A TEMÁTICA AMBIENTAL E O ENSINO DE … a década de sessenta, pelo menos, verifica-se um aumento...

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1 A TEMÁTICA AMBIENTAL E O ENSINO DE FÍSICA NA ESCOLA MÉDIA: AVALIAÇÃO DO POSICIONAMENTO DOS ALUNOS EM RELAÇÃO A ASPECTOS CONTROVERSOS Luciano Fernandes Silva (a) [[email protected] ] Luiz Marcelo de Carvalho (b) [[email protected] ] a doutorando - UNESP-Araraquara - SP b professor doutor – UNESP–Rio Claro - SP RESUMO Tendo em vista a importância de relacionar o ensino de Ciências Naturais na escola média com as demandas do mundo contemporâneo, deveríamos considerar em nossas atividades de ensino aspectos da aplicação do conhecimento científico diretamente relacionados com a temática ambiental como, por exemplo, os aspectos positivos e negativos relacionados à produção de energia elétrica em larga escala. Nesse trabalho procuramos analisar os posicionamentos dos alunos do ensino médio em relação à aspectos positivos e/ou negativos diretamente relacionados à produção de energia elétrica. O procedimento utilizado para a caracterização deste quadro foi, primeiro, o de consultar a bibliografia que discute aspectos da relação entre produção de energia elétrica e impactos ambientais. Após esta primeira etapa, elaboramos um planejamento de intervenção para ser aplicado em três turmas do terceiro ano do ensino médio de uma escola pública. Através da análise dos dados observamos que um significativo número de alunos não indicam, mesmo quando estimulados, aspectos positivos e negativos diretamente relacionados à produção de energia elétrica em larga escala. Estes aspectos são apontados por grande parte dos alunos durante a intervenção, porém suas respostas ficam restritas a citações muito genéricas. Outras respostas melhor elaboradas reconhecem esses diferentes aspectos, porém a indicação das características negativas é amenizada diante dos benefícios oferecidos pela produção e o uso direto da energia elétrica. Finalmente, encontramos em algumas respostas a indicação do reconhecimento dos aspectos positivos e negativos

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A TEMÁTICA AMBIENTAL E O ENSINO DE FÍSICA NA ESCOLA MÉDIA: AVALIAÇÃO DO POSICIONAMENTO DOS ALUNOS EM RELAÇÃO A ASPECTOS CONTROVERSOS

Luciano Fernandes Silva (a) [[email protected]]

Luiz Marcelo de Carvalho (b) [[email protected]] adoutorando - UNESP-Araraquara - SP

bprofessor doutor – UNESP–Rio Claro - SP

RESUMO

Tendo em vista a importância de relacionar o ensino de Ciências Naturais na escola

média com as demandas do mundo contemporâneo, deveríamos considerar em nossas

atividades de ensino aspectos da aplicação do conhecimento científico diretamente

relacionados com a temática ambiental como, por exemplo, os aspectos positivos e

negativos relacionados à produção de energia elétrica em larga escala.

Nesse trabalho procuramos analisar os posicionamentos dos alunos do ensino

médio em relação à aspectos positivos e/ou negativos diretamente relacionados à produção

de energia elétrica. O procedimento utilizado para a caracterização deste quadro foi,

primeiro, o de consultar a bibliografia que discute aspectos da relação entre produção de

energia elétrica e impactos ambientais. Após esta primeira etapa, elaboramos um

planejamento de intervenção para ser aplicado em três turmas do terceiro ano do ensino

médio de uma escola pública.

Através da análise dos dados observamos que um significativo número de alunos

não indicam, mesmo quando estimulados, aspectos positivos e negativos diretamente

relacionados à produção de energia elétrica em larga escala. Estes aspectos são apontados

por grande parte dos alunos durante a intervenção, porém suas respostas ficam restritas a

citações muito genéricas. Outras respostas melhor elaboradas reconhecem esses diferentes

aspectos, porém a indicação das características negativas é amenizada diante dos benefícios

oferecidos pela produção e o uso direto da energia elétrica. Finalmente, encontramos em

algumas respostas a indicação do reconhecimento dos aspectos positivos e negativos

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relacionados à produção de energia, porém o aluno procura, de certa forma, admitir a

necessidade de administração.

Esse trabalho, por fim, nos leva a indicar que o ensino de ciências naturais,

notadamente o de Física, deveria oferecer oportunidades para os alunos refletirem sobre as

possibilidades e limites da Ciência, incluindo, em especial, aquelas questões que envolvem

a dimensão ambiental. Uma possibilidade de trabalhar aspectos da temática ambiental no

ensino de Física está diretamente relacionada com a verificação e a análise de benefícios e

prejuízos decorrentes da aplicação da Ciência no mundo natural.

PALAVRAS CHAVES: ensino de Física, educação ambiental, produção de energia elétrica

1 - INTRODUÇÃO

Vários pesquisadores já destacaram a importância de relacionar o ensino de

Ciências Naturais na escola média com alguns aspectos sociais, econômicos, políticos,

ambientais e históricos, no sentido de possibilitar ao estudante uma leitura mais precisa da

realidade e uma alfabetização científica mais condizente com as demandas do mundo

contemporâneo (PIETROCOLA, 2001, MATTHEUS, 1994). Segundo estes autores, a

maioria dos estudantes deve ter acesso a um currículo das Ciências Naturais mais

contextualizado, o que seria mais apropriado para pessoas que serão futuros consumidores

das Ciências Naturais, mais do que produtores desta Ciência. Além disso, para Pietrocola

(2001) os grandes projetos necessários à manutenção das estruturas sociais estão

alicerçados em bases científicas. Nesse sentido, a alfabetização científica deveria

instrumentalizar o aluno para participar criticamente das decisões tomadas na sociedade.

