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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS CURSO DE DIREITO ABANDONO MORAL NO DIREITO DE FAMÍLIA: UMA ANÁLISE À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA LUCIANE CREMA CARVALHO Itajaí(SC), 1° de junho de 2009.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS CURSO DE DIREITO

ABANDONO MORAL NO DIREITO DE FAMÍLIA: UMA ANÁLISE À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

LUCIANE CREMA CARVALHO

Itajaí(SC), 1° de junho de 2009.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

ABANDONO MORAL NO DIREITO DE FAMÍLIA: UMA ANÁLISE À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE

LUCIANE CREMA CARVALHO

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em

Direito. Orientadora: Professora Msc. Denise Uejokvv"Ukswgktc"Ictekc.

Itajaí(SC), 1° de junho de 2009.

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AGRADECIMENTO

Primeiramente, agradeço à Deus, por buscar e encontrar Nele forças nos

momentos de fraqueza e desânimo.

Aos meus pais, Gilson e Rejane, por oportunizarem minha

formação acadêmica, pelos esforços para que eu chegasse onde hoje

estou.

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À minha família, especialmente à minha avó materna Ilce

Gaertner Crema, por dispensarem momentos de sua vida para me

ouvirem e me darem força para continuar.

Ao Felipe Thomé dos Santos, pelos ensinamentos através de

exemplos de esforço e dedicação, a realização de sonhos, por se mostrar

sempre interessado e acreditar na minha realização pessoal e profissional.

Aos meus amigos, por me acolherem no sexto período do

curso, pelo pouco tempo de convivência, e mesmo achando graça do

modo como eu falo “porta” e “por favor professor”, terem deixado marcas

para sempre em minha vida. Jamais esquecerei vocês.

Às minhas amigas queridas Berenice, Flávia, Sara e Nivana, por

serem presenças constantes nesta caminhada de conquista à graduação.

Pelas caronas, pelos conselhos nos momentos de desabafo.

Aos funcionários da Sétima Turma de Recursos de Itajaí, por

entenderem e concederem aos meus pedidos de dispensa e serem

compreensivos.

Ao Flávio Montgomery Soares, por fornecer material para esta

monografia e se mostrar interessado pelo tema abordado.

À professora Cláudia Regina Althoff Figueiredo, pela ajuda na

escolha do tema hoje explanado.

À minha orientadora, Denise Schmitt Siqueira Garcia, por aceitar o

tema, e ajudar integralmente na concretização deste trabalho.

Pelos ensinamentos marcantes e com certeza inesquecíveis em sala

de aula.

À todos que foram meus professores na Fundação

Universidade Regional de Blumenau – FURB, na Universidade do

Contestado – UNC, especialmente ao professor Ernani Bortolini, e nesta

Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI.

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v

FGFKECVłTKC

Dedico este trabalho, a todos os filhos que não tiveram a oportunidade de

receber o alimento essencial para a vida, o amor.

Aos meus pais que sempre me deram muito amor, carinho e

afeto, contribuindo na minha formação não só acadêmica, mas também

na formação do meu caráter, mostrando os verdadeiros valores a que

devemos seguir para encontrar o sucesso e a realização dos sonhos.

À minha avó Ilce, por ser uma pessoa admirável, e por diversas formas

demonstrar enorme carinho e amor pelos seus familiares. Pelos

ensinamentos e palavras de incentivo.

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“Das coisas a mais nobre é a mais justa, e a

melhor é a saúde; porém a mais doce é ter o

que amamos...”

[Aristóteles]

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vii

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a

Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a

Banca Examinadora e a Orientadora de toda e qualquer responsabilidade

acerca do mesmo.

Itajaí(SC), 1° de junho de 2009.

Luciane Crema Carvalho Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade

do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Luciane Crema

Carvalho, sob o título Abandono Moral no Direito de Família: Uma Análise

à Luz do Princípio da Dignidade, foi submetida em 17 de junho de 2009 à

banca examinadora composta pelas seguintes professoras: Msc. Denise

Schmitt Siqueira Garcia (Orientadora e Presidente da Banca) e Mda.

Marisa Schmitt Siqueira Mendes (Examinadora) e, aprovada com a nota

( ).

Itajaí(SC), 17 de junho de 2009.

Professora Msc. Denise Schmitt Siqueira Garcia Orientadora e Presidente da Banca

Professor Msc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Ampl. Ampliada

Art. Artigo

Atual. Atualizada

CTN Código de Tributário Nacional

CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Ed. Edição

Min. Ministro

MSc. Mestre

n. Número

p. Página

Rel. Relator

Rev. Revista

v. Volume

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x

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas

à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos

operacionais.

"

Abandono Moral1

“[...] é ato que implica desatendimento direto do dever de guarda, bem

como do de criação e educação. Revela falta de aptidão para o

exercício e justifica plenamente a privação, tendo em vista que coloca o

filho em situação de grave perigo, seja quanto à segurança e integridade

pessoal, seja quanto à a saúde e à moralidade. É o ato que afronta um

dos direitos mais caros dos filhos: o de estar sob os cuidados e vigilância

dos pais. Traduz-se o abandono na falta de cuidado e atenção, na

incúria, ausência absoluta de carinho e amor. O abandono que justifica a

perda do poder familiar há que ser aquele em que o pai deixa o filho à

mercê da própria sorte, ainda que com terceira pessoa ou com o outro

pai, mas que não tenha condição alguma de atendê-lo. O abandono

pode ser de aspecto material, intelectual e afetivo. causa de privação do

pátrio poder é o complexo de normas que regulam a celebração do

casamento, sua validade e os efeitos que dele resultam, as relações

pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, a

união estável, as relações entre pais e filhos, o vínculo de parentesco e os

institutos complementares da tutela e curatela”.

1 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. pp. 288 e 289.

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xi

Família2

(...) “é o complexo de normas que regulam a celebração do casamento,

sua validade e os efeitos que dele resultam, as relações pessoais e

econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, a união estável,

as relações entre pais e filhos, o vínculo de parentesco e os institutos

complementares da tutela e curatela.”.

Princípio Constitucional3

“Os princípios constitucionais são os conteúdos primários diretores do

sistema jurídico-normativo fundamental de um Estado. Dotados de

originalidade e superioridade material sobre todos os conteúdos que

formam o ordenamento constitucional, os valores firmados pela

sociedade são transformados pelo Direito em princípios. São eles, assim,

colunas mestras da grande construção do Direito, cujos fundamentos se

afirmam no sistema constitucional”.

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana4

“Tem como núcleo essencial a idéia de que a pessoa humana é um fim

em si mesma, não podendo ser instrumentalizada ou descartada em

função das características que lhe conferem individualmente e imprimem

sua dinâmica pessoal”.

2 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: direito de família. 19 ed. ver., aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 07. 3 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceitos e princípios constitucionais. pp. 80-81. 4 RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no direito. p. 89.

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SUMÁRIO

UWOıTKQ00000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000 zkk"

TGUWOQ00000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000 zkx"

KPVTQFWÑ’Q 00000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000 3"

ECR¯VWNQ"3 00000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000 7"

HQTOCÑ’Q"FC"HCO¯NKC 00000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000 7" 1.1 FAMÍLIA: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA....5 1.2 FAMÍLIA: CONCEITO........................................................................................9 1.3 FAMÍLIA: SUA IMPORTÂNCIA NA SOCIEDADE.............................................16 1.4 FAMÍLIA: ESPÉCIES .........................................................................................18 1.4.1 FAMÍLIA ADVINDA DO CASAMENTO ........................................................19 1.4.2 FAMÍLIA ADVINDA DA UNIÃO ESTÁVEL ....................................................19 1.4.3 FAMÍLIA HOMOAFETIVA.............................................................................21 1.4.2 FAMÍLIA MONOPARENTAL .........................................................................21

ECR¯VWNQ"4 000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000 46"

RTKPE¯RKQ"FC"FKIKPKFCFG"FC"RGUUQC"JWOCPC000000000000000000000 46"

2.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ......................................................................................................24 2.2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: CONCEITO..................30 2.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: PREVISÃO LEGAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO..............................................................34

ECR¯VWNQ"5 000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000 5;"

CDCPFQPQ"OQTCN00000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000 5;"

3.1 ABANDONO MORAL: CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES.............................39 3.2 AFETO COM VALOR JURÍDICO .....................................................................45 3.3 ABANDONO MORAL: CONCEITO.................................................................48 3.4 ABANDONO MORAL: VIOLADOR DO PRÍNCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA................................................................................................53

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EQPUKFGTCÑ÷GU"HKPCKU00000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000 7:"

TGHGTÙPEKC"FCU"HQPVGU"EKVCFCU 000000000000000000000000000000000000000000 84

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RESUMO

Esta monografia tem como objeto os O Abandono Moral no

Direito de Família, a análise do abandono moral à luz do princípio da

dignidade da pessoa humana, numa abordagem doutrinária e legal, de

acordo com o que prevê a Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988, a Lei Ordinária Federal 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código

Civil, Código Penal, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), bem

como a legislação esparsa. O objetivo investigatório geral foi pesquisar,

analisar e descrever, com base na legislação acima referida e na

doutrina, os aspectos gerais o abandono moral e o princípio da dignidade

da pessoa humana. Serão traçadas considerações sobre a igualdade e a

dignidade da pessoa humana. Ainda, será feita uma abordagem sobre a

formação da família. Encerrando-se esta pesquisa, serão enfocadas

algumas decisões, demonstrando a possibilidade diante do universo

jurídico brasileiro a estas ações.

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INTRODUÇÃO

O Abandono Moral no Direito de Família, a análise do

abandono moral à luz do princípio da dignidade da pessoa humana,

numa abordagem doutrinária e legal, de acordo com o que prevê a

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a Lei Ordinária

Federal 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, Código Penal,

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), bem como a legislação

esparsa.

O objetivo institucional foi o de produzir a presente

Monografia para a obtenção do título de Bacharel em Direito, pela

Universidade do Vale do Itajaí.

O objetivo geral da pesquisa foi a necessidade de aprofundar

o conhecimento sobre o assunto, buscando conhecer as respostas aos

problemas formulados, para testar as hipóteses e dirimir dúvidas,

especialmente sobre o abandono moral. Ainda, o objetivo geral da

pesquisa será o exame crítico entre o princípio da dignidade e o

abandono moral no direito de família, apresentando os aspectos

fundamentais e positivos desta. Pretende-se analisar o problema sob o

enfoque da legislação brasileira, bem como sob a luz da doutrina pátria.

Os objetivos específicos foram os seguintes:

- Identificar quais os deveres dos pais em relação aos filhos.

- Discorrer sobre o princípio da dignidade.

- Analisar o abandono moral e a violação ao princípio da

dignidade.

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De uma forma sucinta, o presente trabalho pretende

apresentar um estudo a respeito do abandono moral: uma abordagem à

luz do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana,

baseando-se na doutrina e na legislação.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação foi utilizado o Método Indutivo.5

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas

do Referente6, da Categoria7, do Conceito Operacional8 e da Pesquisa

Bibliográfica.9

Para essa pesquisa foram levantados os seguintes problemas:

a) O abandono moral gera indenização por danos morais ao

filho que não recebe carinho e a atenção devida?

b) Um pai deixar de dar assistência moral e afetiva a um filho,

deixar de dar amor, constitui violação ao princípio da

dignidade10

5 Base lógica da dinâmica da Pesquisa Científica que consiste em pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral. (PASOLD, Luiz César. Prática da pesquisa jurídica, 2005. p. 238.) 6 Explicação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa. (PASOLD, Luiz César. Prática da pesquisa jurídica, 2005. p. 241.) 7 Palavra ou expressão estratégica à elaboração e ou à expressão de uma idéia. (PASOLD, Luiz César. Prática da pesquisa jurídica, 2005. p. 229.) 8 Definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, com o propósito de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas. (PASOLD, Luiz César. Prática da pesquisa jurídica, 2005. p. 229.) 9 Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. (PASOLD, Luiz César. Prática da pesquisa jurídica, 2005. p. 239.) 9 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Nem só de pão vive o Homem: Responsabilidade civil por abandono afetivo. Disponível em < http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=392>. 10 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Nem só de pão vive o Homem: Responsabilidade civil por abandono afetivo. Disponível em < http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=392>. Acesso em: 04 jun. 2008.

