Vasco Pedro Moretto - Prova. Um momento privilegiado de Estudo, não um acerto de contas
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Natal Monico
Primeira Edição
São Paulo
2013
Natal Monico Acerto de contas 5
ACERTO DE CONTAS
Primeira Parte
“Santo Deus! Já são mais de cinco horas e eu
ainda nem fiz o jantar, daqui a pouco o Olegário está aqui e
se essa comida não estiver pronta ele vai comer a minha
alma. E por onde será que anda aquele peste de menino,
meu Deus? Todo dia ele some e só me aparece aqui quando
está com fome ou quando desconfia que já é hora do pai
chegar do trabalho. Não sei não, mas acho que coisa boa
esse moleque não anda fazendo ainda mais com aquelas
companhias, aqueles seus amigos não valem nada é uma
corja de vagabundos que ainda vai acabar por levá-lo para o
mau caminho. Eu tenho muito medo que esse menino se
meta em alguma encrenca, aquele tal de Neco já esteve
internado até na “FEBEM” por ter sido flagrado roubando o
rádio toca fitas de um carro. Aquele tal de Vado é outro que
já foi até expulso do colégio por ter agredido uma
professora, a coitada manca até hoje de uma perna aquele
moleque não é gente é um animal. Juro que eu não sei mais
o que fazer não consigo segurar esse danadinho dentro de
casa de jeito nenhum, e não adianta ameaçar contar para o
Olegário porque esse peste não acredita que eu tenha
coragem para isso, mas não tem jeito vou ter que falar com
o pai dele.
E essa campainha agora, que saco! Só pode
ser algum chato querendo vender alguma coisa. Está vendo
só se aquele moleque estivesse aqui eu não precisaria largar
estas panelas. Que merda! Isso lá é hora de encher o saco
dos outros?”
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Hei, para de apertar essa campainha
porque eu não sou surda. O que é que você quer? O Renato
não está em casa.
Eu sei dona Amélia, eu vim correndo
avisar à senhora que o seu filho está lá no campinho, ele
está caído lá atrás do gol e o nariz dele está sangrando
muito.
Santo Deus! O que foi que aconteceu com
ele? Aposto que se meteu em alguma briga.
Sei não, dona Amélia, mas acho que foi
briga mesmo. Ouvi falar que aquele criolão da rua de baixo
passou correndo por aqui e que estava com a camisa toda
suja de sangue.
Conheço aquele peste, é o bola sete, não
é? Aquele negro desbocado que só vive falando palavrão aí
na rua, mas deixa estar se ele machucou meu filho vai ter
que se ver com o meu marido, traste dos infernos!
É ele mesmo, dona Amélia, aquele crioulo
não é flor que se cheira vive sempre aprontando aqui na
rua.
Espera um pouco, Nélio, vou tirar as
panelas do fogo e já volto, você vai comigo até o
campinho?
Vou sim, dona Amélia, mas vamos de-
pressa porque minha mãe já deve estar me procurando.
Ai, meu Deus! Esse moleque acaba com a
minha saúde, esse danado ainda vai acabar comigo.
Alguns minutos depois dona Amélia e o
garoto Nélio se dirigiam para o local onde se encontrava
caído o jovem Renato quando passou por eles uma viatura
de polícia, e logo em seguida uma ambulância. O coração
da mulher disparou, pois um forte pressentimento de que
algo de mais grave havia acontecido logo lhe ocorreu, e as
lágrimas começaram a verter abundantemente. De longe já
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se podia divisar um aglomerado de pessoas, e foi
exatamente lá que estacionaram os dois veículos. Logo os
policiais começaram a afastar os curiosos para que os
ocupantes da ambulância pudessem dar os primeiros
socorros à vítima. Dona Amélia começou a gritar
desesperadamente porque via no semblante daquelas
pessoas a preocupação de uma tragédia. Para ela Renato
estava morto. Queria furar aquele cerco para poder estar
mais perto do filho, mas era impedida pelos policiais
porque ela só iria atrapalhar o atendimento que era prestado
ao jovem ainda desmaiado. Em seu desespero ela gritava: –
Foi aquele maldito negro, foi o bola sete eu sei que foi
aquele miserável que fez isso. – Logo uma outra viatura
chegou ao local solicitada que fora pela equipe da primeira,
e dona Amélia foi separada dos curiosos e indagada sobre
as acusações que insistia em fazer contra o negro conhecido
pela alcunha de bola sete.
