A TEORIA DA ENCAMPAÇÃO NO MANDADO DE SEGURANÇA

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A TEORIA DA ENCAMPAÇÃO NO MANDADO DE SEGURANÇA Guilherme Jales Sokal [email protected] 1

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A TEORIA DA ENCAMPAÇÃO NO MANDADO DE SEGURANÇA

Guilherme Jales Sokal

[email protected]

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1. Introdução

O mandado de segurança, com seus pressupostos característicos e perfil

procedimental, é uma criação essencialmente brasileira.Voltado para a proteção do indivíduo

contra os desmandos do Estado, a conhecida história do instituto buscou inspiração sólida no

habeas corpus e no procedimento das ações possessórias, formando assim a base para um

instrumento que tutelasse de modo célere os direitos subjetivos públicos para além da mera

liberdade de locomoção, sempre que seu gozo fosse violado ou ameaçado de violação por ato

de autoridade pública. A tônica que o marcou desde a origem, portanto, na previsão inicial na

Constituição de 1934 até os dias de hoje, com a edição da Lei nº 12.016/09, foi a lógica do

liberalismo político, preservando a esfera do cidadão na relação com a autoridade.

Toda esta ideologia que marca o mandado de segurança, com a evolução que lhe

conferiu o algo inestético título de remédio heróico, é, sem sombra de dúvida, motivo de

orgulho para a ciência processual no Brasil. O presente trabalho, porém, tem por meta tentar

demonstrar como essa virtuosa inclinação imprimida ao writ, alçada algumas vezes, com a

devida vênia, a um extremo quase irrefletido, pode ter ofuscado a atenção para outros valores

igualmente caros à ordem jurídica, em especial o exercício efetivo da garantia fundamental do

contraditório participativo pelo polo passivo do processo.

A crítica tomará como referencial de análise a denominada teoria da encampação,

adotada e desenvolvida pelo Superior Tribunal de Justiça para superar, em determinadas

circunstâncias, o erro na indicação da autoridade coatora, demonstrando os pecados não tão

claros em que tal orientação incorre. Para tanto, a seguir serão inicialmente destacados os

conceitos fundamentais sobre a configuração do polo passivo no mandado de segurança, de

modo a delinear o panorama ordinário do contraditório no writ. Após, passar-se-á para a

sistematização dos precedentes que espelham a aplicação da encampação no âmbito do STJ,

com o exame das razões que lhes são subjacentes. Por fim, serão demonstrados os sensíveis

prejuízos ao contraditório que a referida teoria acarreta, sugerindo-se a utilização de caminho

alternativo igualmente proveitoso para o atingimento do mesmo fim.

2. Notas sobre o polo passivo no mandado de segurança

As dificuldades teóricas em torno do mandado de segurança se iniciam com a própria

definição do polo passivo na demanda. Tal questão, comum a todo e qualquer processo,

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assume um colorido novo e opaco no terreno do writ, a ponto de ser possível afirmar, sem

pecar em exagero, que neste tema há uma única certeza: o processo é marcado pela atuação de

uma figura específica, a denominada autoridade coatora, mencionada pela Constituição –

sem, porém, o acréscimo do adjetivo – na previsão geral do instituto (CF, art. 5º, LXIX) e nas

cláusulas de competências originárias dos Tribunais Superiores (v.g., CF, arts. 102, I, ‘d’, e

105, I, ‘b’). A partir desta singela premissa, no entanto, terminam logo as certezas, grassando

de longa data uma infindável desarmonia, nos Tribunais e na doutrina, quanto ao papel e à

função a serem exercidos no processo pela autoridade, se ela ali figura sozinha e, ainda,

quanto ao regime jurídico do ato fundamental por ela praticado no processo, qual seja: a

prestação de informações em defesa do ato impugnado na impetração.

Entende-se como autoridade coatora toda pessoa que exerça função pública, ou

detenha em suas mãos uma fração de autoridade. Há diversos critérios erigidos pela doutrina

para definir a autoridade adequada conforme seja a hipótese de atos complexos, compostos ou

colegiados, mas a pedra de toque para a identificação de tal figura, de maneira geral, consiste

na presença do poder de decisão sobre o ato impugnado, de modo a corrigi-lo caso ordenado

em juízo, inconfundível com o agente que se limita à mera execução da ordem

administrativa1. Esta distinção entre o ordenador e o executor do ato, no entanto, embora

assentada com certa tranquilidade na doutrina, atraiu em algumas oportunidades a atenção do

legislador processual, por nem sempre ser de todo clara.

O ponto já havia inspirado o legislador de 1936, ao editar o art. 2º, § 3º, da Lei 1912,

posteriormente repetido no art. 319, § 3º, do CPC/393, que afirmava caber o mandado de

segurança contra quem executar, mandar ou tentar executar o ato que o tenha provocado.

Equiparava-se, assim, o executor com o responsável pela ordem, aparentemente evitando o

cenário de incerteza em que se via o impetrante para identificar a origem verdadeira do

comando concreto para a prática do ato ilegal4. Esta previsão mais permissiva em prol do

cidadão, não repetida no texto da Lei nº 1.533/51, veio a ser aparentemente ressuscitada com a

entrada em vigor da Lei nº 12.016/09, cujo art. 6º, § 3º, considera “autoridade coatora aquela

que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática”.

Autorizadas vozes já se levantaram em prol desta equiparação entre as figuras sob a égide do

1 Nesse sentido, por todos, cf. FLAKS, Milton. Mandado de segurança: pressupostos da impetração, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1980, p. 39 e 61. 2 Lei nº 191/36, Art. 2º, § 3º. “Cabe o mandado de segurança contra quem executar, mandar ou tentar executar o acto que o tenha provocado”. 3 CPC/39, Art. 319, § 3º. “Caberá o mandado de segurança contra quem executar, mandar ou tentar executar o ato lesivo”. 4 BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2002, p. 82.

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novo Diploma5, mas a interpretação mais conservadora do dispositivo afirmará, por certo,

que, quando a atividade de execução se encontrar a cargo de pessoa distinta da figura do

mandante, a impetração deverá ser dirigida contra este último, por prevalecer, sob o ângulo da

relevância, diante do primeiro, em exegese que peca, a rigor, por inutilizar a conjunção

alternativa instituída na nova Lei.

Identificada qual seja a autoridade coatora adequada, os problemas teóricos quanto ao

polo passivo no writ, ao invés de terem fim, apenas se iniciam. Com efeito, antes do regime

instituído pela Lei nº 1.533/51, previa-se de modo expresso, em adição à intimação da

autoridade coatora para apresentar informações, também a citação da pessoa jurídica de

direito público para se manifestar no feito, tanto sob a égide da Lei nº 191/36 quanto sob a

vigência do Código de Processo Civil de 1939, sendo que o art. 322, § 2º, deste último

Diploma fixava o prazo de dez dias para contestar. Foi apenas com a Lei nº 1.533/51,

portanto, que se criou aquela que é, desde então até – com algum temperamento – os dias

atuais, uma das características mais marcantes do procedimento do mandado de segurança: a

supressão da citação da pessoa jurídica para se defender no processo, mantendo-se apenas a

participação, até a sentença, da autoridade apontada como coatora, através das informações.

Diante disso, intensa polêmica se estabeleceu quanto à posição processual da pessoa

jurídica, e que em última análise exigia que se esclarecesse quem verdadeiramente figura no

polo passivo do writ. Dividiam-se os autores entre os que reputavam ré a autoridade coatora6,

os que apontavam existente um litisconsórcio passivo necessário entre a pessoa jurídica e a

autoridade coatora7, e, ainda, os que entendiam que parte na demanda era somente a pessoa

jurídica de direito público. Estes últimos autores se agrupavam, por sua vez, em dois

segmentos: aqueles que consideravam a hipótese como substituição processual, sendo

5 Conferir, nesse sentido, o voto vencido proferido pelo Min. Napoleão Nunes Maia Filho, acompanhado pelo Min. Arnaldo Esteves Lima, no julgamento do RMS 29773/DF, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 20/10/2009, DJe 02/08/2010, asseverando que a norma, a bem do cidadão impetrante, teria se baseado nas dificuldades em “descobrir, rastrear, de onde veio a ordem para o Executor praticar aquele ato” apontado como coator. Em doutrina, também sustenta essa posição LIMA, Tiago Asfor Rocha. Artigo. 2º, In: Comentários à nova Lei do mandado de segurança, Napoleão Nunes Maia Filho, Caio Cesar Vieira Rocha, Tiago Asfor Rocha Lima (org.), São Paulo: Ed. RT, 2010, p. 60-61. 6 MEIRELLES, Hely Lopes, WALD, Arnoldo, e MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de segurança e ações constitucionais, São Paulo: Ed. Malheiros, 2010, p. 67, mas ressaltando que, com a entrada em vigor do art. 7º, II, da Lei nº 12.016/09, a pessoa jurídica poderia se tornar litisconsorte passiva; GRECO FILHO, Vicente. O novo mandado de segurança: comentários à Lei n. 12.016, de 7 de agosto de 2009, São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 13-14; e, conforme aponta ASSIS, Carlos Augusto de. Sujeito passivo no mandado de segurança, São Paulo: Ed. Malheiros, 1997, p. 21, também é essa a opinião de José de Moura Rocha e Ulderico Pires dos Santos. Aparentemente neste sentido, DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Manual do mandado de segurança, Rio de Janeiro: ed. Renovar, 1994, p. 87 e 93. 7 BUZAID, Alfredo. Do mandado de segurança, São Paulo: Ed. Saraiva, 1989, p. 182-4. Igualmente neste sentido era a posição de Luís Eulálio de Bueno Vidigal, como demonstra ASSIS, Carlos Augusto de. Ob. cit., p. 30.

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substituída a pessoa jurídica e substituta a autoridade coatora8, e aqueles que tratavam o caso

como espécie de representação – ou, mais tecnicamente, presentação –, de modo que a

própria autoridade coatora já faria presente a pessoa jurídica em juízo9.

Esta última posição, que veio a se sagrar como majoritária na doutrina10 e na

jurisprudência11, partia de algumas premissas processuais relativamente indiscutidas no

mandado de segurança, para sobre elas lançar a luz de uma explicação que lhes conferisse

racionalidade e coerência por inteiro. Em primeiro lugar, é a esfera jurídica não da autoridade

coatora, mas da própria pessoa jurídica que se sujeita à coisa julgada material formada no

processo12, sendo também quanto a ela que se caracteriza a litispendência para obstar outras

demandas com os mesmos elementos objetivos13. Além disso, tampouco há condenação da

autoridade coatora nas custas do processo, nem mesmo proporcionalmente, o que torna

inadequado considerá-la como parte, ainda que fosse em litisconsórcio passivo necessário.