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c) Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, o

Código Penal e o Código Civil, é dever dos pais além do

sustento material, dar assistência moral aos seus filhos?

Levantou-se, então, para esses problemas, as seguintes

hipóteses:

a) Há entendimentos contrários acerca da ausência de afeto

dos pais, afirmando não existir o dano moral que permita

uma penalidade indenizatória por abandono afetivo. O pai

deve cumprir suas responsabilidades financeiras.

b) Há necessidade de outros fatores serem levados em conta

antes de uma condenação por danos morais. A vida

profissional dos pais, já estabelece, por si só, uma distância

entre pai e filho.

c) Não há um valor pedagógico na punição aos pais que

deixam de dar amor e atenção aos seus filhos, podendo

até distanciar ainda mais a relação em razão do problema

ser levado à Justiça.

A validade da pesquisa decorre da repercussão que o tema

traz, tendo em vista estar se tratando do direito de família, da dignidade

da pessoa humana e do abandono moral desta.

Para tanto, principia-se, no Capítulo 1, tratando das

considerações gerais acerca da família e do direito de família, a

importância daquela na sociedade, as espécies de família e as famílias

advindas do casamento, da união estável, a família homoafetiva e a

família monoparental.

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No Capítulo 2, estudando o princípio da dignidade da pessoa

humana, passando-se pelas considerações preliminares, conceito e

previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro.

No Capítulo 3, abordando acerca do abandono moral, em

que, após as pertinentes considerações introdutórias, serão abordados os

seguintes itens: o afeto como valor jurídico, a conceituação de abandono

moral e o abando no moral como violador do princípio da dignidade da

pessoa humana.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais serão apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das

reflexões sobre o abandono moral e o princípio da dignidade da pessoa

humana.

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ECR¯VWNQ"3"

FORMAÇÃO DA FAMÍLIA

1.1"FAMÍLIA: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA

O presente capítulo abordará breves considerações acerca

da evolução histórica da família, baseado na obra de Fustel de

Coulanges, “A Cidade Antiga”, proporcionando, desta forma, uma

compreensão das principais características que permaneceram nas

famílias atuais.

As antigas gerações de família eram formadas pela religião.

Cada família cultuava um deus. Todas as manhãs e todas as noites a

família se reunia em uma sala especial de suas casas onde a entrada era

permitida apenas para os membros desta família.11

Na sala onde realizavam os cultos, as famílias oravam em

volta de um fogo, que simbolizava o Deus e jamais poderia se apagar,

também agradeciam e pediam proteção para seus antepassados que

eram sepultados no mesmo terreno de suas casas. 12

Conforme Coulanges: “Os historiadores do direito romano,

observando com acerto que nem o nascimento nem o afeto foram

alicerces da família romana, julgaram que tal fundamento deveria residir

no poder paterno ou no do marido”.13

11 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 44. 12 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 44. 13 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 45.

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O filho homem tem o fardo de continuar o culto e a religião

de seus antepassados, por isso sua superior importância com relação a

filha mulher. Se um filho renunciasse ao culto deixaria de fazer parte da

família, da mesma forma o filho que se emancipa.14

O homem possuía direitos diferentes dos das mulheres. Esta só

obtia importância quando iniciada ao culto do marido através da

cerimônia do casamento.15

Nesta época também se observa o instituto da adoção, em

casos que o casal não havia gerado filhos, ou apenas filhas, daí a

importância já citada do filho homem, pois a preocupação era dar

continuidade aos cultos da família, e alimentar seus ancestrais,

responsabilidade esta que a filha perdia quando casasse.16

O casamento foi a primeira instituição estabelecida pela

religião doméstica, pois era através dele que o culto aos antepassados

seria garantido.17

O casamento era cerimônia sagrada. A mulher que pertencia

à religião do pai desde o nascimento era desligada do culto e no mesmo

dia ligada à religião da família do marido. Jamais a moça poderia cultuar

duas religiões, ela era proibida de participar dos cultos da antiga família.18

No dia de seu casamento ela era iniciada ao culto do marido.

Ele a levava até sua casa simulando um rapto. No percurso de sua casa

até a nova residência a noiva era conduzida muitas vezes pelo esposo,

14 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 45. 15 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 46. 16 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 45. 17 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 46. 18 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. pp. 47-48.

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seu rosto era coberto com um véu e usava em sua cabeça uma coroa. O

vestido era branco como em todos os atos religiosos.19

Já diante da família do noivo, a mulher era carregada pelo

esposo, pois ainda não lhe era permitido colocar os pés no chão.20

Diante do fogo sagrado a mulher era apresentada à

divindade, então borrifavam água lustral e a mesma deveria tocar no

fogo, assim estaria apta para pisar na soleira. Depois das orações o casal

dividia um bolo, um pão e algumas frutas que simbolizavam a comunhão

religiosa entre o casal e a comunhão com os deuses domésticos. 21

A mulher tem ainda a obrigação de cultuar os mortos, mas

não mais aos mortos antepassados de sua família, e sim de sua nova

família.22

O culto aos mortos resumia-se em orar e alimentar os que já

não estavam presentes. Uma vez por semana os familiares levavam

bebida e comida ao túmulo, pois acreditavam que após a morte as

pessoas passavam a ser santidades, e teriam uma outra vida embaixo da

terra, e que deveriam ser alimentadas para assegurar o repouso e a

felicidade dos falecidos e da família.23

O divórcio também já existia, e da mesma forma do

casamento, um culto era realizado para a dissolução. Perante o fogo,

novamente apresentava-se o casal e um bolo era oferecido a eles, mas

não era aceito como sinal de rejeição entre o casal. Orações não eram

19 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 48. 20 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 49. 21 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 49. 22 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 51. 23 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 53.

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proferidas e sim fórmulas “de caráter estranho, severo, odiento e terrível”,

como uma maldição pela renúncia da mulher ao culto do esposo.24

Para garantir os banquetes fúnebres o celibato era proibido.

Em Atenas, o magistrado da cidade zelava para que nenhuma família

acabasse, ou nenhum culto se interrompesse. O celibato depois de um

tempo foi permitido, mas ainda assim era punido pela religião e moral da

época.25

A função de gerar um filho era apenas garantir a

perpetuação da religião doméstica, o filho bastardo “não poderia

desempenhar o mesmo papel que a religião determinava ao filho

legítimo”.26

O casamento tinha por finalidade a união de dois seres no

mesmo culto, que gerassem um terceiro para continuar esse culto. Jamais

visava o prazer, a felicidade de dois seres.27

Em casos de esterilidade, o divórcio era um direito, a mulher

poderia até ser substituída no final de oito anos.28

Em função da esterilidade do marido, algum irmão ou

parente poderia suprir seu papel, e a esposa teria que entregar-se a esse

homem, mas o filho gerado seria considerado como do marido e não de

quem o gerou.29

O filho era aceito pela família através de um ato religioso.

Primeiramente era recebido pelo pai, que declarava se o filho, recém-

nascido, era ou não da família, então a criança era apresentada aos

24 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 52. 25 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. pp. 53-55. 26 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 55. 27 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 55. 28 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 56. 29 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 56.

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deuses domésticos para purificá-la, limpá-la do pecado para assim iniciá-

la ao culto.30

O parentesco seria ter em comum os mesmos deuses

domésticos, compartilhar os mesmos sacrifícios e partilhar do mesmo

túmulo. Com isso não se podia ser parente por parte da mulher, pois esta

não transmitia a vida nem o culto. O filho pertencia ao pai.31

Quando dois homens, mesmo realizando separadamente suas

oferendas, se encontrassem na mesma linha de antepassados, ou seja,

tivessem um ancestral em comum, seriam parentes entre si.32

Com base na obra de Coulanges, pode-se observar que a

evolução histórica da família possui características que persistem até os

dias atuais. Costumes e algumas crenças que são transferidos por nossos

ancestrais podem ser explicados analisando o contexto histórico de cada

hábito, passado de geração para geração, formando assim a família de

hoje.

1.2"FAMÍLIA: CONCEITO

A entidade familiar pode ser vista de diversas formas, de

acordo com o entendimento de cada doutrinado que discorre sobre o

tema.

Segundo Dias33: “A família é um grupo social fundado

essencialmente nos laços de afetividade após o desaparecimento da

família patriarcal, que desempenhava funções procriativas, econômicas,

religiosas e políticas”.

30 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 57. 31 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 61. 32 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 62. 33 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 39, [apud] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas. p. 96.

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Com este conceito pode-se verificar que fica evidenciado a

afetividade como principal aspecto na definição de família, pois em

momento algum foi usado o termo laços consangüíneos para formação

de uma família.

Venosa34 nos trás conceitos formulados com diversos

aspectos:

(...) a família em conceito amplo, como parentesco, ou seja, o

conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar.

Nesse sentido, compreende os ascendentes, descendentes e

colaterais de uma linhagem, incluindo-se os ascendentes,

descendentes e colaterais do cônjuge, que se denominam

parentes por afinidade ou afins. Nessa compreensão, inclui-se

cônjuge, que não é considerado parente. Em conceito restrito,

família compreende somente o núcleo formado por pais e filhos

que vivem sob o pátrio poder ou poder familiar. Nesse particular, a

Constituição Federal estendeu sua tutela inclusive para a entidade

familiar formada por apenas um dos pais e seus descendentes, a

denominada família monoparental, conforme disposto no § 4º do

art. 226: “Entende-se, também, como entidade familiar a

comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”.

Dentro de um aspecto sociológico, a família é aquela reunião

de pessoas que vivem sob o mesmo teto, sob a ordem de uma autoridade

titular. Essa descrição de família pode ser encontrada, por exemplo, no art.

1.412, § 2º, do atual Código, ao tratar do instituto do uso, dentro do livro

de direitos reais, e descreve que “as necessidades da família do usuário

compreendem as de seu cônjuge, dos filhos solteiros e das pessoas de seu

serviço doméstico”.35

Com esta definição, podem ser destacadas diferentes formas

para se definir a família, e observar-se que o conceito amplia-se ou

restringe-se conforme o aspecto adotado.

34 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. São Paulo: Atlas, 2007. p. 02. 35 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. São Paulo: Atlas, 2007. p. 02.

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Kauss36 define família de forma muito semelhante a do

doutrinador anterior:

O conceito de família, ainda que variado de acordo com a ciência

a ser estudada, apresenta sempre um ponto comum que é a

origem próxima ou afinidade de natureza dos seus componentes.

Como exemplo, na História Natural a expressão serve para

caracterizar uma categoria de gêneros afins: nas categorias

taxionômicas, as plantas têm as suas famílias da mesma forma que

os animais.

Juridicamente, a família assenta sua existência concreta na noção

de estado, entendido este como uma posição relativa que o

indivíduo ocupa naquele agrupamento em que ela se exterioriza.

Kauss associa família com o estado em que o indivíduo se

encontra num determinado grupo, e explica também as possibilidades

deste indivíduo adquirir o status de ente familiar.

Ainda no mesmo sentido, Lisboa37 aborda o tema estudado,

identificando não somente os tipos, mas a variedade de acordo com o

lugar e os costumes, conforme item 1.1 deste capítulo.

Entre os gregos, família era, fundamentalmente:

a) o grupo de pessoas que se reunia pela manhã e ao cair da

tarde, em um lar (do grego epistion), para a realização do culto aos

seus deuses;

b) cônjuges e seus descendentes.

