Abordagem Do Doente Neurológico e Localização de Lesões Neurológicas Na Espécie Canina

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    UNIVERSIDADE TCNICA DE LISBOA

    Faculdade de Medicina Veterinria

    ABORDAGEM AO PACIENTE NEUROLGICO E LOCALIZAO DE LESESNEUROLGICAS NA ESPCIE CANINA

    ANA MARIA MEIRELES GRADIL

    ORIENTADORDoutor Antnio Jos de Almeida Ferreira

    2009LISBOA

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    UNIVERSIDADE TCNICA DE LISBOA

    Faculdade de Medicina Veterinria

    ABORDAGEM AO PACIENTE NEUROLGICO E LOCALIZAO DE LESESNEUROLGICAS NA ESPCIE CANINA

    ANA MARIA MEIRELES GRADIL

    DISSERTAO DE MESTRADO INTEGRADO EM MEDICINA VETERINRIA

    ORIENTADORDoutor Antnio Jos de Almeida Ferreira

    2009

    LISBOA

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    DEDICATRIA

    minha me, Ester Maria, e s minhas irms, Magda e Ctia, pela fora, apoio, confiana e

    motivao constantes que me do. Agradeo-lhes os modelos de trabalho e fora de

    vontade que so para mim em mais uma etapa importante, que aqui termina. Dedicotambm esta dissertao aos meus avs Josefa e Joaquim pelo apoio, confiana e

    acompanhamento permanentes ao longo de mais este percurso, com a esperana de que o

    faam por muito mais tempo. Ana Marta Brito e Ana Teresa Peres, pelo apoio que me

    prestaram durante o estgio escolar e pela amizade incondicional nestes ltimos anos.

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo ao meu orientador e professor, Professor Doutor Antnio Ferreira pelo

    acompanhamento prestado e pelo seu voto de confiana na escolha do meu tema, apesar

    da dificuldade na abordagem deste.

    Agradeo Doutora Querine Stassen, mdica veterinria especialista em Medicina Interna

    na Universidade de Medicina Veterinria de Utrecht-Holanda, pelo seu apoio e ajuda na

    escolha do meu tema e pelo seu profissionalismo.

    Agradeo Doutora Henna Heikkila, mdica veterinria especialista em Medicina Interna na

    Universidade de Medicina Veterinria de Helsnquia-Finlndia, pela sua capacidade

    pedaggica, qualidade profissional e pela sua orientao e apoio constantes durante a

    minha estadia em Helsnquia.

    Agradeo Doutora Marjatta Snellman, mdica veterinria especialista em Diagnstico de

    Imagem na Universidade de Medicina Veterinria de Helsnquia-Finlndia, pela tentativa

    inesperada em me inserir no meio hospitalar e num meio cultural e profissional diferentes do

    meu.

    Agradeo ao meu pai, Carlos Gradil, pela sua tentativa constante de me integrar na

    realidade que me espera e pela sua disponibilidade e ajuda na concretizao dos meus

    estgios curriculares.

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    RESUMO

    ABORDAGEM DO PACIENTE NEUROLGICO E LOCALIZAO DE LESESNEUROLGICAS NA ESPCIE CANINA

    A integridade do sistema nervoso pode ser avaliada atravs de um exame neurolgico

    completo, realizado com o intuito de averiguar se o sistema nervoso se encontra afectado

    num animal com um quadro sintomatolgico suspeito. O contributo do exame neurolgico

    completo na deduo fivel da localizao de leses neurolgicas em doentes caninos

    possvel tendo como base o conhecimento da anatomia do sistema nervoso e da sua

    funcionalidade, bem como conjunto de sinais clnicos apresentados e a sua resposta

    aos testes realizados de modo sistemtico. sumarizada a informao necessria para

    a elaborao do exame neurolgico e sua interpretao crtica, tornando possvel a

    elaborao de um diagnstico neuro-anatmico e tratamento adequados. O exame

    neurolgico compreende os seguintes passos: avaliao do estado de conscincia e

    comportamento, atitude e postura, tnus e massa musculares, reflexos espinhais,

    nervos cranianos, palpao, percusso e resposta do doente a estmulo doloroso. O

    Sistema Nervoso Central constitudo pelo crebro e medula espinhal e o Sistema

    Nervoso Perifrico pelos sistemas aferentes somtico, visceral e proprioceptivo e

    eferentes somtico e visceral. A apresentao e discusso dos casos clnicos daespcie canina acompanhados e o diagnstico neuro-anatmico realizado so feitos

    com base no conhecimento adquirido, no exame neurolgico e nos exames

    complementares de diagnstico.

    PALAVRAS-CHAVE: sistema nervoso, exame neurolgico, diagnstico neuro-anatmico,

    espcie canina.

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    ABSTRACT

    APPROACH TO THE NEUROLOGICAL PATIENT AND NEUROLOGIC LESIONLOCALIZATION IN THE DOG

    The integrity of the nervous system can be evaluated through a systematic approach and

    complete neurological examination, thus confirming the presence of a lesion in a patient with

    concurrent clinical signs. A thorough neurological examination in the dog and its value in

    determining the presence of a lesion and its location is made based on the anatomy of the

    nervous system, the clinical picture of the patient and the examination results. The

    knowledge necessary to perform the neurological examination and to correctly interpret it is

    presented in this monography, aiding the reader to make a valuable diagnosis for a proper

    treatment. The neurological examination consists of the following steps: evaluation of

    behavior and level of consciousness, attitude and posture, tone and muscle mass, spinal

    reflexes, cranial nerves, palpation, percussion and the patients perception to pain. The

    Central Nervous System is composed of the brain and spinal cord and the Peripheral

    Nervous System is divided into functional systems: somatic afferent, visceral afferent and

    proprioceptive, somatic and visceral efferent. A presentation and discussion of neurologic

    cases and subsequent neurolocalization of lesions is made based on the knowledge

    previously acquired and on the neurological and ancillary examinations performed.

    KEY-WORDS: nervous system, neurological examination, neurolocalization, dog.

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    NDICE

    OBJECTIVOS DO ESTGIO CURRICULAR .................................................................................................. 1

    MONOGRAFIA: ABORDAGEM DO DOENTE NEUROLGICO E LOCALIZAO DE LESESNEUROLGICAS NA ESPCIE CANINA ............................................................................................. 1

    1.INTRODUO .................................................................................................................................... 11.1. Escolha do tema....................................................................................................................... 11.2. Objectivos................................................................................................................................. 11.3. Locais de Estgio ..................................................................................................................... 2

    2.REVISO BIBLIOGRFICA .................................................................................................................. 42.1. O Exame Neurolgico .................................................................................................................. 5

    2.1.1. Estado de Conscincia e Comportamento............................................................................ 82.1.2. Atitude e Postura................................................................................................................... 8

    Reaces posturais: .................................................................................................................... 92.1.3. Tnus e massa musculares ................................................................................................ 122.1.4. Reflexos espinhais .............................................................................................................. 122.1.5. Nervos cranianos ................................................................................................................ 132.1.6. Palpao e percusso......................................................................................................... 142.1.7. Percepo da dor e possvel deduo do prognstico ....................................................... 14

    2.2. Diagnstico neuro-anatmico: Onde a leso?........................................................................ 162.2.1. Organizao Anatmica e Funcional do Sistema Nervoso Central:....................................... 16

    Sistema de Neurnio Motor Central (UMN) .................................................................................. 18A. Crebro ......................................................................................................................................... 19

    1. Prosencfalo:............................................................................................................................. 192. Cerebelo .................................................................................................................................... 223. Tronco Cerebral......................................................................................................................... 244. Sistema Vestibular..................................................................................................................... 26i) Sndrome Vestibular Central (SVC): .......................................................................................... 47

    ii) Sndrome Vestibular Perifrico (SVP): ...................................................................................... 48iii) Alteraes vestibulares paradoxais: ......................................................................................... 48

    B. Medula Espinhal ........................................................................................................................... 252.2.2. Organizao do Sistema Nervoso Perifrico (SNP) ............................................................... 33

    A. Sistema Aferente Somtico Geral (ASG) ................................................................................. 35CN V (Nervo Trigmio): ............................................................................................................. 35

    B. Sistema Aferente Somtico Especial (ASE): Sistemas Visual e Auditivo ................................ 351. Sistema Visual: Vias Centrais ................................................................................................... 36

    1.1. Nervo ptico (CN II): .......................................................................................................... 361.2. Quiasma e Feixe pticos:.................................................................................................. 361.3. Crtex Visual: ..................................................................................................................... 37

    2. Sistema Auditivo........................................................................................................................ 41C. Sistema Aferente Visceral Geral............................................................................................... 41

    1. CN VII (Nervo Facial): ........................................................................................................... 412. CN IX (Nervo Glossofarngeo): ............................................................................................. 423. CN X (Nervo Vago): .............................................................................................................. 424. CN XI (Nervo Espinhal Acessrio): ....................................................................................... 42

    D. Sistema Aferente Visceral Especial (AVE): Sistemas Olfactivo e Gustativo............................ 431. Sistema Olfactivo................................................................................................................... 432. Sistema Gustativo ................................................................................................................. 44

    E. Sistema Aferente Proprioceptivo Geral (PG)............................................................................ 44F. Sistema Proprioceptivo Especial (SP) ...................................................................................... 45

    G. Sistema Eferente Somtico Geral (ESG) ................................................................................. 491. Nervos Cranianos:..................................................................................................................... 51i. CN III (Nervo Oculomotor): ..................................................................................................... 50

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    ii. CN IV (Nervo Troclear): ......................................................................................................... 50iii. CN VI (Nervo Abdutor): ......................................................................................................... 50iv. CN XI (Nervo Espinhal Acessrio): ....................................................................................... 52v. CN XII (Nervo Hipoglosso):.................................................................................................... 52

