regional Federal da 4a Região pela procedência da apelação minis­terial, reformando a sentença absolutória e, desse modo, condenando os paci­entes às penas de 03 (três) anos de reclusão, em regime aberto, e 50 (cinqüen­ta) dias/multa, no valor unitário de 1/3 do salário mínimo vigente à época do último fato. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas res­tritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniá­ria de 25 salários mínimos para cada réu).

O acórdão, cuja publicação ocorreu em 17 de março de 2004, foi ataca­do por meio de embargos de declaração, os quais, julgados parcialmente pro­cedentes, ensejaram novo acórdão, contra o qual, ainda uma vez, se interpôs novos embargos declaratórios.

Dessa forma, o novo acórdão foi publicado no DJ 16 de junho de 2004, que circulou no dia 18 de junho do corrente ano.

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

Em seguimento, foi interposto recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, o qual se encontra sub judice.

Além disso, em decorrência da ausência de efeito suspensivo do recurso especial, foi determinado o início do cumprimento provisório da pena; sendo que dito processo foi instaurado perante a Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de Novo Hamburgo - RS, e possui audiência admonitória aprazada para o dia 02 de setembro de 2004, às 14h."

Sustentam os impetrantes, em suma, que o acórdão não se fundamentou, que é nulo e que se trata de nulidade absoluta: " ... impôs as referidas penas, sem, contudo, demonstrar as razões de seu convencimento. Trata-se, a toda evidência, de uma decisão absolutamente imotivada (no tópico no qual foram impostas as penas alternativas) ."

Eis os pedidos por eles formulados:

"Diante disso tudo, vê-se, às claras, que o v. acórdão se encontra eivado de nulidade absoluta, já que fruto, no tópico em exame, da íntima convicção da digna Autoridade Judicial coatora, o que afronta, modo inequívoco, o art. 93, inciso IX, da Carta Magna, e o art. 381, inciso do Código dos Ritos.

Tem-se como certo, à base disso, que os pacientes foram condenados sem que lhes fossem garantido o direito a decisões fundamentadas e ao due process of law. Resulta daí, portanto, a ilegalidade a ser sanada na via do presente remédio heróico ...

( ... )

- a concessão de medida liminar para o fim de sustentar o início do processo de execução criminal, até que a colenda Turma do Superior Tribunal de Justiça aprecie e conceda a presente ordem de habeas corpus, tudo com arrimo no devido processo legal."

Deferi a liminar e remeti os autos ao Ministério Público Federal, após o que os recebi com pronunciamento da Subprocuradora-Geral Maria das Mercês, conclusi­vamente:

'1\nte o exposto, evidenciado o constrangimento ilegal a oprimir o direi­to de ir e vir dos Pacientes, opina o Ministério Público Federal pelo conheci­mento do writ e pela sua concessão parcial, anulando-se a decisão da Corte a

quo, na parte em que fixou as penas restritivas de direito, fim de que outra seja proferida, devidamente fundamentada."

É o relatório.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

VOTO

o Sr. Ministro Nilson Naves (Relator): Se há algo a ser consertado (vejam que se trata de substancioso e mais que judicioso acórdão), e creio que há à vista do parecer ministerial que também se louva em precedentes do Superior Tribunal, isso tem a ver com a seguinte passagem do acórdão condenatório: "Presentes os requisi­tos do art. 44 do Cp, promovo a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consubstanciadas em prestação de serviços à comunida­de e prestação pecuniária, esta fixada em 25 (vinte e cinco) salários mínimos para cada réu, destinadas à mesma entidade em que houver a prestação do serviço comu­nitário." A esse respeito pronunciou-se a Subprocuradora-Geral Maria das Mercês:

"De fato, neste trecho, especificamente, a boa técnica não foi observada, a despeito de, no mais, restar primorosamente fundamentado o decreto conde­natório. É que não basta a simples menção ao dispositivo legal, para se ter por motivada a decisão. In casu, o Tribunal a quo deveria ter ido mais a fundo, indicando em quais motivos concretos se louvava para aplicar a substituição. Desse modo, estar-se-ia respeitando a máxima de que todos os atos jurisdicio­nais de cunho decisório devem ser motivados, examinando-se todas as cir­cunstâncias juridicamente relevantes do caso, em obediência ao preceito do inciso IX do art. 93 da Carta Política.

A lei exige do Magistrado a observância de razões não só de direito mas, também, de fato, no momento em que lança o ato decisório, de tal sorte que deixe explícito todo o iter do raciocínio que o fez concluir que, naquelas circunstâncias, a imposição da pena restritiva de direito era a mais coerente com o direito. Em outras palavras, o Órgão Jurisdicional não deve confundir o princípio do livre convencimento com falta de motivação legal.

Atentas a tudo isso, as partes estarão salvaguardadas no sentido de que, acaso descontentes com a prestação jurisdicional, poderão dispor de substrato suficiente para a interposição de eventuais recursos. Em derredor do tema, vale trazer à baila o magistério de Julio Fabbrini Mirabete ...

( ... )

Nesse passo, razão assiste aos Impetrantes. Todavia, o vício estampado no trecho transcrito, no tocante à aplicação das penas restritivas de direito, não é suficiente para contaminar todo o decisum, que, no mais, restou fun­damentado, diga-se, de maneira brilhante. Dessa maneira, a decisão vergas­tada deve ser anulada, tão-somente, na parte da fixação das reprimendas restritivas de direitos, seguindo-se o retorno dos autos à Corte a quo, para que outro acórdão seja proferido, com a devida fundamentação.

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

É O quanto se observa dos julgados desse augusto Tribunal Superior, adi­ante reproduzidos."

Veja-se da Quinta Turma um caso bem pertinente da relatoria do Ministro Gilson Dipp (HC n. 32.433, DJ 20.09.2004):

"I - Considera-se carente de fundamento a decisão que deixa de indicar, sequer sucintamente, os motivos pelos quais optou pela substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, e, não, apenas uma.

II - Tratando-se de nulidade prontamente verificada, deve ser permitido o saneamento via habeas corpus.

IH - Deve ser cassado o acórdão impugnado, tão-somente no tocante à substituição da pena, mantida a condenação do paciente, a fim de que outro decisum seja proferido, com nova e fundamentada substituição da pena.

IV - Ordem parcialmente concedida, nos termos do voto do Relator."

Da Sexta Turma, conquanto não tão pertinente (mas o princípio é o mesmo), o seguinte caso da relatoria do Ministro Hamilton Carvalhido (HC n. 13.155, DJ 19.02.2001):

"1. A fundamentação das decisões do Poder Judiciário, tal como resulta da letra do inciso IX do art. 93 da Constituição da República, é condição absoluta de sua validade e, portanto, pressuposto da sua eficácia, substanci­ando-se na definição suficiente dos fatos e do direito que a sustentam, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes.

2. O juízo sentenciante, em concedendo o sursis, deve explicitar as razões pelas quais denega a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direito.

3. Inteligência do art. 77, inciso III, do Código Penal.

4. Ordem concedida."

Isso posto, defiro em parte o pedido a fim de que o Tribunal Regional funda­mente a substituição de uma pena por outra.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Paulo Gallotti: Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de Carlos Strassburger, Oscar Strassburger, Vitória Regina Strassburger Reu­ter e Juarez Fernandes da Silva contra acórdão do Tribunal Federal da 4a R,egião.

Os pacientes foram denunciados pela prática de apropriação indébita de con­tribuições previdenciárias, sendo absolvidos no Juízo de primeiro grau e; em grau

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REVIS1A DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

de apelação do Ministério Público, condenados, no Tribunal de origem, a 3 anos de reclusão, no regime aberto, pena substituída por prestação de serviços à comunida­de e prestação pecuniária.

Busca a impetração que se declare a nulidade do acórdão por falta de funda­mentação no tocante à referida substituição de pena.

Deferida a liminar pelo Relator, para suspender a execução até o julgamento do writ, a Subprocuradoria Geral da República manifestou-se pela concessão parcial da ordem para que se declare nulo o acórdão no ponto da aplicação das penas restritivas de direitos.

O Ministro Nilson Naves concede em parte o habeas corpus para que o Tribunal de origem fundamente a substituição da pena.

Para melhor exame da matéria, pedi vista dos autos.

Verifica-se que o acórdão atacado, de fato, no ponto referente à substituição da pena reclusiva por medidas restritivas de direitos, carece da devida fundamenta­ção, pois se restringe a mencionar a presença dos requisitos legais que a autorizam, sem, contudo, indicar os motivos da escolha de cada pena alternativa, o que contra­ria o princípio do livre convencimento motivado, em última ratio constante do inciso IX do art. 93 da Constituição Federal.

Confiram-se os precedentes:

A) "Habeas corpus. Penal. Fundamentação. Substituição da pena pri­vativa de liberdade. Arts. 43 e 44 do CP.

O princípio do livre convencimento exige fundamentação concreta, vin­culada, do ato decisório. A escolha das penas restritivas de direitos dentre as previstas no art. 43 do Cp, sem apontar qualquer fundamento, não preenche as exigências constitucionais e infraconstitucionais (art. 93, inciso IX, 2a parte da Carta Magna, e arts. 157,381 e 387 do CPP). Não se pode confundirlivre convencimento com convicção íntima (Precedentes).

Writ parcialmente concedido, anulando-se o julgado tão-somente na parte que substituiu a pena privativa de liberdade."

(HC n. 29.357-RS, Relator o Ministro Felix Fischer, DJ 10.05.2004)

B) "Criminal. HC. Substituição da pena privativa de liberdade por restri­tiva de direitos. Ausência de fundamentação. Ordem concedida.

I - Considera-se carente de fundamento a decisão que, substituindo a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, deixa de indicar, sequer sucintamente, os motivos pelos quais optou pela prestação de serviços à comu-

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JURlSPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

nidade, em detrimento das demais modalidades previstas no art. 43 do Código Penal.

II - Tratando-se de nulidade prontamente verificada, deve ser permitido o saneamento via habeas corpus.

UI - Ordem concedida para anular o acórdão impugnado, tão-somente quanto à fixação de reprimenda restritiva de direitos, a fim de que outro seja proferido, com a devida fundamentação acerca da pena aplicada."

(HC n. 18.284-RS, Relator o Ministro Gilson Dipp, DJ 25.02.2002)

Diante do exposto, acompanhando o voto do Relator, concedo parcialmente o habeas corpus para declarar a nulidade do acórdão no tocante à aplicação das penas restritivas de direitos, devendo, no ponto, justificar-se a opção adotada.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 38.220-SC (2004/0129467-1)

Relator: Ministro Nilson Naves

Impetrante: Cláudio Gastão da Rosa Filho Impetrada: Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina

Paciente: Paulo Maurício Pizzolatti

ElVIENTA

Apelação. Arrazoamento na superior instância. Falta das razões (omissão do defensor constituído). Julgamento (nulidade).

1. É dado ao apelante arrazoar a apelação na superior instância, "onde será aberta vista às partes" (Código de Processo Penal, art. 600, § 4.0).

2. No caso de omissão do defensor constituído, impõe-se a intima­ção do réu para a constituição de outro defensor; se não constituído, impõe-se a nomeação de defensor dativo.

3. É nulo o julgamento sem que o recurso tenha sido arrazoado.

4. Precedentes do STJ.

5. Ordem concedida.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unani­aH~U''-''-, conceder a ordem de habeas corpus nos termos do voto do Sr. Ministro­Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti, Paulo Medina e Hélio Quaglia Barbosa votaram com o Sr. Ministro-Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti.

Brasília (DF), 24 de fevereiro de 2005 (data do julgamento).

Ministro Nilson Naves, Relator

DJ 18.04.2005

O Sr. Ministro Nilson Naves: Trata-se de habeas corpus em que se argúi de nulo o julgamento de apelação sem que ela tenha sido arrazoada. Vejam-se: (I) "as razões recursais não foram ofertadas, conforme certidão de fi. 321"; "diante da inércia do defensor constituído, o paciente deveria ter sido intimado para constituir novo defensor e na eventual indiferença deste, dever-se-ia nomear defensor dativo".

Determinei, em liminar, que fosse sobrestada a execução da pena e dei vista ao Ministério Público Federal, que se pronunciou desta maneira:

"Não há notícia, todavia, de que o Tribunal tenha intimado o réu para constituição de outro advogado, ou providenciado a nomeação de dativo para oferecimento das razões de recurso.

Impossível, portanto, a avaliação do pleito ora deduzido, à míngua de elementos, visto que não vieram aos autos documentos que possibilitem o aferimento da efetiva intimação do réu, ora paciente, ou da nomeação de dativo que eventualmente tenha ocorrido, pelo que opina no sentido de que se converta o julgamento em diligência para requisitar ao Impetrado informa­ções acerca dos fatos, dispensadas pelo eminente Relator, fazendo juntar cópi­as de peças dos autos da Apelação n. 2004.003746-5 que julgue necessárias ao exame do presente writ."

Foram então prestadas estas informações pelo Presidente Jorge Mussi:

"Com relação ao paciente Paulo Maurício Pizzolatti, cumpre informar a Vossa Excelência que respondeu, juntamente com mais dois acusados, à Ação Penal n. 050.00.000419-7, que tramitou na Comarca de pomerode, a qual, sentenciada, condenou-o ao cumprimento da pena de 2 (dois) anos de reclu-

em e de 10 (dez) dias-multa, por violação aos

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

arts. 316 e 327 do Código Penal, concedendo-lhe a substituição da sanção privativa de liberdade por duas penas pecuniárias, consistente no pagamento de quatro salários mínimos para a Casa da Solidariedade e salários mínimos para a Apae de Pomerode.

Intimado pessoalmente da decisão condenatória em 11.11.2003, o paci­ente manifestou, de próprio o desejo de recorrer. O seu advogado, no entanto, foi intimado através de publicação no Diário de Justiça n. 11.383, que circulou na data de 22.03.2004.

A autoridade judicial, em 09.01.2004, ordenou que os réus fossem inti­mados para em cinco dias constituir outros procuradores, os quais teriam oito dias para apresentar as razões e apelação, cientificando-os que se não o fizes­sem, seriam nomeados defensores dativos.

Procedido o ato processual, o defensor do paciente protocolou petição em 23.01.2004, dando-se por intimado e requerendo abertura de prazo para o aforamento do recurso, já que aguardava pela sua cientificação pessoal da sentença, ao invés da editalícia, mostrando-se surpreso com o despacho que determinou a indicação de novo advogado pelo paciente. Na oportunidade, em 27.01.2004, o causídico do paciente ajuizou a apelação, nos termos do art. 600, § 4°, do CPP.

Neste Tribunal, cumprida a formalidade do dispositivo citado no pará­grafo anterior, por ato que circulou no dia 05.03.2004, transcorreu o prazo in rubis para a apresentação do recurso, sem a devida manifestação (Certidão de fl. 321).

Conseqüentemente, após as contra-razões do Ministério Público e pare­cer da Procuradoria Geral de Justiça, publicada a pauta em 03.08.2004, a irresignação do paciente e demais réus foi levada a julgamento pela Primeira Câmara Criminal que, em 10.08.2004, à unanimidade, negou provimento aos inconformismos (acórdão publicado em 30.08.2004).

O paciente, através de novo procurador, peticionou em 26.08.2004, tando substabelecimento e objetivando a republicação do edital de publicação do acórdão. Entretanto, o Relator do processo indeferiu tal pretensão sob o fundamento de que 'Conforme certidão acostada à fi. 368, o edital de publica­ção do julgamento, com ementa e cópia do acórdão foi remetido para a Im­prensa Oficial para publicação, em data de 25.08.2004, ou seja, um dia antes de protocolada a petição de substabelecimento do defensor' e que 'mais uma vez se tenta tumultuar o andamento do processo com pedidos que processual­mente não têm a menor razão de sua existência. Basta ler-se atentamente as leis processuais e o Regimento Interno desta Corte' (decisão de fls. 370/372)."

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REVIS'D\ DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ouvido novamente, o Ministério Público Federal, pela palavra da Subprocura­dora-Geral Zélia Oliveira, emitiu parecer assim ementado:

'~s razões do recurso de apelação são essenciais ao efetivo exercício da ampla defesa pelo réu. Assim, no caso de inércia do Defensor, que, intimado, deixa de apresentá-las sem qualquer justificativa, a melhor orientação doutri­nária e jurisprudencial tem indicado corno solução a intimação do réu, a fim de constituir novo advogado ou, na impossiblidade de tal providência, que lhe seja nomeado Defensor dativo pelo Magistrado para oferecimento das razões. Precedentes.

Caracterizada a nulidade absoluta do julgamento da apelação, por cer­ceamento de defesa, com evidente prejuízo para o ora paciente.

Parecer pela concessão da ordem, anulando-se o julgamento do indigita­do apelo para que outro seja realizado, após a devida intimação do paciente a fim de constituir advogado para o oferecimento das razões recursais."

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Nilson Naves (Relator): Reportado a precedentes dajurispru­dência do Superior Tribunal, eis o parecer ministerial na parte que me pareceu essencial:

"Bem por isso, no caso de inércia do Defensor intimado, que deixa de apresentá-las sem qualquer justificativa, a melhor orientação doutrinária e jurisprudencial tem indicado corno solução, a intimação do réu, a fim de constituir novo advogado ou, na impossibilidade de tal providência, que lhe seja nomeado Defensor dativo pelo Magistrado para oferecimento das razões recursais.

( ... )

No caso sob exame, verifica-se que o paciente foi intimado pessoalmente da decisão condenatória e manifestou, de próprio punho, o desejo de recorrer (fi. 128-verso). O advogado por ele constituído - Dr. Romeu Falconi-, por seu turno, foi intimado da aludida decisão através de publicação no Diário da Justiça n. 11.321, do dia 21 de novembro de 2003 (fi. 130), permanecendo, contudo, inerte.

Assim sendo, o Magistrado ordenou que o réu fosse intimado para cons­tituir novo procurador, o qual deveria apresentar as razões de apelação no prazo de oito dias (fi. 133).

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

No dia 23 de janeiro de 2004, todavia, o Dr. Romeu Falconi protocolou petição dando-se por intimado e requerendo a abertura do prazo para o afora­mento do recurso, já que aguardava pela sua cientificação pessoal da senten­ça, ao invés da editalícia, mostrando-se surpreso com o despacho que determi­nou a indicação de novo advogado pelo paciente. Na oportunidade, ajuizou o recurso de apelação, nos termos do art. 600, § 4°, do Código de Processo Penal (fls. 135/136).

Entretanto, mais uma vez deixou transcorrer in albis o prazo para o oferecimento das razões recursais, sem qualquer manifestação, conforme atestou a Certidão de fl. 142.

O Ministério Público ofereceu suas contra-razões ao apelo do réu e os autos foram, então, encaminhados ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.

Não há, portanto, qualquer notícia de que o Tribunal de Justiça tenha procurado suprir a omissão, determinado a baixa dos autos à origem para o oferecimento das razões da Defesa. Também não há notícia de que o Tribunal tenha intimado o réu para constituição de outro advogado, ou providenciado a nomeação de dativo para oferecimento das razões de recurso.

Há, segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial, nulidade abso­luta por cerceamento de defesa, com evidente prejuízo para o réu.

Ante o exposto, opina-se pela concessão da ordem, anulando-se o julga­mento do indigitado apelo, em relação ao ora paciente, para que outro seja realizado, com sua devida intimação para, através de advogado, oferecer as razões recursais."

Desta Sexta Turma, do julgamento tendo eu participado, veja-se a ementa do HC n. 35.704, Ministro Hamilton Carvalhido, sessão de 10.08.2004:

"1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é firme em que as razões de recurso substanciam, à luz da nova ordem constitucional, ato essen­cial do processo, indispensável ao efetivo exercício da ampla defesa, assegu­rada na Constituição da República (art. 5f l, inciso LV).

2. Não ofertadas as razões de recurso pelo patrono constituído, devida­mente intimado para tanto, é obrigatório oportunizar ao réu, por intimação, a sua substituição, tanto quanto, permanecendo indiferente, que se lhe nomeie defensor dativo, pena de nulidade do processo.

3. Ordem concedida."

Foi a ordem concedida para "garantir ao réu o direito de constituir novo advo­gado para a apresentação das razões de apelação ou, havendo indiferença, ser-lhe,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

nomeado defensor dativo". Para o mesmo fim, acolhendo o parecer ministerial, concedo a ordem ora impetrada.

HABEAS CORPUS N. 41.643-CE (2005/0019453-5)

Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa

Impetrantes: José Cândido Lustosa Bittencourt de Albuquerque e outros Impetrado: Tribunal Regional Federal da sa Região

Paciente: Roberto de Barros Leal Pinheiro

Sustenção oral: Cândido Albuquerque, pelo recorrente

EMENTA

Habeas corpus. Processual Penal. Crimes contra o Sistema Fi­nanceiro Nacional e de "lavagem de dinheiro". Especialização da 11 a

Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará. Resolução n. 10-A/2003 do TRF da sa região. Resolução n. 314 do Conselho da Justiça Federal. Denúncia não oferecida. Redistribuição. Possibilidade. Ofensa aos prin­cípios da reserva de lei, da separação dos poderes e do juiz natural. Inocorrência. Ordem denegada.

1. A especialização de Vara Federal para processamento e julga­mento dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, por meio da Resolução n. lO-AI

2003 do TRF da sa Região e da Resolução n. 314 do.Conselho da Justiça Federal, não ofende os princípios da reserva de lei, da separação dos poderes e do juiz natural.

2. Se a denúncia ainda não havia sido oferecida quando da especi­alização da lIa Vara Federal para julgamento de tais crimes, impõe-se a redistribuição do feito.

3. Ordem denegada.

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na confor­midade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento,

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTI\ TURMA

após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo Medina concedendo a ordem, por maioria, denegar a ordem de habeas corpus. Vencido o Sr. Ministro Paulo Medina. Vota­ram com o Relator os Srs. Ministros Nilson Naves, Hamilton Carvalhido e Paulo Gallotti. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti.

Brasília (DF), 20 de setembro de 2005 (data do julgamento).

Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Relator

DJ 03.10.2005

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa: Cuida-se de habeas corpus, com pedido de liminar, interposto em favor de Roberto de Barros Leal Pinheiro, contra v. acórdão proferido pelo egrégio Tribunal Regional Federal da 5-'1 Região que,julgan­do conflito de competência entre a n-'1 e a 12-'1 Varas Federais da Seção Judiciária do Estado do Ceará para julgamento de processo sobre o cometimento de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional a que responde o paciente, fixou a competên­cia da 11-'1 Vara Federal.

Afirma-se que a Resolução n. lO-A, de 11 de junho de 2003, do Tribunal a quo - que determinou a especialização da 11-'1 Vara para julgamento de tais cri­mes, bem como a redistribuição dos feitos a referido órgão julgador -, seria in­constitucional por violação aos princípios do juízo natural, da reserva de lei e da separação dos poderes; requer-se, liminarmente, a sustação dos efeitos da decisão prolatada no conflito de competência em questão e, no mérito, a fixação da compe­tência da 12-'1 Vara Federal para conhecer e julgar o processo a que responde o paciente.

A liminar foi indeferida, por decisão deste Relator, nos seguintes termos:

"2. Para a concessão da liminar em habeas corpus, imprescindível a presença do fumus bonijuris e do periculum in mora identificáveis da leitura da inicial e dos documentos que a acompanham; in casu, não vislum­bro a ocorrência de tais requisitos.

3. Isto porque, sem adentrar, neste momento processual, o mérito da questão aqui discutida, o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo no senti­do de não serem inconstitucionais as resoluções dos Tribunais Regionais Federais pátrios, que, de maneira semelhante, estão especializando algumas varas para julgamento de determinados crimes, de modo a facilitar o combate aos mesmos; não estando presente a plausibilidade do direito, do mesmo modo, não vislumbro o periculum in mora na redistribuição do processo

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REVIS1A DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

em questão para o Juízo determinado pelo egrégio Tribunal Regional Federal da sa Região." (Fl. 101)

Prestadas as informações (fls. 104/112), o Ministério Público Federal pugna pela denegação da ordem (fls. 114/12S).

É o relatório.

VOTO

o Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa (Relator): 1. Atacam, os impetrantes, em primeiro lugar, a Resolução n. lO-A, de 11 de junho de 2003, do Tribunal Regional Federal da sa Região - que determinou a especialização da lIa Vara para julgamento dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e os de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, determinando que os inquéritos policiais referentes a tais delitos fossem remetidos àquela Vara, mantendo-se a competência das demais Varas Federais apenas para as ações penais já em curso.

