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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MARCELLA PEREIRA VERZOLA A SUCESSÃO DAS DÍVIDAS NO PROCESSO FALIMENTAR FRENTE À ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL São José 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

MARCELLA PEREIRA VERZOLA A SUCESSÃO DAS DÍVIDAS NO PROCESSO FALIMENTAR FRENTE

À ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

São José

2009

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MARCELLA PEREIRA VERZOLA

A SUCESSÃO DAS DÍVIDAS NO PROCESSO FALIMENTAR FRENTE À ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI , como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MSc. Rosangela Barreto Laus

São José 2009

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MARCELLA PEREIRA VERZOLA

A SUCESSÃO DAS DÍVIDAS NO PROCESSO FALIMENTAR FRENTE À ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Direito empresarial

São José, 18 de junho de 2009.

Prof. MSc. Rosangela Barreto Laus UNIVALI – Campus de São José

Orientador

Prof. Emanuel Dal Toé UNIVALI Membro

Prof. Maria Helena Machado UNIVALI Membro

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, 1º de junho de 2009.

Marcella Pereira Verzola

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RESUMO

A Lei n. 11.101/2005 aplica-se ao devedor empresário e à sociedade empresária, ou seja, àqueles que exercem atividade econômica organizada para produzir ou fazer circular bens ou serviços no mercado. Essa atividade denominada empresa exerce importante função econômica e social. Nesse contexto, a Lei n. 11.101/2005 inseriu no ordenamento jurídico o instituto da recuperação judicial, o qual recepcionou e normatizou expressamente o princípio da preservação da empresa cujo objetivo é a manutenção da empresa enquanto fonte produtora. Atento a esse princípio, o legislador disponibilizou um rol exemplificativo dos meios de recuperação que poderão ser empregados para proporcionar verdadeiras condições de recuperação das empresas que demonstram viabilidade econômica. Dentre os mecanismos inseridos na legislação destaca-se a alienação do estabelecimento empresarial ou trespasse; também prevista no caso de falência do devedor como forma de realização do ativo para o pagamento das obrigações do falido. A legislação civil, assim como a trabalhista e a tributária, cada qual dentro de suas particularidades, prevêem a responsabilização do adquirente pelos débitos anteriores à transferência do mesmo. Contudo, a Lei n. 11.101/2005 afastou a sucessão do arrematante no que tange aos débitos trabalhistas e tributários; na recuperação judicial quando da alienação judicial de filiais ou unidades produtivas isoladas do devedor como meio de recuperação relacionado no plano de recuperação e, na falência, daquele que adquire o estabelecimento empresarial alienado para fins de realização do ativo. Uma vez que a sucessão do arrematante de estabelecimento empresarial foi dispensada pela Lei n. 11.101/2005 e que esta não dispõe expressamente sobre quem ficará responsável pelo pagamento das dívidas trabalhistas e tributárias do devedor, necessária se apresenta a análise dos dispositivos legais a fim de se obter uma resposta acerca de: sobre quem recairá a obrigação do pagamento desses créditos? Perante a Lei n. 11.101/2005, os créditos trabalhistas podem ser satisfeitos através da reserva de importâncias no caso dos créditos pendentes de decisão perante a Justiça do Trabalho; no processo de recuperação judicial, a forma de pagamento deverá constar no plano de recuperação que deverá contar com a participação do sindicato dos empregados; e, no caso de ser decretada a falência do devedor, seu crédito subsistirá contra a massa falida. Para os créditos tributários que surgiram no decorrer da recuperação judicial ou do processo de falência serão considerados extraconcursais e o pagamento será efetuado com precedência sobre os demais; quanto aos débitos fiscais anteriores à alienação, estes, como os trabalhistas serão pagos conforme as forças da massa, observada a ordem de pagamento prevista no art. 83 da Lei n. 11.101/2005. Palavra-chave: empresa; preservação; estabelecimento; alienação; recuperação; falência; dívidas; sucessão; créditos; pagamento.

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ABSTRACT

The Law n. 11.101 are applied the debtor entrepreneur and the society entrepreneur, in other words, to those that exercise organized economical activity to produce or to do to circulate goods or services in the market. That activity denominated company exercises important role economic and social. At context, the Law n. 11.101/2005 inserted not aljezur cool or institute of recover judicial, or which aprov and normalizing expressly or principle of conservation of company whose objective is to maintenance company while source producer. Attentive to this principle, or legislator provided an exemplary role two means to recover that will be employees to provide authentic conditions to recover das companies that show sh feasibility economic. Between the mechanisms part in legislation stresses to alienation oj establishment business or trespass; also provided no case of oral oj debtor as a way of organizing oj information for or payment of obligations oj bankrupt. To civil legislation, as well as labor end to tax, each which within its particularities, contemplate to accountability oj acquirer hairs debits previous to transference the same. However, the Law n. 11.101/2005 situation to vyacheslav oj arrematante not that tange to debits labor na tax; recover court when the sale or judicial branches productive units isolated oj debtor the means to recover related not plane to recover and, in oral, of which acquires or establishment business alienated for fins of organizing oj information. A time to vyacheslav oj arrematante of establishment business been dispensed by Law n. 11.101/2005 and that this no has expressly on who will be responsible for payment of labor na tax liabilities oj debtor, needed it presents to analysis two devices legal to end is get na answer about: on who fall to requerimet oj payment band appropriations? In the Law n. 11.101/2005, appropriations labor can be satisfied through the book of sums - not case two credits turquoise of decision in to Labor Justice; in process to recover judicial, a form of payment will be no plane to recover which will count com to union employees participation oj and, in case to be decreed to oral oj debtor, their credit subsist against to bankrupt. For the appropriations tax that were not held of recover judicial or of process of oral will be considered extraconcursais and or payment will be earlier com precedenc on the other,while for debits tax previous to sale, these, the labor will be payments under the forces of mass, observed order of payment provided in art. 83 of Law n. 11.101/2005. Word-chave: company; preservation; establishment; sale; recover; bankruptcy; debt; succession; loans; payment.

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ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS

Art. – artigo

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CTN – Código Tributário Nacional

LC – Lei Complementar

LFRE – Lei de falências e recuperação de empresas

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 12

1 DO EXERCENTE DA ATIVIDADE EMPRESÁRIA E A FUNÇÃO SOCIAL DA

EMPRESA.................................................................................................................. 14

1.1 EMPRESÁRIO ..................................................................................................... 14

1.1.1 Conceituação................................................................................................... 14

1.1.2 Elementos que caracterizam o empresário................................................... 17

1.1.2.1 Capacidade jurídica........................................................................................ 18

1.1.2.2 Ausência de impedimento legal...................................................................... 18

1.1.2.3 Efetivo exercício profissional da empresa ...................................................... 19

1.1.2.4 Regime jurídico peculiar regulador da insolvência ......................................... 19

1.1.2.5 Registro .......................................................................................................... 20

1.2 SOCIEDADE EMPRESÁRIA................................................................................ 20

1.2.1 Conceituação................................................................................................... 20

1.2.2 Registro obrigatório ........................................................................................ 23

1.3 EMPRESA ............................................................................................................ 24

1.3.1 Conceituação................................................................................................... 24

1.3.2 A função social e o princípio da preservação da empresa.......................... 27

2. O ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL E SUA ALIENAÇÃO COMO MEIO DE

PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E FORMA DE REALIZAÇÃO DO ATIVO DA

FALÊNCIA ................................................................................................................. 33

2.1 CONCEITUAÇÃO ............................................................................................... 33

2.1.1 Natureza jurídica ............................................................................................. 37

2.1.2 Elementos que compõem o estabelecimento empresarial.......................... 38

2.2 A ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL COMO MEIO DE

PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E COMO FORMA DE REALIZAÇÃO DO ATIVO... 43

3. A ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL E OS EFEITOS

SOBRE A SUCESSÃO DAS DÍVIDAS FRENTE À LEI DE FALÊNCIAS E

RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ............................................................................ 54

3.1 A SUCESSÃO DAS DÍVIDAS NA NEGOCIAÇÃO VOLUNTÁRIA DO

ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL...................................................................... 54

3.1.1 Sucessão perante as obrigações trabalhistas.............................................. 57

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3.1.2 Sucessão perante as obrigações tributárias ................................................ 61

3.2 LEI N. 11.101/2005 – QUANDO PREVÊ E COMO DISPÕE ACERCA DA

SUCESSÃO DAS DÍVIDAS TRABALHISTAS E TRIBUTÁRIAS................................ 62

3.2.1 Possibilidades de satisfação dos créditos ante a ausência de sucessão no

âmbito trabalhista .................................................................................................... 66

3.2.2 Possibilidades de satisfação dos créditos ante a ausência de sucessão no

âmbito tributário ................................................................................................................... 79

CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 86

REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 89

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INTRODUÇÃO

Dentre os inúmeros temas possíveis de serem pesquisados na esfera

jurídica foi escolhida como objeto central do trabalho, tendo como embasamento

teórico as doutrinas e jurisprudências, a questão sucessória das dívidas

trabalhistas e tributárias na alienação do estabelecimento empresarial em face da

Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que regula a recuperação judicial a

extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.

O presente tema foi escolhido para o estudo, em virtude das inovações

advindas com a Lei n. 11.101/2005, que inseriu no ordenamento jurídico brasileiro

o instituto da recuperação judicial e dispõe sobre o princípio da preservação da

empresa em razão da função social que esta exerce no âmbito econômico e social.

E, especialmente, porque afastou a responsabilidade do arrematante de

estabelecimento empresarial, alienado como meio de recuperação judicial e forma

de realização do ativo no processo de falência, pelas dívidas trabalhistas e

tributárias existentes ao tempo da alienação.

A grande controvérsia gira em torno do pagamento das dívidas trabalhistas

e tributárias ante a ausência de sucessão do arrematante.

Por isso, este estudo tem por objetivo apontar as possíveis formas de

satisfação desses créditos e dessa forma, tentar melhor esclarecer a questão.

Trata-se de um tema de interesse e relevância para a sociedade como um

todo, pelas conseqüências que pode gerar numa lide, principalmente quando

invocada por credores em busca daquilo que lhes é devido.

Através do método dedutivo de abordagem, serão analisados os

dispositivos legais e as divergências existentes acerca do tema.

Desse modo, para tornar mais didático, o presente trabalho foi dividido em

três capítulos. No primeiro é abordado o conceito de empresário e sociedade

empresária, para então evoluir ao conceito de empresa, bem como esclarecer a

função social que esta exerce e o princípio que dispõe sobre a sua preservação,

para assim compreender o alcance da Lei n. 11.101/2005 e seus objetivos, a fim de

fundamentar a aplicação de seus dispositivos ao tema pesquisado.

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Em seqüência, no segundo capítulo, são apresentadas as noções de

estabelecimento empresarial e sua conceituação. Analisa-se a sua natureza

jurídica e os elementos que o compõem, para examiná-lo com atenção nos termos

da Lei n. 11.101/2005, como meio de preservação da empresa e como forma de

realização do ativo da falência.

Assentadas às bases da alienação judicial do estabelecimento

empresarial nos institutos da recuperação judicial e da falência, passa-se, no

terceiro capítulo, a discorrer sobre a sucessão das dívidas trabalhistas e tributárias

do devedor.

No início, procura-se demonstrar como a sucessão das dívidas é

regulada pelo Código Civil, no contrato de trespasse, bem como perante a

Consolidação das Leis do Trabalho e o Código Tributário Nacional. Em seguida,

analisam-se os dispositivos da Lei n. 11.101/2005 sobre a sucessão das dívidas

pelo adquirente do estabelecimento empresarial, sob o prisma doutrinário e, nos

momentos em que se julgam necessários, decisões jurisprudenciais atinentes à

matéria, mostrando as possíveis formas de recebimento dos créditos trabalhistas e

tributários no caso de recuperação judicial ou falência, ante a ausência de

sucessão pelo arrematante nas obrigações do devedor.

Por derradeiro e para finalizar, traça-se as considerações sobre toda a

matéria abordada no presente trabalho monográfico.

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1 DO EXERCENTE DA ATIVIDADE EMPRESÁRIA E A FUNÇÃO

SOCIAL DA EMPRESA

A Lei n. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, que regula a recuperação

judicial, a extrajudicial e a falência, nos termos do seu artigo 1°, aplica-se ao

devedor empresário e à sociedade empresária. Por oportuno, faz-se necessário

conceituar empresário e sociedade empresária, para então evoluir ao conceito de

empresa, bem como abordar a função social que esta exerce e o princípio que

dispõe sobre a sua preservação, este recepcionado e normatizado,

especificamente, no artigo 47 da lei em destaque.

Passa-se, então, a análise de cada um desses conceitos.

1.1 EMPRESÁRIO

1.1.1 Conceituação

O Código Civil apresenta o conceito de empresário em seu art. 966, in

verbis:

Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

E, o parágrafo único do referido dispositivo legal, exclui algumas atividades

da condição de empresário, nos seguintes termos:

Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

Por elemento de empresa, entende-se a organização dos fatores de

produção, quais sejam, capital, mão-de-obra, matéria-prima e tecnologia1, pelo

1 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. vol. 1. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 18.

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empresário, que os reúne e os administra para produzir ou circular bens ou

serviços2.

Diniz, em comentários ao artigo supracitado, define empresário como

sendo aquele que:

a) exerce, habitual e profissionalmente, atividade econômica organizada e técnica, para a produção ou a circulação de bens ou serviços, com o intuito de comercializá-los. [...]; b) investe capital, visando lucro [...]. A idéia de empresarialidade envolve a economicidade, a organização e a profissionalidade.3

Some-se, às demais, a conceituação de empresário adotada por

MAMEDE:

O empresário é aquele que, por sua atuação profissional e com intuito de obter vantagem econômica, torna a empresa possível. É ele quem produz e/ou faz circular bens e serviços, concretizando toda a gama dos atos negociais necessários para a existência da empresa, ou seja, para que seja mantida a prática constante dos atos voltados para a obtenção de vantagens econômicas, pela estrutura pessoal e procedimental estável que torna possível, bem como pela base material que aloca para o empreendimento4. [Grifo no original].

Segundo COELHO, do conceito legal de empresário devem ser

destacadas “as noções de profissionalismo, atividade econômica organizada e

produção ou circulação de bens ou serviços.”5.

Assim, para o Autor, a noção de profissionalismo se subdivide em

habitualidade no exercício da atividade; pessoalidade, por ser o próprio empresário

quem exerce a atividade e contrata os empregados que produzem ou circulam

bens ou serviços em seu nome, e por ser ele quem detém o monopólio das

informações sobre os bens ou serviços que oferta. No que se refere à atividade

econômica organizada, salienta o intuito de lucro e a organização dos fatores de

produção pelo empresário. E, por fim, por produção ou circulação de bens ou

2 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN,

2004, p. 389. 3 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 671. 4 MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro. Empresa e atuação empresarial. vol. 1. São Paulo: Atlas, 2004, p. 46. 5 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 6.

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serviços, destaca a fabricação de produtos ou mercadorias, a prestação de

serviços e a intermediação entre produtor e consumidor6.

O Código Civil de 2002, inspirado no Código Civil italiano de 1942, adotou

a teoria da empresa em substituição à teoria dos atos de comércio7, reconhecendo

a empresa, enquanto atividade econômica organizada para a produção ou

circulação de bens ou serviços, como foco principal do direito comercial8.

Neste contexto, para determinados doutrinadores, o empresário é,

também, considerado o antigo comerciante.

De acordo com MARTINS9, “com a evolução da importância das empresas

no exercício das atividades comerciais, os comerciantes são considerados

empresários, isto é, os chefes das empresas”. E, mais adiante complementa:

“Cogita-se comerciante na orientação atual do Direito Comercial o empresário,

pessoa natural, ou jurídica, que se encontra obrigatoriamente inscrita no Registro

de Empresas [...]”10.

No mesmo sentido, enfatiza REQUIÃO11: “Não há dúvida de que o

empresário, na linguagem do direito moderno, é o antigo comerciante.” Contudo,

atualmente, o conceito de empresário restou ampliado com a concepção do atual

diploma Civil pátrio. Nesse sentido, deve-se compreender empresário como “[...] o

sujeito que exercita a atividade empresarial; desenvolve uma atividade organizada

e técnica.”.

Também para ALMEIDA, o empresário equivale ao comerciante individual

e, nesse contexto, explicita o entendimento de BURGARELLI quando este afirma

6 Cf. COELHO, F. U. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. p. 6-9. 7 A teoria dos atos de comércio está diretamente ligada à evolução histórica do direito comercial e à codificação do mesmo, fato ocorrido em 1807, através do Código Comercial Napoleônico. Com a adoção dessa teoria, aboliu-se o subjetivismo corporativista - que considerava comerciante apenas as pessoas matriculadas nas corporações de ofício. Para a caracterização da atividade comercial bastavam que os atos praticados de forma profissional fossem considerados atos de comércio. A grande dificuldade dessa teoria está na ausência de definição para atos de comércio, ficando a cargo do legislador estabelecer quais atividades são consideradas comerciais; por esta razão, importantes atividades ficaram excluídas do direito comercial. Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. p. 14-16. 8 Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. p. 24-26. 9 MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 30. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 83. 10 MARTINS, F. Curso de direito comercial. p. 83. 11 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 76.

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que, ainda que o empresário tenha substituído à figura do comerciante, o conceito

daquele é mais amplo, posto que:

No conceito de empresário, inseriram-se elementos que, anteriormente, compunham o conceito de comerciante, acrescentando-se, porém, a forma de serviços, sob a ótica de atividade econômica por meio da qual se dá a circulação de riqueza12.

Desse modo, empresário, na concepção do conceito do artigo 966 do

Código Civil, é a pessoa física, denominada empresário individual, unipessoal ou

firma individual, que assume o risco e exerce profissionalmente a empresa, ou

seja, a atividade econômica organizada, por assim dizer, aquela atividade em que

o empresário organiza os fatores de produção, pondo em funcionamento um

estabelecimento empresarial13, ofertando bens e serviços ao mercado, em nome

próprio, com fins lucrativos.

Por se tratar de empresário individual, na qual exerce a atividade em nome

próprio, seu patrimônio se confunde com o de sua empresa.

1.1.2 Elementos que caracterizam o empresário

De conformidade com FAZZIO JÚNIOR14, para ser empresário faz-se

necessária à reunião de determinadas condições básicas, uma vez que o

exercente da atividade atua profissionalmente. Para tanto, o Autor cita cinco

elementos: “capacidade jurídica; ausência de impedimento legal para o exercício

da empresa; efetivo exercício profissional da empresa; regime jurídico peculiar

regulador da insolvência e registro.”.

Cabe, neste momento, esclarecer o significado de cada um desses

elementos.

12ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falências e recuperação de empresa. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 48. 13 Cf. BULGARELLI, W. Tratado de direito empresarial. p. 161. 14 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 50.

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1.1.2.1 Capacidade jurídica

O Código Civil em seu art. 972 dispõe acerca das condições para o

exercício da atividade empresarial, nos seguintes termos: “Podem exercer a

atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não

forem legalmente impedidos.”.

A capacidade jurídica para ser empresário individual refere-se à

capacidade civil da pessoa natural que irá exercer a empresa. Destarte,

capacidade civil é a capacidade para praticar os atos da vida civil, ou seja, a

aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações. Conforme prevê o art. 5° do

Código Civil15, essa capacidade advém aos dezoito anos ou, em alguns casos, por

conta da emancipação, que significa adquirir a capacidade civil antes da

maioridade prevista em lei, ou seja, antes de completar dezoito anos16.

Nos casos de incapacidade, o art. 974 do Código Civil autoriza o agente

incapaz a continuar o exercício da atividade empresarial “antes exercida por ele

enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor da herança”17, desde que esteja

representado ou assistido e com prévia autorização judicial.

1.1.2.2 Ausência de impedimento legal

O impedimento legal, igualmente disposto no art. 972 do Código Civil, não

se refere à capacidade da pessoa natural para o exercício da empresa, esses

impedimentos decorrem da incompatibilidade da atividade de empresário com a

função que a pessoa exerce e estão previstos em legislação específica18.

15 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. “Art. 5° A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade: I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; II – pelo casamento; III – pelo exercício de emprego público efetivo; IV – pela colação de grau em curso de ensino superior; V – pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.”. 16 Cf. DINIZ, M. H. Código Civil anotado. p. 17-19. 17 BRASIL. Lei n. 10.406/02. Art. 974. 18 Cf. FAZZIO JÚNIOR, W. Manual de direito comercial. p. 54.

