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10 REVISTA NACIONAL DE EDUCAÇÃO A RUSSIA NA IDADE MEDIA Alberto Chílde (Continuação) Embora a soberana tivesse adotado a religião cristã, o povo in- teiro ainda não aceitou a fé nova; os meios militares vivendo mais perto da côrte, mostraram-se particularmente contrarios: "Somos ho- mens guerreiros, diziam, e não mulheres, e não nos convem aquela re- ligião". A rainha, entretanto, não praticava a riscos os ensinamentos da doutrina de mansuetude. Era uma mulher de espírito forte e vinga- tivo. O seu filho, Sviatoslav I, guerreando constantemente fóra do . país, ora no Caucasio, ora nas terras de Byzancio, - Olga, na sua au sencia, ocupara o trono, com autoridade mascula , Ávida de vingar a morte do marido, Igor, morto pelos Drevlia- nos, ela convidou os chefe;; destas tribus a um banquete, e, quando in toxicados pelas bebidas, não prestaram atenção ao que se passava ao redor deles, Olga mandou murar as portas da sala. subterranea onde a festa se tinha realizado. O ocidente, já de longo tempo catequisado, aliás, não era menos barbaro -- basta lembrar "os murados de Carcassonne". Mas a rainha era bôa administradora, creou centros de co- mercio sobre as grandes vias fluviais, fortificou diversos pontos impor- tantes, os antigos goroditches, e regularizou os tributos a receber das populações submetidas a seu reino. Durante este tempo, Sviatoslav, com seu general em chefe, Sveineld, Libertava a Russia nascente do jogo dos Khozars do Volga, es- tendia suas armas sobre a Oka, afluente sul da Volga, e nas regiões meridionais, sempre desejoso de submeter Byzancío, combateu até sobre as ribas do Danubio. Os Bulgaros, tribu de origem asiatica, estabelecida na Macedo- nia, na Thracia, na antiga Mesia romana acabaram de se dividir em duas províncias rivais, sob a influencia de uma heresia, a dos Bogomi-

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10 REVISTA NACIONAL DE EDUCAÇÃO

A RUSSIA NA IDADE MEDIA

Alberto Chílde

(Continuação)

Embora a soberana tivesse adotado a religião cristã, o povo in-teiro ainda não aceitou a fé nova; os meios militares vivendo maisperto da côrte, mostraram-se particularmente contrarios: "Somos ho-mens guerreiros, diziam, e não mulheres, e não nos convem aquela re-ligião". A rainha, entretanto, não praticava a riscos os ensinamentos dadoutrina de mansuetude. Era uma mulher de espírito forte e vinga-tivo.

O seu filho, Sviatoslav I, guerreando constantemente fóra do .país, ora no Caucasio, ora nas terras de Byzancio, - Olga, na sua ausencia, ocupara o trono, com autoridade mascula ,

Ávida de vingar a morte do marido, Igor, morto pelos Drevlia-nos, ela convidou os chefe;; destas tribus a um banquete, e, quando intoxicados pelas bebidas, não prestaram atenção ao que se passava aoredor deles, Olga mandou murar as portas da sala. subterranea onde afesta se tinha realizado.

O ocidente, já de longo tempo catequisado, aliás, não era menosbarbaro -- basta lembrar "os murados de Carcassonne".

Mas a rainha era bôa administradora, creou centros de co-mercio sobre as grandes vias fluviais, fortificou diversos pontos impor-tantes, os antigos goroditches, e regularizou os tributos a receber daspopulações submetidas a seu reino.

Durante este tempo, Sviatoslav, com seu general em chefe,Sveineld, Libertava a Russia nascente do jogo dos Khozars do Volga, es-tendia suas armas sobre a Oka, afluente sul da Volga, e nas regiõesmeridionais, sempre desejoso de submeter Byzancío, combateu até sobreas ribas do Danubio.

Os Bulgaros, tribu de origem asiatica, estabelecida na Macedo-nia, na Thracia, na antiga Mesia romana acabaram de se dividir emduas províncias rivais, sob a influencia de uma heresia, a dos Bogomi-

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Ios que o tsar Pedro 1°, era fraco demais para reprimir. Byzancio,secretamente fomentava a dissolução do reino ; já os Serbos tinham caí-do debaixo do dominio grego, e o imperador Nicephoro Phocas, bemesperava tirar vantagem da fraqueza de Pedro e das dissenções interio-res do país.

Os Hungaros, contra a promessa dos Bulgaros de lhes fechar apassagem, percorriam as províncias bizantinas, devastando as aldeias,em busca das altas planicies do Dunai , Ora Pedro 1°, não cumprindo apromessa feita, mandou ainda em 966, emissários seus para receber deByzancio, uma pensão que fôra concedida em troco deste serviço.

Phocas acabava de celebrar uma grande vitoria na Asiaquando os embaixadores se apresentaram no meio da festa. O impera-dor se levantou e publicamente insultou os emissarios: "Ide embora,escravos, filhos de cães, - dizei ao vosso rei barbaro, que o Basileusirú.em pessoa lhe levar o ouro que desejar I" E mandou esbofetear os en-viados bulgaros.

Ora Nicephoro sabia quanto eram dificeis e traiçoeiros os cami-nhos montanhosos que conduziam para. Preslav. na Bulgaria, e pensoumuito habilmente, mandar atacar o reino inimigo, por visinhos, tambemaudaciosos e desejosos de conquistar o país. Ele delegou então, perto dórei dos Russos, Sviatoslav, um nobre grego, Kalocyros, com ricos pre-sentes, e mandou sugerir-lhe a idéa de atacar os Bulgaros, enfraqueci.dos pelas lutas intestinas.