A seguir, protestam contra a Resolução n. 314, de 12 de maio de 2003, do Conselho da Justiça Federal, na qual se determina: "os Tribunais Regionais Federais, na sua área de jurisdição, especializarão varas federais criminais com competência exclusiva ou concorrente, no prazo de sessenta dias, para processar e julgar os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores".

Por fim, atacam a decisão do Pleno do Tribunal a quo no julgamento do Conflito de Competência n. 891-CE, que fixou a competência justamente da citada 11 a Vara Federal para processamento e julgamento do processo movido contra o paciente.

Quando da edição da resolução do TRF da sa Região, o inquérito policial já havia sido distribuído à l2a Vara Federal; a denúncia, contudo, somente foi oferecida posteriormente, tendo o Juízo da 12a Vara afirmado a continuidade de sua compe­tência em função de já ter proferido alguns atos decisórios durante a fase policial.

2. Dois são os sustentáculos principais da argumentação dos impetrantes: a) violação aos princípios da reserva de lei e da separação dos poderes e b) ofensa ao princípio do juiz natural.

Quanto ao primeiro argumento, aduz-se que a alegada especialização de Vara Federal deveria ter sido objeto de tratamento mediante lei em sentido formal, tendo incorrido, em desate, tanto o Conselho da Justiça Federal, quanto o Tribunal Regio­nal Federal da sa Região, "em vício de inconstitucionalidade formal":

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

"Se, nos referidos casos, a disposição é feita por resolução, a despeito da clareza do texto constitucional, tem-se, induvidosamente, afronta ao princípio da separação de poderes, historicamente conquistado e enunciado, entre nós, no art. 2.Q da Carta Magna de 1988.

c. .. ) ~os precisos termos de nossa Carta Política, compete aos tribunais pro­

por ao Poder Legislativo respectivo a alteração da organização e da divisão judiciárias (art. 96, lI, d).

Está fora de discussão, sob 'pena de violência ao sentido do vocábulo organização, que especializar varas, atribuindo-lhes o processo e julgamento de determinadas matérias, importa em alteração da organização judiciária."

Com relação à alegada ofensa ao princípio do juiz natural, afirma-se haver inobservância ao disposto no art. 75, parágrafo único, do Código de Processo Pe­nal. Neste ponto, os impetrantes atacam o art. S.Q da Resolução n. 10-N2003 do TRF da sa Região que não deveria ter determinado a redistribuição no caso de inquéritos policiais já distribuídos, porém sem oferecimento de denúncia:

''A distribuição de inquérito policial, em vista do art. 75, parágrafo úni­co, do Código de Processo Penal, tem o condão de tomar prevento o juízo, que se toma, de forma irrefragável, o juízo competente."

3. Não procede o alegado pelos impetrantes, de violação ao art. 96, rI, da Constituição Federal. Ao contrário do afirmado, a especialização de Vara já existente, para processamento e julgamento de uma determinada matéria, não se confunde com as hipóteses enumeradas no inciso n do art. 96 de nossa Carta Maior, que necessitam da edição de lei em sentido formal, de iniciativa do Poder Judiciário.

Por outro lado, embora correta a afirmação de que a Constituição Federal garante ao cidadão o direito de ser julgado perante o juiz competente ante factum, equivocada, contudo, é a conclusão de que se estaria, in casu, diante de ofensa a esta regra.

4. Emjulgamento de caso análogo, da Relatoria do egrégio Ministro Hamilton Carvalhido, esta Sexta Turma já decidiu pela possibilidade de especialização de Vara Federal por meio de resolução do Tribunal ao qual está afeita. Tratava-se do TRF da 4a Região e da especialização da 2a Vara Federal Criminal de Curitiba (PR) , para processamento e julgamento dos mesmos crimes que os aqui tratados. À oca­sião, pleiteava-se fosse o Juízo Federal de Foz do Iguaçu - PR o competente e, assim como in casu, não havia sido oferecida a denúncia, porém o Juízo de Foz do Iguaçu já havia proferido atos decisórios no curso das investigações.

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Peço vênia para transcrever, nos presentes autos, excerto de meu voto-vista, no julgamento do HC n. 31.294-PR:

"Não obstante irreprocháveis as considerações feitas sobre a relevância do princípio do juiz natural e de seus desdobramentos, que, acredito, formam a base sobre a qual se apóia um verdadeiro Estado Democrático de Direito, tenho que não houve a lesão apregoada, sob quaisquer dos aspectos mencio­nados nas razões do writ, que ora se analisa.

No chamado plano dafonte, faz-se necessário esclarecer, primeiramen­te, que, ao contrário do que sustenta o impetrante, nãD se está diante de hipó­tese de criação de nova vara federal, o que, certamente, deveria resultar de comando emergente de lei ordinária federal. Não. Inexiste ato emanado do Tribunal Regional Federal da 4a Região a determinar a criação de novos ofíci­os. Trata-se, tão-somente, de especialização de vara federal já existente, para o processamento ejulgamento de determinados delitos. Pondero que a especi­alização efetuada - e ressalte-se mais uma vez, que não se trata de criação de nova vara - deriva de determinações legais que regem a matéria tanto no âmbito constitucional (Constituição Federal, art. 110, 'cada Estado, bem como o Distrito Federal, constituirá uma seção judiciária que terá por sede a respectiva Capital, e Varas localizadas segundo o estabelecido em lei'), quanto no de nossos códigos processuais (Código de Processo Penal, art. 74, caput, 'a competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária ... '; 'Código de Processo Civil', artigo 91, 'regem a com­

petência em razão do valor e da matéria as normas de organização judiciá­ria ... '). Vejamos.

Transparece claro que a Resolução n. 20 do Tribunal Regional Federal da 4a Região, de 26 de maio de 2003, que em seu art. lU especializou a 2a Vara Federal Criminal de Curitiba para o processamento e julgamento de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de 'lavagem' ou ocultação de bens, direitos e valores, seguiu determinação fixada na Resolução n. 314, de 12 de maio de 2003, do Conselho da Justiça Federal, que em seu art. lU estabeleceu que os Tribunais Regionais Federais especializariam varas federais criminais, com competência exclusiva ou concorrente, para processar e julgar aqueles delitos.

Pois bem, a Lei n. 7.727, de 09 de janeiro de 1989, que dispõe sobre a composição inicial e instalação dos Tribunais Regionais Federais, determina, no parágrafo único do art. 11, que 'até a promulgação da lei a que se refere

este artigo, aplicam-se à administração da Justiça Federal de primeiro e segun-

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

do grau, no que coube); as disposições da Lei n. 5. 010, de 30 de maio de 1966, respeitadas as normas constitucionais pertinentes'.

ALei n. 5.010, de 30 de maio de 1966, norma organizadora da Justiça Federal de primeira instância, em seu art. 12 determina que 'nas Seções Judi­ciárias em que houver mais de uma Vara, poderá o Conselho da Justiça Fede­ral fixar-lhes sede em cidade diversa da Capital, especializar Varas e atribuir competência por natureza de feitos a determinados juízes.'

Corno se pode constatar, o entendimento aqui defendido, qual seja, da

possibilidade de especialização de varas por ato administrativo próprio do Tribunal, não é fruto de produção artificiosa, mas sim de autorização legal.

Somente para efeito exemplificativo e corroborando esse entendimento sobre a questão, torne-se a Lei n. 9.664, de 19 dejunho de 1998, que reestru­turou a Justiça Federal de primeiro grau da 4a Região. Ao criar novas varas federais, determinou expressamente, em seu art. 3u, a competência do respec­tivo Tribunal Regional Federal para, 'mediante ato próprio, especializar Varas em qualquer matéria, estabelecer a respectiva localização, competência e juris­dição, bem como transferir sua sede de um Município para o outro, de acordo com a conveniência do Tribunal e a necessidade de agilização da prestação

jurisdicional'. Não resta dúvida de que se trata de regra voltada aos novos ofícios, então criados. O que se objetiva, corno dito, é demonstrar a possibili­dade, legalmente autorizada, de especialização de varas federais na apuração e julgamento de certos tipos de delitos, através de ato administrativo do pró­prio Tribunal, assim corno o fez a Resolução n. 20/2003 do Tribunal Regional Federal da 4a Região."

c. .. ) "No plano do tempo, também não subsistem os argumentos trazidos pelo

impetrante, urna vez que este parece confundir os conceitos de 'foro competen­te' e Juízo competente'. E, corno afirma Tourinho Filho, 'a competência l'atione materiae não constitui critério de fixação de foro, mas sim de juízo' (in 'Processo Penal'. Volume 2. 20a ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 119).

Alega o impetrante que a especialização implementada causou ofensa ao princípio do juiz natural, urna vez que os fatos teriam ocorrido anterior­

mente a tal especialização. Não é correta a conclusão pois, corno já se adian­

tou, a consumação do ilícito se faz inerente à fixação da competência do foro, não a do juízo.

O que aqui se discute é a possibilidade de modificações posteriores na

determinação do juízo competente. Afirmo que as alterações se mostram pos-

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síveis desde que: a uma, tenham os juízes a mesma competência ratione loei; a duas, atenda-se ao comando do que dispõe o art. 74, caput, do Códi­go de Processo Penal, isto é, que a competência pela natureza da infração seja regulada pelas leis de organização judiciária; a três, não tenha sido ofertada denúncia ou queixa, momento em que se fixa a competência do juízo, inalte­rável ante a aplicação analógica do art. 87 do Código de Processo Civil (prin­cípio da perpetuatio jurisdictionis). Destaque-se ainda a legalidade da incidência imediata das normas processuais - e se trata aqui da questão da competência do juízo processante -, dada sua natureza nitidamente instru­mental.

Pois bem. Ao se concluir pela legalidade do ato de especialização da 2a

Vara Federal Criminal de Curitiba, que também prorrogou sua competência para todo o território do Estado do Paraná (Resolução n. 20, de 26 de maio de 2003, art. 2u, § lU), vêem-se satisfeitas as duas primeiras condições: juízos com competências territoriais concorrentes e fixação da competência ratione materiae derivada das leis de organização judiciária em vigor.

Por outra volta, verifica-se que a denúncia foi recebida na 2a Vara Federal Criminal de Curitiba em 08 de agosto de 2003 (fls. 129/134 do apenso); a Resolução n. 20 do Tribunal Regional Federal da 4a Região foi publicada e passou a viger em 29 de maio de 2003. Conseqüentemente, não há falar em alteração da competência do juízo, pois esta somente se fixou com o recebi­mento da denúncia, fato ocorrente em momento posterior à especialização promovida. Aliás, não é outra a conclusão que se toma da lição de José Frederico Marques, quando afirma que 'a competência em razão da matéria

se determina, de início, pela qualificação que do fato delituoso é feita na denúncia ou queixa.' (in 'Da Competência em Matéria Penal'. Edição revista e atualizada por José Renato Nalini e Ricardo Dip. Campinas: Millennium, 2000, p. 237).

Indo adiante, se preciso for, ·calha à argumentação a doutrina de Guilherme de Souza Nucci, que se contrapõe claramente ao deduzido pelo impetrante:

'a perpetuatio jurisdictionis não se aplica, quando houver

alteração da matéria.

C··)

Caso a lei posterior de organização judiciária crie, na Comarca X', uma Vara privativa, cuidando somente da matéria objeto do feito, deve­se proceder à imediata remessa do processo para a Vara criada. Tal se dá

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXIA TURMA

porque a competência territorial é pron-ogável e relativa, o que não ocor­re com a competência em razão da matéria.'

(in 'Código de Processo Penal Comentado'. 3a ed. São Paulo: Revis­ta dos Tribunais, 2004, p. 198)

Conseqüentemente, não há falar em infração às normas constitucionais traçadas no art. 9\ incisos XXXVII ('não haverá juízo ou tribunal de exceção') e UH ('ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade com­petente'), conforme alegado. Não se trata, como já evidenciado, da criação dos famigerados tribunais oujuízos ad hoc, própria dos regimes totalitários e liberticidas, mas, sim, de simples alteração promovida administrativamen­te, legalmente permitida, visando uma melhor prestação da tutelajurisdicio­nal, de natureza especializada, como cristalinamente imprescindível.

No plano da competência, de igual forma, têm-se por inacolhíveis os argUmentos trazidos pelo impetrante.

Fala em prevenção do juízo de Foz do Iguaçu, pois esse, "no momento em que a denúncia foi oferecida perante a 2a Vara Federal Criminal de Curitiba o douto Juízo Federal de Foz do Iguaçu já se encontrava prevento" e ainda: "um breve exame dos autos revela que este último juízo, de Foz do Iguaçu, antes de oferecida a denúncia já havia proferido pelo menos um ato decisório na fase das investigações: a quebra do sigilo telefônico do paciente e dos demais in­vestigados" (fls. 23/24).

Uma simples leitura do art. 83 do Código de Processo Penal é suficiente para espancar quaisquer dúvidas, se ainda existentes. Faço sua transcrição naquilo que interessa: 'verificar-se-á a competência por prevenção toda vez

que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdi­ção cumulativa ... '. A redação é por demais cristalina. Ora, precede ao diag­nóstico de prevenção a existência de juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, o que não se perfaz na espécie sub examine.

Já se disse que a especialização da 2a Vara Federal Criminal de Curitiba lhe conferiu competência ratione materiae para processar e julgar crimes praticados contra o Sistema Financeiro Nacional e de 'lavagem' ou ocultação de bens, direitos e valores. Assim fazendo, afastou de qualquer outra vara federal, no Estado do Paraná, a possibilidade de persecução penal dessas con­dutas, fato esse, aliás, determinante do oferecimento da denúncia perante o juízo de Curitiba e não de Foz do Iguaçu.

Assim, pois, não há falar em juízes igualmente competentes e, portanto, não há tampouco falar em prevenção do juízo de Foz de Iguaçu, pois somente

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

a 2a Vara Federal Criminal de Curitiba detém a competência ratione materiae para o feito.

Vê-se que a tese de ofensa ao juiz natural, apresentada no presente writ, não tem como prosperar. Uma análise mais acurada das questões levantadas pelo impetrante revelou a insuficiência de sua argumentação e, portanto, a inexistência de infração ao referido princípio.

Por fim, à guisa de conclusão nessa parte, atente-se ao magistério de Maria Lúcia Karam, que em obra dedicada exclusivamente às questões relativas à competência em matéria processual penal afirma:

A competência atribuída por regras infraconstitucionais visa funda­mentalmente a distribuição racional do exercício da atividade dos diver­sos órgãos jurisdicionais materializados no processo, dentro daquele âmbito maior previamente delimitado pelas regras constitucionais. Neste sentido, a atribuição de competência que através delas se faz, mesmo quando ditada pelo interesse público, estará, a princípio, relacionada tão-somente com a maior conveniência da administração da justiça, de forma a permitir um funcionamento mais eficaz da máquina judiciária, não alcançando a dimensão de garantia contida nas regras constitucio­nais sobre a matéria.'

(in 'Competência no Processo Penal'. 3a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 48)."

No mesmo sentido, os seguintes julgados: RHC n. 15.564-PR, Sexta Turma, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, julgado em 19.08.2004, aguardando publi­cação; REsp n. 628.673-SC, Quinta Turma, Relator Ministro José Arnaldo da Fonse­ca, DJ 14.03.2005; CC n. 42.111-RJ, Terceira Seção, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ 28.06.2004; CC n. 41.051-Sp' Terceira Seção, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ 24.05.2004; CC n. 39.367-Sp, Terceira Seção, Relator Ministro José Arnaldo da Fon­seca, DJ 28.10.2003.

5. Diante do exposto, não há que se falar em usurpação da competência do Poder Legislativo ou em vício de inconstitucionalidade formal por afronta ao dispo­sitivo constitucional do art. 96, II, d, assim como afastada qualquer ofensa ao princípio do juiz natural; dessarte, denego a ordem de habeas corpus.

É como voto.

VOTO-MÉRITO

o Sr. Ministro Nilson Naves: Sr. Presidente, farei algumas observações sobre o princípio do juiz natural.

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

A resolução do Conselho foi assinada por mim, certamente que depois de aprovada pelo Colegiado. Foi assinada por mim porquanto, naquela ocasião, ocupa­va eu a honrosa Presidência do Superior Tribunal e, conseqüentemente, a do Conse­lho da Justiça Federal. Naquele momento, os membros do Conselho estávamos, e ainda estamos, convencidos de que editávamos um ato lícito, legal e legítimo. Posteriormente, os atos outros foram editados pelos Tribunais Regionais. Aliás, quanto à resolução do Conselho, jamais se colocou em dúvida a sua legitimidade e a sua legalidade.

A especialização, por si só, não atinge o princípio do juiz natural. O juiz natural não se opõe à especialização de jurisdição, de juízes e tribunais, por exem­plo, jurisdição constitucional, especial, eleitoral, trabalhista, militar, comum etc.

No caso, como aqui se frisou, não houve a criação de novas varas, houve apenas a especialização. Em casos assim, não há ofensa a princípios tais como: (I)

"a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito"; (lI) "não haverá juízo ou tribunal de exceção"; (III) "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente".

Acompanhando o Relator, denego a ordem.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Paulo Medina: Tem-se as argüições do Impetrante:

1) violação aos princípios da reserva de lei e da separação dos poderes;

2) ofensa ao princípio do juiz natural.

Trata-se de determinar se a especialização de Vara Federal pode ser feita por intermédio de ato administrativo do próprio órgão judiciário ou se é objeto de tratamento através de lei, no sentido formal.

Argumenta-se que o parágrafo único do art. 11 da Lei n. 7.727/1989 - que dispõe sobre a composição inicial dos Tribunais Regionais Federais e sua instala­ção, cria os respectivos quadros de pessoal e dá outras providências -, no que respeita às ações no âmbito da competência administrativa do Conselho de Justiça Federal, remete à Lei n. 5.010, de 30 de maio de 1966, da seguinte maneira:

'M. 11. O Conselho da Justiça Federal, no prazo de 90 (noventa) dias, elaborará anteprojeto de lei, dispondo sobre a organização da Justiça Federal de primeiro e segundo graus.

Parágrafo único. Até a promulgação da lei a que se refere este artigo, aplicam-se à administração da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, no que coubel; as disposições da Lei n. 5. 010, de 30 de maio de 1966, respeitadas as normas constitucionais pertinentes" - (Grifei).

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REVIS'IA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

A Lei n. 5.010/1966 - que organiza a Justiça Federal de primeira instância-, por seu turno, estabelece, no capítulo da ':Jurisdição e Competência", art. 12:

"Nas Seções Judiciárias em que houver mais de uma Vara, poderá o Conselho da Justiça Federal fixar-lhes sede em cidade diversa da Capital, espe­cializar Varas e atribuir competência por natureza de feitos a determinados Juízes" - (Grifei).

Depreende-se do dispositivo a autorização para o Conselho da Justiça Federal especializar Vara já existente na Seção Judiciária, quando houver, pelo menos, duas Varas.

O parágrafo único do art. 11 da Lei n. 7.727/1989, ao possibilitar; de maneira transitória, a aplicação, "à administração da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, no que coube1; as disposições da Lei n. 5. 010, de 30 de maio de 1966': faz ressalva, que não pode passar desapercebida: "respeitadas as normas constitucio­nais pertinentes" (Grifei).

Ora, a Lei n. 5.010 data de 1966; daí o cuidado na inserção da mencionada ressalva.

A vigente Constituição da República atribui aos Tribunais a iniciativa privati­va de propor ao Poder Legislativo a "alteração da organização e divisão judiciárias"

(art. 96, inciso II, letra d).

Assim, o disposto no art. 12 da Lei de 1966, deve ser submetido a reexame, sob a ótica da nova regra constitucional- o que passa pela análise do significado da expressão "alteração da organização e divisão judiciárias".

Por conseguinte, trata-se de definir se a especialização de Vara Federal pree­xistente deve ou não ser considerada "alteração", para os efeitos de afirmar ou afastar a incidência da norma constitucional.

Se afirmativa a hipótese, resultaria inconstitucional a Resolução n. 314, de 12.05.2003, do Conselho da Justiça Federal, e outros atos semelhantes, que tiverem como fundamento norma legal não recepcionada pelo ordenamento constitucional vigente.

Publicada em 14 de maio de 2003 (DOU, seção I, p. 407), a Resolução n. 314/ 2003, do Conselho da Justiça Federal, assim dispõe:

"O Presidente do Conselho da Justiça Federal, usando de suas atribuições legais e tendo em vista o decidido na sessão ordinária realizada em 31 de março de 2003, resolve:

Art. 1 fi Os Tribunais Regionais Federais, na sua área de jurisdição, espe­cializarão varas federais criminais com competência exclusiva ou concorren-

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

te, no prazo de sessenta dias, para processar e julgar os crimes contra o Siste­ma Financeiro Nacional e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores.

Art. 211 Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.

Publique-se. Registre-se. Cumpra-se.

Ministro Nilson Naves

Presidente" .

Esse é o caso específico dos autos: a Resolução n. lO-A, de 11 de junho de 2003, do Tribunal Regional Federal da sa Região, com fundamento na Resolução n. 314/2003, do Conselho, estabeleceu que os inquéritos policiais pertinentes aos cri­mes contra o Sistema Financeiro Nacional e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores deveriam ser remetidos para a lIa Vara Federal, restando mantida a competência da 12a Vara apenas para as ações penais em curso.

Embora não seja esta a questão diretamente envolvida no writ, é mister ressal­tar que a matéria da inconstitucionalidade dessa permissão conferida a órgãos do Judiciário há de ser verificada em relação a qualquer outra fonte legal, posterior a 05 de outubro de 1988, autorizativa de ato dessa natureza - de que seria exemplo o art. 311 da Lei n. 9.664, de 19 de junho de 1998, referida pelo Sr. Ministro-Relator, que dispõe sobre a reestruturação da Justiça Federal de primeiro grau da 4a Região.

A exemplo da Lei de Organização Judiciária Federal de 1966, assim preceitua o art. 311 da Lei n. 9.664/1998:

"Caberá ao Tribunal Regional Federal da 4a Região, mediante ato pró­

prio, especializar Varas em qualquer matéria, estabelecer a respectiva locali­zação, competência e jurisdição, bem como transferir sua sede de um Municí­pio para o outro, de acordo com a conveniência do Tribunal e a necessidade de agilização da prestação jurisdicional".

O artigo, à semelhança do que contém a Resolução n. 314/2003, do Conselho da Justiça Federal, dispõe que o TRF da 4a Região pode, através de norma interna, alterar a competência territorial, via especialização de vara "em qualquer maté­ria", ou seja; modificar regras vigentes da organização judiciária, sem que, para isso, tenha que submeter o assunto ao Poder Legislativo.

Numa palavra: a norma infraconstitucional contrasta a lei maior.

Contudo, não é essa a minha tese, ou seja; não vou desenvolver o argumento da inconstitucionalidade da Lei n. 9.664/1998 - o que, aliás, repito, não está diretamente envolvido na discussão.

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A questão ressalto novamente, é verificar se a especialização de Vara Federal pode ser feita por intermédio de ato administrativo do órgão judici-ário ou se é objeto de tratamento através de no sentido formal.

Desdejá, haverá de ser excluída da polêmica a matéria da especialização por "criação" de Vara - o que estaria, à fora da competência administrati-va, face à clareza do texto do art. 12 da Lei n.

Logo, resta apenas o tema da especialização de Vara existente.

Segundo o disposto no art. 96, inciso alínea da Constituição da Repúbli­ca, a alteração da organização e da divisão judiciárias é matéria atribuída ao Poder Legislativo, por proposta do Judiciário.

Assim dispõe a norma em questão:

"A-it. 96. Compete privativamente:

I -

II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribu­nais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169:

(. .. )

a alteração da organização e da divisão judiciárias".

Não há dúvida: estamos diante do princípio da reserva de lei.

Aponte-se que nem sempre reserva de lei é reserva de lei formal- ou reserva

de parlamento, para usar da expressão de Canotilho que será adiante explicitada.