Se, assim, era a pessoa jurídica a ré no mandado de segurança, ainda restava por

esclarecer a razão pela qual a condução do processo se pautava pela participação somente da

autoridade coatora no contraditório até a prolação da sentença. Rejeitou-se, em primeiro lugar,

tratar o caso como hipótese de substituição processual, e por variadas razões. De início, já se

afirmou que a autoridade coatora não responde de qualquer modo pelas despesas processuais,

8 DIAS, Tiago Bologna. Sujeição passiva no mandado de segurança e a autoridade coatora, Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2011, p. 111 e 128; e GRECO, Leonardo. Natureza jurídica do mandado de segurança, Arquivos do Ministério da Justiça, Brasília, v. 129, 1974, p. 73, perfilhando orientação exposta também por Moacyr Amaral Santos. Em manifestação mais recente, constante de GRECO, Leonardo. Translatio iudicii e reassunção do processo, Revista de Processo, São Paulo: Ed. RT, Ano 33, nº 166, dez./2008, p. 21, o mesmo autor adere à corrente da função de presentação da pessoa jurídica exercida pela autoridade coatora. 9 BARBI, Celso Agrícola. Ob. cit., p. 123; e MACIEL, Adhemar Ferreira. Observações sobre autoridade coatora no mandado de segurança, Revista dos Tribunais, Ed. RT, vol. 618, abril/1987, p. 17-8. 10 TALAMINI, Eduardo. Partes e os terceiros no mandado de segurança individual, à luz de sua nova disciplina (Lei 12.016/2009), Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 80, nov. 2009, p. 43; PARGENDLER, Ari. Autoridade coatora no mandado de segurança e competência administrativa, Revista de Direito Renovar, Rio de Janeiro, n. 16, jan./abr. 2000, p. 19-20; SILVA, Almiro do Couto e. Autoridade pública e mandado de segurança, Revista da Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul, Suplemento, v. 27, n. 57, dez. 2003, p. 243-4; GRECO, Leonardo. Translatio iudicii e reassunção do processo, Revista de Processo, São Paulo: Ed. RT, Ano 33, nº 166, dez./2008, p. 21; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Partes e terceiros nos mandado de segurança, Revista Dialética de Direito Processual, n. 13, abr. 2004, p. 75; ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda. A posição da autoridade coatora no mandado de segurança à luz da Lei n. 12.016/09. Ciência e citação?(Art. 7, inc. II), Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 105, n. 405, set./out. 2009, p. 135; MEDINA, José Miguel Garcia, e ARAÚJO, Fábio Caldas de. Mandado de segurança individual e coletivo: comentários à Lei 12.106/2009, São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 45; e ASSIS, Carlos Augusto de. Ob. cit., p. 66. 11 É o que se depreende de diversos julgados do STJ, valendo destacar, por todos, o precedente proferido no REsp 29582/GO, Rel. Ministro Adhemar Maciel, Sexta Turma, julgado em 31/08/1993, DJ 27/09/1993, p. 19835. 12 STJ, REsp 443.614/AL, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 08/04/2003, DJ 05/05/2003. 13 Nesse sentido, cf., por exemplo, STJ, EREsp 265.578/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Mais Filho, Primeira Seção, julgado em 23/11/2011, DJe 14/02/2012; e REsp 1326435/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 06/12/2012, DJe 12/12/2012.

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o que seria natural caso fosse ela parte no processo, condição em que se insere o substituto14.

Ademais, e ressalvada a hipótese em que ela decida recorrer contra a sentença, não estará a

autoridade propriamente vinculada à autoridade da coisa julgada em demandas futuras em que

se discuta sua responsabilidade regressiva diante da Administração. Estará ela, sim, vinculada

ao acatamento à ordem proferida no mandado de segurança na efetivação do julgado, como

agente da pessoa jurídica que sofrerá os efeitos da decisão concessiva, mas sem que a sua

esfera jurídica pessoal – distinta, por óbvio, da funcional – também se vincule à certeza

proclamada na sentença. E, como se sabe, é premissa básica da substituição processual a ideia

de que tanto o substituto quanto o substituído permanecem vinculados à coisa julgada

material formada no processo em que aquele atua15.

Diante desse impasse, já que afastada a figura conceitual que tradicionalmente justifica

o descompasso entre os sujeitos do processo e os sujeitos da relação jurídica material, coube à

doutrina adicionar alguns elementos de direito administrativo a esta equação, chegando assim

à ideia de um particular modo de presentação processual. Com efeito, sabe-se que, na

representação processual regulada pelos arts. 8º e seguintes do CPC, o representante age em

nome do representado, não em nome próprio. No plano do direito administrativo, porém,

afirma-se que as pessoas jurídicas de direito público, como entidades ideais, atuam através de

seus agentes por um vínculo de imputação volitiva, de modo que a conduta destes últimos

deve ser tida como daquela sempre que agirem, em seu próprio nome, no exercício de suas

funções. Pela teoria do órgão, portanto, é a própria vontade da pessoa jurídica, e não de

qualquer outro sujeito supostamente representado, que se faz presente com a atuação de seus

agentes, como unidades funcionais legalmente definidas com competência para expressá-la.

Aplicando-se esta lógica para a relação processual do mandado de segurança, afirma a

doutrina que, ao prestar pessoalmente as informações, subscrevendo-as em seu nome, o que a

autoridade coatora faz é expressar a vontade da pessoa jurídica em cujos quadros se insere,

presentando-a no processo com o oferecimento da defesa. Desta forma, a diversidade entre o

sujeito que exerce o contraditório no polo passivo e o verdadeiro titular da relação de direito

material – i.e., a pessoa jurídica – seria apenas aparente, pois o órgão legalmente competente

para expressá-la em juízo, nesta particular hipótese, já estaria a fazê-lo. Em última análise, por

esta técnica teria o legislador levado a cabo a intenção de imprimir simplificação e celeridade

14 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Apontamentos para um estudo sistemático da legitimação extraordinária, In: Direito processual civil (estudos e pareceres), Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1971, p. 64. 15 Apontando a orientação geral da doutrina, cf. GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil, vol. II: processo de conhecimento, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2010, p. 388, mas para logo a seguir perfilhar entendimento diverso, cuja análise será retomada adiante, no item 4.1.

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ao rito do mandado de segurança, inclusive pela substituição das formalidades da citação pelo

mero ofício de notificação à autoridade. A técnica viria acompanhada, ainda, também da

virtude de unificar em um só sujeito, a bem da efetividade do processo, duas funções que

normalmente caminham em separado no terreno do direito processual público: a participação

no contraditório e a competência administrativa para dar cumprimento à ordem judicial16.

Pois bem. A entrada em vigor da Lei nº 12.016/09 no ordenamento nacional trouxe

algumas inovações nesta seara. A primeira delas consiste em seu art. 6º, caput, que impõe ao

impetrante o dever de indicar, como requisito da petição inicial, não apenas a autoridade

coatora, mas também a pessoa jurídica da qual faça parte aquela. Mas, em última análise, ao

assim fazer a lei teve em vista abrir caminho para o disposto em seu art. 7º, II, cujo conteúdo

é especialmente importante no tema do contraditório no writ.

Com efeito, dispõe o art. 7º, II, da Lei nº 12.016/09 que o juiz, ao despachar a inicial,

ordenará, além da notificação da autoridade coatora para prestar informações em dez dias

(inc. I), “que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica

interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no

feito”. Há quem afirme que a notificação referida no art. 7º, II, da Lei configuraria, a rigor,

uma autêntica citação da pessoa jurídica, assim revigorando o sistema da dupla citação

previsto na Lei nº 191/36 e no CPC de 193917. Também se aponta que a intervenção, embora

meramente autorizada pela literalidade do art. 7º, II, da Lei nº 12.016/09, seria na realidade de

natureza obrigatória para a pessoa jurídica, sem margem para apreciação discricionária quanto

ao ingresso em juízo18.

Não é isso, porém, o que se extrai da nova Lei. Em primeiro lugar, considerar tal

comunicação processual como verdadeira citação não é de todo coerente com a sistemática da

presentação no writ, em função da qual tem-se que a pessoa jurídica já figura no processo

pelo só fato de ser a autoridade coatora intimada para prestar informações. Além disso, a

verdade é que a disposição contém, sim, norma meramente autorizativa de participação no

processo, dirigida, porém, não à pessoa jurídica, mas ao órgão de representação judicial desta.

16 MEIRELLES, Hely Lopes, WALD, Arnoldo, e MENDES, Gilmar Ferreira. Op. cit., p. 69; SILVA, Almiro do Couto e. Ob. cit., p. 243; FUX, Luiz. Mandado de segurança, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2010, p. 70; MACIEL, Adhemar Ferreira. Ob. cit., p. 17; TALAMINI, Eduardo. Ob. cit., p. 43; e BARBI, Celso Agrícola. Ob. cit., p. 125 e 156. 17 SILVA, Ronaldo Campos e. O mandado de segurança à luz das garantias fundamentais do processo justo e dos princípios de acesso à justiça, Dissertação (Mestrado em Direito Processual) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012, p. 73; e MORAIS, Dalton Santos. A legitimidade passiva e a "defesa" do poder público na nova lei do mandado de segurança: lei 12.016-2009, Revista de processo, v. 35, n. 184, jun. 2010, p. 216. 18 MEDINA, José Miguel Garcia, e ARAÚJO, Fábio Caldas de. Ob. cit., p. 142.

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Não faria sentido, por certo, permitir que a pessoa jurídica optasse por intervir no feito, se já

figura ela no processo através da atuação da autoridade coatora. Mas este sentido

discricionário da norma é plenamente justificado quando se projeta seu conteúdo para o

sujeito mencionado em sua parte inicial, o órgão de representação judicial da pessoa jurídica

interessada19. Em outras palavras, o art. 7º, II, da Nova Lei do Mandado de Segurança

consiste em uma permissão para que o órgão de representação judicial da pessoa jurídica atue

no processo em adição às informações prestadas, caso entenda proveitoso para a defesa

técnica da pessoa jurídica. Assim, o sentido da opção prevista na Lei, com discricionariedade,

é verificar se a defesa nas informações foi suficientemente robusta: se sim, o ingresso da

representação judicial se fará desnecessário; caso contrário, impor-se-á a apresentação de

novo ato postulatório de defesa técnico-jurídica em juízo, a bem do contraditório20. E, veja-se

bem, não pode sequer ser tida como estranha ao sistema da Lei tal provocação, no rito do writ,

para a atuação específica de uma unidade funcional em particular na estrutura da

Administração, mirando não na pessoa jurídica como um todo, mas no órgão legal e

especialmente competente para a representação judicial desta última, já que similar à própria

notificação à autoridade para as informações.

3. A origem e a evolução da teoria da encampação

Pelo regime de admissibilidade de toda e qualquer demanda, cabe ao autor indicar com

precisão, na petição inicial (CPC, art. 282, I), aquele em face de quem pretende litigar em

juízo, de modo a fazer refletir no processo, de regra, a particular configuração subjetiva da

própria relação jurídica de direito material. Particularizando este dever no âmbito do mandado

de segurança, marcado, como visto acima, pela sistemática da presentação, dispõe a Lei nº

12.016/09, em seu artigo 6º, que o impetrante “indicará, além da autoridade coatora, a pessoa

jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições”.

A enunciação fria e rígida de tais regras, entretanto, não é suficiente a captar o

considerável peso, colocado sobre os ombros do impetrante, em que muitas vezes pode se

converter este aparentemente singelo requisito da petição inicial. Com efeito, sabe-se que a

evolução da atuação do Estado no cenário econômico e social, nos dois últimos séculos,

19 Assim, DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Artigo. 7º, In: Comentários à nova Lei do mandado de segurança, Napoleão Nunes Maia Filho, Caio Cesar Vieira Rocha, Tiago Asfor Rocha Lima (org.), São Paulo: Ed. RT, 2010, p. 133-134. 20 MORAIS, Dalton Santos. Ob. cit., p. 218; e ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda. Ob. cit., p. 137.