    2. Nervos espinhais e Reflexos Espinhais .................................................................................... 522.1. Reflexos dos Membros Plvicos e Perineal ........................................................................... 53

    i. Reflexo de flexo: ...................................................................................................................54ii. Reflexo perineal: ....................................................................................................................54

    2.2. Reflexos dos Membros Torcicos e Panicular ....................................................................... 54i. Reflexo de flexo: ...................................................................................................................55ii. Reflexo Panicular: ..................................................................................................................55

    H. Sistema Eferente Visceral Geral (EVG): Divises Simptica e Parassimptica ...................... 561. Inervao do globo ocular pelo Sistema Nervoso Autnomo: ..............................................562. Inervao pupilar: ..................................................................................................................563. Controlo da mico:............................................................................................................... 57

    3.MATERIAL E MTODOS .......................................................................................................................57i. Tipo de estudo. ...........................................................................................................................58

    ii. Populao-alvo ..........................................................................................................................58iii. Amostra .....................................................................................................................................58iv. Critrios de incluso..................................................................................................................58v. Critrios de excluso .................................................................................................................58vi. Processo de colheita de dados................................................................................................. 58viii. Anlise qualitativa dos dados obtidos ..................................................................................... 58

    4.RESULTADOS:CASOS CLNICOS ........................................................................................................ 58CREBRO: ....................................................................................................................................60

    Caso 1........................................................................................................................................ 60Caso 2........................................................................................................................................ 61

    Caso 3........................................................................................................................................ 62Caso 4........................................................................................................................................ 62CEREBELO: ..................................................................................................................................63

    Caso 5........................................................................................................................................ 63SISTEMA VESTIBULAR:............................................................................................................... 73

    Caso 6........................................................................................................................................ 73Caso 7........................................................................................................................................ 74

    COLUNA........................................................................................................................................ 64Cervical Cranial (C1-C5):............................................................................................................... 64

    Caso 8........................................................................................................................................ 64Cervical Caudal (C6-T2): ............................................................................................................... 65

    Caso 9........................................................................................................................................ 65Caso 10...................................................................................................................................... 66Caso 11...................................................................................................................................... 67

    Toraco-lombar (T3-L3)................................................................................................................... 70Caso 12...................................................................................................................................... 70Caso 13...................................................................................................................................... 72

    Lombossagrada (S1-S3)................................................................................................................ 72Outras Localizaes: .....................................................................................................................73

    Caso 14:..................................................................................................................................... 73

    5. Discusso......................................................................................................................................... 75Caso 1........................................................................................................................................ 75

    Caso 2........................................................................................................................................ 78Caso 3........................................................................................................................................ 79Caso 4........................................................................................................................................ 80

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    Caso 5 ....................................................................................................................................... 82Caso 6 ....................................................................................................................................... 90Caso 7 ....................................................................................................................................... 91Caso 8 ....................................................................................................................................... 83Caso 9 ....................................................................................................................................... 85Caso 10 ..................................................................................................................................... 86Caso 11 ..................................................................................................................................... 87Caso 12 ..................................................................................................................................... 88Caso 13 ..................................................................................................................................... 88Caso 14 ..................................................................................................................................... 90

    6.CONCLUSES..................................................................................................................................... 93

    NDICE DE FIGURAS

    Figura 1: Casustica conjunta dos estgios realizados em Helsnquia e Utrecht....................3

    Figura 2: Raas observadas mais relevantes ........................................................................ 4Figura 3: Formulrio do exame neurolgico (adaptado de Rijnberk & de Vries, 1995) ........... 6Figura 4: Classificao de leses do sistema nervoso central por zonas............................. 33Figura 5: Etiologias das patologias neurolgicas observadas durante os estgios em Utrecht,

    Helsnquia e Lisboa (Hospital escolar da FMV, UTL).................................................... 59Figura 6: Raas de animais observadas com alteraes neurolgicas ................................ 59Figura 7: Ressonncia Magntica (Imagem T1): leso do crtex cerebral, lado direito........ 61Figura 8: Ressonncia Magntica (Imagem T1 com contraste de gadolnio): edema do crtex

    cerebral, lado esquerdo. ...............................................................................................61Figura 9: Doente com hidrocefalia congnita e braquignatismo ........................................... 61

    NDICE DE ILUSTRAES

    Ilustrao 1: Organizao funcional dos pares cranianos no Tronco Cerebral (de Lahunta &Glass, 2009)23

    Ilustrao 2: Organizao segmentar do Crebro (Lorenz & Kornegay,2004)........26

    Ilustrao 3: Relao entre vrtebras e segmentos espinhais correspondentes (Fossum,2007)...40

    Ilustrao 4: Cauda Equina (Nelson & Couto, 2003)........42Ilustrao 5: Arco reflexo do LMN. Feixes sensoriais e motores (adaptado de Sharp &

    Wheeler, 2005)......43Ilustrao 6: Vias visuais centrais (adaptado de de Lahunta & Glass, 2009).......51Ilustrao 7: Vias do reflexo pupilar luz. A: msculo constritor da pupila, B: msculo

    dilatador da pupila (adaptado de de Lahunta & Glass, 2009).54Ilustrao 8: A, Anatomia funcional dos msculos extra-oculares (adaptado de de Lahunta &

    Glass, 2009)...61Ilustrao 9: Corte transversal da medula espinhal (de Sharp & Wheeler,

    2005)...63Ilustrao 10: Divises do disco intervertebral (de Sharp & Wheeler, 2005)....84Ilustrao 11: Classificao de patologia discal(adaptado de Lorenz & Kornegay,

    2004)...95

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    NDICE DE TABELAS

    Tabela 1: Palestras assistidas durante os estgios realizados em Helsnquia e Utrecht ........ 4Tabela 2: Sinais clnicos de patologia vestibular (adaptado de Wheeler, 2004) ...................49Tabela 3: Localizao relativa entre segmentos vertebrais e segmentos espinhais

    correspondentes (adaptado de Bagley, 2005)...............................................................27

    Tabela 4: Tipo de sinais motores consoante localizao da leso na medula espinhal(adaptado de Sharp & Wheeler, 2005)..........................................................................30Tabela 5: Classificao dos Sistemas funcionais do SNP (Adaptada de de Lahunta & Glass,

    2009) ............................................................................................................................34Tabela 6: Sinais clnicos de leses do Sistema Visual (de de Lahunta & Glass, 2009). ....... 40

    LISTA DE ABREVIATURAS

    ARAS: Sistema Reticular Ascendente (Ascending Reticular Activating System)

    BAER: Resposta auditiva evocada do tronco cerebral (Brainstem auditory-evoked response)

    CKCS: Cavalier King Charles Spaniel

    CN: Nervo craniano (Cranial nerve)

    DAD: Doena articular degenerativa

    FMV: Faculdade de Medicina Veterinria da Universidade Tcnica de Lisboa

    FPC: Fragmentao do processo coronide

    LCR: Lquido Cefalorraquidiano

    LMN: Neurnio motor perifrico/Motoneurnio inferior (Lower Motor Neuron)

    NUPA: No unio do processo ancneo

    OCD: Osteocondrite dissecante

    OD: Olho direito

    OE: Olho esquerdo

    ODH: Osteodistrofia hipertrfica

    SNC: Sistema Nervoso Central

    SNP: Sistema Nervoso Perifrico

    TAC: Tomografia Axial Computorizada

    UMN: Neurnio motor central/Motoneurnio superior (Upper Motor Neuron)

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    O estgio curricular tem como objectivos proporcionar ao aluno finalista a oportunidade de

    aplicar, integrar e consolidar os conhecimentos tericos e tcnicos adquiridos durante os 5

    anos de formao. Esta etapa fundamental permite colocar o estudante em contacto com os

    desafios, exigncias e a realidade actuais do mdico veterinrio, facilitando assim a suainsero no mercado de trabalho.

    :

    1.

    1.1.

    A escolha do tema desenvolvido surgiu no decurso de um estgio intra-curricular de trs

    semanas efectuado em Agosto de 2007 na Universidade de Tufts, Massachussets-EUA.

    Passei 2 das 3 semanas no servio de Neurologia do hospital escolar da referida faculdade.

    Durante este perodo tive a oportunidade de conhecer uma realidade universitria

    organizacional e estruturalmente diferentes da Faculdade de Medicina Veterinria da

    Universidade Tcnica de Lisboa, onde me encontro inserida. Neste estgio pude

    compreender a importncia da abordagem inicial ao doente e da realizao do exame fsico

    e neurolgico sistematizados. A subsequente realizao do estgio curricular nos hospitais

    das faculdades de Medicina Veterinria de Utrecht-Holanda e de Medicina Veterinria de

    Helsnquia-Finlndia deu-me novamente a oportunidade de conhecer duas realidades e

    modos de trabalhar diferentes entre si e distintos da realidade portuguesa. Nas consultas de

    Neurologia a que assisti durante os estgios, pude constatar que a realizao sistematizada

    do exame neurolgico permite a identificao da localizao da leso e oe estabelecimento

    de medidas de diagnstico, de tratamento e ndice de prognstico adequados.

    1.2.