Vejamos o que diz Crisafulli (Crisafulli, Vezio. "Lezioni di diritto costitu­

zionale", 3a ed., voI. tomo I, Padova, Cedam, 1975, p. 52 apud Silva, José Afonso da. "Curso de Direito Constitucional Positivo". SP: Malheiros, 2002, p. 421):

"Tem-se, pois, reserva de lei quando uma norma constitucional atribui determinada matéria exclusivamente à lei formal (ou a atos equiparados, na interpretação firmada na praxe), subtraindo-a, com isso, à disciplina de ou­tras fontes, àquela subordinadas" (Grifei).

E, ainda, Canotilho ("Direito Constitucional", Coimbra: Almedina, 1993, pp.7911792):

"Designa-se reserva de parlamento o conjunto de matérias ou de âmbitos materiais que devem ser objecto de regulação através do parlamento em for-ma de lei. Esta reserva de designa-se, por vezes, reserva de lei

É relativamente a esta reserva de parlamento que convergem, com

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

mais intensidade, as dimensões inerentes ao ao princípio democrático atrás assinalados.

do Estado de direito e

Trata-se, por um de assegurar, através da a observância dos princípios concretizadores do princípio do Estado de direito fiança e segurança jurídicas, princípio da prlC)porl:::lciiléllHiaíje, igualdade, nr'mr',-n,,, da imparcialidade).

da

Visa-se, por outro 'guardar para um órgão com uma legitimação !-'VHC','-CC especial o estabelecimento das bases de todos os regimes jurídicos

cujos preceitos possam afectar interesses da generalidade dos cidadãos e a

fixação desses regimes na integralidade quando respeitem a assuntos que mais

sensibilizem uma comunidade' - (Grifei).

Referindo-se à polissemia de sentidos e às "diversas configurações organizató-rio-constitucionais", Canotilho organiza os critérios conceituais apresentando al­gumas acepções de reserva de lei, e advertindo, entretanto, que elas não esgotam a problemática atual do princípio.

São elas, além da primeira já descrita; reserva de parlamento, as seguintes: reserva de ato Legislativo; reserva de decreto-lei; reserva de norma jurídica (ou reserva de lei material) e, finalmente; reserva de lei reforçada.

Sobre outras referências de classificação, erguem-se três categorias de reserva de lei adotadas por José Afonso da Silva, a partir de distinções elaboradas na doutrina italiana Costantino e

Diz o constitucionalista brasileiro que a Constituição da República em vigor permite distinguir as seguintes categorias de reserva de lei (op. cit., p. 422):

"(1) do ponto de vista do órgão competente, pelo qual o exercício da função legislativa para determinadas matérias só cabe ao Congresso Nacio­nal, sendo, pois, indelegável, como é o caso da formação das leis sobre as matérias referidas no § 1!l do art. 68;

(2) do ponto de vista da natureza da matéria, pelo qual determinadas matérias são reservadas à lei complementar, enquanto outras o são à lei ordi­nária, como são as hipóteses expressamente enumeradas na Constituição; e há casos em que a reserva é de lei ordinária ou complementar estadual ou de lei orgânica local;

(3) do de vista do vínculo ser absoluta ou relativa. admitem também uma terceira, dita reserva re-forçada, que, na verdade, ingressa no campo da reserva absoluta".

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REVIS'D\ DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Interessa-nos esta última categoria; absoluta, que é assim definida por José Afonso (p. 422):

"É absoluta a reserva constitucional de lei quando a disciplina da maté­ria é reservada pela Constituição à lei, com exclusão, portanto, de qualquer outra fonte ínfralegal, o que ocorre quando ela emprega fórmulas como: 'a lei assegurará', 'a lei disporá', 'a lei complementar organizará', 'a lei criará', 'a lei poderá definir' etc.".

Na linha do que foi desenvolvido, e utilizando-me das luzes conceituais lança­das por ambos os juristas, afirmo que a alteração da lei de organização e de divisão judiciárias de que trata o art. 96, II, d, é matéria de reserva absoluta ou reserva de parlamento ou ainda reserva de lei formal.

Está dito com todas as letras no texto constitucional que a alteração da orga­nização e divisão judiciárias é matéria atribuída ao "Poder Legislativo", por propos­ta dos mencionados órgãos do Judiciário.

Nada mais claro. Não pode, assim, a matéria ser disciplinada por meio de resolução.

A expressão do texto constitucional é ampla: "alteração da lei".

''Alterar'' significa "causar ou sofrer mudança ou alteração; modificar, mudar, transformar qualquer característica original" e, por isso, nessa acepção, abrange qualquer modificação no objeto que, in casu, é a lei de organização judiciária.

A matéria relativa à competência é típica da organização judiciária e toda modificação a ela inerente é alteração da organização judiciária. A especialização por matéria, por sua vez, é ato inserido dentro do assunto da competência.

É preciso distinguir, como faz Pacelli ("Curso de Processo Penal", BH: Del Rey, 2003, pp. 243 e ss.), entre 1) a fixação ou modificação da competência mate­rial e 2) a fixação ou alteração da competência territorial por matéria.

A primeira é competência por jurisdição, em razão da matéria, isto é, compe­tência constitucional. Está fora do alcance da norma infraconstitucional. A segunda é territorial por matéria: é questão de distribuição operacional da jurisdição, atra­vés da fixação da competência territorial por matéria, e está ao alcance da lei e, segundo o que foi até aqui afirmado, fora do alcance da norma infralegal.

E assim é, ao meu ver, exatamente porque o assunto da especialização de vara guarda estreitas relações com o princípio do juiz natural.

O juiz natural, como garantia, significa órgão judiciário previamente compe­tente, criado por lei, independente e imparcial.

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

Por tudo isso é que a distribuição operacional da jurisdição não é mero precei­to "organizatório" - para usar da expressão de Canotilho Copo dt., pp. 799/800).

Não se pode dizer que esteja exclusivamente na esfera da competência admi­nistrativa do Judiciário, como problema "interno", porque a distribuição da compe­tência tem imediatas repercussões externas, afeta os terceiros interessados.

Se todos concordam que a criação de vara é ato que depende de lei formal, não há por que deixar de reconhecer que a especialização de vara também depen­derá de lei no sentido estrito.

Até porque, apenas no segundo caso é que se poderia falar em modificação de competência por matéria, porque no primeiro, com simples criação de vara, haverá mero aumento quantitativo.

Por outro lado, e para os efeitos da definição de competência, não vejo dife­rença substancial entre criar vara especializada e especializar vara já existente. Em ambos os casos, haverá alteração da competência territorial por matéria. Não há razão para defender-se a exigibilidade de lei formal somente no primeiro caso.

Ademais, como se depreende do art. 105, parágrafo único, da Constituição da República, não é da competência do Conselho da Justiça Federal expedir normas relativas à organização e à competência da Justiça Federal.

Ao teor do que contém o mencionado artigo, cabe, ao Conselho, "na forma da lei, exercer a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal de pri­meiro e segundo graus".

A supervisão de que fala o parágrafo único do art. 105 é inconfundível com a matéria da alteração da organização judiciária.

Na doutrina, encontro e recolho entendimento no mesmo sentido.

Analisando a questão pela ótica do juiz natural, depois de fazer referência às fontes do juiz natural previamente estabelecido em lei Cart. Si", incisos XXXVII e LI\!, CR; art. 14, 1, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Yor­que; art. 8.(\ da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica), afirma Roberto Delmanto Júnior ('justiça especializada para os crimes de lavagem de dinheiro e contra o Sistema Financeiro Nacional - a inconstitucionalidade da Resolução n. 314, de 12.05.2003, do Conselho de Justiça Federal" in Revista do Advogado, pp. 95/102):

"C .. ) Cristalino, assim, que à garantia do juiz natural incorporam-se diversos aspectos:

a) juízo ou tribunal previamente existente;

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

b) criado por lei;

c) independente (dotado de prerrogativas funcionais como a vitali­ciedade, a inamovibilidade, a irredutibilidade de vencimentos, carreira estruturada com critérios objetivos);

imparcial (que não prejulgue a causa, deferindo às partes trata­mento igualitário).

Todos esses postulados tornar-se-iam vazios se as regras determinantes da competência de certo Tribunal ou juízo pudessem, ao sabor dos ventos, ser modificadas em momento posterior aos fatos.

Ademais, indaga-se: modificando-se a competência de determinado juí­zo que já tenha sido validamente fixada pelos critérios até então vigentes, como o da distribuição, qual seria, por exemplo, a razão da garantia da inamovibilidade do juiz?

Em outros tennos, a garantia do juiz natural exige que os critérios deter­minantes da competência também encontrem-se previamente estabelecidos, respeitando-se as regras vigentes à época do fato.

Uma vez fixada a competência para a ação penal, ela deve ser respeitada, de modo intransigente, a fim de se evitar qualquer possibilidade de manipula­ção política quanto ao órgão judicante que irá decidir a causa (perpetuatio jurisdictionis) .

Nesse sentido, demonstrando a relação entre a fixação do juízo compe­tente mediante regras previamente estabelecidas em lei e a garantia do juiz natural, lembramos a lição de Vicente Greco Filho, ao salientar que a perpetuatio jurisdictionis 'tem por fundamento o próprio princípio do juiz natural, que repele interferências estranhas na fixação do juiz competente, e, em especial, impede o afastamento do juiz eventualmente indesejável para a parte ('Manual de Direito Processual Penal', Saraiva, São Paulo, 1991, p. 142)".

Partindo dessas reflexões acerca do juiz natural, Roberto Delmanto arre-mata (fi. 97):

"c. .. ) As regras que estabelecem os critérios definidores da competência devem, igualmente, ser estabelecidos por lei.

Assim, a nossa Lei Maior (arts. 92, 101 a 126) estabelece a competência originária e recursal dos nossos Tribunais, bem como define o que compete às Justiça Federal Comum e Especial (Militar, Eleitoral e do Trabalho) e às Justi­ças Estaduais Comum e Militar.

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

o Código de Processo Penal, por sua vez, estatui, nos arts. 69 a 91, os critérios que a determinam: lugar da infração -l"atione domicílio ou residência do acusado, natureza da infração -l"atione materiae, a distri­buição, a conexão, a continência, a prevenção e a prerrogativa de função.

Nesse contexto, uma vez fixada, a competência não mais se altera, salvo hipóteses excepcionalíssimas que permitem modificá-la, igualmente previstas em lei anterior aos fatos, como, por exemplo:

a) a desclassificação, pelo Juiz da Vara do Júri, da imputação de crime doloso contra a vida, na fase de juízo de pronúncia, remetendo o processo ao juiz competente (Código de Processo Penal, arts. 81, pará­grafo único, e 410);

b) a unificação de processos em face da conexão ou continência, ainda que tenham sido instaurados diversos, em vários juízos (Código de Processo Penal, art. 82);

c) a investidura do acusado, durante o transcorrer da ação penal, assumindo cargo público com o condão de deslocar a competência para determinado Tribunal (competência por prerrogativa de função - Códi­go de Processo Penal, art. 84);

d) a exceção da verdade ofertada pelo querelando, quando o quere­lante tem foro privilegiado (por prerrogativa de função - Código de Processo Penal, art. 84), deslocando a competência para um Tribunal Superior,

e) o desaforamento do julgamento pelo Tribunal do Júri ('Código de Processo Penal', art. 424),

f) a mutatio libeli, entendendo-se, durante a ação penal, que o crime não é de latrocínio, mas sim de homicídio, remetendo-se o proces­so para a Vara do Júri (Código de Processo Penal, arts. 383 e 384).

Nesse ponto, indaga-se: poderiam os Tribunais baixar resoluções para estabelecer outros critérios definidores da competência, sobrepondo-se aos previstos nos arts. 69 a 91 do Código de Processo Penal?

Diante da garantia do Juiz Natural, seria facultado aos Tribunais baixar, post factum, resoluções com vistas a definir critérios de fixação da competên­cia para processos por crimes que teriam sido praticados em momento anterior?

As respostas, como veremos, só podem ser negativas.

Com efeito, somente a lei em sentido formal pode dispor sobre 'Direito Penal, Processual Penal e Processual Civil', como se infere do artigo 62, § 1 fl,

1581

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REVISLA. DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I, b, da Magna Carta, com a redação dada pela Emenda n. 32, de 11.09.2001, que veda poder-se, por medida provisória, tratar sobre essas matérias".

Afirma o impetrante que a Resolução n. 10-A!2003, do Tribunal Regional Federal da 5a Região, ao dispor sobre a redistribuição dos "inquéritos policiais em andamento", ofende a garantia constitucional em comento.

Tem razão o Impetrante.

A Resolução é duplamente ofensiva ao princípio do juiz natural: porque não pode mera resolução alterar competência (matéria de lei formal) e porque viola o disposto no art. 75 do Código de Processo Penal - que estabelece a fixação da competência por precedência da distribuição do inquérito.

Trago, nesses termos, meu entendimento acerca do juiz natural e sobre o tra­tamento da matéria da competência por ato normativo infralegal.

Penso que o assunto está a exigir maior reflexão e discussão de nossa parte.

Estou concedendo a ordem, pela afirmada violação à garantia do juiz natural.

HABEAS CORPUS N. 43.135-PE (2005/0057693-6)

Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa

Impetrante: Gervásio Xavier de Lima Lacerda

Impetrada: Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco

Paciente: Iberlânio Alves dos Santos (preso)

EMENTA

Habeas corpus. Processo Penal. Tráfico de substância entorpe­cente. Vícios no auto de prisão em flagrante: Discussão sobre o local da prisão e sua descrição física. Inocorrência de constrangimento ilegal. Requisitos do art. 312 do CPP. Necessidade da custódia não demonstra­da. Ausência de resposta a alguns quesitos do laudo de constatação. Ausência de nulidade. Ordem concedida.

1. A discussão sobre o exato local em que foi efetuado o flagrante, bem como sua descrição física, não é apta a viciar o auto de prisão em flagrante. Ademais, no caso em testilha, perquirir sobre todo o contexto

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

fático, como requer o impetrante, para analisar a forma como foi efe­tuada a prisão do paciente, é medida inviável em sede de uma ação com rito célere como o habeas corpus. Ausência de constrangimento ile­gal;

2. Inobstante haja previsão legal de proibição da concessão de li­berdade provisória no caso de cometimento dos crimes hediondos, se faz necessária a análise in concreto, de acordo com os requisitos do art. 312 da Lei Processual Penal. In casu, ausentes os motivos ensejadores da custódia cautelar, tendo, o Tribunal a quo, decretado a prisão por conta da gravidade do delito e da proibição legal apenas;

3. A simples ausência de resposta a alguns quesitos do laudo de constatação não contamina de nulidade absoluta o processo. Ademais, o impetrante somente acostou o exame, o laudo de constatação e o relató­rio policial que se refere aquele como positivo para a presença de "maco­nha".

4. Ordem concedida para que o paciente seja colocado em liberda­de, se por outro motivo não estiver preso, com o compromisso de compa­recer a todos os atos processuais.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indica­das, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conce­der a ordem de habeas corpus. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Nilson Naves, Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti e Paulo Medina. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti.

Brasília (DF), 20 de setembro de 2005 (data do julgamento).

Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Relator

DJ 03.10.2005

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa: Cuida-se de habeas corpus, substitu­tivo de recurso ordinário impetrado em favor de Iberlânio Alves dos Santos, contra decisão preferida pela Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco.

RSTJ, a. 18, (197): 521-646, janeiro 2006

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REVISTh DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Consta que o paciente foi preso em flagrante e denunciado pela prática da conduta prevista no artigo 12 da Lei n. 6.368/1976.

Pugna pela concessão da ordem em virtude da ilegalidade da prisão em fla­grante, ausência dos requisitos para manutenção da segregação cautelar e irregu­laridades no laudo de constatação. Requer o relaxamento da prisão em flagrante, ou, subsidiariamente, a nulidade da ação penal.

Sem de HH"ULCUL, informações prestadas 84/96). O Ministério opi-na conhecimento parcial da ordem e, nessa extensão, pela concessão também parcial (fls. 98/101).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa (Relator): 1. Com efeito, o impetrante requer o relaxamento da prisão em flagrante, apontando como vício apto a macular, a discussão sobre o exato local em que foi efetuado o flagrante, bem como sua descrição física.

Primeiramente, como ressaltado pelo nobre impetrante, o acórdão vergastado não debateu este tema. Assim, incabível a análise por esta Corte, sob pena de car em supressão de instância. Mesmo que houvesse o pronunciamento do Tribunal a quo, tais dúvidas não são aptas a viciar o auto de prisão em flagrante de forma a comprometer sua legalidade. Adernais, no caso em testilha, perquirir sobre todo o contexto fático, como requer o impetrante, para analisar a forma como foi efetuada a prisão do paciente, é uma medida inviável em sede de uma ação com rito célere como o habeas corpus.

2. Quanto à nulidade por ausência de respostas a alguns quesitos no laudo de constatação, percebe-se que o laudo pericial preliminar (fl. 37) identificou que a substância apreendida era cannabis sativa linné, vulgarmente conhecida como "maconha". Assim, em que pese o esforço argumentativo exposto pela defesa, a simples ausência de resposta a alguns quesitos não contamina de nulidade absoluta o processo. Ademais, o impetrante somente acostou o laudo de constatação e o relatório policial que se refere aquele como positivo para a presença de "maconha".

3. Por fim, quanto à ausência de requisitos para justificar a manutenção do paciente, a ordem merece ser acolhida.

Em que pese a legal da liberdade provisória, estipulada art. 2'", da Lei n. 8.072/1990, não as autoridades judiciais decidir pela

do paciente no cárcere sem que suas decisões sejam fundamentadas no

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

caso in concreto, de acordo com os requisitos da decretação da prisão preventiva, definidos no art. 312 do Código de Processo Penal.

O despacho denegatório da liberdade provisória, tão-somente, declarou que "o caso não comporta o benefício da liberdade provisória, por tratar-se de crime assemelhado aos hediondos" 23).

Esta Corte tem se manifestado pela necessidade da fundamentação concreta da negativa de liberdade provisória. Confira-se, a respeito:

"Criminal. HC. Tráfico de entorpecentes. Prisão em flagrante. Liberdade provisória. Denegação. Ausência de concreta fundamentação. Custódia basea­da na hediondez do delito. Necessidade da custódia não demonstrada. Ordem concedida.

Exige-se concreta motivação para o indeferimento do benefício da liber­dade provisória, com base em fatos que efetivamente justifiquem a excepcio­nalidade da medida, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da juris­prudência dominante.

O simples fato de se tratar de crime hediondo não basta, por si só, para impedir a liberdade provisória do réu. Precedentes.

Deve ser concedida a liberdade provisória ao paciente, determinando-se a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, mediante condições a serem estabelecidas pelo Julgador de 111 grau, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta.

IV - Ordem concedida, nos termos do voto do Relator." (HC n. 40.932-RR, Relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 09.05.2005)

4. Diante do exposto, concedo a ordem pretendida, tão-somente para que o paciente responda ao processo em liberdade, se por outro motivo não estiver preso, com o compromisso de comparecer a todos os atos processuais.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 43.164-SP (2005/0058480-0)

Relator: Ministro Paulo Gallotti

Impetrante: Gonçalves Januário da Silva

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Paciente: Daniel Ferreira de Amaral (preso)

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RSTJ, a. 18, (197): 521-646, janeiro 2006 I

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1

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA

Habeas corpus. Porte de arma. Liberdade provisória. Lei n. 10.826/2003. Requisitos da prisão preventiva. Ausência. Ordem conce­dida.

1. A fundamentação das decisões do Poder Judiciário, tal como exigido pelo inciso IX do art. 93 da Constituição da República, é condi­ção absoluta de sua validade.

2. A imposição da manutenção da prisão cautelar exige a demons­tração inequívoca de, pelo menos, um dos requisitos constantes no art. 312 do Código de Processo Penal.

3. Ordem concedida para que o paciente seja posto em liberdade provisória.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Tur­ma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taqui­gráficas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Paulo Medina, Hélio Quaglia Barbosa e Nilson Naves votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, ocasional­mente, o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido.

Brasília (DF), 06 de setembro de 2005 (data do julgamento).

Ministro Paulo Gallotti, Presidente e Relator

DJ 03.10.2005

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Paulo Gallotti: Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de Daniel Ferreira de Amaral contra acórdão do extinto Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo que, por maioria de votos, denegou o writ ali manejado.

Narra a inicial que o paciente foi preso em flagrante pela prática do delito descrito no art. 16 da Lei n. 10.826/2003, sendo negada a liberdade provisória. Impetrado habeas corpus no Tribunal de origem, a medida liminar foi deferida para que ele aguardasse em liberdade o julgamento pelo órgão Colegiado, que acabou por denegá-lo, determinando-se a expedição de mandado de prisão.

Busca a impetração seja concedida a liberdade provisória ao paciente por não estarem presentes os requisitos da custódia cautelar, notadamente por ser primário,

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

possuidor de bons antecedentes, com residência e emprego fixos e família consti­tuída.

A liminar foi indeferida pelo Ministro-Presidente desta Corte durante as férias forenses (fl. 74).

Prestadas as informações, o Ministério Público Federal opinou pela concessão da ordem.

É o relatório.

VOTO

o Sr. Ministro Paulo Gallotti (Relator): O habeas corpus, realmente, deve ser concedido.

Consta do processado que o paciente foi preso em flagrante e denunciado como incurso no art. 16 da Lei n. 10.826/2003, sendo indeferido o pedido de liber­dade provisória nos seguintes termos, no que interessa:

"Verifica-se que a conduta pela qual o interessado foi preso em flagrante, em tese, subsume-se ao tipo do art. 16, parágrafo único, Iv, da Lei n. 10.826/

2003.

Primeiramente, saliento que entendo que o princípio constitucional da presunção de inocência deve prevalecer sobre a regra prevista no artigo 21 da Lei n. 10.826/2003.

(. .. )

Portanto, o simples fato de o interessado ter sido preso em flagrante e estar sendo acusado da prática de crime por porte de arma com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulte­r~do, por si só, não pode impedir que seja posto em liberdade provisória caso não estejam presentes os requisitos que autorizariam sua custódia preventiva.

Porém, no presente caso, referidos requisitos se encontram presentes.

Com efeito, as declarações constantes no auto de prisão em flagrante indicam que o interessado, em tese, praticou o crime pelo qual foi autuado e preso.

O legislador considerou que o referido delito atenta, via de regra, contra a ordem pública (tanto é que, recentemente, editou o 'Estatuto do Desarma­mento', agravando as penas referentes às condutas antes previstas na Lei n. 9.437/1997 e ainda intróduzindo outros tipos penais, estabelecendo a proibi­ção de liberdade provisória para alguns (norma que, apesar de eivada de

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

inconstitucionalidade, como exposto, indica que o legislador entendeu que certas condutas previstas na Lei n. 10.826/2003 são presumidamente demasi­adamente danosas à sociedade).

Assim, somente em situações especiais - o que não é o caso deste feito, pois o interessado foi detido portando arma de fogo com numeração suprimi­da, quando tentou fugir da polícia, - deve-se conceder liberdade provisória àqueles que são presos em flagrante pela prática de crime atentatório à ordem pública." (Fls. 48/50)

Impetrado habeas corpus no extinto Tribunal de Alçada Criminal, de n. 498.218/6, em julgamento realizado em 02.03.2005, sua Nona Câmara Criminal denegou, por maioria de votos, a ordem, vencido o Relator que a concedia.

Este o fundamento da denegação:

"Por ora, ao que se depreende, os elementos indiciários vindos com o inquérito policial são suficientes para demonstrar a ocorrência do crime de porte ou posse de arma de fogo, com numeração obliterada, em desacordo com a legislação vigente, sendo, assim, seguros os indícios do envolvimento do paciente nesse episódio. O crime que lhe é imputado, embora praticado sem violência ou grave ameaça, não deixa de ser grave, pois atenta contra a manutenção da ordem pública e tem sido causa de preocupação das autorida­des e sociedade de um modo geral e que acabou gerando a edição de lei rigorosa como se verifica do denominado 'Estatuto do Desarmamento'. Ade­mais, em se tratando de arma com numeração raspada, por si, não recomen­da a soltura de quem pratica crime de tal gravidade, sob pena de ficar arra­nhada a credibilidade da Justiça, além de ensejar a sensação de impunidade." (fls. 62/63)

Constata-se, assim, que a prisão do paciente está calcada na gravidade abstra­ta do delito, circunstância que não se revela suficiente à manutenção do recolhi­mento antecipado contra quem se move ação penal.