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trouxe consigo também um crescimento vertiginoso de sua estrutura administrativa. Se antes

cabia ao Poder Público o desempenho de funções razoavelmente delimitadas, como a

segurança pública e o controle da moeda, novas demandas sociais acabaram por atrair para a

esfera pública deveres de atuação de feições inovadoras, como a fiscalização das regras da

concorrência na economia ou o fomento no plano cultural. Esta expansão dos braços do Poder

Público, erigida ao ápice pela ideologia hoje não tão em voga do Estado Social, foi guiada

pela ideia de que mais missões confiadas ao Estado exigiriam maior grau de especialização da

burocracia administrativa, com o crescimento do número de entidades sob o controle do

Estado e, no próprio seio também deste, com a multiplicação dos órgãos que o compõem.

Todas essas constatações, que guardam maior pertinência ao terreno do direito

administrativo, servem para delinear um pano de fundo muito claro: há, nos dias que correm,

uma inegável complexidade na estrutura organizacional da Administração Pública, nem

sempre alcançável em todos os seus contornos ainda que pelo mais diligente dos observadores

externos. Identificar qual a autoridade competente para a prática de um ato administrativo

específico muitas vezes significa não apenas a exegese das leis aplicáveis à hipótese, mas

também a tentativa de avançar no terreno pantanoso de sucessivos atos normativos infralegais,

editados com amparo no art. 84, VI, ‘a’, da Constituição Federal, que transferem e modificam

competências sem a clareza que seria de se recomendar. O emaranhado em que deve se

imiscuir o cidadão fica completo quando tem ainda de se deparar com o descolamento entre o

sujeito que ordena concretamente a prática do ato e aquele que o executa, hipótese em que o

valor da aparência jurídica é substancialmente reduzido a zero, em prejuízo do administrado

que ingressa em juízo.

Foi neste cenário, portanto, de relevância inegável como premissa para qualquer

discussão teórica sobre o tema, que o STJ, com os olhos postos na condição de fragilidade do

impetrante, adotou e desenvolveu a assim chamada teoria da encampação. Tomando de

empréstimo conceito natural ao domínio do direito administrativo21, mas que, a rigor, melhor

se expressaria pelo termo avocação22, pela referida teoria tem-se superado o vício de

21 Como se sabe, a encampação consiste em modalidade de extinção do contrato de concessão de serviço público firmado com particulares, conforme previsto atualmente no art. 35, II, da Lei nº 8.987/95. A definição do instituto consta do art. 37 do mesmo Diploma, verbis: “Considera-se encampação a retomada do serviço pelo poder concedente durante o prazo da concessão, por motivo de interesse público, mediante lei autorizativa específica e após prévio pagamento da indenização, na forma do artigo anterior”. 22 Por certo, descabe sequer cogitar dos requisitos (i) da lei autorizativa específica e (ii) da indenização para a incidência da teoria da encampação sob a ótica do STJ, que também não se circunscreve necessariamente à órbita dos serviços públicos. Por sua vez, o conceito legal de avocação, exposto no art. 15 da Lei nº 9.784/99 e atinente ao tema da competência administrativa, parece se ajustar com muito maior precisão à hipótese, nos seguintes termos: “Art. 15. Será permitida, em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente

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inadmissibilidade do mandado de segurança mesmo quando caracterizado o equívoco na

indicação da autoridade coatora, desde que, em síntese, o superior hierárquico da autoridade

adequada preste as informações defendendo, no mérito, a legalidade do ato administrativo

impugnado.

Embora a acolhida inicial da teoria remonte a precedente de 1975 do Supremo

Tribunal Federal23, coube ao Min. Antônio de Pádua Ribeiro a iniciativa de aplicar, no âmbito

do Superior Tribunal de Justiça, a lógica da encampação para afastar o vício e conhecer do

pedido, em acórdão proferido em 1991 pela Primeira Seção, forte na constatação de ter

ocorrido, na hipótese, a defesa de mérito do ato administrativo pela autoridade indicada como

coatora24. Desde então, o aproveitamento da impetração em casos similares, considerando

adequada a presentação sempre que a autoridade superior não se limita a alegar, nas

informações, sua impertinência subjetiva, tem sido afirmado em inúmeras oportunidades pela

Corte, com aplicação da mesma lógica também para a esfera do habeas data25.

Foi, porém, apenas a contar do ano de 2008, no julgamento do RMS nº 12.779/DF,

Rel. Min. Castro Meira, que o Tribunal formalmente proclamou e passou a aplicar, com certa

uniformidade, três requisitos específicos para se ter por autorizada a incidência da

encampação no writ26. São eles: (i) existir vínculo de hierarquia entre a autoridade indicada

justificados, a avocação temporária de competência atribuída a órgão hierarquicamente inferior”. Reconheça-se, porém, que o nascimento da teoria da encampação remonta a época anterior à edição das Leis nº 8.987/95 e 9.784/99, como exposto a seguir no texto, de modo que a crítica se volta não à original denominação da teoria, mas antes à sua manutenção nos dias atuais, justificada apenas pelo apego à tradição – com prejuízo, porém, para a clareza dos conceitos. Também sinalizando para o termo avocação, cf. OLIVEIRA, Antônio Flavio de. Ato administrativo. O fenômeno da encampação por defesa do mérito em ação de mandado de segurança, Fórum Administrativo, Belo Horizonte, v. 6, n. 60, fev.2006, p. 6838 e segs. 23 STF, RE 76.159, Rel. Ministro Leitão de Abreu, Segunda Turma, julgado em 23/09/1975, DJ 24-10-1975, valendo o registro de que o voto do Ministro Relator, neste aspecto, é substancialmente calcado nas lições de Castro Nunes. 24 STJ, MS 459/DF, Rel. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Primeira Seção, julgado em 03/12/1991, DJ 10/02/1992. 25 STJ, HD 84/DF, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 27/09/2006, DJ 30/10/2006; e HD 147/DF, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, julgado em 12/12/2007, DJ 28/02/2008. Na doutrina, cf., em sentido similar, ARAÚJO, José Henrique Mouta A teoria da encampação no mandado de segurança: ponderações necessárias, Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 78, set. 2009, p. 36. 26 MS 12779/DF, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 13/02/2008, DJe 03/03/2008. É bem verdade que alguns julgados se reportam a precedente firmado no MS 10484/DF, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Seção, julgado em 24/08/2005, DJ 26/09/2005, como paradigmático na fixação dos mesmos requisitos, mas essa afirmação tem de ser entendida em termos, pois baseada mais nas notas taquigráficas da deliberação colegiada realizada naquela oportunidade – e não trazidas a público – do que no inteiro teor do acórdão publicado, cujo conteúdo não é analítico na enunciação dos critérios para a aplicação da referida teoria. Como se verá mais à frente, a referência às notas taquigráficas do julgamento do MS nº 10.484/DF, em especial à manifestação do Min. Teori Zavascki naquela oportunidade, consta, por exemplo, do voto do Min. Castro Meira no julgamento do REsp 804.249/MT, Rel. Ministra Eliana Calmon, Rel. p/ Acórdão Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 19/05/2009, DJe 01/07/2009. Para uma análise do regime do julgamento colegiado no processo civil brasileiro, à luz das virtudes teóricas que lhe são subjacentes – i.e., reforço da cognição

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como coatora e aquela que deveria figurar no writ, sendo esta subordinada àquela; (ii) que as

informações prestadas no mandado de segurança não tenham se limitado a apontar o erro na

indicação da autoridade coatora, avançando para além do plano da admissibilidade a fim de

defender, no mérito, a legalidade do ato impugnado; e (iii) não se configurar modificação da

competência originária, definida na Constituição Federal ou nas Constituições Estaduais, do

órgão jurisdicional, que deve ser competente tanto para a impetração contra ato da autoridade

que figura na petição inicial, tal como formulada, quanto para a impetração contra a

autoridade correta, considerada em perspectiva.

No plano axiológico, aponta-se que o fundamento desta orientação jurisprudencial

consistiria na teoria da aparência, decorrente da ideia de tutela da boa-fé e da confiança

legítima do administrado27. Tomando por base a perspectiva subjetiva do impetrante, a

encampação atenderia à necessidade de validar a demanda instaurada sob uma “aparência de

propositura correta”, diante da dificuldade resultante da estrutura complexa dos órgãos

administrativos28. Também aqui, porém, como em diversos aspectos da vida, a afirmação tem

de ser temperada com o devido grão de sal, para que dela não resulte incompreensão por um

intérprete eventualmente mais incauto.

É que até o momento o STJ não entendeu por incluir, entre os requisitos para a

aplicação da teoria, a verificação quanto à escusabilidade do erro na indicação da autoridade

coatora. Se o aproveitamento da impetração fosse verdadeiramente informado pelo princípio

da boa-fé e pela tutela da aparência, impor-se-ia examinar, a bem da coerência, se o equívoco

cometido pelo impetrante poderia ser igualmente perpetrado por qualquer pessoa de diligência

razoável nas mesmas circunstâncias. Esta espécie de exame, já familiar ao processualista

quando em pauta o princípio da fungibilidade recursal, exige a demonstração de uma dúvida

objetiva, como forma de evitar que a tutela da boa-fé termine por se convolar em manto de

abrigo ao abuso de direito, premiando o impetrante que tinha ou deveria ter plena consciência

de que a autoridade apontada evidentemente não era a competente.

judicial, independência dos membros julgadores e contenção do arbítrio individual – e das garantias fundamentais do processo, cf. SOKAL, Guilherme Jales. O julgamento colegiado nos tribunais: procedimento recursal, colegialidade e garantias fundamentais do processo, Rio de Janeiro: Forense/São Paulo: Método, 2012, sendo que às p. 332-333 é abordada a questão, intimamente ligada à elaboração do acórdão, da relevância das notas taquigráficas para a compreensão da deliberação colegiada. 27 MEDINA, José Miguel Garcia, e ARAÚJO, Fábio Caldas de. Ob. cit., p. 48. 28 A expressão transcrita no texto consta da ementa de acórdãos proferidos sob a relatoria do Min. Luiz Fux, a exemplo dos seguintes precedentes: STJ, REsp 745.451/BA, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 14/11/2006, DJ 27/11/2006; e RMS 19.378/DF, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 01/03/2007, DJ 19/04/2007.

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Há, reconheça-se, manifestações esparsas nesse sentido em acórdãos sob a relatoria do

Min. Castro Meira, asseverando a aplicabilidade da teoria da encampação apenas se

demonstrada a “dúvida razoável quanto à legitimação passiva na impetração”, inexistente

quando se tratar de autoridade manifestamente incompetente29. Se perfilhada tal corrente,

cujas virtudes são mais do que claras, o resultado a que se chegaria seria a adição de mais um

item à lista dos três requisitos apontados acima, com a exigência também da (iv) dúvida

objetiva quanto à autoridade coatora competente.