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Por sua vez, o art. 973 do Código Civil determina a responsabilidade pelas

obrigações contraídas por pessoa legalmente impedida que exerça a atividade de

empresário19.

1.1.2.3 Efetivo exercício profissional da empresa

Por efetivo exercício profissional da empresa compreende-se a prática não

eventual, ou seja, habitual, em nome próprio, por se tratar de empresário

unipessoal e com a finalidade de lucrar20.

Nesse sentido, FAZZIO JÚNIOR21 ressalta que, ainda que exercida de

forma profissional, a atividade empresarial não precisa ser exclusiva, referindo-se à

possibilidade de o empresário ter outra profissão, desde que ausente o

impedimento legal.

1.1.2.4 Regime jurídico peculiar regulador da insolvência

O regime jurídico peculiar refere-se ao tratamento diferenciado dado pela

legislação ao empresário. Isso quer dizer que o empresário insolvente não se

submete à execução por quantia certa contra devedor insolvente regulada pelo

Código de Processo Civil. Ao contrário, submete-se à lei de falências e

recuperação de empresas22, que tem como objetivo a preservação da atividade

empresarial e, para tanto, dispõe de diversos mecanismos para possibilitar a sua

recuperação.

19 BRASIL. Lei n. 10.406/02. “Art. 973. A pessoa legalmente impedida de exercer atividade própria de empresário, se a exercer, responderá pelas obrigações contraídas.”. 20 Cf. BULGARELLI, Waldirio. Tratado de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1995, p. 201. 21 FAZZIO JÚNIOR, W. Manual de direito comercial. p. 58. 22 Cf. FAZZIO JÚNIOR, W. Manual de direito comercial. p. 59.

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20

1.1.2.5 Registro

É obrigação do empresário, nos termos do art. 967 do Código Civil23,

registrar-se no Registro Público de Empresas Mercantis, antes de iniciar suas

atividades24, de acordo com as exigências enumeradas pelo art. 968 do mesmo

diploma legal25. Por oportuno, deve-se esclarecer que o Registro de Empresas fica

a cargo da Junta Comercial, que é o órgão estadual responsável pela execução

desse registro.

Após a análise da conceituação de empresário, bem como de uma breve

síntese acerca dos elementos que o caracterizam, cabe ressaltar, neste estágio do

presente trabalho, que o exercício da atividade empresarial pode ser exercido

individualmente, através do empresário individual ou, coletivamente, por meio da

sociedade empresária. Assim sendo, passa-se a abordar a conceituação de

sociedade empresária.

1.2 SOCIEDADE EMPRESÁRIA

1.2.1 Conceituação

O conceito de sociedade empresária é extraído da regra do art. 982 do

Código Civil, nestes termos:

Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.

23 BRASIL. Lei n. 10.406/02. “Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.”. 24 Cf. DINIZ, M. H. Código Civil anotado. p. 804. 25 BRASIL. Lei n. 10.406/02. “Art. 968. A inscrição do empresário far-se-á mediante requerimento que contenha: I – o seu nome, nacionalidade, domicílio, estado civil e, se casado, o regime de bens; II – a firma, com a respectiva assinatura autógrafa; III – o capital; IV – o objeto e a sede da empresa.”.

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21

Da leitura do dispositivo legal, pode-se perceber que o legislador ao tempo

em que define a sociedade empresária, remete o objeto desta ao exercício de

“atividade própria de empresário”.

Portanto, pode-se assegurar que quando pessoas se reúnem para explorar

profissionalmente uma atividade econômica organizada, com o objetivo de produzir

ou fazer circular bens ou serviços e com o intuito de dividir os lucros obtidos com

essa atividade, tem-se uma sociedade empresária.

Desse modo, apresentam-se conceitos de sociedade empresária. Para

COELHO a sociedade empresária “é a que explora sua atividade de forma

empresarial, isto é, organizada”26.

Também ALMEIDA, ao abordar o tema, afirma que a sociedade

empresária

[...] é aquela estruturada empresarialmente, reunindo todos os fatores produtivos – empresários (capital), força laboral (empregados), estabelecimento e atividade voltada para a produção e circulação de bens ou de serviços27.

Na definição de DINIZ, sociedade empresária

É aquela pessoa jurídica que visa ao lucro ou ao resultado econômico, mediante exercício habitual de atividade econômica organizada como a exercida por empresário, sujeito a registro (CC, art. 967), com o escopo de obter a produção ou circulação de bens ou de serviços no mercado28.

Na mesma esteira, FAZZIO JÚNIOR identifica a sociedade empresária na

“pessoa jurídica de direito privado, implementada por um contrato, cujo objeto

social é a exploração de atividade empresarial, ou que, independentemente de seu

objeto, adota a forma societária por ações”29.

Na concepção de NEGRÃO, sociedade empresária

[...] é o contrato celebrado entre pessoas físicas ou jurídicas, ou somente entre pessoas físicas (art. 1.039), por meio do qual estas se obrigam reciprocamente a contribuir, com bens ou serviços,

26 COELHO, F. U. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. p. 19. 27 ALMEIDA, A. P. de. Curso de falência e recuperação de empresa. p. 49. 28 DINIZ, M. H. Código civil anotado. p. 686. 29 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Curso de direito comercial. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 32.

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para o exercício de atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços30.

E, de acordo com os ensinamentos de MARTINS:

Denomina-se sociedade empresária a organização proveniente de acordo de duas ou mais pessoas, que pactuam a reunião de capitais e trabalho para um fim lucrativo; uma vez criada, e adquirindo personalidade jurídica, a sociedade se autonomiza, separando-se das pessoas que a constituíram31.

Importante ressaltar que as pessoas que compõem a sociedade

empresária não são empresárias e sim, sócias da sociedade empresária.

Nesse sentido, pondera COELHO:

A sociedade por elas constituída, uma pessoa jurídica com personalidade autônoma, sujeito de direito independente, é que será empresária, para todos os feitos legais. Os sócios da sociedade são empreendedores ou investidores (os empreendedores, além de capital, costumam devotar também trabalho à pessoa jurídica, na condição de seus administradores, ou as controlam; os investidores limitam-se a aportar capital). As regras que são aplicáveis ao empresário individual não se aplicam aos sócios da sociedade empresária.32

Sobre a constituição da sociedade, o art. 981 do Código Civil estabelece:

Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício da atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

Da análise do artigo supracitado, verifica-se que a legislação exige mais de

uma pessoa para a formação de uma sociedade empresária, não existindo

sociedade unipessoal, salvo as exceções previstas no art. 251 da Lei n.

6.404/197633 e no art. 1.033, inciso IV, do Código Civil34.

Em comentários sobre o contrato de sociedade, RIZZARDO pontifica:

30 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. vol.1. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 235. 31 MARTINS, F. Curso de direito comercial. p 169. 32 COELHO, F. U. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. p. 18. 33 BRASIL. Lei n. 6.404, de 15.12.1976, dispõe sobre as Sociedades por Ações. “Art. 251. A companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo como único acionista sociedade brasileira.”. 34 BRASIL. Lei n. 10.406/02. “Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: IV – a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias; [...].”.

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23

O pressuposto básico que caracteriza o contrato de sociedade está na reunião de pessoas para a finalidade de partilhar os resultados, isto é, os lucros, de determinada atividade.35

Contudo, os empreendedores para constituírem uma sociedade, somente

poderão fazê-lo mediante um dos tipos previstos no ordenamento jurídico

brasileiro.

Desse modo, o art. 983 do Código Civil preconiza que a sociedade

empresária deve ser constituída assumindo a forma de um dos tipos societários

previstos nos artigos. 1.039 a 1.092 do Código Civil e, que são eles: sociedade em

nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade em comandita por

ações, sociedade limitada e sociedade anônima.

Nesse contexto, tem-se a sociedade empresária como a pessoa jurídica,

composta de duas ou mais pessoas, que se reúnem para atingir um objetivo

comum. Tal objetivo consiste em explorar uma atividade econômica organizada

para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, através de um complexo

de bens organizados, com intuito de obter lucro e dividindo os resultados entre si.

Neste caso, é a sociedade enquanto pessoa jurídica que exerce a empresa, não os

sócios que a compõem, portanto, o patrimônio dos sócios não se confunde com o

da sociedade empresária.

1.2.2 Registro obrigatório

Assim como o empresário, a sociedade empresária passa a existir

legalmente com o registro de seu ato constitutivo no órgão competente. Este é o

teor do art. 998 do Código Civil: “Nos trinta dias subseqüentes à sua constituição, a

sociedade deverá requerer a inscrição do contrato social no Registro Civil das

Pessoas Jurídicas do local de sua sede.”

De igual modo dispõe o art. 1.150 do Código Civil: “O empresário e a

sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a

cargo das Juntas Comerciais [...].”

A respeito dos efeitos do registro, DINIZ pondera: 35 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 71.

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No momento em que se operar o assento do seu contrato social, a pessoa jurídica começa a existir, passando a ter aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações, tendo capacidade patrimonial e adquirindo vida própria e autônoma, por ser uma nova unidade orgânica. Com tal registro, o conteúdo do pacto social passará a ser oponível erga omnes. Todos os atos da pessoa jurídica serão tidos como atos próprios, consequentemente os atos praticados individualmente por seus sócios nada terão que ver com ela. A pessoa jurídica terá nome, patrimônio, nacionalidade e domicílio diversos dos de seus sócios.36

A sociedade empresária é, portanto, uma sociedade personificada, que

adquire personalidade jurídica com o registro no órgão competente – Registro

Público de Empresas Mercantis, a cargo da Junta Comercial do seu Estado,

adquirindo, desta feita, vida jurídica própria, distinta da de seus membros37. O que

implica em dizer que será a pessoa jurídica que realizará os negócios por

intermédio de seus representantes, por ser ela a titular de direitos e obrigações.

1.3 EMPRESA

1.3.1 Conceituação

A legislação não traz a definição de empresa, apresenta apenas o conceito

de empresário; sua definição decorre, portanto, do conceito legal deste.

Conforme exposto inicialmente, de acordo com o art. 966 do Código Civil:

“Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica

organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.

Em análise ao dispositivo legal, tem-se como empresário a pessoa natural

que exerce a empresa e, por conseguinte, a empresa como atividade econômica

organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, excetuando-se, nos

termos do já citado parágrafo único do art. 966 do Código Civil: “quem exerce

profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o

36 DINIZ, M. H. Código civil anotado. p. 699. 37 Cf. RIZZARDO, A. Direito de empresa. p. 22.

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concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão

constituir elemento de empresa”.

Nos dizeres de COELHO:

É possível extrair, deste conceito legal de empresário, o de empresa. Se empresário é definido como o profissional exercente de ‘atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços’, a empresa somente pode ser a atividade com estas características.38

Vale observar que, quando se fala em atividade econômica organizada,

deve-se ter em mente a presença dos elementos de empresa o que, conforme

esclarecido no momento em que se conceituou o empresário compreende a

organização os fatores de produção para a produção ou circulação de bens ou

serviços.

Para REQUIÃO: “[…] no ângulo do direito comercial, empresa, na acepção

jurídica, significa uma atividade exercida pelo empresário”39.

E, na definição de FAZZIO JÚNIOR: A empresa não é um sujeito de direitos e obrigações. É uma atividade e, como tal pode ser desenvolvida pelo empresário unipessoal ou pela sociedade empresária. Quer dizer, pela pessoa natural do empresário individual, ou pela pessoa jurídica contratual ou estatutária da sociedade empresária40.

COELHO, por sua vez, conceitua empresa como:

[…] atividade, cuja marca essencial é a obtenção de lucros, com o oferecimento ao mercado de bens ou serviços, gerados estes mediante a organização dos fatores de produção (força de trabalho, matéria-prima, capital e tecnologia)41.

Some-se o entendimento de BULGARELLI42 ao conceituar empresa como

“atividade econômica organizada de produção e circulação de bens e serviços para

o mercado, exercida pelo empresário, em caráter profissional, através de um

complexo de bens”. (Grifo no original). E, mais adiante, ao destacar a colocação de

Oscar Barreto Filho, complementa: ‘O empresário é um sujeito de direito, e a

38 COELHO, F. U. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. p.10. 39 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, v.1. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.51. 40 FAZZIO JÚNIOR, W. Manual de direito comercial. p.49. 41 COELHO, F. U. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. p. 1. 42 BULGARELLI, W. Tratado de direito empresarial. p.100.

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empresa é a atividade por ele organizada e desenvolvida, através do instrumento

adequado que é o estabelecimento’.

Como visto, devido à ausência de definição legal, a doutrina se encarregou

de buscar um conceito jurídico para empresa, para tanto, utilizou diferentes

aspectos, sendo relevante no contexto atual, em consonância com a evolução

doutrinária acerca da teoria da empresa, apenas o aspecto funcional, justamente

por ser este o que identifica a empresa como atividade exercida pelo empresário.43

Dado que o conceito de empresa deriva do conceito de empresário, a

doutrina aponta a empresa como entidade jurídica abstrata44, ou seja, não se pode

materializá-la, confundindo-a com o local em que é exercida, tampouco com a

pessoa que a exerce.

Nesse contexto, CAMPINHO destaca que a empresa “[...] apresenta-se

como elemento abstrato, sendo fruto da ação intencional do seu titular, o

empresário, em promover o exercício da atividade econômica de forma

organizada”45.

COELHO entende da mesma forma, asseverando que se a empresa é

reconhecida como atividade:

[...] o conceito é sinônimo de empreendimento e denota uma abstração, um conjunto de atos racionais e seriais organizados pelo empresário com vistas à produção ou circulação de bens ou serviços46.

E, para elucidar o tema, extrai-se o entendimento de REQUIÃO:

É da ação intencional (elemento abstrato) do empresário em exercitar a atividade econômica que surge a empresa. [...] Daí por que o conceito de empresa se firma na idéia de que é ela o exercício de atividade produtiva. E do exercício de uma atividade não se tem senão uma idéia abstrata. [Grifo no original]47.

Tem-se, em síntese, a empresa como a atividade econômica organizada

para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. A atividade (empresa) é

exercida pelo empresário, que pode ser pessoa natural, quando a exerce

43 Cf. COELHO, F. U. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. p. 3. 44 Cf. REQUIÃO, R. Curso de direito comercial, v.1. p.59. 45 CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 11. 46 COELHO, F. U. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. p. 3. 47 REQUIÃO, R. Curso de direito comercial, v.1.p. 59-60.

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individualmente, ou, pessoa jurídica, denominada sociedade empresária, através

de um complexo de bens organizado48. A esse conjunto de bens organizados dá-se

o nome de estabelecimento empresarial.

Concebida a empresa, sob um enfoque conceitual técnico e representativo

da atividade econômica organizada, deve-se compreender a exigência do

cumprimento de sua função. Por esta razão, passa-se a enfrentar, no item a seguir,

a função social, assim como o princípio da preservação da atividade.

1.3.2 A função social e o princípio da preservação da empresa

Com o desenvolvimento das atividades empresariais na economia atual, a

empresa passou a exercer além de importante função econômica, relevante função

social. Isto porque, a atividade empresarial inicialmente exercida para gerar lucros

em benefício exclusivo do empresário ou dos sócios da sociedade empresária,

tomou proporções muito maiores, envolvendo interesses como o dos empregados,

credores, consumidores e da comunidade em que a empresa está inserida49.

Diante desse quadro, PERIN JUNIOR, citando os ensinamentos de

COMPARATO, ressalta a empresa como instituição social influente e representante

do dinamismo e poder de transformação. E, mais adiante transcreve:

É dela que depende, diretamente, a subsistência da maior parte a população ativa deste país, pela organização do trabalho assalariado. [...]. É das empresas que provém a grande maioria dos bens e serviços consumidos pelo povo, e é delas que o Estado retira a parcela maior de suas receitas fiscais. É em torno da empresa, ademais, que gravitam vários agentes econômicos não-assalariados, como investidores de capital, os fornecedores, os prestadores de serviço50.

No mesmo sentido, DONADELI destaca:

A empresa é hoje a responsável pela produção e comercialização em massa, pelo crescente progresso tecnológico, é criadora de inúmeros postos de empregos, formadora de mão de obra qualificada, produtora de equipamentos indispensáveis, geradora de recursos e divisas, incontestavelmente a maior recolhedora de

48 Cf. BULGARELLI, W. Tratado de direito empresarial. p.100. 49 Cf. LAMY FILHO, Alfredo. A lei das S/A. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 95-96. 50 Cf. PERIN JUNIOR, Ecio. Curso de direito falimentar e recuperação de empresas. 3. ed. São Paulo: Método, 2006, p. 41.

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impostos, enfim, é fonte inenarrável de riquezas e benefícios, sem os quais a sociedade não pode mais desvencilhar.51

A empresa, como observa CAVALLAZZI FILHO52, por ser uma atividade

exercida através de “um conjunto de bens (materiais e imateriais), tornou-se um

desdobramento da Propriedade Privada com importante papel no desenvolvimento

da Ordem Econômica nacional.”.

E, neste contexto, se submete às ações do Estado sobre o domínio

econômico, bem como aos princípios gerais da atividade econômica, previstos no

art. 170 da Constituição Federal53, neste contido o princípio da função social da

propriedade, do qual deriva a função social da empresa54.

A Constituição Federal inseriu o direito de propriedade como garantia

fundamental em seu art. 5°, inciso XXII e dispôs no inciso XXIII que “a propriedade

atenderá a sua função social”. Para SILVA:

Essa disposição já bastava para que toda forma de propriedade fosse intrinsecamente permeada daquele princípio constitucional, mas a Constituição não se limitou a isso. Reafirmou a instituição da propriedade privada e a sua função social como princípios da ordem econômica (art. 170, II e III), relativizando, assim, seu significado [...]55.

Ao condicionar o direito de propriedade56 à função social, a Constituição

Federal não pretende suprimir a propriedade privada, mas, afastar

[...] interesses eminentemente privatísticos prejudiciais em detrimento do benefício maior de uma coletividade, de forma que, para haver tal equilíbrio, o Estado limitará e/ou estabelecerá regras à sua utilização na conformidade do benefício comunitário57.

51 DONADELI, Paulo Henrique Miotto. O caráter social da empresa: a reorganização como nova disciplina jurídica da empresa. Revista jurídica do centro de ensino superior de Jataí – CESUT, Jataí/GO, vol. 5, p. 11-20, 1° sem. 2003. 52 CAVALLAZZI FILHO, Tullo. A função social da empresa e seu fundamento constitucional. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006, p. 119. 53 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]”. 54 CAVALLAZZI FILHO, T. A função social da empresa e seu fundamento constitucional. p. 120. 55 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 281. 56 “DIREITO DE PROPRIEDADE. [...] revela a faculdade ou o poder de usar, gozar e dispor da coisa.” [Grifo no original]. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 19. ed. Rio de Janeiro: 2002, p. 272. 57 RONCONI, Diego Richard. Falência & Recuperação de empresas. Análise da utilidade social de ambos os institutos. Itajaí: Univali, 2002, p. 54.

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CAVALLAZZI FILHO transcrevendo lição de SALOMÃO FILHO observa a

respeito da aplicação do princípio da função social a outros institutos, incluindo,

nestes a atividade empresarial. Nesse sentido, pontifica:

Cedo fica evidente, na própria teoria constitucional, que a abrangência do termo (Função Social) tinha de ser ampliada. No campo empresarial, em virtude da influência e relevância para a vida social, essa ampliação é fundamental58.

Extremamente atual é a lição do Ministro Eros Roberto GRAU, ao dispor

sobre a função social e a propriedade dos bens de produção59:

O princípio da função social, para logo se vê, ganha substancialidade precisamente quando aplicado à propriedade dos bens de produção, ou seja, na disciplina jurídica da propriedade de tais bens, implementada sob compromisso com a sua destinação. A propriedade sobre a qual em maior intensidade reflete os efeitos do princípio é justamente a propriedade, dinâmica, dos bens de produção. Na verdade, ao nos referirmos à função social dos bens de produção em dinamismo, estamos a aludir à função social da empresa.60

Especificamente, no que se refere ao direito falimentar, RONCONI ressalta

que, em razão da relevância social que a empresa possui, o Poder público, assim

como os proprietários da empresa, deve intervir na proteção e conservação dos

bens que a compõem, pois

[...] o interesse na manutenção e conservação de tais bens, se estende, no caso, a uma gama de indivíduos que pretendem que seus direitos de crédito e mesmo de trabalho [...] sejam amplamente assegurados61.

