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  • 7/24/2019 Aangustia

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    FP.pt 1/2011

    A angstia de uma ausncia:Trs meditaes sobre o Sbado Santo

    Joseph Ratzinger

    1 Meditao

    Com insistncia cada vez maior ouvimos !a"ar emnosso tempo da morte de #eus$ %a primeira vez em Jean&au" Sartre trata'se apenas de um pesade"o: Jesus mortoanuncia aos mortos do topo do mundo (ue em sua viagem

    para o a")m n*o encontrou nada nem c)u nem #eusmisericordioso mas t*o'somente o nada in!inito o si"nciodo vazio escancarado$ Trata'se ainda de um sonho horr+ve"

    da(ue"es (ue a pessoa dei,a de "ado gemendo ao acordarmas simp"esmente um sonho mesmo (ue nunca se consigaapagar a angstia (ue se so!reu (ue continua sempre detocaia tenebrosa no !undo da a"ma$

    -m s)cu"o depois em %ietzsche ) uma seriedademorta" (ue se e,prime num grito estridente de terror: .#eusest morto/ #eus continua morto/ 0 n1s o matamos/2$Cin(3enta anos depois !a"am disso com distanciamento

    acadmico e se preparam para uma .teo"ogia depois da morte de #eus2 o"ham em vo"ta para vercomo se poder continuar e encora4am os homens a (ue se preparem para tomar o "ugar de #eus$ 5mist)rio terr+ve" do Sbado Santo seu abismo de si"ncio ad(uiriu ent*o em nosso tempo uma

    rea"idade opressiva$ #e modo (ue isto ) o Sbado Santo: o dia do ocu"tamento de #eus o diada(ue"e parado,o inaudito (ue n1s e,primimos no Credo com as pa"avras .desceu 6 mans*o dosmortos2 desceu para dentro do mist)rio da morte$ %a Se,ta'!eira Santa ainda se podia o"har para otranspassado$ 5 Sbado Santo est vazio a pesada pedra do sepu"cro novo encerra o de!unto tudo

    4 passou a !) parece estar de!initivamente desmascarada como !anatismo$ %enhum #eus sa"vouesse Jesus (ue se arvorava em 7i"ho de"e$ Todos podem !icar tran(3i"os: os prudentes (ueinicia"mente haviam titubeado um pouco em seu +ntimo na dvida de (ue ta"vez tudo n*o !osseverdade agora sabem (ue tinham raz*o$

    Sbado Santo: dia do sepu"tamento de #eus8 n*o ) isso de maneira impressionante o nossodia9 5 nosso s)cu"o n*o comea a ser um grande Sbado Santo dia da ausncia de #eus no (ua"at) os disc+pu"os tm um vazio conge"ante no cora*o (ue aumenta cada vez mais e por isso se

    preparam cheios de vergonha e angstia para vo"tar para casa e se dirigem taciturnos edestroados em seu desespero para 0mas sem se dar conta em hip1tese a"guma de (ue a(ue"e(ue acreditavam morto est entre e"es9

    #eus morreu e n1s o matamos: ser (ue n1s percebemos mesmo (ue essa !rase ) tomada(uase ao p) da "etra pe"a tradi*o crist* e (ue n1s muitas vezes em nossas viae crucis4 repetimosa"go seme"hante sem nos darmos conta da gravidade tremenda do (ue diz+amos9 %1s o matamosencerrando'o no inv1"ucro ranoso dos pensamentos habituais e,i"ando'o numa !orma de piedadesem contedo de rea"idade e perdida entre !rases !eitas ou preciosidades ar(ueo"1gicas8 n1s omatamos por meio da ambig3idade da nossa vida (ue estendeu um v)u de escurid*o tamb)m sobree"e: de !ato o (ue mais poderia ter tornado #eus prob"emtico neste mundo sen*o a prob"emati'

    cidade da !) e do amor da(ue"es (ue crem ne"e9A escurid*o divina deste dia deste s)cu"o (ue se torna em medida cada vez maior um SbadoSanto !a"a 6 nossa conscincia$ %1s tamb)m estamos imp"icados ne"a$ as apesar de tudo e"a temem si a"go de conso"ador$ A morte de #eus em Jesus Cristo ) ao mesmo tempo e,press*o de sua