O encarregado da equipe tentava acalmar
aquela mãe que em seu desespero não parava de gritar que,
fora aquele crioulo conhecido como bola sete que havia
assassinado seu filho. Ela só conseguiu se acalmar quando
o enfermeiro garantiu que o rapaz estava somente
desmaiado, e que assim que recebesse atendimento
adequado no hospital logo recobraria a consciência. Tendo
conseguido acalmá-la conseguiram também as informações
que ne- cessitavam. De posse do endereço do suspeito a
polícia não teve trabalho em detê-lo, e por ter somente
dezessete anos de idade foi encaminhado para um
estabelecimento de “recuperação” de menores infratores.
Jorge, “o bola sete” tentava explicar o que de
fato havia acontecido, mas ninguém lhe dava ouvidos
porque dona Amélia cega de ódio insistia em apontá-lo
como autor da agressão sofrida pelo filho. Na penitenciária,
na detenção, na cela de uma delegacia e também num
recolhimento de menores quem não entra para “um certo
grupo”, está fora do dele. Isso quer dizer que quem não
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adere à turma dos maus elementos logo começa a ser
perseguido, e foi o que aconteceu com ele. Não que ele
fosse um jovem certinho, ele só não queria se meter em
confusão principalmente dessas que acontecem quase todos
os dias nesses recolhimentos, e por não querer participar de
uma fuga em massa planejada pelos internos mais violentos
daquele estabelecimento passou a ser hostilizado, e muitas
vezes por causa das constantes brigas era castigado pelos
responsáveis pela ordem daquele reformatório. Cada vez
mais inconformado ele jurava para si mesmo que ao sair
dali iria se vingar daqueles que, sem provas, acabaram com
a sua liberdade.
*
Segunda Parte
Renato só recuperou a consciência algumas
horas depois de ter dado entrada no Pronto Socorro
Municipal. Além do nariz quebrado tinha também duas
costelas fraturadas, resultado, não de uma simples briga,
mas de um espancamento. Porém, o motivo ele se negava a
revelar. Insistentemente interrogado pelo investigador de
plantão no Pronto Socorro ele dizia que desconhecia as
pessoas que o haviam surrado, e que por ter sido sur-
preendido não se lembrava da presença do crioulo
conhecido como bola sete. Mas de acordo com as
evidências e com as afirmações de dona Amélia, tudo fazia
supor que Jorge tivera mesmo participação naquele
espancamento sofrido por ele.
Alguns dias depois já com o filho em casa se
recuperando dona Amélia recebe uma carta. Era uma carta
anônima, ficou receosa, mas mesmo assim ela resolveu
abri-la. Quatro ou cinco linhas em letras garranchadas
diziam que Renato somente pagou pelo que devia, ou seja,
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certa quantidade de maconha. Mercadoria que pegou para
revenda e para seu próprio uso e não pagou. A missiva dizia
ainda que ninguém dava chapéu em “Chininha” sem levar
troco. Muitas pessoas já tinham ouvido falar desse tal de
Chininha, mas ninguém sabia quem era ou onde encontrá-
lo.
As preocupações de dona Amélia tinham
fundamento, contudo, ela refutava a intuição, pois não
aceitava a idéia de ter um filho viciado e muito menos
traficante de drogas. Leu e releu aquele pedaço de papel
dezenas de vezes, e ainda chorava quando foi indagada pelo
filho qual era o motivo daquele choro. Sem mesmo olhar
para o rapaz dona Amélia retirou a carta do bolso do
avental e entregou-a ao jovem, dizendo: – Leia isto depois
vamos ter muito que conversar, você vai ter que me
explicar o que significa isto.
O medo de Renato era visível, pois o tremor
em suas mãos não escondia a preocupação em ter que dar
satisfações daquilo que estava lendo, porque sabia que o
que estava escrito naquele pedaço de papel era apenas o
início de uma revelação que, mais dia menos dia teria que
fazer.
E então, Renato, o que você tem para
dizer-me? Olha nos meus olhos e não tente enganar-me,
nem pense que estou por fora deste assunto, eu só quero à
verdade, entendeu?