    Esta dissertao tem como objectivo principal enfatizar o contributo do exame neurolgico

    completo na deduo fivel da localizao de leses neurolgicas em doentes caninos. O

    sistema nervoso tem como capacidades a recepo, a conduo, a transmisso e a

    integrao de informao. A integridade deste pode ser avaliada de um modo directo, pela

    medio da actividade elctrica associada ao mesmo e de modo indirecto, pela actividade e

    resposta motoras a estmulos variados (Rijnberk & de Vries, 1995). O exame neurolgico

    completo um meio de avaliao indirecto, realizado com o intuito de averiguar se osistema nervoso se encontra afectado num animal com um quadro sintomatolgico suspeito

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    (Rijnberk & de Vries, 1995; International Veterinary Information Service [IVIS], 2001). O

    desafio consiste na compreenso dos vrios passos constituintes do exame neurolgico e

    da importncia deste para a obteno de um diagnstico neuro-anatmico correcto. Esta

    possvel tendo o conhecimento da anatomia do sistema nervoso e particularidades da

    espcie canina, conjunto de sinais clnicos por eles apresentados e a sua resposta aos

    testes realizados. Pretende-se assim:

    1. Demonstrar a importncia do exame neurolgico como instrumento para a distino entre

    doentes com patologia neurolgica e doentes com patologia de outros sistemas orgnicos;

    2. Caracterizar os sinais clnicos indicativos de patologia neurolgica, assim como os testes

    existentes mais adequados para os identificar;

    3. Demonstrar a associao slida existente entre o conjunto de sinais neurolgicos

    manifestados pelo doente e a respectiva localizao da leso neurolgica presente, atravs

    da bibliografia consultada;

    4. Proceder a uma anlise qualitativa dos sinais neurolgicos de cada doente identificados

    no exame neurolgico para deduzir correctamente a localizao da leso neurolgica nos

    casos clnicos observados.

    5. Mostrar a existncia de indicadores reveladores de prognstico obtidos durante a

    realizao do exame neurolgico completo.

    1.4.

    Decidi fazer o meu estgio curricular fora de Portugal por entender que diferentes sistemaseducativos e diferentes maneiras de trabalhar so uma fonte importante de aprendizagem

    profissional e pessoal. A meu ver, foi um esforo acrescido presso de aprendermos e

    lidarmos com a futura responsabilidade que a nossa profisso acarreta, com todos os

    desafios e incertezas que nos esperam. Decidi realizar parte do estgio no hospital escolar

    de animais de companhia de Utrecht-Holanda, por 6 semanas (o tempo mximo permitido) e

    o estgio oficial em animais de companhia em Helsnquia-Finlndia, por um perodo de 3

    meses (figura 1). Foi um desafio integrar-me em sistemas to diferentes do nosso, com uma

    Lngua e Cultura prprias. Esta escolha levou-me a uma interiorizao de perspectivasdiferentes das minhas e a uma humildade necessria para as compreender e aceitar. Esta

    tomada de conscincia permitiu-me tornar-me mais crtica em relao ao que vejo e ao que

    penso enquanto aluna finalista de medicina veterinria e foi mais um passo importante no

    meu percurso.

    Em Utrecht, passei as manhs no hospital escolar de animais de companhia de 3 de

    Novembro a 12 de Dezembro de 2008. Durante as tardes assisti a aulas leccionadas sobre

    variados temas, onde so colocadas questes prticas. Passei 4 das 6 semanas no servio

    de Medicina Interna, onde assisti a consultas das vrias especialidades existentes:Endocrinologia, Gastroenterologia, Hematologia, Cardiotorcica, Hepatologia, Neurologia,

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    Oncologia, Teriogenologia e no servio de Internamento de Medicina Interna. Assisti a

    consultas e componente cirrgica de Ortopedia durante uma semana e passei a minha

    ltima semana na clnica de aves e de animais exticos.

    Durante o estgio na Finlndia, de 5 de Janeiro a 31 de Maro de 2009, frequentei o hospital

    escolar de animais de companhia diariamente. Estive uma semana no servio de

    Imagiologia e as 3 semanas seguintes no servio de cirurgia (2 semanas em Ortopedia e 1

    semana em Neurologia). Assisti a cirurgias e a aulas sobre temas destas 2 especialidades,

    fiz parte integrante do trabalho clnico dirio e tomei parte nas cirurgias, sempre com o

    auxlio dos alunos do meu grupo. Passei as 6 semanas seguintes no servio de Medicina

    Interna. Assisti a consultas de Cardiologia, de Dermatologia, de Acupuntura, de clnica geral,

    tive acesso ao servio de Cuidados Intensivos e ao servio de Internamento de Medicina

    Interna, onde assisti e me envolvi nos tratamentos e procedimentos necessrios.

    1 H

    Dos animais que acompanhei, mantive registo de 149. Destes, 125 (84%) foram candeos,16 (10,7%) foram felinos, 3,4% foram aves (1 corvo e 4 periquitos) e 2% animais exticos (1

    furo, 1 tartaruga e 1 coelho). Dos 149 animais vistos e registados, 69% so do sexo

    masculino.

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    4

    2

    1 H

    Electrocardiografia Arritmias Supraventriculares e Ventriculares

    Oftalmologia Patologia e casos clnicos

    Hematologia Hemoparasitas

    Imagiologia Ecografia aplicada a casos clnicos

    Ortopedia Fracturas, Panostete, ODH, OCD, FPC, NUPA, DAD,

    Luxaes, Poliartrite Imunomediada

    Neurologia Localizao de leses e casos clnicos

    Dermatologia Casos clnicos

    Toxicologia Mordedura por vbora

    Cardiologia Cardiomiopatias Felinas

    Outras Relao mdico veterinrio/cliente e doente

    2.

    Sero apresentados de seguida os passos constituintes do exame neurolgico segundo

    vrios autores, no qual sero introduzidos conceitos e testes que sero referidos ao longo

    da dissertao, facilitando assim a organizao e a compreenso dos termos utilizados por

    parte do leitor.

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    15/105

    5

    2.1.

    Apesar da crescente disponibilidade de exames complementares em medicina veterinria, o

    exame neurolgico completo e o conhecimento antomo-funcional do sistema nervoso

    continuam a ser os componentes mais determinantes no diagnstico clnico para alocalizao de uma leso neurolgica (IVIS, 2001). atravs do exame neurolgico que os

    sinais clnicos anormais so avaliados. Estes sinais clnicos so a base das sndromes

    neurolgicas e permitem a localizao de leses do sistema nervoso e a avaliao da sua

    gravidade para a elaborao de uma lista de diagnsticos diferenciais adequada (Braund &

    Sharp, 2003). Para tal devem ser obtidas uma anamnese cuidada, um exame fsico

    completo seguido do exame neurolgico, avaliao da lista de problemas obtida e

    estipulao dos exames complementares apropriados. A realizao prvia do exame fsico

    completo muito importante pois a disfuno de outros sistemas orgnicos pode afectar osistema nervoso (Braund & Sharp, 2003; de Lahunta & Glass, 2009). A ordem pela qual as

    diferentes partes do exame neurolgico so efectuadas funo da cooperao do animal,

    que normalmente aumenta com o decorrer do exame. Se o doente estiver demasiado

    ansioso ou agressivo, deve aguardar-se que ele acalme ou ento no se fazer o exame,

    pois para alm do stress induzido no doente existe um risco real do clnico e assistentes se

    magoarem a si e ao animal e os resultados obtidos no sero fiveis (de Lahunta & Glass,

    2009). O clnico deve ter sempre em considerao as caractersticas inerentes raa do

    doente em questo aquando da realizao do exame neurolgico, pois diferentes espcies eraas tm diferentes prevalncias etiolgicas que tm que ser tidas em conta para um

    possvel desfecho favorvel de cada caso clnico observado (Rijnberk & de Vries, 1995).

    Os instrumentos necessrios para proceder ao exame neurolgico so um plexmetro, uma

    pina hemosttica e uma fonte de luz. Pode recorrer-se a uma zaragatoa humedecida para

    se proceder ao reflexo corneano (Rijnberk & de Vries, 1995). Segundo Dewey (2003), o

    exame neurolgico deve ser realizado de modo sistematizado, para permitir a obteno da

    maior quantidade possvel de informao. Existem formulrios que devem ser seguidos para

    no se omitir nenhum passo do exame. O formulrio apresentado de seguida adaptado do

    formulrio usado na faculdade de Medicina Veterinria de Utrecht-Holanda.

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    6

    3 F ( & , 1995)

    FORMULRIO DO EXAME NEUROLGICO

    DONO DOENTE CLNICO

    Nome: Nome: N de registo:

    Morada: Raa: Especialidade:Cidade: Data de nascimento:

    Contacto (Casa): Peso:Clnico:

    Contacto (Emprego): N de Identificao: Data:

    ANAMNESE

    Motivo da consulta: Durao:

    INCIO

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    Atrofia Hipertrofia Dor muscular:Atonia Hipotonia Normotonia HipertoniaMEMBROS

    Localizao das alteraes detectadas:

    ALTERAES DA

    CABEAPosio Forma Movimento

    Msculos da mastigao Dto Esq Dto Esq Dto EsqPlpebras Dto Esq Dto Esq Dto Esq

    Pupilas Dto Esq Dto Esq Dto Esq

    Lngua Dto Esq Dto Esq Dto Esq

    Ouvidos Dto Esq Dto Esq Dto Esq

    Msculos faciais Dto Esq Dto Esq Dto Esq

    Globo ocular Dto Esq Dto Esq Dto Esq

    Mandbula Dto Esq Dto Esq Dto Esq

    Viso Audio Olfacto

    REFLEXOS/REACES (0=Ausente, 1=Presente, 2=Exagerado, 3=Clnus)

    Reflexo pupilar directo Esquerdo DireitoReflexo pupilar consensual Esquerdo DireitoReflexo palpebral Esquerdo DireitoResposta de ameaa Esquerdo DireitoReflexo larngeo Esquerdo Direito

    Reflexos

    Cerebrais

    Reflexo de tosse Esquerdo Direito

    Posio da pata AD AE PD PEResposta de salto AD AE PD PEColocao tctil PD PE

    Colocao visual PD PEHemi-andamento Normal Dfices

    Teste do carro de mo Normal Dfices

    Reaces Posturais

    Reflexo postural

    de extensoAEAD ADAE PEPD PDPE

    Extensor radial do carpo Esquerdo DireitoPatelar Esquerdo DireitoFlexo AD AE PD PE

    Reflexos Espinhais

    Perineal/anal Dfices

    Sensao dor Superficial Profunda

    Focal Multifocal Difusa

    Crebro Cerebelo Tronco CerebralLOCALIZAO

    DA LESOMedula espinhal C1-C5 C6-T2 T3-L3 L4-S5

    Perifrico:

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    8

    2.1.1.