As diferentes reflexões apresentadas pelos pesquisadores em ensino de Ciências

Naturais nos levam a concluir que a escola, para cumprir sua função social, deve contribuir

para a socialização dos conhecimentos científicos. Entretanto, há que existir uma ligação

muito clara entre a realidade vivenciada de diferentes maneiras pelos alunos e os processos

explicativos das Ciências Naturais, o que implica dizer que os principais temas discutidos

e valorizados pela sociedade deveriam estar sistematizados em forma de saber escolar.

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Uma das demandas mais urgentes da sociedade atual está diretamente relacionada

com a compreensão e minimização dos impactos ambientais provocados pelas diferentes

atividades humanas.

A partir destas considerações, podemos dizer que a atividade educativa formal pode

oferecer aos estudantes ferramentas essenciais para a compreensão e, em alguns casos, até

mesmo a reversão de alguns dos impactos ambientais. Apoiados nessa idéia, acreditamos

que o ensino de Física, em particular, possa instrumentalizar os alunos para a compreensão

de alguns fenômenos que envolvem esta problemática. Entretanto, quais são as

possibilidades mais claras de abordar aspectos da temática ambiental a partir do

conhecimento sistematizado pela Física?

2 - A TEMÁTICA AMBIENTAL E O ENSINO DE FÍSICA

Desde a década de sessenta, pelo menos, verifica-se um aumento expressivo da

percepção mundial sobre os diferentes níveis de alterações que as organizações humanas

impõem aos sistemas naturais como um todo e para os impactos, muitas vezes irreversíveis,

que estas alterações podem provocar aos sistemas naturais.

Dentre os principais impactos provocados pela atividade humana destacamos

aqueles diretamente relacionados com a produção de energia elétrica em larga escala que,

sem dúvida, tornam-se mais relevantes à medida que há um aumento sensível na demanda

desse tipo de energia em todo o mundo. Essa situação parece mais evidente sobretudo nos

países em desenvolvimento, possuidores de um grande contigente populacional que não

tem acesso à energia elétrica produzida em larga escala e aos seus diferentes benefícios ou

que apresentam, a partir de um ponto de vista econômico, diferentes setores da economia

com altas metas de crescimento. É interessantes observar que os benefícios da produção da

energia elétrica são facilmente reconhecidos pela grande maioria da população, enquanto os

diferentes impactos ambientais e sociais advindos da produção desta energia são

dificilmente percebidos e, se percebidos, dificilmente compreendidos pelos diferentes

grupos sociais.

Historicamente o setor de geração de energia elétrica vem produzindo grandes

impactos ambientais e sociais em toda a sua cadeia de produção. Porém, apenas

recentemente o debate sobre os diferentes impactos ambientais provocados pela geração e

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utilização desta energia tem feito parte da agenda mundial de discussões (BRUNDTLAND,

1987). Evidencia-se, através destes debates, a necessidade de se repensar o modelo de

desenvolvimento vigente que orienta as organizações humanas, que tem como um de seus

pressupostos básicos o consumo intensivo perdulário de mercadorias e de energia,

traduzido de forma mais explícita no chamado american way of life. Os valores que

sustentam este modelo de desenvolvimento caracterizam-se, sobretudo, pela exagerada

ênfase no aspecto econômico e implica na exploração sem limites dos recursos naturais e na

utilização de tecnologias que produzem em larga escala.

No que diz respeito aos debates sobre matrizes de produção de energia elétrica e

sobre os impactos ambientais a ela relacionados, podemos destacar dois aspectos: em

primeiro lugar, o desenvolvimento social e o acesso da maioria da população aos benefícios

da utilização da energia elétrica em condições de igualdade é uma condição básica para o

estabelecimento de uma sociedade mais justa; em segundo lugar, este setor foi responsável

por vários desastres ecológicos e sociais ocorridos nos últimos anos.

Esta temática, produção de energia elétrica em larga escala , está entre os

conteúdos do ensino da Física a ser desenvolvido no nível médio da escola formal. Um

trabalho com esse tema pode possibilitar ao professor de Física a oportunidade de

enriquecer as aulas com a exploração de outros aspectos, além dos técnicos, tais como

sociais, ambientais e políticos. Tal possibilidade é também vislumbrada na Proposta

Curricular para o Ensino de Física do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 1992) e nos

Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 1999). Em um desses

textos (SÃO PAULO, 1992) indica-se, dentre os objetivos apresentados para o ensino de

Física na escola média, a análise das várias formas de produção de energia elétrica em

função de parâmetros como: custos, benefícios e impactos sobre o meio ambiente.

Entretanto, quais são as possibilidades de um professor de Física, atuante em

escolas do nível médio, desenvolver atividades educativas diretamente relacionadas com a

produção de energia elétrica em larga escala?

A passagem do conhecimento científico para a sala de aula não se dá por simples

processos de transmissão; portanto, as discussões que ocorrem nos meios técnicos e

acadêmicos relacionados à temática ambiental e à produção de energia elétrica em larga

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escala devem ser recontextualizadas em conteúdos de ensino (SILVA e CARVALHO,

2002a). Em um trabalho de pesquisa (SILVA, 2001) elaborado no programa de pós-

graduação em Educação Escolar da UNESP de Araraquara-SP, procuramos analisar, entre

outras situações, em que medida as análises realizadas por cientistas, técnicos e outros

grupos sociais sobre produção de energia elétrica em larga escala, poderiam ser

recontextualizadas em conteúdos escolares, ou de forma mais específica, investigamos as

possibilidades que o conteúdo eletricidade, mais especificadamente “produção de energia

elétrica em larga escala”, oferecia para o desenvolvimento de trabalhos com educação

ambiental em sala de aula.