Mãe, eu não vou mentir para a senhora,
mas, por favor, não conte nada ao meu pai.
Não vou prometer nada sem antes saber
direitinho o que você anda fazendo.
Está bem, mãe, eu vou contar. Faz uns
seis meses que comecei a fumar maconha. Foi o Neco que
levou uns pacaus (cigarros de maconha) lá no campinho.
Quase todos os garotos começaram a puxar (fumar), eu
também puxei um e acabei ficando viciado. Continuei
puxando até aquele dia que me pegaram lá no campinho.
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Acontece que depois que fiquei viciado eu tinha que pagar
para conseguir a erva, como não trabalho não tinha de onde
tirar dinheiro, então comecei a vender maconha para
garantir aquilo que eu iria consumir. O Neco trazia os
pacaus e dava para eu passar, acontece que fiquei devendo
muito e como não tinha como pagar eles queriam que eu
roubasse alguns objetos de nossa casa, e como eu não tinha
coragem de levar as coisas que eles queriam fizeram aquilo
comigo.
E quem é esse maldito, esse tal de
Chininha?
Eu juro que não sei, mãe, só sei que
alguém pega o bagulho (maconha) desse traficante e passa
para o Neco, que por sua vez tem vários garotos
trabalhando para ele, eu era um deles.
Então foi mesmo aquele peste do bola
sete que quase matou você, não foi?
Não foi não, mãe, o bola sete só queria
me ajudar.
Mas ele passou correndo aqui na rua e
estava com a roupa toda suja de sangue. Olha aqui, Renato,
não tente me enganar porque se foi aquele traste desbocado
ele vai ter que se ver com o seu pai.
Não, mãe, eu estou falando a verdade, ele
só tentou me ajudar, mas a turma do Neco o botou pra
correr. Ele se sujou de sangue ao tentar me proteger.
É verdade isso que você esta me dizendo?
Olha aqui Renato, eu preciso saber a verdade.
É a mais pura verdade, mãe, o Jorge só
quis me ajudar.
Santo Deus! O que foi que eu fiz? Eu
acusei o Jorge injustamente! Bem que ele se defendia
dizendo-se inocente, mas ninguém acreditou nele. Meu
Deus! O que foi que eu fiz? Preciso tirá-lo daquele inferno
o mais depressa possível. Claro, é isso que eu tenho que
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fazer vou lá agora mesmo. Renato, a nossa conversa ainda
não acabou quando eu voltar vou querer saber tudo, e não
saia de casa sem a minha permissão você está me
entendendo?
Entendi mãe, mas, por favor, não deixe o
meu pai ter conhecimento dessa carta, e não a entregue aos
policiais porque se fizer isso tenho certeza que o Chininha
manda alguém acabar comigo. A senhora não conhece essa
gente eles não têm amor à própria vida que dirá a dos
outros.
*
Terceira Parte
Jorge queria sair do Reformatório, mas não
queria fugir. Ele se dizia inocente e como tal iria se portar
de maneira discreta e disciplinada, para assim conseguir a
liberdade mais rapidamente. Porém, os outros internos
viviam a infernizá-lo, ninguém o chamava pelo nome ou de
bola sete lá ele era conhecido como negro bundão. Seu ódio
crescia a cada dia e já não via mais o Renato como um
amigo, mas, como um traidor, como um fraco que não tinha
coragem para dizer a verdade. Naquela mesma tarde em
que dona Amélia inquiria o filho uma rebelião acontecia no
Recolhimento. Jorge que sempre fora perseguido pelos
internos foi feito refém e levado para cima do telhado onde
se encontrava o grosso dos amotinados. A situação foi se
agravando a cada minuto e para mostrar que não estavam
brincando após amarrarem as mãos de Jorge bateram em
sua cabeça com algo pesado e o jogaram lá de cima. A
morte do crioulo bola sete foi instantânea.
O corpo de Jorge ficou ali no chão, inerte.