A verdade, porém, é que tais decisões ainda não encontraram o devido eco no universo

de julgados da Corte, sem que se possa indicar com segurança que os demais órgãos

colegiados – ou a própria Segunda Turma, quando conduzida por relatoria diversa – também

perfilhem a mesma orientação. E, veja-se bem, não é preciso muito para perceber as situações

claramente descabidas a que o atual cenário pode conduzir. Para que se tenha a correta

compreensão do problema, basta considerar a hipótese de uma Constituição Estadual prever

somente o foro por prerrogativa de função em mandado de segurança para atos praticados

pelo Governador do Estado, sem também albergar os Secretários de Estado. Ou tenha-se em

mente, ainda, o caso de impugnação de atos das autoridades de cúpula da administração

municipal, de regra não contempladas na competência originária nos Tribunais. Neste cenário,

bastaria ao impetrante apontar, invariavelmente, o Secretário como autoridade impetrada

contra todo e qualquer ato praticado pelos agentes vinculados à Secretaria, hipótese em que

caberia ao juiz de primeiro grau, competente para conhecer da impetração contra a autoridade

correta e a inadequadamente indicada, e desde que presente a defesa de mérito, aplicar ao caso

a teoria da encampação, prosseguindo-se no julgamento do writ com a participação do

Secretário. Mas é evidente que não pode sequer ser cogitada a competência administrativa,

v.g., do Secretário de Fazenda para a lavratura de um simples auto de infração tributária,

como também jamais poderia o impetrante acreditar, de boa-fé, ser da atribuição do Secretário

29 Exemplificam essa tendência os seguintes precedentes: REsp 804.249/MT, Rel. Ministra Eliana Calmon, Rel. p/ Acórdão Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 19/05/2009, DJe 01/07/2009, com a rejeição da encampação, diante da inescusabilidade, em mandado que imputava ao Governador a competência para lançamento de ICMS; RMS 20.471/RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 04/06/2009, DJe 17/06/2009, no qual foi afastada a encampação em writ com pedido de compensação tributária contra o Secretário de Fazenda; e RMS 30.848/MT, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 01/06/2010, DJe 11/06/2010, em que restou também negada a encampação por Secretário de Fazenda para lançamento de ICMS. A enunciação do requisito da “dúvida razoável quanto à legitimação passiva na impetração” também foi feita no acórdão proferido no REsp 1188779/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 07/02/2012, DJe 16/02/2012, embora de forma não determinante para a conclusão do julgamento. De regra, os votos proferidos pelo Min. Castro Meira em tais oportunidades fazem alusão, através do registro das notas taquigráficas, à manifestação oral do Min. Teori Zavascki no já referido MS 10484/DF, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Seção, julgado em 24/08/2005, DJ 26/09/2005, ao afirmar que “não pode ser adotado o princípio da encampação quando manifestamente a autoridade coatora não está legitimada”.

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de Saúde a ordem concreta para o atendimento de determinado paciente em um dos inúmeros

hospitais públicos.

Considerando, assim, que a teoria, na forma em que aplicada pelo STJ atualmente, não

fica a depender de qualquer exame, mesmo que mínimo, quanto à escusabilidade do erro

cometido pelo impetrante, parece mais adequado identificar na ideia pura e simples de

aproveitamento dos atos processuais, consectário do princípio da economia processual, o

fundamento axiológico em que se apoia a encampação, sem uma sintonia fina com a teoria da

aparência30.

Esclarecidas a origem e a teleologia que a inspira, cumpre agora desenvolver com

mais vagar o significado de cada um dos três requisitos que balizam a incidência da

encampação. Consiste o primeiro deles na presença de vínculo hierárquico entre a autoridade

indicada na inicial e aquela que, no plano ideal, deveria figurar no writ, de modo que a

prestação de informações se revele como um ato praticado pelo superior desta última na

cadeia funcional. Como parece claro, somente assim é que cabe verdadeiramente atribuir às

informações o efeito de uma espécie de assunção, como se próprio fosse, de um ato

administrativo praticado por outro agente público. Por consequência, tem sido severamente

afastada a teoria quando a autoridade em juízo é de grau hierárquico inferior à adequada, por

configurar não encampação, mas uma usurpação de competência31.

Para que tal requisito esteja satisfeito, é imprescindível que o vínculo administrativo

entre os agentes públicos seja de uma pura e verdadeira subordinação, decorrente da inserção

em uma mesma estrutura funcional. Sendo assim, não cabe a aplicação da teoria nas hipóteses

de “encampação horizontal”, caracterizada quando, muito embora indicado como coator o

Chefe da Administração Direta ou seus auxiliares imediatos nas respectivas pastas, o pedido

na impetração se volta contra ato praticado por diretores de autarquias ou fundações públicas,

entidades dotadas de personalidade jurídica própria e submetidas apenas à coordenação

através de controle ou tutela pelo ente central32. De maneira similar, também se tem por

afastada a encampação, pela alta hierarquia da Administração Direta, quando o ato

30 Apontando o aproveitamento dos atos processuais e o princípio da economia processual como razões subjacentes à teoria da encampação, mas sem mencionar a crítica exposta no texto quanto ao fundamento na aparência jurídica, cf. ARAÚJO, José Henrique Mouta. Ob. cit., p. 33; e FUX, Luiz. Ob. cit., p. 28. 31 Nesse sentido, STJ, AgRg no RMS 25.485/SC, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 05/08/2008, DJe 27/08/2008; e REsp 1.203.498/SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 22/02/2011, DJe 23/03/2011. 32 A expressão “encampação horizontal” consta do voto do Min. Teori Zavascki no MS 11.022/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Rel. p/ Acórdão Ministro José Delgado, Primeira Seção, julgado em 14/03/2007, DJe 17/11/2008. No mesmo sentido, STJ, MS 13.657/DF, Rel. Ministra Denise arruda, Primeira Seção, julgado em 25/03/2009, DJe 04/05/2009; e EREsp 865.391/BA, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção julgado em 14/10/2009, DJe 22/10/2009.

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impugnado emana do Tribunal de Contas33, já que este, apesar de gozar da natureza de órgão

estatal, é dotado de autonomia constitucionalmente assegurada.

Mesmo nos limites da estrutura interna da Administração, não é válida a encampação

se as informações são prestadas por Secretário de pasta distinta daquela a que se submete o

agente que praticou o ato impugnado, pois ausente o vínculo hierárquico direto ou imediato34.

E, pelo mesmo motivo, entende-se por impossível a encampação quando a competência

administrativa resulta de delegação contratual, rejeitando-se, por exemplo, a encampação por

Desembargador Estadual, Presidente de Comissão de Concurso Público, quando em pauta a

impugnação de questões de prova e de julgamentos de recursos administrativos, diante da

contratação de órgão de universidade pública especialmente para esse fim35. Por fim, se é a

própria pessoa jurídica quem apresenta formalmente defesa no processo, e não apenas um de

seus agentes, satisfaz-se – embora sem o apuro conceitual – o vínculo hierárquico para a

encampação36.

O segundo requisito da teoria diz respeito ao conteúdo das informações prestadas em

juízo, a exigir que a autoridade indicada como coatora tenha se manifestado em defesa, no

mérito, da validade do ato administrativo impugnado. Em outras palavras, apenas se expostas

razões a sustentar a juridicidade do comportamento da Administração é que se poderá falar

que a autoridade coatora, apesar de incorreta, verdadeiramente assumiu como seu o ato

praticado, chancelando-o. Assim, a encampação não terá lugar na absoluta ausência de defesa

de mérito, quando a autoridade indicada se limitar a alegar, convicta de sua impertinência ao

thema decidendum, que outro agente público deveria figurar no processo, pugnando apenas e

tão-somente pela extinção do feito em razão do vício37.

A compreensão deste aparentemente singelo requisito, porém, não foi uniforme ao

longo do tempo na jurisprudência do STJ. É que, inicialmente, algumas manifestações da

Corte assentavam que a encampação se afastaria quando a autoridade suscitasse a preliminar

expressa de erro na indicação do polo passivo, ainda que no restante das informações fossem

33 STJ, RMS 29773/DF, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 20/10/2009, DJe 02/08/2010. 34 Assim, apontando que o Procurador-Geral do Município não pode encampar ato de outra Secretaria, STJ, AgRg no REsp 1199668/RJ, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, julgado em 19/10/2010, DJe 02/12/2010. 35 STJ, AgRg no RMS 24116/AM, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 08/05/2008, DJe 02/06/2008, aludindo ao fundamento, na hipótese, de ausência de vínculo hierárquico direto e imediato. 36 STJ, AgRg no Ag 963.292/GO, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 18/03/2008, DJe 19/05/2008. 37 Nesse sentido, STJ, RMS 17.355/GO, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 05/08/2004, DJ 06/09/2004; AgRg no MS 15.266/DF, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 09/08/2010, DJe 17/08/2010; e MS 17.448/DF, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, julgado em 09/11/2011, DJe 22/11/2011.

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expostas razões pela manutenção do ato administrativo impugnado. Em última análise, ao

aplicar a encampação apenas se ausente a preliminar, assim se assegurava de forma plena o

princípio da eventualidade em prol do polo passivo, sem que os argumentos de fundo

prejudicassem de qualquer forma a análise daqueles colocados em primeiro plano38. Sucede

que, mesmo ao tempo em que proferidos estes julgados, outra linha jurisprudencial

concomitante já optava por entender superada a preliminar caso presente a defesa de mérito,

aplicando a encampação com os olhos postos apenas na existência de afirmação da validade

do ato impugnado39. Foi esta última a orientação que veio a se sagrar predominante no STJ

após a uniformização de 2008, com considerável prejuízo, como se verá no tópico seguinte,

ao exercício do contraditório efetivo pela Fazenda Pública no writ.

Por fim, o último requisito erigido para a teoria exige que não ocorra, na aplicação da

encampação, qualquer espécie de ampliação da competência originária do órgão

jurisdicional, definida seja na Constituição Federal, seja nas Constituições Estaduais. Como

se sabe, de regra a admissibilidade da demanda, no que se inclui a competência, deve ser

apreciada de acordo com a ação proposta, isto é, nos precisos termos em que formulada a

petição inicial, segundo a causa de pedir, o pedido e as partes ali definidas – ainda que

equivocadamente – pelo autor40. Quando em causa a aplicação da teoria da encampação,

entretanto, impõe o STJ uma espécie de duplo exame da competência, um em concreto e outro

em perspectiva: deve o órgão jurisdicional ser competente tanto para a impetração voltada

contra a autoridade incorreta, que figura na inicial, quanto para aquela que deveria, no plano

ideal, atuar no writ.

Um possível embrião para esta exigência remonta à interpretação conferida, pela

doutrina da época, ao art. 2º, § 3º, da Lei nº 191/36 e ao art. 319, § 3º, do CPC/39, que, como

visto acima, autorizavam a equiparação entre o agente que ordenava a prática concreta do ato

e aquele que o executava materialmente. Segundo abalizada opinião, a incidência da norma,

38 A essência desta corrente jurisprudencial foi revelada pelo voto do Min. Relator no julgamento do RMS 66/DF, Rel. Ministro Adhemar Maciel, Segunda Turma, julgado em 18/11/1996, DJ 19/05/1997, ao afirmar que “só há encampação do ato atacado se a autoridade apontada como coatora, ao invés de suscitar a preliminar de extinção do processo, limita-se a defender a legalidade do ato” (grifos acrescentados). No mesmo sentido, STJ, RMS 9.504/CE, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Quinta Turma, julgado em 16/09/1999, DJ 14/02/2000; MS 7.090/DF, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Terceira Seção, julgado em 09/05/2001, DJ 13/08/2001; e MS 6.250/DF, Rel. Ministro Gilson Dipp, Terceira Seção, julgado em 26/02/2003, DJ 31/03/2003. 39 Por exemplo, STJ, REsp 140167/SC, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 15/10/1998, DJ 03/11/1998; DJ 20/06/2005; REsp 714.586/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 06/12/2005, DJ 19/12/2005; e RMS 19.782/RS, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 17/08/2006, DJ 18/09/2006. 40 Assim, em termos gerais, FLAKS, Milton. Ob. cit., p. 171. Também nesse sentido, mas já considerando a teoria da encampação, v. OLIVEIRA, Antônio Flavio de. Ob. cit., p. 6839.