Consideramos, a partir dos resultados destes trabalhos, que a discussão das

alterações provocadas na natureza e na sociedade pelas diferentes modalidades de produção

de energia elétrica em larga escala (REIS; SILVEIRA, 2000, ROSA et all, 1998,

GOLDEMBERG, 2001, UNICAMP, 2002) envolve inúmeros e complexos condicionantes.

No que diz respeito aos debates sobre a mudança de matrizes geradoras de energia elétrica

é possível verificar que, na maioria das vezes, estes são norteados por discussões

macroeconômicas e políticas.

A partir da leitura e análise dos debates técnicos e científicos sobre o tema produção

de energia elétrica em larga escala podemos considerar que a principal vantagem de uma

abordagem múltipla do tema em sala de aula, ou seja, que procura trabalhar as diferentes

dimensões do tema em questão, está na oportunidade de reconhecer os inúmeros e

complexos condicionantes presentes no setor de geração de energia elétrica e as

oportunidades que existem para o seu desenvolvimento.

Vale ressaltar que a abordagem destes diferentes aspectos não significa minimizar

os conteúdos básicos e fundamentais para a compreensão dos processos físicos com os

quais convivemos no nosso dia a dia. Não se trata também de abdicar dos conceitos físicos

explicitados através da linguagem matemática. O que se propõe, e o que se espera, é que

cada um destes diferentes aspectos abordados alimentem-se mutuamente, garantindo em

sala de aula uma visão integrada da realidade.

O desenvolvimento de trabalhos de ensino com o tema produção de energia elétrica

em larga escala restrito aos conceitos físicos pode até facilitar o reconhecimento e o

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entendimento pelos alunos de alguns problemas decorrentes do uso destas tecnologias, em

especial os relacionados aos impactos ambientais. Entretanto, o reconhecimento dos alunos

de alguns impactos não significa um entendimento dos complexos condicionantes que

envolvem esta situação (SILVA e CARVALHO, 2002b).

Além disso, algumas pessoas consideram os problemas ambientais decorrentes da

produção de energia elétrica em larga escala pouco significativos em vista dos seus

benefícios. No Brasil, recentemente, o governo modificou parte da legislação ambiental

(Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA – nos 001, de 23 de

janeiro de 1986, e 237, de 19 de dezembro de 1997 e, para empreendimentos do setor

elétrico, de forma complementar, n0 006, de 16 de setembro de 1987), para flexibilizar as

exigências para a construção de novas plantas energéticas (Resolução 279, de 27 de junho

de 2001).

Ao desenvolvermos atividades de educação ambiental, que considerem aspectos da

aplicação do conhecimento científico diretamente relacionado com a temática ambiental,

um dos possíveis e desejáveis caminhos é o de considerar as conseqüências da aplicação

tecnológica em termos de benefícios e prejuízos aos sistemas naturais e às diversas

organizações humanas. Evidentemente não há uma contraposição clara e definitiva destes

aspectos sendo mais importante, neste caso, uma análise articulada com diferentes

dimensões da realidade humana, tais como a social, ambiental, econômica e política.

Porém, muitas vezes temas ricos e complexos relacionados, por exemplo, com a

aplicação do conhecimento científico, acabam por ser simplificados e empobrecidos em

atividades de ensino, dificultando aos alunos compreenderem e analisarem os complexos

aspectos de uma dada realidade. Diante destas considerações, levantamos os seguintes

questionamentos:

Os alunos do ensino médio identificam aspectos positivos e negativos relacionados

à produção de energia elétrica em larga escala, antes que estas questões sejam discutidas

em atividades de ensino?

Quando um professor de Física do ensino médio explicita estes aspectos positivos e

negativos, quais são os posicionamentos dos alunos?

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3 - OBJETIVOS

Tendo em vista as questões apresentadas, nosso objetivo neste trabalho constitui-se em:

- Avaliar se os alunos do ensino médio de uma escola pública da diretoria de ensino de

Araraquara-SP são capazes de identificar e relacionar aspectos positivos e negativos à

produção de energia elétrica em larga escala antes que estas sejam discutidas em

atividades de ensino.

- Avaliar se os alunos são capazes de identificar e relacionar aspectos positivos e

negativos à produção de energia elétrica em larga escala à medida que diferentes

atividades de ensino que tragam essa questão para a sala de aula vão sendo

desenvolvidas .

- Analisar o posicionamento dos alunos quando são colocados frente a questões dessa

natureza e avaliar se, a partir da leitura de um texto que explicita aspectos da temática

ambiental, os alunos são capazes de reconhecê-los de forma articulada com outros

elementos da realidade.

4 - PROCEDIMENTO DE PESQUISA

O procedimento mais adequado para a caracterização deste quadro foi, primeiro, o de

consultar a bibliografia que discute aspectos da relação entre produção de energia elétrica

e impactos ambientais (REIS; SILVEIRA, 2000, ROSA et all, 1998, ROSA et all, 1988,

GOLDEMBERG, 2001) e, na seqüência, sistematizar estas informações oferecendo um

quadro referencial básico em termos de conteúdos e possíveis abordagens para o

planejamento de atividades em sala de aula relacionadas com esta temática.