Atender a função social da empresa significa exercer a atividade

empresarial focando não apenas o lucro e o simples cumprimento das obrigações

que lhe são atribuídas, como o pagamento dos tributos, pois são inerentes à

atividade.

58 CAVALLAZZI FILHO, T. A função social da empresa e seu fundamento constitucional. p. 114. 59 “São conhecidos como bens de produção ou bens de capital, os equipamentos e instalações, ou seja: bens e serviços, adquiridos pelas empresas no seu processo produtivo; a fim de gerar outros bens e serviços.”. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Bens_de_produ%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: setembro de 2008. 60 GRAU, Eros Roberto. Elementos de direito econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 128. 61 RONCONI, D. R. Falência & Recuperação de empresas. Análise da utilidade social de ambos os institutos. p. 54.

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A função social implica em, no exercício da atividade, visar, além do lucro,

resultados que contribuam para o desenvolvimento da sociedade, em acordo com

os ditames da ordem econômica e social exarados na Constituição Federal62.

Em observância à função social da empresa, a Lei n. 11.101/2005 inseriu

no ordenamento jurídico o instituto da recuperação judicial, o qual recepcionou e

normatizou expressamente o princípio da preservação da empresa,

especificamente no capítulo III, seção I, nos seguintes termos:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

É possível extrair da regra do dispositivo legal supracitado, que dentre as

inovações previstas na Lei n. 11.101/2005, o mecanismo de recuperar as

empresas economicamente viáveis63, e que passam por dificuldades econômicas,

financeiras e patrimoniais, objetiva, fundamentalmente, a sua preservação. Busca-

se manter a empresa com o intuito de proteger os trabalhadores, através da

manutenção de seus empregos, bem como de proporcionar a participação ativa

dos credores para a satisfação de seus créditos e em benefício do fisco e da

sociedade como um todo, em observância à função social da empresa.

Importante salientar, ainda que incorrendo em vício tautológico, o princípio

da preservação da empresa tem como objetivo a manutenção da empresa

enquanto fonte produtora, ou seja, o que se prioriza é a preservação da atividade

econômica, tendo em vista que as conseqüências negativas da quebra de uma

empresa atingem além do empresário ou da sociedade empresária, os

empregados, credores, consumidores, o fisco, a sociedade enfim.

Acerca do tema, MAMEDE considera que:

A proteção da empresa, portanto, não é proteção do empresário, nem da sociedade empresária, mas proteção da comunidade e do Estado que se beneficiam – no mínimo indiretamente – com a sua atividade. [...] corolário do princípio da função social da empresa é o princípio da preservação da empresa, metanorma que é

62

CAVALLAZZI FILHO, T. A função social da empresa e seu fundamento constitucional. p. 122. 63 “O exame de viabilidade deve ser feito, pelo Judiciário, em função de vetores como os seguintes: a) Importância social; b) Mão-de-obra e tecnologia empregadas; c) Volume do ativo e passivo; d) Tempo da empresa; e) Porte econômico.” (Grifo no original). COELHO, F. U. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. p. 127-129.

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diretamente decorrente da anterior: é preciso preservar a empresa para que ela cumpra a sua função social64.

De igual modo, assevera BEZERRA FILHO:

[...] a manutenção do funcionamento da empresa é de interesse social acentuado de tal forma que o projeto permite o afastamento dos sócios (pessoas físicas) e a manutenção da empresa funcionando, se necessário, com outros administradores, e sob a fiscalização do Judiciário65.

A fim de possibilitar a preservação da empresa, a Lei n. 11.101/2005

estabelece duas formas de recuperação, a judicial e a extrajudicial. Como ensina

COELHO:

[...] a lei contempla duas medidas judiciais com o objetivo de evitar que a crise na empresa acarrete a falência de quem a explora. De um lado, a recuperação judicial; de outro, a homologação judicial de acordo de recuperação extrajudicial. Os objetivos delas são iguais: saneamento da crise econômico-financeira e patrimonial, preservação da atividade econômica e dos seus postos de trabalho, bem como o atendimento aos interesses dos credores. Diz-se que, recuperada, a empresa poderá cumprir sua função social66.

O princípio da preservação da empresa visa proteger os interesses de

todos os envolvidos na atividade empresarial; para tanto, “observada a legislação

pertinente a cada caso”, a Lei n. 11.101/2005 dispõe, em seu art. 5067, de um rol

64 MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro. Falência e recuperação de empresas. vol. 4. São Paulo: Atlas, 2006, p. 182. 65 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova lei de recuperação e falências comentada. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 130. 66 COELHO, F. U. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. p. 114. 67 BRASIL. Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. “Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros: I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas; II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente; III – alteração do controle societário; IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos; V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar; VI – aumento de capital social; VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados; VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva; IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro; X – constituição de sociedade de credores; XI – venda parcial dos bens; XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica; XIII – usufruto da

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exemplificativo dos meios de recuperação judicial, na tentativa de preservar a

empresa em crise68.

Interessante e relevante para o contexto da presente pesquisa é a

conclusão a que chegaram RAMALHO ZANOTI e DEPES ZANOTI na análise da

aplicação do princípio da preservação da empresa nos dispositivos da Lei n.

11.101/2005:

[...] o maior avanço no campo da preservação da empresa está contido no Art. 141, inciso II, que prevê a eliminação de todo e qualquer risco de sucessão tributária, previdenciária e trabalhista, para o empresário ou grupo corporativo que adquirir o fundo de comércio ou o estabelecimento comercial da empresa falida, ainda que em partes. Ou seja, há possibilidade de que, a empresa falida ou até mesmo aquela que está em fase de recuperação judicial, sofra alienação somente de seus ativos saudáveis, mantendo-se a chamada ‘parte podre’ com a massa69.

Nota-se, por todo exposto acima, que a Lei n. 11.101/2005 transcendeu as

preocupações com as relações entre devedor e credor, como ocorria na prática da

vigência do Decreto-lei n.7.661/194570, focando suas preocupações na

manutenção da empresa, em razão do que esta representa atualmente, tanto no

âmbito econômico quanto no social.

empresa; XIV – administração compartilhada; XV – emissão de valores mobiliários; XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.”. 68 COELHO, F. U. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. p. 370. 69 ZANOTI, Luiz Antonio Ramalho; ZANOTI, André Luiz Depes. A preservação da empresa sob o enfoque da nova lei de falência e de recuperação de empresas. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9874>. Acesso em: setembro de 2008. 70

O Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945 que disciplinava o instituto da Falência e da Concordata foi revogado pela Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.

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2. O ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL E SUA ALIENAÇÃO

COMO MEIO DE PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E FORMA DE

REALIZAÇÃO DO ATIVO DA FALÊNCIA

O estabelecimento empresarial como “complexo de bens organizado, para

exercício da empresa” integra o patrimônio do empresário ou sociedade

empresária e responde pelas obrigações por ele assumidas, sujeitando-se, nestes

termos, à Lei n. 11.101/2005 – Lei de falências e recuperação de empresas.

Por isso, passa-se a abordar, as noções de estabelecimento empresarial,

sua conceituação, natureza jurídica e elementos que o compõem, para analisá-lo

sob o prisma da Lei n. 11.101/2005, como meio de recuperação judicial e como

forma de realização do ativo da falência.

2.1 CONCEITUAÇÃO

Para melhor entendimento acerca do estabelecimento empresarial,

imperioso expor, inicialmente, as diferentes denominações atribuídas ao mesmo.

Nesse sentido, comenta MARTINS:

A noção de fundo de comércio é inerente à propriedade incorpórea do comerciante; capaz de ser objeto de alienação, surge pela primeira vez em França, na lei fiscal de 28 de fevereiro de 1872. Na Itália, a expressão usada é azienda, na Espanha, hacienda, e na Inglaterra, goodwill. Na Alemanha, as expressões equivalentes são Geschaft ou Handelsgeschaft. [Grifo no original].71

No Brasil, conforme lição de REQUIÃO:

[...] aplicam-se comumente, as expressões fundo de comércio, por influência dos escritores franceses (fonds de commerce), e azienda, por inspiração dos juristas italianos, como sinônimas de estabelecimento comercial. [Grifo no original].72

CAMPINHO observa, ainda que:

O novo Código Civil veio adotar, simplesmente, a designação de ‘estabelecimento’. Mas preferimos utilizar a expressão

71 MARTINS, F. Curso de direito comercial. p. 412. 72 REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. p. 270.

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‘estabelecimento empresarial’, tendo por referência histórica a terminologia francamente consagrada no Direito brasileiro de ‘estabelecimento comercial’.73

A propósito, como bem observado por CAMPINHO, a expressão

“estabelecimento empresarial” não foi adotada pelo Código Civil de 2002, que o

denomina apenas “estabelecimento”. Contudo, FÉRES explica que por seu

conceito estar inserido no direito de empresa e “vinculando este à figura do

empresário ou à da sociedade empresária, é de melhor técnica usar-se a

designação estabelecimento empresarial.74

Igualmente relevante para a perfeita compreensão do tema, é o

esclarecimento acerca do conceito comum atribuído ao estabelecimento

empresarial.

É frequente o uso da denominação “estabelecimento” para indicar o “local”

em que se exerce a atividade empresarial. Essa confusão decorre da imprecisão

no uso da expressão “estabelecimento”, que pode ser verificada na legislação

brasileira e mesmo no significado atribuído à palavra pelos dicionários.

Para ilustrar, extrai-se o comentário de BULGARELLI:

A Consolidação das Leis do Trabalho [...] No art. 6° ao dispor que não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, em presente a conotação de local de exercício da empresa. [Grifo no original].75

Somem-se os apontamentos de FÉRES:

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa aponta o significado de “casa comercial ou industrial” para o significante estabelecimento. Essa, sem dúvida, é a idéia que a expressão transmite às pessoas em geral. Assim, a noção vulgar de estabelecimento revela a idéia do local onde o empresário se encontra com a sua clientela. É no estabelecimento que o agente econômico executa sua atividade de produção e distribuição de bens e serviços.76

Após os esclarecimentos iniciais, passa-se a examinar a conceituação de

estabelecimento empresarial.

73 CAMPINHO, S. O direito de empresa. p. 296. 74 FÉRES, Marcelo Andrade. Estabelecimento empresarial. Trespasse e efeitos obrigacionais. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 5. 75 BULGARELLI, W. Tratado de direito empresarial. p. 35-36. 76 FÉRES, M. A. Estabelecimento empresarial. Trespasse e efeitos obrigacionais. p. 1-2.

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O Código Civil o contempla em seu art. 1.142: “Considera-se

estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa,

por empresário, ou por sociedade empresária.”.

De acordo com o dispositivo legal acima transcrito, para a exploração de

uma atividade econômica destinada a produzir ou circular bens ou serviços, o

empresário ou sociedade empresária precisa reunir elementos necessários que

viabilizem a prática dessa atividade. O conjunto desses elementos para o fim

específico de exercer a atividade empresarial denomina-se estabelecimento

empresarial.

O estabelecimento empresarial, conforme REQUIÃO

[...] é o instrumento da atividade do empresário. Com ele o empresário comercial aparelha-se para exercer sua atividade. Forma o fundo de comércio a base física da empresa, constituindo um instrumento da atividade empresarial. [Grifo no original].77

Para COELHO:

Estabelecimento empresarial é o conjunto de bens que o empresário reúne para exploração de sua atividade econômica. Compreende os bens indispensáveis ou úteis ao desenvolvimento da empresa, como as mercadorias em estoque, máquinas, veículos, marca e outros sinais distintivos, tecnologia, etc. Trata-se de elemento indissociável à empresa. Não existe como dar início à exploração de qualquer atividade empresarial, sem a organização de um estabelecimento.78

Na mesma linha, DINIZ define:

Estabelecimento é o complexo de bens de natureza variada, materiais (mercadorias, máquinas, imóveis, veículos, equipamentos etc.) ou imateriais (marcas, patentes, tecnologia, ponto etc.) reunidos e organizados pelo empresário ou pela sociedade empresária, por serem necessários ou úteis ao desenvolvimento e exploração de sua atividade econômica, ou melhor, ao exercício da empresa. [...], trata-se de elemento essencial à empresa, pois impossível é qualquer atividade empresarial sem que antes se organize um estabelecimento, que é o centro de suas decisões, pois nele atua o empresário e a sociedade empresária.79

BULGARELLI, reportando-se ao estudo de Oscar Barreto Filho sobre o

estabelecimento na teoria jurídica da empresa, transcreve:

77 REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. p. 270. 78 COELHO, F. U. Curso de direito comercial. p. 96. 79 DINIZ, M. H. Código civil anotado. p. 798.

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’O exercício da atividade econômica organizada pelo empresário pressupõe, necessariamente, uma base econômica, ou seja, um complexo de bens que constituem o instrumento e, de certo modo, o objeto do seu trabalho. Esse complexo de bens destinados pelo empresário ao exercício da empresa é a fazenda ou estabelecimento. Nesse sentido, pode-se dizer que o estabelecimento representa a projeção patrimonial da empresa, ou com precisão maior, o organismo técnico-econômico, por cujo intermédio se realiza a coordenação dos fatores da produção pela qual a empresa atua e se desenvolve.’80

FÉRES, em análise ao conceito legal de estabelecimento, destaca a

predominância do “complexo de bens” e da “organização” e salienta que:

O empresário utiliza-se de bens para a consecução de sua atividade econômica. O conjunto de bens que corporifica o estabelecimento assume, portanto, um nítido caráter instrumental para a empresa (atividade). Ele constitui a base concreta para o agir do empresário. Ao seu turno, o segundo elemento do conceito de azienda é a organização. Os bens componentes do estabelecimento formam um conjunto articulado, conexo, no qual cada parte é importante para o todo. A reunião dos vários bens organizados gera uma aptidão do complexo distinta daquela dos bens singularmente considerados81.

Pode-se inferir dos conceitos apresentados, a impossibilidade do exercício

de uma atividade empresarial sem a reunião dos elementos necessários, ou

melhor, sem a organização de um estabelecimento empresarial.

Salienta-se que o estabelecimento empresarial enquanto complexo de

bens não se confunde com estes, sendo considerado um único bem, que faz parte

do patrimônio ativo do empresário ou sociedade empresária, e que somente

subsiste enquanto perdurar a reunião destes bens para a prática empresarial.82

80 BULGARELLI, W. Tratado de direito empresarial. p.100-101. 81

FÉRES, M. A. Estabelecimento empresarial. Trespasse e efeitos obrigacionais. p. 11. 82

OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 479.

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2.1.1 Natureza jurídica

Como ensina FÉRES, antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002,

“não havia um conceito de estabelecimento, tampouco normas referentes aos

efeitos obrigacionais do trespasse83, o que deu margem à formação de sólidas

divergências”84, no que se refere à compreensão da natureza jurídica do

estabelecimento.

Atentando-se ao conceito jurídico de estabelecimento, já exposto

anteriormente, verifica-se que para exercer a atividade empresarial, o empresário

ou sociedade empresária reúne e organiza uma série de bens para tornar possível

a realização dessa atividade. A lei não impõe que assim o façam; é o empresário

ou sociedade empresária, que reúne esses bens, por vontade própria, com o

objetivo de explorar uma atividade econômica.

É nesse sentido que CAMPINHO destaca o estabelecimento empresarial

como sendo o “[...] complexo de bens, disposto segundo a vontade do empresário

individual ou da sociedade empresária, que lhes serve de instrumento de

realização de sua empresa.” [Ausência de grifo no original].85

Diante desse contexto, cabe apresentar o que a legislação civil estabelece

sobre as universalidades, de fato e de direito.

O Código Civil em seu art. 90 dispõe:

Constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária. Parágrafo único. Os bens que formam essa universalidade podem ser objeto de relações jurídicas próprias.

No que concerne à universalidade de direito, disciplina o art. 91 do Código

Civil: “Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma

pessoa, dotadas de valor econômico.”

Na definição de DINIZ:

Coisas coletivas ou universais. As coisas coletivas são as constituídas por várias coisas singulares, consideradas em conjunto, formando um todo único, que passa a ter individualidade própria, distinta da dos seus objetos componentes, que conservam

83 “Chama-se trespasse a transferência onerosa do estabelecimento empresarial.”. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro. Empresa e atuação empresarial. p. 189. 84 FÉRES, M. A. Estabelecimento empresarial. Trespasse e efeitos obrigacionais. p. 20. 85 CAMPINHO, S. O direito de empresa. p. 295.

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sua autonomia funcional. E podem apresentar-se como universalidade de fato (CC, art. 90) ou de direito (CC, art. 91). [Grifo no original].86

Para elucidar a distinção entre a universalidade de fato e a universalidade

de direito, extrai-se a lição de RODRIGUES:

A universalidade de fato se apresenta como conjunto ligado pelo entendimento particular; enquanto a universalidade de direito consiste na pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas, a que a lei, para certos efeitos, atribui o caráter de unidade (como na herança, no patrimônio, na massa falida etc.).87

Percebe-se que, quando um conjunto de bens é constituído para uma

única destinação, de acordo com a vontade de seu proprietário, tem-se uma

universalidade de fato; por sua vez, se a união dos bens ocorre por força da lei,

tem-se uma universalidade de direito.88

Universalidade de fato, portanto, é “um conjunto de objetos de direito

(coisas ou bens singulares e autônomos, materiais e imateriais), formado pela

vontade do sujeito, para uma destinação unitária.” [Grifo no original].89

Assim, por ser o estabelecimento empresarial um complexo de bens, estes

com individualidade própria, que são reunidos e organizados para uma finalidade

comum, qual seja, a prática da atividade empresarial, pela vontade do empresário

ou sociedade empresária, sua natureza jurídica é uma universalidade de fato.90

2.1.2 Elementos que compõem o estabelecimento empresarial

Como visto de acordo com o art. 1.142 do Código Civil, o estabelecimento

empresarial é o “complexo de bens organizados” que tornam exeqüível a atividade

empresária. Cabe, então, expor quais são os bens que o compõem.

86 DINIZ, M. H. Código Civil anotado. p. 114. 87 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 134. 88 Cf. FAZZIO JÚNIOR, W. Manual de direito comercial. p. 102. 89 SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio Altiere de Moraes {Coord.}. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 120. 90 Cf. NEGRÃO, R. Manual de direito comercial e de empresa. p. 70-71.

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Contudo, inexiste disposição legal a respeito, bem como uniformidade no

entendimento da doutrina “quanto à integração de determinados bens”,

especialmente os incorpóreos.91

Conforme explica REQUIÃO: “Convencionou-se dividir os bens que integram

e se unificam no fundo de comércio em duas grandes categorias: os bens

corpóreos e os bens incorpóreos.” [Grifo no original].92

Oportuno, nesse caso, apresentar a definição de bens corpóreos:

[...] somente quando se tenham um corpo, em que se possa tocar (quae tangi possunt), dir-se-á que os bens são corpóreos. São, pois, os bens materiais, que tenham existência real e concreta, que sejam suscetíveis de apropriação. [Grifo no original].93

E, bens incorpóreos:

[...] são os que não têm existência concreta. Referem-se a entidades abstratas, que, embora possam ser objeto de direito, e deles se possam sentir os resultados, não possuem qualquer materialidade, em que se possa tocar ou apalpar, ou se sinta ou se veja. São bens de existência imaterial, inpalpável, invisível. [Grifo no original].94

Frise-se que os elementos componentes do estabelecimento empresarial

variam conforme o ramo de atividade exercido pelo empresário ou sociedade

empresária.95

Na concepção de OLIVEIRA:

[...] o estabelecimento empresarial é composto por um conjunto de bens heterogêneos, de natureza material e imaterial. Os bens materiais correspondem às coisas corpóreas, que podem ser objeto de domínio, tais como as mercadorias, a mobília, os utensílios, os veículos, as máquinas, as instalações etc. Os bens imateriais são aqueles que não ocupam espaço no mundo físico, tendo existência ideal. São, principalmente, as criações intelectuais, as prestações decorrentes de direitos obrigacionais, as marcas, o título de estabelecimento, a insígnia, os privilégios industriais, os sinais e expressões de propaganda, o ponto comercial, entre outros.96

91 Cf. POSTIGLIONE, Marino Luiz. Direito empresarial. O estabelecimento e seus aspectos contratuais. Barueri: Manole, 2006, p. 41. 92 REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. p. 282. 93 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 123. 94 SILVA, D. P. e. Vocabulário jurídico. p. 126. 95

Cf. POSTIGLIONE, M. L. Direito empresarial. O estabelecimento e seus aspectos contratuais. p. 42. 96 OLIVEIRA, C. M. de. Tratado de direito empresarial brasileiro. p. 477.