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inspirada em razões similares às que justificam a teoria da encampação, ficava condicionada a

que o órgão judicial competente para o julgamento do writ fosse o mesmo para ambas as

autoridades, de modo que a equiparação não seria válida se acarretasse alteração em

competência constitucionalmente fixada41.

Apesar desta origem algo remota, no núcleo conceitual de tal requisito, na forma em

que aplicado atualmente pelo STJ, ainda remanesce um grau de relativa incerteza. É que,

embora inicialmente vacilante42, a contar da uniformização ocorrida em 2008 a Corte vem

terminantemente rejeitando, por um lado, a encampação sempre que diante de modificação da

competência originária dos Tribunais, previstas em normas da Constituição Federal ou das

Cartas Estaduais43. Sabe-se, no entanto, que o peculiar regime jurídico desta espécie de

competência é em grande parte similar a outros casos de competência absoluta também

pertinentes ao mandado de segurança, a exemplo do foro da sede da autoridade coatora.

Diante disso, resta indagar se o requisito pode ser elastecido também para esta última

hipótese, igualmente caracterizada pela impossibilidade de prorrogação e pelo conhecimento

de ofício pelo julgador, em todas as hipóteses em que houver diversidade de foros

competentes para os agentes envolvidos. Não contribui para a solução da questão a forma

variada em que o requisito ora em análise vem sendo proclamado, muitas vezes em termos

consideravelmente amplos44, sem fornecer uma orientação clara para o intérprete.

A coerência sistêmica parece indicar que os dois casos de competência absoluta

deveriam caminhar com o mesmo rumo, mas é pertinente a ressalva de que tal orientação

acabará por reduzir em muito as hipóteses em que permitida a encampação. E deve-se ter em

41 BARBI, Celso Agrícola. Ob. cit., p. 83. 42 No julgamento do RMS 19378/DF, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 01/03/2007, DJ 19/04/2007, o voto vencido do Min. Teori Zavascki rejeitou a encampação pautado pelo fato de ocorrer, in casu, modificação de competência originária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, vício não considerado na fundamentação dos votos da maioria vencedora. 43 Nesse sentido, STJ, MS 12.149/DF, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 27/08/2008, DJe 15/09/2008; AgRg no REsp 1201293/DF, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 27/03/2012, DJe 13/04/2012; e MS 17.435/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 12/12/2012, DJe 01/02/2013. 44 Conferir, por exemplo, a posição de ARAÚJO, José Henrique Mouta. Ob. cit., p. 34, apontando que “apenas é aplicável a encampação nos casos de inexistência de modificação da competência do órgão jurisdicional”, sem de qualquer forma qualificar a espécie de competência que atrai a vedação. Na jurisprudência, o leque de expressões utilizadas é amplo: “competência absoluta fixada na Constituição” (RMS 22.518/PE, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 02/08/2007, DJ 16/08/2007); “competência estabelecida na Constituição Federal” (RMS 22.499/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 16/10/2008, DJe 03/11/2008); “competência jurisdicional” (RMS 24.927/RR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 02/12/2008, DJe 11/12/2008); “competência absoluta” (AgRg no RMS 29.826/PI, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 24/11/2009, DJe 03/12/2009); “competência originária do Tribunal de Justiça” (RMS 27.143/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 07/04/2011, DJe 15/04/2011); e, simplesmente, “competência” (MS 17.435/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 12/12/2012, DJe 01/02/2013).

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mente, além disso, que a ausência de manifestação do STJ até o momento, a respeito deste

ponto específico, decorre de um fator singelo: sendo a esmagadora maioria dos precedentes

do STJ sobre o tema fruto de julgamentos em sede de mandado de segurança originário ou de

recurso ordinário, é natural que as discussões sobre competência ali travadas tenham se

concentrado nas atribuições originárias dos Tribunais, porquanto inexiste, na hipótese, o

julgamento em primeiro grau.

4. A crítica sob o ângulo do contraditório

De que modo esta particular mecânica da teoria da encampação, tal como colocada em

prática pelo Superior Tribunal de Justiça, repercute sobre o sistema do polo passivo no

mandado de segurança? A esta indagação é que se dedicarão os dois tópicos seguintes,

tomando-se como fio condutor a efetividade da garantia fundamental do contraditório

participativo (CF, art. 5º, LV). E é precisamente sob este ângulo que, como se verá, a

incidência da referida teoria se revela particularmente desastrosa quando consideradas (i) a

razão subjacente à presentação da pessoa jurídica pela autoridade coatora e (ii) a combinação

da sumariedade do procedimento com a eficácia preclusiva inerente à coisa julgada material.

É o que se passa a demonstrar.

4.1. A perda da base de validade da presentação pela autoridade coatora

O papel da autoridade coatora, dando voz à pessoa jurídica, como seu presentante, até

a fase de sentença no processo, foi instituído pelo legislador em atenção a valores como

celeridade, simplificação e efetividade na prestação jurisdicional no mandado de segurança,

como já registrado. Afirma a doutrina que tal regime é fruto de uma opção válida dentro do

amplo leque de discricionariedade do legislador, em cujo alcance estaria a definição, com

certa margem de liberdade, do peculiar regime de representação processual a vigorar no

writ45. Cabe refletir, no entanto, se a liberdade do legislador nesta seara é, de fato,

verdadeiramente absoluta, ou se figura antes guiada por algumas diretrizes decorrentes da

Constituição.

45 Além dos autores já referidos no item 2 deste trabalho, é expressiva neste sentido a opinião de BARBI, Celso Agrícola. Ob. cit., p. 125 e 156, segundo o qual “a lei pode determinar a citação a quem ache adequado, colocando essa pessoa como representante judicial da entidade pública interessada, principalmente se se considerar que o coator é sempre um funcionário público, agente, portanto, da pessoa jurídica de direito público”.

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A análise de postulações contrapostas por um órgão independente e imparcial, como

se caracteriza a jurisdição, tem em mira, de regra, no processo de conhecimento, a formação

da coisa julgada material. A imutabilidade do conteúdo da sentença é assim concebida, na

constelação de garantias fundamentais do processo, como medida mais firme voltada à

segurança e à paz social, tornando o fruto do embate entre as partes, guiado pela força do

melhor argumento, como algo infenso a ingerências de julgamentos subseqüentes ou mesmo

do legislador (CF, art. 5º, XXXVI). Como condição para que esta especial qualidade toque o

conteúdo do decisum, porém, encontra-se uma espécie de filtro de legitimação, uma premissa

básica que a acompanha no plano constitucional e que lhe dimensiona os limites: a garantia

fundamental do contraditório participativo (CF, art. 5º, LV).

Ninguém pode ser atingido em sua esfera de interesses, por um ato do Judiciário, sem

ter tido a ampla oportunidade de influir eficazmente na formação da respectiva decisão. Por

esta fórmula lapidarmente cunhada na doutrina46, expressa-se a ideia máxima da projeção

sobre o processo judicial dos ideais democráticos que, no patamar civilizatório já alcançado

no Brasil, marcam o exercício de qualquer poder. Franqueada ao interessado a participação na

formação da sentença, assegura-se que ele possa vislumbrar neste ato estatal um resultado de

seu próprio comportamento, mais ou menos eficaz conforme a medida em que aproveitadas as

oportunidades para fazer valer sua razão, assim legitimando a imutabilidade da decisão

mesmo que desfavorável47.

Nesta ordem de ideais, não há como negar que as hipóteses em que a legislação tolera

ou – o que é pior – impõe que alguém atue no processo no lugar do titular do direito material,

definindo a sorte deste em função do comportamento de outrem, caracterizam, quando menos,

situações particularmente sensíveis aos olhos da Constituição, a exigir redobrada atenção do

intérprete no exame do grau de robustez que a sistemática assim adotada confere à defesa do

substituído. Sem esse teste de validade, a promessa mesma de assegurar o devido processo

legal como condição para a privação de direitos (CF, art. 5º, LIV) restaria facilmente

descumprida, já que bastaria ao legislador atribuir a qualquer sujeito, ainda que distante e sem

qualquer liame com o conflito social, a defesa judicial do direito titularizado por terceiro,

assim apenas formalmente oportunizando um simulacro de contraditório. Não por outra razão,

aliás, já assenta a doutrina, de longa data, que, sendo medida excepcional, a legitimidade

46 GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil, vol. I, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2009, p. 539. 47 TALAMINI, Eduardo. Partes, terceiros e coisa julgada (os limites subjetivos da coisa julgada), In: Aspectos polêmicos sobre os terceiros no Processo Civil e assuntos afins, Fredie Didier Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.), São Paulo: Ed. RT, 2004, p. 202.

18

extraordinária de regra vem acompanhada, como justificativa subjacente, de um vínculo

intenso entre a posição do legitimado a agir e a condição do titular do direito material48. E,

mais modernamente, é a mesma inquietude que motiva a crítica à orientação tradicional pela

extensão invariável da coisa julgada material ao substituído, passando-se a exigir a satisfação

de requisitos específicos para que ocorra49.

Não se ignora, por certo, que a sistemática da presentação no writ é em tudo e por

tudo inconfundível com a legitimidade extraordinária, conforme longamente já se expôs em

passagem anterior deste trabalho. No entanto, esse enquadramento conceitual não inibe o fato

de que toda a articulação dos elementos de defesa no writ até a fase de sentença, fundamental

para a estratégia processual a ser adotada, fica a cargo não da própria pessoa jurídica que se

sujeitará aos efeitos da condenação, mas sim, através das informações, de um agente seu

especialmente convocado pela lei processual. Há, assim, um descompasso entre quem exerce

verdadeiramente o contraditório e o real titular do direito50, e foi por força desta constatação

que autorizada voz do processo civil brasileiro chegou a ponderar “que, quando o mandado de

segurança produz conseqüências patrimoniais a que fica sujeita a entidade autárquica ou a

Fazenda Pública, é aberrante dos princípios processuais que a estas não seja dada a

oportunidade de aduzir as razões que têm contra o impetrante”51.

Ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, porém, destas premissas não se

extrai a inconstitucionalidade de todas as hipóteses em que a lei processual preveja, seja por

substituição processual, seja por uma espécie peculiar de presentação, que outrem exerça o

contraditório no lugar do efetivo titular do direito. Na realidade, o que decorre do sistema da

Constituição é antes a necessidade de um teste rigoroso de constitucionalidade à luz da

garantia do contraditório participativo, para assegurar que a defesa advinda da sistemática

legal seja verdadeiramente vigorosa, em grau tal de robustez que se aproximaria, com

razoabilidade, daquela que seria apresentada pelo próprio titular do direito52. Deste modo, e

inversamente do que afirmado pela doutrina tradicional, a Constituição Federal impõe, sim,

48 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Apontamentos para um estudo sistemático da legitimação extraordinária, In: Direito processual civil (estudos e pareceres), Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1971, p. 59-60. 49 TALAMINI, Eduardo. Ob. cit., p. 223-224. 50 O mesmo desconforto quanto ao devido processo legal em prol da pessoa jurídica pode ser encontrado em GRECO, Leonardo. Natureza jurídica do mandado de segurança, Arquivos do Ministério da Justiça, Brasília, v. 129, 1974, p. 71. 51 BUZAID, Alfredo. Ob. cit., p. 169-170. 52 Discussão similar é travada na seara das ações coletivas, a exigir, segundo a doutrina, a conhecida representatividade adequada do condutor do processo, como forma de assegurar uma defesa vigorosa do direito dos substituídos. Sobre o direito processual coletivo, cf., por todos, ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo da Silva. Ações coletivas: a tutela jurisdicional dos direitos individuais homogêneos, Rio de Janeiro: Forense, 2000, especialmente às p. 22 e segs.