Em se tratando de réu primário, sem antecedentes negativos, com residência fixa e emprego lícito, impunha-se a demonstração objetiva da necessidade da segre­gação cautelar, que não decorre do só cometimento do ilícito, seja ele qual for, exigindo a presença, pelo menos, de um dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.

Vejam-se:

A) "Criminal. RHC. Receptação. Quadrilha armada. Roubo qualificado. Porte ilegal de arma. Prisão preventiva. Ausência de concreta fundamentação.

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

Motivação fulcrada em conjecturas e probabilidades. Circunstâncias referidas quejá estão subsumidas no tipo. Necessidade da custódia não demonstrada. Presença de condições pessoais favoráveis. Ordem concedida.

Exige-se concreta motivação para a decretação da prisão preventiva, com base em fatos que efetivamente justifiquem a excepcionalidade da medida, aten­dendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante.

Juízos de probabilidade não podem servir de motivação à custódia.

A possibilidade de abalo à ordem pública não pode ser sustentada por circunstâncias que estão sub sumidas na gravidade do próprio tipo penal.

Condições pessoais favoráveis, mesmo não sendo garantidoras de even­tual direito à liberdade provisória, devem ser devidamente valoradas, quando não demonstrada a presença de requisitos que justifiquem a medida constriti­va excepcional.

Deve ser revogada a prisão preventiva do paciente, determinando-se a imediata expedição de contramandado de prisão em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, mediante condições a serem estabelecidas pelo Jul­gador de 1 D. grau, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta.

Recurso provido."

(RHC n. 17.047-Sp, Relator o Ministro Gilson Dipp, DJ 28.03.2005)

B) "Recurso em habeas corpus. Processual Penal. Liberdade provisó­ria. Indeferimento. Fundamentação deficiente. Ordem concedida.

1. A decisão que indeferiu o pedido de liberdade provisória do ora recor­rente se mostra carecedora de fundamentação idônea a autorizar o encarcera­mento provisório do paciente, deixando de se reportar, sequer, aos requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, ou de apresentar quais­quer fatos que possam alicerçar, em bases mais concretas e seguras, a restri­ção imposta.

2. Recurso ordinário provido."

(RHC n. 16.518-PA, Relator o Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJ 14.03.2005)

Assim, concedo a ordem para que o paciente seja posto em liberdade provisó­ria, mediante a assinatura do respectivo termo de comparecimento.

É como voto.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RECURSO ESPECIAL N. 174.290-RJ (1998/0034792-5)

Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa

Recorrente: Hélio Luiz dos Santos Silva

Advogado: Nilo César Martins Pompílio da Hora

Recorrido: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

EMENTA

Recurso especial. Processual Penal. Concussão. Interesse recursal. Defesa preliminar do art. 514 do CPP. Ausência. Nulidade inexistente. Denúncia fundada em inquérito policial. Inversão do procedimento de oitiva de testemunhas. Ausência de nulidade. Ausência do MP na audiên­cia de instrução. Princípio pas nullité sans grief. Recuso improvido.

1. Ausente o interesse recursal, já que o réu fora absolvido pelo Tri­bunal a quo e desse modo, não demonstrou interesse em modificar o fundamento da absolvição para atingir resultado concreto mais favorável.

2. Em havendo instauração de inquérito policial, afasta-se a inci­dência da norma inserta no art. 514 da Lei Adjetiva Penal.

3. O magistrado, sob o amparo do princípio da busca da verdade real, pode tomar a iniciativa de determinar a produção de prova que entenda indispensável para a formação do seu convencimento, conforme o art. 502 do CPP.

4. A ausência do Ministério Público na audiência de instrução cons­titui nulidade relativa que, para ser declarada, deve ser alegada em momento processual oportuno e demonstrado o efetivo prejuízo ao réu. Aplicação do princípio pas nullité sans grief.

5. A análise de que a prova testemunhal, produzida após o término da instrução, apresentou dúvidas quanto à autoria e culpabilidade, im­plica em reexame das provas, sendo que o objetivo do recurso especial é reparar falhas existentes na aplicação da lei e não o revolvimento da matéria fático-probatória, recaindo na Súmula n. 7 do STJ.

6. Recurso a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indica­das, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Nilson Naves, Hamilton Carvalhido e Paulo Gallotti. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Paulo Medina. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti.

Brasília (DF), 13 de setembro de 2005 (data do julgamento).

Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Relator

DJ 03.10.2005

RElATÓRIO

o Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa: Trata-se de recurso especial interposto por Hélio Luiz dos Santos Silva, com fundamento no art. 105, inciso IH, alínea a da Constituição Federal, contra o v. acórdão do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que concedendo parcial provimento a seu apelo, o absolveu da infração tipificada no art. 316 do Código Penal e reduziu a pena do roubo qualifi­cado de sete anos e seis meses e quarenta e cinco dias-multa para cinco anos e quatro meses e quarenta e cinco dias-multa.

Pela narrativa dos autos, verifica-se que o recorrente é policial civil e fora denunciado como incurso· nas penas dos arts. 158, § 1!l e 157, § 2!l, incisos I e II, ambos do CP. Em sentença de primeiro grau, o Juízo monocrático, fazendo uso da emendatio libelli, desclassificou a extorsão para a concussão, condenando o acusado nos arts. 157, § 2!l, incisos I e lI, e 316 do CP.

Alega o recorrente negativa de vigência aos arts. 45, 396, 502, 514 e 564, inciso III, todos do CPP. Pugna pela nulidade do processo alegando descumprimento da formalidade do art. 514 do CPP; inversão da ordem procedimental de inquirição da testemunha de acusação e da vítima; e por fim, ausência do Ministério Público na audiência de oitiva da vítima e da testemunha. No mérito, aduz que a prova testemunhal, produzida após o término da instrução, apresentou dúvidas irremedi­áveis quanto à autoria e culpabilidade, em razão das contradições nos depoimen­tos.

Apresentadas as contra-razões (fls. 92/95).

Não admitido na origem, os autos vieram a esta Corte de Justiça por meio de agravo de instrumento (fl. 116).

O Ministério Público Federal opina pelo não-conhecimento e no mérito, pelo improvimento do recurso (fls. 123/132)

É o relatório.

RSTJ, a. 18, (197): 521-646, janeiro 2006

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

VOTO

o Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa : 1. Matéria devidamente pré-examinada Tribunal a quo, afastando o óbice da Súmula n. 282 do STF, razão pela qual conheço do recurso.

2. Inicialmente, não merece amparo a irresignação do recorrente à alegação de negativa de vigência ao art. 514 do CPp, que prevê a necessidade de apresentação de resposta preliminar em crimes de responsabilidade afiançáveis praticados por funcionários públicos.

A uma, porque ausente o interesse recursal, já que o réu fora absolvido pelo Tribunal a quo quanto à imputação prevista no art. 316 do CP e, desse modo, não demonstrou interesse em modificar o fundamento da absolvição para atingir resul­tado concreto mais favorável.

Nesse sentido, o parágrafo único do art. 577 do Cpp é manifesto quando aduz que "não se admitirá, entretanto, recurso da parte que não tiver interesse na refor­ma ou modificação da decisão."

Assim, considerando que o interesse jurídico é um dos pressupostos de admis­sibilidade recursal, somente poderá o recorrente provocar o reexame da matéria quando eventual modificação lhe trouxer algum benefício.

A duas, porque a denúncia fora instruída com o inquérito policial, o que dispensa a resposta preliminar prevista no art. 514 do Codex Processual Penal.

Vale conferir, no ponto, o exarado por Eugênio Pacelli em seu "Curso de Processo Penal". In verbis:

"Entretanto, e acertadamente, a jurisprudência sempre entendeu que essa exigência estaria superada quando a apuração inicial de possível delito for realizada por meio de inquérito policial, ocasião em que o inculpado (futuro acusado na ação penal) não seria surpreendido com o oferecimento da ação penal e poderia, o quanto possível, oferecer, desde logo, as provas da inexis­tência sobre o crime." CEdo Del Rey; 4a ed., p. 580).

Ainda, faz-se mister trazer à baila decisão deste STJ:

"Habeas corpus. Concussão. Defesa preliminar do art. 514 do CPP. Ausência. Constrangimento ilegal inexistente. Denúncia fundada em inquérito policial. Ordem denegada.

1. A resposta prévia do réu, disciplinada no art. 514 do Código de Pro­cesso Penal, não constitui privilégio outorgado ao funcionário público, mas,

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

ao contrário, um sucedâneo da restrição que lhe impõe a lei em obséquio do Poder Público.

2. Em havendo instauração de inquérito policial, arreda-se a incidência

da norma inserta no art. 514 da Lei Adjetiva Penal (Precedentes).

3. Ordem denegada." n. 34.704, Sexta Turma, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJ 10..02.2005. Grifo nosso)

3. No que toca à nulidade dos artigos 396 e 502 do cpp relativa à inversão

procedimental da oitiva das testemunhas, a argüição encontra-se desprovida de

razão.

É de se notar que tanto a vítima a testemunha foram regularmente

intimadas para prestar depoimento durante a fase da instrução criminal. Porém,

somente compareceram sob condução coercitiva, no momento utilizado pelo Juízo do art. 502 do CPp' concedendo o magistrado, posteriormente à oitiva, vistas para

novas alegações finais.

Não há que se falar em nulidade, pois é assente na doutrina pátria que o magistrado, sob o amparo do princípio da busca da verdade real, pode tomar a

iniciativa de determinar a produção de prova que entenda indispensável para a

formação do seu convencimento.

Ademais, as partes foram regularmente intimadas para apresentação de novas

alegações finais, não se vislumbrando qualquer prejuízo à defesa, que segundo a

lição de Ada pelegrini Grinovel", somente ocorreria se o dano alegado compro­

metesse o contraditório ou o comprometimento da correção da sentença. (':I\s nuli­

dades do processo penal", Ed. Revista dos Tribunais, 7a ed., p. 29).

4. Quanto à ausência do Ministério Público, há que se negar amparo ao recur­

so quanto à suposta violação ao art. 45 do CPp, pois como bem citado no parecer

ministerial, o artigo diz respeito ao aditamento e interveniência do Ministério Pú­blico no caso de ação penal privada, ao passo que o caso sob exame retrata hipóte­

se de ação penal pública.

5. No que se refere ao art. 564, inciso III, do CPp, não restou o recorrente demonstrar prejuízo ao seu direito de defesa.

É imperioso enaltecer que em tema de nulidade, no âmbito penal, vige segun­

do o art. 563 do CPp, o princípio pas de nullité sans grief (não há nulidade sem

prejuízo), donde se conclui a ausência de prejuízo imposto ao réu, ante a não pre­

sença do Parquet no interrogatório da vítima e da testemunha de acusação.

1593

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REVIS'D\ DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Assim, havendo, nesse sentido, qualquer vício a macular a instrução processual, este deveria ser objeto de recurso da parte contrária e não do ora recorrente.

Exsurge à hipótese, trecho do insigne voto que o eminente Ministro Paulo Medina proferiu no HC n. 31.789:

"É dever do Promotor de Justiça estar presente em todas as audiências de instrução. Não só para assegurar o contraditório, mas pela sua função precí­pua de custos legis.

Não há dúvida que a ausência ministerial configura nulidade. Porém, a nulidade é relativa, vale dizer, cabe à defesa argüi-la 'no momento processual oportuno e demonstrar o prejuízo acarretado ao réu.

O Processo Penal adota o princípio pas nullité sans grief, pelo qual não se declara nulidade sem a ocorrência de prejuízo, ou quando o ato processual não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa (art. 563, CPP).

Imperioso ressaltar que este Tribunal de Justiça firmou posicionamento segundo o qual as vigas mestras do sistema de nulidades em matéria processual penal baseiam-se em duas assertivas:

a) ao argüir as nulidades, cabe ao argüente indicar, de modo objetivo, os prejuízos correspondentes, com influência na apuração da verdade substancial e reflexo na decisão da causa (CPP, art. 566); e

b) em princípio, as nulidades consideram-se sanadas se não forem argüi­das no tempo oportuno, por inércia da parte." (HC n. 31.789, Sexta Turma, Relator Ministro Paulo Medina, DJ 03.05.2004).

Dessarte, o recorrente não logrou demonstrar qual o prejuízo suportado devi­do à ausência do MP na audiência em análise.

6. Por fim, quanto à alegação de que no mérito, a prova testemunhal, produzida após o término da instrução, apresentou dúvidas quanto à autoria e culpabilidade, em razão das contradições nos depoimentos, também não merece acolhimento.

Não há como rever a matéria sem reexaminar as provas, sendo que o objetivo do recurso especial é reparar falhas existentes na aplicação da lei e não o revolvi­mento da matéria fático-probatória, recaindo na Súmula n. 7 do STJ.

7. Pelo exposto, nego provimento ao presente recurso.

É como .voto.

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

RECURSO ESPECIAL N. 356.002-SC (2001/0128357-4)

Relator: Ministro Hamilton Carvalhido

Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social- INSS

Procuradores: Luiz Cláudio Portinho Dias e outros

Recorridos: Gliomertirdes José Reis e outros

Advogados: Rodrigo Carneiro Mussi e outros

EMENTA

Recurso especial. Processual Civil. Execução invertida proposta pela Fazenda Pública. Depósito prévio. Desnecessidade.

1. O art. 570 do Código de Processo Civil atribui ao devedor a faculdade de iniciar o processo de execução - qualquer que seja a espé­cie -, a fim de que se exonere de sua obrigação.

2. A Fazenda Pública, quando devedora, está dispensada do depósi­to prévio previsto no artigo 605 do Código de Processo Civil, desde que sujeita ao regime de precatórios.

3. Precedentes da Quinta Turma.

4. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unani­midade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Paulo Gallotti, Hélio Quaglia Barbosa e Nilson Naves votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Medina. Presi­diu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti.

Brasília (DF), 16 de setembro de 2004 (data do julgamento).

Ministro Hamilton Carvalhido, Relator

DJ 13.12.2004

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido:Recurso especial interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social- INSS, com fundamento no art. 105, inciso IH, alínea

RSTJ, a. 18, (197): 521-646, janeiro 2006

Page 76: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

REVISTA DO SUPERlOR TRlBUNAL DE JUSTIÇA

a, da Constituição Federal, impugnando acórdão da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4a Região, assim ementado:

"Processo Civil. Previdenciário. Execução. Arts. 570 e 605 do CPC. Exi­gência de depósito imediato.

Optando o devedor pela execução nos moldes do art. 570 do CPC, deverá efetuar o depósito imediato do valor apurado à luz do art. 605 seguinte." (FI. 43).

Alega o recorrente que o acórdão recorrido teria violado o disposto nos arti­gos 570, 605, 730 e 731 do Código de Processo Civil, cujos termos são os seguintes:

"Art. 570. O devedor pode requerer ao juiz que mande citar o credor a receber em juízo o que lhe cabe conforme o título executivo judicial; neste caso, o devedor assume, no processo, posição idêntica à do exeqüente.

c. .. ) Art. 605. Para os fins do art. 570, poderá o devedor proceder ao cálculo

na forma do artigo anterior, depositando, de imediato, o valor apurado.

( ... )

Art. 730. Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, citar­se-á a devedora para opor embargos em 10 (dez) dias; se esta não os opuser, no prazo legal, observar-se-ão as seguintes regras: (Vide Lei n. 9.494, de 10.09.1997)

I - o juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do Tribu­nal competente;

II - far-se-á o pagamento na ordem de apresentação do precatório e à conta do respectivo crédito.

Art. 731. Se o credor for preterido no seu direito de preferência, o presi­dente do Tribunal, que expediu a ordem, poderá, depois de ouvido o chefe do Ministério Público, ordenar o seqüestro da quantia necessária para satisfazer o débito."

E os teria violado porque, como se recolhe das próprias razões recursais:

"(. .. )

Não há dúvida de que os dispositivos legais transcritos contêm norma clara e inequívoca no sentido de que o devedor tem a faculdade de iniciar a

execução da condenação judicial, desde que deposite, de imediato, ° valor apurado.

Page 77: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

Todavia, é evidente que a faculdade, quando se trata o devedor de ente de direito público, deve ser interpretada em consonância com os princípios e pe­culiaridades que regem a execução dos créditos devidos pela Fazenda Pública.

Os artigos 730 e 731 do CPC, bem como o art. 100 da Carta Constituci­onal, prevêem, que 'os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente em ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta de apresentação dos precatórios ... '.

Ora, então como exigir que o ente público, para utilizar a faculdade conferida pelo sistema processual, deposite imediatamente a importância de­vida?!

Essa exigência, data venia, é absurda e impossibilita o instituto de utilizar do 'iter processual' previsto no art. 570 do CPC.

Das duas uma, ou os entes públicos não podem utilizar o mecanismo da execução invertida ou podem e, nesse caso, estão dispensados de depositar previamente o valor devido, em face das regras próprias de execução pela via do precatório ..

c. .. )" (fis. 47/48).

Recurso tempestivo (fi. 45), sem resposta e admitido (fi. 54).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido (Relator): Senhor Presidente, dispõe o art. 570 do Código de Processo Civil:

'M. 570. O devedor pode requerer ao juiz que mande citar o credor a receber em juízo o que lhe cabe conforme o título executivo judicial; neste caso, o devedor assume, no processo, posição idêntica à do exeqüente"

A lei processual civil, ela mesma, atribui ao devedor a faculdade de iniciar o processo de execução - qualquer que seja a espécie -, a fim de que se exonere de sua obrigação.

Para que assim proceda, necessário se faz o depósito prévio do quanrum debeatur, à luz do que estabelece o art. 605 da lei adjetiva civil, verbis:

"Art. 605. Para os fins do art. 570, poderá o devedor proceder ao cálculo na forma do artigo anterior, depositando, de imediato, o valor apurado." (Nossos os grifos)

RSTJ, a. 18, (197): 521-646, janeiro 2006

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REVIS'IA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Entretanto, em sendo a parte devedora a Fazenda Pública, devem ser observa­das as normas dos arts. 730 e 731 do referido diploma legal, que disciplinam a execução contra a Fazenda Pública:

':Art. 730. Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, citar­se-á a devedora para opor embargos em 10 (dez) dias; se esta não os opuser, no prazo legal, observar-se-ão as seguintes regras:

I - o juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do Tribunal competente;

II - far-se-á o pagamento na ordem de apresentação do precatório e à conta do respectivo crédito.

Art. 731. Se o credor for preterido no seu direito de preferência, o presi­dente do Tribunal, que expediu a ordem, poderá, depois de ouvido o chefe do Ministério Público, ordenar o seqüestro da quantia necessária para satisfazer o débito."

Ao que se tem, diversamente do que ocorre na execução por quantia certa contra devedor solvente (art. 652 do Código de Processo Civil), a Fazenda Pública está sujeita ao regime de precatório, salvo exceções legais.

Por certo, a norma do art. 570 do Código de Processo Civil, por ser norma aplicável a qualquer espécie de execução, deve ser interpretada sistematicamente com o disposto no art. 730 do mesmo diploma legal, norma especial, aplicada às execuções contra a Fazenda Pública.

Assim sendo, exercendo a Fazenda Pública, como devedora, a faculdade de iniciar a execução, não há falar em necessidade de depósito imediato do quantum debeatur previsto no art. 605 do Código de Processo Civil, eis que está sujeita ao regime de precatórios.

Nesse sentido, vejam-se os seguintes precedentes da egrégia Quinta Turma desta Corte Superior de Justiça:

"Processual CiviL Execução invertida. CPC, art. 570. INSS. Desnecessida­de de depósito imediato (art. 605 do CPC). Pagamento por precatório.

I - Não há impedimento legal de a Fazenda Pública, incluídas aí as au­tarquias, utilizar-se da faculdade da execução invertida do art. 570, do cpc.

II - Tendo em vista a obrigatoriedade do pagamento das dívidas judiciais por precatório, não pode ser exigido o depósito imediato previsto no art. 605 do CPc. Precedente.

IH - Recurso conhecido e provido." (REsp n. 308.851-MG, Relator Minis­tro Gilson Dipp, in DJ 18.03.2002)

Page 79: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

"Processual Civil. Execução invertida (CPC, art. 570). INSS. Necessidade da expedição de precatório. Inexigibilidade de depósito prévio.

1. O regime constitucional de execução por quantia certa contra o Poder Público, incluídas as Autarquias, impõe a necessária expedição de precatório, cujo pagamento, à conta dos créditos respectivos, deve observar rigorosamen­te a ordem cronológica de apresentação, com exceção dos créditos de nature­za alimentícia:

2. Optando o INSS pela execução nos termos do CPC, art. 570, não há necessidade de cumprimento da regra contida no art. 605, que exige o depósi­to prévio do valor apurado, sob pena de se criar preferência que a lei não previu.

3. Recurso conhecido e provido." (REsp n. 249.324-SC, Relator Ministro Edson Vidigal, in DJ P.08.2000)

Pelo exposto, dou provimento ao recurso para determinar o prosseguimento da execução, sem necessidade do depósito prévio.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 426.610-RS (2002/0042943-2)

Relator: Ministro Paulo Gallotti

Recorrente: União

Recorrido: Carlos César Candal Moreira Filho

Advogados: José Vicente Filippon Sieczkowski e outros

EMENTA

Administrativo. Servidor público. Militar temporário. Reengaja­mento concedido. Dispensa antes do prazo determinado. Necessidade de motivação. Fundamento não atacado. Processo Civil. Recurso especial. Violação do artigo 535 do CPC. Alegação genérica.

1. Inadmissível especial interposto com fundamento no art. 535 do Código de Processo Civil, quando a parte recorrente não indica, especifi­camente, quais seriam os pontos omissos, obscuros, ou contraditórios do aresto hostilizado.

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Page 80: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2. Não infirmando o recorrente o fundamento basilar do acórdão, incide o princípio cristalizado no Enunciado n. 283 da Súmula do Supre­mo Tribunal FederaL

3. É ato discricionário da Administração conceder ou não o reenga­jamento do militar temporário.

4. Contudo, é necessária a motivação do ato de licenciamento, quando o reengajamento do militar for concedido e sua dispensa se der antes de expirado o prazo nele estabelecido.

5. Recurso a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Tur­ma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taqui­gráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator.Os Srs. Ministros Paulo Medina, Hélio Quaglia Barbosa, Nilson Naves e Hamilton Carvalhido votaram com o Sr. Ministro-Relator.

Brasília (DF), 31 de agosto de 2005 (data do julgamento).

Ministro Paulo Gallotti, Presidente e Relator

DJ 03.10.2005

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Paulo Gallotti: Cuida-se de recurso especial, calcado na alínea a do permissivo constitucional, interposto contra acórdão do Tribunal Federal da 4a

Região assim ementado:

"Militar oficial temporário. Licenciamento. Prorrogação de prazo. Ato vinculado.

A prorrogação do tempo de serviço de militar temporário é ato discricio­nário da Administração. Porém, uma vez prorrogado o prazo de sua perma­nência, não poderá ser licenciado, sem motivação, antes do término do prazo fixado na prorrogação." (FI. 259)

Opostos declaratórios, restaram rejeitados. (FI. 270)

Aponta a recorrente violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, bem como dos arts. 94, V, e 121, lI, § 3!l, b, da Lei n. 6.880/1980, e 46, item 4, do Decreto n. 90.600/1934,

Page 81: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

Sustenta, preliminarmente, que o Tribunal de origem, mesmo instado em embargos declaratórios, teria sido omisso ao não apreciar questões relevantes ao deslinde da controvérsia.

No mérito, alega que o licenciamento do militar temporário é ato discricioná­rio, acrescentando que a Portaria n. 948/ME fixa um limite máximo de dez anos para a permanência no serviço de oficiais como o recorrido, de acordo com a conveniência da Administração.

O recurso não foi contra-arrazoado e, admitido na origem (fls. 289/290), subiram os autos a esta Corte.

O Ministério Público opina pelo provimento da irresignação, quanto ao pedi­do de novo julgamento dos embargos declaratórios.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Paulo Gallotti (Relator): A irresignação não merece abrigo.

De início, a parte recorrente não apresentou expressamente os motivos pelos quais entende ter havido ofensa ao artigo 535 do CPC, deixando de indicar os temas que considera não apreciados pelo Tribunal de origem.

Com efeito, não basta a alegação genérica de que o acórdão teria restado silente quanto às questões suscitadas nos embargos declaratórios, sem indicação específica do ponto omisso e de sua relevância à solução da demanda.