Após esta primeira etapa, elaboramos um planejamento de intervenção para ser aplicado

em três turmas (turmas A, B e C) do terceiro ano do ensino médio de uma escola pública da

diretoria de ensino de Araraquara-SP em 11 encontros. Nessa etapa, tivemos a oportunidade

de apresentar aos alunos 04 textos e outros materiais que foram produzidos por nós a partir

da pesquisa bibliográfica realizada na primeira etapa deste trabalho.

De modo geral, os textos que apresentamos aos alunos exploravam aspectos

técnicos, históricos, sociais, econômicos e ambientais relacionados à produção de energia

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elétrica em larga escala. Enquanto o primeiro destes textos apresentava informações

técnicas sobre algumas formas de gerar energia elétrica em larga escala, o segundo trazia

algumas informações históricas sobre as primeiras usinas de geração de energia elétrica

implantadas no Brasil. Já o terceiro texto solicitava dos alunos a leitura e discussão de

alguns dados sociais, políticos e econômicos relacionados à produção de energia. Neste

texto o foco esteve voltado principalmente à questão do processo recente de privatização no

setor elétrico. No quarto e último texto, foram apresentadas e discutidas algumas

informações sobre os diversos impactos sociais e ambientais decorrentes da produção de

energia elétrica em larga escala.

Para o trabalho com estes textos utilizamos o procedimento de estudo dirigido. Ao final

de cada texto havia um roteiro de discussão que continha algumas perguntas a que os

alunos responderam no final da leitura e análise do texto.

Quanto às perguntas do roteiro de discussão dos textos, tentamos elaborá-las de modo

que levassem os alunos a refletir sobre a temática proposta para o trabalho. Com isso,

queríamos evitar que os alunos simplesmente recortassem partes específicas dos textos para

responderem às questões.

A intervenção realizada orientou-se pela proposta do pesquisador-professor de André

(1998). A autora utilizou-se desta denominação para marcar bem a diferença de papéis

entre um professor que pesquisa sua prática, procedimento reconhecido pela denominação

professor-pesquisador, e o pesquisador que pesquisa um problema educacional. Segundo a

autora, o primeiro tem uma preocupação mais imediata com seus problemas cotidianos e

um menor distanciamento deles, com uma maior preocupação de desenvolver sua ação

docente para obter sucesso na aprendizagem de seus alunos. Já o segundo tem

preocupações a mais longo prazo, possibilidade de distanciamento para uma reflexão mais

ampla e compromisso com a geração de novos conhecimentos. Assim, os objetivos e os

resultados das ações são diferentes, variando a natureza do papel, o grau de envolvimento e

a responsabilidade pelos resultados. Este procedimento de trabalho tem sido utilizado por

outros pesquisadores (BONOTTO, 1999 e CARVALHO, 1998) que coletaram dados

enquanto desenvolviam atividades em sala de aula.

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5 - RESULTADOS DA PESQUISA

O processo de intervenção em sala de aula foi realizado em dois momentos

distintos. Em um primeiro momento, que chamamos de fase diagnóstica, coletamos dados

que apontavam alguns entendimentos dos alunos sobre o tema produção de energia elétrica

em larga escala e seus impactos ambientais e sociais antes do contato destes com os

documentos que disponibilizamos sobre o tema.

Em um questionário que oferecemos aos alunos antes do trabalho educativo com o

tema produção de energia elétrica em larga escala, solicitou-se indicar aspectos positivos

ou negativos na produção e uso desta energia. O interesse ao se propor esta questão era o de

primeiro identificar se os alunos eram capazes de explicitar esses aspectos positivos ou

negativos, e o de também avaliar se, entre os aspectos listados, os alunos faziam referência

ou não a problemas ambientais decorrentes do processo de produção de energia elétrica.

Participaram desta atividade noventa e seis alunos, sendo trinta e seis da turma A,

vinte e nove da turma B e trinta e um da turma C. Abaixo descrevemos a pergunta oferecida

aos alunos neste questionário:

Você pode indicar aspectos positivos ou negativos na produção e no uso de energia

elétrica?

Os dados organizados a partir da resposta dos alunos a esta pergunta estão

sumariados na tabela 01.

Se verificarmos o agrupamento da tabela denominado “somente aspectos positivos”,

podemos notar uma razoável diferença percentual de indicações que ocorre entre os alunos

das turmas A e C e alunos da turma B. Um número expressivo de alunos das turmas A e C

consideram somente aspectos positivos na produção de energia elétrica em larga escala.

Outro dado interessante da tabela é notar que 47% do total de alunos (somando-se

as três turmas) indicaram somente aspectos positivos diretamente relacionados à produção

de energia elétrica em larga escala; enquanto 32% apontam os aspectos positivos e

negativos e 6% dos alunos apontam aspectos negativos.

Dentre os setenta e cinco alunos que indicaram aspectos positivos na produção e no

uso de energia elétrica, 96% apontaram exemplos relacionados ao conforto humano. Por

“conforto humano”, mencionamos todos os alunos que disseram que a energia elétrica traz

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aspectos positivos por causa dos inúmeros aparelhos elétricos e eletrônicos que podem ser

utilizados, da iluminação noturna às comunicações.

Tabela 01: Conhecimento dos alunos do terceiro ano do Ensino Médio de uma escola pública da DE de Araraquara-SP, sobre aspectos positivos e negativos referentes à produção de energia elétrica em larga escala

N0 de indicações

(%)

Turma

Turma

O aluno indicou...