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Some-se, na mesma orientação, o conhecimento de COELHO:

O estabelecimento empresarial é composto por elementos materiais e imateriais. No primeiro grupo, encontram-se as mercadorias do estoque, os mobiliários, utensílios, veículos, maquinaria e todos os demais bens corpóreos que o empresário utiliza na exploração de sua atividade econômica. [...]. Os elementos imateriais do estabelecimento empresarial são, principalmente, os bens industriais (patente de invenção, de modelo de utilidade, registro de desenho industrial, marca registrada, nome empresarial e título de estabelecimento) e o ponto (local em que se explora a atividade econômica).97

Por seu turno, FAZZIO JÚNIOR assevera que: “O estabelecimento

engloba apenas elementos do ativo do empresário, ou seja, seus bens materiais e

imateriais”.98 E, na seqüência, lista-os exemplificativamente:

Seus bens materiais compreendem coisas corpóreas imóveis e móveis, a saber: · imóveis: depósitos, edifícios, terrenos, armazéns etc.; · móveis: utensílios, veículos, mobiliário, mercadorias, máquinas etc. Os bens imateriais compreendem coisas incorpóreas, a saber: · sinais distintivos: nome; título do estabelecimento; as marcas de indústria, de comércio e de serviço; · os privilégios industriais, as patentes de invenção, os modelos e desenhos industriais; · as obras literárias, artísticas ou científicas; · o ponto e o direito à renovação judicial do contrato de locação; · os serviços de pessoal; e · clientela e sua proteção contra a concorrência desleal.99

Do mesmo modo entende NEGRÃO, contudo, acrescendo aos bens

incorpóreos os “direitos decorrentes dos contratos em geral” e os “créditos”.100

E, POSTIGLIONE, ao declarar a integração do aviamento na composição

do estabelecimento empresarial.101

Conforme exposto anteriormente, não há um consenso doutrinário sobre

os bens que integram o estabelecimento empresarial. Alguns doutrinadores

afirmam, por exemplo, entre os bens corpóreos, a inclusão dos imóveis e, entre os

incorpóreos, o aviamento, a clientela e os contratos.

97 COELHO, F. U. Curso de direito comercial. vol. 1. p. 100-101. 98 FAZZIO JÚNIOR, W. Manual de direito comercial. p. 103. 99 FAZZIO JÚNIOR, W. Manual de direito comercial. p. 103-104. 100 Cf. NEGRÃO, R. Manual de direito comercial e de empresa. p. 73. 101 Cf. POSTIGLIONE, M. L. Direito empresarial. O estabelecimento e seus aspectos contratuais. p. 43.

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Diante desse quadro, destaca-se a explicação de REQUIÃO quanto aos

bens imóveis:

[...] não se deve confundir fundo de comércio com patrimônio. O fundo de comércio não constitui todo o patrimônio, é parte ou parcela do patrimônio do empresário. A empresa, que é o exercício da atividade organizada pelo empresário, conta com vários outros elementos patrimoniais, por este organizados, para a produção ou troca de bens ou serviços que não integram o estabelecimento comercial. O imóvel pode ser elemento da empresa, não o é do fundo do comércio. Fica assim esclarecida a questão.102

E, no que tange a inclusão dos contratos, transcreve-se outro importante

posicionamento de REQUIÃO:

Os contratos não integram o estabelecimento comercial, pois são elementos da empresa. No exercício da empresa, de que é o fundo de comércio instrumento, o empresário é levado a firmar diversos contratos. Esses contratos se referem ao funcionamento desse instrumento de ação, que é o fundo de comércio ou azienda, mas não o integram. [Grifo no original]103

Nesse contexto, FÉRES esclarece que entre os bens que entram na

composição do estabelecimento empresarial “não se compreendem dívidas,

créditos ou contratos. As relações jurídicas integram, outrossim, o patrimônio do

empresário, ao lado dos elementos do estabelecimento.”.104

E, mais adiante, acrescenta:

A sistemática delineada pela codificação de 2002 ocupa-se dos efeitos obrigacionais da negociação unitária da azienda, mas isso, note-se, não significa que relações obrigacionais nela se contenham. Claramente, o Codex primeiro define o que é estabelecimento, para, a partir de sua negociação, disciplinar efeitos obrigacionais. Perceba-se que esses efeitos não estão no âmbito de estabelecimento em si. Ele é uma universalidade de fato – e é enquanto tal que interessa – que, uma vez alienado, enseja circulação de algumas obrigações, tão-somente, com o intuito de preservação da empresa (atividade) nas mãos de seu adquirente e de proteção dos credores.105

REQUIÃO, a respeito das dívidas, complementa: “Embora as dívidas não

integrem o estabelecimento comercial, a lei visou impedir a venda ou transferência

do estabelecimento sem que fossem elas liquidadas.”106

102 REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. p. 283. 103

REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. p. 284. 104 FÉRES, M. A. Estabelecimento empresarial. Trespasse e efeitos obrigacionais. p. 21. 105

FÉRES, M. A. Estabelecimento empresarial. Trespasse e efeitos obrigacionais. p. 22. 106

REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. p. 288.

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No que concerne ao aviamento, vale ressaltar que, cada um dos bens que

compõem o estabelecimento empresarial possui um valor. Por estarem destinados

e organizados pelo empresário para o desenvolvimento da atividade econômica,

agregam ao estabelecimento um sobrevalor107 que ultrapassa o somatório

daqueles individualmente considerados.108 Esse sobrevalor ou valor agregado: “[...]

é referido no meio empresarial, pela locução inglesa goodwill of a trade, ou

simplesmente goodwill. No meio jurídico, adota-se ora a expressão ‘fundo de

comércio’ [...], ora ‘aviamento’ [...].”.109

Sobre o aviamento estar entre os elementos incorpóreos, COELHO

elucida:

[...] o aviamento é o potencial de lucratividade da empresa. Conforme destaca a doutrina, o aviamento é um atributo da empresa, e não um bem de propriedade do empresário. Quando se negocia o estabelecimento empresarial, a definição do preço a ser pago pelo adquirente se baseia fundamentalmente no aviamento, isto é, nas perspectivas de lucratividade que a empresa explorada no local pode gerar. [...]. Aviamento é, a rigor, sinônimo de fundo de empresa, ou seja, designam ambas expressões o sobrevalor, agregado aos bens do estabelecimento empresarial em razão da sua racional organização pelo empresário. [Grifo no original].110

O mesmo aplica-se à clientela que não constitui, conforme COELHO,

elemento do estabelecimento empresarial.111

Justifica-se a ausência de minúcia quanto à exposição dos bens que

integram o estabelecimento empresarial porque se julgou pertinente destacar

apenas àqueles que mais se relacionam, direta ou indiretamente, com o objeto do

presente trabalho.

107 Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. p. 96. 108 Cf. FAZZIO JÚNIOR, W. Manual de direito comercial. p. 102. 109

COELHO, F. U. Curso de direito comercial. p. 97-98. 110

COELHO, F. U. Curso de direito comercial. p. 101. 111

Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. p. 101.

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2.2 A ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL COMO MEIO DE

PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E COMO FORMA DE REALIZAÇÃO DO ATIVO

Como ensina FAZZIO JÚNIOR, por ser o estabelecimento empresarial

uma universalidade de fato, seus “fatores autônomos ganham valor patrimonial

pelo fato de estarem ligados e organizados finalisticamente”. Desse modo, o

estabelecimento empresarial “constitui-se bem móvel incorpóreo, objeto de direito e

suscetível de negociação”.112

Este é o teor do art. 1.143 do Código Civil: “Pode o estabelecimento ser

objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que

sejam compatíveis com a sua natureza.”.

DINIZ explica que isso ocorre pelo fato de o estabelecimento empresarial

“integrar o patrimônio do empresário e da sociedade empresária, sendo, portanto,

uma garantia aos seus credores”.113

É nesse contexto que a alienação do estabelecimento empresarial está

inserida na Lei n. 11.101/2005, que regula a falência e a recuperação de empresas.

Referida lei consagrou o princípio da preservação da empresa como objetivo em

seu art. 47 – tema já abordado no primeiro capítulo do presente trabalho.

Para evitar que uma crise na empresa acarrete a sua falência, o art. 50 da

LFRE consignou 16 (dezesseis) meios de recuperação judicial a fim de viabilizar a

sua preservação, tendo em vista a sua função social:

Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros: I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas; II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente; III – alteração do controle societário; IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos; V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar; VI – aumento de capital social;

112

FAZZIO JÚNIOR, W. Manual de direito comercial. p. 102. 113 DINIZ, M. H. Código civil anotado. p. 799.

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VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados; VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva; IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro; X – constituição de sociedade de credores; XI – venda parcial dos bens; XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica; XIII – usufruto da empresa; XIV – administração compartilhada; XV – emissão de valores mobiliários; XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor. [Ausência de grifo no original].

Como assevera BEZERRA FILHO, os meios previstos no art. 50 são

apenas algumas das formas possíveis de recuperação114, por tratar-se de rol

exemplificativo; conclusão extraída da própria expressão “dentre outros”, utilizada

no referido dispositivo legal e aplaudida pela doutrina, a exemplo de ALONSO, o

qual afirma que ao agir desse modo a legislação se manteve fiel ao seu objetivo de

preservação da empresa.115

Dos meios de recuperação judicial contidos no art. 50 da LFRE, destaca-

se, porque objeto do presente trabalho, a alienação do estabelecimento, prevista

no inciso VII. A propósito, a lei utiliza o termo “trespasse”, que nada mais é senão a

denominação atribuída à alienação do estabelecimento empresarial.116

Ou, na definição de BEZERRA FILHO: “O trespasse é negócio jurídico [...];

implica na venda do complexo de bens corpóreos e incorpóreos destinados à

atividade comercial.”117

COELHO, em comentários ao inciso VII do art. 50, esclarece:

Esse meio de recuperação judicial importa a mudança na titularidade [...] do estabelecimento empresarial da sociedade empresária em crise. [...] opera-se a venda do estabelecimento

114 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova lei de recuperação e falências comentada. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 138. 115

LUCCA, Newton De; SIMÃO FILHO, Adalberto {Coord.}. Comentários à nova lei de recuperação de empresas e de falências. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 252. 116 FAZZIO JÚNIOR, W. Manual de direito comercial. p. 118. 117

BEZERRA FILHO, M. J. Nova lei de recuperação e falências comentada. p. 140-141.

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para quem está em condições de nele explorar a mesma atividade econômica de modo mais competente.118

A opção pela alienação do estabelecimento como meio de recuperação

deve constar do plano de recuperação judicial, conforme determina o art. 53 da

LFRE:

O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter: I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o art. 50 desta Lei, e seu resumo; [...]. Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo o aviso aos credores sobre o recebimento do plano de recuperação e fixando o prazo para a manifestação de eventuais objeções, observado o art. 55 desta Lei. [Ausência de grifo no original].

A alienação de estabelecimentos também está prevista no caput do art. 60

da LFRE:

Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.

Acerca da possibilidade de alienar estabelecimentos pertencentes ao

devedor, como meio de recuperação judicial, alude MAMEDE:

Eis porque é tão fascinante a idéia central (a mens legis) da Lei 11.101/05; se interpretada e aplicada adequadamente, permite efetiva preservação da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores.119

A alienação, portanto, será realizada nos mesmos moldes previstos para a

realização do ativo, regulados no art. 142 da LFRE, que prevê como modalidades

de alienação o leilão, por lances orais; as propostas fechadas e o pregão.

O leilão consiste na venda judicial, também denominada hasta pública120,

mediante ofertas orais dos interessados em adquirir o estabelecimento

empresarial, e se concretiza com a venda ao adquirente que ofereceu o maior

118

COELHO, F. U. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. p. 137. 119

MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro. Falência e recuperação de empresas. p. 265. 120

Cf. ALMEIDA, A. P. de. Curso de falência e recuperação de empresa. p. 264.

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valor, observados, para tanto, os dispositivos do Código de Processo Civil (arts.

686 a 707) que não se contraponham à LFRE121.

Para a alienação por propostas fechadas, os interessados deverão

entregá-las em envelopes lacrados no cartório da Vara em que tramita o processo

falimentar122, bem como no dia, hora e local designados no edital (art. 142, §4°).

A alienação por pregão, de acordo com a LFRE é “modalidade híbrida das

anteriores” (art. 142, §5°), porque se inicia com a entrega das propostas e, após,

abre-se o leilão por lances orais aos interessados que ofertaram valores não

inferiores a 90% (noventa por cento) da maior proposta (§5°, incisos I e II).

A esse respeito, COELHO ensina que:

[...] a venda será obrigatoriamente feita mediante hasta pública (leilão, propostas ou pregão). Não pode o plano estabelecer – mesmo que com isso consintam todos os credores e o devedor – a venda direta a terceiro nele identificado. A obrigatoriedade da hasta visa otimizar o procedimento e assegurar a recuperação da empresa em crise. O Plano pode unicamente estabelecer um preço mínimo para a venda por hasta.123

Em comentários ao artigo, PACHECO pontifica que em qualquer das

modalidades é indispensável:

1°) a determinação do juiz, após ouvir o administrador judicial e atendendo à orientação do Comitê, se houver; 2°) a intimação do Ministério Público, sob pena de nulidade; 3°) a publicação de anúncio da alienação a ser realizada, em jornal de ampla circulação.124

O empresário ou sociedade empresária pode ser proprietário de mais de

um estabelecimento, sendo um deles o estabelecimento principal, denominado

“matriz”125 e definido como “aquele em que se encontra concentrado o maior

volume de negócios da empresa; é o mais importante do ponto de vista

121

Cf. COELHO, F. U. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. p. 371. 122

Cf. ALMEIDA, A. P. de. Curso de falência e recuperação de empresa. p. 265. 123 COELHO, F. U. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. p. 170. 124

PACHECO, J. da S. Processo de recuperação judicial, extrajudicial e falência. p. 334. 125 Cf. ALMEIDA, A. P. de. Curso de falência e recuperação de empresa. p. 42.

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econômico.” [Grifo no original]126; e, os demais, as “unidades autônomas (filiais,

sucursais e agências)”127.

Vale dizer: em razão dos estabelecimentos integrarem o patrimônio do

empresário ou sociedade empresária, e por ser este a garantia dos credores para a

satisfação de seus créditos, quando uma empresa está em recuperação judicial ou

tem decretada a sua falência, todos os estabelecimentos são atingidos.

Assim como na alienação do estabelecimento contemplada pelo Código

Civil, “o empresário não está totalmente livre para alienar ou comprometer seu

estabelecimento”128, exigindo-se:

[...] a averbação dos contratos de alienação do estabelecimento para que estes produzam efeitos jurídicos, dependendo sua eficácia da existência de bens suficientes por parte do alienante ou da anuência expressa ou tácita de todos os credores.129

Na lei de falências e recuperação de empresas, do mesmo modo como

ocorre na lei civil, por serem os bens do devedor arrecadados para garantir o

pagamento dos seus credores, há restrições à alienação do estabelecimento

empresarial.

A alienação do estabelecimento como meio de recuperação será realizada

por hasta pública, de acordo com o art. 142 exposto anteriormente. Precisa, ainda,

estar previamente relacionada no plano de recuperação e este não ter sofrido

objeção de qualquer credor (art. 56) ou, se sofreu, que tenha sido aprovado pela

assembléia-geral de credores (art. 57), consoante se infere do disposto no art. 66

da LFRE:

Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo evidente utilidade reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o Comitê, com exceção daqueles previamente relacionados no plano de recuperação judicial. [Ausência de grifo no original].

Em comentários ao artigo acima transcrito, parte da doutrina, nesta

incluído o jurista Fábio Ulhoa COELHO, afirma que diferentemente do que ocorria

sob a vigência do Decreto-lei n. 7.661/1945, a inobservância do preceito legal, ou

126 COELHO, F. U. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. p. 27. 127 MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro. Falência e recuperação de empresas. p. 264. 128 NEGRÃO, R. Manual de direito comercial e de empresa. p. 66. 129 NEGRÃO, R. Manual de direito comercial e de empresa. p. 65.

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seja, a alienação ou oneração de bens do ativo do devedor que não conste do

plano de recuperação e, ainda assim, seja efetuada sem o consentimento do juiz,

não acarreta a ineficácia do ato, porque o dispositivo em comento assim não o

prevê.130 A inobservância, para esses doutrinadores, é considerada simples

“descumprimento de obrigação legal” pelo não cumprimento do plano de

recuperação judicial e, tem como conseqüência, a convolação da recuperação

judicial em falência.131

Observe-se, contudo, que essa afirmação se contrapõe ao que preceitua o

art. 129 da LFRE, que reputa ineficazes referidos atos, conforme será observado

pormenorizadamente a seguir; no que se refere à convolação em falência, a

afirmativa se coaduna com a LFRE.

As hipóteses de convolação da recuperação judicial em falência, isto é, de

o juiz decretar a falência do devedor durante o processo de recuperação judicial

estão arroladas no art. 73 da LFRE132.

Havendo a convolação da recuperação em falência, a LFRE, em seu art.

74, preocupou-se em conferir presunção de validade aos atos praticados:

Art. 74. Na convolação da recuperação em falência, os atos de administração, endividamento, oneração ou alienação praticados durante a recuperação judicial presumem-se válidos, desde que realizados na forma desta Lei.

Em análise ao artigo supracitado, VIDOTTE pondera:

Essas medidas visam a proteger e estimular a concretização do plano, oferecendo confiabilidade àqueles que negociam com a empresa em recuperação. De outra forma, se não estabelecida a presunção de validade desses atos, criar-se-ia uma situação de insegurança tal que inviabilizaria qualquer tentativa de reerguimento da empresa. Diante da possibilidade de invalidação dos negócios realizados, os agentes se afastariam do empresário em crise.133

130 COELHO, F. U. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. p. 177-178. 131 Cf. LUCCA, N. D.; SIMÃO FILHO, A. {Coord.}. Comentários à nova lei de recuperação de empresas e de falências. p. 319. 132 BRASIL. Lei n. 11.101/05. “Art. 73. O juiz decretará a falência durante o processo de recuperação judicial: I – por deliberação da assembléia-geral de credores, na forma do art. 42 desta Lei; II – pela não apresentação, pelo devedor, do plano de recuperação no prazo do art. 53 desta Lei; III – quando houver sido rejeitado o plano de recuperação, nos termos do § 4° do art. 56 desta Lei; IV – por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação, na forma do § 1o do art. 61 desta Lei.”. 133 LUCCA, N. D.; SIMÃO FILHO, A. {Coord.}. Comentários à nova lei de recuperação de empresas e de falências. p. 337.

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A alienação do estabelecimento empresarial sem o consentimento de

todos os credores e sem que o devedor possua bens suficientes para saldar suas

dívidas, é uma das causas para que o devedor tenha sua falência decretada134;

hipótese contemplada pelo art. 94, inciso III, alínea “c”, da LFRE:

Art. 94. Será decretada a falência do devedor que: [...] III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial: c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;

Referido ato é ineficaz em relação à massa falida135, conforme regula o art.

129, inciso VI, da LFRE:

São ineficazes em relação à massa falida, tenha ou não o contratante conhecimento do estado de crise econômico-financeira do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores: [...] VI – a venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo restado ao devedor bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se, no prazo de 30 (trinta) dias, não houver oposição dos credores, após serem devidamente notificados, judicialmente ou pelo oficial do registro de títulos e documentos;

E, se tais atos forem praticados com o objetivo de fraudar os credores,

serão revogados, de acordo com o que determina o art. 130 da LFRE:

São revogáveis os atos praticados com a intenção de prejudicar credores, provando-se o conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro que com ele contratar e o efetivo prejuízo sofrido pela massa falida.