Wald observa que o conceito de família, em Roma,

independia da consangüinidade, pois tratava a família de uma unidade

econômica, religiosa, política e jurisdicional. 38

36 KAUSS, Omar Gama Bem. Manual de direito de família e das sucessões. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. pp. 03-04. 37 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e das sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 43.

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Em Roma, considerava-se família:

a) descendentes de um tronco ancestral comum (gens);

b) dos sujeitos unidos por laços de parentescos, inclusive por

afinidade;

c) os cônjuges e os seus descendentes, mesmo os de gerações

posteriores à dos filhos;

os cônjuges e, tão somente, os seus filhos menores;

e) o grupo de pessoas que vivia sob o sistema de economia

comum, tendo como moradia o mesmo lugar, em outras palavras,

um conjunto de pessoas e um acervo de bens; e

f) o grupo de pessoas que se reunia diariamente em torno do altar

doméstico, para cultuar os deuses, à semelhança do modelo grego

anteriormente citado.

Posteriormente, a expressão “família” também passou a designar:

a) o grupo de pessoas ligadas entre si por consangüinidade; e

b) o núcleo constituído pelo casamento, do qual não resultou prole. 39

Baseado na história, o autor acima define família composta

de diversas formações como pais e filhos; pais, filhos e netos; parentes por

afinidade; por laços consangüíneos; indivíduos unidos pelo matrimônio, e

também indivíduos unidos por terem os mesmos hábitos e costumes.

Wald40, trás em sua obra “O Novo Direito de Família” um

conceito que não difere do que já foi exposto pelos demais doutrinadores:

“(...) em sentido amplo – conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da

consangüinidade, ou seja, os descendentes de um tronco comum –, a

38 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e das sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 43. 39 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e das sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 43. 40 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: o novo direito de família. São Paulo: Saraiva, 2005. pp. 03-04.

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família em sentido estrito, abrangendo o casal e seus filhos legítimos,

legitimados ou adotivos”.

Resumidamente, este autor nos leva a uma compreensão de

família como apenas aqueles indivíduos ligados pelo parentesco por

afinidade e por consangüinidade. Não determinando tipos específicos de

formação de família.

Rodrigues41 para conceituar família compara as ultimas

Constituições e as mudanças ocorridas no Código Civil:

As Constituições brasileiras, a partir de 1934, condicionavam a idéia

de família á de casamento. Portanto, só conheciam a chamada

família legítima.

A Constituição vigente, de cinco de outubro de 1988, deu maior

amplitude ao conceito de família, abrangendo, com origem na

união estável entre o homem e a mulher, bem como aquela

composto por um dos progenitores e sua descendência, ou seja, a

família monoparental.

Como no Código Civil de 1916, o legislador do Código Civil de

2002 não traz a definição de família, e sim regras à sua constituição e

efeitos, agora a abrangência da Constituição de 1988.42

Assim, conforme os princípios e as novas formações de famílias

eram aceitas pelos costumes de cada época pela sociedade, a

Constituição acompanhou a evolução, alterando as normas jurídicas

como conseqüência.

A palavra Família, consoante entendimento de Lisboa43, foi

empregada de diversas maneiras, em diversos países. Na Roma Antiga o

conceito de Família independia da consangüinidade, tratando-se a

41 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 04. 42 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 04. 43 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e das sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. pp. 43-44.

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Família de uma unidade econômica, religiosa, política e jurisdicional.

Nota-se, então, que a Família não é somente aquela constituída pelo

casamento.

Para os gregos a Família era: “a) o grupo de pessoas que se

reunia pela manhã e ao cair a tarde, em um lar (...), para realização do

culto aos seus deuses; b) os cônjuges e seus descendentes”.44

Considerava-se Família na Roma Clássica:

a) os descendentes de um tronco ancestral comum (...);

b) todos os sujeitos unidos por laços de parentesco, inclusive por

afinidade;

c) os cônjuges e os descendentes, mesmo os de gerações

posteriores à dos filhos;

d) os cônjuges e, tão somente, os seus filhos menores;

e) o grupo de pessoas que vivia sob o sistema de economia

comum, tendo como moradia o mesmo lugar em outras palavras

um conjunto de pessoas e um acervo de bens; e

f) o grupo de pessoas que se reunia diariamente em torno do altar

doméstico, para cultuar os deuses, à semelhança do modelo grego

anteriormente citado.45

Mas, a expressão Família também foi designada como sendo:

“a) o grupo de pessoas ligadas entre si por consangüinidade; e b)o núcleo

constituído pelo casamento, da qual resultou a prole”.46

Prolixa é a definição de família para Kauss47, veja-se:

44 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e das sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 43. 45 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e das sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 43. 46 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e das sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 43.

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O conceito de família, ainda que variando de acordo com a

ciência a ser estudada, apresenta sempre um ponto comum que é

a origem próxima ou afinidade na natureza dos seus componentes.

Como exemplo, na História Natural a pressão serve para

caracterizar uma categoria de gêneros afins: nas categorias

taxionômica, as plantas têm as suas famílias da mesma forma que

os animais.

Kauss48, ainda, define a família em dois sentidos:

Em sentido lato, abrange não somente a família oriunda da

consangüinidade, como também a família legitima ou natural, e

ainda aquele tipo de família criado pela lei sobre vontade das

partes, ou seja, a família adotiva. O conceito de família, nesse

sentido, compreende todas as pessoas unificadas pela convivência,

sob o mesmo teto e economia comum.

Pode-se observar que segundo ele a família é a reunião de

várias pessoas sob o pátrio poder, seja ela uma família por

consangüinidade ou por adoção.

Em sentido estrito, família é um grupo de pessoas composto de pais

e filhos, apresentando uma certa unidade de relações jurídicas,

tendo uma comunidade de nome e domicílio, unido pela

identidade de interesses, fins morais e materiais, organizado sob

autoridade denominada pátrio poder. Ainda em sentido mais estrito

– uma concepção da constituição moderna –, a entidade familiar

como comunidade formada por qualquer dos pais e seus

descendentes (...).49

Neste outro sentido, percebe-se que família é um grupo de

pessoas, sendo este formado por pais e filhos, tendo em comum o nome e

o domicílio, comandada por uma autoridade, o já conhecido pátrio

47 KAUSS, Omar Gama Ben. Manual de direito de família e das sucessões. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. pp. 03-04. 48 KAUSS, Omar Gama Ben. Manual de direito de família e das sucessões. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. p. 04. 49 KAUSS, Omar Gama Ben. Manual de direito de família e das sucessões. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. p. 04.

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poder. E aceita ainda a formação da família por qualquer dos pais e seus

descendentes.

Enfatiza Ishida50 que é o matrimônio quem dá origem à

constituição/formação da família tradicional.

Tradicionalmente a família surge do vínculo do matrimônio, advindo

daí os filhos legítimos, frutos dessa relação, e outras conseqüências

jurídicas (guarda e poder familiar sobre os mesmos etc.) que exigem

a intervenção judicial, principalmente quando de sua dissolução.

Verifica-se, que a Família e/ou o Direito de Família, surge

através união entre pessoas e do parentesco, seja ele por

consangüinidade ou por adoção. Porém, o Direito de Família regula as

relações existentes entres as pessoas e as influências que exercem sobre

estas e seus bens.

1.3"FAMÍLIA: SUA IMPORTÂNCIA NA SOCIEDADE

A família é a base da sociedade, daí ser importante manter a

coesão da família e solidariedade entre os seus membros, pois essa

coesão contribui para o nível de honradez da sociedade.

Inúmeras são as influências do ambiente social para a

formação da personalidade humana. A Família seria a mais importante de

todas, pois ela é o instituto no qual a pessoa humana encontra amparo

irrestrito.

Os membros integrantes da família moldam o ser humano,

contribuindo para a formação do futuro adulto. Não foi por acaso que um

dos maiores nomes da literatura brasileira, Machado de Assis, já afirmara

que “o menino é pai do homem”.51

50 ISHIDA, Valter Kenji. Direito de família e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 01. 51 ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Ática, 1998.

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O grupo familiar tem sua função social e é determinado por

necessidades sociais. 52 Tanto assim que a organização familiar muda no

decorrer da história do homem, é alterada em função das mudanças

sociais.53

Nesse sentido, entende-se que a Família não é apenas uma

instituição de origem biológica, mas, sobretudo, um instituto com

características e valores culturais e sociais que são reproduzidos de modo

a garantir a adequada formação do indivíduo.

Hironaka54 define a Família perante a sociedade como sendo:

(...) uma entidade histórica, ancestral como a história, interligada

com os rumos e desvios da história ela mesma, mutável na exata

medida em que mudam as estruturas e a arquitetura da própria

história através dos tempos (...); a história da família se confunde

com a história da própria humanidade.

É certo afirmar que a Família constitui a base da sociedade.

Ela representa o alicerce de toda a organização social, sendo

compreensível, portanto, que o Estado a queira preservar e

fortalecer. Daí a atitude do legislador constitucional proclamando

que a família vive sob a proteção especial do Estado.

O interesse do Estado pela família faz com que o ramo do direito

que disciplina as relações jurídicas que se constituem dentro dela se

situe mais perto do direito público que o direito provado. Dentro do

direito de família o interesse do Estado é maior do que o individual.

Por isso, as normas de direito de família são, quase todas, de ordem

pública, insuscetíveis, portanto, de ser derrogadas pela convenção

entre particulares. 55

52 BOCK, Ana Maria; et al. Psicologias. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 238. 53 BOCK, Ana Maria; et al. Psicologias. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 238. 54 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Família e casamento em evolução. In: Revista brasileira de direito de família. p. 07. 55 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 07.

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Assim, sendo, a Família, juridicamente falando, tem sua

existência concreta na noção de Estado, “entendido este como uma

posição relativa que o indivíduo ocupa naquele agrupamento em que ela

se exterioriza”.56

1.4"FAMÍLIA: ESPÉCIES

A partir do século XIX os códigos começaram a dedicar

algumas normas referentes à família. Era uma sociedade estritamente rural

e eminentemente patriarcal.

Mesmo havendo o vínculo afetivo para a formação de uma

família, ainda dos tempos mais remotos, a principal característica pregada

por nossos antepassados é a de que a união de dois indivíduos teria como

finalidade a procriação e perpetuação da espécie.57

A Igreja e o Estado com o intuito de manter a ordem e a

moral, passaram a nominar os relacionamentos amorosos de família.

Instituiu a união entre homem e mulher como sendo indissolúvel, por isso a

única forma aceitável a prática da sexualidade era com o casamento e

com a finalidade de procriação.58

O Estado não admitia qualquer outra forma de construção

familiar senão a que permitida pela lei e pregada pela religião. O desquite

não rompia a sociedade conjugal, o que impedia novo casamento.

Mesmo não sendo permitido, novas famílias foram sendo formadas por

entes de relacionamentos anteriores, e vendo a necessidade de

regulamentar a situação desses indivíduos a Lei do Divórcio tornou-se

56 KAUSS, Omar Gama Ben. Manual de direito de família e das sucessões. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. p. 04. 57 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 40. 58 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 40.

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imprescindível, introduzindo assim regime legal de bens para o da

comunhão parcial.59

1.4.1"Família advinda do casamento

O casamento como sendo única forma de se constituir uma

família perdurou até a entrada em vigor da atual Constituição Federal,

que trouxe em sua redação uma proteção especial à entidade familiar, e

o Código Civil deixou expresso que ninguém poderá interferir na

comunhão de vida instituída pela família (artigo 1.513).60

Para Venosa, o casamento é o centro do direito de família, e

o vê como um negócio jurídico formal, desde as formalidades da

celebração até os efeitos que recaem sobre os cônjuges, como os

deveres, a criação e assistência material e espiritual de ambos e da

prole.61

Gama entende que no contexto da civilização ocidental,

tradicionalmente se assentou na estrutura patriarcal de formação e

manutenção das famílias, notadamente das famílias matrimoniais.62

Assim, pode-se destacar que inúmeras são as definições de

casamento, persistindo a idéia central como sendo a sociedade do

homem e da mulher, que na união vêem a perpetuação da espécie, uma

vida e um destino em comum.