    O estado de conscincia do doente e a sua noo do meio que o envolve s podem ser

    avaliados pela interpretao subjectiva do comportamento deste (Rijnberk & de Vries, 1995).

    Deve ser dado tempo ao animal para este poder explorar a sala de consulta (Rijnberk & de

    Vries, 1995; de Lahunta & Glass, 2009). Um comportamento alterado s pode ser avaliado

    se ocorrer periodicamente ou se consistir em alteraes subtis, casos em que os relatos do

    dono podem ser as nicas provas de uma possvel alterao neurolgica (Rijnberk & de

    Vries, 1995; Dewey, 2003). Para se avaliar correctamente o estado de conscincia do

    doente, o estmulo apresentado ao animal e a sua reaco a ele tm que ser

    cuidadosamente descritos (natureza e durao de ambos) (Rijnberk & de Vries, 1995). O

    doente pode estar alerta e atento ao ambiente que o rodeia, respondendo de modo

    apropriado aos estmulos recebidos. Pode estar deprimido ou letrgico, em que responde

    aos estmulos apresentados mas mostra pouca actividade espontnea. Se o doente estiveraptico e s responder a estmulos fortes, encontra-se num estado de estupor/semi-coma.

    Quando em coma, o doente apresenta-se inconsciente e no possvel obter uma reaco

    por parte deste, mesmo na presena de estmulos nociceptivos (Rijnberk & de Vries, 1995;

    Dewey, 2003). O doente pode ainda encontrar-se num estado de demncia ou delrio,

    desorientao, hiperactividade ou agressividade,durante o qual se apresenta consciente e

    alerta mas com um comportamento alterado e uma resposta inadequada aos estmulos

    apresentados (Dewey, 2003; de Lahunta & Glass, 2009).

    2.1.2.

    A avaliao da atitude do doente deve ser feita num piso no escorregadio com rea

    suficiente para que o animal possa ser conduzido trela. importante avaliar se o animal

    no se quer mover ou se no capaz de o fazer (de Lahunta & Glass, 2009). A atitude

    referente posio da cabea e dos olhos do doente em relao ao seu corpo. O animal

    pode ter uma inclinao da cabea (um dos pavilhes auriculares estar numa posio mais

    baixa que o outro) ou pleurottonus (pescoo e o tronco em flexo lateral com a

    concavidade virada para o lado da leso). Pode ter tremores musculares, um ngulo tarsalou uma posio da cauda anormais para a sua raa.

    Existem padres caractersticos indicativos de um determinado diagnstico neuro-

    anatmico. Segundo de Lahunta e Glass (2009), os padres de actividade motora podem

    ser descritos em 2 tipos de parsia e 3 tipos de ataxia ou incoordenao. A parsia

    caracterizada pela perda parcial de movimento voluntrio, em que h uma deficiente

    capacidade em gerar movimento ou em suportar o prprio peso. O animal demonstra uma

    mplitude de movimentos diminuda, cansa-se mais facilmente que o normal e revela uma

    perda de tnus muscular. Esta definio inclui os 2 tipos de parsia: neuromuscular (do

    neurnio motor perifrico ou LMN), ou do neurnio motor central (UMN). A primeira

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    caracterizada por uma dificuldade do animal em suportar o prprio peso. Um doente

    ambulatrio apresenta uma passada mais curta que o normal, pode apresentar tremores

    musculares nos membros afectados e procurar deitar-se frequentemente. importante

    excluir uma afeco ortopdica atravs de um exame ortopdico completo. A parsia do

    neurnio motor central leva a um atraso no incio de cada passada, com uma mplitude

    maior que a normal. Normalmente o sistema proprioceptivo geral tambm est afectado, o

    que leva a uma parsia associada a uma ataxia proprioceptiva geral (descrita aquando do

    referido sistema). Segundo Rijnberk e de Vries (1995), quando somente um dos membros

    est afectado, esta chamada de monoparsiaou monoplegia (consoante a perda parcial

    ou total de movimento voluntrio) e hemiparsiaou hemiplegia, quando apenas uma metade

    do corpo est afectada. Quando apenas os membros plvicos esto afectados, esta

    chamada de paraparsia/paraplegia e de tetraparsia ou tetraplegia, quando todos os

    membros esto afectados.

    A ataxia consiste numa alterao das actividades motora e de coordenao das diferentes

    partes do corpo (Dewey, 2003). Esta pode ser de 3 tipos: proprioceptiva geral (PG),

    vestibular (sistema proprioceptivo especial) e cerebelar (Dewey, 2003; de Lahunta & Glass,

    2009) que sero descritas nos sistemas respectivos.

    A postura referente posio do corpo do animal relativamente aco da gravidade

    (Dewey, 2003). Uma postura normal compreende uma posio simtrica de todos os

    membros e a apresentao da cabea, pescoo, tronco e cauda numa posio

    caractersticas de animais saudveis da mesma raa. Alteraes na postura devem serdescritas em termos de localizao, direco e tempo. O doente pode apresentar a coluna

    em cifose (hiperflectida), lordose (em hiperextenso) ou escoliose (curvatura lateral)

    (Rijnberk & de Vries, 1995). Segundo Dewey (2003), as vrias posturas anormais podem ser

    indicativas de disfuno neurolgica, que sero descritas consoante a leso do sistema em

    que surgem. As alteraes de postura podem ser avaliadas atravs das reaces posturais

    do doente.

    : Estas testam as vias neurolgicas reflexas, ascendentes e

    descendentes da medula espinhal e crebro (Braund & Sharp, 2003). As reaces posturaisso de extrema importncia na avaliao de disfuno do sistema nervoso pois s se

    apresentam normais quando todos os componentes nervosos centrais e perifricos do

    membro a testar esto intactos. A colocao do corpo do animal, ou partes dele, em

    posies anormais pode indicar alteraes subtis no identificadas durante a observao da

    locomoo do animal. Uma resposta alterada a estas ser assim o primeiro indcio de uma

    leso progressiva do sistema nervoso central ou perifrico que afecte o movimento do

    membro testado (de Lahunta & Glass, 2009). Segundo Dewey (2003), as reaces posturais

    ajudam distino entre leses ortopdicas e leses neurolgicas, pois animais com lesesortopdicas normalmente no tm alteraes de propriocepo. O examinador tem que,

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    contudo, pr a presso adequada no membro a testar para garantir uma resposta fidedigna

    (Rijnberk & de Vries, 1995). Cada membro testado individualmente e as respostas entre os

    membros contralaterais devem ser iguais entre si. Doentes com leses prosenceflicas

    tero dfices posturais contralaterais leso e se tiverem leses no tronco cerebral

    apresentaro dfices ipsilaterais a estas (Braund & Sharp, 2003). Num animal tetraplgico

    ou paraplgico as reaces posturais estaro sempre alteradas, no tendo por isso valor de

    diagnstico anatmico. Nos restantes membros, podem testar-se as seguintes reaces

    posturais: teste de propriocepo/posio da pata, respostas de colocao tctil e de

    colocao visual, resposta de salto, hemi-andamento, teste do carro de mo, reflexo

    postural de extenso ereaco extenso do pescoo. As reaces posturais tm que ser

    vistas no contexto dos sinais apresentados para uma correcta apreciao das alteraes

    detectadas.

    1. Teste de propriocepo/Posio da pata:Deve suportar-se o peso do animal e colocar-se

    a face dorsal de uma das patas em contacto com o cho. A reaco normal do animal ser a

    reposio imediata da pata na posio inicial. Uma leso neurolgica numa fase inicial pode

    ser detectada atravs de alteraes de propriocepo (Rijnberk & de Vries, 1995; Dewey,

    2003; de Lahunta & Glass, 2009).

    2.Resposta de salto: Segundo de Lahunta e Glass (2009), esta a reaco postural mais

    fidedigna. Quando o peso do animal colocado sobre um dos membros, a mudana do seu

    centro de gravidade lateralmente levar a uma tentativa de manter o membro sob o corpo

    para reajustamento do centro de gravidade. O deslocamento lateral do membro na direcodo movimento deve ser rpido e uma resposta diferente desta deve ser considerada

    patolgica. Este teste um bom meio de detectar fraqueza e assimetria ligeiras e deve ser

    efectuado quando os restantes testes no so elucidativos, assim como em animais grandes

    em que o teste anterior difcil de realizar (Rijnberk & de Vries, 1995; de Lahunta & Glass,

    2009).

    3. Teste de hemi-andamento: Os membros de um dos lados do doente so levantados em

    simultneo e o animal deslocado cranial ou lateralmente. O animal deve mover os

    membros de modo coordenado.Leses:Em leses prosenceflicas unilaterais, o doente pode ter um andamento normal

    mas apresentar neste teste um dfice contralateral leso. Em leses medulares unilaterais

    graves o doente pode ser incapaz de suportar o seu peso no lado da leso. Se a leso

    unilateral for toracolombar o animal pode no suportar peso no membro plvico do mesmo

    lado. As leses cerebelares podem levar a hipermetria (Braund & Sharp, 2003). Este teste

    pode ser feito em animais muito grandes, em que o teste anterior difcil de realizar (de

    Lahunta & Glass, 2009).