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    radica" so"idariedade conosco$ 5 mist)rio mais obscuro da !) ) ao mesmo tempo o sina" mais c"arode uma esperana (ue n*o tem "imites$ 0 mais uma coisa: s1 por meio da derrota da Se,ta'!eiraSanta s1 por meio do si"ncio morta" do Sbado Santo os disc+pu"os puderam ser "evados 6compreens*o do (ue Jesus era rea"mente e do (ue a sua mensagem signi!icava na rea"idade$ #eustinha de morrer para e"es para (ue pudesse rea"mente viver ne"es$ A imagem (ue haviam !ormadode #eus na (ua" haviam tentado comprimi'"o tinha de ser destru+da para (ue e"es a partir das

    ru+nas da casa derrubada pudessem ver o c)u e o pr1prio #eus (ue continua a ser sempre oin!initamente maior$ %1s precisamos do si"ncio de #eus para e,perimentar novamente o abismoda sua grandeza e o abismo do nosso nada (ue viria a se escancarar se n*o !osse e"e$

    ; uma cena no 0vange"ho (ue antecipa de maneira e,traordinria o si"ncio do SbadoSanto e parece portanto mais uma vez ser o retrato do nosso momento hist1rico$ Cristo dormenuma barca (ue agitada pe"a tempestade est para a!undar$ 5 pro!eta 0"ias zombou uma vez dossacerdotes de

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    Trs meditaes sobre o Sbado Santo

    simp"esmente todo o reino dos mortos e (ue portanto a !1rmu"a deveria originariamente dizerapenas (ue Jesus desceu at) a pro!undidade da morte est rea"mente morto e participou do abismo donosso destino de morte$

    #e !ato surge ainda a pergunta: o (ue ) rea"mente a morte e o (ue acontece e!etivamente(uando se desce 6 pro!undidade da morte9 #evemos a(ui dar aten*o ao !ato de (ue a morte n*o) mais a mesma coisa depois (ue Cristo a so!reu depois (ue e"e a aceitou e penetrou ta" como a

    vida o ser humano n*o s*o mais a mesma coisa depois (ue em Cristo a natureza humana p@deentrar em contato e de !ato entrou com o ser pr1prio de #eus$ Antes a morte era apenas mortesepara*o do pa+s dos vivos e ainda (ue com di!erente pro!undidade a"go como .in!erno2 "adonoturno do e,istir escurid*o impenetrve"$ Agora por)m a morte ) tamb)m vida e (uandou"trapassamos a so"id*o g"acia" da so"eira da morte nos encontramos sempre novamente coma(ue"e (ue ) a vida (ue (uis se tornar companheiro da nossa so"id*o "tima e (ue na so"id*omorta" de sua angstia no horto das o"iveiras e do seu grito na cruz .eu #eus meu #eus por(ue me abandonaste92 tornou'se part+cipe de todas as nossas !ormas de so"id*o$

    Se uma criana tivesse de se aventurar sozinha na noite escura atrav)s de um bos(ue teriamedo mesmo (ue "he demonstrassem centenas de vezes (ue n*o h perigo a"gum$ 0"a n*o temmedo de a"go determinado ao (ua" se possa dar um nome mas na escurid*o e,perimenta ainsegurana a condi*o de 1r!* o carter sinistro da e,istncia em si$ S1 uma voz humana

    poderia conso"'"a8 s1 a m*o de uma pessoa (uerida poderia a!ugentar a angstia como um sonhoruim$ 0,iste uma angstia ' a verdadeira escondida na pro!undidade da nossa so"id*o ' (ue n*o

    pode ser superada mediante a raz*o mas apenas pe"a presena de uma pessoa (ue nos ama$ #e!ato essa angstia n*o tem um ob4eto ao (ua" se possa dar um nome mas ) t*o'somente ae,press*o terr+ve" da nossa so"id*o "tima$ >uem n*o sentiu a sensa*o espantosa dessa condi*ode abandono9 >uem n*o perceberia o mi"agre santo e conso"ador suscitado num apuro como esse

    por uma pa"avra de a!eto9>uando por)m se tem uma so"id*o ta" (ue n*o pode mais ser a"canada pe"a pa"avra

    trans!ormadora do amor ent*o n1s estamos !a"ando de in!erno$ 0 sabemos (ue n*o poucos homens