1.4.2"Família advinda da união estável

Quando nossas famílias foram surgindo e o legislador não

pôde mais contornar a situação, se vendo numa situação de injustiça com

59 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 41. 60 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 41. 61 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. São Paulo: Atlas, 2007. p. 25.

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esses indivíduos que sobrevinham de relacionamentos desfeitos, passou a

regulamentar essas uniões, criando mais uma entidade familiar

denominada de união estável, com direito e deveres praticamente

idênticos aos do casamento.63

Portanto, a instituição familiar tradicional, que era definida

apenas pelo casamento e pela parentalidade, agora, em seu modelo

contemporâneo, norteia também sua identidade pela existência de

uniões consideradas não formais e pelas necessidades da prole,

acarretando inúmeras alterações na sua estrutura.

Para Venosa, o conceito de união estável é dúctil, e não

cabe à lei definir, porém a Lei 9.278/96, no artigo 1º trouxe que, “É

reconhecida como entidade familiar à convivência duradoura, pública e

contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de

constituição familiar”.64

A união estável foi reconhecida como entidade familiar pelo

artigo 226, parágrafo 3º da Constituição Federal de 1988, como uma

relação notória e prolongada de um homem com uma mulher, vivendo

ou não sob o mesmo teto, e assim como no casamento, nesta deve ser

observado se não há impedimentos para sua convolação. Mas o mais

importante é que haja nessa convivência afeição, comunhão de

interesses, conjugação de esforços em benefício do casal e da prole, ou

seja, companheirismo.65

Desta forma, o instituto da união estável destaca-se com a

convivência, sem a exigência de habitar sob o mesmo teto, e da

62 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O biodireito e as relações parentais. Rio de Janeiro – São Paulo: Renovar, 2003. pp. 340-341. 63 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 42. 64 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. São Paulo: Atlas, 2007. p. 39. 65 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2004. pp. 336-340-352.

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característica marcante de uma vida em comum, como se casados

fossem, podendo ser comprovada através de testemunhas que afirmem a

união do homem e da mulher.

1.4.3"Família homoafetiva

A Constituição Federal de 1988 prevê as uniões estáveis entre

homem e mulher, mas não aceitam a relação existente entre indivíduos

do mesmo sexo, mesmo não diferenciando em nada da primeira forma de

entidade familiar. Uniões que tenham como base a afetividade não

podem ser excluídas a ponto de não serem merecedores da

denominação de família e de receber proteção do Estado, pois esta idéia

iria de encontro com o princípio constitucional da dignidade da pessoa

humana.66

Esse tipo de formação de família, denominada homoafetiva,

que já ganha espaço no direito previdenciário, vem sendo comparado à

união estável quando necessária é a intervenção do Estado, e os conflitos

são solucionados na vara da família, assegurando-se, por exemplo,

partilha de bens, direitos sucessórios e direito real de habitação.67

1.4.4"Família monoparental

Ampliando os variados conceitos de família, a Constituição

Federal identificou também como modelo de formação de família aquele

constituído apenas por qualquer um de seus pais e seus descendentes.68

A doutrina nominou tal entidade familiar como família

monoparental, destacando a presença de apenas um dos pais. Mas o

66DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 43. 67 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 43. 68 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 43.

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legislador ficou inerte quanto à regulamentação dessa formação familiar

que acabou alijado do Código Civil.69

A união de indivíduos que sejam parentes entre si, ou pessoas

que ainda não são parentes, mas que possuem o mesmo propósito de

formar família, recebem o nome de família anaparental, pois não são só

as famílias constituídas de vínculos parentais em dois planos que podem

ser receber proteção jurídica.70

A exemplo disso, Dias cita a convivência de duas irmãs

durante um longo período que unem esforços para obter um patrimônio,

estas receberão a dominação de entidade familiar. E em caso de

falecimento de uma delas, a solução mais justa é a transferência da

integralidade de todos os bens adquiridos na constância da união para a

irmã sobrevivente.71

Cada vez mais a idéia de que a entidade familiar só existe se

houver entre os indivíduos que a compõe amor e solidariedade se

solidifica, abrindo um espaço para uma nova tendência para identificar a

família, sendo estas unidas pelo envolvimento afetivo, recebem o nome

de família eudemonista, que vive em busca da felicidade individual.

A partir do momento que as famílias vivem em respeito mútuo,

com a idéia de igualdade, liberdade, solidariedade, responsabilidade

recíproca, e principalmente lealdade, não existe mais razões morais,

religiosas, políticas, físicas ou naturais que justifiquem a indevida influência

do Estado na vida das pessoas.72

69 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 44. 70 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 44. 71 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 44. 72 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 45.

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No segundo capitulo, será tratado acerca dos princípios

constitucionais, especialmente quanto ao princípio da dignidade da

pessoa humana.

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24

ECR¯VWNQ"4"

PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

2.1"PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: CONSIDERAÇÕES

PRELIMINARES

Para Paulo Bonavides: “Princípios são verdades objetivas, nem

sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do dever-ser, na qualidade

de normas jurídicas, dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade.”73

Para De Plácido e Silva:74

Princípios, no plural, significam as normas elementares ou os

requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de

alguma coisa [...] revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se

fixam para servir de norma a toda espécie e ação jurídica,

traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação

jurídica [...] exprimem sentido mais relevante que o da própria

norma ou regra jurídica [...] mostram-se a própria razão

fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-as em

perfeitos axiomas [...] significam os pontos básicos, que servem de

ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito.

Para Rizzatto Nunes, os princípios constitucionais são o ponto

mais importante do sistema normativo, são verdadeiras vigas, alicerce

sobre os quais se constrói o sistema jurídico.75

73 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 229. 74 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 639. 75 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 37.

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Estes dão estrutura e coesão ao edifício jurídico. Por isso,

necessária a sua obediência, para que não haja o rompimento do

ordenamento jurídico.76

Miguel Reale77 afirma que princípios são:

[...] verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais

admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas,

mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional,

isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa

e da práxis.

Genaro Carrió78 comenta que:

Principio de derecho, es el pensamiento directivo que domina y

sirve de base a la formación de las singulares disposiciones de

Derecho de uma institución jurídica, de um Código o de todo um

Derecho positivo. El principio encarna el más alto sentido de una ley

o institución de Derecho, el motivo dominante, la razón informadora

del Derecho [ratio juris], aquella idea cardinal bajo la que se cobijan

y por la que se explican los preceptos particulares, a tal punto, que

éstos se hallan com aquélla em la propia relación lógica que la

consecuencia al principio de donde se derivan.

Na concepção de Canotilho:79

[...] a Constituição é, [...] uma lei, configurando a forma típica de

qualquer lei, compartilhando com as leis em geral um certo número

de características (forma escrita, redação articulada, publicação

oficial etc). Mas também, é uma lei diferente das outras: é uma lei

específica, já que o poder que a gera e o processo que a veicula

são tidos como constituintes, assim como o poder e os processos

que a reformam são tidos como constituídos, por ela mesma; é uma

76 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 37. 77 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 299. 78 CARRIÓ, Genaro R. Princípios Jurídicos y Positivismo Jurídico. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1970. p. 33. 79 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Almedina, 1991, p. 40, [apud] ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 100.

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lei necessária, no sentido de que não pode ser dispensada ou

revogada, mas apenas modificada; é uma lei hierarquicamente

superior – a lei fundamental, a lei básica – que se encontra no

vértice da ordem jurídica, à qual todas as leis têm de submeter-se; é

uma lei constitucional, pois, em princípio, ela detém o monopólio

das normas constitucionais.

Os princípios gerais do direito estão presentes na maioria dos

Códigos Civis e Processos Civis de todo o mundo, como exemplo nos

Códigos Civis da Argentina, no artigo 16, da Espanha e de Portugal no

artigo 1º, e possuem força normativa imprescindível para se chegar ao

ideal de Justiça, como exemplo, o nosso direito traz em seu artigo 4º da Lei

de Introdução ao Código Civil, pois este cita que quando a lei for omissa,

o juiz decidirá, dentre outros, conforme os princípios.80

Estes dão estrutura e coesão ao edifício jurídico. Por isso,

necessária a sua obediência, para que não haja o rompimento do

ordenamento jurídico.81

José Afonso da Silva82 resume as classificações dos princípios

fundamentais, sintetizando-os em:

Princípios político-constitucionais – Constituem-se daquelas decisões

políticas fundamentais concretizadoras em normas conformadoras

do sistema constitucional positivo, [...]. Manifestam-se como

princípios constitucionais fundamentais, positivados em normas-

princípio [...]. São esses princípios fundamentais que constituem a

matéria dos arts. 1º a 4º do Título I da Constituição. Princípios

jurídicos-constitucionais - São princípios constitucionais gerais

informadores da ordem jurídica nacional.

80 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. Belo Horizonte:Del Rey. 2006. p. 22. 81 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 37. 81 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros. 2007. p. 93. 82 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros. 2007. p. 93.

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Nas decisões onde ainda não há regras jurídicas, a sua

fundamentação é baseada em princípios jurídicos, ou também em

padrões a serem observados, pois a justiça e a eqüidade e também a

moral exigem. 83

Com isto a justiça brasileira passou a incorporar diretamente

os princípios em casos concretos, conforme parâmetros hermenêuticos e

valorativos existentes tanto na sociedade quanto na Constituição,

havendo a interferência da subjetividade na objetividade.84

O princípio jurídico constitucional influi na interpretação até

mesmo das próprias normas magnas. Funciona como um vetor para o

intérprete, e o jurista deve antes de solucionar qualquer problema jurídico,

por mais comum que este seja alcançar o nível dos grandes princípios.85

Quanto a importância do respeito aos princípios

constitucionais temos 86:

[...] aquilo que é identificado como vontade da Constituição deve

ser honestamente preservado, mesmo que, para isso, tenhamos de

renunciar a alguns benefícios, ou até a algumas vantagens justas.

Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da

preservação de um princípio constitucional fortalece o respeito à

Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência

do Estado democrático. Aquele que, ao contrário, não se dispõe a

esse sacrifício, malbarata, pouco a pouco, um capital que significa

muito mais do que todas as vantagens angariadas, e que,

desperdiçado, não mais será recuperado.

83 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. Belo Horizonte:Del Rey. 2006. p. 17. 84 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. Belo Horizonte:Del Rey. 2006. p. 17. 85 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 37. 86 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 38.

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Os princípios gerais são considerados normas bem mais que

outras, em razão da transmissão não só de um sentido de um ato de

vontade, mas principalmente o conteúdo do sentido.87

Assim, a partir dessas considerações, percebe-se que os

princípios funcionam como verdadeiras supranormas, ou seja, agem como

regras hierarquicamente superiores às próprias normas positivadas no

conjunto das proposições escritas ou mesmo às normas costumeiras.88

A doutrina constitucional contemporânea reconhece a

importância dos princípios constitucionais, apontando, inclusive, suas

especiais e distintas funções.89

Os princípios podem ser classificados em princípios

estruturantes, princípios constitucionais gerais e princípios constitucionais

especiais.90

Os princípios estruturantes são, conforme o próprio nome diz, a

estrutura política fundamental constitutiva do Estado, e sobre os quais se

assenta todo o ordenamento jurídico. A exemplo tem-se o Princípio

Democrático e o do Estado de Direito.91

Já acerca dos princípios constitucionais gerais, estes

densificam os princípios estruturantes, e como exemplos tem-se o Princípio

87 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. Belo Horizonte:Del Rey. 2006. p. 27. 88 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 39. 89 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 39. 90 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 39. 91 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 40.