Assim, esta Corte não pode verificar a suposta nulidade, pois patente a defici­ência na fundamentação do apelo especial, visto que as razões recursais não apon­tam, com objetividade, como teria ocorrido a dita violação do artigo 535 do Códi­go de Processo Civil (Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal).

A propósito:

"Tributário. Imposto de Importação. Transporte Marítimo de produto a gra­nel. Quebra. Responsabilidade tributária. Decreto-Lei n. 37/1966 (art. 169, § 7Q

).

Instruções Normativas ns. 12/1976 e 95/1984. Secretaria da Receita Federal.

1. Desfigurado o prequestionamento e rejeitados os embargos declarató­rios, compete ao interessado argüir que houve ofensa ao art. 535, I e CPC, no recurso especial. Faltante a iniciativa, irradiam-se os efeitos da Súmula n. 211-STJ.

2. Não se mostra, todavia, suficiente a alegação genérica de ofensa ao art. 535, I e do cpc. Mister que a parte demonstre objetivamente em que

RSTJ, a. 18, (197): 521-646, janeiro 2006

Page 82: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

REVISTh DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

consistiu a omissão da prestação jurisdicional, bem como a sua importância

para a solução da demanda. Do contrário, não terá esta Corte como avaliar a procedência da sugerida violação, nem os limites da insurgência do Recorrente.

3. Recurso não conhecido." (REsp n. 190.113-Sp, Relator o Ministro Milton Luiz Pereira, DJ 25.02.2002)

Quanto ao mérito, verifica-se que a parte recorrente deixou de infirmar o

fundamento basilar do acórdão, qual seja, o de que, embora o licenciamento do militar temporário seja ato discricionário da Administração, "uma vez prorrogada

a permanência, esta não poderá ser sustada sem motivação antes do prazo fixado para seu término", fazendo incidir o princípio cristalizado no Enunciado n. 283 do

STF.

Ainda que superado o óbice, a afirmação de negativa de vigência dos artigos

tidos como violados não tem consistência, porquanto, ao contrário do alegado, o

acórdão hostilizado decidiu a causa com estrita observância do regramento legal

aplicável à espécie, como se vê:

"Não se discute aqui sobre a existência de direito adquirido à prorroga­

ção ou à estabilidade de militar temporário. O que defende o autor, ora em­

bargante, é que, uma vez concedida a prorrogação, surge o direito adquirido

do militar temporário a permanecer nos quadros do Exército até o final do

respectivo prazo.

Reporto-me ao voto vencido, segundo o qual, 'tendo a prorrogação, con­

cedida com base no poder discricionário da Administração, atribuído o direi­to subjetivo ao apelante de permanecer no serviço ativo durante o prazo fixa­

do, não poderia ela ser revogada. Se a Administração não mais pretendesse os

serviços do militar, por motivo de conveniência e oportunidade, deveria com­

putar o tempo restante de prorrogação, para todos o fins, resguardando o

direito adquirido deste.'

c. .. ) Convenço-me desses fundamentos. A administração militar tem a facul­

dade de prorrogar ou não o tempo de permanência no Exército dos militares

temporários. Todavia, tais prorrogações são procedidas necessariamente por

prazo determinado, nos termos do art. 70 da Portaria do Ministério do Exérci­

to n. 938, de 111.12.1980, com a redação da Portaria n. 948, de 17.10.1989 e, uma vez prorrogada a permanência, esta não poderá ser sustada sem motiva­

ção antes do prazo fixado para seu término." (Fls. 256/257)

Page 83: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

Assim, o caso em exame difere dos inúmeros precedentes desta Corte que

afirmam ser ato discricionário da Administração conceder ou não o reengajamento

do militar temporário.

In casu, impunha-se fosse motivado o ato de licenciamento, pois o reengaja­

menta foi concedido e sua dispensa se deu antes de expirado o prazo nele estabele­

cido.

Ante o exposto, nego provimento ao especial.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 564.972-SC (2003/0079632-9)

Relator: Ministro Hamilton Carvalhido

Recorrente: Anderson de Oliveira (preso)

Advogado: Edgar José Galilheti

Recorrente: Neil Cleverson Comado Ormay (preso)

Advogado: Luciano de Moraes Recorrido: Ministério Público do Estado de Santa Catarina

EMENTA

Recurso especial. Penal e Processual Penal. Violação de dispositi­vos constitucionais em sede de recurso especial. Impossibilidade. Reco­nhecimento do crime impossível. Súmulas ns. 282 e 356 do STE Art.

18, inciso IH, da Lei n. 6.368/1976. Ausência de particularização do dispositivo a que se teria dado interpretação divergente. Simples trans­crição de ementas. Ausência do cotejo analítico. Não-conhecimento. Concurso de agentes. Suficiência de prova. Súmula n. 7-STJ. Transpor­te de droga. Reconhecimento da tentativa. Inviabilidade. Delito consu­mado. Condenação fundada em diversas provas. Súmula n. 283-STE Individualização da pena. Súmula n. 7-STJ. Reincidência. Dupla valo­ração. Impossibilidade.

1. A apreciação de violação de dispositivos constitucionais é maté­ria estranha ao âmbito de cabimento do recurso especial (arts. 102, inci­so III, e 105, inciso III, da Constituição Federal).

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Page 84: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2. "É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada." (Súmula do STF, Enunciado n. 282).

3. "O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento." (Súmula do STF, Enuncia­do n. 356).

4. A associação prevista no inciso III do artigo 18 da Lei n. 6.368/ 1976, está por concurso de agentes, assim como no inciso IV do parágra­fo 4U do artigo 155 do Código Penal, não exigindo a sua caracterização qualquer ânimo duradouro, mas apenas o nexo subjetivo que esteja a unir os agentes na realização do ilícito. Precedentes.

5. O recurso especial fundamentado no permissivo constitucional da alínea c requisita, em qualquer caso, tenham os acórdãos - recorri­do e paradigma - examinado a questão sob o enfoque do mesmo dispo­sitivo de Lei Federal.

6. A ausência de particularização do dispositivo de Lei Federal a que os acórdãos - recorrido e paradigma - teriam dado interpretação discrepante consubstancia deficiência bastante, com sede própria nas razões recursais, a inviabilizar a abertura da instância especial, atrain­do, como atrai, a incidência do Enunciado n. 284 da Súmula do Supre­mo Tribunal Federal ("É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia. ")

7. A divergência jurisprudencial, autorizativa do recurso especial interposto, com fundamento na alínea c do inciso IH do artigo 105 da Constituição Federal, requisita comprovação e demonstração, esta, em qualquer caso, com a transcrição dos trechos dos acórdãos que configu­rem o dissídio, mencionando-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, não se oferecendo, corno bastante, a simples transcrição de ementas ou votos.

8. A aferição da suficiência das provas existentes no processo, para fins de fundamentar a condenação, implica, necessariamente, o reexame do acervo fático-probatório dos autos, vedado pela letra do Enunciado n. 7 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça ('/\ pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial").

Page 85: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

9. "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão re­corrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles." (Súmula do STF, Enunciado n. 283).

10. O crime de tráfico de entorpecentes compreende dezoito ações identificadas pelos diversos verbos ou núcleos do tipo, em face do que tal delito se consuma com a prática de qualquer das ações que compreen­dem o tipo penal, eis que de ação múltipla.

11. Consumado o delito sob a forma "transportar" a substância entor­pecente' não há falar em crime de tráfico de entorpecentes na sua forma tentada, à falta de resultado diverso da conduta do agente. Precedentes.

12. A fundamentação das decisões do Poder Judiciário, tal como resulta da letra do inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal, é condição absoluta de sua validade e, portanto, pressuposto da sua eficá­cia, substanciando-se na definição suficiente dos fatos e do direito que a sustentam, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes.

13. Afora casos excepcionais de caracterizadas ilegalidades ou abuso de poder, fazem-se estranhos ao âmbito estreito e, pois, ao cabi­mento do recurso especial, os pedidos de modificação ou de reexame do juízo de individualização da sanção penal, na sua quantidade e no esta­belecimento do regime inicial do cumprimento da pena de prisão, en­quanto requisitam a análise aprofundada dos elementos dos autos, veda­da pelo Enunciado n. 7 desta Corte Federal Superior, referentes ao fato criminoso, às suas circunstâncias, às suas conseqüências, aos anteceden­tes, à conduta social, à personalidade e aos motivos do agente, bem como ao comportamento da vítima.

14. Tem-se, assim, de modo induvidoso, que, na pena reclusiva imposta e preservada fez-se consideração dos antecedentes penais do re­corrente tanto na fase das circunstâncias judiciais, quanto na fase das circunstâncias legais obrigatórias, o que constitui rematada violação do princípio non bis in idem, que também informa o Direito Penal vigen­te e por cuja observância têm zelado as nossas Cortes de Justiça, mui acertadamente. Precedentes.

15. Recurso especial do réu Neil Cleverson Conrado Ormay parcial­mente conhecido, e, nesta extensão, improvido. Recurso especial do réu Anderson de Oliveira parcialmente conhecido e provido unicamente para subtrair de seu apenamento o quantum relativo aos maus antece­dentes.

RSTJ, a. 18, (197): 521-646, janeiro 2006

Page 86: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unani­midade, conhecer parcialmente do recurso de Neil Cleverson Conrado Ormay e negar-lhe provimento, e conhecer, todavia, parcialmente do recurso de Anderson de Oliveira e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Paulo Gallotti, Hélio Quaglia Barbosa e Nilson Naves votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente,justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Medina. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti.

Brasília (DF), 21 de setembro de 2004 (data do julgamento).

Ministro Hamilton Carvalhido, Relator

DJ 13.12.2004

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido: Recursos especiais interpostos por Ander­

son de Oliveira e Neil Cleverson Conrado Ormay contra acórdão da Segunda Câma­

ra Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, assim ementado:

"Processo Penal- Perícia da droga realizada por amostragem - Apre­

ensão de grande quantidade da substância entorpecente - Inteligência do art.

40, § 2il, da Lei n. 6.368/1976 - Coleta do material tóxico por agente de

polícia - Validade do laudo pericial- Nulidade inexistente.

Quando se tratar de apreensão de grande quantidade, ou apreensão de

substância na sua totalidade, pode a autoridade policial recolher, apenas,

porção suficiente para o exame pericial, sendo perfeitamente lícito o exame

feito por amostragem.

Processo Penal- Carta precatória - Instrução concluída antes da sua

devolução para inquirição de testemunhas - Possibilidade - Defensores que

não foram intimados para audiência emjuízo deprecado - Ciência da expe­

dição - Suficiência - Inteligência do art. 222 do CPP - Prejuízos inocorren­

tes - Prefaciais repelidas.

É entendimento assente no Processo Penal que é obrigatória apenas a

intimação da expedição da carta precatória para ouvida de testemunhas, ca­

bendo à parte interessada inteirar-se da data da realização do ato no Juízo

deprecado.

Page 87: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

JURlSPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

Processo Penal- Prisão em flagrante - Auto lavrado em Comarca dis­tinta - Admissibilidade - Réus cientificados de seus direitos constitucionais quando da lavratura do auto - Inexigência da presença do advogado -Validade da peça - Nulidades inocorrentes.

A Constituição Federal assegura ao preso o direito de ser informado de seus direitos, bem como a assistência familiar e de advogado. Isto não quer dizer que para a sua detenção e lavratura do flagrante deva ele contar, no momento do ato, com a assistência e presença destes.

Tráfico ilícito de entorpecentes - Prisão em flagrante - Notícias anôni­mas sobre o comércio - Agentes flagrados com expressiva quantidade de maconha (57.040,Okg) armazenados num fundo falso de um veículo - Depoi­mentos de policiais corroborados por indícios concludentes - Validade -Associação eventual configurada - Participação de menor importância -Inocorrência - Tentativa - Inviabilidade - Crime de mera conduta - Con­denação mantida.

Os depoimentos de policiais federais coerentes e serenos, devidamente compromissados e não contraditados, que efetuaram a prisão e apreensão de expressiva quantidade de maconha em poder dos réus (57.040,Okg), adrede­mente embalada e escondida no fundo falso do veículo conduzido pelo com­parsa, bem como as inconsistentes versões apresentadas, sem qualquer con­teúdo de verossimilhança, formam lastro probatório suficiente para a conde­nação pelo art. 12 da Lei n. 6.368/1976.

Dosimetria - Pena-base fixada acima do mínimo legal- Grande quan­tidade de maconha - Culpabilidade elevada - Influência na elevação da reprimenda - Admissibilidade - Co-réu primário - Irrelevância - Manu­tenção - Agravante da reincidência devidamente reconhecida - Causa espe­cial de aumento bem dosada - Substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito (Lei n. 9.714/1998) - Crime equiparado a hediondo - Inaplicabilidade.

Não têm direito à fixação da pena no mínimo legal os acusados que possuem culpabilidade acentuada, revelada pelo comércio e transporte de grande quantidade de drogas.

Pedido de restituição de véiculo - Existência de compartimento falso em automóvel preparado para o transporte da substância ilícita - Perda em fa­vor da União confirmada-Recursos não providos." (Fls. 415/417)

Divergência jurisprudencial e negativa de vigência aos arts. 5'\ inciso LXIII, da Constituição Federal, 14, inciso II, 17,29, § 1°,59 e 61, do Código Penal, 156 do

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Page 88: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

REVISTA DO SUPERlOR TRlBUNAL DE JUSTIÇA

Código de Processo Penal, e 18, inciso da Lei n. 6.368/1976, fundam as insur-gências da art. 105, inciso alíneas a e

o recorrente A.l1derson de ao no seguinte sentido:

a) AIlUlar-se o Laudo porque não demonstra a materialidade do

Reconhecer-se a não-realização do do art. 18, da Lei Atltitó:;G-

cos e a negativa de vigência ao § 1 fl do art. 29 do Código Penal;

c) Considera-se a existência de eno de direito e a possibilidade da absol­vição de Anderson em vista de que não se contemplou a figura do tipo do art. 12 da Lei ou, sucessivamente, considerar apenas o crime corno

Admitir-se como impossível a condenação por mera presunção;

e) No caso da dosimetria da pena, reconhecer-se a necessidade de fixar a pena-base no mínimo legal, tendo em vista a incidência da circunstân-cia da reincidência, ocasionada por erro de direito do TJSC;

f) Considerar como ilícita e impossível de ser considerada como prova a 'confissão' do co-réu Neil, corrigindo-se o erro de direito do USC, que lhe atribuiu validade;

c. .. )" (fls. 464/465).

Requer o réu Neil Cleverson Comado Ormay, por sua vez, verbis:

"(. .. )

a) Anular-se o Laudo Pericial, porque inconclusivo;

b) Reconhecer-se a não-realização do tipo do art. 18, da Lei Antitóxi-cos;

c) Considera-se a possibilidade da absolvição de Neil em vista do desco­nhecimento e/ou ausência de ciência de transportar material proibido, de forma que não se completou a figura do tipo do art. 12 da Lei Antitóxicos, ou, sucessivamente, considerar apenas o crime como tentado, e/ou reconhecimen­to de participação de menor importância (art. 29, § P, do CPB);

Admitir-se como lffiDO'SSlve a condenação por mera presunção;

e) No caso da dosimetria da pena, no mínimo e, sucessivamente,

Page 89: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

f) Considerar como ilícita e impossível de ser considerada como prova a 'confissão' extrajudicial de Neil.

(. .. )" (fl. 498).

Recursos tempestivos (fls. 438 e 480), respondidos (fls. 513/523 e 536/545) e admitidos na origem (fls. 551/552 e 556/557).

O Ministério Público Federal veio pelo não-conhecimento dos recursos, em parecer assim sumariado:

"Recurso especial. Tráfico de entorpecentes. Confissão extrajudicial. De­poimentos de policiais que efetuaram o flagrante. Condenação baseada em todo o contexto probatório. Agente que chamado a transportar a droga é abordado por policiais. Consumação do delito. Associação. Caráter eventual para mercancia demonstrado.

Parecer pelo não-conhecimento do recurso." (Fl. 566)

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido (Relator): Senhor Presidente, trata-se de recursos especiais interpostos por Anderson de Oliveira e Neil Cleverson Conrado Ormay contra acórdão da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, assim ementado:

"Processo Penal- Perícia da droga realizada por amostragem - Apre­ensão de grande quantidade da substância entorpecente - Inteligência do art. 40, § 2.Q, da Lei n. 6.368/1976 - Coleta do material tóxico por agente de polícia - Validade do laudo pericial- Nulidade inexistente.

Quando se tratar de apreensão de grande quantidade, ou apreensão de substância na sua totalidade, pode a autoridade policial recolher, apenas, porção suficiente para o exame pericial, sendo perfeitamente lícito o exame feito por amostragem.

Processo Penal- Carta precatória - Instrução concluída antes da sua devolução para inquirição de testemunhas - Possibilidade - Defensores que não foram intimados para audiência em juízo deprecado - Ciência da expe­dição - Suficiência - Inteligência do art. 222 do CPP - Prejuízos inocorren­tes - Prefaciais repelidas.

É entendimento assente no Processo Penal que é obrigatória apenas a intimação da expedição da carta precatória para ouvida de testemunhas, ca-

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REVIS1A DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

bendo à parte interessada inteirar-se da data da realização do ato no Juízo deprecado.

Processo Penal- Prisão em flagrante - Auto lavrado em Comarca dis­tinta - Admissibilidade - Réus cientificados de seus direitos constitucionais quando da lavratura do auto - Inexigência da presença do advogado -Validade da peça - Nulidades inocorrentes.

A Constituição Federal assegura ao preso o direito de ser informado de seus direitos, bem como a assistência familiar e de advogado. Isto não quer dizer que para a sua detenção e lavratura do flagrante deva ele contar, no momento do ato, com a assistência e presença destes.

Tráfico ilícito de entorpecentes - Prisão em flagrante - Notícias anôni­mas sobre o comércio - Agentes flagrados com expressiva quantidade de maconha (57.040,Okg) armazenados num fundo falso de um veículo - Depoi­mentos de policiais corroborados por indícios concludentes - Validade -Associação eventual configurada - Participação de menor importância -Inocorrência - Tentativa - Inviabilidade - Crime de mera conduta - Con­denação mantida.

Os depoimentos de policiais federais coerentes e serenos, devidamente compromissados e não contraditados, que efetuaram a prisão e apreensão de expressiva quantidade de maconha em poder dos réus (57.040,Okg), adrede­mente embalada e escondida no fundo falso do veículo conduzido pelo com­parsa, bem como as inconsistentes versões apresentadas, sem qualquer con­teúdo de verossimilhança, formam lastro probatório suficiente para a conde­nação pelo art. 12 da Lei n. 6.368/1976.

Dosimetria - Pena-base fixada acima do mínimo legal- Grande quan­tidade de maconha - Culpabilidade elevada - Influência na elevação da reprimenda - Admissibilidade - Co-réu primário - Irrelevância - Manu­tenção - Agravante da reincidência devidamente reconhecida - Causa espe­cial de aumento bem dosada - Substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito (Lei n. 9.714/1998) - Crime equiparado a hediondo - Inaplicabilidade.

Não têm direito à fixação da pena no mínimo legal os acusados que possuem culpabilidade acentuada, revelada pelo comércio e transporte de grande quantidade de drogas.

Pedido de restituição de veículo - Existência de compartimento falso em automóvel preparado para o transporte da substância ilícita - Perda em fa­vor da União confirmada - Recursos não providos." (Fls. 415/417)

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

Divergência jurisprudencial e negativa de vigência aos arts. 5Jl, inciso LXIII, da Constituição Federal, 14, inciso lI, 17,29, § 1 Jl, 59 e 61, do Código Penal, 156 do

Código de Processo Penal, e 18, inciso III, da Lei n. 6.368/1976, fundam as insur-

gências (Constituição da República, art. 105, inciso alíneas a e c).

São estes os fundamentos do acórdão recorrido, no que importa à espécie:

"C .. )

1. Inicialmente, cumpre afastar a preliminar de nulidade do laudo peri­cial de substância entorpecente por ter sido realizado com uma pequena por­

ção da droga apreendida em poder dos apelantes.

O art. 40, § 2Jl, da Lei Específica, estabelece que, quando se tratar de

apreensão de grande volume, como, no caso, 57.040,Okg (cinqüenta e sete quilos e quarenta gramas) de maconha, conforme registra o laudo técnico

(fls. 90/93), a autoridade policial recolherá porção suficiente para exame pericial. Ademais, os recorrentes não trouxeram provas que pudessem com­

prometer a idoneidade da perícia e nem que a parte analisada tivesse sido

contaminada ou trocada. A prova por amostragem, portanto, é perfeitamen­te válida, não havendo necessidade de examinar toda a mercadoria apreen­dida.

(. .. )

2. Da mesma forma, inexiste nulidade do laudo pericial provisório pelo

simples fato de a amostra ser coletada por inves.tigador da polícia federal (fl. 15), pois, conforme colocado pelo ilustre magistrado, a retirada da amostra

não é incumbência direta do perito, a lei somente exige que seja periciada por

profissionais habilitados, como ocorreu no caso em tela (fls. 90/92).

Quanto ao reclamo acerca da quantidade da droga levada para perícia,

é demonstrada pelo próprio laudo pericial definitivo (fl. 91), onde registra a porção remetida para exame, 7,89g (sete decigramas e oitenta e nove centi­gramas) de maconha.

Dessarte, sem subsistência a nulidade argüida.

3. Igualmente, inocon-ente a nulidade do laudo pelicial definitivo por

ausência de conclusão quanto à toxidade da droga, uma vez que os peritos

concluíram que o material apreendido trata-se da erva conhecida como maco­

nha,. que teve resultado positivo quanto à potencialidade de causar dependên­

ciafisica e/ou psíquica (fi. 92).

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REVIS1A DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Por estes motivos, não há qualquer nulidade nos laudos periciais apre­sentados, restando certa e inquestionável a materialidade do tráfico imputado aos apelantes.

( ... )

7. Concernente à alegação de nulidade do flagrante, porquanto, ao con­trário do que afirmam as defesas, no momento de suas declarações, na fase policial, foram garantidos seus direitos constitucionais, não apenas o de per­manecerem calados, a assistência da família e de advogado, como o respeito à integridade física (fls. 09/10). Tanto que ambos dispuseram do seu direito constitucional de prestar esclarecimentos somente em Juízo, não havendo que

falar em violação aos seus direitos constitucionais.

O fato de que os apelantes em seus depoimentos, na fase preliminar, não

foram assistidos por defensores, não macula o ato. O que prevê a lei, ampara­da por dispositivo constitucional, é que o preso tenha ciência de que poderá

contatar com seus familiares e advogado de sua escolha, integrando o ato se for chamado ou se comparecer espontaneamente, e não sua presença como condição à sua validade.

Desse modo, rechaça-se a prefaciaI de nulidade do flagrante.

S. No mérito, melhor sorte não assiste aos apelantes.

O exame dos autos revela que, no dia 21.06.2001, na Comarca de Curi­

tibanos, os policiais federais, após receberem notícias anônimas de que An­derson estava traficando drogas na região de Blumenau-SC e iria receber um carregamento de tóxicos proveniente do Estado do Mato Grosso do Sul, deslo­caram-se até a rodovia federal BR-470, próximo a Indaial, permanecendo em campana para averiguar os fatos, ocasião em que avistaram Anderson dirigin­

do o veículo Voyage, cor preta, placas IHV-2061.

Iniciado o acompanhamento, na cidade de Curitibanos, observaram que Anderson apanhou Neil na rodoviária e dirigiram-se até uma oficina de auto­

móveis. Momentos depois, voltaram ao local, levando uma peça de motor e a colocaram no interior do porta-malas do Voyage. Na seqüência, foram para o

Município de Brunópolis - SC, em uma borracharia perto da BR-470, onde en­tregaram as peças para o conserto do veículo Fiat/Prêmio, placas BKG-922S,

conforme nota fiscal apreendida posteriormente em poder de Neil, retomando

ambos para Curitibanos.

Durante o acompanhamento, no dia 22.06.2001, no período da tarde, os

réus voltaram à borracharia, tendo Neil assumido a direção do veículo Fiat/

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JURISPRUDÊNCIA DA SEX1A TURMA

Prêmio, enquanto Anderson saiu no automóvel Voyage na frente. Nesse ínte­rim, os policiais viram que Neil parou o can"o e Anderson voltou para auxiliá­lo. Demonstrada a união de ambos, foram interceptados pelos policiais federais que, em vistoria no veículo, encontraram, no fundo falso do porta-malas e do tanque de combustível, cerca de 57. 040, Okg (cinqüenta e sete quilos e quarenta gramas) de maconha, acondicionados em diversos tabletes envoltos com fita crepe, que se destinavam à comercialização.