    4. Respostas de colocao:Nos ces em que a resposta de salto difcil de interpretar,podem avaliar-se as respostas de colocao. Na resposta de colocao tctil, o doente

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    colocado em posio vertical com os olhos cobertos e deslocado na direco de uma

    mesa at que as patas dos membros torcicos toquem nela. A resposta normal ser a flexo

    ligeira dos membros, seguida de uma tentativa de apoiar os membros na mesa, deslocando

    o membro para a frente. Este teste menos usado para os membros plvicos por dar

    respostas menos consistentes. A ausncia de uma resposta normal no necessariamente

    indicativa de leso neurolgica, devido a uma possvel supresso do arco reflexo pelo crtex

    cerebral (Rijnberk & de Vries, 1995; Dewey, 2003; de Lahunta & Glass, 2009). Na resposta

    de colocao visual repetido o teste anterior mas sem se cobrirem os olhos do doente. O

    animal saudvel tentar colocar os membros torcicos na mesa antes de chegar a ela.

    5. Teste do carro de mo:Em doentes cuja disfuno dos membros torcicos no muito

    evidente pode testar-se esta reaco,em que se suporta o peso do animal sob o abdmen

    (para que os membros plvicos no toquem no cho) e este deslocado para a frente. A

    resposta normal ser a deslocao cranial alternada e simtrica de ambos os membros

    torcicos. Deve segurar-se a cabea e o pescoo em extenso, o que aumenta a exigncia

    sobre o sistema proprioceptivo geral (Rijnberk & de Vries, 1995; Dewey, 2003; de Lahunta &

    Glass, 2009).

    Leses: Os doentes com leses dos nervos perifricos, medula espinhal, tronco cerebral ou

    prosencfalo, podem apresentar respostas alteradas (movimentos assimtricos, tropear ou

    colocao da face dorsal das patas no cho). Em leses medulares mais graves h a

    tendncia para a flexo da cabea, com o focinho a tocar no cho ou perto dele. Este teste

    pode estar normal em animais com leses medulares toracolombares e com sndrome deSchiff-Sherington (Braund & Sharp, 2003).

    6. Reflexo postural de extenso:De acordo com Braund e Sharp (2003), o doente apoiado

    pelas axilas at que os seus membros plvicos toquem no cho. Estes ficam em extenso e

    hipertonia para suportarem o peso do corpo. Frequentemente os animais do alguns passos

    para trs quando os membros plvicos tocam no cho.

    Leses: Em leses superficiais unilaterais da medula espinhal, apenas o membro do lado

    no afectado se mover normalmente. Em leses profundas, nenhum dos membros se

    mover. Se a leso for cerebral, o lado contralateral leso estar alterado e em lesesvestbulo-cerebelares ser o lado ipsilateral leso a apresentar dfices. Os membros

    torcicos podem ser avaliados se se suportar o animal pela regio plvica (Braund & Sharp,

    2003).

    7. Reaco extenso do pescoo: Estas reaces so o resultado da coordenao dos

    centros vestibulares com os msculos do pescoo e receptores articulares. O animal

    colocado em estao, a sua cabea elevada e o pescoo colocado em extenso. Um

    animal sem alteraes neurolgicas estender os membros torcicos e flectir parcialmente

    os membros plvicos. Quando a cabea flectida ventralmente, ocorrer a semi-flexo dosmembros torcicos e a extenso dos membros plvicos. Quando a cabea rodada

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    lateralmente o animal estender os membros torcico e plvico do lado para o qual se rodou

    a cabea (Braund & Sharp, 2003).

    Leses: Leses no sistema vestibular levam a alteraes ipsilaterais. Um animal com leso

    medular cervical ou do tronco cerebral pode no estender os membros torcicos quando a

    cabea elevada, estas articulaes flectem passivamente e o animal suporta o peso na

    face dorsal da pata do membro apoiado (Braund & Sharp, 2003).

    Segundo Braund e Sharp (2003), as reaces posturais mais relevantes so a resposta de

    salto, o teste do carro de mo, o teste de propriocepo e o reflexo postural de extenso. A

    ocorrncia de dfices em duas ou mais reaces em qualquer dos membros avaliados

    indicativo de uma alterao neurolgica significativa. As reaces posturais do uma

    indicao regional da zona afectada e o seu contributo para a identificao da localizao da

    leso depender dos restantes passos do exame neurolgico.

    2.1.3.

    De acordo com Rijnberk e de Vries (1995), o tnus muscular avaliado pela resistncia

    oferecida durante a execuo de movimentos passivos dos membros. Este pode ser

    classificado como normal (normotonia), ausente (atonia), diminudo (hipotonia), aumentado

    (hipertonia), com mudana sbita de hipertonia para hipotonia e hipertonia dos membros

    torcicos e atonia dos membros plvicos (fenmeno de Schiff-Sherrington). O doente pode

    apresentar tremores (movimentos rtmicos e oscilatrios) que resultam da contraco de

    grupos de msculos antagonistas. Os tremores podem ser focais ou afectar todo o corpo doanimal. Pode ser um tremor postural (que ocorre quando o membro afectado ou a cabea

    esto direccionadas contra a aco da gravidade) ou um tremor de inteno/terminal

    (quando a parte afectada se direcciona para um alvo). Quando o doente apresenta um

    relaxamento muscular retardado seguido de contraco muscular, este chamado de

    miotonia e uma rigidez muscular que melhora com exerccio. De acordo com Dewey

    (2003), na mioclonia verifica-se uma contraco muscular curta que resulta no movimento

    de espasmo de uma das partes do corpo. Os tiques esto normalmente associados a

    contraces no rtmicas dos msculos faciais (Rijnberk & de Vries, 1995).Deve fazer-se uma palpao cuidada para se detectar uma possvel atrofia muscular. Esta

    pode ser neurognica (por desinervao do msculo palpado) ou no neurognica (por

    desuso).

    2.1.4.

    Segundo de Lahunta e Glass (2009), os reflexos espinhais avaliam a integridade da medula

    espinhal na zona que abrange o respectivo membro. Estesreflexos necessitam que as suas

    componentes sensorial e motora estejam ntegras para ocorrerem de modo adequado. Nos

    membros torcicos podem avaliar-se os seguintes reflexos: reflexo de flexo, do bicpede

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    braquial(testa os nervos espinhais C6 e C7), do tricpede braquial (testa o nervo radial e os

    segmentos C7, C8 e T1) e do extensor radial do carpo (testa a integridade do ramo profundo

    do nervo radial, no antebrao). Estes ltimos reflexos so teis quando presentes mas tm

    pouco valor quando ausentes, pois nem sempre so passveis de se obterem num animal

    saudvel. O nico reflexo fivel nos membros torcicos o reflexo de flexo. Nos membros

    plvicos, podem ser testados os reflexospatelar, tibialcranial, do gastrocnmioe o reflexo

    de flexo sendo, o reflexo patelar o mais fidedigno neste membro.

    Os reflexos espinhais sero descritos no Sistema Eferente Somtico Geral (ESG). Podem

    ser classificados como estando ausentes ou como sendo fracos, normais, exagerados ou

    clnicos (flexo e extenso repetidas em resposta a um nico estmulo) (Rijnberk & de

    Vries, 1995; Dewey, 2003).

    2.1.5.

    Os nervos cranianos (CN) so constitudos por extenses e ligaes neuronais envolvidas

    em funes dentro e fora da cabea, provenientes das estruturas intracranianas. Estes

    nervos so anlogos aos nervos espinhais (com os corpos celulares dentro da medula

    espinhal ou gnglios associados e que fazem ligao aos rgos perifricos). Os corpos

    celulares dos neurnios dos nervos cranianos permanecem nos ncleos intracranianos e

    ligam-se a receptores perifricos, a rgos no interior da cabea e por vezes a outras partes

    do organismo (Bagley, 2005). Existem doze pares de nervos cranianos que so designados

    pelo seu nome ou por numerao romana (de I a XII). Os pares de nervos cranianos so osseguintes, por ordem crescente de numerao: olfactivo, ptico, oculomotor, troclear

    trigmio, abdutor, facial, vestbulo-coclear, glossofarngeo, vago, acessrio e hipoglosso

    (Ilustrao 1). A sua avaliao atravs do exame neurolgico ser descrita nos sistemas em

    que estes se inserem (Dewey, 2004; Wheeler, 2004; Bagley, 2005; Lorenz & Kornegay,

    2005; de Lahunta & Glass, 2009).Quando existentes, as alteraes nos nervos cranianos

    so ipsilaterais leso neurolgica (Lorenz & Kornegay, 2004).

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    1 (

    L & G, 2009)

    2.1.6.

    Segundo Rijnberk e de Vries (1995) e Dewey (2003) deve fazer-se a inspeco e palpaocuidadas e sistematizadas da cabea (integridade dos msculos faciais, auriculares, globo

    ocular, abrir a boca do animal), coluna (alteraes na curvatura, atrofia, massas e dor

    manipulao das vrtebras) e dos membros (dimenso, tnus e temperatura musculares,

    alterao da conformao ssea). A palpao superficial deve ser seguida de uma palpao

    profunda se no houver evidncia de dor manipulao das vrias zonas consideradas. A

    palpao profunda permite a manipulao e deteco de zonas alteradas. Contudo

    (segundo Rijnberk & de Vries, 1995) se o animal se queixar, se retrair ou se se verificar

    tenso muscular palpao no necessrio manipular a zona desnecessariamente poispode comprometer-se uma luxao ou fractura instveis.

    2.1.7.

    A dor pode ser classificada como sendo superficial (rpida) ou profunda (lenta). A primeira

    uma dor aguda, bem localizada e que tem como origem mais frequente a pele. Com uma

    pina hemosttica deve pinar-se uma prega de pele e aplicada uma fora de presso

    crescente at se obter uma resposta por parte do animal (flexo reflexa do membro ou

    presena do reflexo panicular/msculo-cutneo) indicando a integridade dos neurniosaferentes e segmentos espinhais associados. Uma resposta de comportamento (ganir ou

    EVG: Sistema Eferente Visceral GeralESG: Sistema Eferente Somtico Geral

    ESG

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    tentar morder o examinador) indica que as vias sensoriais ascendentes da medula espinhal

    e do tronco cerebral at ao prosencfalo esto intactas.A dor profunda pouco localizada,

    tem origem na pele ou em estruturas subjacentes e s deve ser avaliada quando o animal

    no manifesta dor superficial. Com uma pina hemosttica exerce-se compresso crescente

    dos dgitos ou da cauda at que surja uma resposta evidente por parte do animal. Um

    movimento de flexo s indica a integridade do arco reflexo do membro testado. A dor

    consciente implica uma resposta comportamental por parte do animal (vocalizao ou virar a

    cabea na direco do estmulo aplicado) (Dewey, 2003).