A B C

A

B

C

Exemplos

22 8 15

61%

28%

48% Somente aspectos positivos

Aluno 14 B Acho que só tem benefícios pois hoje a energia elétrica está totalmente nas nossas vidas, como exemplos os aparelhos domésticos.

Aspectos positivos e negativos

7 9 15 20% 31% 48% Aluno 23 C Existem os dois aspectos (positivo e negativo). O aspecto positivo é que a gente não precisa de lampião ou de qualquer maneira p/ poder fazer as coisas do dia a dia. O negativo é que toda hora, todo minuto, tem desperdícios.

Somente aspectos negativos

3 3 - 8% 10% - Aluno 10 B Um aspecto negativo pode ser a diminuição da reprodução dos peixes.

Não sabe/ Não respondeu

4 9 1 11% 31% 4% Aluno 24 B Não sei.

Total 36 29 31 100 100 100

Percebemos que muitos alunos mencionaram aparelhos domésticos, numa clara

menção à diminuição do esforço humano nos afazeres domésticos, possível graças à

existência destes instrumentos. Este dado, associar os benefícios da energia elétrica com o

“conforto humano”, parece-nos bem coerente, uma vez que a aplicação da energia elétrica

em equipamentos domésticos é a mais próxima e a mais evidente para a maioria dos alunos.

Chama a atenção o número de respostas de alunos da turma A que relacionam os

aspectos positivos da energia elétrica às inúmeras atividades econômicas. Neste caso,

salientamos que a maior parte destes alunos (turma A) possui uma atividade remunerada.

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Exemplo: A produção do uso de energia elétrica, beneficia indústrias, firmas, empresas,

enfim beneficia a todos nós. Pois é através dessa energia fazemos uso de diversos

aparelhos, desde doméstico até aparelhos e máquinas industriais, máquinas da qual traz

benefícios à cidade. Ex : as máquinas da Cutrale, Lupo, Jackes, Inepar, que são

comercializados para diversos regiões trazendo lucros a cidade...(Aluno 5 A)

Ainda em relação aos dados apresentados pela tabela 01 podemos perceber que a

maioria dos alunos (54%) do universo pesquisado (96) não fizeram menção

simultaneamente a aspectos negativos e positivos da produção e uso da energia elétrica,

mesmo tendo sido indicada na pergunta a possível existência destes diferentes aspectos.

Finalmente, podemos observar que trinta e sete alunos, ou 39 % de um total de

noventa e seis, indicaram algum aspectos negativos relacionados à produção de energia

elétrica. Destes, apenas dezessete ou 18 % do total geral dos alunos indicaram aspectos

diretamente relacionados à degradação ambiental.

A tabela 02 fornece uma visão geral da natureza e freqüência dos principais

aspectos negativos indicados pelos alunos das turmas A, B e C.

Aqueles alunos que indicaram aspectos negativos relacionados às degradações

ambientais chamam a atenção para a construção de hidrelétricas. Exemplo:

..também existe algumas coisas ruins como quando é construída a hidrelétrica e as vezes

muda o curso dos rios ou o represamento há uma alteração no meio ambiente.(Aluno 8 C)

Podemos indicar ao final deste questionário diagnóstico que a maior parte dos

alunos (68 % do total) não indicam aspectos controversos ou polêmicos relacionados ao uso

e à geração de energia elétrica. Observamos que 47 % dos alunos indicaram somente

aspectos positivos; 32%, aspectos positivos e negativos; 6 %, apenas aspectos negativos e

15 % não indicaram nenhum aspecto positivo ou negativo. Além do fato de os temas

controversos relacionados à Ciência estarem, de certa forma, distantes da sala de aula,

consideramos que normalmente as usinas geradoras de eletricidade, como as hidrelétricas,

no caso do Brasil, estão bem distantes dos grandes centros urbanos (ROSA, et al. 1988).

Além do mais, a circulação de informações sobre impactos negativos provocados por

grandes projetos de produção de energia elétrica são escassos e normalmente reservados

aos círculos técnico e científico.

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Tabela 02: Apontamentos dos aspectos negativos da produção e uso da energia elétrica, feito por alunos do terceiro ano do Ensino Médio de uma escola pública da DE de Araraquara – SP.

N0 de indicações

Turmas

Grupo

A B C

Exemplos

Degradações ambientais

6 6 5 Aluno 15 C Aspecto negativo para a construção de hidrelétricas são alagados grandes porções de terras, destruindo vegetação local e matando muitos animais...

Alto custo das tarifas de energia

4 - 4 Aluno 18 A ...Negativo – Porque a conta de energia elétrica no fim do mês é muito caro.

Choques elétricos

- 4 3 Aluno 4 B ...lado negativo: choques intensos são extremamente perigosos.

Curto-circuito - 3 2 Aluno 37 B O aspecto negativo é quando dá algum curto circuito e pega fogo...

Desperdício de energia

- - 3 Aluno 23 C ...O negativo é que toda hora, todo minuto, tem desperdícios.

Total 10 13 15 * Consideramos somente o grupo de aspectos negativos. O mesmo aluno pode ter sua resposta classificada em mais de um grupo.

Em uma segunda etapa do trabalho, procuramos incentivar os alunos a refletirem

sobre os aspectos controversos associados ao tema em questão. Uma das alternativas foi

estimular os alunos a perceberem, através de quatro textos oferecidos para estudo dirigido,

aspectos positivos e negativos relacionados à produção de energia elétrica em larga escala.

Cada um dos textos possuía um roteiro de trabalho que deveria ser respondido pelo aluno

ao final da leitura. Nesse caso, solicitamos que as respostas deveriam ser de cunho pessoal

e expressar a verdadeira opinião do aluno.