No momento da prisão, Neil indicou que parte da droga estava no tanque e a outra no compartimento falso do porta-malas, dizendo, também, que esta­va trazendo entorpecentes para Anderson, de Ponta Porã-MS. No mais, fala­ram que se manifestariam somente em juízo, reservando-se o direito de per­manecerem calados.

A investida policial, obviamente, não se efetivou por acaso, pois, diante da suspeita que recaía sobre Anderson, a partir do bloqueio policial efetuado em Curitibanos, lograram bom êxito na diligência empreendida, com o des­mantelamento da ação criminosa, finalizando-a com a prisão dos acusados e a apreensão da droga.

Tais fatos restaram comprovados pelos termos de apreensão (fls. 11/12), laudos de constatação e exames definitivos (fls. 15 e 90/93).

Prestando declarações, na fase investigatória, os recorrentes permanece­ram silentes (fls. 09/10). Em juízo, negaram a condição de traficantes e vici­ados, dando explicações inaceitáveis para justificar a posse da droga, afir­mando que Neil estava trazendo o Fiat/Prêmio de Ponta Porã-MS para Balne­ário Camboriú, para uma terceira pessoa, momento em que o carro quebrou na região de Brunópolis, donde ligou para Anderson, em Blumenau, para que ajudasse, pois era mecânico, vindo este até o local para lhe prestar socorro, quando foram presos pelos policiais federais (fls. 76/79).

Todavia, essa versão esbarra nos depoimentos dos policiais federais, Wilson Antônio Claret Guollo, Álvaro Mário Roiek e Carlos Henrique Asato que, devidamente compromissados, tanto na polícia, quanto em juízo (fls. 06/ 09, 135v/137 e 140v), confirmaram que vinham recebendo notícias de que Anderson estava comercializando entorpecentes em Blumenau, tanto que o flagrante só ocorreu em virtude de uma informação anônima, dizendo que ele estava para receber uma grande quantidade de entorpecentes na BR-470, ime­diações de Indaial-SC, o que se confirmou com a diligência descrita na exor­dial acusatória. A delação era tão verdadeira que, seguindo os passos de An­derson, os policiais federais descobriram, também, a participação do co-réu

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Neil, pois, coincidentemente, estava transportando a considerável quantidade de maconha. Mencionaram, ainda, que, além de Anderson ser conhecido no meio como traficante, o tóxico encontrado e trazido por Neil da Cidade de Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, era a ele destinado, fato admitido pelo réu Neil aos agentes públicos no momento da abordagem.

Sabe-se que as assertivas proferidas pelos policiais têm plena credibili­dade e validade como qualquer testemunha arrolada. Nem poderia ser dife­rente, pois que, se a União ou o Estado remetem às respectivas polícias o seu mister, não seria crível que a palavra de seus agentes não tivesse valor. O fato de a prova testemunhal resumir-se, quase exclusivamente, em depoimentos policiais, não subtrai, nem compromete, a certeza da prática do tipo penal por parte dos acusados, porque a palavra de uma testemunha é elemento de convicção capaz de embasar sentença desfavorável aos réus quando inexiste qualquer eiva que impeça o reconhecimento de suas assertivas, como ocorreu no caso vertente. Daí a validade de seus relatos, não podendo ser desprezados como prova, estando revestidos das formalidades legais.

De outro lado, as testemunhas arroladas pela defesa de Neil, ouvidas no Estado do Mato Grosso do Sul (fls. 198/200), nada trouxeram para elucidar o caso, sendo apenas abonatórias.

Como se vê, os policiais federais deixaram evidenciado que os apelantes estavam realmente mancomunados para a prática do nefasto comércio de entorpecentes. A conduta de Neil consistiu em transportar a droga em um fundo falso do veículo Fiat/Prêmio para . .ltilderson, que auxiliou durante parte do trajeto com outro carro, para avisar sobre eventual barreira policial ou problema, bem como ajudar no caso da possível ocorrência de novas falhas mecânicas no veículo.

Ora, embora o co-réu Anderson não estivesse no veículo com Neil, pres­tou auxílio e incentivo à perpetração do tráfico (quando o acompanhou no outro automóvel) e continuou colaborando, ao dar apoio para consertar o carro por ele conduzido, quando este apresentou o primeiro problema, cum­prindo relevante papel na operação criminosa. Afinal, era ele o destinatário da droga.

Acrescente-se, ainda, que os apelantes não convencem quando afirmam que desconheciam a existência da droga apreendida no veículo conduzido por Neil. Isso porque, segundo os policiais, os entorpecentes foram encontrados no fundo falso do porta-malas e do tanque de combustível, não sendo crível que aqueles não tivessem percebido a presença da enorme quantidade de material

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

tóxico escondida no Fia/Prêmio, já que, antes da prisão, ambos levaram o carro para ser consertado e trocar o óleo do motor, conforme nota fiscal apre­endida em poder de Neil (fi. 12).

Outra faceta que vem em desfavor dos recorrentes é a circunstância de estar o acusado Anderson sendo observado pelos policiais, devido a informa­ções de que receberia droga de outro Estado e o fato de se encontrar naquele local, em companhia de Neil, com a posterior apreensão da droga no carro pilotado por este, o que não foi fruto, certamente, de mera coincidência, cons­tituindo forte indício a dar mais crédito às palavras dos policiais.

Há que se ressaltar, também, que o acusado Anderson revela personali­dade propensa à prática de crimes contra a saúde pública, demonstrada por uma condenação (certidão de fi. 65), que, somando-se às provas citadas, serve como forte indício a apontá-lo como um dos autores do crime narrado na peça acusatória.

Não se olvide, em reiteração, que os policiais federais confirmaram, em Juízo, ter ouvido do apelante Neil Cleverson Conrado Ormay 'que estava tra­zendo a droga para Anderson' (fis. 06/09 e 135v/137 e 140v).

( ... )

Por isso, não há como desconsiderar a confissão do apelante Neil como indício seguro para embasar o decreto condenatório de ambos, uma vez que repercutiu no mundo fático, não podendo ser tratada como res nata, resul­tando que a decisão condenatória, neste contexto, tem respaldo na legislação processual penal e na jurisprudência, ( ... )

O que se exige é que o Juiz se baseie nos dados constantes dos autos e justifique suficientemente a decisão, sendo exatamente o que aconteceu na hipótese, onde os elementos de prova (droga em grande quantidade, depoi­mentos de policiais e circunstâncias do crime, um deles conhecido como trafi­cante no meio policial e reincidente por delito de tráfico) levam à certeza moral de que estavam envolvidos no tráfico ilícito de entorpecentes.

Ademais, os ilustres causídicos não trouxeram qualquer prova que justi­fique a assertiva e a ponderável quantidade de entorpecente apreendida em poder dos réus. Trata-se, em verdade, de mera tentativa de afastar a reprimen­da penal que se avizinha. Logo, os depoimentos transcritos e a falta de prova do alegado tornam evidente que os apelantes, com vontade livre e consciente, imbuídos de manifesto dolo, transportavam substância entorpecente acondiciona­da em tabletes, destinada a terceiros.

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Portanto, o nexo de imputação está presente na medida em que houve a comprovação de que os apelantes tinham ciência de que a droga existia, onde se encontrava e que se destinava ao comércio e, colaborando de alguma for­ma, seja transportando ou armazenando para fim notoriamente comercial, mantinham ligação com a substância apreendida, incidindo na figura típica do art. 12 da Lei n. 6.368/1976.

Vale ressaltar que o referido tipo penal não exige a posse direta da dro­ga, até mesmo pela própria quantidade apreendida, bastando a mera ciência de que estava sendo transportada no veículo, com destinação específica para o comércio ilícito. Também, não há que se exigir prova de mercancia, podendo mesmo as circunstâncias objetivas demonstrarem o destino do entorpecente, como, no caso, o volume considerável de droga apreendida no fundo falso do tanque de combustível e do porta-malas do Fiat/Prêmio (57.040,Okg) de ma­conha, o acondicionamento em embalagens variadas, próprias para a reven­da (distribuídos em tabletes de forma e tamanho diferentes, envoltos em fita crepe e papel celofane). Destacam-se, ainda, as palavras dos policiais, que há muito tempo estavam à espreita do co-réu Anderson, em virtude de informa­ções de que traficava drogas na região de Blumenau.

(. .. )

Assim, tanto a participação dos recorrentes no crime de tráfico de entor­pecentes, quanto a causa especial de aumento da pena prevista no art. 18, inciso IH, restaram caracterizadas.

Desta forma, estando plenamente comprovado que os acusados tinham em seu poder substância entorpecente para o fim de comercialização, e evi­denciada a divisão de tarefas, reconhece-se, no caso, o caráter eventual ou não permanente, de que fala o inciso UI do art. 18 da Lei n. 6.368/1976, restando prejudicados os pedidos de afastamento da majorante por ausência de prova do vínculo associativo e o reconhecimento de participação de menor importância (vide, Ap. Crim. n. 00.024921-1, da Capital, Relator Desembar­gador Amaral e Silva,j. 24.04.2001).

Diante desse quadro probatório, não se sustenta a alegação de fragilida­de ou insuficiência de prova que justifique a absolvição dos recorrentes. A condenação não está fundada única e exclusivamente em suposições e nos antecedentes criminais de Anderson, mas, como visto, em diversos elementos de convicção (não só produzidos na fase policial como em sua maioria em juízo) e que, sopesados e valorados, implicam na mantença do decreto conde­natório.

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

9. Respeitante ao almejado reconhecimento da tentativa, sob o argumen­to de que o crime não se consumou, melhor sorte não socorre aos recorrentes.

Não obstante entendimentos divergentes, ajurisprudência predominante não admite a tentativa em crime de narcotráfico, considerado permanente, bastando o início da execução para configurar o crime consumado. Ora, as figuras delituosas previstas nas condutas relacionadas no art. 12 consumam­se com a prática de qualquer uma das ações nele previstas. No caso em análi­se, o crime já estava consumado na modalidade de 'transportar' substância entorpecente com destinação à venda (vide, JC 71/412/413).

10. Igualmente, sem sucesso, o pleito de diminuição das reprimendas para o mínimo legal.

O Dr. Juiz fixou a pena-base de Anderson de Oliveira em 05 (cinco) anos de reclusão, e pagamento de 70 (setenta) dias-multa, acima do mínimo legal, em face da sua culpabilidade em ato grau, os maus antecedentes (certidão de fi. 66) e a quantidade de maconha apreendida (57.040,Okg), nuança bem explicitada na r. sentença.

Não se olvida que o magistrado reconheceu, entre as circunstâncias judi­ciais desfavoráveis ao ~éu, a má conduta social ('pelo ato de traficar drogas') e a personalidade distorcida ('porque voltado à prática do comércio de entor­pecentes'), diretrizes inerentes ao crime de tráfico. Todavia as outras circuns­tâncias negativas supramencionadas, por si só, justificam o aumento de 02 (dois) anos na pena-base.

A propósito, este Tribunal tem entendido que a resposta ao crime, con­substanciada na imposição da pena, deve ser adequada à consecução dos próprios fins da reprimenda, quais sejam, a censura do delito e a tutela da sociedade contra a sua reiteração (. .. ), sendo possível a fixação da pena na etapa preliminar acima do mínimo legal, em decorrência do conjunto das circunstâncias judiciais fixadas no art. 59 do Cp, especialmente quando moti­vada na quantidade da droga, na gravidade da conduta do agente, e na sua predisposição ao cometimento de crimes c. .. )

Assim, não é possível reduzi-la.

Na segunda etapa, o aumento de 01 (um) ano, pela incidência da agra­vante da reincidência (art. 62, inciso I, do CP), também foi moderado, perfa­zendo, nesta fase, em 06 (seis) anos de reclusão.

Registre-se, nesse ponto, que, ao contrário do que pretende o recorrente, não houve dupla valoração de uma mesma circunstância (antecedentes e rein-

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cidência), tendo em vista que a agravante resultou da condenação anterior, conforme se infere a certidão de fls. 65, onde registra outro processo-crime, por violação ao art. 12, caput, da Lei n. 6.368/1976 e art. 10 da Lei n. 9.437/ 1997, com sentença transitada emjulgado.

Na terceira fase, o sentenciante reconheceu corretamente a causa espe­cial de aumento prevista no art. 18, inciso III, da Lei n. 6.368/1976, decorren­te do cometimento do delito de tráfico em associação eventual (= concurso), com o acréscimo de 1/3 (um terço), totalizando-a definitiva em 08 (oito) anos de reclusão e 90 (noventa) dias-multa, ante a ausência de causas modificado­ras. É de se ponderar que o cálculo correto seria 93 (noventa e três) dias­multa, mas esta Câmara está impedida de alterar, em recurso exclusivo da defesa.

Portanto, a expressiva quantidade de droga apreendida e a reiteração da conduta do réu no narcotráfico o torna um traficante de envergadura. Por isso, a reprimenda deve ser mantida no patamar em que foi ditado, para que se distinga o pequeno do grande transgressor dessa tipicidade.

Da mesma forma, não merece reparos a reprimenda imposta ao réu Neil Cleverson Conrado Ormay, pelo fato de ser primário e possuidor de bons ante­cedentes.

Na primeira etapa, como retro mencionado, embora o magistrado tenha reconhecido como circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu, a conduta social e a personalidade com caracteres inerentes ao crime de tráfico, justifi­cou o aumento da pena-base em 05 (cinco) anos, e pagamento de 70 (setenta) dias-multa, em virtude da culpabilidade em alto grau e a considerável quanti­dade de maconha apreendida (57.040,Okg), razão pela qual o acréscimo de 02 (dois) anos foi adequado.

Por isso, tem decidido o Supremo Tribunal Federal que 'a primariedade e os bons antecedentes do réu não bastam para justificar a imposição da pena em grau mínimo, se fica evidenciada a extrema gravidade da conduta delituo­sa (tráfico de grande quantidade de cocaina) e, conseqüentemente, a periculosi­dade do agente (art. 59 do Código Penal)' (HC n. 72.730-1, de São Paulo, Primeira Turma, Relator Ministro SydneySanches,j. 24.10.1995, DJ08.03.1996, p.6.214).

Na segunda fase, ausentes quaisquer agravantes e atenuantes.

Na terceira etapa, presente a causa de especial aumento de pena disposta no art. 18, UI, da Lei n. 6.368/1976, andou bem o magistrado ao operar o acréscimo da em 1/3 terço), tornando-a definitiva em 06

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

(seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão e pagamento de 90 (noventa) dias­multa, ante a inexistência de causas modificadoras. Destaca-se que o cálculo correto seria 93 (noventa e três) dias-multa, mas esta Câmara está impedida de alterar, em recurso exclusivo da defesa.

Diante da motivação lançada pelo ilustre magistrado, inconcebível falar em redução da pena para o mínimo legal, eis que acertado o critério que o levou a exasperar o padrão da reprimenda, no patamar estabelecido.

( ... )

13. Diante do exposto, decidiu a Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer dos recursos e negar-lhes provimento." (Fls. 420/436)

E estes, os dispositivos a que se teria violado e dado interpretação divergente:

Constituição Federal

'M. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer nature­za, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a invio­labilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propri­edade, nos termos seguintes:

C .. )

LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;"

Código de Processo Penal

'fut. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante."

Código Penal

"Art. 14. Diz-se o crime:

C .. )

II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por cir­cunstâncias alheias à vontade do agente."

"Art. 17. Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime."

'fut. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

§ 1!l Se a participação for de menor importância, a pena pode ser dimi­nuída de um sexto a um terço."

"Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüên­

cias do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, confor­me seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:"

''Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

I - a reincidência;"

Lei n. 6.368/1976

''Art. 18. As penas dos crimes definidos nesta Lei serão aumentadas de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) :

( ... )

IH - se qualquer deles decorrer de associação ou visar menores de 21 (vinte e um) anos ou a quem tenha, por qualquer causa, diminuída ou suprimida a capacidade de discernimento ou de autodeterminação;"

Está o recorrente Anderson de Oliveira, em que, verbis:

"(. .. )

1. Da nulidade do Laudo Pericial - Da não-demonstração do potencial lesivo do material tido como tóxico - a questão da materialidade:

c. .. ) É de se anotar, em primeiro lugar, que os peritos afirmaram que a subs­

tância cannabis sativa lineu, pode causar (não quer dizer que a subs­tância analisada efetivamente cause) dependência física e/ou psíquica.

Não atestaram que aquele material analisado, efetivamente, fosse capaz de causar dependência física e/ou psíquica.

Em segundo lugar, não disseram que o material apreendido ainda conservava as características necessárias para causar a referida depen­

dência.

Disseram que a maconha (de forma genérica), pode causar depen­

dência, o que é muito diferente.

O que se precisa saber é se o material apreendido ainda é capaz de causar dependência ou se, por algum motivo, perdeu as qualidades que o

enquadravam como tóxico.

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

É que, ainda que se tenha encontrado no material apreendido a substância tetrahidrocanabinol, e ainda que se conclua que trata-se de maconha, se ele (o material apreendido) não for mais capaz de causar dependência (por ter sido exposto à umidade, ou envelhecido, por exem­plo), estará configurada a hipótese do artigo 17 do Código Penal Brasi­leiro, que trata do crime impossível.

c. .. ) Então, no caso vertente, está plenamente caracterizada a violação

à norma legal.

c .. ) Assim, o laudo deve ser considerado nulo e, conseqüentemente,

decretada a absolvição do Réu.

c .. ) 2. Da não-realização do tipo previsto no art. 18 da Lei Antitóxicos:

Paradoxalmente, o Acórdão atacado, mesmo reconhecendo a exis­tência de mera co-autoria, aplicou ao Recorrente (manteve a condena­ção), a pena do art. 18, III, da Lei Antitóxicos.

C .. )

É que no caso vertente, se condenação houver pelo transporte de material tóxico esta condenação não pode ser imputada ao Réu Ander­son, posto que é pacífico, ele não participou do transporte.

Então, se lhe fosse deduzida qualquer imputação esta somente po­deria ser na forma do § In do Código Penal, porque sua participação, se é que houve, foi de menor importância.

c .. ) Assim sendo, comprovado que esteja a violação ao dispositivo do §

In do art. 29 do Código Penal Brasileiro, é de se aplicar ao Réu Ander­son, esta disciplina e não a majorante do art. 18, IH, da Lei Antitóxicos.

No presente tópico, o T JSC negou vigência ao disposto no § In do art. 29 do Cp, eis que escancaradamente as condutas de ambos os réus são distintas e praticadas em diferentes graus de culpabilidade (se é que esta existe).

3. Da não-apreensão de material tóxico em poder de Anderson ~ da vio­lação ao princípio do in dubio pro reo - do e/TO de direito na valoração da prova:

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REVIS'D\ DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

( ... )

É que no caso presente, como já dito, nenhum material foi encon­trado com Anderson. O que há nos autos a lhe imputar a ligação com o

material apreendido é uma suposta informação de que o co-Réu teria dado aos policiais, informalmente, no momento da abordagem, sem que fosse cientificado de seus direitos constitucionais.

( ... )

Assim sendo, essa informação 'informal' trazida aos Autos pelos policiais não tem o condão de impor pecha de culpabilidade a Anderson.

O que se requer, portanto, é que seja revalorada a prova reconhe­cendo-se a sua insuficiência para lastrear um decreto condenatório.

( ... )

Assim, comprova-se violação, além de tudo, ao princípio do in dubio pro reo, que autoriza o conhecimento do Especial e seu final provimento.

( ... )

4. Da imputação da autoria do delito, ao Recorrente, em vista de mera

presunção de culpabilidade:

É de se alertar, de arrancada que, aqui, o TJSC promoveu uma verdadeira inversão na regra do ônus da prova, insculpida no art. 156 do Código de Processo Penal Brasileiro:

( ... )

No caso vertente, quer parecer que o único critério utilizado para

verificação da realização do tipo foi, efetivamente, a quantidade do material apreendido.

Contudo, não há qualquer outro elemento convincente, nos Autos, que leve a crer, tivesse Anderson, efetivamente conhecimento da existên­

cia da droga ou mesmo colaborado com Neil para que a mesma chegas­

se até seu destino.

( ... )

5. Sobre a necessidade de reconhecimento da absolvição em vista de que

o suposto material tóxico não teria chegado até Anderson e, sucessivamente,

dafigura tentada. Novamente, do erro de direito do TJSC:

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

Parte-se, aqui, novamente de fato notório e indiscutível, sobre o qual, também não se pretende que o STJ altere a base empírica: o Acusa­do Anderson não teve acesso ao material apreendido.

( ... )

Nesta situação como o veículo foi interceptado pelos policiais, sem a possibilidade sequer do material ter sido retirado do veículo, é evidente que estaria perfeitamente caracterizada a tentativa.

É que se crime houvesse, este não teria se consumado por fatores alheios à vontade do agente.

(. .. )

Por este motivo, em primeiro lugar, requer-se a absolvição e, suces­sivamente, a reforma do Acórdão, para reconhecer a tentativa.

(. .. )

6. Do m-o de direito na dosimetria da pena - Da impossibilidade de se

considerar a reincidência como causa especial de aumento de pena e como causa para fixar a pena acima do mínimo legal.

(. .. )

Assim sendo, ainda que se procure ocultar, é fato que a reincidência C'pelo ato de traficar drogas') foi considerado duplamente, tanto na primeira fase, quanto na segunda.

Aquilo que o acórdão chama de má conduta social e de personalidade

distorcida, revela, nada mais, nada menos do que a reiteração de uma condu­ta, o que, data venia, é a mesma coisa que a reincidência.

É que não se pode admitir, por completamente ilógico, que os próprios elementos do tipo, sejam considerados, também, circunstâncias judiciais que autorizem o aumento da pena-base.

(. .. )

Houve, de outro norte, violação clara ao previsto nos arts. 59 e 61, am­

bos do Código Penal Brasileiro:

(. .. )

7. Da impossibilidade de se admitir, no processo, das provas obtidas por meios ilícitos:

No caso vertente, novo erro de direito do TJSC: foi admitida como verdadeira, e como fonte de prova, inclusive citada literalmente no acór-

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

dão, uma suposta declaração prestada por um dos co-réus (no caso, Neil), no momento de sua abordagem pela polícia, sem qualquer forma­lidade legal, imputando ao Réu Anderson a propriedade do material apreendido.

Dita declaração, contudo, como dito na apelação não se coaduna com os dispositivos legais vigentes para a espécie.

(. .. )

Esta 'conversa', entretanto, não tem o condão de transformar-se em uma 'confissão', como quer o juízo.

De fato, a única informação que poderia ligar o Réu que ora se defende a um possível tráfico de drogas é a indicação que os policiais trazem no sentido de que 'Neil teria dito, em conversa informal, que a droga estava trazendo para Anderson'.

Entretanto, tal informação não pode ser tomada como uma confis­são, já que não foi prestada nem no flagrante e nem confirmada emjuízo.

c. .. ) Assim sendo, não tendo sido os Réus, no momento da apreensão,

advertidos de que poderiam permanecer calados, com violação do inciso LXIII do art. 5D. da CF, as eventuais declarações que prestaram não po­dem ser tomadas como fonte de prova no presente processo.

( ... )

Veja-se que, em sendo assim, a suposta 'confissão' do co-réu, sequer pode ser considerada como extrajudicial, já que foi colhida irregular­mente.

Ademais, ainda que se considerasse como válida a 'confissão', como quer o Acórdão, ainda assim a simples delação não pode ser con­siderada como fonte de prova, ( ... )" (fls. 439/462).

Aduz o réu Neil Cleverson Comado Ormay, por sua vez, que verbis:

vel:

"(. .. )

I - Da não-comprovação da materialidade do delito - do crime impossí-

(. .. )

É de se anotar, em primeiro lugar, que os peritos afirmaram que a subs­tância cannabis sativa lineu, pode causar (não quer dizer que a subs­tância analisada efetivamente cause) dependência física e/ou psíquica.

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

Não atestaram que a droga analisada, efetivamente causa depen­dência física ej ou psíquica.