Da análise dos dispositivos acima transcritos, tem-se que: os atos

previstos no art. 129, quando praticados, produzem efeitos perante o devedor e o

contraente, não atingindo os direitos da massa falida; por sua vez, conforme

estipula o art. 130, se tais atos tiverem como objetivo a fraude contra os credores, 134 Cf. PACHECO, José da Silva. Processo de recuperação judicial, extrajudicial e falência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 233-234. 135 “A expressão ‘massa falida’ encontra-se na lei em dois sentidos diferentes: subjetivo e objetivo. A massa falida subjetiva (também chamada de massa passiva ou dos credores) é o sujeito de direito despersonalizado voltado à defesa dos interesses gerais dos credores de um empresário falido. A massa falida objetiva, por sua vez, é o conjunto de bens arrecadados do patrimônio do falido. É chamada, também, de massa ativa.” [Grifo no original]. COELHO, F. U. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. p. 309-310.

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serão considerados nulos e como conseqüência não terão validade, ou seja, não

produzirão efeitos, sendo objeto de ação revocatória (art. 132).136

BEZERRA FILHO conclui:

O legislador [...] claramente optou por diferenciar as duas situações, declarando ineficaz o ato que pode ser revertido independentemente de perquirição sobre fraude (art. 129) e declarando revogável o ato que, para ser revertido, exige a prova da fraude.137

E, o art. 131 da LFRE ressalva que:

Nenhum dos atos referidos nos incisos I a III e VI do art. 129 desta Lei que tenham sido previstos e realizados na forma definida no plano de recuperação judicial será declarado ineficaz ou revogado.

A alienação de estabelecimentos também está prevista no caso de falência

do devedor como forma de realização do ativo que, de acordo com PACHECO:

Consiste [...] na apuração dos valores positivos da massa falida, na conversão em dinheiro dos bens arrecadados e dependentes da extração do seu valor, com o objetivo de otimizar o seu aproveitamento em prol do interesse de todos os envolvidos no processo falencial.138

Por ser a falência “um processo de execução coletiva contra o devedor

insolvente”139, faz-se imprescindível a liquidação do ativo da empresa em crise a

fim de saldar as dívidas com os credores.

Como ensina ALMEIDA:

[...] a falência é um processo de execução coletiva que objetiva a apuração do ativo para solução do passivo. Estes dois atos fundamentais – apuração do ativo e solução do passivo – constituem a chamada liquidação, que pode ser definida como a operação que objetiva a transformação do ativo em dinheiro para o conseqüente pagamento aos credores. [Grifo no original].140

Somem-se as palavras de MAMEDE:

Para que sejam atendidas as finalidades da execução coletiva, será preciso efetuar a venda dos bens do ativo - ou seja, realizá-lo -, para que, com o produto apurado, seja possível pagar créditos extraconcursais e demais créditos, no que for possível.141

136

BEZERRA FILHO, M. J. Nova lei de recuperação e falências comentada. p. 296-297. 137

BEZERRA FILHO, M. J. Nova lei de recuperação e falências comentada. p. 303. 138 PACHECO, J. da S. Processo de recuperação judicial, extrajudicial e falência. p. 328. 139 ALMEIDA, A. P. de. Curso de falência e recuperação de empresa. p. 17. 140

ALMEIDA, A. P. de. Curso de falência e recuperação de empresa. p. 263. 141

MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro. Falência e recuperação de empresas. p. 597.

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51

Nesse sentido, NEGRÃO expõe que o patrimônio (direitos e bens) do

empresário ou da sociedade empresária, nele compreendido o estabelecimento

empresarial, é que “deve responder pelas obrigações assumidas pelo empresário,

seja ele individual ou coletivo”.142

Para tanto, se precede à arrecadação dos bens; conforme explica

ALMEIDA: “Com a declaração da quebra o falido perde, desde logo, a

administração e disponibilidade dos seus bens, que passam às mãos do

administrador, o qual, a partir de então, os administrará.”.143

O art. 139 da LFRE estabelece que imediatamente após a arrecadação e a

avaliação dos bens, será iniciada a realização do ativo, isto é, a venda dos bens

que será destinada ao pagamento dos credores144. Para HUSNI, essa possibilidade

é uma das mais importantes inovações da lei e, acrescenta:

E não poderia ser diferente, pois a falência nos moldes previstos no art. 75 desta lei, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis da empresa. [...] visando a priori a recolocação da empresa para quem efetivamente possa operá-la, com vistas à mantença não só da fonte produtora como dos demais interesses sociais envolvidos.145

A LFRE prevê além da alienação dos bens pelo modo ordinário, a

possibilidade de alienação sumária dos bens do devedor (art. 111), hipótese

ocorrida quando o devedor não possui bens que justifiquem os custos do

procedimento146; como também, de forma extraordinária, esta regulada pelo arts.

144 e 145, nos casos de motivos justificados e autorizados pelo juiz, pode ser

permitida a alienação por modalidade diversa daquelas previstas no art. 142.

O art. 140 da LFRE estipula que se dará início à realização do ativo

independentemente da formação do quadro-geral de credores (§2°), a fim de evitar

a desvalorização dos bens147, e prescreve as formas de alienação em ordem de

preferência.

142

NEGRÃO, R. Manual de direito comercial e de empresa. p. 63. 143

ALMEIDA, A. P. de. Curso de falência e recuperação de empresa. p. 204. 144

BEZERRA FILHO, M. J. Nova lei de recuperação e falências comentada. p. 314. 145

LUCCA, N. D.; SIMÃO FILHO, A. {Coord.}. Comentários à nova lei de recuperação de empresas e de falências. p. 530. 146

COELHO, F. U. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. p. 303. 147

BEZERRA FILHO, M. J. Nova lei de recuperação e falências comentada. p. 316.

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52

A primeira opção a ser examinada é a alienação da empresa, com a venda

de seus estabelecimentos em bloco, seguida da alienação da empresa, com a

venda de suas filiais ou unidades produtivas isoladas. Na seqüência, o legislador

aponta como opção a venda em bloco dos bens que integram cada um dos

estabelecimentos do devedor e, por último na ordem de preferência, considera-se a

alienação dos bens individualmente. A alienação pode, ainda, compreender a

transferência de contratos específicos para maior rentabilidade da unidade de

produção (§3°).

O legislador possibilita a adoção de uma ou mais formas de alienação, se

mais proveitosa para a massa falida (§1°).

Quanto à ordem preferencial estabelecida no art. 140, PACHECO

manifesta-se:

Não se trata de uma relação de formas de alienação, de que possa ser arbitrariamente escolhida qualquer uma delas. As formas legalmente previstas, no art. 140, estão colocadas numa ordem de prioridade da primeira sobre todas as outras, mas se não for ela viável, vem a segunda. A terceira sobrevém, somente se a anterior não tiver viabilidade. A quarta, igualmente, será adotada se nenhuma das anteriores apresentar vantagem sobre ela, no interesse geral da massa falida.148

A ordem de preferência imposta pela LFRE decorre do próprio objetivo

desta, qual seja a preservação da atividade empresarial pelo que esta representa

enquanto fonte produtiva. Com o que concorda MAMEDE: “O sistema é ideal, pois

afasta o devedor insolvente e preserva a empresa [...].”149.

Sobre a preferência da alienação em bloco, afirma BEZERRA FILHO:

A Lei estabelece como forma preferencial para realização do ativo a venda em bloco de todos os estabelecimentos (art. 1.142 a 1.149 do Código Civil), objetivando garantir o maior valor de venda e também propiciar condições de eventual continuação do negócio pelo adquirente, preservando-se assim o valor social da atividade.150

Por seu turno, HUSNI observa:

Pode ainda ocorrer que os atos de arrecadação abranjam estabelecimentos empresariais vários, situados nas mais diversas localidades. Também nesta hipótese há que se ter a visão de conjunto para que se obtenha eficiência na alienação da empresa, observando-se a melhor forma de colocação desta no mercado. A

148

PACHECO, J. da S. Processo de recuperação judicial, extrajudicial e falência. p. 329. 149

MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro. Falência e recuperação de empresas. p. 602. 150

BEZERRA FILHO, M. J. Nova lei de recuperação e falências comentada. p. 315.

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53

depender do tipo de unidade produtiva e negócio desenvolvido, poderá ser mais atrativo aos credores que a realização do ativo se faça de forma isolada como autoriza o inciso II do art. 140, se economicamente cada unidade produtiva ou filial possuir valor unitário maior do que se obteria no somatório destas.151

Para que a alienação de estabelecimento empresarial produza efeitos

perante terceiros, o art. 1.144 do Código Civil dispõe:

O contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento, só produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, e de publicado na imprensa oficial.

E, consoante se extrai do art. 140, §4°, da LFRE, para que se proceda ao

registro com a maior celeridade possível152, o mandado judicial servirá como título

aquisitivo.

Lembre-se que as modalidades de alienação dos bens estão contidas no

art. 142 da LFRE, este examinado no momento em que se tratou da alienação

como meio de recuperação judicial.

Cumpre registrar que a supressão de partes de alguns dos dispositivos

analisados, como também a ausência de menção a outros que tratam da alienação

do estabelecimento empresarial, ocorreu porque estes regulam a sucessão do

adquirente e serão oportunamente estudados no capítulo a seguir.

151

LUCCA, N. D.; SIMÃO FILHO, A. {Coord.}. Comentários à nova lei de recuperação de empresas e de falências. p. 532. 152

BEZERRA FILHO, M. J. Nova lei de recuperação e falências comentada. p. 317.

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54

3. A ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL E OS

EFEITOS SOBRE A SUCESSÃO DAS DÍVIDAS FRENTE À LEI DE

FALÊNCIAS E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS

No presente capítulo objetiva-se discorrer a respeito da sucessão das

dívidas trabalhistas e tributárias nas hipóteses de alienação do estabelecimento

empresarial como meio de recuperação judicial e, também, como forma de

realização do ativo da falência, ambas previstas na Lei n. 11.101/2005.

Dessa forma, inicia-se por tratar, em linhas gerais e em razão do contrato

de trespasse, do tratamento dado pelo Código Civil, pela Consolidação das Leis do

Trabalho e pelo Código Tributário Nacional, sobre a sucessão das dívidas pelo

adquirente do estabelecimento empresarial e, na seqüência, examina-se a Lei n.

11.101/2005 – quando prevê e como dispõe acerca da sucessão do adquirente do

estabelecimento nas obrigações trabalhistas e tributárias do devedor no caso de

Recuperação Judicial ou Falência.

3.1 A SUCESSÃO DAS DÍVIDAS NA NEGOCIAÇÃO VOLUNTÁRIA DO

ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

Até aqui se viu que o estabelecimento empresarial é uma universalidade

de fato e, como tal, pode ser objeto de alienação. Assim, concretizada a

negociação com a venda do estabelecimento, o mesmo deixa de ser parte

integrante do patrimônio do empresário ou sociedade empresária que o alienou,

para integralizar o patrimônio do seu adquirente153.

Abre-se um parêntese apenas para relembrar que o patrimônio do

empresário é a garantia de seus credores.

A propósito, a alienação importa em responsabilidade do adquirente do

estabelecimento pelo pagamento de débitos anteriores à transferência, justamente

153 DINIZ, M. H. Código civil anotado. p. 799-800.

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para defender o interesse dos credores154, o que implica em dizer que estes podem

exigir a satisfação de seus créditos do adquirente.

A fundamentação legal para a sucessão do adquirente do estabelecimento

empresarial encontra-se prevista no art. 1.146 do Código Civil, o qual dispõe que:

O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.

Portanto, desde que contabilizados, os débitos anteriores à transferência

do estabelecimento são de responsabilidade do adquirente; contudo, o dispositivo

legal prevê a responsabilidade solidária do alienante pelo prazo de um ano,

contado da publicação da transferência na imprensa oficial (art. 1.144 do Código

Civil), para os créditos vencidos e, quanto aos créditos que ainda estão por vencer,

também chamados créditos vincendos, conta-se o prazo de um ano a partir da data

do vencimento de cada obrigação.

De acordo com o artigo em comento, a responsabilidade do adquirente

limita-se aos débitos já existentes e regularmente contabilizados, ou seja, àqueles

devidamente registrados nos livros ou documentos contábeis do alienante. A

respeito dessa restrição RIZZARDO afirma que:

[...] caso não venha escriturada a dívida, o que pode acontecer por omissão fraudulenta, ou má-fé, do titular que procede a venda e do adquirente, não incidiria a responsabilidade. Esta isenção é inadmissível e contraria outros princípios de direito, como o do enriquecimento indevido e o que torna anuláveis os atos cometidos em fraude contra credores [...].155

Também NEGRÃO, ao abordar o assunto, afirma que a previsão de

responsabilidade solidária contida no art. 1.146 é uma forma de evitar ou, ao

menos, tentar reduzir o “conluio fraudulento entre o alienante do estabelecimento e

seu adquirente”156.

Por responsabilidade solidária entenda-se a distribuição de

responsabilidades entre o alienante e o adquirente do estabelecimento

empresarial, dentro do prazo de um ano, de acordo com o preceito legal. O que

154 COELHO, F. U. Curso de direito comercial. p. 117. 155 RIZZARDO. A. Direito de empresa. p. 1045. 156 NEGRÃO, R. Manual de direito comercial e de empresa. p. 79.

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significa, conforme esclarece FÉRES, que “os credores podem demandar ambas

as partes do trespasse e, após tal lapso, apenas o novo titular do

estabelecimento.”157.

E, o mesmo Autor complementa:

Os créditos experimentam, claramente, um incremento das suas possibilidades de satisfação. Em lugar de apenas o devedor primitivo, podem ser demandados tanto este quanto o adquirente da azienda. Logo, há um nítido reforço das garantias de adimplemento, pois não só o patrimônio do trespassante responde pelas dívidas, mas também aquele do adquirente.158

Com a responsabilização do adquirente regulada pelo art. 1.146 do Código

Civil, pode-se afirmar que este sucede ao alienante no que se refere aos débitos

regularmente contabilizados.

Nesse contexto, cumpre esclarecer que a sucessão, de acordo com os

ensinamentos de FÉRES, “é o fenômeno de substituição da relação jurídica por

outro, permanecendo ela viva para operar seus efeitos diante do novo sujeito.”159.

Sem discrepar da posição acima explicitada, destaca-se a lição de

COELHO: “Considera-se sucessor o adquirente do estabelecimento, quando a

obrigação do alienante se encontrava regularmente contabilizada.”160. E, na

sequência, ressalva: “Independentemente de regular escrituração, o adquirente é

sempre sucessor do alienante, em relação às obrigações trabalhistas e fiscais

ligadas ao estabelecimento.”161.

No mesmo sentido, FAZZIO JÚNIOR afirma: “Claro que o adquirente já

responde pelo passivo do alienante, no que se refere aos débitos da natureza

trabalhista (art. 448 da CLT) e tributária (art. 133 do CTN).”162.

Consoante os comentários acima transcritos, no que tange aos débitos

trabalhistas e tributários, estes são exceções à regra contida no art. 1.146 do

Código Civil e independem da regular contabilização dos débitos163. A previsão de

responsabilidade por sucessão do adquirente do estabelecimento empresarial

157 FÉRES, M. A. Estabelecimento empresarial. Trespasse e efeitos obrigacionais. p. 112. 158 FÉRES, M. A. Estabelecimento empresarial. Trespasse e efeitos obrigacionais. p. 112. 159 FÉRES, M. A. Estabelecimento empresarial. Trespasse e efeitos obrigacionais. p. 165. 160 COELHO, F. U. Curso de direito comercial. p. 119. 161 COELHO, F. U. Curso de direito comercial. p. 119. 162 FAZZIO JÚNIOR, W. Manual de direito comercial. p. 118. 163 Cf. FÉRES, M. A. Estabelecimento empresarial. Trespasse e efeitos obrigacionais. p. 125.

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precede o atual Código Civil, sendo contemplada por suas legislações próprias,

especificamente nos arts. 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho

(Decreto-lei n. 5.452, de 1° de maio de 1943) e, no art. 133 do Código Tributário

Nacional (Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966).

3.1.1 Sucessão perante as obrigações trabalhistas

Em relação aos débitos trabalhistas, com a finalidade de tutelar os direitos

dos empregados, bem como de preservar o contrato de trabalho a fim de dar

continuidade às relações de emprego, a CLT regula em dois de seus dispositivos a

questão da sucessão.

De acordo com o art. 10 da CLT: “Qualquer alteração na estrutura jurídica

da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.”.

Sobre a expressão “estrutura jurídica da empresa”, alude SAAD que no

citado dispositivo utilizou-se “linguagem manifestamente imprópria”, porque “o

legislador quis dizer que, operando-se modificação no contrato social [...], os

direitos dos empregados não sofrem qualquer prejuízo; mantêm-se intactos.”164.

CARRION entende da mesma forma e assevera que: “Alteração jurídica da

empresa é a modificação de sua constituição e funcionamento como pessoa com

direitos e obrigações: modificação na organização jurídica.”165 [Grifo no original].

Logo, na alteração da estrutura jurídica da empresa está compreendida a

transferência do estabelecimento empresarial.

A CLT, ao prever regra atinente à sucessão trabalhista, em seu art. 10,

utiliza a expressão “direitos adquiridos por seus empregados”, o que na definição

de SILVA significa: “[...] o direito que já se incorporou ao patrimônio da pessoa, já é

de sua propriedade, já constitui um bem, que deve ser judicialmente protegido

contra qualquer ataque exterior, que ouse ofendê-lo ou turbá-lo.”166.

164 SAAD, Eduardo Gabriel; et all. CLT comentada. 39. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 82. 165 CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 71. 166

SILVA, D. P. &. Vocabulário jurídico. p. 269.

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Também, para CARRION, direito adquirido é aquele que “já entrou para o

patrimônio de alguém; não se confunde com expectativa de direito, que ainda não

pode ser exercitado, porque depende da ocorrência de algum requisito.”167.

Para que seja configurada a sucessão com a finalidade de responsabilizar

o adquirente de estabelecimento empresarial pelos débitos decorrentes da relação

de emprego, exige-se a transferência da propriedade do estabelecimento e a

ininterrupção na prestação de serviços pelos trabalhadores168.

POSTIGLIONE, em comentários ao art. 10, reproduz importante lição de

Mozart Victor RUSSOMANO:

Há sucessão no conceito trabalhista que a palavra sugere sempre que uma pessoa adquire de outra uma empresa, um estabelecimento ou uma secção no seu conjunto, isto é, na unidade orgânica, sempre que não houver alteração de seus fins e sempre que houver continuidade na prestação do trabalho pelos empregados, mesmo quando não existir vínculo jurídico de qualquer natureza entre o sucessor e o sucedido [...] pela aplicação do art. 10, da Consolidação, os direitos conquistados pelo empregado [...] íntegros permanecem quando se processa a compra e venda da empresa, do estabelecimento ou da secção.169

Disposições contratuais com o intuito de exonerar o adquirente do

estabelecimento empresarial da responsabilização pelos débitos trabalhistas

anteriores à transferência são válidas apenas entre alienante e adquirente, pois,

como destaca SAAD: “A norma do art. 10 (como a do art. 448, da CLT) é de ordem

pública e por isso, sobrepõe-se a qualquer disposição contratual ou acordo de

vontades.”170. E, para melhor entendimento, explica:

[...] quando A vende a B seu estabelecimento e declara que permanece responsável por todas as obrigações de natureza trabalhista, os empregados ignorarão tal ajuste para exigir de B (novo empregador) o que lhes for devido por lei.171

Por tudo isso, pode-se dizer que, ainda que exista previsão no contrato de

transferência do estabelecimento empresarial acerca da responsabilidade pelas

dívidas já existentes no momento de sua transferência, os direitos adquiridos dos

167

CARRION, V. Comentários à consolidação das leis do trabalho. p. 73. 168

Cf. SAAD, E. G.; et. all. CLT comentada. p. 82. 169

POSTIGLIONE, M. L. Direito empresarial. O estabelecimento e seus aspectos contratuais. p. 130. 170 SAAD, E. G.; et. all. CLT comentada. p. 82. 171

SAAD, E. G.; et. all. CLT comentada. p. 82.

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empregados não são afetados, sendo, portanto, o sucessor do estabelecimento

empresarial responsável pelos débitos anteriores à alienação.