    do nosso tempo aparentemente t*o otimista tm a opini*o de (ue todo e (ua"(uer encontropermanece na super!+cie de (ue nenhum homem 4 teve acesso 6 "tima e verdadeira pro!undidadedo outro e de (ue portanto no !undo "timo de (ua"(uer e,istncia 4az o desespero ou me"hor oin!erno$ Jean'&au" Sartre e,pressou isso poeticamente num de seus dramas ao mesmo tempo em(ue e,punha o nc"eo de sua doutrina sobre o homem$ -ma coisa ) certa: e,iste uma noite em cu4oabandono obscuro n*o penetra nenhuma pa"avra de con!orto uma porta (ue temos de u"trapassarem so"id*o abso"uta a porta da morte$ Toda a angstia deste mundo em "tima an"ise ) a angstia

    provocada por essa so"id*o$ &or esse motivo o termo usado no ?e"ho Testamento para indicar oreino dos mortos era idntico 6(ue"e com (ue se indicava o in!erno: shol$ A morte de !ato )so"id*o abso"uta$ as a so"id*o (ue n*o pode mais ser i"uminada pe"o amor (ue ) t*o pro!unda (ueo amor n*o pode mais ter acesso a e"a esta ) o in!erno$

    .#esceu 6 mans*o dos mortos2: essa con!iss*o do Sbado Santo signi!ica (ue Cristou"trapassou a porta da so"id*o (ue desceu ao !undo ina"canve" e insuperve" da nossa condi*ode so"id*o$ =sso signi!ica por)m (ue mesmo na noite e,trema na (ua" n*o penetra pa"avraa"guma na (ua" todos n1s somos como crianas apavoradas chorosas surge uma voz (ue noschama uma m*o (ue nos toma e nos conduz$ A so"id*o insuperve" do homem !oi superada a

    partir do momento em (ueElese encontrou ne"a$ 5 in!erno !oi vencido a partir do momento em(ue o amor entrou tamb)m na regi*o da morte e a terra de ningu)m da so"id*o !oi habitada pore"e$ %a sua pro!undidade o homem n*o vive de p*o mas na autenticidade de seu ser e"e vive

    pe"o !ato de (ue ) amado e "he ) permitido amar$ A partir do momento em (ue se d a presena doamor no espao da morte a vida penetra ne"a: aos teus !i)is 1 Senhor a vida n*o ) tirada mastrans!ormada ' reza a =gre4a na "iturgia !nebre$

    %ingu)m pode medir em "tima an"ise o a"cance destas pa"avras: .desceu 6 mans*o dosmortos2$ as (uando nos !or dado nos apro,imar da hora da nossa so"id*o "tima nos ser

    permitido compreender a"go da grande c"areza desse mist)rio obscuro$ %a esperana segura de

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    (ue nessa hora de e,trema so"id*o n*o estaremos s1s podemos 4 agora pressagiar a"go do (ueacontecer$ 0 em meio ao nosso protesto contra a escurid*o da morte de #eus comeamos a nostornar gratos pe"a "uz (ue vem a n1s 4ustamente dessa escurid*o$

    3 Meditao

    %o brevirio romano a "iturgia dosagrado Tr+duo &asca" ) estruturada com umcuidado particu"ar8 a =gre4a na sua ora*o(uer por assim dizer trans!erir'nos para area"idade da pai,*o do Senhor e indo a")mdas pa"avras para o centro espiritua" do (ueaconteceu$ Se (uis)ssemos de"inear breve'mente a ora*o "itrgica do Sbado Santoseria preciso !a"ar sobretudo do e!eito de paz

    pro!unda (ue de"a emana$ Cristo penetrou no ocu"tamento VerborgenheitB mas ao mesmo tempo

    4ustamente no cora*o da escurid*o impenetrve" e"e penetrou na segurana GeborgenheitB oume"hor e"e se tornou a segurana "tima$ Agora se tornou verdadeira a pa"avra ousada do sa"mista:mesmo (ue eu (uisesse me esconder no in!erno tu " estarias tamb)m$ 0 (uanto mais percorremosessa "iturgia mais percebemos bri"har ne"a como uma aurora da manh* as primeiras "uzes da &scoa$Se a Se,ta'!eira Santa pe diante dos nossos o"hos a !igura des!igurada do transpassado a "iturgia doSbado Santo se re!ere muito mais 6 imagem da cruz (ue era cara 6 =gre4a antiga: a cruz cercada porraios "uminosos sina" a um s1 tempo da morte e da ressurrei*o$