Entretanto, seu espírito ainda que bastante confuso saiu
andando e atravessou sem nenhum problema o pátio onde
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acontecia uma verdadeira batalha campal. Sem saber como
ele conseguiu passar por toda aquela confusão e viu-se na
rua sem que ninguém o perseguisse e em total liberdade. A
princípio ele ficou muito confuso e não sabia que rumo
tomar. Jorge somente sabia da existência daquele bairro
porque já ouvira falar sobre ele, contudo, não tinha a menor
noção de que lado da cidade se encontrava. De repente
lembrou-se que estava vestido com o uniforme do
reformatório e isso o deixou em pânico, pois várias viaturas
da polícia cruzavam aquela avenida em alta velocidade, e
que com suas sirenes ligadas iam abrindo caminho em
direção ao local da rebelião. Jorge estava apavorado e por
ignorar sua condição de espírito desencarnado acreditava
que todo aquele aparato policial estava a sua procura.
Desesperado ele procurava esconder-se atrás de um poste,
de uma árvore ou de uma parede, bastava ouvir uma sirene
para ele se enfiar em algum esconderijo. Aos poucos ele foi
se distanciando de toda aquela confusão, todavia, não podia
continuar vestido com aquela roupa, pois alguém poderia
perceber e denunciá-lo. Mas, onde encontrar uma roupa? –
Claro! Num varal de alguma casa. – pensou ele. Mas, na
região não havia uma única casa com varal a mostra, muito
diferente do bairro onde ele morava. Lá toda casa tinha
varal onde seria muito fácil surrupiar uma calça e também
uma camisa. Mesmo amedrontado Jorge continuou
caminhando, e após andar alguns quarteirões eis que
finalmente divisou uma casa com um longo varal onde
secavam ao sol algumas calças e várias camisas,
provavelmente uma lavanderia. Era a oportunidade que
procurava. Como nos velhos tempos olhou para um lado,
olhou para outro, não viu ninguém, a rua naquele momento
estava completamente deserta e na casa parecia reinar o
silêncio de uma tarde que morria. Aquela era a hora. Jorge
subiu no muro e pulou para dentro do quintal, porém, mal
havia dado os primeiros passos quando um enorme cão
pastor alemão que roia pachorrentamente um enorme osso o
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pressentiu e saiu em seu encalço latindo, rosnando e
avançando contra ele ameaçadoramente. Jorge virou nos
calcanhares e somente quando estava a salvo no outro lado
da rua é que se deu conta que não sabia como tinha chegado
lá tão depressa. O cão ainda ficou latindo do outro lado do
portão, enquanto que do lado de fora Jorge fazia caretas
para ele fazendo pouco do animal que teve sua festa
frustrada. Não demorou muito para que um jovem
atarracado de origem nipônica aparecesse. Era um rapaz de
aproximadamente vinte anos, de um corpo atlético e que
provavelmente praticava algum esporte ligado às artes
marciais. Tinha o rosto fechado e parecia muito irritado
com o comportamento do cão que não parava de latir e
olhar diretamente para uma árvore do outro lado da rua.
Jorge se encolhia cada vez mais para não ser visto, contudo,
a insistência do cão fez com que o jovem fosse verificar o
que havia atrás daquela árvore. Sentindo-se descoberto o
negro saiu em desabalada carreira sem nem mesmo olhar
para trás, só parando depois de percorrer duas quadras e
dobrar uma daquelas esquinas. Estava comple- tamente
perdido naquele emaranhado de ruas por onde ele nunca
havia passado.
“E agora, o que é que eu faço? Que merda!
Onde é que vou conseguir uma roupa? Se pelo menos eu
soubesse onde estou. Na verdade eu não passo de um
caipira de bairro que nasce, cresce e morre no mesmo lugar
onde nasceu. Já sei o que eu vou fazer, vou sujar este
maldito uniforme com graxa vou ficar parecendo um
mecânico. Puxa! Por que eu não pensei nisso antes? Agora
é só descobrir uma oficina e me lambuzar”.