A responsabilidade do adquirente pelas obrigações trabalhistas, anteriores

à alienação do estabelecimento, é matéria pacificada nos tribunais. Para ilustrar,

transcreve-se entendimento firmado pela 1ª Turma do Tribunal Superior do

Trabalho, em sede de Recurso de Revista n. 773.665/2001.9, j. em 29.10.2003, em

acórdão de lavra da Juíza convocada Eneida Correia de Araújo:

RECURSO DE REVISTA. SUCESSÃO DE EMPRESAS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. O texto consolidado tem por objetivo imputar a responsabilidade ao empregador atual, ainda que os atos causais tenham ocorrido no tempo do anterior, podendo aquele utilizar-se do direito regressivo que lhe assiste. Por sua vez, cabe frisar que os direitos adquiridos pelos empregados, junto ao antigo empregador, permanecem resguardados, independentemente da transformação ocorrida com a pessoa física ou jurídica detentora da empresa ou de sua organização produtiva, de forma que o novo empreendedor da atividade econômica torna-se responsável por todos os encargos decorrentes da relação de emprego. Trata-se, in casu, da aplicação do princípio da despersonalização do empregador, por meio do qual a empresa, como objeto de direito, representa a garantia de cumprimento das obrigações trabalhistas, independentemente de qualquer alteração ou modificação que possa ocorrer em sua propriedade ou estrutura orgânica. Essa é a orientação que deflui dos artigos 10 e 448 da CLT.

Como visto, o art. 10 da CLT tutela os direitos adquiridos dos empregados.

Por sua vez, o art. 448 assegura que: “A mudança na propriedade ou na estrutura

jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos

empregados.”.

Veja-se, pois, que o objetivo do que expressa o art. 448 da CLT é a

preservação do contrato de trabalho, ou seja, a continuidade do emprego,

independentemente da alteração do empregador.

Nesse sentido, comenta FÉRES: “Quanto à segunda norma mencionada –

art. 448 –, note-se, é assegurada a continuidade dos contratos de trabalho perante

o adquirente da azienda.”172. E, reportando-se à afirmação de Paula Castello

MIGUEL, transcreve importante constatação acerca do dispositivo em análise:

“trata-se de um dos dispositivos legais que corporificam o Principio da

172 FÉRES, M. A. Estabelecimento empresarial. Trespasse e efeitos obrigacionais. p. 91.

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Continuidade do Emprego, também conhecido como Princípio da Permanência do

Contrato de Trabalho.”173.

Ademais, como ressalta CARRION: “O contrato de trabalho é intuitu

personae (ou infungível) com referência ao empregado (art. 2°), mas não quanto ao

empregador (art. 448) [...].”174.

Diante dessa previsão legal, verifica-se que as relações trabalhistas se

conservam com a alienação do estabelecimento empresarial. POSTIGLIONE

afirma que isso ocorre porque “os empregados de uma empresa fazem parte do

seu estabelecimento.”175.

E, sobre a disposição em análise, destaca-se o entendimento de

RIZZARDO:

Em relação ao direito do trabalho, mantêm-se as relações entre empregados e empregadores com a alienação do estabelecimento. O art. 448 da Consolidação das Leis Trabalhistas assegura os efeitos dos contratos de trabalho na mudança de propriedade da empresa, respondendo o antigo proprietário e os adquirentes pelas obrigações pendentes.176

A regra do art. 448 da CLT, como ressalta COELHO, possibilita ao

empregado requerer os seus direitos trabalhistas tanto do adquirente, como do

alienante do estabelecimento177.

Lembre-se que, disposições contratuais para fins de responsabilização

pelas dívidas produzem efeitos apenas entre os contratantes do trespasse,

podendo ser alegadas somente em direito de regresso178.

Portanto, não havendo rescisão dos contratos de trabalho antes da

alienação do estabelecimento empresarial regulada pelo Código Civil, a sucessão

está configurada para efeitos de responsabilizar o adquirente pelas obrigações

trabalhistas.

173

FÉRES, M. A. Estabelecimento empresarial. Trespasse e efeitos obrigacionais. p. 91. 174

CARRION, V. Comentários à consolidação das leis do trabalho. p. 296. 175

POSTIGLIONE, M. L. Direito empresarial. O estabelecimento e seus aspectos contratuais. p. 24. 176

RIZZARDO. A. Direito de empresa. p. 1045. 177

Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. p. 120. 178

Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. p. 120.

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3.1.2 Sucessão perante as obrigações tributárias

Quanto às dívidas tributárias, as hipóteses de responsabilidade por

sucessão do estabelecimento empresarial estão delineadas no art. 133 do CTN.

De acordo com o referido dispositivo legal, a pessoa natural ou jurídica de

direito privado que adquire estabelecimento empresarial e continua a explorar a

atividade empresarial, não importando se sob a mesma razão social ou não, ou sob

firma ou nome individual, responde integralmente pelos tributos referentes ao

estabelecimento adquirido, até a data da transferência, se o alienante deixar de

exercer a atividade empresarial; no caso de o alienante continuar a explorá-la ou,

ainda, iniciar nova atividade dentro do período de seis meses, estes contados da

alienação, a responsabilidade do adquirente é subsidiária.

Cumpre esclarecer e, para isso, reproduz-se a explicação de MARTINS,

que “na responsabilidade subsidiária a obrigação é exigida em primeiro lugar do

contribuinte, do alienante. Apenas se este não pagar é que a obrigação passará a

ser exigida do responsável.“179.

Para aferir a responsabilidade do adquirente acerca das obrigações

tributárias pendentes, RIZZARDO pontifica:

[...] cumpre distinguir se o alienante deixa ou continua a explorar atividade econômica, não importando se igual ou diferente daquela que era explorada no estabelecimento que foi vendido, nos seis meses seguintes à alienação.180

Portanto, se o alienante cessa a exploração da atividade empresarial, o

adquirente é direta e inteiramente responsável pelas dívidas, por outro lado, se

aquele prossegue com a exploração da atividade econômica ou inicia outra até seis

após a alienação, a responsabilidade do adquirente é subsidiária, podendo o

mesmo ser demandado após a tentativa do fisco de cobrar o cumprimento da

obrigação pelo alienante, que é o responsável original pelo tributo.181

Como observa FÉRES, o adquirente não é o sujeito passivo da obrigação

tributária, portanto, a obrigação pelo pagamento da dívida fiscal é do alienante

179 MARTINS, Sérgio Pinto. Manual de direito tributário. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 184. 180 RIZZARDO. A. Direito de empresa. p. 1046. 181 Cf. POSTIGLIONE, M. L. Direito empresarial. O estabelecimento e seus aspectos contratuais. p. 127-128.

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enquanto contribuinte; o que ocorre é a responsabilidade do adquirente por

imposição legal, que nasce a partir da transferência do estabelecimento

empresarial.182

COELHO ressalta que “[...] perante o fisco, são inoponíveis os termos do

trespasse ou a omissão na contabilidade do alienante, que apenas podem

eventualmente fundamentar o direito de regresso.”183. Quer dizer, ainda que exista

previsão contratual estabelecendo quem será o responsável pelo pagamento dos

débitos tributários, anteriores à transferência, referida cláusula produz efeitos

somente entre alienante e adquirente, para fins de ressarcimento pelo valor

pago.184

No caso de alienação judicial do estabelecimento empresarial em processo

de falência, bem como de filiais ou unidades produtivas isoladas, como meio de

recuperação disposto no plano de recuperação judicial, não haverá sucessão do

adquirente no que concerne às obrigações trabalhistas e tributárias, tema que será

analisado na derradeira parte deste trabalho.

3.2 LEI N. 11.101/2005 – QUANDO PREVÊ E COMO DISPÕE ACERCA DA

SUCESSÃO DAS DÍVIDAS TRABALHISTAS E TRIBUTÁRIAS

No segundo capítulo deste trabalho, ocupou-se do procedimento para a

realização da alienação do estabelecimento empresarial como meio de

preservação da empresa, e da forma de realização do ativo da falência. Após, no

primeiro tópico deste capítulo, analisou-se o art. 1.146 do Código Civil, o qual

disciplina as hipóteses de sucessão quando há negociação voluntária do

estabelecimento empresarial ou “trespasse”, momento em que se constatou a

responsabilidade do adquirente pelas dívidas trabalhistas e tributárias já existentes

ao tempo da transferência do mesmo. Cabe, finalmente, abordar a questão da

182 Cf. FÉRES, M. A. Estabelecimento empresarial. Trespasse e efeitos obrigacionais. p. 126-127. 183 COELHO, F. U. Curso de direito comercial. p. 121. 184 Cf. POSTIGLIONE, M. L. Direito empresarial. O estabelecimento e seus aspectos contratuais. p. 129.

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63

sucessão das dívidas trabalhistas e tributárias do adquirente de estabelecimento

empresarial perante a Lei n. 11.101/2005.

No que concerne à recuperação judicial, o art. 60 da LFRE dispõe acerca

da alienação judicial de filiais ou unidades produtivas isoladas do devedor como

meio de recuperação judicial previamente relacionado no plano de recuperação;

conveniente, agora, examinar a determinação contida no parágrafo único do

referido dispositivo:

Art. 60. [omissis] Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no §1° do art. 141 desta Lei.

Tal disposição revela que, se a alienação estiver prevista no plano como

meio de recuperação judicial, e este for aprovado, o adquirente de filial ou unidade

produtiva isolada, respeitada a modalidade de alienação judicial (leilão; propostas

fechadas; pregão), não sucede às dívidas do alienante, ou seja, não é responsável

pelas dívidas do empresário ou sociedade empresária em recuperação judicial.

Contudo, a parte final do dispositivo determina à observância ao §1° do art. 141 da

LFRE, o qual prevê os casos em que não haverá a dispensa de sucessão do

adquirente, conforme será visto detalhadamente, no exame ao artigo mencionado.

BEZERRA FILHO explica a razão pela qual a LFRE expressamente prevê

a inexistência de sucessão:

Um dos grandes temores de quem arremata um bem em juízo é tornar-se sub-rogado nos ônus que pesam sobre o bem. Assim, aquele que arremata um apartamento, teme ser obrigado a pagar as despesas de condomínio em atraso; aquele que arremata um parque industrial teme responder pelas obrigações trabalhistas; todos temem responder pelas obrigações tributárias.185

Some-se a visão de COVAS:

A inovação garante aos interessados mais segurança, uma vez que não devem se sub-rogar nos ônus que eventualmente gravem os bens, o que, usualmente, torna desinteressante a aquisição de bens em hasta pública [...].186

É este o sentido que o parágrafo único do art. 60 expressa: ao livrar o

arrematante de filiais ou unidades produtivas isoladas que estejam previamente

185 BEZERRA FILHO, M. J. Nova lei de recuperação e falências comentada. p. 171. 186

LUCCA, N. D.; SIMÃO FILHO, A. {Coord.}. Comentários à nova lei de recuperação de empresas e de falências. p. 310.

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relacionadas como meio de recuperação no plano de recuperação judicial, a LFRE

objetiva estimular a aquisição desses bens. Dispondo dessa forma “cerca o bem

de todas as garantias de que não será atingido por qualquer outro tipo de ônus,

incluindo expressamente os de natureza tributária.”187.

Sobre a disposição legal, COELHO se posiciona:

Aparentemente, trata-se de medida contrária aos interesses dos credores, mas, de verdade, não é. Se a lei não ressalvasse de modo expresso a sucessão do adquirente, o mais provável é que simplesmente ninguém se interessaria por adquirir a filial ou unidade posta à venda. E, nesse caso, a recuperação não seria alcançada e perderiam todos os credores....188

Assim como preceitua o parágrafo único do art. 60 da LFRE, ao tratar da

alienação como meio de recuperação judicial, o art. 141 dispõe sobre a alienação

de ativos na falência e, em seu inciso II, exime o adquirente das obrigações do

devedor já existentes ao tempo da arrematação, com o propósito de facilitar a

alienação.

Desse modo, quanto às disposições acerca da sucessão de dívidas no

caso de falência do devedor, o art. 141 da LFRE estipula:

Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo: I – todos os credores, observada a ordem de preferência definida no art. 83 desta Lei, sub-rogam-se no produto da realização do ativo; II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidente de trabalho. §1° O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o arrematante for: I – sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido; II – parente, em linha reta ou colateral até o 4° (quatro) grau, consangüíneo ou afim, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou III – identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão. §2° Empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediante novos contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações decorrentes do contrato anterior.

187

BEZERRA FILHO, M. J. Nova lei de recuperação e falências comentada. p. 172. 188 COELHO, F. U. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. p. 170.

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O inciso I prescreve que o resultado alcançado com a realização do ativo,

isto é, o valor obtido com o bem arrecadado é destinado a todos os credores,

respeitada a ordem de preferência regulada pelo art. 83 da LFRE.

Na seqüência, o inciso II contempla a inexistência de sucessão, afastando,

desta feita, a responsabilidade daquele que adquire o objeto alienado, pelas

obrigações do devedor, nestas incluídas expressamente as dívidas trabalhistas e

de acidentes de trabalho, bem como, as tributárias.

O §1° do art. 141 da LFRE cuida das exceções à exoneração da

sucessão, ou seja, algumas pessoas ligadas ao devedor não estarão desobrigadas

das responsabilidades contraídas por este até o momento da alienação do

estabelecimento empresarial.

O §2° reforça a ausência de sucessão trabalhista, uma vez que estabelece

novas contratações, ou seja, novo vínculo empregatício, para os antigos

empregados que laboravam no estabelecimento arrematado e que sejam admitidos

pelo adquirente. A respeito dessa nova contratação, COELHO pontifica:

Como é novo o vínculo trabalhista entre o adquirente da empresa do falido e os empregados que convidar para continuar trabalhando naquela atividade econômica, as obrigações do antigo empregador não podem ser cobradas do adquirente. O salário pode ser menor que o anteriormente contratado. Não há, em síntese, sucessão trabalhista nem continuidade do contrato de trabalho celebrado com o falido.189

De fato, se a LFRE atribuísse ao adquirente a responsabilidade pelas

obrigações do devedor, haveria diminuição considerável no número de

interessados em arrematar o estabelecimento empresarial190, contudo, há que se

analisar que a possibilidade de satisfação desses créditos, por vezes, é reduzida e

que a LFRE não dispõe claramente acerca de quem ficará responsável por

satisfazer essas dívidas.

189

COELHO, F. U. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. p. 369. 190

COELHO, F. U. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. p. 364-368.

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66

3.2.1 Possibilidades de satisfação dos créditos ante a ausência de sucessão

no âmbito trabalhista

Importa esclarecer que em decorrência do contido nas redações do

parágrafo único do art. 60, parágrafo único, e do inciso II do art. 141, da LFRE, há

divergência nos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da não

responsabilização do adquirente pelas obrigações trabalhistas do devedor ser

aplicada na recuperação judicial ou apenas na falência.

Isto porque o parágrafo único do art. 60, ao exonerar o arrematante de

filiais ou unidades produtivas isoladas das obrigações do devedor, utiliza apenas a

expressão “inclusive as de natureza tributária”, diferentemente do que ocorre com a

redação conferida ao inciso II do art. 141, que inclui além das obrigações de

natureza tributária, “as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de

acidentes de trabalho.”.

Sobre o tema, DELGADO se posiciona favorável à ocorrência de sucessão

trabalhista nas alienações judiciais de filiais ou unidades produtivas isoladas de

empresas em recuperação judicial, sob os seguintes fundamentos:

No tocante à recuperação judicial, esta não abrangência resulta de interpretação lógico-sistemática da nova lei, uma vez que semelhante vantagem só foi concedida para os casos de falência, conforme inciso II e §2° do art. 141, preceitos integrantes do capítulo legal específico do processo falimentar. Nada há a respeito da generalização da vantagem empresarial nos dispositivos comuns à recuperação judicial e à falência [...]. Além disso, o art. 60 e seu parágrafo único, regras integrantes do capítulo regente da recuperação judicial, não se referem às obrigações trabalhistas e acidentárias devidas aos empregados, embora concedam a vantagem excetiva (ausência de sucessão) quanto às obrigações de natureza tributária. Por fim, estes mesmos dispositivos (art. 60, caput e parágrafo único) somente se reportam ao § 1° do art. 141, mantendo-se, significativamente, silentes quanto às regras lançadas no inciso II e § 2° do citado art. 141 (estas, sim, fixadoras da ausência de sucessão trabalhista).191 [Grifo no original].

Em contrapartida, ALMEIDA192 entende que a garantia do arrematante de

não ser responsabilizado pelas dívidas trabalhistas, ou seja, de que não haverá

191

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 418-419. 192

Cf. ALMEIDA, A. P. de. Curso de falência e recuperação de empresa. p. 267.

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sucessão nas obrigações trabalhistas do devedor, se aplica a ambos os institutos:

recuperação judicial e falência.

GUIMARÃES entende da mesma forma e explica que

Embora o legislador não tenha expressamente se referido às de natureza trabalhista, também quanto a essas não pode haver sucessão para o arrematante. Isso porque a redação do parágrafo único do art. 60 é a mais ampla possível, estabelecendo que o objeto da alienação estará LIVRE DE QUALQUER ÔNUS, não havendo sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, entenda-se em todas elas, incluídas as trabalhistas, tributárias ou qualquer outra. Não teria sentido o legislador ter sido tão abrangente no dispositivo legal, e o intérprete tão restritivo.193 [Destaque no original].

Referida divergência também tem sido objeto de discussão em decisões

judiciais. Os julgados que reconhecem a sucessão na recuperação judicial utilizam

como principal fundamento os princípios que regem as relações trabalhistas,

aplicando desta feita, o disposto nos arts. 10 e 448 da CLT com prevalência sobre

os dispositivos da LFRE.

Neste sentido, veja-se trecho de decisão do Tribunal Regional do

Trabalho da 19ª Região:

[...] ainda que o tema seja altamente controvertido, entende-se que na alienação judicial, de filial e unidades produtivas na recuperação judicial, presentes os requisitos dos arts. 10 e 448, ocorre, sim, a sucessão trabalhista, gerando todos os seus efeitos, inclusive quanto à responsabilidade do sucessor (adquirente ou arrematante), pelas obrigações trabalhistas e pelo passivo trabalhista anterior à aquisição.194

Para ilustrar entendimento contrário, transcreve-se ementa de acórdão da

2ª Turma do TRT da 12ª Região que afasta a sucessão:

RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SUCESSÃO DE EMPREGADORES. IMPOSSIBILIDADE. Percebe-se que o legislador ordinário, ao excluir a sucessão do arrematante nas obrigações do alienante, conforme o art. 60 da Lei nº 11.101/05, teve como finalidade incentivar a venda de empresa em recuperação judicial, de forma que esta obtenha alguma vantagem pecuniária para resguardar a sua sobrevivência, fato

193

GUIMARÃES, Maria Celeste Morais. Recuperação judicial de empresas e falência à luz da nova Lei n. 11.101/2005. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 147. 194

BRASIL. ALAGOAS. Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região. Recurso de revista em Recurso ordinário n. 01014-2006-010-19-00-8, Tribunal Pleno, Relator: Desembargador Presidente Nova Moreira, julgado em 01 set. 2008. Disponível em: http://www.trt19.jus.br. Acesso em: abril de 2009.

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este que também atinge diretamente à manutenção de postos de trabalho.195 [Destaque no original].

Destaca-se que, após ter sido concluído o presente trabalho monográfico,

sobreveio no último dia 27 de maio decisão do Supremo Tribunal Federal que pôs

fim às discussões acerca da ocorrência ou não de sucessão na recuperação

judicial. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.934, do Distrito

Federal, o Supremo julgou constitucional o disposto no parágrafo único do art. 60,

confirmando a isenção da responsabilidade do arrematante por dívidas

trabalhistas.196

Vale ressaltar que para o presente trabalho importam as disposições da

LFRE, para fins de análise quanto às possibilidades de satisfação dos créditos

trabalhistas, tanto na recuperação judicial quanto na falência, uma vez que a

sucessão do arrematante de estabelecimento empresarial foi dispensada pela

mesma.

Ocorre que ao exonerar o arrematante, a LFRE não é clara, tampouco

dispõe de forma expressa sobre quem recai a responsabilidade pelo pagamento

das dívidas do devedor provenientes das relações trabalhistas. Nesse contexto,

passa-se a abordar as possíveis formas de satisfação desses créditos.