Em alguns desses roteiros, nós apresentamos perguntas que solicitavam dos alunos

indicações sobre aspectos positivos e negativos relacionados à produção de energia elétrica

em larga escala. Neste caso, vamos avaliar se eles foram capazes de reconhecer estes

diferentes aspectos durante a realização da intervenção.

Para Rosa et al.(1988), questionar o papel dos projetos energéticos, implica analisar

as bases nas quais se alicerçaram nossa sociedade. Para o autor, uma análise dos benefícios

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e prejuízos advindos dos projetos energéticos deverá apontar caminhos para um equilíbrio

entre a necessidade do homem em obter energia em larga escala e a reversão dos impactos

nos meios social e ambiental.

O primeiro texto foi oferecido aos alunos no terceiro encontro da intervenção, após

trabalharmos algumas informações técnicas e históricas sobre a geração de energia elétrica

em larga escala. Neste texto, em específico, explicitamos alguns aspectos históricos

relacionados com a implantação de geradores elétricos em larga escala no Brasil. Em uma

das questões colocadas aos alunos no final do texto, tentamos identificar até que ponto eles

reconheciam conseqüências positivas e negativas da implantação das primeiras usinas

geradoras de energia elétrica em larga escala no Brasil. Solicitamos aos alunos uma

resposta à seguinte questão:

Indique alguns aspectos que você considera positivos e outros que sejam negativos da

implantação das primeiras usinas geradoras de energia elétrica em larga escala no

Brasil.

Oitenta e quatro alunos no total responderam a esta pergunta, sendo vinte e três da

turma A, trinta e dois da turma B e vinte e nove da turma C. Os dados obtidos estão

agrupados na tabela 03.

É interessante notar que todos os alunos que responderam a esta pergunta indicaram,

de alguma forma, algum aspecto positivo relacionado à implantação das primeiras usinas de

geração de eletricidade no país.

Muitos alunos consideraram como aspecto positivo o processo histórico de acesso

às tecnologias de geração de energia elétrica que o país havia conquistado nos últimos anos.

Talvez isso possa ser explicado pela percepção e relação que os alunos estabelecem entre o

acesso a essas tecnologias, a modernização e o chamado progresso.

Se não existisse energia elétrica não haveria usina, fabrica e assim muitas pessoas

ficariam sem “trabalho” ou trabalhando na roça e ganhariam pouco. Não haveria energia

elétrica e assim não haveria luz e nem tecnologia. (Aluno 27 A)

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Tabela 03 : Indicações dos alunos do Ensino Médio de uma escola pública da DE de Araraquara-SP, a respeito de possíveis aspectos positivos e negativos na geração e no uso de energia elétrica

N0 de indicações

(%)

TURMAS

TURMAS

O aluno indicou...

A

B

C

A

B

C

Exemplos

Aspectos positivos e negativos

21 20 21 91% 63% 72% Aluno 9 C Aspectos positivos – trouxe o avanço da tecnologia do país. Aspectos negativos – tiveram que fazer empréstimos de outros países.

Somente aspectos positivos

2 12 2 18% 37% 7% Aluno 35 B Na minha opinião não tiveram aspectos negativos. O brasil cresceu com essas empresas. Apenas vejo como um grande salto para a tecnologia de nosso pais...

Não respondeu

- - 6 - - 21%

Total 23 32 29 100 100 100

É interessante notar, tal qual afirma Brügger (1994), que muitas vezes o termo

“progresso” não está associado à melhoria da qualidade de vida para a maioria da

população, sendo utilizado na maioria das vezes como uma espécie de eufemismo para

designar crescimento desordenado e depredação de ambientes naturais. Para a autora existe,

no senso comum, a idéia de que o crescimento sempre se traduz em benefícios para a

sociedade, escamoteando os inúmeros aspectos negativos relacionados a qualquer forma de

intervenção do homem na natureza.

Neste sentido, é interessante verificar quais os principais aspectos negativos

indicados pelos alunos quando formularam suas respostas. A tabela 04 sumaria estes dados

e faz uma indicação em termos de respostas mais significativas do agrupamento.

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Tabela 04: Principais indicações apresentadas por alunos do Ensino Médio de uma escola pública da DE de Araraquara-SP, sobre os aspectos negativos da implantação dos primeiros geradores elétricos instalados no Brasil

N0 de indicações

Turmas

Grupo

A B C

Exemplos

Choques elétricos

0 04 0 Aluno 2 B ...Negativo - Curto circuito, logo, morte.

Degradação ambiental

03 02 13 Aluno 31 B ...o fator negativo é que elas destruíram totalmente a natureza elas não se importavam e achavam que a tecnologia era mais importante.

Aumento da carga de trabalho

16 0 0 Aluno 4 A Negativos : A carga horária de trabalho das pessoas aumentou ou dobrou.

Dependência externa

02 0 07 Aluno 9 A Aspectos negativos : a dependência de tecnologia internacional.

Total de indicações

21 06 20

A partir dos dados desta tabela, podemos apontar um aumento relativo das

indicações dos alunos sobre os aspectos negativos diretamente relacionado à produção de

energia elétrica em larga escala.

Em relação ao item “degradação ambiental”, cabe destacar a influência que uma

aluna da turma C desempenhou nas respostas de seus colegas. Em vários momentos

verificamos que ela procurava sensibilizar seus colegas, com relação à degradação

ambiental, a partir de um discurso que enfatizava eventos catastróficos e dolorosos para a

humanidade, como por exemplo a extinção completa de animais e plantas devido a

intervenção do homem na natureza.