    De acordo com Sharp e Wheeler (2005), os feixes da substncia branca da medula espinhal

    so compostos por fibras de diferentes dimetros, sendo a maioria destas mielinizada. As

    fibras mielinizadas so as maiores, as com maior velocidade de conduo de impulsos

    nervosos e as que transmitem a propriocepo. As fibras motoras so mielinizadas e de

    dimetro mdio. A percepo dor transmitida por fibras mielinizadas de pequeno

    dimetro e por fibras no mielinizadas. As fibras maiores so as mais susceptveis a leso

    por efeitos de compresso, sendo as fibras no mielinizadas as mais resistentes. A

    progresso dos sinais clnicos em leses de gravidade crescente influenciada por estes

    factores. Assim sendo, leses ligeiras levam perda de propriocepo e em ordem

    crescente de gravidade, perda de capacidade de suportar o prprio peso, perda de

    movimento voluntrio e, por ltimo, perda de sensibilidade dor profunda. Igualmente

    importante a posio relativa dos feixes na medula espinhal. Os feixes mais superficiais

    (feixes proprioceptivos ascendentes) so os mais susceptveis a leses compressivas e osfeixes que transmitem a sensao dor tm uma posio mais central e protegida na

    medula espinhal. Estes feixes esto dispersos pela medula a vrios nveis sendo por isso

    necessria uma leso que comprima a maior parte do dimetro medular para se perder

    totalmente a sensao dor profunda. Estas localizaes e o facto de as fibras

    responsveis pela sensao dor serem as mais resistentes a leses so uma explicao

    prtica do prognstico reservado de um doente que no exame neurolgico no mostre dor

    profunda a um estmulo nociceptivo (estmulo nocivo).

    Segundo Thomas (2000), aps a determinao da localizao da leso resta a identificaoda sua causa. Esta feita por anlise cuidada da anamnese e resultados dos exames

    neurolgico e complementares. A etiologia das afeces neurolgicas mais frequentes pode

    ser enquadrada em categorias gerais tais como alteraes de desenvolvimento,

    degenerativas, metablicas, inflamatrias, txicas, vasculares e neoplasias.

    Como referido anteriormente, os vrios testes realizados no exame neurolgico s tm

    aplicao til se o clnico tiver um conhecimento estrutural e funcional do sistema nervoso

    adequado, para poder interpretar os resultados obtidos correctamente. As bases do

    conhecimento antomo-funcional do sistema nervoso sero apresentadas de seguida.

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    16

    2.2.

    Todas as actividades fisiolgicas do organismo assentam na integridade e funcionamento

    adequados do sistema nervoso e no conhecimento de que a avaliao clnica de alteraes

    neurolgicas baseada nas seguintes premissas:

    1. As leses neurolgicas do origem a sinais clnicos caractersticos da reaque afectam;

    2. A ocorrncia de leses neurolgicas est associada, por norma, a reas

    especficas do sistema nervoso;

    3. Estes sinais podem ser usados para se localizar anatomicamente as leses

    neurolgicas identificadas (Bagley, 2005).

    O diagnstico neuro-anatmico consiste na abordagem do doente neurolgico e no

    conhecimento das bases morfolgicas e fisiolgicas que permitem a identificao de leses

    do sistema nervoso. A elaborao de uma lista de diagnsticos diferenciais facilitada pelaclassificao do sistema nervoso em termos anatmicos e funcionais. Esta permite a

    identificao da localizao exacta da leso possibilitando assim a implementao da

    teraputica mais adequada a cada doente. Segundo Bagley (2005) e de Lahunta e Glass

    (2009) a classificao funcional do sistema nervoso facilita bastante a sua aprendizagem. A

    organizao do sistema nervoso central descrita de seguida essencialmente apresentada

    em termos anatmicos, sendo os seus constituintes posteriormente includos nos sistemas

    funcionais do sistema nervoso perifrico que integram. A apresentao do sistema nervoso

    perifrico ser feita de acordo com a classificao utilizada por Lorenz e Kornegay (2004) ede Lahunta e Glass (2009).

    2.2.1.

    Segundo Bagley (2005), o Sistema Nervoso Central (SNC) tem como papel a integrao das

    vrias funes associadas aos estados de conscincia, cognitivo e de alerta do animal

    resultando em respostas coordenadas do organismo e adequadas a cada situao. Apesar

    de complexo, existe um padro relativamente constante de organizao dos nervos e suas

    ligaes no sistema nervoso, que permitem uma compreenso dos seus componentes

    estruturais e funcionais. Vrios destes componentes so responsveis pelas aces

    voluntrias e motivaes, sendo considerados os centros superiores do sistema nervoso.

    O SNC composto pelo crebro e pela medula espinhal. Em termos anatmicos, as

    estruturas cerebrais podem ser classificadas segundo a sua posio relativamente ao

    formen magnum: as estruturas situadas rostralmente ao formen so denominadas de

    estruturas intracranianas e as localizadas caudalmente a este (medula espinhal e nervos

    perifricos) so os componentes extracranianos do sistema nervoso. Dentro das estruturas

    intracranianas, o tentrio do cerebelosepara os lobos occipitais dos hemisfrios cerebrais,

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    cranialmente, do cerebelo (localizado caudalmente a esta estrutura de referncia). As

    estruturas situadas cranialmente a este eixo formam a regio supratentorial e as estruturas

    situadas caudalmente a ele formam a regio infratentorial. A regio supratentorial

    constituda pelo telencfalo, diencfalo, parte rostral dos pednculos cerebrais, sistema

    lmbico e hipfise. A regio infratentorial contm a ponte, o bulbo raquidiano e o cerebelo.

    Segundo Bagley (2005), Lorenz e Kornegay (2004) e de Lahunta e Glass (2009) e a

    nomenclatura vigente na FMV, o crebro constitudo pelas seguintes regies, no sentido

    crnio-caudal: crtex cerebral (telencfalo), tlamo, hipotlamo e epitlamo (diencfalo),

    cerebelo e tronco cerebral. O tronco cerebral constitudo pelos pednculos cerebrais, pela

    ponte e pelo bulbo raquidiano ou medula oblonga. Ao conjunto do telencfalo e do

    diencfalo d-se o nome de prosencfalo (Ilustrao 2).

    2 ( L & K, 2004)

    Em termos funcionais, o SNC pode ser dividido nos sistemas motor (eferente), sensorial

    (aferente) e autonmo (aferente e eferente). O termo aferente refere-se conduo de

    informao em direco ao centro e normalmente referente a uma funo sensitiva. O

    termo eferente refere-se conduo de informao proveniente do centro e normalmente

    indica uma funo motora por parte do rgo efector (Lorenz & Kornegay, 2004).

    D

    C

    B

    C C

    C C

    H

    C

    B

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    18

    ()

    A funo motora mediada por dois sistemas de neurnios, os neurnios motores centrais

    (UMN) e os neurnios motores perifricos (LMN). O primeiro sistema tem um papel de

    controlo, coordenao e iniciao das funes motoras voluntrias (Lorenz & Kornegay,

    2004; Bagley, 2005; Sharp & Wheeler, 2005; de Lahunta & Glass, 2009). O sistema de

    neurnio motor central um neurnio ou grupo de neurnios que no sai do sistema

    nervoso central e que se projecta ao longo da medula espinhal para fazer sinapse (via

    interneurnios) com o neurnio motor perifrico, influenciando este ltimo positiva ou

    negativamente (Wheeler, 2004; Bagley, 2005). De acordo com de Lahunta e Glass (2009),

    as funes do UMN so as seguintes:

    1. Iniciao da actividade voluntria do sistema motor;

    2. Manuteno do tnus muscular que permite a manuteno da posio do animal face

    gravidade e execuo dos movimentos voluntrios;3. Controlo da actividade muscular associada s funes viscerais (cardiovascular,

    respiratria e excretora).

    O sistema UMN encontra-se dividido nos sistemas piramidal e extra-piramidal(Bagley, 2005;

    de Lahunta & Glass, 2009). O sistema piramidal permite a execuo de movimentos

    refinados mas no est envolvido na iniciao de movimentos. Regies associadas a

    funes mais desenvolvidas e precisas correspondem a reas maiores nesta rea motora. O

    sistema extra-piramidal est envolvido na locomoo e iniciao de movimentos voluntrios.

    Nos animais de companhia, o sistema extra-piramidal tem um papel mais relevante que osistema piramidal e os seus corpos celulares esto dispersos por todas as reas do crebro

    (de Lahunta & Glass, 2009).