Sviatoslav não podia resistir a esta tentação. Imediatamente par-tiu com 10.000 soldados, seguindo o curso do Dnieper em barcos de umapeça só, á moda das montarias dos indios , Logo que conquistaram o norteda Bulgaria, Preslav cahiu, Belgrado e Vidin. Ele ia prosseguir contrao Sul, quando os Petchenegos, aos quais a derrota anterior dos Khozarse a sua dispersão abriram o caminho de Kief - vieram assediar a cidadecapital de Sviatoslav, durante a sua ausencia. Sviatoslav suspendeutemporariamente a campanha bulgara para libertar a sua capital, - erepeliu os inimigos nas estepes da Ukrania.

Nicéphoro entretinha espias em redor dos chefes russos; e nosbanquetes, nas orgias aos quais se livraram estes ultimos na cidade dePreslav (Pereyáslavets), mais de uma palavra imprudente foi pronun-ciada. Ele assim, aprendeu que os Russos não tencionavam limitar-seá conquista da Bulgaria, mas que ricos da pilhagem e fortes, eles sonha-vam prosseguir até Byzancio;

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o Basileus despachou então, embaixadores subtis ao rei Pedro epropoz uns tratados de aliança para restabelecer um imperio bulgaro po-deroso. que fosse como um estado - tampão, entre a Russia e oimperio grego. E Byzancio se preparava para a luta quando Nicéphorofoi assassinado por João Tzimiscés.

Sviastolav julgou a ocasião favorável, e invadiu de novo a Bul-garia. Pedro tinha morrido, Romano e Boris, seus filhos, que dirigiama resistencia foram aprisionadas. Preslav cahiu em poder de Sviatoslav;ma este, continuou sua avançada e encontrou-se com Tzimiscés. O prin-cipe russo, acabara de tomar Philippopoli (790) vinte mil homens ti-nham perecido, quer nos combates, quer nos massacres terriveis queseguiram fi, tomada da cidade. A. Bulgaria amedrontada, não era maisque um vasto silencio.

Tzimiscés, quis ganhar tempo para completar e aumentar seusarmamentos, e entreteve palabras por emissarios, com o chefe russo, lem-brando-lhe o malogro de seus antecessores. Propunha até pagar a Svi-atoslav o preço de seus serviços, vencendo os Bulgaros.

Tudo nêste sentido foi inutil, Sviatoslav vitorioso, persuadidode sucessos futuros, ameaçavam o Basileus, de suas tropas, e pretendiafincar suas barracas em frente ás muralhas de Byzancio ,

Si o imperador grego reunia contingentes poderosos, vindo daAsia, Sviatoslav, por seu lado, unia-se aos Rungaros, aos Petchenegos eás tropas levantadas liO Balkan e nos Carpathos.

Quando o choque se deu, em Lulé-Burgas, antiga Arcadiopolisa disciplina grega dispersou as tropas Bulgaras e Húngaras, e as tropasde reserva de 'I'zimiscés, aproveitando a desordem, dispersaram os russos,já cansados da ação demorada.

viatoslav retirou-se para Preslav, e ocupou-se de pilhar as proviu-Üc1S septentrionais.

Tzimisoés tirou. da Asia, tropas frescas, e no maior segredo man-dou. a frota penetrar no Danubio e cortar toda retirada .ao exercitoru~~o.

Sviatoslav informado da presença dos bizantinos nas bocas doDanubio, apressou-se em direção a Dristr (Silistria), mas era tarde.

Svieneld que tinha ficado em Preslav, surpreendido pelo ataquerepentino dos Bizantinos lutou desesperadamente, mas a cidade teveque ceder sob o numero, e pelo incendio. Cidade e palacio de madeira,tudo foi consumido, os Russos sucumbiram - poucos escaparam, entreoutros Svieneld, o general e fiel companheiro de Sviatoslav.

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tEle ia a Dristr, onde seu rei, esperava o Basileus, com suas tro-pas.

!A. cidade terrivelmente fortificada foi reconhecida, como impos-sível a capturar; então os gregos acercaram-se e esperaram tudo dafome.

Cinco saídas, tentaram os Russos sem sucesso; na sexta, os Bi-zantinos resolveram acabar, e lançando todas suas forças sobre os infe-lizes, esmagaram os sobreviventes, já reduzidos pela fome, pelas epide-mias e pelos combates. Sviatoslav entretanto, conseguiu ainda esca-'par, mas propoz a paz e a entrega da cidade, se o deixassem com os seusultimos guerreiros voltar á Russia, e que lhe dessem, na mesma ocasião,o trigo de que precisava.

Tzimiscés anuiu e os Russos escoltados pela frota grega desçeramo Danubio. Mas a triste odisséa não estava acabada. Quando no Danu-bio, pensavam ganhar Kiev, os Petchenegos os esperavam, sem duvida,á investigação do perfido Basileus - e eles tiveram que passar o invernono meio das privações, sobre a riba do rio.

Tentaram na primavera, forçar a passagem, e 00 PetchenegosOE cercaram e massacraram até ao ultimo. Assim, pereceu o heroeSviatoslav, que foi o terror da Bulgaria e de Byzancio.