19

certas balizas ao legislador processual na definição da particular configuração do polo passivo

no mandado de segurança, que não se resume a tema de mera “política legislativa”.

E, sob este ângulo, qual a única base de justificativa para que o ordenamento jurídico

tolere, à luz do contraditório pelo polo passivo, a sistemática da presentação no writ? A

proximidade da autoridade coatora com o quadro fático subjacente à impetração. Como foi a

autoridade coatora quem praticou o ato administrativo impugnado, presume a lei que a defesa

que este agente apresentará em juízo, elucidando, sob a forma das informações, as

circunstâncias e os motivos que ensejaram sua edição, será substancialmente robusta, em

medida similar à que seria feita caso atuasse a própria pessoa jurídica em juízo, que

naturalmente dependeria da coleta de informações fáticas junto ao funcionário que cometeu a

coação53. A razoabilidade da escolha do legislador é reforçada, ainda, pelo fato de o agente

público estar sujeito, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição, à responsabilidade

regressiva caso tenha agido com dolo ou culpa, o que o impulsiona a defender com empenho a

juridicidade do ato praticado. Assegura-se por essa fórmula, portanto, o exercício efetivo e

vigoroso do contraditório em prol da pessoa jurídica de direito público, ainda que não

exatamente através da atuação processual desta última, mas em regime algo diverso que

alcança fim similar com uma certa concessão, guiada pelo postulado da proporcionalidade,

em prol da celeridade, da simplificação e da efetividade no interesse do impetrante54.

Considerando essa delicada equação, vê-se com relativa clareza que a teoria da

encampação representa, em sua essência, uma quebra ou rompimento radical com a lógica que

dá base à presentação pela autoridade coatora. Ao consentir que a defesa processual seja

capitaneada por um agente que, além de despido de formação técnico-jurídica, não guarda

qualquer proximidade com o cenário fático subjacente à demanda, a teoria da encampação

acaba por renunciar a qualquer consideração quanto ao vigor do contraditório exercido pelo

polo passivo, fechando assim os olhos para o único fator que confere proporcionalidade à

escolha do legislador pelo peculiar sistema do writ. Em última análise, afasta-se do processo

(i) a pessoa jurídica e (ii) a autoridade que praticou o ato e toma-se por suficiente, para uma

defesa que se pretende efetiva, a participação de um agente público que ali figura apenas em

53 Como afirma ASSIS, Carlos Augusto de. Ob. cit., p. 49, “não existe ninguém mais adequado para justificar o ato em juízo do que a própria pessoa que o praticou”, de modo que “(...) a lei, sabiamente, tendo em conta as peculiaridades do mandado de segurança, teria estabelecido critério próprio para a representação da pessoa jurídica de direito público”. No mesmo sentido, PARGENDLER, Ari. Ob. cit., p. 20; e ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda. Ob. cit., p. 136. 54 Assim, OLIVEIRA, Antônio Flavio de. Ob. cit., p. 6838; e PARGENDLER, Ari. Ob. cit., p. 19, asseverando mais à frente, à p. 22, que “a pessoa jurídica sujeita aos efeitos da sentença no mandado de segurança só estará bem presentada no processo, perante o 1º grau de jurisdição, se houver correlação entre as atribuições funcionais da autoridade coatora e o objeto litigioso”.

20

razão de um vinculo jurídico-formal de hierarquia, confiando-se, talvez por misticismo, que

desta espécie de batismo advirá a onisciência para torná-lo apto a dar voz aos mesmos

argumentos que estariam ao alcance do agente competente.

E veja-se que o Superior Tribunal de Justiça, ao definir os três requisitos para a

incidência da encampação, não instituiu qualquer juízo, mesmo que mínimo, sobre o grau de

robustez da defesa de mérito constante das informações pela autoridade erroneamente

indicada. Basta, portanto, que haja uma defesa de mérito, qualquer que seja ela, ainda que

desacompanhada de segurança quanto aos fatos e ainda que desprovida da menor

profundidade quanto às teses jurídicas invocadas. O cenário é particularmente perigoso

quando se tem em conta a vertente a que se inclina o direito público contemporâneo, povoado

por princípios de elevado grau de abstração que alicerçam tão múltiplos quanto imprecisos

argumentos jurídicos, frutos de retórica que muitas vezes não prima pela coerência. Sendo

assim, mesmo informações norteadas apenas por cláusulas abertas como separação de poderes

e interesse público são tidas por suficientes a justificar a encampação, minando a

argumentação que apenas a proximidade com o cenário fático poderia ensejar.

A teoria da encampação, assim, retira a própria premissa de validade, sob o ângulo do

contraditório, da presentação pela autoridade coatora, contribuindo para uma perigosa

engrenagem em que o titular do direito material é afastado da participação no processo sem

que se institua uma fórmula de defesa efetiva de seus direitos em juízo, mas submetendo-o,

ainda assim, aos efeitos da condenação. Embora a questão não se restrinja ao campo apenas

das entidades com personalidade jurídica de direito público55, teve-se ter em mente que à

Fazenda Pública, submetida à jurisdição por força do Estado de Direito (CF, art. 1º, caput),

também devem ser reconhecidas as garantias fundamentais do processo, no que se inclui o

contraditório participativo. É verdade que, muitas vezes, a posição processual assumida por

ela é cercada por mais prerrogativas do que se atribui ao particular, quando assim se justifique

por um teste de proporcionalidade com adequação entre meios e fins56. Mas não se pode

ignorar que em outras hipóteses este desequilíbrio pende em favor do indivíduo, como se

passa, de um modo geral, com o regime do mandado de segurança e, mais notadamente, com

55 Com efeito, também se sujeitam a mandado de segurança os atos praticados por sociedades privadas delegatárias de serviços público e entidades de ensino superior, de modo que também quanto a elas não se exclui a incidência da teoria da encampação. 56 Nessa linha, cf., por exemplo, MOREIRA, José Carlos Barbosa. Em defesa da revisão obrigatória das sentenças contrárias à fazenda pública, In: Temas de direito processual (nona série), São Paulo: Ed. Saraiva, 2007, p. 199-210.

21

o cabimento do recurso ordinário neste procedimento57. Como elemento comum à validade

destas duas vertentes, porém, deve se situar a necessária preservação do núcleo essencial das

garantias fundamentais da parte contrária no processo, para que a técnica legislativa – ou,

como na hipótese, a criação jurisprudencial –, considerada em seu sistema, não se converta

em medida arbitrária, sem atenção ao postulado da proporcionalidade.

Poderia ser invocado, em combate à tese ora exposta, o disposto no art. 7º, II, da Lei nº

12.016/09, cujo conteúdo, ao permitir a atuação da representação judicial da pessoa jurídica

em reforço às informações, como acima visto, já seria suficiente, por si só, para assegurar um

contraditório efetivo pelo polo passivo no writ, saneando o déficit garantístico da teoria da

encampação. O argumento, porém, desconsiderada um sensível detalhe. É que o prejuízo

advindo da encampação para a defesa, no sistema da nova Lei, apenas seria inexistente se

fosse lícito ao órgão de representação judicial, ao ingressar no feito, apresentar uma nova

versão dos fatos jurígenos, distinta daquela que constasse das informações da autoridade

incompetente, sobretudo com a possibilidade de categoricamente contradizer as afirmações

fáticas efetuadas por esta última. Parece coerente com a ausência dos efeitos materiais da

revelia no mandado de segurança, tese majoritária na doutrina, inferir que pode o órgão de

representação judicial ampliar a matéria de defesa suscitada pela autoridade coatora ou

mesmo na absoluta omissão desta última, por inexistir, neste aspecto, preclusão. Entretanto,

além desta atuação nas lacunas deixadas pelas informações, é preciso que possa também o

órgão de representação judicial, quando em pauta a teoria da encampação, verdadeiramente

contrariar as afirmações de fato presentes nas informações, indo em choque, a bem da ampla

defesa, ainda que com o expressado pela autoridade inadequada. Isso se impõe porque, a

rigor, não se pode ignorar o risco de que esta última, distanciada do quadro fático, tenha

simplesmente anuído com o cenário tal qual narrado na impetração, tomando-o como

pressuposto para apenas firmar teses jurídicas de defesa. Nesta hipótese, como se vê, o

prejuízo à defesa advindo das informações, com a teoria da encampação, é irremediável.

Até que este entendimento esteja consolidado, rejeitando-se a linha restritiva que

confere prevalência absoluta à narrativa fática apresentada pela autoridade coatora58, a

57 A tônica de garantia do indivíduo subjacente à previsão do recurso ordinário é ressaltada por BARBI, Celso Agrícola. Ob. cit., p. 195. Sujeitando-se a Fazenda, por sua vez, aos requisitos de admissibilidade dos recursos excepcionais, de regra o acesso a uma instância revisora, diante da concessão da ordem, inviabiliza-se por completo, sobretudo à luz da impossibilidade de revisão de fatos e provas e da vedação à rediscussão de direito local. 58 DIAS, Tiago Bologna. Ob. cit., p. 125 e 129, asseverando que “não são admitidas configurações de fatos divergentes entre a autoridade e a pessoa jurídica, pois se pressupõe que aquela tem contato direto e pleno com os fatos objeto da ação, sendo dela a versão mais digna de crédito”. A própria enunciação do argumento, como

22

encampação continuará a representar uma violência ao contraditório exercido pela pessoa

jurídica no mandado de segurança, não mitigada mesmo que pelas inovações introduzidas

com a entrada em vigor da Lei nº 12.016/09.

4.2. Concentração dos atos processuais, princípio da eventualidade e coisa julgada

Há ainda outro componente a demonstrar as consequências perigosas da teoria da

encampação. Sabe-se que o mandado de segurança se caracteriza, desde que assentada a

compreensão estritamente processual do direito líquido e certo, como um procedimento

sumário documental, a exigir prova pré-constituída para a admissibilidade da impetração e

com a supressão de etapas, como a instrutória e a saneadora, que seriam percorridas caso

incidisse o rito comum ordinário. O cotidiano forense revela que, muitas vezes, é no

desenrolar do procedimento, quando da manifestação em provas, na crítica a eventual laudo

pericial e na fase de alegações finais, por exemplo, que a linha de defesa inicialmente

apresentada por autor e réu, em causa não submetida a procedimentos especiais, sofre ligeiras

modificações estratégicas, com ênfase maior em determinado argumento e com sutil

abandono de outro, considerando a perspectiva de êxito que apenas a sucessão de atos

conseguiu revelar59. Nada disso é possível, como visto, em sede de mandado de segurança,

dada a concentração em elevado grau dos atos processuais, rapidamente desaguando no

julgamento do feito.