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da Legalidade dos Atos da Administração, o da Soberania Popular e o da

Independência dos Tribunais.92

Os princípios gerais se concretizam mais mediante os

princípios constitucionais especiais, como no caso do Princípio da

Soberania Popular, o Princípio Constitucional Especial do Sufrágio

Universal. 93

Os princípios possuem mera posição auxiliar na aplicação do

direito. Sob o enfoque das distinções de natureza tem-se que os princípios

constituem expressão de valores fundamentais do ordenamento jurídico, e

do ponto de vista material seriam superiores que às demais normas.

Com efeito, dispõe o artigo 126 do Código de Processo Civil:

“O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou

obscuridade na lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas

legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos

princípios gerais do direito”.

Por meio destes princípios, constituições escritas são

reconhecidas como uma espécie de moralidade jurídica, e, além disso,

tais princípios podem ser observados como regulatórios da criação de

normas legislativas e, em sentido amplo, do processo geral de criação do

direito positivo.

Por fim, os princípios constitucionais são, precisamente, a

sínteses dos valores principais da ordem jurídica. A Constituição é um

sistema de normas jurídicas. Ela não é um simples agrupamento de regras

que se justapõem ou que se superpõem.

92 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 40 93 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 40

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2.2"PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: CONCEITO

A expressão “dignidade da pessoa humana”, como hoje é

vista, tem seu sentido muito recente no mundo, mais precisamente a partir

da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948. E este ideal só foi

positivado em razão das conseqüentes lutas políticas, e idéias de

liberdade, igualdade e exigências de organizações políticas econômicas

e sociais do pós-guerra.94

Depois de passarmos por duas grades Guerras Mundiais, o

homem passou ter um destaque na cultura e na ordem jurídica, tornando

o patrimônio, que antes tinha seu lugar de realce, parte da realização da

dignidade da pessoa humana.95

Rodrigo Da Cunha Pereira comenta:

A interposição de princípios constitucionais nas vicissitudes das

situações jurídicas subjetivas está a significar uma alteração

valorativa que modifica o próprio conceito de ordem pública,

tendo a dignidade da pessoa humana o valor maior, posto no

ápice do ordenamento. Se a proteção aos valores existenciais

configura momento culminante da ordem pública instaurada pela

Constituição, não poderá haver situação jurídica subjetiva que não

esteja comprometida com a realização do programa

constitucional.96

A dignidade nasce com a pessoa, ela é inerente a sua

essência. Mas nenhum indivíduo é isolado, ele cresce e vive num meio

social. Ele nasce com integridade física e psíquica, mas chega um

momento de seu desenvolvimento que seu pensamento tem de ser

94 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. Belo Horizonte:Del Rey. 2006. p. 99. 95 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. Belo Horizonte:Del Rey. 2006. p. 18. 96 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. Belo Horizonte:Del Rey. 2006. p. 18, [apud] TEPENDINO, Gustavo. Editorial. Revista Trimestral

de Direito. Rio de Janeiro: Padma. 2000. p. IV.

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respeitado, suas ações e seu comportamento, sua liberdade, sua imagem,

sua intimidade, sua consciência.97

Pode-se dizer hoje que este princípio está ligado a todos os

princípios do ordenamento jurídico, embora esteja atrelada ao Direito

Privado, está ganhando espaço também muito importante no Direito

Público, uma vez sendo o primeiro fundamento de ordem constitucional, e

logo, o vértice do Estado de Direito.98

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana pode-se dizer, é

a inserção da pessoa dentro de um Estado Democrático de Direito, que

constitui o fundamento do nosso sistema constitucional e da nossa

organização como Estado Federativo, destinado a assegurar o exercício

dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o

desenvolvimento, a igualdade, a justiça como valores supremos de uma

sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia

social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução

pacífica das controvérsias, como observamos no preâmbulo da nossa

Constituição, que muito bem explicita os anseios da sociedade e também

a busca da segurança jurídica.99

Historicamente, o conceito de Estado Democrático de Direito,

nas lições do mestre Canotilho100, seria oriundo da Teoria do Estado do

liberalismo, influenciada pelas concepções jus racionalistas e, fortemente,

ligadas à idéia de Legalidade e à idéia da realização da Justiça.101

97 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 49. 98 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. Belo Horizonte:Del Rey. 2006. p. 94. 99 MARTINS, Flademir Gerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Juruá, 2003. p. 55. 100 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Almedina, 1991, p. 40, [apud] ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 100. 101 MARTINS, Flademir Gerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Juruá, 2003. p. 56.

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Pode-se observar que o Estado Democrático de Direito traz

em seu conceito todo o ideário de justiça, igualdade e dignidade, com

um mínimo normativo capaz de fundamentar os direitos e pretensões da

sociedade e de princípios, também formais do Estado de Direito que são:

soberania, a cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores sociais

do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político encartados no

mandamento constitucional.102

Sérgio Ferraz103 que o princípio da salvaguarda da dignidade

da pessoa humana:

[...] é base da própria existência do Estado brasileiro e, ao mesmo

tempo, fim permanente de todas as suas atividades. É a criação e

manutenção das condições para que as pessoas sejam

respeitadas, resguardadas e tuteladas, em sua integridade física e

moral, asseguradas o desenvolvimento e a possibilidade da plena

concretização de suas potencialidades e aptidões.

A dignidade, como valor moral e, também espiritual, seria um

mínimo indispensável e invulnerável de valores que devem ser respeitados

pela sociedade, tendo o ser humano o direito à autodeterminação e à

liberdade na condução da própria vida, devendo ser protegido pelo

Direito e suas normas, como medida de reconhecimento da própria

essência e da condição de ser humano.

Assim como todos os demais princípios, o princípio da

dignidade da pessoa humana é a própria dignidade que se dá ao bem,

ou seja, ao homem. E é por está razão que há uma grande intervenção

da relatividade e da subjetividade, pois não é tarefa fácil compatibilizar a

dignidade de uma pessoa com a de outra, sem levar em consideração

102 MARTINS, Flademir Gerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Juruá, 2003. p. 60. 103 FERRAZ, Sérgio. Manipulações biológicas e princípios constitucionais: uma introdução - Sergio Fabris. Porto Alegre: Editor. 1991.

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suas particularidades, seus motivos, isto é, toda sua carga de

subjetividade.104

É fácil perceber a importância do Princípio da Dignidade da

Pessoa Humana, já que ao observá-la em diversos ordenamentos pátrios,

asseverando e reconhecendo, assim, a sua importância e aplicabilidade

no meio social, por que está alicerçada na autodeterminação ou

autonomia, cujo valor é superior a qualquer vontade de dominação ou

manipulação.

Cabe aqui fazer um breve relato sobre o princípio da

dignidade humana em alguns países, tais como: Portugal, Alemanha,

Espanha.

Já mencionado o artigo 1º da nossa Carta Magna pode-se

verificar este princípio em outros ordenamentos, como por exemplo, em

Portugal: "Artigo 1º. Portugal é uma República soberana, baseada na

dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na

construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.105

Na Alemanha:

Art. 1º. A dignidade do homem é sagrada e constitui dever de

todas as autoridades do Estado seu respeito e proteção. 2- O povo

alemão reconhece, conseqüentemente, os direitos invioláveis e

inalienáveis do homem como fundamento de toda a comunidade

humana, da paz e da justiça no mundo. 3- Os direitos fundamentais

que se enunciam a seguir vinculam o poder legislativo e os tribunais

a título de direito diretamente aplicável.106

104 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. Belo Horizonte:Del Rey. 2006. p. 101 e 103. 105 MARTINS, Flademir Gerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Juruá, 2003. p. 26. 106 MARTINS, Flademir Gerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Juruá, 2003. p. 26.

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Na Espanha: “Articulo 10.1- La dignidad de la persona, los

derechos inviolables que le son inherentes, el libre desarollo de la personalidad, el

respeto a la ley y a los derechos de los demás son fundamento del ordem político

y de la paz social".107

Em todos os dispositivos constitucionais observa-se a

importância do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como valor

absoluto.

2.3"PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: PREVISÃO LEGAL NO

ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A Constituição de 1988 preferiu incluir este princípio no artigo

1º, em seu inciso III, com o objetivo de ver a pessoa como “fundamento e

fim da sociedade”. Nesse sentido também Fernando Ferreira dos Santos,

acentua que “importa concluir que o Estado existe em função de todas

pessoas e não estas em função do Estado.”108

Dispõe o artigo acima citado:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel

dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado

Democrático de Direito e tem como fundamentos [...] III – a

dignidade da pessoa humana.109

Assim, conceber a dignidade da pessoa humana como

princípio da Carta Magna, significa admitir que um dos fins do Estado

brasileiro deve ser o de propiciar as condições mínimas para que as

pessoas tenham dignidade.110

107 MARTINS, Flademir Gerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Juruá, 2003. p. 26. 108 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva. 2006. p. 492, [apud], MIRANDA, Jorge. Dignidade da Pessoa Humana e Direito Fundamentais. p. 39. 109 Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva. 2008.p. 03. 110 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva. 2006. p. 492, [apud], BASTOS, Celso. Comentários à Constituição do Brasil. p. 39.

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Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, uma das principais

dificuldades para se definir o que vem a ser a dignidade da pessoa

humana, é que não se cuida de aspectos mais ou menos específicos da

existência humana (integridade física, intimidade, vida, propriedade, etc.),

mas sim, de uma qualidade tida como inerente a todo e qualquer ser

humano, de tal sorte que a dignidade passou a ser constituída como

integrante do valor próprio que identifica o ser humano como tal.111

A idéia de dignidade da pessoa humana encontra no texto

constitucional aplicação em relação ao planejamento familiar, sendo a

família a célula da sociedade, independente do tipo de formação, se

advinda da união estável ou do casamento, cabendo ao Estado

disponibilizar recursos educacionais e científicos para o exercício desse

direito.112

Assim, um piso vital é o mínimo necessário imposto pela

Constituição Federal como forma de garantir a realização histórica e

concreta da dignidade da pessoa humana.113

O mesmo jurista paulista acima citado, entende que para

haver o respeito com a dignidade da pessoa humana, deve-se assegurar

os direitos sociais presentes no artigo 6º da Constituição Federal, que por

sua vez ditam a garantia a saúde, ao lazer, á educação, ao trabalho, a

segurança, a previdência social, a proteção á maternidade e à infância,

e também a assistência aos desamparados.114

111 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva. 2006. p. 492, [apud], SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direito Fundamentais. p. 39 e 39. 112 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. Atlas S.A, 2007. p. 46. 113 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 51 114 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 51.

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O princípio da dignidade da pessoa humana apresenta duas

concepções, sendo a primeira a que prevê um direito protetivo, e a

segunda estabelece um dever de tratamento igualitário, e esse dever

funda-se no respeito do indivíduo quanto à dignidade de seu

semelhante.115

Para se compreender esse dever fundamental, pode-se

resumir três princípios do direito romano: viver honestamente, não

prejudicar ninguém e dar a cada um o que lhe é devido. Com isso vale

destacar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela

Resolução nº 217116 (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas e assinada

pelo Brasil, reconhece a dignidade da pessoa como inerente a todos os

membros da família humana, e como fundamento de liberdade, justiça e

paz no mundo.

Em nossa trajetória constitucional, o reconhecimento da

dignidade da pessoa humana como fundamento de nosso Estado

democrático de Direito, conforme já citado, está presente no artigo 1º,

inciso III da Constituição de 1988.117

Pode-se observar que a dignidade da pessoa humana foi

objeto de expressa previsão na Constituição vigente, seja quando

estabeleceu que a ordem econômica tem por finalidade assegurar a

todos uma existência digna, conforme artigo 170, caput, seja na esfera de

ordem social, quando fundou o planejamento familiar nos princípios da

dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, artigo 226, §

115 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. Atlas S.A, 2007. p. 46. 116 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. Atlas S.A, 2007. pp. 46-47. 117 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Livraria do Advogado, 2007. p. 63.