O art. 6º da LFRE ao dispor sobre as ações e execuções existentes contra

o devedor anteriores ao processamento da recuperação judicial ou a decretação da

falência, determina que seja suspenso o curso da prescrição e impõe ao juízo no

qual estiver se processando a ação ou execução em face do devedor, a suspensão

das mesmas.

Frise-se que essas suspensões encontram ressalvas nos parágrafos do

dispositivo em comento; todavia, para o deslinde da questão sob análise, é

importante esclarecer, primeiramente, o conteúdo do §2º:

É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8º desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do

195

BRASIL. SANTA CATARINA. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Recurso ordinário n. 06455.2006.036.12.00-7, 2ª Turma, Relatora: Juíza Maria Aparecida Caitano, julgado em 19 ago. 2008. Disponível em: http://www.trt12.jus.br. Acesso em: abril de 2009. 196

BRASIL. BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.934, do Distrito Federal. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 27 mai. 2009. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 31 de maio de 2009.

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respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença.

A primeira parte do dispositivo em comento apenas estabelece a

possibilidade do credor habilitar seu crédito sem a discussão do valor197, pois, na

sequência, resta evidente ser a Justiça do Trabalho compete para processar e

julgar as ações propostas pelos trabalhadores para fins de reconhecer o crédito e

liquidar o valor na forma da legislação trabalhista. É somente após a quantificação

do valor que o credor poderá habilitá-lo no Juízo Universal198, em observância à

competência material da Justiça do Trabalho prescrita no art. 114 da Constituição

Federal199.

SOUZA, em exame às conseqüências da LFRE no direito e processo do

trabalho, afirma:

O credor trabalhista, por força do disposto no art. 6º, §2º, da LRF, terá de se habilitar no quadro-geral de credores, tanto no caso da recuperação judicial quanto na falência. Waldo Fazzio Júnior, assevera que, em virtude de obstáculo competencial, a habilitação do crédito trabalhista exige apuração prévia perante a Justiça do Trabalho, para se avaliar de sua certeza e liquidez, ou seja, se existe e em quanto importa. Trata-se de fase antecedente e obrigatória da habilitação de tal crédito.200

Vale lembrar que a CLT estabelece em seu art. 768201 que terá

preferência, em todas as fases processuais, o dissídio cuja decisão deva ser

executada perante o Juízo Falimentar.

Uma das possibilidades de recebimento do valor devido a título de

obrigações trabalhistas no processamento da recuperação judicial ou na falência é

garanti-lo através da reserva de importância prevista no §3º, que preceitua:

197

Cf. TOLEDO, Paulo F. C. Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique. {Coord.}. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 23. 198

O princípio da universalidade do juízo falimentar está previsto no art. 76 da Lei n. 11.101/05: “O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.”. 199

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. “Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; [...].”. 200

SOUZA, Marcelo Papaléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 180. 201

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho, de 1º de maio de 1943. “Art. 768. Terá preferência em todas as fases processuais o dissídio cuja decisão tiver de ser executada perante o Juízo da falência.”.

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O juiz competente para as ações referidas nos §§ 1º e 2º deste artigo poderá determinar a reserva de importância que estimar devida na recuperação judicial ou na falência, e, uma vez reconhecido líquido o direito, será o crédito incluído na classe própria.

Como visto anteriormente, no §2º, os empregados do devedor somente

poderão habilitar-se após a apuração e liquidação do valor de seus créditos. No

caso em que os créditos ainda estão sendo discutidos perante a Justiça do

Trabalho, o empregado pode requerer ao juiz trabalhista que determine a reserva

da importância que entender devida a fim de garantir-lhe o recebimento.

Esclarece BEZERRA FILHO que

Em tal situação, o interessado informa o fato por petição ao próprio juiz trabalhista e requer reserva do valor, para pagamento futuro, o que deverá ser deferido pelo juiz da falência ante o ofício encaminhado pela justiça especializada. Sem embargo, o próprio interessado pode instruir petição com documentos suficientes e requerer, diretamente ao juiz da falência, que determine a reserva.202

Ressalta-se que como o crédito está sendo averiguado na justiça

especializada, no momento da petição não é possível determinar um valor exato,

razão pela qual o valor da reserva será requerido por estimativa.203

Esses valores reservados, nos termos do §1º do art. 149: “ficarão

depositados até o julgamento definitivo do crédito.”.

De acordo com os ensinamentos de MAMEDE, pode-se afirmar que a

reserva de valores confere segurança ao processo, posto que se a ação para

reconhecimento de seu direito for morosa o credor trabalhista acabará “excluído do

primeiro rateio” e haverá o risco de “não restar dinheiro suficiente para permitir-lhe

acesso ao patrimônio ativo do empresário ou sociedade empresária em igualdade

de condições com os demais credores da mesma classe.”.204

No tocante aos créditos de natureza estritamente salarial, o parágrafo

único do art. 54 estabelece que o pagamento dos salários “vencidos nos 3 (três)

meses anteriores ao pedido de recuperação judicial” e “limitados à 5 (cinco)

salários mínimos por trabalhador”, deverá ser efetuado no prazo máximo de 30

(trinta) dias, não podendo o plano de recuperação prever a prorrogação desse

prazo. 202

BEZERRA FILHO, M. J. Nova lei de recuperação e falências comentada. p. 62. 203

Cf. BEZERRA FILHO, M. J. Nova lei de recuperação e falências comentada. p. 60. 204

MAMEDE, G. Falência e recuperação de empresas. vol. 4. p. 79.

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Semelhante determinação é encontrada nas disposições pertinentes à

falência, especificamente no art. 151 que prescreve:

Os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários mínimos por trabalhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa.

Para SOUZA205 o “pronto pagamento” dessas parcelas é uma forma de

reduzir os danos causados aos trabalhadores pela falta de recebimento dos

salários; mas critica o alcance deste pagamento:

Entendemos que o legislador deveria utilizar um critério correlacionado com o período do contrato de trabalho havido, sistemática que é adotada no cálculo das parcelas do seguro-desemprego, inclusive quanto ao valor.206

BEZERRA FILHO207 entende a introdução destes artigos como “barganha

política” e esclarece que estes artigos foram inseridos como forma de compensar o

limite imposto pelo legislador ao privilégio dos créditos derivados da legislação do

trabalho em 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos por credor (art. 83, inciso I),

ordenando que o exceder ao limite seja transformado em crédito quirografário –

sexto na ordem de preferência prevista no art. 83.

Cabe agora analisar, nas disposições referentes à recuperação judicial,

quem arcará com os créditos trabalhistas vencidos até a data do pedido de

recuperação, posto que o parágrafo único do art. 60 se limita a regulamentar a

inexistência de sucessão do arrematante de filiais ou de unidades produtivas

isoladas do devedor, conforme se observou no item 3.2.

No pedido de recuperação judicial o devedor deverá informar a relação

pormenorizada de seus empregados, devendo conter, nos termos do inciso IV do

art. 51: “[...] as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que

têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos

valores pendentes de pagamento;”.

Após, deferido o processamento da recuperação judicial e observadas as

demais formalidades, será apresentado o plano de recuperação judicial.

205

Cf. SOUZA, M. P. de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. p. 243. 206

SOUZA, M. P. de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. p. 244. 207

Cf. BEZERRA FILHO, M. J. Nova lei de recuperação e falências comentada. p. 332.

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O plano de recuperação judicial é o instrumento por meio do qual o

devedor apresenta aos seus credores um “projeto de superação da crise

econômico-financeira enfrentada pela organização [...].”.208

Conforme as exigências estipuladas pelo art. 53, o plano de recuperação

deverá conter:

Art. 53. [omissis] I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o art. 50 desta Lei, e seu resumo; II – demonstração de sua viabilidade econômica; e III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.

Portanto, se o teor do parágrafo único do art. 60 estabelece que não há

sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, deduz-se que a

responsabilidade pelo crédito trabalhista será da empresa sob recuperação judicial.

E, ainda, se é no plano de recuperação que o devedor estabelece quais os

meios de recuperação que serão aplicados, ainda que a legislação não seja

específica, é possível inferir que também nele devem restar estabelecidos os

procedimentos e condições de pagamento dos créditos trabalhistas vencidos, e

que não serão assumidos pelo adquirente de filiais ou de unidades produtivas

isoladas do devedor.

Contribuindo com as assertivas, SOUZA, em análise aos direitos dos

empregados diante do que estabelece o parágrafo único do art. 60 da LFRE,

pontifica:

[...] no caso da recuperação judicial, o devedor continua a existir, tendo responsabilidade pelo pagamento de todos os direitos dos seus empregados. Só não se admite que os empregados que trabalhava no estabelecimento alienado, em decorrência do plano de recuperação judicial, exijam do arrematante os valores anteriores à alienação.209

Some-se o entendimento de MAMEDE que ao examinar como meios de

recuperação judicial da empresa as possibilidades de concessão de prazos e

condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas é

categórico ao afirmar: “Mesmo as obrigações e relações jurídicas de natureza

208

MAMEDE, G. Falência e recuperação de empresas. vol. 4. p. 231. 209

SOUZA, M. P. de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. p. 188.

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trabalhista são passíveis de negociação no âmbito do processo de recuperação de

empresa [...].”.210

No mesmo sentido assevera NOGUEIRA: “O modo, o tempo e o valor de

quitação do crédito habilitado na recuperação judicial são definidos no respectivo

plano.”.211

Para firmar os entendimentos acima explicitados, transcreve-se ementa da

decisão proferida pela 1ª Turma do TRT da 14ª Região, de relatoria da juíza Elana

Cardoso Lopes Leiva de Faria:

RECUPERAÇÃO JUDICIAL NOVA LEI DE FALÊNCIA. ALIENAÇÃO JUDICIAL AUSÊNCIA DE SUCESSÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA “AD CAUSAM” DA EMPRESA ADQUIRENTE DA UNIDADE PRODUTIVA. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA RECUPERANDA. Quando o Plano de Recuperação Judicial aprovado envolver alienação de Unidade Produtiva, não há falar em sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, nos termos do que estabelece o parágrafo único, art. 60 da Lei de Falência (11.101/2005), devendo ser afastada a responsabilidade subsidiária ou solidária da empresa arrematante, permanecendo na lide apenas a empresa recuperanda, a qual será responsável pelo crédito exeqüendo porventura existente.212 [Ausência de grifo no original].

E, ainda, em trecho do acórdão supracitado, a magistrada observa: “[...] o

que existe é a necessidade, quase que obrigatória de funcionar o plano de

recuperação judicial.”.213

A LFRE prevê prazo máximo para o pagamento dos créditos trabalhistas

na recuperação judicial, conforme estipula o caput do art. 54:

O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1(um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial.

210

MAMEDE, G. Falência e recuperação de empresas. vol. 4. p. 236. 211NOGUEIRA, Lidiane Duarte. Os créditos trabalhistas e a recuperação judicial e extrajudicial. Disponível em: http://www.sindiatacadistas.com.br/informativos/informativo26. Acesso em: abril de 2009. 212

BRASIL. ACRE. Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região. Recurso ordinário n. 00474.2007.401.14.00-9, 1ª Turma, Relatora: Juíza Elana Cardoso Lopes Leiva de Faria, julgado em 23 nov. 2007. Disponível em: http://www.trt14.jus.br. Acesso em: abril de 2009. 213

BRASIL. ACRE. Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região. Recurso ordinário n. 00474.2007.401.14.00-9, p. 11, 1ª Turma, Relatora: Juíza Elana Cardoso Lopes Leiva de Faria, julgado em 23 nov. 2007. Disponível em: http://www.trt14.jus.br. Acesso em: abril de 2009.

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A inobservância do prazo de 1 (um) ano, para o pagamento dos créditos

trabalhistas vencidos, acarreta a convolação da recuperação judicial em falência,

conforme previsão contida nos arts. 61, §1º e art. 73, inciso IV.214

Os credores podem manifestar objeções ao plano de recuperação judicial

e, se assim houver, de acordo com o art. 56: “[...] o juiz convocará a assembléia-

geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação.”.

Esse preceito é de suma importância na medida em que possibilita a

discussão acerca dos créditos trabalhistas, em consonância com o art. 35, inciso I,

alínea “f”, que fixa ser atribuição da assembléia-geral, na recuperação judicial, a

discussão sobre qualquer matéria que possa afetar os interesses dos credores.

Neste momento, conveniente destacar a necessidade de participação do

sindicato dos trabalhadores.

O art. 37, §5º da LFRE autoriza os sindicatos dos trabalhadores a

representar seus associados na assembléia-geral de credores; porém, além da

representação sindical, entende-se que a função negocial do sindicato também

deva ser aplicada à LFRE.

MARTINS esclarece no que consiste a função negocial do sindicato:

[...] é a que se observa na prática das convenções e acordos coletivos de trabalho. O sindicato participa das negociações coletivas que irão culminar com a concretização de normas coletivas (acordos ou convenções coletivas de trabalho), a serem aplicadas à categoria. É melhor que as próprias partes resolvam seus conflitos, mediante concessões recíprocas, por meio de negociação. Concretizada a negociação, são feitas as cláusulas que irão estar contidas nas convenções ou acordos coletivos, estabelecendo normas e condições de trabalho.215

Qualquer medida adotada no plano de recuperação que implique em

alteração e/ou redução nos direitos dos empregados, prejudicando a situação

original de seus créditos, necessita de negociação do sindicato e será formalizada

através de acordo ou convenção coletiva – não há disposição a respeito na LFRE;

214

BRASIL. Lei n. 11.101/2005. “Art. 61. Proferida a decisão prevista no art. 58 desta Lei, o devedor permanecerá em recuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano que se vencerem até 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial. §1º Durante o período estabelecido no caput deste artigo, o descumprimento de qualquer obrigação prevista no plano acarretará a convolação da recuperação em falência, nos termos do art. 73 desta Lei. [...].”. “Art. 73. O juiz decretará a falência durante o processo de recuperação judicial: IV – por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação, na forma do § 1º do art. 61 desta Lei.”. 215

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 743.

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trata-se, sim, de exigência constitucional contemplada no art. 7º, incisos VI, XIII,

XIV e XXVI e art. 8º, incisos III e VI, da CRFB/88216.

A propósito, em comentários aos meios de recuperação judicial que

versam sobre direitos trabalhistas, observa OCHOA:

O sucesso desta medida depende da boa articulação com os sindicatos de empregados, cuja intervenção é obrigatória, embora a lei não o diga. É que se trata aqui de norma constitucional, pois não há convenção ou acordo coletivo, sem a presença da entidade representativa, conforme o artigo 8º, inciso VI, da Constituição da República. E mais grave: a lei somente previu a participação da entidade sindical na assembléia como representante dos interesses dos credores trabalhistas, olvidando-se de regrar minimamente sua participação para deliberar sobre os temas redução salarial, compensação de horas e redução de jornada.217

Como se depreende dos dispositivos legais analisados, os créditos

trabalhistas na recuperação judicial devem ser quitados na forma prevista no plano

de recuperação, cuja aprovação deve contar com a participação do sindicato.

Na falência, como na recuperação judicial, a LFRE (art. 141, inciso II),

exime o arrematante das responsabilidades pelos débitos trabalhistas do devedor

existentes ao tempo da alienação.

Não obstante, o art. 449 da CLT218 dispõe sobre a conservação dos

direitos oriundos do contrato de trabalho em caso de falência.

Para que não haja qualquer dúvida sobre a exclusão do arrematante da

responsabilidade pelo passivo trabalhista, o §2º do art. 141 confirma a inexistência

de sucessão ao dispor: “Empregados do devedor contratados pelo arrematante 216

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; [...].”. “Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho; [...].”. 217

OCHOA, Roberto Ozelame. Lei de recuperação de empresas. Meios de recuperação judicial. Disponível em: http://www.planejaerecupera.com.br/materia.php?vIDMateria=95. Acesso em: abril de 2009. 218

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho, de 1º de maio de 1943. “Art. 449. Os diretos oriundos da existência do contrato de trabalhos subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa.

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76

serão admitidos mediante novos contratos de trabalho e o arrematante não

responde por obrigações decorrentes do contrato anterior.”.

Sobre o § 2° transcreve-se a interpretação de BEZERRA FILHO:

Trata-se de caso no qual um terceiro adquire, por arrematação, uma empresa. Para continuar funcionando normalmente, o arrematante contrata os mesmos empregados que, no entanto, para o recebimento dos valores devidos pelo falido, apenas podem sub-rogar-se no preço depositado pelo arrematante.219

Nesse contexto SAAD explica que:

[...] poderão os empregados habilitar seus créditos no processo falimentar, ou sejam, salário vencido, férias vencidas ou proporcionais, aviso prévio, contribuições ao INSS retidas pelo falido, depósito do FGTS e indenização de 40% desde depósito, ficando com a natureza privilegiada os créditos trabalhistas até aquele limite de 150 salários mínimos [...].220

Vale relembrar o teor do inciso I do art. 141, este examinado na

oportunidade em que se tratou das disposições acerca da sucessão das dívidas na

alienação de ativos no processo falimentar: “I – todos os credores, observada a

ordem de preferência definida no art. 83 desta Lei, sub-rogam-se no produto da

realização do ativo.”.

Portanto, se o bem adquirido pelo arrematante no processo de falência

não responde pelas dívidas do falido221, não havendo sucessão do arrematante, os

créditos trabalhistas subsistem contra a massa falida222.

Desse modo, a fim de que possam receber aquilo que lhes é devido,

devem os empregados habilitar seus créditos, observando o disposto no §1º do art.

7º da LFRE223; referidos créditos serão satisfeitos de acordo com as forças da

massa falida.224

219

BEZERRA FILHO, M. J. Nova lei de recuperação e falências comentada. p. 320. 220

SAAD, E. G.; et. all. CLT comentada. p. 393. 221

Cf. BEZERRA FILHO, M. J. Nova lei de recuperação e falências comentada. p. 317. 222

Idem nota 135: “A expressão ‘massa falida’ encontra-se na lei em dois sentidos diferentes: subjetivo e objetivo. A massa falida subjetiva (também chamada de massa passiva ou dos credores) é o sujeito de direito despersonalizado voltado à defesa dos interesses gerais dos credores de um empresário falido. A massa falida objetiva, por sua vez, é o conjunto de bens arrecadados do patrimônio do falido. É chamada, também, de massa ativa.” [Grifo no original]. COELHO, F. U. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. p. 309-310. 223 BRASIL. Lei n. 11.101/2005. “Art. 7º A verificação dos créditos será realizada pelo administrador judicial, com base nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores, podendo contar com o auxílio de profissionais ou empresas especializadas. § 1º Publicado o edital previsto

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Para melhor compreensão acerca do procedimento, interessante destacar

a breve explicação de SZTAJN:

A liquidação da empresa, uma vez interrompida a atividade, vem secundada pelo procedimento de liquidação do ativo para solver o passivo, isto é, a conversão dos ativos em moeda e pagamento das obrigações. [...]. Apurado o montante dos débitos, arrecadados os bens (ativos) da empresa falida, organizados os credores segundo a ordem de preferência para que sejam pagos seus créditos inicia-se a fase de venda de ativos, bens ilíquidos, para torná-los líquidos (moeda corrente).225

Portanto, o valor apurado com a realização do ativo da empresa fica à

disposição do juízo falimentar e destina-se ao pagamento dos credores226, que

será efetuado consoante à ordem de preferência disposta no art. 83 da LFRE.

Os créditos trabalhistas estão em primeiro lugar na ordem de

classificação, porém, a LFRE restringiu esse privilégio:

Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidente de trabalho; [...].

O valor que exceder o limite de 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos

imposto pelo legislador será incluído na classe dos créditos quirografários, em

sexto lugar na ordem de preferência, de acordo com o inciso VI, alínea “c”:

Art. 83. [...] VI – créditos quirografários, a saber: [...] c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo.

no art. 52, §1º, ou no parágrafo único do art. 99 desta Lei, os credores terão o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar ao administrador judicial suas habilitações ou suas divergências quanto aos créditos relacionados.”. 224

Cf. ALMEIDA, Amador Paes de. Os direitos trabalhistas na recuperação judicial e na falência do empregador. Disponível em: www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FDir/Artigos/amador.pdf. Acesso em: abril de 2009. 225 TOLEDO, P. F. C. S. de; ABRÃO, C. H. {Coord.}. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. p. 430. 226

COELHO, Fábio Ulhoa. Falências: Principais Alterações. Disponível em: http://www.ulhoacoelho.com.br/html/acad/pdf/1__Fal%C3%AAncias%20%20Principais%20altera%C3%A7%C3%B5es.pdf. Acesso em: abril de 2009.