Em outro momento da intervenção, penúltimo encontro, trabalhamos o texto que

apresentava, de modo mais sistematizado, informações sobre os principais impactos

ambientais diretamente relacionados aos diferentes modelos de geração de eletricidade em

larga escala. Foi proposta ao final do texto, novamente a seguinte questão:

Você pode indicar aspectos positivos ou negativos na produção e no uso de energia

elétrica?

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Nota-se que esta é a mesma pergunta oferecida na etapa diagnóstica (tabela 01).

Nossa intenção era a de, no final da intervenção, após termos oferecido aos alunos

elementos a partir de textos e discussões sobre benefícios e prejuízos advindos da produção

de energia elétrica, avaliar o repertório dos alunos em relação ao reconhecimento e as suas

argumentações sobre estes benefícios e prejuízos.

Para esta atividade, estiveram presentes noventa e quatro alunos, sendo trinta e três

da turma A, trinta e dois da turma B e vinte e nove da turma C.

Os dados que obtivemos com as respostas dos alunos às questões propostas estão

apresentados na tabela 05.

Tabela 05: Freqüência das indicações de aspectos negativos e/ou positivos da geração e uso da energia elétrica apresentadas por alunos do Ensino Médio de uma escola pública da DE de Araraquara-SP.

N0 de indicações

(%)

TURMAS

TURMAS

Aspectos

A B C A B C

Exemplos

Positivos e negativos

28 31 24 85% 97% 83% Aluno 20 A Aspectos Negativos: Destruição de áreas com cobertura vegetal nativa, a perda da biodiversidade e a emissão de gases. Deslocamento das pessoas ou cidades inteiras dos seus locais de origem, perda de patrimônios históricos etc... Aspecto Positivo: Iluminação pública, aparelhos eletrônicos, contribui para o desenvolvimento técnico e científico e para as projeções de crescimento econômico e social dos países; Melhora a qualidade de vida das pessoas que dela usufruam.

Somente aspectos positivos

4 1 2 12% 3% 7% Aluno 11 A Somente beneficio que são tudo que nos temos de bom na nossa casa como televisão e outros aparelhos e a comparação de alguns anos atras e de agora.

Não respondeu

1 - 3 3% - 10%

Total 33 32 29 100 100 100

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Podemos notar na tabela 5 que o item que relaciona aspectos positivos e negativos

possui um alto nível de freqüência nas três turmas. Ficam bastante claros, nessa etapa do

trabalho, a capacidade e o reconhecimento dos alunos quanto à identificação de alguns

aspectos controversos decorrentes do uso desta tecnologia.

De modo geral, os alunos relacionam aspectos positivos com equipamentos

eletrodomésticos e eletrônicos, ou seja, máquinas diretamente relacionadas com a

possibilidade de reduzir o esforço humano e aumentar o conforto.

É interessante observar, no entanto, que muitos alunos que indicam nas suas

respostas aspectos positivos e negativos da produção de energia elétrica o fazem citando

rapidamente os aspectos negativos ou não assumem a mesma dimensão que o fazem

quando da citação dos aspectos positivos. Neste caso, podemos perceber uma maior ênfase

nos aspectos positivos do que nos aspectos negativos do processo.

Embora, como já explicitado, em cada um destes exercícios enfatizava-se a

importância de que cada aluno respondesse às questões a partir de seu entendimento e de

que não havia a priori respostas “certas” ou “erradas”, não se pode deixar de considerar a

possibilidade de que muitos destes aspectos negativos tenham sido citados pelos alunos não

pela convicção, mas pelo fato de terem sido mencionados nos textos. Exemplo:

Para o homem, no geral,(grifo do autor) acho que só existem aspectos positivos no uso

da energia. Banho quente, luminosidade à noite, computadores, eletrodomésticos, todas

essas coisas são positivas para o homem e não saberíamos viver sem isso. E tudo isso

existe graças à energia elétrica. Mas a produção dessa energia, deixa bem claro os

aspectos negativos como a destruição de áreas c/ mata nativa, a perda de biodiversidade,

a emissão de gases, o deslocamento de cidades inteiras, a perda de patrimônios

históricos, etc. (Aluno 11C)

Podemos avaliar, a partir desta resposta, que, para o aluno, há uma distinção clara

entre homem e natureza. Esse aluno não é também capaz sequer de perceber que prejuízos

causados à natureza podem significar prejuízos sérios para o homem, visão esta veiculada

mesmo entre aqueles que defendem uma visão antropocêntrica. Segundo Cavalari et al.

(2001) a compreensão da forma como o homem representa a natureza e a relação que ele

mantém com o mundo natural são fundamentais para o desenvolvimento de trabalhos com

educação ambiental. Seria interessante, portanto, o professor de Física socializar com a sala

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de aula frases como essa, e a partir desse ponto, iniciar um diálogo sobre as concepções de

homem e natureza presentes em nossos discursos.

Para verificar o que os alunos apresentavam nesse momento como aspectos

negativos, relacionados à geração e ao uso da energia elétrica, vamos apresentar os dados

sumariados na tabela 06.

No agrupamento indicado por “outros” estão as respostas dos alunos que

mencionam aspectos como : preço cobrado pelas concessionárias de distribuição de

energia, dependência técnica do país em relação a certos tipos de equipamentos de

produção de energia elétrica em larga escala e choques elétricos.