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6º, além de assegurar à criança e ao adolescente o direito á dignidade,

constante no artigo 227, caput.118

Levando-se em conta o Mercosul, o Brasil e o Paraguai são os

únicos países a elevar o valor da dignidade para norma fundamental.

Quanto aos demais países americanos, tem-se a Constituição de Cuba,

da Venezuela e também na do Peru, sendo nesta última reconhecido

outros direitos que derivam da dignidade humana, da soberania popular,

do Estado social e democrático de Direitos e da formação republicana de

governo.119

A Constituição da Bolívia abarca em seu artigo 6º, inciso III,

que a dignidade e a liberdade são invioláveis, assim como a do Chile,

mesmo com toda sua característica autoritária. Presente tal princípio

também na Constituição da Guatemala, onde cita a primazia da pessoa

humana. Na mesma linha os países da Europa Oriental, já há uma

tendência no acolhimento deste princípio.120

Quando se analisa o princípio da dignidade da pessoa

humana, já há um comprometimento ao entendimento de considerá-la

como uma norma fundamental de um determinado ordenamento

jurídico-constitucional.121

Classificar no título dos princípios fundamentais a dignidade

da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado

118 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Livraria do Advogado, 2007. p. 64. 119 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Livraria do Advogado, 2007. p. 65. 120 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Livraria do Advogado, 2007. p. 65. 121 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Livraria do Advogado, 2007. p. 67.

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Democrático de Direito, a nossa Constituição de 1988, reconheceu que o

Estado só existe em função da pessoa humana.122

Por isto, não restam dúvidas de que a dignidade da pessoa

humana é algo real em razão da dificuldade de identificar as situações

em que ela é agredida.123

Assim, é dever de todos os operadores do direito, fundar suas

decisões, e condutas na implementação real do respeito à dignidade da

pessoa humana, pois este é um princípio absoluto.124

No próximo e último capítulo, abordar-se-á o tema abando

moral no direito de família, com especial enfoque para o princípio da

dignidade da pessoa humana.

122 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Livraria do Advogado, 2007. p. 68. 123 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva. 2006. p. 493. 124 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina

e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 57.

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ECR¯VWNQ"5"

ABANDONO MORAL

3.1"ABANDONO MORAL: CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

A família tem início com o casamento125; pela sociedade de

fato que leva a convivência pública126 ao reconhecimento da união

estável, considerada entidade familiar; e, pela produção independente,

quando cabe exclusivamente à mulher a opção de não declarar a

identidade do legítimo pai. Porém, a família que se legitima é aquela que

em que assim se define por ser "formada pelos pais ou qualquer deles e

seus dependentes, denominada de família natural.127

É sobre esta família que recai o ônus de indenizar o filho pelo

dano moral causado em virtude do abandono familiar, ou seja, quando

um dos componentes desta entidade, exceto da produção independente

ou omissão do legítimo pai, por motivo de dissolução, abandona

moralmente o menor, mesmo que toda assistência material lhe seja

fornecida pelos alimentos ofertados voluntariamente ou por decisão

judicial.

125 Artigo 1.511, do Código Civil de 2002. “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. 126 Artigo 1.723, do Código Civil de 2002. “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. § 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente. § 2o. As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável”. 127 Artigo 25, da Lei. 8.069/90. “Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes”.

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O poder familiar surge na competência, que é originária, de

tê-los em sua companhia e guarda128. Esta competência tem o sentido de

próprio, adequado, pois é inerente ao verdadeiro pai, aquele que

concebe, não podendo ser transferido por ser genético, íntimo e

indisponível.

Diferentemente da grande maioria de espécies de animais,

que se desligam de suas crias no momento que estas se tornam capazes

de desenvolver suas atividades para sua sobrevivência, nós, seres

humanos, permanecemos com o elo ligado àquele que geramos.129

A relação entre pai e filho não mais se justifica como o

exercício de uma mera relação de poder, encontrando-se na realização

pessoal, individual, de seus membros, ou seja, os filhos hipossuficientes e

dependentes de seus pais, seu sentido axiológico. Por esta razão que a

afeição, que representa as ações dos pais em favor do desenvolvimento

dos seus filhos, é a base na qual se deve sustentar a relação paterno-

filial.130

A autoridade parental se exercita por meio de afeto, o que é

subjacente à tutela da dignidade humana, princípio basilar da nossa

ordem constitucional.131

128 Artigo 1.634, do Código Civil de 2002. “Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. 129 BRANCO, Bernardo Castelo. Dano moral no direito de família. São Paulo: 2006. pp. 102 e 103. 130 BRANCO, Bernardo Castelo. Dano moral no direito de família. São Paulo: 2006. pp. 112 e 113. 131 BRANCO, Bernardo Castelo. Dano moral no direito de família. São Paulo: 2006. p. 113.

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Cada vez mais se pode observar que a ordem jurídica está

interferindo nas relações familiares, através de normas cogentes, que se

preocupam em limitar e moldar o comportamento de seus participantes,

refletindo o interesse da sociedade no sentido de que a família, como um

dos mais importantes palcos das relações interpessoais, não permaneça

imune aos princípios de respeito aos direitos da personalidade e da busca

de um desenvolvimento sadio e integral de seus membros.132

Dissolver o casamento ou a união estável, onde se formou

uma entidade familiar por decisão voluntária do casal, não lhes dá mais o

direito de abandonar materialmente ou moralmente o filho, fruto desta

relação.

Constituída a família é dever, ou seja, obrigação,

principalmente obrigação moral de assegurar à criança à convivência

familiar133, tornando segura e garantida esta convivência.

132 BRANCO, Bernardo Castelo. Dano Moral no Direito de Família. São Paulo: 2006. p. 113; 133 Artigo 227, da Constituição Federal de 1988, c/c artigo 4º, da lei 8.069/90. “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º - O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos: I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. § 2º - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. § 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola; IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; VI - estímulo do Poder Público, através de assistência

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O artigo 229, da Constituição Federal de 1988134 é no sentido

de que a obrigação de assistir moralmente o filho não importa na

obrigatoriedade da manutenção da relação conjugal entre as partes,

porque ninguém está obrigado a manter-se unido à outrem quando não

há mais interesse, seja pessoal ou sexual. Porém, quanto à pessoa dos filhos

esta obrigação é intransferível, podendo ser exercida mesmo que uma

das partes resida em endereço diverso, pois a convivência familiar é um

conjunto de atitudes (especificamente no âmbito moral: acompanhar a

educação formal pelas tarefas e boletins, como nas atividades festivas

escolares; acompanhamento e interesse no estado de saúde em

consultas médicas e internações; orientação religiosa, cívica e moral;

práticas esportivas, diversão, entre outros; presença nos eventos de

interesse da criança, além de aniversários, batizado, eucaristia, etc.;

inclusão na convivência de amigos e parentes, estimulando compreender

a reconstituição familiar; entre outras referências).

E mais, diante do acima relatado, constata-se que o filho que

venha a ser abandonado pelo pai ou pela mãe devido à dissolução da

jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins. § 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. § 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. § 7º - No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se-á em consideração o disposto no art. 204”. Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude”. 134 Artigo 229, da Constituição da República Federativa do Brasil. “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.

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relação conjugal pode transparecer não se importar com o referido

abandono, porque para ele é compreensível até a separação dos pais,

mas não lhe é psicologicamente aceitável a rejeição, porque ele não

pediu para nascer e quer ser amado pelos pais, estejam estes vivendo ou

não sob o mesmo teto. Para a criança e até nos adultos, o amor de pai é

diferente do amor de mãe, porque as pessoas são diferentes e emitem

sentimentos diferentes, onde a substituição é uma mera ficção.

O pai ou mãe que abandona moralmente o seu filho está

infringindo o artigo 5º135, da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do

Adolescente), porque estará sendo negligente na sua função natural e de

livre escolha, por uma omissão em virtude de conceitos ultrapassados de

que, a separação conjugal estabelece um vínculo de separação para

com os filhos, em virtude de não mais querer ver o(a) ex-companheiro(a)

ou por constituição de nova família e esta não aceitar os filhos da relação

anterior, negando, assim, um direito fundamental da criança que é ser

assistida e ter convivência com sua família.

Respeitar a criança é não violar sua integridade psíquica e

moral136, onde para isto é obrigatória a presença do pai ou da mãe na

sua formação e crescimento, evitando, assim, que esta ausência

provoque um constrangimento.137

A ação por danos morais é cabível em face do pai ou da

mãe, tendo em vista que é um direito a ser criado e educado no seio da

135 Artigo 5º, da Lei 8.069/90. “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”. 136 Artigo 17, da Lei 8.069/90. “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”. 137 Artigo 18, da Lei 8.069/90. “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.

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sua família, assegurada a convivência familiar138, onde tudo isto é

absolutamente possível, mesmo que os pais estejam separados e

habitando em residências diferentes.

O dano moral não se prova, se presume.

Mas no entender deste operador uma ação deste porte tem

o ônus probandi do inciso I, do artigo 333, do Código de Processo Civil139,

ou seja, a peça tem que ser instruída com as provas do abandono moral

que estão revestidas nos registros fotográficos, de filmagens, e

testemunhas sobre aqueles momentos presenciais de fundamental

assistência moral à criança com especificação de alguns destes

momentos, para que a presunção seja deduzida não só dos fatos, mas de

atos que não foram praticados pela omissão e que estabelece como

verdadeiros os fatos argüidos no abandono moral, que só será

desconstituído com prova em contrário, que desta forma tornar-se-á bem

mais difícil mediante as provas de constituição da intenção pretendida.

Não basta pagar pensão alimentícia. Pais e mães separados

precisam ser presentes e exercer com responsabilidade o papel que lhes

cabe: dar carinho, atenção e educação aos filhos. O abandono moral,

configurado pela ausência, indiferença, falta de afeto e rejeição,

começa a ser alvo de ações judiciais por parte desses filhos que se sentem

afetivamente desamparados.

Como adverte a professora Teresa Ancona Lopez140:

[...] é preciso avaliar como a pessoa elaborou a indiferença

paterna. Acredito que só quando ficar constatado em perícia

138 Artigo 19, da Lei 8.069/90. “Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”. 139 Artigo 333, do Código de Processo Civil. “O ônus da prova incube: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito”. 140 Jornal do Advogado – OAB/SP – n° 289. Dez/2004. p. 14.

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judicial que o projeto de vida daquele filho foi truncado pelo

abandono, configurando o dano psicológico, é que cabe

indenização. Em conclusão, alerta para o fato de que é muito

comum as mães jogarem os filhos contra os pais, quando o certo

seria tentar preservar a imagem paterna.

O professor Azevedo141 considera que:

[...] o descaso entre pais e filhos é algo que merece punição, é

abandono moral grave, que precisa merecer severa atuação do

Poder Judiciário, para que se preserve não o amor ou a obrigação

de amar, o que seria impossível, mas a responsabilidade ante o

descumprimento do dever de cuidar, que causa o trauma moral da

rejeição e da indiferença.

O assunto é extremamente complexo e muito delicado.

Como tal, divide opiniões, pois, se os filhos têm razão em reclamar da

atitude dos pais, é preciso ter cuidado para que a Justiça não seja usada,

por raiva ou mágoa, como instrumento de vingança contra os pais

irresponsáveis.

3.2"O AFETO COMO VALOR JURÍDICO

Há muito tempo o direito pergunta se a parentalidade é

resumida em relação biológica existente entre seres humanos ou vai além

do exame de DNA.