    :Uma perda total do papel de inibio dos neurnios a nvel do prosencfalo leva

    ocorrncia de convulses. Leses no sistema piramidal resultam em dfices posturais nos

    membros contralaterais, apesar de o animal ter um andamento normal. Leses no sistema

    extra-piramidal tm mais relevncia clnica e resultam em pleurottonus, andamento em

    crculo, andamento sem objectivo e disfunes motoras. Estas podem ser de origem

    muscular (miotonia) e de origem nervosa (mioclonia) (de Lahunta & Glass, 2009). A maioriadas leses que afecta o UMN resulta na falta de inibio dos msculos extensores com

    papel de aco contra a gravidade, o que leva a uma hipertonia ou espasticidade destes

    msculos. Quando levantados, os animais mostram hipertonia e suportam o seu peso pela

    hiperextenso de todos os membros. O animal apresentar os reflexos espinhais

    aumentados, que podem ocorrer mais do que uma vez depois da aplicao do estmulo

    (clnus ps-reflexo) (Rijnberk & de Vries, 1995; Dewey, 2003). Pode ocorrer o chamado

    reflexo extensor cruzado pela mesma razo, em que alm da flexo do membro a ser

    testado h uma extenso do membro contralateral. Deve ser considerado anormal se o

    doente no apresentar nenhuma resistncia ao teste e indica uma disfuno na medula

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    espinhal (Rijnberk & de Vries, 1995; de Lahunta & Glass, 2009). Este reflexo patolgico

    suprimido num animal saudvel devido a impulsos sensoriais e pticos que actuam em

    neurnios espinhais. Num animal em estao este reflexo fisiolgico porque permite a

    manuteno da sua posio pela extenso de um membro enquanto o membro contralateral

    flectido (Rijnberk & de Vries, 1995). O doente ter as reaces posturais diminudas a

    ausentes pois como referido anteriomente, estas s se apresentam normais quando todos

    os componentes nervosos centrais e perifricos do membro a testar esto intactos.

    O sistema de neurnios inferiores (LMN) ser apresentado na seco referente medula

    espinhal e nos sistemas que integra (componentes geral e visceral do Sistema Eferente

    Somtico).

    .

    Este pode ser dividido em 4 reas (Wheeler, 2004):1. Prosencfalo;

    2. Cerebelo;

    3. Tronco cerebral;

    4. Sistema Vestibular.

    1. :

    i. Telencfalo: O telencfalo composto pelo neopallium, rinencfalo e corpo estriado

    (ncleos basais) do crebro e divide-se em dois hemisfrios cerebrais (de Lahunta & Glass,2009). Os hemisfrios cerebrais so constitudos por 2 componentes distintos, a substncia

    cinzenta (composta por corpos celulares de neurnios) e a substncia branca (processos

    axonais dos neurnios). O crtex cerebral constitui a superfcie externa do telencfalo,

    formado por vrias camadas de corpos celulares, est localizado entre a pia mater (meninge

    em contacto directo com o crtex, mais superficialmente) e a substncia branca (em

    contacto com o crtex, situada mais profundamente). O crtex cerebral est associado a

    funes como o estado de conscincia do animal, os estados emocional, mental,

    comportamental, de percepo e de controlo das funes motoras (Bagley, 2005).

    Os hemisfrios cerebrais esto funcionalmente divididos em 4 lobos:

    a)Frontal: lobo associado ao controlo da actividade motora;

    b) Temporal: lobo relacionado com o comportamento, aprendizagem, memria e funo

    auditiva;

    c) Parietal:lobo que controla funes sensitivas e auditivas;

    d) Occipital:lobo responsvel pela integrao das funes visuais.

    :O crebro uma estrutura relativamente grande e com funes bem localizadas,

    pelo que o animal pode apresentar apenas alguns dos sinais de seguida referidos,

    consoante a localizao da leso. Um doente com leso do telencfalo poder apresentar

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    convulses (um sinal importante de disfuno do prosencfalo), alteraes comportamentais

    e um estado mental alterado (desde depresso a semi-coma). As alteraes

    comportamentais (temperamento alterado, perder o treino previamente adquirido e no

    reconhecer o dono) sugerem a presena de alteraes do sistema lmbico (associado a

    funes comportamentais e emocionais) ou dos lobos frontal ou temporal. Se a leso for

    unilateral ou assimtrica, o animal pode andar em crculo (crculos grandes, normalmente

    para o mesmo lado da leso) e pressionar a cabea contra objectos (sinal conhecido como

    head pressing). O andamento em crculo no ajuda localizao da leso pois ocorre em

    leses do prosencfalo, do tronco cerebral (sndrome vestibular central) e do sistema

    vestibular perifrico. Leses do lobo frontal levam a um andamento sem objectivo (pacing).

    Se o animal estiver deprimido, letrgico, em estupor ou em coma, pode ser uma indicao

    de que houve separao do crtex cerebral do sistema reticular ascendente(ARAS). Uma

    depresso acentuada normalmente indicativa de leses no tronco cerebral (Lorenz &

    Kornegay, 2004; Wheeler, 2004). As leses cerebrais no levam a alteraes significativas

    da locomoo mas o animal apresentar dfices das reaces posturais e sensoriais

    contralaterais a leses unilaterais ou reaces posturais bilaterais anormais em situaes

    subagudas e uma hipoalgesia bilateral generalizada. Ter posturas de cabea e pescoo

    alteradas com alteraes de movimento e, ocasionalmente, pode apresentar uma parsia

    ligeira da face, lngua e faringe (Lorenz & Kornegay, 2004; de Lahunta & Glass, 2009). A

    presena de leses focais pode resultar numa perda de viso se o lobo occipital se

    encontrar afectado. Neste caso, o doente ter reflexos pupilares intactos mas uma respostade ameaa diminuda e uma diminuio da sensao facial no lado contralateral ao da leso

    (Lorenz & Kornegay, 2004, Wheeler, 2004).

    ii. Diencfalo: Localizado rostralmente aos pednculos cerebrais e caudalmente aos

    ncleos basais, composto pelo tlamo, epitlamo, hipotlamo e subtlamo. O diencfalo

    tem uma estrutura simtrica e rodeia o terceiro ventrculo. O tlamo a rea de passagem

    de axnios do tronco cerebral para os hemisfrios cerebrais e vice-versa e tem papel no

    sistema ARAS para a manuteno do estado de conscincia, sono e alerta. (Bagley, 2005;

    de Lahunta & Glass, 2009). O hipotlamo o centro principal de regulao da actividademotora visceral, cujos ncleos actuam como UMN do sistema nervoso autnomo.A poro

    cranial estimula o sistema parassimptico e a poro caudal estimula o sistema simptico a

    nvel sistmico (de Lahunta & Glass, 2009). responsvel pela regulao de actividades

    fisiolgicas bsicas inerentes manuteno da homeostase do organismo tais como a

    alimentao, homeostase da gua, da temperatura corporal e de funes reprodutoras.

    Tambm tem como funo a regulao da actividade de uma parte significativa do sistema

    endcrino do organismo por influenciar a hipfise (considerada a glndula principal do

    organismo) (Bagley, 2005; de Lahunta & Glass, 2009).

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    :Leses do tlamo (sistema lmbico) podem levar a agressividade, a um andamento

    sem objectivo, andamento em crculo, perdas de resposta ao dono e de hbitos adquiridos.

    A presena de alteraes variveis do estado de conscincia por interferncia no sistema

    ARAS (estado de estupor a semi-coma) num animal capaz de se manter em p e andar

    normalmente indicativo de leso dienceflica. Tal como nas leses cerebrais, a locomoo

    no se encontra significativamente alterada mas as leses unilaterais levam a um dfice

    contralateral das reaces posturais (Wheeler, 2004). Pode ocorrer tetraparsia ou

    hemiparsia (sinais do tipo UMN), consoante a extenso da leso (Lorenz & Kornegay,

    2004; Wheeler, 2004). O animal pode apresentar ocasionalmente ataxia vestibular, perda

    contralateral da viso e hipoalgesia generalizada. Os sinais mais caractersticos de leso do

    diencfalo esto relacionados com alteraes nas funes do hipotlamo e do eixo

    hipotlamo-hipofisrio. Alteraes frequentes so de origem comportamental (agressividade

    em leses hipotalmicas ventrais e letargia e fenmeno conhecido como star gazing, emque o animal olha para o cu, sem alvo fixo, em leses hipofisrias) (de Lahunta & Glass,

    2009).Outras alteraes frequentes so de natureza endcrina, em que o animal apresenta

    alteraes do apetite (polifagia ou anorexia consoante a regio afectada), do consumo de

    gua (com polidipsia e poliria compensatria, pode beber menos gua) e da

    termorregulao (Lorenz & Kornegay, 2004; Wheeler, 2004; de Lahunta & Glass, 2009). O

    doente pode apresentar um padro respiratrio conhecido como respirao de Cheyne-

    Stokes, caracterizado por um aumento e diminuio graduais do volume tidal intercalados

    por perodos de apneia. O hipotlamo est envolvido no mecanismo de regulao daglicmia. Leses nesta rea podem levar a hiperglicmia e glicosria, de origem pouco

    esclarecida. Uma alterao hipotalmica pode comprometer a regulao da frequncia

    cardaca normal pelo sistema nervoso autnomo, podendo o animal apresentar uma

    bradicardia significativa (de Lahunta & Glass, 2009).

    Se o hipotlamo no estiver afectado, difcil diferenciar leses do telencfalo de leses do

    diencfalo (Lorenz & Kornegay, 2004; Wheeler, 2004).

    a) Convulses: Os neurnios so clulas excitveis em contacto entre si por ligaes de

    estimulao e de inibio, num equilbrio constante. Se a estimulao for excessiva, aalterao neuronal consequente manifestada na forma de uma convulso. Esta representa

    uma descarga neuronal excitatria no controlada, com incio no prosencfalo. Os neurnios

    tm um limiar convulsivo que, quando diminudo, leva a convulses. Este o sinal de

    alterao do sistema nervoso mais frequentemente encontrado na prtica clnica de animais

    de companhia (de Lahunta & Glass, 2009).

    b) Epilepsia: Patologia crnica com recorrncia de convulses (Thomas, 2000).

    Cada convulso tem um perodo que a precede (prdromo), um perodo inicial de sinais

    focais motores ou sensoriais (aura), o perodo em que decorre a convulso (ictus), um

    perodo aps a convulso (ps-ictus). O perodo entre convulses chamado de inter-ictus.