Não demorou muito para que Jorge
encontrasse o que procurava, porém, teve que esperar um
bom tempo até que o mecânico se distraísse. Depois de
lambuzar o uniforme de graxa e de óleo queimado saiu
dando pulos e rindo satisfeito por ter conseguido disfarçar-
se de mecânico. Agora era só encontrar o caminho de volta
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para casa, isso com certeza seria a parte mais difícil. Sem
dinheiro no bolso e sem mesmo saber para que lado deveria
ir resolveu pedir informação para uma senhora que, naquele
momento se ocupava em cortar algumas ramas de uma
trepadeira que da casa vizinha teimava em avançar para
dentro da sua. Jorge parou ao lado da mulher e perguntou: –
Dona, para que lado fica o bairro da Cachoeirinha? – Não
houve resposta. – Essa mulher deve ser surda e cega –
pensou o jovem negro que tornou a perguntar. – Hei dona, a
senhora pode me informar para que lado fica o bairro da
Cachoeirinha? – Novamente não houve resposta. Irritado
com a indiferença da mulher Jorge aproximou a boca no
ouvido da velha senhora e gritou a plenos pulmões. – Não
está me vendo, velha surda? Ou será que é uma dessas que
não gosta de negros? – A mulher pareceu ouvir o que ele
disse, pois na mesma hora um forte arrepio percorreu todo o
seu corpo, o que a levou a fazer várias vezes o sinal da
cruz. Jorge caiu na risada ao ver a mulher se benzer. – Essa
mulher deve ser louca, até parece que viu um fantasma! Ah,
que se dane deixa essa velha carola aí com as suas rezas,
vou procurar alguém mais moço e de preferência um negro
como eu.
Uma forte dor de cabeça fez com que o
jovem se lembrasse da pancada que recebeu antes de ser
atirado do alto do telhado. – Puxa! Nesse corre-corre nem
percebi que estava sujo de sangue. Será que é por isso que
as pessoas estão me evitando? Ainda bem, vem um crioulo
ali e esse vai ter que me ajudar. – Olá, gente boa, será que
você pode me dar uma informação? – O negro passou
ligeiro, parecia muito apressado e nem sequer olhou para
Jorge. – Que merda! Será que fiquei invisível? Não, só
pode ser por causa da minha aparência, essa graxa fedida e
esta cabeça toda suja de sangue é que estão assustando as
pessoas, certamente estão pensando que eu sou um desses
moradores de rua. Não adianta eu vou ter que achar o rumo
de casa sozinho. Vou seguir os ônibus que vão para a
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cidade e quando chegar lá vai ser mais fácil de encontrar o
caminho para o meu bairro.
Levado pela intuição o rapaz conseguiu
chegar numa das principais vias do bairro. Embora sendo
semi-analfabeto ele conseguia identificar nos letreiros dos
veículos aqueles que se dirigiam para o centro. Assim,
caminhando sempre na direção que os ônibus seguiam,
finalmente ele conseguiu chegar ao centro da cidade de São
Paulo. Já era tarde da noite e ele estava muito cansado,
sentia um pouco de frio e também tinha fome, mas como
não tinha dinheiro o melhor que ele tinha a fazer era
esquecer o frio e a fome e arranjar um canto onde pudesse
descansar aquela noite. No entanto, os melhores lugares
eram disputados por mendigos e também por moradores de
rua. Sabe-se que nem todos moradores de rua são
mendigos. Alguns têm até famílias, poderiam perfeitamente
procurar seus lares para tomar um banho e saciarem a fome,
porém, a distância entre a cidade e o bairro onde residem é
muito grande, e o dinheiro escasso é usado para outras
coisas, muitas vezes até para compra de drogas, por isso,
preferem levar aquela vida como se mendigos fossem. Após
ser expulso até mesmo por espíritos desencarnados,
finalmente Jorge conseguiu um lugar sob uma marquise.
Quando acordou já era dia claro, muitas pessoas passavam
apressadas em direção ao trabalho e nem sequer olhavam
para ele. A dor na cabeça ainda o atormentava e o estômago
doía de fome, ele então resolveu pedir esmolas, pois queria
conseguir alguns trocados que desse pelo menos para
comprar um lanche, e se sobrasse ele tentaria pegar uma
condução que o levasse até o bairro onde residia. Com esses
pensamentos ele se ajeitou na calçada e com a mão
estendida pedia uma caridade. Contudo, as pessoas
continuavam passando indiferentes a sua pessoa. Depois de
algumas horas ali sentado e sem nenhum resultado ele se
levantou e foi andando, xingando e maldizendo aquela
gente insensível que nem mesmo tiveram coragem para