Tabela 06 : Principais aspectos negativos da geração e uso da energia elétrica apresentados por alunos do Ensino Médio de uma escola pública da DE de Araraquara, depois de terem realizado a leitura de alguns textos apresentados em atividades de ensino

N0 de indicações

Turmas

Grupo

A B C

Exemplos

Degradação Ambiental

28 29 20 Aluno 23 A “...a produção de energia obriga o homem a conviver com alguns problemas como a chuva ácida conseqüente da queima do carvão mineral, a liberação de gases que aumentam o efeito estufa no uso de gás natural, etc...”

Outros 0 02 04 Aluno 9 C ...Negativos – na produção prejudica o meio ambiente e no uso o custo da energia é muito caro.

Total de indicações

28 31 27

* Mais de um aluno pode ter sua resposta classificada em diferentes grupos. É importante ressaltar, no caso dos dados levantados neste trabalho, que o

reconhecimento de alguns aspectos da temática ambiental pelos alunos não significa que

eles compreendam as complexas causas dos problemas ambientais relacionadas à produção

de energia elétrica em larga escala. Muitos alunos reconhecem os problemas ambientais,

mas procuram amenizá-los ou até mesmo desvalorizá-los, tendo em vista os benefícios que

a produção de energia elétrica em larga escala pode oferecer,

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“Aspectos positivos – como eu disse em cima o desenvolvimento, industriais e ainda o bem

estar das populações, que com a energia elétrica veio os ar condicionado, computador e

muitas outras coisas.

Aspectos negativos – perto do conforto que a energia elétrica nos dá, os aspectos negativos

são muito poucos, como desvios de rios e desmatamentos, mas o que é isso perto do que o

homem faz atoa.” (Aluno 2 C)

Esses posicionamentos nos indicam que um trabalho pedagógico conseqüente, ao

trazermos para as nossas aulas de Física questões relacionadas com a temática ambiental,

acaba por exigir dimensões que revestem-se de complexidade. Esta parece ser, de fato, uma

característica que acompanha os diferentes trabalhos que envolvem a questão ambiental.

Neste sentido, segundo Leff (2001), o ambiente está integrado por processos, tanto de

ordem física como social. A questão ambiental emerge de uma problemática econômica,

social, política, ecológica, como uma nova visão do mundo, propondo uma verdadeira

revolução ideológica e cultural que problematiza toda uma constelação de paradigmas do

conhecimento teórico e de saberes práticos.

6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através dos dados apresentados e analisados podemos observar que, na fase

diagnóstica, um significativo número de alunos não indicam, mesmo quando estimulados,

aspectos positivos e negativos diretamente relacionados à produção de energia elétrica em

larga escala. Durante a intervenção, a grande parte dos alunos apontam aspectos positivos e

negativos relacionados à produção de energia elétrica, porém suas respostas ficam restritas

a citações muito genéricas. Em alguns casos, os alunos buscam no próprio texto indicações

mais diretas destes diferentes aspectos. Algumas respostas melhor elaboradas reconhecem

os diferentes aspectos positivos e negativos relacionados à produção de energia elétrica,

porém a indicação dos aspectos negativos é amenizada diante dos benefícios oferecidos

pela produção e o uso direto da energia elétrica. Finalmente, encontramos em algumas

respostas a indicação do reconhecimento dos aspectos positivos e negativos relacionados à

produção de energia, porém o aluno procura, de certa forma, admitir a necessidade de

administração.

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Uma análise possível sobre este dado está diretamente relacionado com a maneira

como a Ciência tem sido apresentada aos alunos na escola formal, ou seja, a atividade

científica e os seus produtos diretos (tecnologia) estão revestidas de uma concepção neutra.

Neste sentido, a Ciência é muitas vezes compreendida como sendo uma atividade baseada

na razão instrumental, na observação cuidadosa e no acatamento de um severo código de

honestidade profissional e produtora de conhecimentos objetivos e neutros acerca do

mundo.

Entretanto, a ciência e a tecnologia oferecem condições naturais para explorar

aspectos controversos em sala de aula (LEVINSON, 2001). Para Levinson, o trabalho

educativo com os tópicos controversos da Ciência podem torná-la mais próxima do real, de

tal forma que a sua apresentação poderia chamar a atenção dos alunos para a natureza das

questões científicas ou, de modo geral, para as incertezas, complexidades e níveis de riscos

que a aplicação tecnológica pode representar para organismos vivos.

O ensino de ciências naturais, notadamente o de Física, deveria oferecer

possibilidades para os alunos refletirem sobre as possibilidades e limitações da Ciência,

incluindo, em especial, aquelas questões que envolvem a dimensão ambiental, ou seja,

impactos aos sistemas naturais que são, muitas vezes, irreversíveis e que comprometem a

qualidade de vida da nossa e das futuras gerações.

Nesse sentido, este trabalho nos leva a indicar que uma possibilidade muito forte de

trabalhar aspectos da temática ambiental no ensino de Física está diretamente relacionado

com a possibilidade de verificar e analisar os diferentes benefícios e prejuízos decorrentes

da aplicação da ciência no mundo natural.

7 - BIBLIOGRAFIA

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____________________________ A compreensão dos alunos do ensino médio quanto ao tema “produção de energia elétrica em larga escala. In: ENCONTRO DE PESQUISA EM ENSINO DE FÍSICA, VIII, junho de 2002, Águas de Lindóia-SP. Atas eletrônicas...Disponível em CD-Rom. (b)

UNICAMP (org.) Conferência: SUSTENTABILIDADE NA GERAÇÃO E USO DE ENERGIA NO BRASIL: os próximos vinte anos. http:www.cgu.unicamp.br/energia2020. Campinas, 18 a 20 fevereiro, 2002.