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    A classificao das convulses nos animais domsticos no tem uma relao directa com a

    usada nos humanos, podendo estas ser classificadas como focais, parciais ou

    generalizadas. Uma convulso focal consiste na descarga espontnea de um pequeno

    nmero de neurnios no prosencfalo, mas sem expresso clnica. Uma convulso parcial

    uma entidade clnica em que a convulso focal tem uma disperso limitada. A maioria

    destas convulses ocorre em animais que tm uma leso estrutural. As convulses focais

    podem ser divididas em simples ou complexas. Na primeira no se observam alteraes

    comportamentais, ao contrrio do que sucede nas ltimas. Uma convulso parcial simples

    pode resultar por exemplo em tremores, flexo dos membros, mioclonia, hipersilia e

    midrase. Uma convulso parcial complexa implica uma alterao comportamental como por

    exemplo, o olhar para o ar (star gazing), andar atrs da prpria cauda, agressividade ou

    raiva anormais, morder o ar (fly biting) e perda de conscincia por breves perodos de

    tempo, entre outros. Este tipo de convulses sugere o envolvimento de componentes do

    sistema lmbico. Uma convulso generalizada a forma mais frequente nos animais de

    companhia e afecta o crebro de modo difuso. O animal pode perder a conscincia, com

    contraco dos msculos anti-gravitacionais, que leva a movimentos repetidos dos

    membros. Pode tambm ter hipersilia, com pupilas dilatadas e urinar ou defecar durante

    esse perodo. Este tipo de convulses dura normalmente 3 minutos, seguido de um perodo

    de recuperao. O animal pode ter apenas uma convulso num perodo de 24 horas, ou

    pode ter 2 ou mais convulses nesse perodo, com um intervalo inter-ictus normal

    (convulses em salva). atribudo o nome de status epilepticusa animais cujas convulsesduram mais de 5 minutos ou aquando da ocorrncia de vrias convulses, durante 30

    minutos, entre as quais o animal no recupera totalmente a conscincia. As convulses em

    salva e o status epilepticusso emergncias mdicas (de Lahunta & Glass, 2009). Segundo

    Thomas (2000), so vrios os factores que podem desencadear convulses, tais como

    privao do sono, no ingesto da medicao anti-convulsiva, stress, estro em fmeas e

    alteraes metablicas.

    2. O cerebelo contm mais neurnios que todas as outras regies do crebro juntas,

    resultando numa diminuio significativa do tempo de aco deste rgo. O cerebelo tem

    um papel nos sistemas sensoriais, cognitivos e emotivos, sendo a funo mais importante

    em termos clnicos a do controlo e coordenao da actividade motora. Para o fazer

    necessita de vias aferentes que dem indicaes da posio da cabea, tronco e membros

    e do sistema de neurnios motores centrais para poder haver a comparao da inteno do

    movimento do animal com a actividade motora necessria para o conseguir (de Lahunta &

    Glass, 2009). Este rgo ajuda tambm na manuteno do equilbrio e controla a postura doanimal (Lorenz & Kornegay, 2004; Wheeler, 2004).

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    Vias cerebelares aferentes:

    1. Proprioceptivas gerais: Os feixes espino-cerebelares provenientes da medula espinhal

    (recebem os sinais sensoriais vindos dos msculos, rgos tendinosos, receptores tcteis

    da pele e das articulaes) entram no cerebelo atravs dos pednculos cerebelares caudal

    e rostral (Duarte, 2003; de Lahunta & Glass, 2009). Os feixes espino-cuneo-cerebelaresprovenientes do pescoo e membros torcicos entram no cerebelo atravs do pednculo

    cerebelar caudal (King, 1987).

    2. Proprioceptivas especiais: Os feixes vestbulo-cerebelares entram no cerebelo

    provenientes da poro vestibular do nervo craniano VIII ou dos ncleos vestibulares (no

    tronco cerebral) pelos pednculos cerebelares caudais.

    3. Vias aferentes somticas especiais (sistemas visual e auditivo): Os feixes tecto-

    cerebelares entram no cerebelo via pednculo cerebelar rostral. Os axnios dos sistemas

    visual e auditivo provenientes do crtex cerebral passam pela ponte e entram no cerebelopelo pednculo cerebelar mdio contralateral (de Lahunta & Glass, 2009).

    4. Sistema de neurnios motores centrais: Estas vias so complexas e difusas, incluindo

    os feixes rubro-cerebelares (do ncleo vermelho at ao cerebelo), reticulo-cerebelares (com

    origem no sistema reticular) e crebro-ponto-cerebelares (desde o crtex motor at ao

    cerebelo atravs dos ncleos pontinos) (Duarte, 2003; de Lahunta & Glass, 2009).

    Vias cerebelares eferentes:

    Os neurnios eferentes do cerebelo encontram-se nos ncleos cerebelares profundos. As

    clulas desses ncleos recebem estmulos inibitrios das clulas de Purkinje e sinapses

    excitatrias de vias aferentes (Duarte, 2003). Os axnios das clulas de Purkinje (no crtex

    cerebelar) so projectados para os ncleos vestibulares via feixes cerebelo-vestibulares e

    para o sistema reticular via feixes cerebelo-reticulares atravs do pednculo cerebelar

    caudal e os ncleos cerebelares projectam axnios para o tlamo, ncleo vermelho e tecto

    atravs do pednculo cerebelar rostral (King, 1987; de Lahunta & Glass, 2009).

    :Normalmente as leses cerebelares so difusas e ocorrem juntamente com leses

    do tronco cerebral e no isoladamente (localizao anatmica protegida). No resultam emperda de nenhuma funo em particular mas numa resposta geral inadequada da actividade

    motora (de Lahunta & Glass, 2009). Neste tipo de leses, o animal manifesta uma ataxia

    cerebelar simtrica caracterstica. A ataxia, ou incoordenao, pode ser de 3 tipos: ataxia

    proprioceptiva geral (por vezes referida como ataxia sensorial), ataxia vestibular e ataxia

    cerebelar (chamada por vezes de ataxia motora). A ataxia cerebelar resulta na dificuldade

    do animal em iniciar os seus movimentos e em regular a sua frequncia e mplitude. Esta

    alterao tem o nome de dismetria, ocorrendo mais frequentemente uma hipermetria, que

    caracterizada por um andamento com uma mplitude exagerada e com uma flexoexcessiva dos membros no incio do movimento. A iniciao do movimento dos membros

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    lenta mas uma vez iniciada, o membro elevado mais que o normal pela flexo articular

    exagerada, assentando no cho abruptamente, pela extenso exagerada das articulaes

    (Dewey, 2003; de Lahunta & Glass, 2009). Este tipo de hipermetria deve ser diferenciado da

    hipermetria causada por leses cervicais craniais com alterao dos sistemas UMN e de

    propriocepo geral (PG), em que as articulaes dos membros esto em extenso durante

    a fase inicial do movimento. Porque o cerebelo no tem papel na iniciao de movimento, a

    parsia no um dos sinais caractersticos de leso cerebelar, a menos que haja

    envolvimento concomitante do tronco cerebral. Estes animais tm frequentemente

    alteraes graves de locomoo com espasticidade e ataxia hipermtrica mas o doente

    capaz de suportar o seu peso. O tnus muscular est normal ou aumentado (Lorenz &

    Kornegay, 2004; de Lahunta & Glass, 2009).Os reflexos espinhais podem estar exagerados

    numa fase inicial. As reaces posturais so lentas e seguidas de uma resposta exagerada

    (Lorenz & Kornegay, 2004; Wheeler, 2004; de Lahunta & Glass, 2009). O animal pode

    apresentar tremores, que podem ser generalizados ou de inteno (quando se tenta

    aproximar de um alvo, como o prato da comida). A disfuno dos componentes cerebelares

    do sistema vestibular pode resultar numa perda de equilbrio e inclinao da cabea para o

    mesmo lado ou para o lado contrrio ao da leso (aquando da sndrome vestibular

    paradoxal) (Dewey, 2003; de Lahunta & Glass, 2009). A presena de leses agudas graves

    do lobo rostral leva ocorrncia de opisttonus, com hipertonia dos msculos extensores

    dos membros torcicos, movimentos clnicos dos membros plvicos e flexo das ancas

    (rigidez descerebelada).

    Os membros plvicos tambm podem estar em extenso se aporo ventral do lobo rostral do cerebelo estiver afectada. A rigidez desaparece ao fim de

    alguns dias e os sinais de leso crnica (ataxia e tremores de inteno) surgem ao fim de

    algumas semanas a meses. Em leses unilaterais, a ataxia cerebelar ipsilateral com

    espasticidade, hipermetria e reaces posturais anormais (especialmente a resposta de

    salto).Em leses cerebelares difusas, a resposta de ameaa pode estar ausente apesar de

    o animal ter uma funo visual normal e, se apresentar nistagmo, este do tipo rpido-lento

    sem orientao consistente (Lorenz & Kornegay, 2004; de Lahunta & Glass, 2009).

    3.

    Em termos anatmicos contm o diencfalo, os pednculos cerebrais, a ponte, o cerebelo e

    o bulbo raquidiano (Bagley, 2005).Em termos funcionais inclui os pednculos cerebrais, a

    ponte e o bulbo raquidiano (Lorenz & Kornegay, 2004).

    a) Pednculos cerebrais: Contm os neurnios do nervo craniano oculomotor e troclear (III

    e IV), que inervam os msculos extra-oculares. O centro parassimptico do reflexo pupilar

    luz est localizado nos pednculos cerebrais assim como nos centros de controlo motor.

    b) Ponte:Contm neurnios responsveis pela iniciao do movimento.

  • 7/25/2019 Abordagem Do Doente Neurolgico e Localizao de Leses Neurolgicas Na Espcie Canina

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    c) Bulbo raquidiano: Constitui a poro mais