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Além dos valores obtidos com a alienação dos bens da massa falida, toda

e qualquer importância recebida será, conforme assenta o art. 147 da LFRE,

“imediatamente depositada em conta remunerada de instituição bancária,

atendidos os requisitos da lei ou das normas de organização judiciária.”.

MAMEDE esclarece o alcance do dispositivo:

Os valores que forem arrecadados pelo administrador judicial, no caixa da empresa, nas contas bancárias, a partir do pagamento de devedores, bem como os que resultarem da realização do ativo, constituem um fundo comum, utilizado pelo administrador judicial para efetuar os pagamentos devidos pela massa, nos limites de sua força.227

Nesse contexto, salienta-se que, ainda que os créditos trabalhistas gozem

de preferência sobre os demais créditos inscritos no quadro geral de credores, o

art. 149 da LFRE contempla uma ordem de pagamento aos credores que deverá

ser respeitada. Inicialmente serão efetuadas as restituições228, seguidas dos

credores da massa falida, cujos créditos são denominados pela LFRE de

extraconcursais229, para, então, serem pagos os credores da empresa falida com o

valor recebido com a realização do ativo, consoante a ordem de classificação

regulada pelo art. 83.

O dispositivo legal em comento preceitua, ainda, que deverão ser

respeitadas as decisões judiciais que determinam a reserva de importâncias e, se

assim houver, estabelece o §1º que:

[...] os valores a ela relativos ficarão depositados até o julgamento definitivo do crédito e, no caso de não ser este finalmente reconhecido, no todo ou em parte, os recursos depositados serão objeto de rateio suplementar entre os credores remanescentes.

227

MAMEDE, G. Falência e recuperação de empresas. vol. 4. p. 616. 228

BRASIL. Lei n. 11.101/2005. “Art. 85. O proprietário de bem arrecadado no processo de falência ou que se encontre em poder do devedor na data da decretação da falência poderá pedir sua restituição.”. 229

BRASIL. Lei n. 11.101/2005. “Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a: I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência; II – quantias fornecidas à massa pelos credores; III – despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência; IV – custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida; V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.”.

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Relembre-se, também, que a LFRE prevê o pagamento antecipado, ou

seja, antes de qualquer outro, das despesas indispensáveis à administração da

falência (art. 150), como também dos créditos trabalhistas de natureza estritamente

salarial que se venceram nos três meses anteriores à quebra (art. 151).

Logo, os credores trabalhistas com créditos vencidos anteriormente a

decretação da falência do devedor serão satisfeitos conforme os recursos da

massa, porém, somente depois de efetuados os pagamentos antecipados, às

restituições em dinheiro e pagos os créditos extraconcursais.

3.2.2 Possibilidades de satisfação dos créditos ante a ausência de sucessão

no âmbito tributário

Como já examinado no item 3.1 e reiterado em momentos oportunos, a

regra geral é que o adquirente do estabelecimento empresarial sucede o alienante

em relação às obrigações trabalhistas e tributárias existentes ao tempo da

transferência do estabelecimento empresarial. Na sequência observou-se que essa

regra foi excepcionada pela LFRE, em seus arts. 60, parágrafo único, e 141, inciso

II.

Entretanto, no que se refere às obrigações tributárias, houve a

necessidade de se adequar a regra contida na legislação tributária aos dispositivos

da LFRE, pela repercussão de suas inovações.

As importantes alterações no Código Tributário Nacional foram

introduzidas pela Lei Complementar n. 118, de 9 de fevereiro de 2005, que “altera

e acrescenta dispositivos à Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código

Tributário Nacional, e dispõe sobre a interpretação do inciso I do art. 168 da

mesma Lei”, editada concomitantemente à LFRE.

Como observa PROENÇA:

De fato, tendo em vista as inúmeras modificações no direito concursal, com a criação de novos institutos e procedimentos jurídicos, se fez indispensável uma adequação do Código Tributário Nacional, principalmente nas partes que versam sobre a

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sucessão e o crédito tributário, tudo com vistas a que a Lei 11.101/2005 possa ter eficiência e efetividade.230

Assim, o art. 1° da Lei Complementar em comento, prescreve: “A Lei n.°

5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, passa a vigorar com

as seguintes alterações[...].”.

Necessário alertar que para o presente trabalho, importam às alterações

referentes à sucessão tributária e à ordem de preferência do crédito tributário no

contexto da LFRE.

Desse modo, ao art. 133 do CTN, a Lei Complementar n. 118/2005

acrescentou os parágrafos 1º, 2º e 3º, novas regras a respeito da responsabilidade

por sucessão de estabelecimentos empresariais adquiridos em processo de

recuperação judicial e falência. A partir dessas novas disposições, o adquirente de

ativos em alienação judicial, está desobrigado da responsabilidade pelo pagamento

das dívidas fiscais, já existentes ao tempo da arrematação.

Esta é a nova redação da citada regra, in verbis:

Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a data do ato; [...]. §1° O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial: I - em processo de falência; II - de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial [...].

No § 2°, atenta às possibilidades de situações de fraude contra os

credores, a LC n. 118/05 previu, expressamente, exceções acerca da isenção da

sucessão tributária:

§ 2° Não se aplica o disposto no § 1° deste artigo quando o adquirente for: I – sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial; II – parente, em linha reta ou colateral até o 4° (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou

230 SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. {Coord.}. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. Lei 11.101/05 artigo por artigo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 653.

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III – identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.

De acordo com SILVA MARTINS, o § 2° foi inserido para “evitar o uso de

fraude ou forma abusiva e ilícita nessa oferta legislativa de desoneração de

responsabilidade tributária.”231. E, na seqüência, complementa:

Certo, portanto, é o objetivo da norma: evitar procedimentos fraudulentos que, sob o manto da exclusão da responsabilidade tributária, visem despatrimonializar a empresa em favor do devedor em total detrimento dos credores da empresa.232

O §3º refere-se apenas ao processo de falência, e determina que o

produto da venda do estabelecimento seja destinado a uma conta de depósito à

disposição do juízo falimentar, pelo prazo de um ano, contado da data da

alienação, “somente” para o pagamento dos débitos da falida, os chamados

“créditos extraconcursais”; ou, para os créditos que preferem ao tributário.

Alterou, também, a ordem de preferência do crédito tributário para os

casos de falência, de acordo com o parágrafo único do art. 186 CTN:

Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. Parágrafo único. Na falência: I – o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais ou às importâncias passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com garantia real, no limite do valor do bem gravado; II – a lei poderá estabelecer limites e condições para a preferência dos créditos decorrentes da legislação do trabalho; e III – a multa tributária prefere apenas aos créditos subordinados. [Ausência de grifo no original].

Portanto, o art. 186 do CTN, com a redação que lhe foi determinada pela

LC n. 118/2005, determina que, inicialmente, efetue-se o pagamento dos créditos

extraconcursais (art. 84, LFRE) e às importâncias passíveis de restituição (art. 85,

LFRE). Após, obedecida à ordem de classificação (art. 83 da LFRE), inicia-se o

pagamento dos créditos trabalhistas, estes limitados a cento e cinquenta salários

mínimos por credor, seguidos dos créditos decorrentes de acidentes de trabalho -

para estes a lei não fixa limite; na sequência, recebem os credores com garantia

231 SILVA MARTINS, Ives Gandra da. {Coord.}. Comentários ao Código Tributário Nacional. v. 2. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 283. 232 SILVA MARTINS, I. G. da. {Coord.}. Comentários ao Código Tributário Nacional. p. 283.

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real, limitados ao valor do bem gravado, para que, finalmente, o crédito tributário

possa ser satisfeito.

Por sua vez, nos termos da alteração do art. 188 do CTN, os “créditos

tributários decorrentes de fatos geradores ocorridos no curso do processo de

falência” são considerados extraconcursais, o que, conforme exposto acima,

implica em seu pagamento com precedência sobre a ordem de classificação dos

créditos prevista no art. 83 da mesma lei, em consonância com o art. 84, inciso V,

da LFRE.

Cumpre esclarecer que os créditos extraconcursais (art. 84 da LFRE),

muitas vezes mencionados no desenvolvimento do presente trabalho, não estão

sujeitos à habilitação porque consistem, em síntese, nas obrigações contraídas

durante o processo de recuperação judicial (art. 67 da LFRE), assim como nos

créditos devidos pela massa falida após a decretação da falência.

Segundo BEZERRA FILHO:

[...] a Lei preocupou-se em determinar o pagamento preferencial dos valores despendidos com a administração prestada após o decreto de falência, por serviços prestados à massa ou por despesas decorrentes destes serviços.233

Abordadas, de forma sucinta, as alterações ao CTN, ocorridas por meio da

LC n. 118/2005, para o fim de adaptá-lo à Lei n. 11.101/2005, cumpre, agora,

analisar as possibilidades de satisfação das dívidas tributárias nos termos desta.

Antes, faz-se necessário esclarecer que a regra contida no “caput” do art.

6° da LFRE, que determina a suspensão das ações e execuções que tramitam

contra o devedor, não se aplica aos débitos fiscais, conforme convenciona o § 7°:

As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica.

Na recuperação judicial, o art. 57 exige a apresentação de certidões

negativas de débitos tributários; uma forma de exigir que o devedor ao menos

parcele suas dívidas fiscais, segundo o disposto no art. 191-A do CTN, este

acrescentado pela LC n. 118/2005:

A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta Lei.

233

BEZERRA FILHO, M. J. Nova lei de recuperação e falências comentada. p. 211.

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O parcelamento será realizado nos moldes dos parágrafos 3º e 4º do art.

155-A, dispositivo também acrescido pela LC n. 118/2005:

Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica. [...]; § 3º Lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial. § 4º A inexistência da lei específica a que se refere o § 3º deste artigo importa na aplicação das leis gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial, não podendo, neste caso, ser o prazo de parcelamento inferior ao concedido pela lei federal específica.

E, no que pertine ao processo de falência, ainda que o dispositivo tenha

permanecido silente, BEZERRA FILHO faz importante apontamento sobre os

débitos tributários:

No que diz respeito à falência, cumpre mencionar que os mesmos independem de habilitação, na forma do art. 187 do CTN e do art. 29 da Lei 6.830/80. Estes créditos apenas devem ser comunicados ao juízo da falência [...].234

Uma das hipóteses de pagamento dos débitos tributários é a inserção

destes na classe dos créditos extraconcursais. Contudo, esta é uma possibilidade

que se restringe aos tributos devidos pela falida cujos fatos geradores ocorreram

durante o processo de falência. Estes sim, por expressa disposição legal, serão

considerados extraconcursais e, portanto, terão preferência na ordem de

pagamento dos credores.

Para a satisfação de referidos créditos a legislação previu o depósito de

valores para a garantia desses pagamentos, de acordo com os arts. 133, §3º do

CTN e 147 da LFRE, já examinados anteriormente.

Ocorre que, com a exclusão da sucessão tributária na alienação judicial de

ativos do devedor, indaga-se: quem arcará com as dívidas tributárias já existentes,

decorrentes do estabelecimento empresarial e que foram adquiridas antes da

alienação do mesmo, uma vez que essa questão não está prevista no §3º do art.

133 do CTN.

Cabe lembrar que o Estado não poderá arcar com o prejuízo pelos débitos

do falido, uma vez que não pode dispor de um patrimônio que não lhe pertence.

Nesse sentido, pontifica MAMEDE: 234

BEZERRA FILHO, M. J. Nova lei de recuperação e falências comentada. p. 65.

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A União, o Estado, as Unidades da Federação e os Municípios, entes autônomos (art. 18, CF), porém enfeixados em uma estrutura política comum, indissolúvel (artigo 1º), nada mais são do que uma organização da sociedade e para o bem estar dela.235

Segundo MAMEDE, todas as obrigações do devedor “mantêm-se na

massa falida e não se transferem ao adquirente, não importa sua natureza:

obrigações trabalhistas, previdenciárias, tributárias, administrativas, cíveis etc.”236.

De igual modo entende MIRETTI237, ao dispor que o credor tributário

deverá como os demais, observar a ordem de classificação definida no art. 83 da

LFRE e sub-rogar-se no produto da alienação.

Some-se, ainda, a posição de DIFINI ao afirmar que:

Quanto aos créditos tributários cujos fatos geradores ocorreram antes da decretação da falência sujeitam-se ao concurso e são pagos quando do pagamento dos credores em geral, após a elaboração do respectivo quadro geral e realização do ativo.238

Portanto, no processo de falência, o pagamento dos débitos tributários

será efetuado nos mesmos moldes do crédito trabalhista, obedecendo à ordem dos

pagamentos que deverão ser efetuados pela massa falida, como também a

classificação dos credores concursais. Ou seja, após a antecipação dos

pagamentos (arts. 150 e 151), realizadas as restituições (art. 85) e quitados os

créditos extraconcursais, serão pagos os créditos concursais (art. 83), dentre os

quais os tributários ocupam a terceira posição (inciso III), perdendo em privilégio

para os credores trabalhistas (inciso I) e credores com garantia real até o valor do

bem agravado (inciso II).

Por toda limitação encontrada nos posicionamentos exarados a respeito

do tema objeto do presente estudo, bem como da análise dos dispositivos

pertinentes ao mesmo, pode-se dizer que a única opção que resta ao credor

tributário para ter quitado seu crédito, assim como ocorre ao trabalhista, é aguardar

235

MAMEDE, G. Falência e recuperação de empresas. vol. 4. p. 584. 236 MAMEDE, G. Falência e recuperação de empresas. vol. 4. p. 608. 237 Cf. MIRETTI, Luiz Antonio Caldeira. A sucessão tributária na lei de recuperação e falências. Disponível em: http://www.fiscosoft.com.br/main_index.php?home=home_artigos&m=&nx_=&viewid=153017. Acesso em: maio de 2009. 238 DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Manual de direito tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 340.

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que as forças da massa falida sejam suficientes para alcançá-lo na ordem de

classificação em que está inserido.

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CONCLUSÃO

Pelo presente trabalho, procurou-se analisar a ausência de sucessão

trabalhista e tributária na alienação do estabelecimento empresarial regulada pela

Lei n. 11.101/2005. Também se procurou esclarecer as possíveis formas de

recebimento desses créditos.

Com o advento da Lei n. 11.101/2005 positivou-se o princípio da

preservação da empresa em observância à sua função social, com o intuito de

viabilizar a manutenção das empresas economicamente viáveis e atenuar os

impactos nos casos de falência.

Em vista disso, o assunto tratado neste trabalho é uma matéria

relativamente nova dentro do direito. E, justamente pela novidade, o tema desperta

muitas dúvidas, sendo objeto de discussão doutrinária e, também, pelos tribunais

pátrios.

Inicialmente, discorreu-se sobre o empresário, partindo-se da sua

conceituação, e para melhor compreensão da mesma, sentiu-se a necessidade de

definir os elementos que o caracterizam. Desse modo, entende-se por empresário

a pessoa física que exerce atividade empresarial e assume individualmente o risco

dessa atividade. Por sua vez, sociedade empresária é, em síntese, a reunião de

pessoas para a exploração profissional de atividade econômica organizada. Só

depois então se definiu empresa, a partir do conceito legal de empresário e dos

diferentes aspectos analisados pela doutrina, entendendo-se esta como a atividade

econômica cuja organização tem a finalidade de produzir ou fazer circular bens ou

serviços.

Além disso, quanto a sua função social, observou-se que esta deriva da

função social da propriedade e que o exercício da empresa deve ir além do lucro,

alcançando resultados que também beneficiem o desenvolvimento da sociedade.

E, ainda, que a normatização do princípio da preservação da empresa, inserido

pela Lei n. 11.101/2005, ocorreu em cumprimento à função social da mesma, com

a finalidade de proteger os interesses dos envolvidos no risco do exercício da

atividade empresarial.

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Por sua vez, conceituou-se o estabelecimento empresarial com base na

legislação civil pátria e nos posicionamentos doutrinários. Concluindo-se, então,

que se trata do conjunto de bens necessários que o exercente da atividade

empresária, seja ele empresário individual ou sociedade empresária, organiza para

tornar possível a prática da atividade econômica, sendo parte integrante do seu

patrimônio e, portanto, pode ser objeto de negociação.

A Lei n. 11.101/2005 igualmente prevê a alienação do estabelecimento

empresarial, entretanto, como meio de recuperação judicial e forma de realização

do ativo na falência. A alienação como meio de recuperação judicial deve estar

previamente relacionada no plano de recuperação e será efetuada dentro das

modalidades previstas para a realização do ativo no processo de falência.

Entende-se como forma de realização do ativo a venda do estabelecimento, com

a qual o valor ganho na arrematação é destinado ao pagamento das dívidas do

falido.

A alienação poderá ocorrer sob a venda do estabelecimento empresarial

em bloco ou dos bens individualmente considerados e, nesse ponto, a legislação

falimentar é clara ao estabelecer uma ordem de preferência para a realização da

alienação; medida que se justifica em razão do que a atividade empresarial

representa enquanto fonte produtiva.

Na seqüência foi abordado o tema em si, ou seja, a ausência de sucessão

do adquirente de estabelecimento empresarial, especialmente no que concerne

às dívidas trabalhistas e tributárias. Para isso, discorreu-se inicialmente sobre a

configuração da sucessão daquele que adquire o estabelecimento empresarial,

mediante o contrato de trespasse, este regulado pelo Código Civil, confrontando-

se com a implicação nas legislações trabalhista e tributária.

Por fim, foram analisados os dispositivos da Lei n. 11.101/2005 que

afastam a responsabilidade pelo pagamento das dívidas trabalhistas e tributárias

daquele que adquire filiais ou unidades produtivas isoladas como meio de

recuperação judicial ou, que arrematar estabelecimento empresarial alienado para

a realização do ativo no processo de falência. E, ao final, as possíveis formas de

pagamento desses créditos.

Da análise de toda a matéria abordada, pode-se afirmar que se a teor da

legislação falimentar não há sucessão do arrematante nas obrigações do

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devedor, deduz-se que a responsabilidade pelo crédito trabalhista será da

empresa sob recuperação judicial.

E, mais: se é no plano de recuperação que o devedor estabelece quais os

meios de recuperação que serão aplicados, ainda que a legislação não seja

específica, é possível inferir que também nele devem restar estabelecidos os

procedimentos e condições de pagamento dos créditos trabalhistas vencidos e

que não serão assumidos pelo adquirente de filiais ou de unidades produtivas

isoladas do devedor.

Quanto as alterações introduzidas pela Lei Complementar n. 118, de 9 de

fevereiro de 2005, ao Código Tributário Nacional quanto a não sucessão das

dívidas tributárias ao estabelecer novas regras a respeito da responsabilidade

por sucessão de estabelecimentos empresariais adquiridos em processo de

recuperação judicial e falência, entende-se que no processo de falência o

pagamento dos débitos tributários será efetuado nos mesmos moldes do crédito

trabalhista, obedecendo à ordem dos pagamentos que deverão ser efetuados

pela massa falida, como também a classificação dos credores concursais.

Desse modo, em razão de toda limitação encontrada nos posicionamentos

exarados a respeito do tema objeto do presente estudo, bem como da análise dos

dispositivos pertinentes ao mesmo, pode-se dizer que a única opção que resta ao

credor tributário para ter quitado seu crédito, assim como ocorre ao trabalhista, é

aguardar que as forças da massa falida sejam suficientes para alcançá-lo na

ordem de classificação em que está inserido.

Por todo o exposto, ainda que os dispositivos da lei falimentar sejam

conflitantes com outras legislações específicas, como é o caso da Consolidação

das Leis do Trabalho, e que sua sistemática não seja dotada de clareza, constata-

se que o legislador optou pela preservação da empresa enquanto atividade

econômica que faz circular bens e serviços em detrimento dos credores. No caso

da recuperação judicial a Lei n. 11.101/2005 prevê meios para fomentar a

empresa na tentativa de solucionar sua crise econômica e/ou financeira e, na

falência, possibilita a continuação da atividade inclusive com a contratação dos

empregados do devedor por meio de novos contratos.

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