Em segundo lugar, não disseram que a droga apreendida ainda conservava as características necessárias para causar a referida depen­dência.

Disseram que a maconha (de forma genérica), pode causar depen­dência, o que é muito diferente.

O que se precisa saber é se o material apreendido ainda é capaz de causar dependência ou se, por algum motivo, perdeu as qualidades que o enquadravam como tóxico.

É que, ainda que se tenha encontrado no material apreendido a substância tetrahidrocanabinol, e ainda que se conclua que trata-se de maconha, se ele (o material apreendido) não for mais capaz de causar dependência (por ter sido exposto à umidade, ou envelhecido, por exem­plo), estará configurada a hipótese do artigo 17 do Código Penal Brasi­leiro, que trata do crime impossível.

( ... )

Então, no caso vertente, está plenamente caracterizada a violação à norma legal.

(. .. )

Assim, o laudo deve ser considerado nulo e, conseqüentemente, decretada a absolvição do Réu.

( ... )

2. Da não-realização do tipo previsto no art. 18 da lei antitóxicos:

Paradoxalmente, o acórdão atacado, mesmo reconhecendo a exis­tência de mera co-autoria, aplicou ao Recorrente (manteve a condena-ção), a pena do art. 18, da Lei Antitóxicos.

(. .. )

É que no caso vertente, o Recorrente nega a ciência da existência e do transporte de material tóxico.

Então, se lhe fosse deduzida qualquer imputação esta somente po­deria ser na forma do § 1 Jl do art. 29 do Código Penal, porque sua parti­cipação, se é que houve, foi de menor importância.

(. .. )

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Assim, caso não seja o Réu absolvido, e mantida a condenação, torna-se imperativo o afastamento da majorante de pena insculpida no artigo 18, III, da Lei n. 6.368/1976, e de outro norte, deve ser reconheci­da a incidência do § lU do art. 29 do CPB, ou seja, a participação de menor importância, com apenação na medida da culpabilidade do ora Recorrente.

3. Da imputação da autoria do delito, em vista de presunção de culpabi­lidade:

c. .. ) No caso vertente, quer parecer que o único critério utilizado para

verificação da realização do tipo foi, efetivamente, a quantidade do material apreendido.

Contudo, não há qualquer outro elemento convincente, nos Autos, que leve a crer, tivesse Neil, efetivamente conhecimento da existência da droga ou mesmo de a estar transportando.

c. .. ) 4. Sobre a necessidade de reconhecimento da absolvição em vista do

não-conhecimento/ciência do réu, de estar transportando o suposto material tóxico e, sucessivamente, da figura tentada em vista do não-preenchimento do iter criminis:

c.·.)

Então, se é que os fatos ocorreram da forma que a polícia relatou, de que estivesse acompanhando os passos de Anderson, e que acompa­nhou todo o drama do conserto do veículo Fiat/Prêmio, onde o material estaria acondicionado, é fato que a 'mercadoria' não chegou a seu desti­no, posto que a polícia estava ali e impediu que o fato ocorresse Cad argumentandum tantum).

(. .. )

Neste caso, então, quando o veículo ainda seguia viagem, quando Anderson seguia à frente, sem ter se cogitado e ou verificada a existência de qualquer material proibido, houve a abordagem policial que impe­diu, se houvesse, a entrega/apossamento do material tóxico.

Por este motivo, em primeiro lugar, requer-se a absolvição e, suces­sivamente, a reforma do Acórdão, para reconhecer a tentativa.

Toda a matéria é de direito e autoriza o conhecimento do Especial.

Page 107: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

JURISPRUDÊNCIA DA SEXD\ TURMA

5. Da dosimetria da pena - da não-consideração de ser o réu primário e possuidor de bons antecedentes, além da impossibilidade de se majorar ex­cessivamente a pena-base tão-somente pela quantidade apreendida.

tos:

c .. ) Conforme restou provado e comprovado nos autos, o Réu Neil é

primário e de bons antecedentes.

A excessiva majoração da pena-base, se deu tão-somente em fun­ção da quantidade apreendida.

Ocorre que, a pena-base foi aumentada em 66% acima da mínima estabelecida, tão-somente pela quantidade.

Porém, ao contrário do que sustenta o acórdão guerreado, a quan­tidade apreendida por si só, não autoriza a majoração da pena-base, máxime quando o réu é primário e de bons antecedentes.

c .. ) Assim, tem-se que houve violação clara ao previsto no art. 59 do

Código Penal Brasileiro: C .. )

6. da inadmissibilidade no processo, das provas obtidas por meios ilíci-

No caso vertente, foi admitida como verdadeira uma suposta decla­ração prestada por um dos co-réus (no caso, Neil), no momento de sua abordagem pela polícia, sem qualquer formalidade legal, imputando ao Réu Anderson a propriedade do material apreendido.

Dita declaração, contudo, como dito na apelação não se coaduna com os dispositivos legais vigentes para a espécie.

C .. )

Esta 'conversa', entretanto, não tem o condão de transformar-se em uma 'confissão', como quer o juízo, máxima quando se leva em conside­ração que o Réu Neil sempre negou a ciência da existência e transporte do material proibido.

C·.)

Assim sendo, não tendo sido os Réus, no momento da apreensão, advertidos de que poderiam permanecer calados, com violação do inciso LXIII do art. 5° da CF, as eventuais declarações que prestaram não po­dem ser tomadas como fonte de prova no presente processo.

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Page 108: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

c. .. ) Veja-se que,. em sendo assim, a suposta 'confissão' do co-réu, se­

quer pode ser considerada como extrajudicial, já que foi colhida irregu­larmente.

Ademais, ainda que se considerasse como válida a 'confissão', como quer o Acórdão, ainda assim a simples delação não pode ser con­siderada como fonte de prova, c. .. )" (fls. 481/496).

Pugna, assim, o primeiro recorrente no seguinte sentido:

"( ... )

a) Anular-se o Laudo Pericial, porque não demonstra a materialidade do delito;

b) Reconhecer-se a não-realização do tipo do art. 18, UI, da Lei Antitóxi­cos e a negativa de vigência ao § 1.0. do art. 29 do Código Penal;

c) Considera-se a existência de erro de direito e a possibilidade da absol­vição de Anderson em vista de que não se contemplou a figura do tipo do art. 12 da Lei Antitóxicos, ou, sucessivamente, considerar apenas o crime como tentado;

d) Admitir-se como impossível a condenação por mera presunção;

e) No caso da dosimetria da pena, reconhecer-se a necessidade de fixar a pena-base no mínimo legal, tendo em vista a dupla incidência da circunstân­cia da reincidência, ocasionada por erro de direito do TJSC;

f) Considerar como ilícita e impossível de ser considerada como prova a 'confissão' extrajudicial do co-réu Neíl, corrigindo-se o erro de direito do TJSC, que lhe atribuiu validade;

c. .. )" (fls. 464/465).

Requer, o segundo recorrente, ao seu turno, que, verbis:

"( ... )

a) Anular-se o Laudo Pericial, porque inconclusivo;

b) Reconhecer-se a não-realização do tipo do art. 18, III, da Lei Antitóxicos;

c) Considera-se a possibilidade da absolvição de Neil em vista do desco­nhecimento e/ou ausência de ciência de transportar material proibido, de forma que não se completou a figura do tipo do art. 12 da Lei Antitóxicos, ou, sucessivamente, considerar apenas o crime como tentado, e/ou reconhecimen­to de participação de menor importância (art. 29, § 1.0., do CPB);

Page 109: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

JURISPRUDÊNCIA DA SEX'D\ TURMA

d) Admitir-se como impossível a condenação por mera presunção;

e) No caso da dosimetria da pena, aplicar-lhe a pena-base no mínimo legal e, sucessivamente, pena-base aquém da então fixada;

f) Considerar como ilícita e impossível de ser considerada como prova a 'confissão' extrajudicial de Neil.

c. .. )" (fl. 498).

Conheço apenas em parte dos presentes recursos especiais.

De início, apontam os recorrentes negativa de vigência ao artigo Sll, inciso LXIII, da Constituição Federal, ao entendimento de que "C .. ) não tendo sido os Réus, no momento da apreensão, advertidos de que poderiam permanecer calados, com violação do inciso LXIII do art. Sll da CF, as eventuais declarações que presta­ram não podem ser tomadas como fonte de prova no presente processo."

É esta, contudo, a letra do auto de prisão em flagrante, verbis:

"( ... )

Que, devido a tais fatos foi dado voz de prisão a Anderson e Neil; Que Neil indicou que a droga estava no tanque, e também num compartimento falso no porta-malas, tendo também afirmado que testava trazendo a droga para Anderson; Que inicialmente os mesmos afirmaram se desconhecerem, e após a prisão em flagrante, os mesmos disseram que só falariam em juízo, silenciando-se. Diante de tais fatos, os mesmos foram encaminhados para a Delegacia, juntamente com o veículo e a droga apreendida para o procedi­mento de praxe. C .. )" (fl. 7 - nossos os grifos).

E, ainda, do acórdão recorrido:

"C .. )

7. Concernente à alegação de nulidade do flagrante, porquanto, ao con­trário do que afirmam as defesas, no momento de suas declarações, na fase policial, foram garantidos seus direitos constitucionais, não apenas o de per­manecerem calados, a assistência da família e de advogado, como o respeito à integridade física (fls. 09/10). Tanto que ambos dispuseram do seu direito constitucional de prestar esclarecimentos somente em Juízo, não havendo que falar em violação aos seus direitos constitucionais.

C .. )

No momento da prisão, Neil indicou que parte da droga estava no tan­que e a outra no compartimento falso do porta-malas, dizendo, também, que estava trazendo entorpecentes para Anderson, de Ponta Porã - MS. No mais,

- 1629

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REVIS'D\ DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

falaram que se manifestariam somente em juízo, reservando-se o direito de permanecerem calados.

( ... )" (fls. 423/425 - nossos os grifos).

Não há se falar, assim, a nosso ver, em violação qualquer de dispositivos constitucionais se o criminoso, surpreendido na prática do crime, faz indicação espontânea de onde se encontrava o restante do material e a quem se destinava, por força mesmo da evidência dos fatos, reservando-se, quanto ao mais, a oferecer declarações emjuízo.

De qualquer modo, cumpre observar que a apreciação de violação de dispositi­vos constitucionais, especialmente no que se refere à apontada violação ao inciso LXIII do art. 5.0 da Constituição da República, é matéria estranha ao âmbito de cabi­mento do recurso especial (arts. 102, inciso III, e 105, inciso IH, da Constituição Federal), constituindo-se, inclusive, em matéria objeto de recurso extraordinário.

Com relação, especificamente, ao pedido do réu Anderson de Oliveira no sen­tido de que seja "revalorada a prova, reconhecendo-se a sua insuficiência para lastrear um decreto condenatório", improcede a pretensão, viabilizada unicamente pela alínea c do permissivo constitucional.

É que, por certo, o recurso especial fundamentado no permissivo constitucio­nal da alínea c requisita, em qualquer caso, tenham os acórdãos - recorrido e paradigma - examinado a questão sob o enfoque do mesmo dispositivo de Lei Federal.

Nesse passo, tem-se que a ausência de particularização do dispositivo de Lei Federal a que os acórdãos - recorrido e paradigma - teriam dado interpretação discrepante consubstancia deficiência bastante, com sede própria nas razões recur­sais, a inviabilizar a abertura da instância especial, atraindo, como atrai, a inci­dência do Enunciado n. 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, verbis:

"É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia."

Outro não é, acrescente-se, o posicionamento deste Superior Tribunal de Jus­tiça, valendo, a propósito, conferir o seguinte precedente:

''Agravo regimental no agravo de instrumento. Ausência de dissídio juris­prudencial. Desprovimento.

1. Inexiste divergência jurisprudencial entre acórdão que trata de preclu­são da matéria relativa aos cálculos apresentados pela agravada, porque o Instituto não se opôs às informações prestadas pelo Contador na oportunidade que lhe foi concedida (impugnado) e outros que decidiram que a falta de

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

impugnação aos cálculos de liquidação não implica renúncia ao direito de apelar da sentença que os homologou (paradigmas).

2. A falta de particularização do dispositivo de Lei Federal a que os acórdãos - recomdo e paradigma - tenham dado interpretação discrepante constitui óbice ao exame do recurso especial fundado no permissivo constitu­cional da alínea c. Inteligência do Enunciado n. 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.

. 3. Agravo regimental improvido." (AgRg n. 352.487-Sp, da minha relato­ria, in DJ 10.09.2001- nossos os grifos).

Observe-se, ainda, que, por força legal, a divergência jurisprudencial, auto­rizativa do recurso especial interposto, com fundamento na alínea c do inciso UI do art. 105 da Constituição Federal, requisita comprovação e demonstração, esta, em qualquer caso, com a transcrição dos trechos dos· acórdãos que configurem o dissÍ­dio, mencionando-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, não se oferecendo, como bastante, a simples transcrição de ementas ou votos.

In casu, a divergência jurisprudencial não foi demonstrada de acordo com a lei processual e o Regimento Interno deste Superior Tribunal de Justiça, eis que o recorrente não cuidou de trazer trechos dos acórdãos tidos como paradigmas para confronto analítico, limitando-se a elencar ementas, restringindo-se, assim, à afir­mação de que há divergência jurisprudencial, que, como dito, efetivamente não comprovou como lhe incumbia, inviabilizando assim o seguimento do recurso.

Com efeito, a lei estabelece pressupostos ou requisitos para a admissibilidade do recurso e, portanto, cabe à parte formulá-lo em estrito cumprimento à lei, não se constituindo tais exigências em formalismo exacerbado.

Este, o entendimento sufragado no âmbito desta Corte Superior de Justiça, valendo, a propósito, conferir os seguintes precedentes da egrégia Corte Especial:

'~gravo regimental contra decisão que negou seguimento a embargos de divergência. Ausência de demonstração analítica do dissídio invocado. Omis­são alegada quanto à não-apreciação de aresto paradigma que deve ser afas­tada. Manutenção do decisum agravado.

1. A divergência jurisprudencial invocada deve ser demonstrada nos moldes da orientação preconizada pelo art. 266, § 111, em harmonia com o art. 255 e §§, todos do RIST J, visto que estes exigem o cotejo analítico das teses dissidentes,não se aperfeiçoando pela simples transcrição de ementas semelhantes à hipótese dos autos.

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Page 112: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2. Inocorrência de omissão quanto à análise do REsp n. 3.346-0-PR, apresentado para confronto, eis que foi explicitamente referido pelo Relator.

3. Agravo regimental improvido." (AgRg no EREsp n. 147.833-DF, Relator

Ministro José Delgado, Corte Especial, in DJ 17.12.1999)

"Processual Civil. Embargos de divergência. Dissidência incomprovada. Ausência de prequestionamento.

1. Simples transcrição de ementas é insuficiente à comprovação da

divergência,que impõe a demonstração analítica da diversidade de entendi­

mento.

2. O acórdão regional não apreciou a questão à luz dos dispositivos

legais apontados pela embargante, impossibilitando o confronto das teses en­frentadas nos julgados cujas matérias fático-jurídicas não se assemelham.

3. Embargos de divergência não conhecidos." (EREsp n. 88.558-PE, Rela­tor Ministro Francisco Peçanha Martins, in DJ 13.12.1999)

De qualquer modo, ainda que se o admitisse, inadmissível a pretensão, uma

vez que a aferição da suficiência das provas existentes no processo, para fins de fundamentar a condenação, implica, necessariamente, o reexame do acervo fático­

probatório dos autos, vedado pela letra do Enunciado n. 7 da Súmula deste Superi­or Tribunal de Justiça, verbis:

"A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial."

A propósito, os seguintes precedentes jurisprudenciais:

"Recurso especial. Penal. Apropriação indébita. Pedido de absolvição.

Reexame de prova. Incidência da Súmula n. 7-STJ.

'O acolhimento da tese da defensora, de ofensa ao art. 386, III, do

CPP - com o objetivo de se avaliar sobre a suficiência, ou não, das provas que levaram o Tribunal a quo a confirmar a condenação do

recorrente -, encontra óbice na Súmula n. 7 desse egrégio STJ, por

implicar revolvimento do conjunto probatório, o que é vedado na via

especiaL'

Recurso não conhecido." (REsp n. 472.075-Sp, Relator Ministro

José Arnaldo da Fonseca, in DJ 24.03.2003)

'1\gravo regimental em agravo de instrumento. Penal. Denunciação calu­

niosa. Ausência de dolo direto e inexistência de provas acerca da autoria e

materialidade do delito. Súmula n. 7-STJ.

Page 113: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

1. Pretendendo a desconstituição de sua condenação por crime de denun­ciação caluniosa, sob a alegação de ausência de dolo direto, atipicidade obje­tiva do crime e inexistência de provas da autoria e materialidade do delito, é de se reconhecer a incidência do enunciado da Súmula n. 7 desta Corte Supe­rior de Justiça, verbis: 'A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.'

2. Ter-se como não ocorrido fato que a Corte Estadual entendeu suficien­temente demonstrado para a condenação, constitui questão estranha ao âmbi­to de cabimento do recurso especial, por demandar reapreciação do acervo fático-probatório dos autos.

3. Agravo regimental improvido." (AgRg no Ag n. 384.434-Sp' da minha Relatoria, inDJ 06.05.2002).

"Penal e Processo Penal- Crime de falsificação - Formação de quadri­lha e receptação - Alegação de ausência de provas - Súmula n. 7, do ST J -Dissídio inexistente.

- No tocante à alínea a do permissivo constitucional, observo que todo o debate gira em tomo de questões fáticas que dependem da análise de provas, não havendo como este Tribunal reexaminá-las em sede de especial (Súmula n. 7, desta Corte: 'a pretensão de simples reexame de prova não enseja o cabimento do recurso especial').

- Quanto ao cabimento do mesmo pela alínea c do art. 105, inciso IH, da Magna Carta, melhor sorte não assiste à recorrente. Esta Turma tem enten­dido, reiteradamente, que, a teor do art. 255 e parágrafo único do RlSTJ, para a configuração do dissídio jurisprudencial é necessário a menção e exposição das circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, bem como juntadas cópias integrais de tais julgados.

- No caso sub judice, a recorrente sequer apontou qualquer divergên­cia, limitando-se, tão-somente, a discorrer sobre a ausência de provas que ensejassem sua condenação.

- Recurso não conhecido." (REsp n. 274.772-RJ, Relator Ministro Jorge Scartezzini, in DJ 28.05.2001)

Da mesma forma, não merecem conhecimento as insurgências quanto ao ar­gumento de que as condenações se deram "por mera presunção de culpabilidade".

Ao que se tem, ambos os recorrentes sustentam que "(. .. ) o único critério utilizado para verificação da realização do tipo foi, efetivamente, a quantidade do material apreendido."

RSTJ, a. 18, (197): 521-646, janeiro 2006

Page 114: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Lê-se, contudo, no acórdão impugnado que "C .. ) os elementos de prova (droga em grande quantidade, depoimentos de policiais e circunstâncias do crime, um deles conhecido como traficante no meio policial e reincidente por delito de tráfico) levam à certeza moral de que estavam envolvidos no tráfico ilícito de entorpecentes".

E, ainda, que "C .. ) Diante desse quadro probatório, não se sustenta a alegação de fragilidade ou insuficiência de prova que justifique a absolvição dos recorrentes. A condenação não está fundada única e exclusivamente em suposições e nos antece­dentes criminais de Anderson, mas, como visto, em diversos elementos de convicção (não só produzidos na fase policial como em sua maioria em juízo) e que, sopesa­dos e valorados, implicam na mantença do decreto condenatório."

Como se vê, é bem certo que, para além da quantidade de droga apreendida, fundou-se, também, o acórdão recorrido em outros elementos de prova.

Trata-se de fundamentos alternativos, bastante cada qual para sustentar o decisum impugnado, que, por isso, devem se constituir em objeto da impugnação recursaL

Incide, na espécie, em conseqüência, o Enunciado n. 283 da Súmula do Supre­mo Tribunal Federal, verbis:

"É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles."

Neste sentido:

"Processual Penal. Recurso especial. Crime contra os costumes. Legitimi­dade do Parquet.

Não se conhece do recurso especial quando o v. acórdão recorrido apre­senta fundamento suficiente não impugnado (Súmula n. 283-STF).

Recurso não conhecido." (REsp n. 299.096-GO, Relator Ministro Felix Fischer, in DJ 10..09.2003)

"Recursos especiais. Processo Penal. Recurso do assistente da acusação com objeto idêntico ao do Parquet Estadual. Não-conhecimento, por ausente a supletividade que lhe é inerente. Homicídio qualificado. Exclusão de qualifi­cadora na sentença de pronúncia. Fundamento não impugnado. Súmula n. 283 do Supremo Tribunal Federal. Limites do judicium accusationis. Viola­ção. Ocorrência.

1. É também de natureza supletiva a impugnação recursal extraordiná­ria do assistente de acusação, somente admissível quando não haja impugna-

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTh TURMA

ção do Estado ou, em havendo, não sejam idênticas as questões federais susci­tadas.

2. 'É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos

eles.' (Súmula do STF, Enunciado n. 283)

3. A motivação da pronúncia, ao que se tem, é condição de sua validade e, não, vício que lhe suprima a eficácia, limitando-a, contudo, em intensão e extensão, a sua natureza específica de juízo de admissibilidade da acusação perante o Tribunal do Júri. É que, versando sobre o mesmo fato-crime e sobre o mesmo homem-autor, nos processos do júri, o judicium accusationis tem por objeto a admissibilidade da acusação perante o Tribunal Popular e o judicium causae o julgamento dessa acusação por esse Tribunal Popular, do que resulta caracterizar o excesso judicial na pronúncia, usurpação da competência do Tribunal do Júri, a quem compete, constitucionalmente, jul­gar os crimes dolosos contra a vida (Constituição da República, art. Sfi, inciso XXXVIII, alínea d).

A observância, portanto, dos limites da pronúncia pelo magistrado, en­quanto juízo de admissibilidade da acusação perante o Tribunal do Júri, é elemento da condição de validade da pronúncia que se substancia na sua motivação.

4. A violação manifesta do judicium accusationis, em caso de im­pronúncia ou despronúncia, porque são decisões terminativas, caracteriza re­matada violação dos arts. 74, § 1 fi, e 408 do Código de Processo Penal.

5. Recurso especial do assistente de acusação não conhecido. Recurso especial do Ministério Público do Estado do Pará conhecido parcialmente e provido." (REsp n. 240A03-PA, da minha Relatoria, in DJ 19.05.2003 - nos­sos os grifos)

"Recurso especial. Alíneas a e c do permissivo constitucionaL Furto quali­ficado. Estelionato e quadrilha. Prescrição retroativa. Súmula n. 283-STI

Consumada a prescrição da pretensão punitiva em relação aos crimes de quadrilha e estelionato, visto que decorridos mais de quatro anos desde a publicação da sentença que condenou os réus à pena de um ano e um mês e um ano e seis meses de reclusão, respectivamente, urge seja preliminarmente declarada extinta a punibilidade, restando prejudicado o recurso especial (STF-REsp n. lO.187-MG - Sexta Turma - Relator Ministro Costa Leite­RTJ 679/414) em tal segmento.

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Se dois foram os fundamentos invocados pelo acórdão para absolver os réus do crime de furto qualificado - insuficiência probatória e falta de descri­

ção na denúncia da única conduta criminosa que restou provida e o segundo

fundamento, suficiente à manutenção do decisum, não foi impugnado pelo

recon'ente, está a incidir na espécie o verbete da Súmula n. 283-STF a impedir

o conhecimento do apelo.

Não conheço do recurso em relação ao furto qualificado, e declaro extin­ta a punibilidade, pela prescrição da pretensão punitiva, julgando-se prejudi­cado o apelo em relação aos crimes de estelionato e quadrilha," (REsp n. 302.702-Sp, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, in DJ 04.02.2002 -nossos os grifos)

Anote-se, ainda, o entendimento de respeitável doutrina:

"Daí não é viável a admissão de tais recursos quando o julgado recorri­do, para chegar à conclusão que motiva a impugnação, tenha por base vários fundamentos e um deles fique irrecorrido, como sinaliza a Súmula n, 283 do STF: C ... ) Nessa situação, haverá falta de interesse em recorrer, diante da absoluta inutilidade do recurso, uma vez que, mesmo aderindo à tese jurídica sustentada pelo recorrente, não poderão o STF ou o STJ dar à causa solução diversa, porquanto uma das premissas da conclusão não podia ser conhecida na via extraordinária ou especiaL" CAda Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance, in "Recursos no Processo Penal", ed. Revista dos Tribunais, 2001, pp. 285/286).