Natural seria, diante deste cenário, que fosse objeto de especial reverência, no rito do

writ, o denominado princípio da eventualidade, que rege, de maneira geral, a estruturação e a

admissibilidade dos atos postulatórios das partes. Quando o legislador processual, por um

lado, define o caminhar de um procedimento fixando uma única oportunidade de defesa, por

força da preclusão e/ou por simplesmente não instituir novas etapas de debate entre as partes,

assim impedindo que argumentos e teses não suscitados no momento próprio sejam

levantados adiante, deve fazê-lo, por outro, acompanhando tal regime de uma autorização

para que a parte traga ao processo desde logo tudo aquilo que considere proveitoso para a

efetividade de sua defesa, ainda que com isso figurem, em uma mesma peça processual, teses

possivelmente incompatíveis entre si60. Assim, deve estar ao alcance da parte provocar o

se vê, desconsidera o cenário da teoria da encampação, no qual não tem lugar a proximidade da autoridade com os fatos jurígenos pertinentes à demanda. 59 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil, São Paulo: Ed. Saraiva, 2009, p. 205. 60 Apontando a premissa da eventualidade como sendo o procedimento preclusivo, cf. EGUREN, María Carolina. El principio de eventualidad procesal: los alcances de una autocontradicción permitida, In: Principios

23

julgador a se manifestar sobre toda a matéria de defesa, como prevê, em atenção ao réu, o art.

300 do CPC, expondo as razões de fato e de direito, no plano processual e do direito material,

com que impugna o pedido do autor, já que não está a seu alcance, como reles mortal, antever

qual ou quais, dentre as teses suscitáveis, repercutirá da maneira mais intensa sobre o

raciocínio a ser construído pelo juiz na tomada de decisão, nem tampouco quais serão

simplesmente suplantados neste iter.

Esta espécie de autocontradição permitida toca de perto em diversos princípios

processuais. Por certo, militam em favor da concentração e da preclusão, premissas da

eventualidade, valores como celeridade e economia processual, exigindo que o processo

caminhe de maneira segura e sem desvios rumo ao julgamento definitivo. Também a

influenciam a boa-fé e a lealdade processual, e de duas maneiras. Em primeiro lugar, se fosse

dado às partes guardar trunfos ao longo do procedimento para só posteriormente argüir teses

já disponíveis, estimular-se-ia a chicana e a surpresa processual. No entanto, além de

fundamento para a eventualidade, a lealdade deve funcionar também como um limite à

articulação de linhas argumentativas contraditórias, quando manifestamente irrazoáveis. A

essência do princípio da eventualidade, porém, reside, a rigor, na garantia fundamental do

contraditório participativo, como uma exigência para a efetividade de tal direito fundamental

quando em pauta um procedimento concentrado.

O conteúdo das informações, no mandado de segurança, sofre ordinariamente a

influência, como peça de defesa, do princípio da eventualidade, sobretudo diante da intensa

concentração que marca este rito especial61. Quando satisfeitos os demais requisitos para a

teoria da encampação, porém, basta que a autoridade coatora suscite argumentos de mérito

para que, aos olhos do Superior Tribunal de Justiça, tenha-se por desnecessário o exame da

preliminar quanto ao equívoco na indicação da autoridade coatora, ainda que tal tese figure

em primeiro plano nas informações. Nestas hipóteses, passa-se, como que em um passe de

procesales, Tomo I, Sergio J. Barberio e Marcela M. García Solá (coord.), Santa Fe: Rubinzal Culzoni, 2011, p. 454. 61 MEIRELLES, Hely Lopes, WALD, Arnoldo, e MENDES, Gilmar Ferreira. Op. cit., p. 110; FUX, Luiz. Ob. cit., p. 85; GRECO, Leonardo. Natureza jurídica do mandado de segurança, Arquivos do Ministério da Justiça, Brasília, v. 129, 1974, p. 75; e MEDINA, José Miguel Garcia, e ARAÚJO, Fábio Caldas de. Ob. cit., p. 106. Contra a natureza de defesa das informações, SILVA, Ronaldo Campos e. Ob. cit., p. 72; ARAÚJO, José Henrique Mouta. A teoria da encampação no mandado de segurança: ponderações necessárias, Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 78, set. 2009, p. 31; FERRAZ, Sergio. Mandado de segurança, São Paulo: Ed. Malheiros, 2006, p. 119, afirmando, ainda, que “devem ater-se à matéria de fato”; e DIDIER JÚNIOR, Fredie. Natureza jurídica das informações da autoridade coatora no mandado de segurança, Revista forense, v. 99, n. 365, jan./fev. 2003, p. 19-21, que assevera a natureza de meio de prova da peça, como depoimento testemunhal por escrito, sendo que, às p. 21-22, rejeita a pertinência às informações do princípio da eventualidade.

24

mágica, por sobre os argumentos que indiquem, mesmo que com a mais absoluta clareza, a

incompetência da autoridade indicada para corrigir a suposta ilegalidade, mirando-se

diretamente no mérito da impetração. Prejudica-se, em outras palavras, a defesa processual a

bem da defesa de mérito, e assim se nega ao polo passivo no writ, já vulnerável por outros

motivos em sua resposta, a utilização do princípio da eventualidade.

E veja-se que, ao se orientar, quando presentes os argumentos de fundo, pela

superação da tese processual, eximindo-se de examiná-la, o Superior Tribunal de Justiça

acabou por criar, com o perfil atual da teoria da encampação, o cenário propício para um

efeito sistêmico sensivelmente danoso. É que caberá a cada agente público apontado como

coator realizar uma escolha verdadeiramente trágica, fruto mais de um exercício de

adivinhação do que de apuro técnico62: se seguro e convicto de sua incompetência

administrativa, limitará o conteúdo das informações a suscitar tal questão, como única forma

de provocar o exame da matéria pelo órgão julgador; se, porém, for nebulosa a matéria, por

certo não se furtará a desde logo aduzir razões pela defesa da juridicidade do ato impugnado

em juízo, tomando como pressuposto o insucesso da preliminar. Em suma, a autoridade

indicada erroneamente, que já tem de elucubrar argumentos de fato apesar de distante do

quadro da demanda, tem também de apostar, com a espada de Dâmocles em seu pescoço, e

sem qualquer formação técnico-jurídica, por um dentre os dois caminhos a serem seguidos no

conteúdo das informações, optando pela defesa de mérito ou pela preliminar.

O quadro fica completo quando a ele se adiciona a conhecida figura da eficácia

preclusiva da coisa julgada material. Suponha-se, em exemplo que não se resume ao plano

acadêmico63, que uma dada autoridade opte por restringir suas informações ao equívoco

cometido pelo impetrante ao indicá-la na inicial, diante da firme convicção da sua

incompetência administrativa. Rejeitada a tese, e, como é provável, apreciada a causa, no

62 Como argutamente aponta EGUREN, María Carolina. Ob. cit., p. 455, a adoção do princípio da eventualidade “evita al letrado la engorrosa situación de tener que optar por una única estrategia defensiva en detrimento de otras, también potables, tarea quimérica ésta que exigiría el dominio de facultades adivinatorias más que de diligencia profesional”. 63 Com efeito, há, no âmbito da Advocacia-Geral da União, orientação no sentido de que as informações prestadas em mandado de segurança pelos agentes públicos não devam, de regra, ater-se à preliminar de erro na indicação da autoridade coatora, conforme exposto no PARECER/CONJUR/MTE/Nº 071/2011 (a íntegra da manifestação, com os fundamentos que a alicerçam, encontra-se disponível em: http://www.agu.gov.br/sistemas/site/PaginasInternas/NormasInternas/AtoDetalhado.aspx?idAto=264732&ID_SITE, acesso em 20/02/2013). Porém, consta do ato expressa ressalva para “as hipóteses em que a ilegitimidade passiva da autoridade for patente, quando a autoridade coatora sequer terá elementos para a defesa do ato. Seria o caso, por exemplo, o fato de a autoridade impetrada e de a autoridade realmente legítima pertencerem a Pastas Ministeriais distintas. Nesses casos, acredita-se que, até mesmo por não deter quaisquer informações relativas ao ato, a defesa da autoridade impetrada elaborada pela Consultoria Jurídica, deve se ater apenas ao aspecto preliminar da ilegitimidade passiva”.

25

mérito, em favor do impetrante, a sentença concessiva da ordem, após preclusas as vias

impugnativas, será tocada pela coisa julgada material, tornando assim imutável o conteúdo do

dispositivo do decisum. Como elemento integrante desta especial proteção, não mais será

admissível suscitar, neste ou em qualquer processo futuro, as razões de mérito que, caso

expostas, poderiam ter conduzido à improcedência do pedido, se com isso se pretender abalar

a higidez do comando cristalizado na sentença. É o que afirma, adotando, porém, a discutível

técnica do julgamento implícito64, a redação do art. 474 do CPC, segundo o qual “passada em

julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas,

que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido”. E sendo

irrelevante, para este fim, a aferição dos motivos reais que levaram a parte a se omitir em

suscitar, no momento em que lhe era dado fazê-lo, os argumentos posteriormente trazidos,

pouco importando se voluntária ou não tal postura65, vê-se que a combinação da eficácia

preclusiva da coisa julgada material com a teoria da encampação, no procedimento sumário

do mandado de segurança, condena ao esquecimento, para todo o sempre, as razões que de

fato motivaram o ato administrativo, a despeito de tocadas, no plano do direito material, pelo

princípio da indisponibilidade do interesse público e pelo atributo da presunção de veracidade.

5. Por um caminho menos tortuoso

Chega-se, assim, a um desconfortável dilema. É inegável, por um lado, a fragilidade

do impetrante na delicada missão de apontar, diante da complexa estrutura da Administração,

a autoridade coatora adequada. Se não se pode fechar os olhos para esta premissa, por outro

lado nem por isso se torna lícito, a pretexto de solucionar o problema, criar-se outro de igual

ou talvez maior dimensão, renunciando ao postulado da razoabilidade para praticamente

suprimir a efetividade do contraditório no polo passivo do writ. Felizmente, parece ser

possível encontrar no sistema processual solução que atenda aos mesmos fins a que se destina

a teoria da encampação, e por meios outros menos gravosos.

Sabe-se que o problema da dificuldade na identificação do polo passivo da demanda

não é de todo estranho ao legislador. Inspirou-o, por certo, no desenho do instituto da

nomeação à autoria, regulada pelos arts. 62 e seguintes do Código de Processo Civil. Através

64 Sobre o tema, cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. A eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do processo civil brasileiro, In: Temas de direito processual, São Paulo: Ed. Saraiva, 1977, p. 97-109, mais especialmente às p. 98-102. 65 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ob. cit., p. 106.

26

dele, preserva-se, se milagrosamente bem sucedido o regime da dupla aceitação66, (i) o rigor

na legitimidade passiva, como decorrência do contraditório e dos limites subjetivos da coisa

julgada, mas reconhecendo-se, não obstante, a (ii) dificuldade ocasionada por um cenário

fático específico para o autor, que enseja a oportunidade de correção do polo passivo,

garantindo-se (iii) a autonomia da vontade do demandante para definir em face de quem

pretende litigar. Muito embora tal instituto não seja aplicável ao mandado de segurança, pois,

como assenta de longa data a doutrina, o gênero no qual ele se insere, da intervenção de

terceiros, não se estende ao writ, é importante mirar em alguns valores que inspiraram a parte

proveitosa de seu regime jurídico para balizar a construção de uma solução alternativa à teoria

da encampação.