Em 1980, época em que eu iniciava o gosto pelas novelas,

João Baptista Villela, escrevia em seu texto, então revolucionário,

Desbiologização da Paternidade142 que:

[...] o conceito de nascimento já não se contém nos estritos limites

da fisiologia e reclama um enfoque mais abrangente, de modo a

alcançar, além da emigração do ventre materno, todo o complexo

e continuado fenômeno da formação e amadurecimento da

141 Jornal do Advogado – OAB/SP – n° 289. Dez/2004. p. 14. 142 Revista Forense. Rio de Janeiro. n. 71. 1980. p. 50.

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personalidade, ou seja, em outros termos, há um nascimento

fisiológico e outro emocional.

Também, o Presidente do IBDFAM Pereira143 afirma que:

[...] a simples filiação biológica não é qualquer garantia da

experiência da paternidade, da maternidade ou da verdadeira

filiação e, portanto, é insuficiente a verdade biológica, pois a

filiação é uma construção que abrange muito mais que uma

semelhança entre o DNA.

Por fim, ensina Ralf Madaleno144 que:

[...] o parentesco não é somente um fato da natureza, e sim uma

noção social que varia de cultura para cultura e, em verdade,

qualquer adulto pode se converter em um pai psicológico,

dependendo da qualidade da interação diária, porquanto o

verdadeiro pai é aquele que efetivamente se ocupa da função

parental.

Assim, o parentesco contém elementos biológicos, afetivos e

jurídicos.

Criada está a noção de parentalidade socioafetiva e esse é o

valor jurídico do afeto. Pai não é, necessariamente, o doador de material

genético, mas sim aquele que cria, cuida, ama e se preocupa, perdendo

noites de sono com as doenças dos filhos, chorando com seus sucessos e

conquistas, e esperando, quem sabe um dia, que em sua velhice, ocorra

a retribuição.

A tirania do DNA não pode nem deve prevalecer! A certeza

da paternidade biológica pode existir, mas não basta para que saibamos

quem efetivamente é o pai.

143 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. 144 MADALENO, Ralf. Direito de família em pauta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

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Se tivesse que escolher entre ser o filho do DNA ou filho do

afeto, preferiria o afeto ao material genético.

Nossos Tribunais têm reconhecido o valor jurídico do afeto:

1) “Não há dúvida que sua intenção era deixar seu patrimônio

– 50% de uma velha casa de madeira em Canoas – para a enteada que

sempre lhe acompanhou. Ademais, de se ver e reconhecer a possível

existência de paternidade socioafetiva. Sobre a paternidade socioafetiva,

doutrina Luiz Edson Fachin (FACHIN, Luiz Edson. Estabelecimento da

filiação e paternidade presumida. Porto Alegre: Fabris, 1992. p. 157, 160,

163) o seguinte: ‘Apresentando-se no universo dos fatos, a posse de

estado de filho liga-se à finalidade de trazer para o mundo jurídico uma

verdade social. Aproxima-se, assim, a regra jurídica da realidade. Em

regra, as qualidades que se exigem que estejam presentes na posse de

estado são: publicidade, continuidade e ausência de equívoco... A posse

de estado serve para revelar a face socioafetiva da filiação... E no

fundamento da posse de estado de filho é possível encontrar a verdadeira

paternidade, que reside antes no serviço e no amor que na procriação...

Diante do caso concreto, restará ao juiz o mister de julgar a ocorrência ou

não de posse de estado’”.145

2) ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO.

IMPOSSIBILIDADE. ADOÇÃO AFETIVA. Narrativa da petição inicial

demonstra a existência de relação parental. Sendo a filiação um estado

social, comprovado estado de filho afetivo, não se justifica a anulação de

registro de nascimento por nele não constar o nome do pai biológico.

Reconhecimento da paternidade que se deu de forma regular, livre e

consciente, mostrando-se a revogação juridicamente impossível.

145 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Embargos Infringentes 70011650108. Quarto Grupo de Câmaras Cíveis. Julgado em 12/08/2005.

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NEGADO PROVIMENTO AO APELO. SEGREDO DE JUSTIÇA.146

3) EMENTA: APELAÇÃO. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE.

AUSÊNCIA DE ERRO. PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA. ALIMENTOS.

IMPOSSIBILIDADE NÃO DEMONSTRADA. Não restou demonstrada a

alegação de erro substancial no momento em que a paternidade foi

registrada. Ademais, com o tempo, restou configurada a paternidade

socioafetiva, que prevalece mesmo na ausência de vínculo biológico.

Descabe alterar o valor dos alimentos quando não demonstrada a

alegada impossibilidade do alimentante em suportá-los.

NEGARAM PROVIMENTO.147

Assim, o afeto como verdadeiro vínculo a unir pais e filhos,

confere àquele efetivo valor jurídico. 148 A admissibilidade da reparação

por danos morais nas relações de filiação está dividida, pois, às situações

de comportamento lesivo ou ausência do vínculo afetivo, não se imagina

a subsistência material da relação paterno-filial.149

Pai é que cria e não quem doa material genético.

3.3"ABANDONO MORAL: CONCEITO

O abandono moral tem relevância tanto esfera civil como

penal. Na penal enquadra-se ao artigo 247 do Código Penal:

Art. 247. Permitir alguém que menor de dezoito anos, sujeito a seu

poder ou confiado à sua guarda ou vigilância: I – freqüente casa

de jogos ou mal-afamada, ou conviva com pessoa viciosa ou de

má vida; II – freqüente espetáculo capaz de pervertê-lo ou de

146 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível 70012613139. Sétima Câmara Cível. Relatora Maria Berenice Dias. Julgado em 16/11/2005. 147 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível 70012504874. Oitava Câmara Cível. Relator Rui Portanova. Julgado em 20/10/2005. 148 BRANCO, Bernardo Castelo. Dano moral no direito de família. São Paulo: 2006. p. 115 e 116. 149 BRANCO, Bernardo Castelo. Dano Moral no Direito de Família. São Paulo: 2006. p. 113.

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ofender-lhe o pudor, ou participe de representação de igual

natureza; III – resida ou trabalhe em casa de prostituição; IV –

mendigue ou sirva a mendigo para exercitar a comiseração

pública: Pena – detenção, de um a três meses, ou multa. 150

Na esfera civil, pode-se extrair do revogado Código Civil de

1916, em seu artigo 395 que: “Perderá por ato judicial o pátrio poder o pai,

ou a mãe: I – que castigar imoderadamente o filho; II - que o deixar em

abandono; III - que praticar atos contrários à moral e aos bons costumes”.

Já no vigente Código Civil de 2002, em seus artigos 1638:

Art. 1638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe

que: I – que castigar imoderadamente o filho; II - que o deixar em

abandono; III - que praticar atos contrários à moral e aos bons

costumes; IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo

antecedente.

No Estatuto da Criança de do Adolescente, em seus artigos 22

e 24.

Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação

dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a

obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

Art. 24. A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas

judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos

na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento

injustificado dos deveres e obrigações a que alude o Art. 22.

O Código de Menores, previsto no Decreto-Lei nº 3.914, de 9

de dezembro de 1941, em seu artigo 26, bem caracteriza os casos de

abandono. E para melhor visualizarmos sua previsão, destacamos os

incisos III, IV, VII e VIII, que declaram abandonados os menores de 18 anos:

III – que tenham pai, mãe ou tutor ou encarregado de sua guarda

reconhecidamente impossibilitado ou incapaz de cumprir os seus

deveres para com o filho ou pupilo ou protegido;

150 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva. 2005. p.151.

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IV – que vivam em companhia de pai, mãe, tutor ou pessoa que se

entregue à prática de atos contrários à moral e aos bons costumes;

VII – que, devido à crueldade, abuso de autoridade, negligência ou

exploração dos pais, tutor ou encarregado de sua guarda, sejam:

a) vítimas de maus tratos físicos habituais ou castigos imoderados;

b) privados habitualmente dos alimentos ou dos cuidados

indispensáveis à saúde;

c) empregados em ocupações proibidas ou manifestamente

contrárias à moral e aos bons costumes ou que lhes ponham em

risco a vida ou à saúde;

d) excitados habitualmente para a gatunice, mendicidade ou

libertinagem;

VIII – que tenham pai, mãe ou tutor, ou pessoa encarregada de sua

guarda, condenado por sentença irrecorrível:

a) a mais de dois anos de prisão, por qualquer crime;

b) a qualquer pena como coautor, cúmplice, encobridor ou

receptador de crime cometido por filho, pupilo ou menor sob sua

guarda, ou por crime contra estes.151

Washington de Barros Monteiro, conceitua o abandono como

causa de privação do pátrio poder, e entende que cumpre recorrer ao

Código de Menores152, que especifica as condições e circunstâncias em

que se verifica esse estado.153

E da mesma forma Carvalho Santos154 explica que sobre o

abandono tem-se no Código de Menores, podendo-se assim dizer que é

deixar em abandono o filho que não é guardado convenientemente

pelos pais, quer por negligência, quer por conveniência, resultando dessa

151 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. São Paulo: Saraiva. 1979. p. 369. 152 Muito embora o autor acima tenha citado o Código de Menores, este não é mais utilizado. 153 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família. São Paulo: Saraiva.1964. p. 291 154 SANTOS, Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. São Paulo: Freitas Bastos. 1978. p. 154

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atitude grave perigo para o menor, já quanto a saúde, já quanto à sua

segurança, já quanto à sua moralidade, proporcionando-lhe mesmo

probabilidade de se tornar vadio, mendigo ou libertino.

Denise Damo Comel155 ensina que o abandono do filho é ato

que implica desatendimento direto do dever de guarda, bem como do

de criação e educação. Revela falta de aptidão para o exercício e

justifica plenamente a privação, tendo em vista que coloca o filho em

situação de grave perigo, seja quanto à segurança e integridade pessoal,

seja quanto à a saúde e à moralidade. É o ato que afronta um dos direitos

mais caros dos filhos: o de estar sob os cuidados e vigilância dos pais.

Traduz-se o abandono na falta de cuidado e atenção, na incúria,

ausência absoluta de carinho e amor. O abandono que justifica a perda

do poder familiar há que ser aquele em que o pai deixa o filho à mercê

da própria sorte, ainda que com terceira pessoa ou com o outro pai, mas

que não tenha condição alguma de atendê-lo. O abandono pode ser de

aspecto material, intelectual e afetivo.

Para Fernando Capez156, abandono moral é permitir que o

menor de dezoito anos, que está sujeito a seu poder ou confiado à sua

guarda ou vigilância cometa atos impróprios, deixando-o moralmente em

perigo.

Já Paulo José da Costa Júnior157 entende que, por mais que o

artigo não contenha nomen júris, a doutrina o compreende como

abandono moral e assim explica que este é a formação moral do menor

fora do ambiente familiar, e se consuma com qualquer atitude que venha

de encontro com a moralidade colocada pela sociedade, como por

155 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: RT. 2003. pp. 288 e 289. 156 CAPEZ, Fernando. Direito Penal – parte especial. São Paulo: Saraiva. 2005. pp.151 e 153. 157 COSTA Júnior, Paulo José da. Direito penal objetivo: comentários atualizados ao código penal e ao código de propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Forense. 2003. pp. 461 e 462.

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exemplo, permitir que o menor trabalhe ou habite em casa de prostituição

entre outros.

Ney Moura Teles158 afirma que o termo utilizado para haver a

conduta é o permitir, que pode significar o mesmo que autorizar, consentir,

concordar, tolerar, aceitar, deixar, indicando claramente uma conduta

omissiva. Pois os pais tem o dever de zelar pela educação e formação

moral de seus filhos, e por isso tem a obrigação de cuidar para que não

sofra influências do meio que possam atingir seu caráter e sua moral.

Para Julio Fabbrini Mirabete159, o conceito de abandono

moral está subscrito no próprio corpo do artigo 247 do Código Penal,

mesmo que não de forma explícita, mas a intenção é a de abandono do

menor, caindo assim no instituto do abandono moral, mais precisamente,

explica situações que levam o individuo a cometer ato que levem a sua

corrupção, por simples negligência dos pais.