Por igual, faz-se estranha ao acórdão impugnado a questão do crime impossí­

vel, eis que a decisão no sentido de que o laudo bem demonstra a natureza entorpe­cente do material apreendido nada tem a ver com a inidoneldade de meio ou a impropriedade de objetos, insulando-se nos próprios da suficiência da prova:

Registre-se, contudo, que para além de não ter a Corte local analisado a ques­tão acerca do reconhecimento do crime impossível, atraindo, assim, à espécie, os óbices das Súmulas ns. 282 e 356 do excelso Supremo Tribunal Federal, não have­ria como prosperar a pretensão recursal com relação à nulidade do referido laudo, vez que, quando do julgamento da apelação interposta, reconheceu expressamente o acórdão recorrido, com acerto, a nosso ver, a potencialidade da substância apre­endida causar dependência, verbis:

"C .. )

3. Igualmente, inocorrente a nulidade do laudo pericial definitivo por ausência de conclusão quanto à toxidade da droga, uma vez que os peritos

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

concluíram que o material apreendido trata-se da erva conhecida como maco­nha, que teve resultado positivo quanto à potencialidade de causar dependên­cia física e/ou psíquica (fl. 92).

Por estes motivos, não há qualquer nulidade nos laudos periciais apre­sentados, restando certa e inquestionável a materialidade do tráfico imputado aos apelantes." (FI. 421)

E, com efeito, neste sentido a conclusão dos peritos criminais, ao se extrai do laudo pericial de fls. 90/93, verbis:

"C .. )

IH - Dos exames:

A substância vegeta examinada apresenta características macros­cópicas da Cannabis sativa Linneu (maconha), tendo sido analisa­da quimicamente com base no seguinte conjunto de exames.

1. cromatografia em camada delgada;

2. teste com reativo de Duquenois-Levine modificado;

3. teste com 'Fasta BIue Salta B' em meio aquoso alcalino.

Os testes químicos resultaram positivos para Cannabis sativa Linneu (maconha), confirmando a presença, na erva examinada, dos princípios ativos responsáveis pelos efeitos psicotrópicos no homem.

IV - Das respostas aos quesitos:

c. .. ) Ao 02 e 04 - Sim, a Canabis sativa Linneu (maconha) examina­

da está enquadrada na lista de plantas que podem originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas, sendo capaz de causar dependênciafísi­ca ou psíquica, estando seu uso proscrito em todo o Território Nacional, de acordo com as seguintes publicações oficiais: Portaria n. 344 da Se­cretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, de 12.05.1998, republicada no DOU 1 íl.02.1999; Resolução n. 22 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, de 15.02.2001."

Assim definido o âmbito do conhecimento dos recursos especiais, não há falar em violação do artigo 14, inciso II, do Código Penal, por só caracterizada a tentativa.

É este, com efeito, o inteiro teor do art. 12 da Lei n. 6.368/1976:

':Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, ad­quirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente,

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ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo, substância entorpecente ou que de­termine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Pena - Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa".

Como se vê, o crime de tráfico de entorpecentes compreende dezoito ações identificadas pelos diversos verbos ou núcleos do tipo, em face do que tal delito se consuma com a prática de qualquer das ações que compreendem o tipo penal, eis que de perigo abstrato e de ação múltipla.

Extrai-se do acórdão recorrido, no particular:

"C .. )

9. Respeitante ao almejado reconhecimento da tentativa, sob o argumen­to de que o crime não se consumou, melhor sorte não socorre aos recorrentes.

Não obstante entendimentos divergentes, ajurisprudência predominante não admite a tentativa em crime de narcotráfico, considerado permanente, bastando o início da execução para configurar o crime consumado. Ora, as figuras delituosas previstas nas condutas relacionadas no art. 12 consumam­se com a prática de qualquer uma das ações nele previstas. No caso em análi­se, o crime já estava consumado na modalidade de 'transportar' substância entorpecente com destinação à venda C .. )" (fl. 432 - nossos os grifos).

In casu, tendo o acórdão recorrido confirmado a prática de outras condutas que estão tipificadas na norma penal, consumou-se o delito sob outra forma, qual seja, "transportar" a substância entorpecente, conduta esta que independe do resul­tado, não havendo falar, portanto, em crime de tráfíco de entorpecentes na sua forma tentada.

Neste sentido, os seguintes precedentes:

"Conflito de competência. Processual Penal. Tráfico internacional de substância entorpecente. Remessa pela via postal. Consumação. Apreensão alfandegária. Aplicação do art. 70 do CPP.

1. O disposto no art. 12 da Lei n. 6.368/1976 tipifica dezoito ações identificadas por diversos verbos ou núcleos do tipo, sendo que o delito se consuma com a prática de qualquer das condutas elencadas, por se tratar de crime de perigo abstrato e de ação múltipla.

2. Na hipótese vertente, restou caracterizada a conduta de remeter coca­ína para o exterior, podendo ser enquadrada na modalidade remeter ou ex-

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

portar, conforme análise do juízo competente. Não há falar em tentativa, mas em consumação do crime de tráfico, pois houve a completa realização do ato de execução com a remessa da droga. Ressalte-se ser desnecessária para a consumação do crime que a substância entorpecente enviada chegue ao seu destinatário, o que configuraria mero exaurimento do delito. Aplicação do art. 70 do Código de Processo Penal.

3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da Vara Criminal de Porto Alegre-RS, ora suscitante." (CC n. 41.775-RS, Relatora Mi­nistra Laurita Vaz, in DJ 14.06.2004)

"REsp - Tráfito de entorpecente - Trazer consigo e transportar - Dolo genérico - Forma tentada - Não-configuração.

- O tipo do art. 12 da Lei n. 6.368/1976, mormente nas formas 'trazer consigo' ou 'transportar' é congruente, bastando o dolo genérico e prescindin­do de qualquer outro elemento subjetivo diverso do animus de traficar para que se configure o delito em questão.

- O agente que, chamado para transportar droga, coloca-a no veículo e é logo após abordado por policiais, consumou o crime de tráfico de entorpe­centes.

- Recurso provido para reformar parcialmente o acórdão recorrido, excluindo-se do cálculo da pena a redução decorrente do reconhecimento da forma tentada." (REsp n. 142.971-GO, Relator Ministro Jorge Scartezzini, in DJ 25.10.1999)

"Recurso especial. Penal. Tráfico de entorpecentes. Forma tentada. Crime de ação múltipla. Consumação sob outras formas.

1. O crime do art. 12 da Lei de Tóxicos é de natureza mista alternativa, aperfeiçoando-se com a prática de qualquer das ações insertas no seu tipo.

2. Recurso conhecido e provido." (REsp n. 177.114-Sp' da minha Relato­ria, in DJ 20.10.2003)

"Penal. Entorpecente. Tráfico internacional. Consumação.

Réu preso na zona de fiscalização aduaneira brasileira, transportando grande quantidade de tóxicos.

Crime de ação múltipla que já se havia consumado na forma de trans­portar e trazer consigo, pois a conduta praticada contém todos os elementos do tipo em exame (art. 14, I, do CP).

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Recurso conhecido e provido para cassar o acórdão recorrido e restabe­lecer a sentença de primeiro grau." (REsp n. 36.580-PR, Relator Ministro Assis

Toledo, in DJ 04.10.1993)

Quanto ao pedido de reconhecimento de participação de menor importância, estão ambos os recorrentes em que indevido o reconhecimento da causa de aumento

de pena prevista no art. 18, inciso IlI, da Lei n. 6.368/1976.

Esta, com efeito, a letra do dispositivo supracitado:

'M. 18. As penas dos crimes definidos nesta Lei serão aumentadas de um

terço a dois terços:

c .. ) IH - se qualquer deles decorrer de associação ou visar menores de

21 (vinte e um) anos ou a quem tenha, por qualquer causa, diminuída ou

suprimida a capacidade de discernimento ou de autodeterminação."

Ao que se tem, reconheceu a Corte Estadual expressamente a prática da trafi­

cância, aduzindo, para tanto, que "C .. ) embora o cor-réu Anderson não estivesse no veículo com Neil, prestou auxI1io e incentivo à perpetração do tráfico (quando o acompanhou no outro automóvel) e continuou colaborando, ao dar apoio para

consertar o carro por ele conduzido, quando este apresentou o primeiro problema, cumprindo relevante papel na operação criminosa. Afinal, era ele o destinatário da

droga." Afirmou, ainda, que "(. .. ) estando plenamente comprovado que os acusa­

dos tinham em seu poder substância entorpecente para o fim de comercialização, e evidenciada a divisão de tarefas, reconhece-se, no caso, o caráter eventual ou não

permanente, de que fala o inciso IH do art. 18 da Lei n. 6.368/1976, (. .. )".

Com efeito, a associação prevista no inciso UI do art. 18 da Lei n. 6.368/1976,

está por concurso de agentes, assim como no inciso IV do § 411 do art. 155 do Código

Penal, não exigindo a sua caracterização qualquer ânimo duradouro, mas apenas o nexo subjetivo que esteja a unir os agentes na realização do ilícito.

Como no verbo de Vicente Greco Filho ("Tóxicos", p. 126, 6a ed., Saraiva,

São Paulo, 1989):

"(. .. ) para a incidência do art. 14 (crime de associação), há necessidade

de um animus associativo, com intenção de permanência, ainda que o resul­

tado final da associação seja apenas um delito de nenhum; com tal animus ou sem ele, se, em determinado caso houver concurso de agentes, ocorrerá o

aumento de pena comentado (art. 18, inciso III, da Lei n. 6.368/1976)."

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

Outro não é, aliás, o entendimento já pacificado nesta Corte Superior de Jus­tiça, valendo, por oportuno, conferir os seguintes julgados:

"Habeas corpus. Penal. Tráfico ilícito de entorpecentes. Dosimetria da pena. Pena-base fixada acima do mínimo. Fundamentação suficiente. Art. 59 do CP. Art. 18, inciso UI, da Lei n. 6.368/1976. Associação. Eventualidade. Majorante que deve ser aplicada. Alegação de indevida aplicação da majoran­te específica.

Não há falar em nulidade da sentença condenatória por ausência de fundamentação na fixação da reprimenda se o MM. Juiz sentenciante - aten­to às diretrizes do art. 59 do Código Penal - justificou satisfatoriamente a fixação da pena-base acima do mínimo legal.

Para incidir o art. 18, 111, da Lei Antitóxicos, basta haver o concurso eventual de agentes, não se exigindo que da associação participe menores ou incapazes, ou ainda que a droga se destine a eles. A societas criminis, prevista no art. 14 da Lei n. 6.368/1976, é caracterizada pela habitualidade. No art. 18, ressai a eventualidade de concurso de agentes.

Acórdão que observou fielmente os critérios previstos no artigo 59 do Cp, entendendo que a culpabilidade, as conseqüências e os motivos do crime (cir­cunstâncias desfavoráveis ao paciente) ensejavam a fixação da pena-base aci­ma do mínimo legal.

Ordem denegada." (HC n. 32.540-SC, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, in DJ 10.05.2004 - nossos os grifos)

"Recurso especial. Absolvição. Exasperação da pena-base. Súmula n. 7-

ST J. Art. 18, inciso III, da Lei n. 6.368/1976.

1. 'A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.' (Súmula do STJ, Enunciado n. 7).

2. 'Em se cuidando de tráfico de entorpecentes praticado por agentes em

concurso, caracteriza-se a causa de aumento inserta no inciso IH do art. 18 da Lei n. 6.368/1976.' (REsp n. 148.917-MG, da minha Relatoria, in DJ 27.09.1999)

3. Recurso improvido." (REsp n. 439.894-AC, da minha Relatoria, in DJ 19.12.2003)

"Penal. Habeas corpus. Art. 12 c.c. o art. 18, III, da Lei n. 6.368/1976. Majorante. Associação eventual demonstrada pelo Tribunal a quo. Reexame de provas. Impossibilidade. Ausência de participação de menor de vinte e um anos no delito. Irrelevância.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I - A majorante à qual se refere o art. 18, inciso III, da Lei n. 6.368/1976, se caracteriza por associação delituosa eventual, resultante de mera reunião ocasional de agentes em concurso (co-autoria ou participação).

II - O inciso III do art. 18 da Lei n. 6.368/1976, vislumbra hipóteses autônomas para a incidência da majorante - associação eventual ou ação delituosa que visa alcançar menores de vinte e um anos ou quem tenha, por qualquer causa, diminuída ou suprimida capacidade de discernimento ou de autodeterminação. Desta forma, a ausência de uma, desde que presente a outra, não é suficiente para obstar a incidência da majorante. (Precedentes).

IH - Ordem denegada." (HC n. 28.639-Sp, Relator Ministro Felix Fischer, inDJ 10.11.2003)

"Criminal. REsp. Tráfico de entorpecentes. Concurso eventual de agentes. Majorante do art. 18, inciso III, da Lei n. 6.368/1976. Incidência. Diferencia­ção da associação prevista no art. 14 da mesma lei. Inteligência da norma quanto ao seu direcionamento. Recurso conhecido e provido.

I - Demonstrado o concurso eventual dos réus para a prática, em tese, de tráfico de entorpecentes, é de rigor a incidência da majorante prevista no art. 18, inciso lU, da Lei n. 6.368/1976.

II - O concurso ocasional exigido não se confunde com a associação prevista no art. 14 da mesma Lei, a qual é autônoma e exige comprovação da habitualidade.

III - A majorante não é dirigida especificamente aos menores de 21 anos ou aos portadores de doença mental, tendo em vista o cunho alternativo ex­presso na previsão legal. Precedentes.

IV - Recurso conhecido e provido para determinar a incidência do art. 18, inciso UI, da Lei n. 6.368/1976 na condenação." (REsp n. 161.001-PR, Relator Ministro Gilson Dipp, in DJ 31.05.1999)

"Penal. Recurso especial. Tráfico de entorpecentes. Associação. Causa de aumento de pena. Lei n. 6.368/1976, art. 18, III. Incidência.

1. Presente o concurso de agentes, ocasionalmente associados para a prática eventual do tráfico de entorpecentes, imperativa a aplicação da majo­rante da Lei n. 6.368/1976, art. 18, lII.

2. Recurso especial conhecido e provido." (REsp n. 167.170-DF, Relator Ministro Edson Vidigal, in DJ 08.02.1999)

E, ainda, do excelso Supremo Tribunal Federal:

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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

'''Habeas corpus'. - Firmou -se o entendimento do Tribunal no senti­do de que não ofende o disposto no art. 5il, LVII, da Constituição a prisão imediata do condenado por decisão sujeita apenas a recursos sem efeito sus­pensivo, como o extraordinário e o especial. - Inexistência, no caso, de di­vergência com o enunciado da Súmula n. 453, pois, na espécie, a hipótese é do art. 383 do cpp e não do art. 384 e parágrafo do mesmo Código.

A associação a que alude o inciso IH do art. 18 da Lei n. 6.368/1976 é o concurso eventual de pessoas, sem, portanto, o animus associativo, razão por que não há ilegalidade na condenação pela prática do crime previsto no art. 12 dessa mesma lei com a causa especial de aumento prevista no disposi­tivo acima referido. Precedentes do STP

Habeas corpus indeferido, cassada a liminar concedida, e negada a concessão, de ofício, da ordem." (HC n. 75.233-Sp' Relator p/ o acórdão Mi­nistro Moreira Alves, in DJ 23.09.1997)

Desta forma, não merece reparo qualquer, a nosso ver, a decisão da Corte Estadual, com relação à incidência da causa de aumento prevista no inciso UI do art. 18 da Lei n. 6.368/1976.

De qualquer modo, note-se que, em última análise, o reconhecimento de par­ticipação de menor importância implicaria, necessariamente, no revolvimento do quadro fático-probatório dos autos, inviável nesta sede especial, por força do óbice previsto no Enunciado n. 7 da Súmula desta Corte Federal Superior, verbis:

"A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial."

Por fim, no que se refere à errônea individualização das penas dos réus, mere­ce prosperar a irresignação do recorrente Anderson Oliveira.

É que, a toda evidência, a fundamentação das decisões do Poder Judiciário, tal como resulta da letra do inciso IX do art. 93 da Constituição Federal, é condição absoluta de sua validade e, portanto, pressuposto da sua eficácia, substanciando-se na definição suficiente dos fatos e do direito que a sustentam, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes.

Nada obstante, afora casos excepcionais de caracterizadas ilegalidades ou abuso de poder, fazem-se estranhos ao âmbito estreito e, pois, ao cabimento do recurso especial, os pedidos de modificação ou de reexame do juízo de individuali­zação da sanção penal, na sua quantidade e no estabelecimento do regime inicial do cumprimento da pena de prisão, enquanto requisitam a análise aprofundada dos elementos dos autos, vedada pelo Enunciado n. 7 desta Corte Federal Superior, referentes ao fato criminoso, às suas circunstâncias, às suas conseqüências, aos

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REVISTI\ DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

antecedentes, à conduta social, à personalidade e aos motivos do agente, bem como ao comportamento da vítima.

In casu, estes, os termos da sentença condenatória, no particular:

"(. .. )

Transpostos os umbrais da análise dos fatos, passo a aplicar a reprimen-da.

Anderson de Oliveira.

A culpabilidade restou inequívoca e evidente dos autos ressumando dolo intenso, ainda mais em se levando em consideração a quantidade de droga apreendida, ou seja, 57.040kg de maconha; há antecedentes registrados (fl. 66); a conduta social restou efetivamente maculada, isto em se considerando o ato de traficar drogas, conspurcando a saúde da comunidade em que está inserido; a personalidade do agente apresenta sérias distorções, levando-se em consideração ser dado à prática de delitos tão graves como o em tela; os motivos foram aqueles inerentes ao tipo penal; as circunstâncias foram aque­las afeitas ao tipo penal, ressalvada a grande quantidade aqui em questão (57.040 quilos) o que recomenda a fixação da reprimenda acima do mínimo legal conforme dicção do STF que assentou: 'Na cominação da pena-base, o julgador se ateve às circunstâncias e conseqüências do delito, o que é relevante em se tratando de crime de tóxico e da grande quantidade apreendida, reve­lando, assim, a necessidade, na espécie, de uma maior censura penal' (HC n. 74.414, de São Paulo, Primeira Turma, Relator Ministro Ilmar Galvão, j. em 19.11.1996, p. no DJ 19.12.1996, p. 51.768).; as conseqüências não foram de todo graves; a vítima não contribuiu para a deflagração do evento criminoso. Fixo-lhe a pena-base em 05 (cinco) anos de reclusão e 70 (setenta) dias-multa,

pelo valor mínimo fixado no art. 38 da Lei n. 6.368/1976; na segunda fase da dosimetria da pena, majoro a reprimenda em 01 ano ante à agravante da reincidência em relação aos Autos n. 005.98.003748-9, dês que transitada aquela sentença em 23.09.1999, tendo praticado o delito em apreço em 21.06.2001, restando ela, nesta fase, fixada em 06 (seis) anos de reclusão e 70 (setenta) dias-multa; na terceira fase da aplicação da pena, majoro-a em 1/3 ante a causa especial de aumento do art. 18, III, da Lei de Tóxicos, restando a reprimenda, definitivamente fixada em 08 anos de reclusão e 90 dias-multa pelo valor mínimo apontado no art. 38 da Lei de Tóxicos." (Fls. 272/274)

E estes, os fundamentos do acórdão recorrido, no que importa à espécie:

"(. .. )

Page 125: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA

10. Igualmente, sem sucesso, o pleito de diminuição das reprimendas

para o mínimo legal.

O Dr. Juiz fixou a pena-base de Anderson de Oliveira em 05 (cinco) anos de reclusão, e pagamento de 70 (setenta) dias-multa, acima do mínimo legal, em face da sua culpabilidade em ato grau, os maus antecedentes (certidão de

fi. 66) e a quantidade de maconha apreendida (57.040,Okg), nuança bem

explicitada na r. sentença.

Não se olvida que o magistrado reconheceu, entre as circunstâncias judi­

ciais desfavoráveis ao réu, a má conduta social ('pelo ato de traficar drogas') e a personalidade distorcida ('porque voltado à prática do comércio de entor­pecentes'), diretrizes inerentes ao crime de tráfico. Todavia as outras circuns­

tâncias negativas supramencionadas, por si só, justificam o aumento de 02

(dois) anos na pena-base.

A propósito, este Tribunal tem entendido que a resposta ao crime, con­

substanciada na imposição da pena, deve ser adequada à consecução dos próprios fins da reprimenda, quais sejam, a censura do delito e a tutela da sociedade contra a sua reiteração (. .. ), sendo possível a fixação da pena na etapa preliminar acima do mínimo legal, em decorrência do conjunto das circunstâncias judiciais fixadas no art. 59 do Cp, especialmente quando moti­

vada na quantidade da droga, na gravidade da conduta do agente, e na sua

predisposição ao cometimento de crimes (. .. )

Assim, não é possível reduzi-la.

Na segunda etapa, o aumento de 01 (um) ano, pela incidência da agra­vante da reincidência (art. 62, inciso I, do CP), também foi moderado, perfa­zendo, nesta fase, em 06 (seis) anos de reclusão.

Registre-se, nesse ponto, que, ao contrário do que pretende o recorrente, não houve dupla valoração de uma mesma circunstância (antecedentes e rein­cidência), tendo em vista que a agravante resultou da condenação anterior, conforme se infere a certidão de fi. 65, onde registra outro processo-crime, por

violação ao art. 12, caput, da Lei n. 6.368/1976 e art. 10 da Lei n. 9.437/ 1997, com sentença transitada em julgado.

Na terceira fase, o sentenciante reconheceu corretamente a causa especial de aumento prevista no art. 18, inciso m, da Lei n. 6.368/1976, decorrente do cometimento do delito de tráfico em associação eventual (= concurso), com o acréscimo de 1/3 (um terço), totalizando-a definitiva em 08 (oito) anos de reclusão e 90 (noventa) dias-multa, ante a ausência de causas modificadoras. É

RSTJ, a. 18, (197): 521-646, janeiro 2006 I

Page 126: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

de se ponderar que o cálculo correto seria 93 (noventa e três) dias-multa, mas esta Câmara está impedida de alterar, em recurso exclusivo da defesa.

Portanto, a expressiva quantidade de droga apreendida e a reiteração da conduta do réu no narcotráfico o toma um traficante de evergadura. Por isso, a reprimenda deve ser mantida no patamar em que foi ditado, para que se distinga o pequeno do grande transgressor dessa tipicidade.

( ... )" (fls. 432/433).

Tem-se, assim, de modo induvidoso, que, na pena reclusiva imposta e preser­vada, fez-se consideração dos antecedentes penais do recorrente Anderson de Oli­veira, tanto na fase das circunstâncias judiciais, quanto na fase das circunstâncias legais obrigatórias, utilizando-se dois antecedentes criminais em cada fase da indi­vidualização da pena, o que constitui rematada violação do princípio non bis in idem, que também informa o Direito Penal vigente e por cuja observância têm zelado as nossas Cortes de Justiça, mui acertadamente.

Em conseqüência, justificada, na sentença, a fixação da pena-base acima do mínimo legal em 2 anos, por força dos maus antecedentes e da quantidade de entorpecente apreendido, impõe-se que se reduza o quantum correspondente aos maus antecedentes, considerada já na segunda fase da individualização da pena, vale dizer, de 1 ano, reduzindo-se, assim, a pena-base ao patamar de 4 anos de reclusão, acrescida em 1 ano por força da reincidência, e, ainda, de 1/3 em face do reconhecimento da causa de aumento de pena prevista no inciso IH do artigo 18 da Lei n. 6.368/1976, restando, assim, definitiva a reprimenda corporal imposta a Anderson Oliveira em 6 anos e 8 meses de reclusão.

Pelo exposto, conheço parcialmente do recurso especial interposto por Neíl Cleverson Conrado Ormay e, nesta extensão, lhe nego provimento. Quanto ao re­curso de Anderson de Oliveira, conheço parcialmente da insurgência e lhe dou provimento unicamente para reduzir sua pena privativa de liberdade para 6 anos e 8 meses de reclusão.

É o voto.