    5 Sbado Santo nos remete assim a um aspecto da piedade crist* (ue ta"vez tenha'seperdido ao "ongo do tempo$ >uando na ora*o o"hamos para a cruz vemos muitas vezes ne"aapenas um sina" da pai,*o hist1rica do Senhor no 1"gota$ A origem da devo*o 6 cruz por)m )di!erente: os crist*os rezavam vo"tados para o 5riente para e,primir sua esperana de (ue Cristoo so" verdadeiro surgiria na hist1ria para e,pressar portanto sua !) no retorno do Senhor$ A cruzest num primeiro momento estreitamente "igada a essa orientao da ora*o8 e"a )representada por assim dizer como uma ins+gnia (ue o rei hastear em sua vinda8 na imagem dacruz a ponta avanada do corte4o 4 chegou at) o meio da(ue"es (ue rezam$

    &ara o crist*o antigo a cruz ) portanto sobretudo sina" da esperana$ 0"a n*o imp"ica tantouma re!erncia ao Senhor passado mas ao Senhor (ue est para vir$ Certamente era imposs+ve"es(uivar'se da necessidade intr+nseca de (ue com o passar do tempo o o"har se dirigisse tamb)m

    para o evento (ue havia ocorrido: contra (ua"(uer !uga para o espiritua" contra (ua"(uerdeturpa*o da encarna*o de #eus era preciso (ue se de!endesse a prodiga"idade inimaginve"do amor de #eus (ue por amor 6 m+sera criatura humana tornou'se e"e mesmo um homem e

    (ue homem/ 0ra preciso de!ender a santa estu"tice do amor de #eus (ue n*o esco"heu pronunciaruma pa"avra de !ora mas percorrer o caminho da impotncia para p@r o nosso sonho de poderna ber"inda e venc'"o a partir de dentro$

    as dessa !orma acaso n*o es(uecemos um pouco demais da cone,*o entre cruz eesperana da unidade entre o 5riente e a dire*o da cruz entre passado e !uturo (ue e,iste nocristianismo9 5 esp+rito da esperana (ue emana das oraes do Sbado Santo deveria penetrarnovamente todo o nosso ser crist*os$ 5 cristianismo n*o ) apenas uma re"igi*o do passado masem n*o menor medida tamb)m do !uturo8 sua !) ) tamb)m ao mesmo tempo esperana 4 (ueCristo n*o ) apenas o morto e o ressuscitado mas tamb)m a(ue"e (ue est por vir$

    D Senhor i"umina as nossas a"mas com este mist)rio da esperana para (ue reconheamosa "uz (ue irradiou da tua cruz8 concede'nos (ue como crist*os caminhemos vo"tados para o

    !uturo ao encontro do dia da tua vinda$ Am)m$

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    Trs meditaes sobre o Sbado Santo

    ORAOSenhor Jesus Cristo na escurid*o da morte !izeste "uz8 noabismo da so"id*o mais pro!unda habita agora para sempre a

    prote*o poderosa de Teu amor8 em meio ao Teu ocu"tamentopodemos 4 cantar o a"e"uia dos sa"vos$ Concede'nos a

    humi"de simp"icidade da !) (ue n*o se dei,a desviar (uandoTu nos chamas nas horas da escurid*o do abandono (uandotudo parece prob"emtico8 concede'nos neste tempo no (ua"se combate uma "uta morta" ao teu redor "uz su!iciente paran*o te perder8 "uz su!iciente para (ue possamos d'"a a todosa(ue"es (ue precisam ainda mais de"a$ 7az bri"har o mist)rioda Tua a"egria pasca" como aurora da manh* nos nossos dias8concede'nos (ue possamos rea"mente ser homens pascais emmeio ao Sbado Santo da hist1ria$ Concede'nos (ue por meiodos dias "uminosos e obscuros deste tempo possamos semprecom esp+rito 4ubi"oso nos encontrar em caminho rumo 6 Tuag"1ria !utura$ Am)m$

    Te,to e,tra+do de:Joseph RatzingerMeditationen zur Karwoche

    EFrios'?er"ag 7reisingGHIH

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