Pois bem. Um leitor mais atento notará que, no decorrer desta exposição, teve-se o

cuidado de não se referir ao problema do erro na indicação da autoridade coatora como uma

questão de ilegitimidade passiva ad causam. Esta postura guarda estrita harmonia com o que

se frisou no item 2 deste trabalho, já que parte na demanda no mandado de segurança é, a

rigor, a pessoa jurídica em cujos quadros se insere a autoridade coatora. Reforça esta

conclusão a redação agora constante do art. 6º da Lei nº 12.016/09, por força do qual deve o

impetrante indicar na petição inicial não só a autoridade coatora, mas também a pessoa

jurídica da qual faça ela parte, e que é a verdadeira ré no mandado. Somente quanto a esta,

portanto, é que se coloca o exame da condição da ação da legitimidade, entendida como a

pertinência subjetiva da lide, pois à autoridade coatora reserva-se apenas o papel –

relevantíssimo, por certo – de presentante processual daquela67.

Sendo assim, e ainda que em um regime absolutamente peculiar, na realidade o

equívoco na autoridade coatora configura um vício de representação processual, e não uma

questão de ilegitimidade passiva, desde que limitada a controvérsia ao âmago de uma mesma

pessoa jurídica68. E para categorias conceituais similares, que vão desde a incapacidade para

66 Para uma crítica em uníssono ao regime conferido ao tema pelo legislador de 1973, cf. GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil, vol. I, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2009, p. 507 e segs.; e BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2008, p. 243 e segs. 67 Nesse sentido, cf. FUX, Luiz. Ob. cit., p. 27; e SOUZA, Gelson Amaro de. Mandato de segurança e a indicação errônea da autoridade coatora, Revista jurídica, São Paulo, v. 48, n. 280, fev. 2001, p. 25. 68 Frisando que, quando ambas as autoridades se inserem no seio de uma mesma pessoa jurídica, o equívoco não ultrapassa os limites conceituais da irregularidade na representação, conferir, no STJ, o voto proferido pelo Min. Luiz Fux no julgamento do AgRg no Ag 1.076.626/MA, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 21/05/2009, DJe 29/06/2009, e, no âmbito do STF, o voto proferido pelo Min. Sepúlveda Pertence no julgamento do RMS nº 21382, Rel. Min. Carlos Velloso, Relator p/ Acórdão Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 04/02/1993, DJ 03-06-1994. Na doutrina, SOUZA, Gelson Amaro de. Op. cit., p. 27; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Partes e terceiros nos mandado de segurança, Revista Dialética de Direito Processual, n. 13, abr. 2004, p. 81; e TALAMINI, Eduardo. Partes e os terceiros no mandado de segurança individual, à luz de

27

estar em juízo e a irregularidade de representação até a incapacidade postulatória, contempla o

CPC a solução prevista em seu art. 13, cuja extensão ao mandado de segurança seria por si só

suficiente para o abandono da teoria da encampação. Mas cumpre compreender corretamente

o que se pretende com a defesa da aplicação à hipótese da disposição do CPC.

Verificando o juiz, de ofício ou após provocação nas informações, que há erro quanto

à autoridade coatora indicada na petição inicial, deve abrir prazo razoável para que o

impetrante corrija o equívoco, com a indicação do agente titular da competência

administrativa, ainda que dessa medida decorra, a posteriori, a remessa dos autos para juízo

distinto que seja competente conforme os novos elementos da postulação (CPC, art. 113, §2º).

A providência referida pelo art. 13 do CPC, portanto, deve ficar a cargo do impetrante, para

emendar a petição inicial e adequá-la ao comando do art. 6º da Lei nº 12.016/09, já que a

presentação pela autoridade coatora não se confunde com os vícios ordinários da

irregularidade de representação processual, por decorrer não de ato praticado pelo

representado, mas sim pela parte contrária ao formular a demanda.

E, veja-se bem, do mero fato de o juiz poder verificar de ofício a presença do vício na

indicação da autoridade coatora, como é próprio à aplicação do art. 13 do CPC, não se deve

inferir que lhe seja permitido também desde logo corrigir este vício, sem aguardar a iniciativa

da parte autora. Há, por certo, ponderável corrente na doutrina a sustentar que estaria ao

alcance do juiz a correção de ofício de tal erro69. A posição, porém, além de encontrar forte

obstáculo na jurisprudência70, resulta em franca quebra da prevalência da vontade do

impetrante para definir em face de quem pretende litigar em juízo, inerente ao princípio

dispositivo. É que, embora seja ré a pessoa jurídica, não se pode negar que o contraditório no

writ até a fase de sentença é capitaneado pela autoridade coatora. Será o agente público

indicado na inicial, portanto, quem receberá o ofício para apresentar informações e quem

subscreverá pessoalmente o ato processual em juízo. Assim, se por qualquer motivo, em razão

do regime do mandado de segurança, o impetrante não desejar litigar com a nova autoridade

que deve figurar no processo, como lhe cabe decidir no exercício de sua autonomia da

vontade, sobretudo diante da alternativa de demandar de forma impessoal a pessoa jurídica

sua nova disciplina (Lei 12.016/2009), Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 80, nov. 2009, p. 44-45. 69 MEIRELLES, Hely Lopes, WALD, Arnoldo, e MENDES, Gilmar Ferreira. Op. cit., p. 71-72, com fundamento no princípio da economia processual, e sugerindo a remessa dos autos ao juízo competente. 70 Tem-se por rejeitada a correção de ofício tanto na jurisprudência do STJ (v.g., RMS 15.124/SC, Rel. Min. Luiz Fux, Rel. p/ Acórdão Min. José Delgado, Primeira Turma, julgado em 10/06/2003, DJ 22/09/2003) quanto no STF (v.g., RMS nº 21382, Rel. Min. Carlos Velloso, Relator p/ Acórdão Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 04/02/1993, DJ 03-06-1994).

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pela eleição do procedimento comum ordinário, tem de estar ao seu alcance optar por não

fazê-lo, ainda que desta postura decorra, aos olhos do juiz, a inevitável extinção do feito por

força dos arts. 13, I, c/c 267, IV, do CPC71.

Como se vê, para todos os casos em que se mostra aplicável a teoria da encampação,

que pressupõe que ambos os agentes administrativos – o correto e o inadequado – integrem a

estrutura de uma só pessoa jurídica, a mesma ratio de tutela do impetrante, diante da estrutura

complexa da Administração, seria atingida com a pura e simples oportunidade para a correção

do equívoco com base no art. 13 do CPC, que, na essência, corresponde a uma espécie de

nomeação à autoria informal72, sem incorrer, porém, nos mesmos vícios garantísticos

apontados ao longo deste trabalho.

Entretanto, e algo contraditoriamente com todo o esforço na construção da teoria da

encampação, o STJ vem considerando inadmissível a emenda à petição inicial para esse fim

específico73, embora a admita para a retificação de outros vícios processuais74. Na

fundamentação dos precedentes que expressam essa linha, figuram com freqüência alusões ao

princípio da celeridade e ao rito especial do writ como óbices à oportunidade para a correção

do equívoco quanto à autoridade coatora. Mas, a rigor, rejeitar a tese da possibilidade de

emenda à inicial com base nesses vetores hermenêuticos, concebidos pela doutrina como

garantias em prol do impetrante, representa, com a devida vênia, um verdadeiro contra-senso:

o maior interessado em preservar a admissibilidade do writ, através da emenda, é o

impetrante, de modo que vedar tal possibilidade significa aplicar o espírito do writ e a

celeridade contra o seu maior e único interessado, relegando-o ao caminho de uma nova

impetração, eventualmente já fulminada pelo decurso do prazo decadencial de 120 dias.

71 Nesse sentido, GRECO, Leonardo. Translatio iudicii e reassunção do processo, Revista de Processo, São Paulo: Ed. RT, Ano 33, nº 166, dez./2008, p. 21. 72 O paralelo da emenda à inicial no writ com a nomeação à autoria é ressaltado por MEDINA, José Miguel Garcia, e ARAÚJO, Fábio Caldas de. Ob. cit., p. 90; e CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Ob. cit., p. 85-86. Também a favor da oportunidade para emenda à inicial, cf. FUX, Luiz. Ob. cit., p. 62-63. 73 Exemplificam essa orientação contrária à emenda à inicial para a correção da autoridade coatora os seguintes precedentes: STJ, EDcl no AREsp 33.387/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 07/02/2012, DJe 13/02/2012; REsp 148.655/SP, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, Segunda Turma, julgado em 08/02/2000, DJ 13/03/2000, p. 169; e REsp 65.486/SP, Rel. Ministro Adhemar Maciel, Segunda Turma, julgado em 26/06/1997, DJ 15/09/1997, p. 44336. Há precedentes pontuais em sentido contrário, a exemplo do AgRg no RMS 32.184/PI, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 22/05/2012, DJe 29/05/2012, e do MS 20.193/DF, Rel. Min. Nilson Naves, Sexta Turma, julgado em 03/08/2006, DJ 05/02/2007, mas sem a uniformidade suficiente a configurar jurisprudência. 74 Há, v.g., precedentes que chancelam a oportunidade de emenda à inicial para adequada narração do interesse de agir na causa de pedir (RMS 37.290/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 11/12/2012, DJe 19/12/2012), retificação do valor da causa (AgRg no Ag 1391058/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 07/08/2012, DJe 14/08/2012), assinatura de petição apócrifa (RMS 32.918/MS, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 17/04/2012, DJe 27/04/2012) e mesmo de apresentação de documentos para a demonstração da liquidez e certeza do direito (REsp 1297948/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 14/02/2012, DJe 05/03/2012).

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6. Conclusões

1. Com o perfil que lhe conferiu a jurisprudência do STJ, a teoria da encampação exige,

para a superação do vício quanto à autoridade coatora, que (i) exista vínculo de hierarquia

entre a autoridade apontada e aquela que deveria figurar no writ, (ii) as informações prestadas

no processo tenham defendido, no mérito, a legalidade do ato impugnado, e (iii) não se

configure modificação da competência originária do órgão jurisdicional.

2. Para guardar coerência com o fundamento da boa-fé objetiva e da teoria da aparência,

impor-se-ia o exame da escusabilidade do erro na indicação da autoridade coatora para a

incidência da teoria da encampação, sem o que apenas cabe reconduzi-la, no plano axiológico,

ao princípio da economia processual.

3. Apesar de inspirada em propósitos virtuosos, a teoria da encampação representa um

rompimento radical com a lógica que dá base de validade à presentação pela autoridade

coatora, consentindo que a defesa processual no writ seja capitaneada por um agente que,

além de despido de formação técnico-jurídica, não guarda qualquer proximidade com o

cenário fático subjacente à demanda, e assim terminando por contribuir para uma perigosa

engrenagem em que o titular do direito material é afastado da participação no processo sem

que se institua uma fórmula de defesa efetiva de seus direitos em juízo.

4. Além disso, a teoria da encampação nega ao polo passivo no procedimento sumário

documental do mandado de segurança, já vulnerável por outros motivos em sua resposta, a

utilização do princípio da eventualidade, o que acaba por impor ao agente público apontado

como coator uma escolha verdadeiramente trágica no conteúdo das informações, por ter de

optar, sob o risco da eficácia preclusiva da coisa julgada material, pela defesa de mérito ou

pela preliminar.

5. Para todos os casos em que se mostra aplicável a teoria da encampação, a mesma ratio

de tutela do impetrante, diante da estrutura complexa da Administração, seria atingida com a

pura e simples oportunidade para a correção do equívoco, quanto à autoridade coatora

indicada na inicial, com base no art. 13 do CPC, sem incorrer nos graves vícios apontados

quanto à garantia fundamental do contraditório no polo passivo.

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