Voltando ao Estatuto da Criança e do Adolescente, também

pode-se encontrar outros conceitos para o abandono moral, no caso do

pai infringir os direitos do filho, direitos estes elencados no artigo 4º:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do

Poder Público, assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação

dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação,

ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.160

Desta forma, observa-se que o conceito de abandono moral

pode ser extraído de várias esferas jurídicas, sendo todas elas no mesmo

sentido de que aos pais resta o dever de assistir moralmente e

158 TELES, Ney Moura. Direito Penal – parte especial. São Paulo: Atlas. 2006. p. 107 e 108. 159 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – parte especial. São Paulo:Atlas. 2005. p. 79-80. 160 Artigo 4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.º 8.009, de 13 de julho de 1990.

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afetivamente seus filhos, sob pena de resultar de tal omissão

conseqüências gravíssimas e irreversíveis na vida desta criança.

3.4"Q" ABANDONO MORAL: VIOLADOR DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA

É possível visualizar inúmeras situações nas quais a dignidade

da pessoas humana é violada. Tanto a qualidade de vida desumana

quanto a prática de medidas como a tortura, podem impedir o ser

humano de cumprir sua missão na terra.161

O princípio da dignidade da pessoa humana, como já visto no

segundo capítulo, está previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição

Federal Brasileira de 1988.

A palavra dignidade tem sua origem no latim, dignitas, que

significa honra, virtude ou consideração. 162 Daí a violação da dignidade

da pessoa, quando um pai deixa de visitar, ou dar amor, afeto e arinho

aos seus filhos.

Observa-se, desse modo, a importância da paternidade e da

maternidade ligadas à prática da lei de amor. Quando os pais e mães

aceitam um filho, desde a concepção, com sincero sentimento de amor,

amparando-o em suas necessidades de aprendizado e evolução,

constroem as bases de um mundo de paz, uma vez que a primeira lição

por ele vivida será a da fraternidade na família, amado pelos pais,

vivendo em um lar de amor recíproco que lhe servirá de modelo para

toda existência.163

Neste sentido, nos ensina Allan Kardec: “Quis deus que os

seres se unissem não só pelos laços da carne, mas também pelos da alma,

a fim de que a afeição mútua dos esposos se lhes transmitisse aos filhos e

161 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva. 2006. p. 494. 162 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense. 1986. p. 458. 163 Instituição Espírita Joanna de Angelis. Informativo - nº 145 ano XII Maio 2008. Extraído do Reformador Maio 2006.

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que fossem dois, e não um somente, a amá-los, a cuidar deles, e a fazê-los

progredir”.164

Na lição de Pereira165:

A dignidade, portanto, é o atual paradigma do Estado

Democrático de Direito, a determinar a funcionalização de todos os

institutos jurídicos à pessoa humana. Está em seu bojo a ordem

imperativa a todos os operadores do Direito de despir-se de

preconceitos – principalmente no âmbito do Direito de Família -, de

modo a se evitar tratar de fora indigna toda e qualquer pessoa

humana, principalmente na seara do Direito de Família, que tem a

intimidade, a afetividade e a felicidade como seus principais

valores.

A entidade familiar só existe se houver um afeto especial, e

este afeto é como algo que enlaça e comunica as pessoas, mesmo

quando estejam distantes no tempo e no espaço, por uma solidariedade

íntima e fundamental de suas vidas.166

Assim, na era da despatrimonialização do Direito Civil, o qual

elevou o princípio da dignidade da pessoa humana, fez com que a ordem

jurídica se focasse na pessoa, fazendo com que cada membro da família

fosse valorizado, e não a entidade familiar como um todo.167

Com relação à tutela da criança e do adolescente,

necessário se faz frisar a intenção constitucional em deferi-la à família e à

sociedade, além do Estado. Por isso o artigo 227, caput, da Constituição

164 KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. São Paulo: Pensamento. 1997. capítulo XXII. p. 225. 165 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey. 2006. p. 106, [apud], BARROS, Sérgio Resende de. A Ideologia do Afeto. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM. 2002. p. 09. 166 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey. 2006. p. 180. 167 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey. 2006. p. 183.

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Brasileira assim determina, e em seu artigo 229 foi incisiva em declarar que

os pais tem o dever de assistir, criar e educar seus filhos menores.168

Em razão do acima exposto, devem os pais, e não o Estado

responder a esse conjunto de obrigações, pois o seio social é o primeiro

ambiente para o desenvolvimento do menor, em razão disto explica-se a

preocupação constitucional especificamente voltada para esse

aspecto.169

A História demonstrou que a personalidade humana não se

desenvolve porque a criança não cresce sadiamente, porque não há um

vínculo afetivo com um adulto.170

Não basta por um ser biológico no mundo, é fundamental a

sua criação com a ambiência, o carinho, o afeto, atos que são

indispensáveis ao ser humano.171

De acordo com Peluso172:

[...] Constituição brasileira consagra a dignidade da pessoa

humana como um dos fundamentos da República. Não se trata

apenas de um princípio jurídico, mas de fundamento da República

(artigo 1º, III). Portanto, se o casamento, no largo sentido de união

do homem e da mulher, com vistas à constituição de uma família,

está inserido dentro das relações que resguardam essa dignidade,

então deve ser visto como o mais importante mecanismo sócio-

político que se presta a tutelar a pessoa na condição específica de

membro da instituição familiar. As pessoas [e, digo eu,

particularmente as crianças e os adolescentes] são tuteladas pelo

168 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva. 2006. p. 505. 169 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva. 2006. p. 506. 170 MACHADO, Martha de Toledo. A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos. São Paulo: Manole. 2003. p. 154. 171 MACHADO, Martha de Toledo. A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos. São Paulo: Manole. 2003. p. 156.

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ordenamento jurídico dentro da família, porque esta é o organismo

destinado a promover e a garantir a dignidade da pessoa e o

pleno desenvolvimento de todas as suas virtualidades, ou seja, a

família é o lugar especial de tutela da vida da pessoa humana.

As crianças e os adolescentes privados da fruição das

riquezas humanas, vítimas de fundas violações nos seus direitos humanos,

os mais básicos, passam a condição de delinqüentes, mascarando toda a

desigualdade social, pano de fundo da concepção contemporânea da

dignidade humana, e do Estado Democrático.173

A infância e a adolescência merecem prioridade por seu

caráter único, em razão da pessoa estar em seu desenvolvimento, e

também pela natureza transitória, podendo resultar seqüelas

irreparáveis.174

De nada adianta reconhecer um direito se este não for

protegido por um instrumento adequado de tutela. Com relação aos

direitos existenciais, a melhor garantia é a prevenção à violação. 175

Há uma necessidade imensa de se lançar um olhar sobre as

relações entre filhos e pais, inserindo-se assim a despatrimonialização do

Direito Civil, em razão da íntima ligação com a dignidade da pessoa

humana.

Em conclusão, entendo que o abandono moral praticado por

genitor caracteriza ofensa à dignidade do filho, por não ter tido a

assistência paterna, imprescindível ao seu desenvolvimento como

cidadão.

172 PELUSO, Antonio César. Os Direitos da Família, Criança e Adolescente, in: Direitos humanos – visões contemporâneas, organizada e editada pela Associação Juízes para a Democracia. São Paulo. 2001. p. 78. 173 MACHADO, Martha de Toledo. A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos. São Paulo: Manole. 2003. p. 152. 174 LAURIA, Flávio Guimarães. A Regulamentação de Visitas e o Princípio do Melhor Interesse da Criança. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2003. p. 32. 175

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente trabalho monográfico aprofundou-se os

conhecimentos acerca do Abandono Moral no Direito de Família: Uma

Análise à Luz do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Para tanto, iniciou-se a pesquisa com o estudo da família, a

formação da família, o direito de família e, como se viu, o direito de família

e a família possuem características como: o caráter biológico, o caráter

psicológico (elemento espiritual – sentimento familiar), o caráter

econômico (auxílio mútuo), o caráter religioso, o caráter político e o

caráter jurídico.

Verificou-se, ainda no primeiro capítulo, a importância da

família na sociedade, constatando-se que inúmeras são as influências do

ambiente social para a formação da personalidade humana; sendo a

Família a mais importante de todas.

Abordou-se, também, ainda que brevemente, as repercussões

nas espécies de família, quais sejam: a família advinda do casamento, a

família advinda da união estável, a família homoafetiva e a família

monoparental.

Entende-se que o Código Civil de 2002 atentou ainda para

permitir à sociedade o início de uma família observando-se os valores

morais, éticos e religiosos por ela seguidos, mas manteve o Estado para

proteger à família.

No segundo capítulo analisou-se o princípio da dignidade da

pessoa humana, com breves considerações preliminares, conceituação

do princípio e sua previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro.

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Viu-se que a os princípios constitucionais são a base para

qualquer fundamentação jurídica, são a base para se construir o sistema

jurídico.

Verificou-se que a dignidade da pessoa humana ficou mais

acentuada após passarmos duas grandes guerras mundiais, havendo a

inversão daquilo que antes era importante, ou seja, o homem passou a ter

uma posição de destaque.

Constataram-se ainda, neste capítulo, que este princípio, além

de possuir previsão legal em vários países, no ordenamento jurídico

brasileiro encontra-se estampado no artigo 1°, inciso III da Constituição de

1988, podendo ter aplicação em vários âmbitos, dentre eles no familiar.

Finalmente, no terceiro capítulo, estudou-se especificamente

o abandono moral, considerações introdutórias e conceito, o afeto como

valor jurídico e, por fim, o abando moral como violador do princípio da

dignidade da pessoa humana.

Assim, quando pesquisado sobre o abandono moral

constatou-se que pela separação dos pais é que há a ocorrência do

abandono, uma vez que estes se afastam do convívio familiar, vendo a

simples obrigação de ajudar financeiramente no sustento do filho, o

cumprimento de seu dever de pai.

Referente ao princípio a dignidade da pessoa humana, é

direito da criança receber amor, carinho, afeto e atenção de seus pais,

havendo para isto previsão legal em várias esferas do nosso ordenamento

jurídico, dentre elas, a Penal, a Civil, a própria Constituição, além de Leis

especiais. Por isto fere a dignidade da pessoa humana o pai que não

cumpre com o entabulado na Legislação citada.

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Por fim, verificou-se que há uma importância imensa do olhar

dos pais sobre os filhos, pois, mais que qualquer outra coisa, o amor, o

afeto são a maior necessidade e o principal alimento para um filho .

Retomam-se, portanto, as hipóteses levantadas, quais sejam:

a) O abandono moral gera indenização por danos morais ao

filho que não recebe carinho e a atenção devida?

b) Um pai deixar de dar assistência moral e afetiva a um filho,

deixar de dar amor, constitui violação ao princípio da

dignidade?176

c) Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, o

Código Penal e o Código Civil, é dever dos pais além do

sustento material, dar assistência moral aos seus filhos?

Verificou-se que a primeira hipótese restou confirmada, uma

vez que por mais que não haja confirmação do valor pedagógico da

condenação, assim como qualquer outra indenização por dano moral, a

intenção é corrigir, ou compensar uma dor, um sofrimento experimentado

por um filho que cresceu sem o amor de um pai.

A segunda hipótese também restou confirmada, pois a

criança deixa de crescer psicologicamente sadia se nem a sua dignidade

for respeitada, ou seja, um direito seu for violado.

E, por fim, a terceira hipótese confirmou-se, posto que, se há

previsão legal de que é dever dos pais dar o apoio moral que o filho

precisa, o abandono moral gera conseqüências na vida desta criança.

A presente pesquisa, não se esgota com a realização desta

monografia, porém, com toda certeza, serviu de estímulo para futuros

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estudos sobre o tema e, também, para a aplicação no exercício da

profissão após a conclusão do curdo de direito.

176 LAURIA, Flávio Guimarães. A Regulamentação de Visitas e o Princípio do Melhor Interesse da Criança. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2003. p. 06.

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